Capítulo 33 – Encefalopatia Hipóxico-Isquêmica

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ENCEFALOPATIA HIPÓXICO-ISQUÊMICA
INTRODUÇÃO
Síndrome neurológica, usualmente relacionada à asfixia perinatal ou a qualquer
condição que curse com hipoxemia, isquemia e acidose no feto, antes ou durante o
parto. Pode desencadear a cascata de alterações que culmina na lesão do sistema
nervoso central. Ocorre em recém-nascido (RN) a termo ou pré – termo tardio ( ≥ 36
semanas) , e caracteriza - se por desconforto respiratório, apneia, alteração do nível de
consciência, depressão dos reflexos e do tônus muscular e presença de convulsões.
QUADRO CLÍNICO
O insulto hipóxico-isquêmico pode levar a sinais e sintomas relacionados ao sistema
nervoso central e a comprometimento de outros órgãos. As manifestações neurológicas
podem se iniciar ao nascimento ou após algumas horas de vida. A síndrome neurológica
classifica - se, de acordo com Sarnat e Sarnat, em três estágios de acordo com a
gravidade (ver tabela 1).
DIAGNÓSTICO
Não existe exame padrão ouro diagnóstico da EHI. Avalia-se o quadro clínico, a
presença de antecedentes de asfixia perinatal, a necessidade de manobras de reanimação
na sala de parto e escore de Apgar. Também realizam - se exames complementares:
análise liquórica, eletroencefalograma, ultrassonografia transfontanelar, tomografia
computadorizada e ressonância magnética.
Análise liquórica: realizar punção lombar em todo RN com EHI, sobretudo se houver
suspeita de quadro infeccioso.
Eletroencefalograma (EEG): avalia a gravidade da EHI; as alterações variam de
acordo com o estágio da EHI.
Ultrassonografia transfontanelar: sempre indicada. Detecta precocemente as lesões
cerebrais e é útil como método de triagem para realização de exames mais complexos.
Tomografia computadorizada: consegue identificar lesões no córtex cerebral,
gânglios da base, tálamo e região periventricular.
Ressonância magnética: fornece imagens com maior resolução, propiciando maior
precisão e precocidade no diagnóstico.
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Tabela 1. CLASSIFICAÇÃO DA ENCEFALOPATIA HIPÓXICO-ISQUÊMICA
(EHI) – Classificação de Sarnat e Sarnat, 1976.
Características
Estágio 1 (leve)
Estágio 2
(moderada)
Estágio 3 (grave)
Nível de consciência
Hiperexcitabilidade
ou irritação
Letargia ou
obnubilação
Estupor ou coma
Movimentos
espontâneos
Aumentados
Diminuídos
Diminuídos ou
ausentes
Tônus mescular
Normal ou
hipertonia leve
Hipotonia leve
Flacidez
Postura
Flexão discreta de
extremidades
Flexão acentuada
de extremidades
Movimentos
intermitentes de
descerebração
Reflexos complexos
Normais
Diminuídos
Ausentes
Função autonômica
Predomínio do
simpático
Predomínio do
parassimpático
Ambos deprimidos
Pupilas
Midriáticas
Mióticas
Posição média e fixa
ou anisocóricas e
pouco reagentes à luz
Respiração
Espontânea
Espontânea ou
apneias ocasionais
Periódica ou apneia
Frequência cardíaca
Taquicardia
Bradicardia
Variável
Secreção brônquica e
salivar
Escassa
Abundante
Variável
Motilidade
gastrointestinal
Normal ou
diminuída
Aumentada
Variável
Convulsão
Ausente
Comum
Rara
EEG
Normal
↓ da voltagem,
espículas focais e
multifocais.
Padrão periódico com
fases isoelétrico ou
isoelétrico
Duração dos sintomas
Menos de 24 horas
Dois a 14 dias
Horas a semanas
Prognóstico
neurológico
Normal
80% normal ou
alterado se
sintomas persistem
mais de 5 a 7 dias
50% de óbitos e o
restante com sequelas
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TRATAMENTO
Medidas gerais:
1. Ao nascimento o RN deve receber atendimento rápido e eficaz utilizando o
protocolo de reanimação neonatal em sala de parto para minimizar a lesão
cerebral secundária ao insulto hipóxico-isquêmico.
2. Assistência ventilatória: o asfixiado deve ser mantido em ventilação mecânica
por 48 a 72 horas. Monitorizar oxigenação e ventilação e ajustar o suporte
ventilatório. Objetivos:




pH: 7,25 – 7,40;
PaO2: 50 -70mmHg;
PCO2: 45 – 60mmHg;
SatO2: 89 – 93%.
3. Suporte hemodinâmico: manter a pressão arterial conforme idade gestacional.
Na asfixia a perfusão cerebral está estreitamente relacionada à pressão arterial
sistêmica pela perda da autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral. A
manutenção da pressão de perfusão cerebral requer pressão arterial média
sistêmica entre 45 e 50mmHg. Se necessário utilizar drogas vasoativas para
manter pressão arterial. Evitar hipertensão e sobrecarga hídrica por piorarem o
edema cerebral.
4. Suporte metabólico e nutricional:




Corrigir acidose metabólica;
Glicemia - 75 e 100mg/dL;
Cálcio sérico - 7 e 11mg/dL;
Dieta zero oral por 48 a 72 horas ou até estabilização hemodinâmica e
metabólica.
5. Equilíbrio hidroeletrolítico: adequar a oferta de líquidos e eletrólitos,
objetivos:
 Débito urinário > 1mL/Kg/hora;
 Sódio sérico 135 a 145mEq/L;
 Potássio sérico 3,5 a 4,5mEq/L.
Medidas Específicas
1. Controle das convulsões
As convulsões podem ocorrer precocemente (focais ou multifocais). Deve - se verificar
distúrbios metabólicos, e tratá-los quando presentes. O tratamento farmacológico das
crises convulsivas envolve preferencialmente os barbitúricos por redução do
metabolismo cerebral, promovendo a preservação de energia ( estratégia
neuroprotetora). O fenobarbital é a droga de primeira escolha nas convulsões
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secundárias à hipóxia-isquemia. Não administrar fenobarbital profilático em RN
com diagnóstico de EHI. Associar fenitoína se não cessarem as crises. Podem ser de
difícil controle nos estágios precoces da EHI (primeiras 72 horas), atingindo - se o nível
máximo terapêutico do fenobarbital, quando necessário. Se as crises não cederem com
fenobarbital e fenitoina, administra-se o midazolam. Vide capítulo de convulsões
neonatais.
2. Controle do edema cerebral
O insulto hipóxico-isquêmico predispõe o RN a sobrecarga hídrica, sobretudo em
função da redução do débito urinário. Pode ocorrer anúria ou oligúria (diurese <
1ml/kg/hora) por secreção inapropriada do hormônio antidiurético ou necrose tubular
aguda. O manejo inclui restrição hídrica (cerca de 60ml/kg/dia, ou menos). No entanto,
pode ser necessária a expansão volumétrica com soro fisiológico para manter pressão
arterial média e pressão de perfusão cerebral. Não estão indicados: agentes
hiperosmolares, glicocorticoides e hiperventilação.
3. Prevenção de lesão neuronal tardia
Teoricamente as intervenções terapêuticas seriam mais eficazes até 5 horas após o
insulto. Nas primeiras seis horas ocorre: redução do fluxo sanguíneo e do aporte de
oxigênio cerebral com redução de substrato para metabolismo energético,
principalmente glicose, e uma série de eventos bioquímicos com aumento do cálcio
intracelular. Após o primeiro estágio da lesão cerebral, há recuperação parcial do fluxo
sanguíneo (em 12-24 horas), segundo estágio ou estágio de reperfusão.
Entre esses dois estágios da lesão cerebral, existe a fase de latência, que acontece em
média em 5,5 horas após o insulto, e parece ser o momento ideal para intervenções
terapêuticas. É imperioso conhecer o momento do evento inicial, para atuar na janela
terapêutica. O objetivo é reconhecer precocemente os recém-nascidos afetados a fim de
se utilizar estratégias visando a interrupção da cascata de eventos que provocam a lesão
neuronal.
Intervenções neuroprotetoras para os recém-nascidos com EHI, como o uso de
barbitúricos, inibidores de produção de radicais livres, bloqueadores de receptores de
neurotransmissores, prevenção da formação de óxido nítrico, ainda estão em fase
experimental e necessitam de mais estudos para que sejam indicados formalmente.
Hipotermia: é a única terapia neuroprotetora efetiva disponível para o tratamento da
EHI no neonato. Tem eficácia limitada.
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