Eutanásia: questões médico-legais

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Eutanásia: questões médico-legais
Fabiola Maria Stolses Bergamo Machado
Especialização em Gestão em Saúde - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho –
UNESP
Aperfeiçoamento à Distância em Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa – Fundação Oswaldo
Cruz – FIOCRUZ
Curso de Especialização em Geriatria - Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de
Medicina
Curso de Especialização em Geriatria - Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP
Curso de Extensão de Atualização em Geriatria e Gerontologia - Faculdade de Ciências Médicas –
UNICAMP
Curso de Extensão em Atenção Integral ao Adulto - Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP
Curso de Especialização em Medicina do Trabalho - Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP
Curso de Especialização Multiprofissional em Saúde da Família - Faculdade de Ciências Médicas –
UNICAMP
Graduação em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos – Centro Universitário
Lusíadas – UNILUS
2
Av. AntoniaPizzinatoSturion, n° 950, casa 42
Jardim Petrópolis - Piracicaba – SP
CEP: 13420-640
Tel: (019) 9796-9981
(019) 9677-0909
E-mail: [email protected]
Artigo científico apresentado como exigência do
curso de Pós-Graduação para obtenção do titulo
de Especialista em Medicina Intensiva em face da
Faculdade Redentor em parceria com o Instituto
Terzius, sob orientação do Prof. Renato Giuseppe
Giovanni Terzi.
CAMPINAS – SP
2013
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RESUMO
O polêmico tema da Eutanásia é neste artigo revisto sob o olhar médico-legal, compreendendo
exposição concentrada nas questões de ordem teórico-normativa, conquanto compreenda
ponderações de caráter sociológico, uma vez evidenciar os dilemas relativos à dignidade da vida
humana em seus últimos momentos, filiando-se aos estudos que permeiam os ambientes da
Medicina Intensiva. Objetiva-se, além de reavivar para o leitor a temática como um todo, melhor
aprofundar-se sobre o assunto, visando por sua vez a adoção de posturas éticas condizentes com
as abordagens clínicas que se fazem necessárias, lastreando-se, fundamentalmente, na visão
conceitual e composição jurídica do tema, dentro do Brasil. Isto se dará sob o método da pesquisa
bibliográfica de tipo exploratório-descritiva, apresentando qualitativamente o que se pode extrair de
outros estudos pretéritos sobre o assunto. Os resultados denotam, com evidência, a relevância em
se conhecer as modalidades que cercam a eutanásia e suas implicações. Por conclusão, é possível
afiançar a luta premente pela vida enquanto ela houver, não obstante obrigar o médico intensivista
a aliviar o quanto possível os sintomas desagradáveis de cada situação concreta que sobre o
paciente recai.
Palavras-chave: Eutanásia; Medicina; Unidade de Terapia Intensiva.
SUMMARY
The controversial issue of euthanasia is reviewed in this article under the watchful medicolegal,
comprising exhibition concentrated on issues of theoretical-normative, although weightings
understand the sociological, as evidence the dilemmas concerning the dignity of human life in his
last moments, affiliating themselves to studies that permeate the environments of Intensive Care
Medicine. The purpose is, besides reviving the reader to the subject as a whole, rather delve on the
subject, aiming to turn the adoption of ethical stances consistent with the clinical approaches that
are necessary. This will be under the method of literature research of an exploratory-descriptive,
presenting qualitatively what can be learned from past tenses other studies on the subject. The
results show, with evidence, the relevance of knowing the procedures surrounding euthanasia and
its implications. In conclusion, it is possible to secure the urgent struggle for life as it exists,
nevertheless compel the physician to relieve the unpleasant symptoms as possible in every situation
on which the patient deceits.
Keywords: Euthanasia; Medicine; Intensive Care Units.
Introdução
Dentro das Unidades de Terapia Intensiva em que o polêmico tema da morte, por mais
óbvio que possa se constituir, por sê-lo inerente a todos, suscita elementos sociológicocientíficos, além de jurídicos, ligados à eutanásia, recorrentemente faz confrontar, por
certo, médicos e equipes, além dos próprios pacientes e familiares.
Diante da remotíssima ou inexistente perspectiva de cura ou de parcial reabilitação a ser
conseguida, exsurgem as questões ético-legais atinentes à manutenção da vida, ao
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suportar da dor e dos desconfortos próprios de quem está em situação incapacitante ou,
enfim, muito próxima da morte; fala-se dos quadros médicos de irreversibilidade da
condição do indivíduo que se distancia enormemente da saúde de modo irrefutável. A
permissão ou a facilitação para que a morte de pacientes em tais estados se dê é que se
constitui o ponto central da eutanásia, neste breve artigo rediscutida sob o eixo médicolegal, lembrando desde já que tal prática não é permitida no Brasil e na maior parte do
mundo, conquanto haja gradual aumento da discussão e mesmo da perpetração de
condutas favoráveis à eutanásia (em alguma de suas modalidades) de modo a aliviar o
sofrimento humano.
Pondera-se também acerca do conjunto de recursos tecnológicos na atualidade
existentes e que comungam pela perpetuação (conservação) da vida e de sua
necessidade extremada; ou seja, se a garantia do prolongamento da vida por intermédio
de tal aparato merece debates sobre sua limitação. De outro modo, a linha divisória entre
a postergação do sofrimento, quando este é insuportável ou demasiado sentido, e a
manutenção da vida a todo custo, dá ensejo à questão bioética e legal, ratifica-se,
concernente ao tema eutanásia.
Justifica-se deste modo o presente estudo tendo por fundamentação o acima já exposto;
por outras palavras, mostram-se relevantes novos olhares que se debruçam sobre algo
medicinal e sociologicamente importante, reproduzindo, igualmente, os aspectos
jurídicos incidentes e que devem também sistematicamente estar inculcados nas mentes
dos profissionais da saúde.
Objetivando-se rever e se aprofundar no assunto para a adoção adequada de
posicionamento
procedimental
e
ético-legal
acerca
do
assunto,
opta-se
metodologicamente por explorá-lo e descrevê-lo sob o sistema da pesquisa bibliográfica
de caráter qualitativo, acreditando ser o mais pertinente nesta ocasião e em face do que
se é proposto.
Por fim, cumpre clarear nesta introdução que o trabalho científico segue estruturado em
dois itens básicos: conceituação das modalidades da eutanásia e o tratamento atual que
o direito sobre ela recai no Brasil.
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1 EUTANÁSIA
1.1 Conceituação
Muitas são as definições e os conceitos empregados para a explicação da eutanásia,
bem como muitas e divergentes são as posições assumidas por estudiosos acerca da
temática, ora sendo favoráveis, ora contrários à facilitação da morte de pessoas
gravemente enfermas, com destaque para àqueles que se encontram internados em
Unidades de Terapia Intensiva – UTI (KIERNAN, 2006).
Para Borges (2005, p. 01), eutanásia é o “procedimento pelo qual se abrevia a vida de um
indivíduo que se encontra sob a ação de doença ou estado incurável, o que se daria de
modo controlado e assistido por um especialista”. O direito de auxiliar a chegada da morte
ou o direito de morrer em razão de agudo estado de enfermidade, para França (1975, p.
44), concerne ao “ato de proporcionar morte sem sofrimento a uma pessoa, desde que
atingida por afecção incurável e detentora de dores insuportáveis, com permissão própria
ou dada por familiares próximos”.
“Morte digna” ou “morte suave” também são outras locuções encontradas para a prática
da eutanásia, como lembra Santoro (2010, p. 14).
É, indubitavelmente, questão de elevada polêmica, uma vez dizer respeito ao confronto
que o médico (além de outros envolvidos) faz diante de seu dever moral e legal de
preservar a vida de seus pacientes, simultaneamente com o desejo – principalmente
oriundo dos próprios doentes agudos – de ver seu sofrimento findo, com a antecipação da
morte a ter lugar, justamente com o auxílio de algum modo dado por ato do profissional
médico (pela ação ou inação medicamentosa ou procedimental).
Tendo em conta o elevado e incomparável valor que a vida do ser humano tem, a maioria
das legislações compreende a eutanásia como crime, uma vez equiparar em seu conjunto
normativo tal prática aos delitos de homicídio ou auxílio ao suicídio.
De prática ilegal no Brasil, vale estudá-la por diversos motivos, seja pela própria
assimilação de sua ilegalidade, seja por demandar reflexões de ordem antropológica,
bioética, religiosa etc. Isto porque, para quem a defende, seria a eutanásia em seus
diversos tipos a seguir examinados, uma ato humanitário, uma vez abrigar ações ou
inações que, se por um lado contribuem para a morte, protegeriam a dignidade humana e
evitariam o prolongamento da dor e do sofrimento de doentes terminais.
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Por oportuno, deve-se ter por doentes terminais, como é do ensinamento novamente de
França (1975, p, 47), que doente terminal “é aquela pessoa com doença em fase
irreversível,
encontrando-se
em
elevado
sofrimento
espiritual,
psicológico
ou
eminentemente físico, com perspectiva de vida não superior a um ano”.
Seja o doente terminal possuidor de lucidez ou em estado vegetativo permanente (este
normalmente considerado após um mês de estupor), os defensores da eutanásia creem
no direito ao recebimento da antecipação da morte como ato caridoso, entendendo ser
justa a suspensão de certos cuidados ou interrupção de determinados procedimentos,
incluindo até aqueles que defendem a aplicação ativa de produto medicamentoso
provocador do falecimento; seria um ato de compaixão com o doente agudo
(LEPARGNEUR, 1999).
As explicações ou conceituações que cercam a eutanásia de modo favorável, como aduz
Lepargneur (1999), percorrendo novamente fatores humanitários, concernem que,
mesmo diante do temor da morte, a existência do fardo que são as dores e as
complicações diversas oriundas das doenças, e até da percepção do extremo sofrimento
não só pessoal mas das pessoas próximas, o acamado sente fortemente que optar por
ela (a morte), pode ser menos doloroso, repita-se, do que estender as sensações
agoniantes que os males trazem. Prossegue conjecturando Lepargneur (1999) que as
Unidades de Terapia Intensiva de todo o mundo estão repletas de pessoas em estado
terminal, sem chances reais de recuperação, muitas vezes em estado de coma ou,
mesmo conscientes, muitíssimo limitadas em seus movimentos, passando por vezes
anos e anos com interação nula ou quase nula com o mundo exterior, considerando ainda
que tal exterior pode ser tão somente a sala de UTI.
Afora isto, tem-se por abordagem bastante fundamentada, como é o que vem do ensino
de Pessini (2001), que as medidas curativas ou de tratamento devem encontrar certo
limite, uma vez colaborar com o alargamento do sofrimento, podendo sem entendido
também como de inútil, ou pior, de desumana atuação o ministrar de medicamentos e a
adoção de procedimentos que façam perdurar por demais a vida, mas também o
sofrimento daqueles doentes muito graves.
Antes de passar adiante, com as classificações da eutanásia, vale pensar na
conceituação surgida, provavelmente pela primeira vez na história (embora antiga seja a
prática da eutanásia), sob a visão mais técnica por assim dizer, de W.E.H. Lecky (apud
PESSINI, 2001) no ano de 1869, ao dizer que a eutanásia é “o ato da indução suave e
mais fácil da morte”, sobretudo em pacientes terminais ou incuráveis” a fim de,
certamente, se lhes evitar maiores sofrimentos ou constrangimentos morais.
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1.2Classificação
As classificações que os teóricos imputaram à eutanásia referem-se a aspectos
diversos, podendo-se, portanto, encontrá-las sob muitas acepções.
De maneira dominante, pode dizer que, quanto à sua prática, esta pode ser
provocada ou natural. A eutanásia havida por natural, como ensina Smitherson
(2010, p. 51) é aquela em que o “óbito por si só acontece, sem interferências
externas ou sofrimento”. A eutanásia provocada, por sua vez, comporta a
intervenção de alguma conduta humana, vinda ela do próprio adoecido ou de
terceira pessoa.
Em complemento ou subdivisão à eutanásia provocada, Patersson (2003), diz que
pode ela (ratifica-se, a provocada) ser heterônoma ou autônoma, a depender este
subtipo do indivíduo que a pratica. Ainda para o mesmo autor, a eutanásia
heterônoma exige a presença de um terceiro a colaborar de algum modo com o
desatar da vida, enquanto a autônoma depende exclusivamente do próprio
paciente a dar fim a sua existência (PATERSSON, 2003).
No Brasil há total vedação à instigação ao suicídio e, claro, ao homicídio, mesmo
considerando a visão humanitária que a eutanásia pode assumir; entretanto, não
há como punir o suicídio propriamente por questão lógica. Não se pode, assim, o
ordenamento jurídico nacional impor qualquer restrição ou imputação legal penal
ou civil a quem já sucumbiu à vida por ação unicamente dela própria dependente
– é o caso da eutanásia autônoma (SILVA, 2000), que se constitui, no linguajar
jurídico, como fato atípico, sem interesse para o Direito Penal.
No que concerne ao mesmo ramo do direito brasileiro, a eutanásia heterônima é
tida pelo crime de auxílio, instigação ou induzimento ao suicídio, com previsão no
artigo 122 do Código Penal. Os defensores da eutanásia heterônima, nos países
em que ela coloca o participante como instigador do suicídio, como no caso
brasileiro, preferem chamá-lo de suicídio assistido (SILVA, 2000). Contudo, devese esclarecer que suicídio assistido diz respeito a outra situação, dissociada da
eutanásia heterônima, como volta a esclarecer Patersson (2003).
Ainda quanto à prática, diz-se de sê-la direta (também denominada ativa), indireta
(igualmente chamada passiva), e, ainda, de duplo efeito, todas estas tipologiassob
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o prisma classificatório ligado ao modo de se proceder à eutanásia. Na eutanásia
direta ou ativa o agente provê substância hábil a provocar a morte indolor e
instantânea da pessoa enferma; na de tipo indireta ou passiva o rompimento com
a vida se dá dentro da situação de terminalidade, ou seja, pela interrupção de
medidas extremas ou pela inação procedimental ou medicamentosa por parte dos
médicos.
A eutanásia de duplo efeito concerne, como ensina Lepargneur (1999), à morte
como decorrência indireta da aplicação de medicamentos e também da adoção de
procedimentos, sempre no sentido de livrar o paciente do sofrimento de sua
condição terminal – situação também exposta como crime pelo Código Penal.
No que tange ao consentimento proveniente do doente, este se classifica em
voluntário, involuntário e não voluntário, assim explicado por Siqueira-Batista
(2002, p. 32):
“involuntária: morte provocada independentemente e totalmente contra a
vontade pelo paciente manifestada;
não voluntária: morte provocada sem qualquer pronunciamento do
paciente, tanto contrária quanto favoravelmente ao ato ou aos atos
praticados;
voluntária: quando a morte tem por motivação o pedido do próprio
paciente.”
Esta classificação, originalmente proposta por Neukamp nos idos de 1937 (apud
SIQUEIRA-BATISTA, 2002, p. 32) tem implicação direta na responsabilização do
médico, mais adiante esmiuçada.
Dando prosseguimento às classificações, no que tange à motivação, tem-se por
comum quando a razão da eutanásia é a dor propriamente e o desejo dela se
livrar em definitivo; há a eutanásia eugênica, tendo por razão a eliminação de
doenças pela supressão das pessoas; há, por outro lado, a eutanásia econômica
em que a finalidade, abominável como a eugênica, é poupar gastos à sociedade,
como explica Siqueira-Batista (2002).
Finalmente, ainda quanto à motivação, esta pode ser classificada de espontânea
ou libertadora - ou ainda terapêutica para alguns, como faz referência D’Urso
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(2000) -, quando a morte, provocada por um médico, é ao doente oferecida como
compaixão em razão do que este sofre, como sendo um gesto que poderia ser
caracteristicamente chamado de humanitário, aliviando os sofrimentos intensos
dos adoecidos agudamente.
Há, em tempo, para completar o rol classificatório (embora haja outras vertentes
com pequenas variações) de se referir à classificação da morte dada e
reverenciada ao longo da história por Ricardo Villanova (apud FERNANDES, 1988)
que, em 1928, na Espanha, assim dispôs sobre a tipologia da morte, abarcando
evidentemente o filtro conceitual da eutanásia sob estudo:
“súbita: morte repentina;
destóica: morte decorrente das correntes do estoicismo, por outras
palavras, morte com o fim de pôr um ponto final nos transtornos da vida.
“Isso porque para os estóicos a morte é vista como o fim dos tormentos
terrenos e a fuga contra as dores e sofrimentos”;
econômica ou eugênica: eliminação de todos os seres vivos entendidos
como inúteis ou custosos;
legal: procedimentos por lei regulamentados;
natural: resultado normal do envelhecimento;
teológica: morte em estado de graça;
terapêutica: poder dado ao médico para a terminalidade da vida em
doentes terminais ou de muitas dores que sofriam” (RICARDO
VILLANOVA apud FERNANDES, 1988, p. 55).
Mais modernamente, realça-se, o termo eutanásia tem por repercusão temos antagônicos
e sucessivos no dizer de Lima Neto (2008). É o caso da distanásia: prática pela qual se
prolonga,
por
intermédio
de
meios
desproporcionais
e
artificiais,
um enfermo incurável, outrossim chamada de obstinação terapêutica.
a
vida
de
Há também a
ortotanásia: palavra utilizada pelos médicos para dizer da morte natural, sem interferência
daciência, consentindo ao paciente morte digna e sem sofrimento, deixando que a evolução
da doença prossiga seu percurso (LIMA NETO, 2008).
Evidentemente que aspectos sociológicos e antropológicos se fazem notar
gritantemente nesta temática, havendo posicionamentos bastante diversos quanto
à prática da eutanásia e de sua total reprovação.
As religiões são marcadamente contrárias à intervenção humana de qualquer tipo,
com raríssimas exceções, que caminhem por favorecer o ocaso da morte.
Acreditam os clérigos e seguidores que, como fazem referência Lima Neto (2008)
10
e Santoro (2010), somente a Deus é dado o direito moral e metafisicamente
admissível de se tirar a vida humana, não podendo, como até popularmente se
diz, lembra novamente Santoro (2010, p. 41), do “médico brincar de Deus”.
Evidentemente, a seriedade dos estudos e o nível de compreensão que já se tem
sobre o assunto não permite tais desvarios, comportando, em verdade,
discussões que sopesem de modo equilibrado as possibilidades técnicas, o
sentimento humanitário pelo próximo, o conjunto de recursos medicamentosos
existentes, e a própria vontade de cada um.
Não haveria que se falar em delito punível, opina-se desde já, quando a vida que
está sob análise – e aí variando gritantemente caso a caso – comporta dor e
sofrimentos extremos em quadros de gravidade do estado de saúde, mormente e
necessariamente quando a irreversibilidade é uma certeza indiscutível.
Neste sentido, embora ainda não sendo norma do direito positivado (em vigor
para todos e devendo ser amplamente observada por cidadãos, juízes, advogados
etc. e fruto de disposição legal de âmbito nacional que, in casu, careceria de
aprovação no Congresso Nacional), há resolução do Conselho Federal de
Medicina, à frente retomado, que, no rol dos atos administrativos de sua
competência, garante a possibilidade do médico, em tais situações graves e, como dito,
irreversíveis, limite ou suspenda tratamentos e procedimentos (Resolução de número
1.805/2006) – Lima Neto (2008).
Deste modo, a ortanásia (“morte correta”, thanatos: morte e orto: certo), significando o
não prolongamento artificial da ação da morte, além do que seria natural, e realizado por
médicos, gradualmente vem ganhando força como algo bioeticamente aceito, tanto que,
como há pouco referido, tem, ao menos, a liberação de sua condução dada pelo
Conselho Federal de Medicina no Brasil.
2 O DIREITO E A EUTANÁSIA
2.1 O Direito Brasileiro
Em razão da importância dos direitos fundamentais e direitos humanos para ter amplo
entendimento acerca da eutanásia, será brevemente analisado o direito fundamental à
vida e sua proteção na Constituição Federal de 1988.
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A Constituição Brasileira mostra, de modo geral, que a vida é o bem fundamental do ser
humano, pois sem a vida não há que se falar em outros direitos, nem mesmo os da
personalidade ou da individualidade que busca justamente a atenção a certos desejos e
padrões, estes que são pelo ordenamento protegidos (SILVA, 2000). Com base neste
entendimento (a vida como algo basilar e inicial), o homem tem a ela direito, ou seja, o
direito de viver, tem direito à vida digna e plena, carecendo de respeito aos valores e
necessidades à pessoa enxertadas, seja em que momento for, incluindo seus derradeiros
momentos (SILVA, 2000).
A Constituição da República, fonte normativa primeira, não define exatamente a vida ou
onde esta começa, contudo, declara que o direito à vida é inerente à pessoa humana,
posto que dele decorrem todos os demais direitos humanos fundamentais, sendo o direito
à vida inviolável e os dela decorrentes diretamente também, como é a morte digna.
Entende-se este direito como inerente à pessoa humana no sentido de ser um direito não
criado pelo Estado, mas por este reconhecido e garantido, dado que pertence ao ser
humano não por evolução histórico-axiológica, mas pelo simples fato de ter nascido
(CARDOSO, 2001).
Ainda para Cardoso (2001), este direito, por ser essencial ao ser humano, embasa os
demais direitos da personalidade e, nesta seara, a Constituição Federal de 1988 assegura
em seu artigo 5º a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, refere-se à integridade
psicofísica do ser humano globalmente considerado. No Brasil, em função da inexistência
de legislação clara acerca da eutanásia, aliás, ainda sem regulação exclusiva, valem as
regras do Código Penal sobre os crimes de homicídio e de instigação e outras ações que
estimulem por assim dizer, o suicídio. Fora isto, cada caso é interpretado à luz dos
tribunais – a formar o que se chama de jurisprudência –e a guiar outros juízes em face de
cada processo eventualmente em trâmite.
Em suma, se não houver adoção de medicação ou procedimento para tão-somente tratar
ou aliviar as dores do paciente, e, este incorrer em morte sem a participação ativa e
direcionada, portanto, do profissional da saúde no sentido de lhe ceivar definitivamente a
vida, não há crime (excepcionando, evidentemente, os casos em que comprovadamente
haja culpa ou dolo – o que não está em discussão).
Por outras palavras, qualquer modalidade da eutanásia em que haja a participação ativa e
direta do profissional da medicina implica em sua punição em face do sistema legal
vigente, uma vez guiado pelo próprio Código Penal já mencionado, e pelo princípio
constitucional de que a vida é o bem jurídico de maior valia, do qual não se pode indispor.
12
Sustenta-se, por outro lado, de forma marcantemente da vida prática hiospitalar e
jurisprudencial (coleção de decisões judiciais), que a ortotanásia tem características
normativas, posto garantida constitucionalmente pelo direito à morte digna, proclamada pelo
princípio da dignidade da pessoa humana (MORAIS, 2012).
E justamente visando regulamentar a prática da ortotanásia naesfera das atividades
desenvolvidas pelos médicos, o Conselho Federal de Medicina do país editou em 09 de
novembro de 2006 a Resolução de número 1.805/2006, a qual dispõe sobre aapreciação
que aquele Conselho sopesou de que a ortotanásia pode ser aceita a depender dos casos
concretos e também da relação médico-paciente, relembrando, como assevera Kiernan
(2006) que a ortanásia é o deixar avançar da doença em seus últimos estágios, sem
intervenção médica ativa, comportando, o que se mostra de certo modo contraditório
semanticamente, a suspensão procedimental e medicamentosa.
Mas, para o Conselho, deve-se dizer, a ortotanásia vem assim definida, como é do texto
administrativo daquela entidade, tendo sido bem aceita pela sociedade e atores judiciais
brasileiros, embora não seja lei propriamente:
“Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao
médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem
a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os
sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência
integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal”
(Res. 1.805/2006 CFM) (MORAIS, 2012, p. 04).
Esta definição objetiva assegurar a efetividade de garantias da dignidade do indivíduo em
consonância com a Constituição Federal. Vale ainda reproduzir que – da mesma resolução:
“Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e
tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de
enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu
representante legal.
§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu
representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada
situação.
§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada em
prontuário.
§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de
solicitar uma segunda opinião médica.[...]”(Res. 1.805/2006 CFM) (MORAIS,
2012, p. 04).
13
Neste dispositivo legal é de se verificar que além do respeito às garantias e direitos da da
pessoa humana e da liberdade e autonomia privada, há igualmente o direito ao acesso à
informação sobre o estado de saúde dos indivíduos, isto em sintonia com o artigo 5º, inciso
XIV da Constituição, aforalembrardos princípios bioéticos da não-maleficência,autonomia e
beneficência, além dos direitos do paciente ao consentimento cientede sua liberdade de
uma segunda opinião médica, desta vez com previsão no Código de Ética Médica (LIMA
NETO, 2008).
Esclarece-se que a exposição de motivos da Resolução menciona que a Organização
Mundial de Saúde adota tais cuidados, ou seja, que haja uma abordagem voltada para a
qualidade de vida dos pacientes frente a doenças que os ponham em risco de vida (LIMA
NETO, 2008).
É de grande importância, assim, que ocorra assistência integral ao doente, ou seja, que haja
acompanhamento médico para afiançar o conforto psíquico, social e físico, além de
espiritual do paciente terminal. Nota-se que a presença de entes queridos e da família é de
muita relevância, sempre respeitando sua dignidade.
Por fim, pode-se lembrar que o paciente tem direito à deixar o hospital caso queira em local
mais familiar falecer; a liberação hospitalar permitirá ao paciente ter os seus momentos
derradeiros de forma mais digna, em aposentos, por exemplo, que se sinta mais acolhido,
lembra Patersson (2003).
Conclusões
Resta evidente a importância em se aprofundar permanentemente os estudos acerca da
vida, dos procedimentos de cura e de tratamento médico, dos medicamentos existentes e,
também, sobre como o findar da vida em Unidades de Tratamento Intensivo (o que é mais
comum) se dá quando alguém perpassa por doença aguda em sua fase terminal; vale
também ter em mente – o profissional médico – das implicações legais, como vistas, acerca
deste momento, notadamente quando a temática envolve a eutanásia.
Conhecer as modalidades de morte e de eutanásia são assim relevantes para que, a par
das previsões legais no direito brasileiro, o médico haja sempre com cautela e dentro das
condutas ético-legais incidentes, sempre almejando fazer o melhor possível pela vida mas,
também, para que a vida não se torne, em razão de grave adoecimento, algo insuportável.
Lutar incessantemente pela vida é dever legal e moral do médico, e, refletir sobre as
condutas possíveis e aceitas pela sociedade e pelos órgãos competentes, respeitando e
14
examinando caso a caso, acerca dos momentos do declínio da vida e de sua participação,
também se mostra imperioso.
Referências Bibliográficas
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