UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ GABRIELA OLIVEIRA MATTOZO EFEITO DO ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL EM CRECHE PARA CÃES CURITIBA 2016 GABRIELA OLIVEIRA MATTOZO EFEITO DO ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL EM CRECHE PARA CÃES Trabalho de conclusão apresentado ao curso de Medicina Veterinária da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção de título de graduação. Orientadora: Profª Drª Maria Aparecida Alcantara CURITIBA 2016 UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ REITOR Prof. Luiz Guilherme Rangel Santos PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO Carlos Eduardo Rangel Santos PRÓ-REITORIA ACADÊMICA Prof. Dra. Carmen Luiza da Silva DIRETOR DE GRADUAÇÃO Prof. Dr. João Henrique Farynluk COORDENADOR DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA Prof. Dr. Welington Hartmann COORDENADOR DE ESTÁGIO CURRICULAR Prof. Dr. Welington Hartmann TERMO DE APROVAÇÃO GABRIELA OLIVEIRA MATTOZO EFEITO DO ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL EM CRECHE PARA CÃES Este trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para obtenção do título de Médica Veterinária pela Comissão Examinadora do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, 15 de Junho de 2016 Prof.ª Orientadora Drª Maria Aparecida Alcantara UTP- Universidade Tuiuti do Paraná Prof.ª Jesséa França UTP- Universidade Tuiuti do Paraná Prof.ª Iolanda Maria Sartori Ofenbock Nascimento UTP- Universidade Tuiuti do Paraná A todos aqueles que vivem determinados a realizar seus sonhos. AGRADECIMENTOS Primeiramente gostaria de agradecer a Deus, que sempre está ao meu lado. A minha mãe, Yara Regina Malheiros de Oliveira que sempre me incentivou, motivou, apoiou a minha escolha de profissão e todos esses anos de graduação, fez sempre tudo o que podia para minha formação. Agradeço a todos aqueles que amo, pois me apoiaram até o final com a certeza de estar realizando mais um sonho. Aos meus professores da Faculdade Evangélica do Paraná que me deram a base da Medicina Veterinária, me acolheram com muito amor e carinho. Aos professores da Universidade Tuiuti do Paraná que me acolheram tão bem e dividiram seus conhecimentos e ensinamentos. Ao meu namorado, que sempre me incentivou e esteve ao meu lado em toda essa jornada me dando forças para nunca desistir. Aos meus colegas pelo companheirismo, amizade, tristezas, principalmente Stacy Roesner que estudou comigo desde Ensino Médio e está realizando esse sonho comigo. As minhas amigas Daniella Bolincenha, Chantal Lejeune por estarem todos esses anos comigo batalhando sempre juntas. A Bianca Ribeiro Terçariol que me acompanhou no estágio obrigatório, ajudou com palavras para o TCC, das risadas, além de uma grande amizade em que fiz minha futura colega de profissão. A professora Doutora Maria Aparecida Alcantara, pela dedicação, a amizade, ao compartilhar informações que possibilitaram a finalização desse trabalho. As colegas da Clínica Comportamental, pelos ensinamentos, risadas, companheirismo e que com certeza estarão comigo na minha carreira profissional. “Um problema só surge quando estão presentes todas as condições de solucioná-lo”. Karl Marx RESUMO O enriquecimento ambiental é um procedimento que modifica os ambientes dos animais de maneira que forneça escolhas comportamentais aos mesmos e traga à tona o comportamento e as habilidades adequadas a suas espécies, tendo sua origem com base em estudos realizados em zoológicos. O estudo e uso regular de diversas técnicas de enriquecimento tem proporcionado aos animais um maior grau de bem-estar, melhorando sua qualidade de vida. Seu uso visa desenvolver atos comportamentais assemelhados aos que experimentariam em vida livre e tem como propósito a manutenção da motivação exploratória e a eliminação de desvios comportamentais. É importante saber como os animais reagem e interagem com os diferentes tipos de enriquecimento, além de conhecer o comportamento normal das espécies para auxiliar nas melhorias do ambiente. Com o estilo de vida contemporâneo as pessoas normalmente optam por habitarem apartamentos, ou residências com espaços reduzidos, o que torna mais próxima a convivência com animais de companhia, sendo muitas vezes atribuído a eles o papel de filhos. Esta humanização dos animais, associada a falta de motivação exploratória, promove alterações comportamentais. Neste trabalho foram realizadas diversas técnicas de enriquecimento ambiental distribuídas de acordo com o tipo de enriquecimento (alimentar, social, físico, sensorial, cognitivo) e com o grupo a qual o animal faz parte. O enriquecimento ambiental alimentar foi o que obteve uma resposta mais positiva dentre os 10 grupos de raças de cães; o social possibilitou uma melhoria na interação entre os diferentes animais e pessoas; o físico demonstrou que é necessário variar os tipos de superfície para diferentes necessidades; o sensorial mais atraente para os cães foi a utilização de diferentes odores proporcionado pela utilização de plantas; o cognitivo não despertou interesse em grande parte dos grupos, com exceção do grupo I (raças border collie e welsh corgi pembroke) do grupo VIII (raças labrador e golden retriever). Além de proporcionar bem-estar aos animais, promoveu interações interespecíficas e intraespecíficos diminuindo assim as alterações comportamentais. Palavras Chave: animais de companhia, bem-estar, comportamento. ABSTRACT Environmental enrichment is a procedure that modifies the environment of animals in order to provide them behavioral choices and bring up the behavior and skills appropriate to their species. The origin of the environment enrichment is based on studies conducted in zoos. The study and regular use of various enrichment techniques has provided animals a greater degree of well-being, improving their quality of life. The main goal of such studies and techniques is to develop behavioral acts similar to those that would experience in the wild and aims to maintain exploratory motivation and elimination of behavioral deviations. It is important to know how animals react and interact with different types of enrichment, besides knowing the normal behavior of the species to assist in environmental improvements. On the contemporary life-style, people usually choose to live in small apartments or residences, and the pets often assign the role of their children. Thus, the enrichment of these environments can often be the key word for the various types of behavioral changes resulting from that humanization, providing general welfare for the animals and their guardians. In this thesis, various environmental enrichment techniques were carried out and distributed according to the type of enrichment (food, social, physical, sensory, cognitive) and to the group which the animal takes part. The environmental enrichment related to food got a more positive response from the 10 groups of dog breeds. The social one enabled an improvement in the interaction between the different animals and people. The physical environmental enrichment demonstrated that it is necessary to vary the type of surface to different needs. The more attractive sensory environmental enrichment to dogs was the use of different scents provided by the use of plants. The cognitive environmental enrichment did not bring interest in many of the groups, with the exception of Group I (with the Border Collie breed and Welsh Corgi Pembroke) and VIII (with the Labrador and Golden Retriever breeds). In addition to providing welfare to animals, it also promoted interspecific and intraspecific interactions and consequently decreasing the behavioral changes. Keywords: pets, behaviour, welfare. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1: Fachada da clínica veterinária Universicão......................................... 20 FIGURA 2: Recepção e loja de conveniência da Universicão............................... 20 FIGURA 3: Cozinha para funcionários................................................................... 21 FIGURA 4: Área externa utilizada para os cães de pequeno porte....................... 21 FIGURA 5: Área externa demostrando rampas, pontes e balança para enriquecimento físico.............................................................................................. 22 FIGURA 6: Área coberta para acomodações dos cães em dias de chuva............ 22 FIGURA 7: Pista de agility da creche Universicão................................................. 23 FIGURA 8: Schipperke compartilhando o enriquecimento social e sensorial........ 29 FIGURA 9: Welshi corgi pembroke participando de enriquecimento ambiental sensorial com buddytoy ......................................................................................... 30 FIGURA 10: Jack russel terrier recebendo o comando de obediência “senta” e recebendo recompensa como reforço positivo....................................................... 31 FIGURA 11: Dachshund recebendo treino de obediência com o comando “senta”.................................................................................................................... 32 FIGURA 12: Cão compartilhando do enriquecimento ambiental físico com piscina.................................................................................................................... 32 FIGURA 13: Spitz alemão anão recebendo comando “senta” como treino de obediência ............................................................................................................. 33 FIGURA 14: Bulldog recebendo enriquecimento ambiental sensorial com bolhas de sabão ................................................................................................................ 34 FIGURA 15: Border collie participando de enriquecimento ambiental cognitivo com tabuleiro.......................................................................................................... 34 FIGURA 16: Cães procurando alimento escondido e/ou jogado pelo ambiente................................................................................................................. 44 FIGURA 17: Kong classic, da empresa Kong........................................................ 45 FIGURA 18: PetBalls®, da empresa Pet Games®............................................... 45 FIGURA 19: Comedouros lentos........................................................................... 46 FIGURA 20: Enriquecimento alimentar com garrafas Pet’s................................... 46 FIGURA 21: Osso natural recheado....................................................................... 47 FIGURA 22: Enriquecimento alimentar utilizando coco......................................... 47 FIGURA 23: Colocação de cheiros diversos: chá camomila.................................. 50 FIGURA 24: Odores derivados de plantas............................................................. 51 FIGURA 25: Ervas aromáticas............................................................................... 51 FIGURA 26: Odores de outros animais. ................................................................ 52 FIGURA 27: Adaptil® - feromônio sintético canino............................................... 52 FIGURA 28: Pet bolhas utilizado como enriquecimento sensorial........................ 53 FIGURA 29: Xadrez ® - Tabuleiro da empresa Pet Games®............................... 55 FIGURA 30: Macaquinho®, da empresa Pet Games®.......................................... 56 FIGURA 31: Recompensas escondidas em caixas................................................ 56 FIGURA 32: PetBall® da empresa Pet Games®................................................... 57 FIGURA 33: Garrafas Pet’s.................................................................................... 57 FIGURA 34: Clicker training.................................................................................. 58 FIGURA 35: Pista de agility como forma de enriquecimento cognitivo.................. 58 FIGURA 36: Cães das raças golden retriever e sem raça definida interagindo entre si.................................................................................................................... 60 FIGURA 37: Cães das raças border collie interagindo entre si.............................. 60 FIGURA 38: Enriquecimento social com brincadeiras........................................... 61 FIGURA 39: Enriquecimento social interespecífico................................................ 61 FIGURA 40: Socialização de cães filhotes............................................................. 62 FIGURA 41: Enriquecimento ambiental com rampas e gangorras........................ 63 FIGURA 42: Enriquecimento ambiental com ponte................................................ 64 FIGURA 43: Enriquecimento ambiental com rampa.............................................. 64 FIGURA 44: Estruturas para morderem ................................................................ 65 FIGURA 45: Galhos e madeiras e árvores para morderem................................... 65 FIGURA 46: Diversos brinquedos como os BuddyToys®...................................... 66 FIGURA 47: Locais para descanso com sombra................................................... 66 FIGURA 48: Piscinas para enriquecimento ambiental físico.................................. 67 FIGURA 49: Áreas para descanso após atividades............................................... 67 FIGURA 50: Caixas de descanso e refugio............................................................ 68 FIGURA 51: Bulldog francês procurando comida jogada pelo ambiente.............. 71 FIGURA 52: Bulldog francês em enriquecimento cognitivo e alimentar com garrafa Pet............................................................................................................. 72 FIGURA 53: Bulldog francês em enriquecimento alimentar e cognitivo com PetBall.................................................................................................................... 72 FIGURA 54: Bulldog francês participando de enriquecimento físico na piscina.................................................................................................................... 73 FIGURA 55: Bulldog francês participando de enriquecimento físico, em uma caminha de descanso............................................................................................. 73 FIGURA 56: Bulldog francês em enriquecimento sensorial com bolhas de sabão sabor melão............................................................................................................ 74 FIGURA 57: Cão spitz alemão anão em enriquecimento ambiental com petball..................................................................................................................... 79 FIGURA 58: Cão spitz alemão anão com buddytoy de milho................................ 80 FIGURA 59: Cão recebendo o comando de obediência “senta”............................ 80 LISTA DE QUADROS QUADRO 1: Distribuição das diferentes raças utilizadas para o estudo do enriquecimento ambiental na Universicão durante o estágio curricular .............. 26 QUADRO 2: Classificação de memórias de acordo com o tempo que perduram ............................................................................................................. 55 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1: Porcentagem de cães machos e fêmeas .......................................... 24 GRÁFICO 2: Distribuição do número de dias na creche e do número de animais .................................................................................................................... 25 GRÁFICO 3: Proporção de cães com alterações comportamentais observados durante o estágio no período de 01 de março a 30 de maio de 2016 na Universicão .............................................................................................................. 35 LISTA DE TABELAS TABELA 1 – Distribuição dos números dos animais relacionados com a idade ...................................................................................................................... 25 TABELA 2: Distribuição das diversas raças de acordo com os grupos considerados pela FCI ........................................................................................... 26 TABELA 3: Relação das alterações comportamentais observadas durante o estágio no período de 01 de março a 30 de maio de 2016 na Universicão .......... 35 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AVSAB - Sociedade veterinária americana de comportamento animal BEA – Bem estar animal EA - Enriquecimento ambiental EAA - Enriquecimento ambiental alimentar EAC - Enriquecimento ambiental cognitivo EAF - Enriquecimento ambiental físico EAS - Enriquecimento ambiental sensorial EASO - Enriquecimento ambiental social FCI - Federation cynologique internationale FDA - Food and drug administration OBEA - Objeto de enriquecimento ambiental SEF - Sistemas emocionais fundamentais SASA - Síndrome da ansiedade de separação SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 18 2 DESCRIÇÃO DO ESTÁGIO E DA UNIDADE CEDENTE................................ 19 3 CASUÍSTICA.................................................................................................... 24 4 REVISÃO DE LITERATURA........................................................................... 36 4.1 BEM ESTAR ANIMAL.................................................................................... 36 4.2 HIPERVINCULAÇÃO..................................................................................... 37 4.3 PADRONIZAÇÃO DE RAÇAS....................................................................... 38 4.4 COMPORTAMENTO CANINO....................................................................... 38 4.5 COGNIÇÃO.................................................................................................... 40 4.6 ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL (EA)........................................................ 41 4.6.6 TIPOS DE ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL ........................................... 43 4.6.6.1 Enriquecimento Ambiental Alimentar (EAA) ............................................ 43 4.6.6.2 Enriquecimento Ambiental Sensorial (EAS) ............................................ 48 4.6.6.3 Enriquecimento Ambiental Cognitivo (EAC) ............................................ 53 4.6.6.4 Enriquecimento Ambiental Social (EAS) ................................................. 59 4.6.6.5 Enriquecimento Ambiental Físico (EAF) ................................................. 62 5 RELATO DE CASO.......................................................................................... 69 5.1 ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL PARA CÃES COM VOCALIZAÇÃO EXCESSIVA E ANSIEDADE GENERALIZADA................................................. 69 5.1.1 Definição da doença................................................................................... 69 5.1.2 Tratamento indicado................................................................................... 69 5.1.3 Descrição do caso....................................................................................... 70 5.2 ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL PARA CÃES COM ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO...................................................................................................... 75 5.2.1 Definição da doença................................................................................... 75 5.2.2 Tratamento indicado................................................................................... 76 5.2.3 Descrição do caso...................................................................................... 78 6 DISCUSSÃO..................................................................................................... 81 7 CONCLUSÃO................................................................................................... 84 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 85 18 1 INTRODUÇÃO O enriquecimento ambiental é uma prática que tem se mostrado efetiva na redução de comportamentos estereotipados, pois diminui o estresse e melhora o bem-estar do animal, diminuindo a mortalidade (MENDONÇA-FURTADO, 2006., SHEPHERDSON,1998). As práticas de enriquecimento ambiental podem ser divididas nas seguintes categorias: 1) social, através de interações de uma determinada espécie com ela mesma ou com outras espécies; 2) ambiente físico, adaptação da temperatura, umidade, banho de sol, tamanho e forma do ambiente para cada tipo de espécie; 3) cognitivo, estimulando a atividade mental dos animais, proporcionando-lhes ocupação; 4) sensorial, estimulando os seis sentidos; 5) alimentar, fornecendo itens alimentares novos, geralmente não incluídos na dieta, apresentando-os de formas diferenciadas (HAHN; LAU; ECKERT; MARKOWITZ, 2000). Este trabalho foi realizado numa creche com 75 cães (48 fêmeas e 27 machos) sendo ofertado um tipo de enriquecimento por dia para os grupos de cães divididos de acordo com o porte e comportamento. Esta atividade proporcionou interações inter e intraespecífcas, diminuição da ansiedade e do estresse, além da estimulação dos cinco sentidos. 19 2 DESCRIÇÃO DO ESTÁGIO E DA UNIDADE CEDENTE O estágio foi realizado na área de Clínica Comportamental Canina (FIGURA 1) situada na cidade de Curitiba no período de 01 de março a 30 de maio de 2016, totalizando 400 horas, de segunda a sexta, nos horários de 08h às 14h. Como orientadora acadêmica, a Professora Maria Aparecida Alcantara CRMVPR 06611 e orientadora profissional a Médica Veterinária Fernanda Correa Lesnau CRMVPR 7294. A clínica é constituída de recepção juntamente com uma loja de acessórios para pets e enriquecimento ambiental (FIGURA 2); área de acesso, onde são deixadas as guias dos cachorros e área externa com dois toaletes; área de lazer interna; cozinha para funcionários (FIGURA 3); sala de estoque para produtos de limpeza, xampus, banheira para dar banho nos cachorros; área externa (FIGURA 4) com brinquedos adaptados para os enriquecimentos ambientais como: rampa, balança, ponte, piscina, área de refúgio, caixas para descanso, camas, bancos, cordas, árvores, grama sintética, pedras, calçada, totalizando 1.500 m² (FIGURA 5); área coberta (FIGURA 6) e uma pista para o agility (FIGURA 7). A Universicão é da responsabilidade da Médica Veterinária Comportamentalista e de quatro auxiliares. Oferece serviços relacionados ao comportamento animal, tais como atividades diárias realizadas por pessoas treinadas em desempenhar o enriquecimento ambiental. Nos acompanhamentos em domicílio era permitido auxiliar nas avaliações comportamentais, assim como colocar em prática o enriquecimento ambiental que mais se adaptava a cada tipo de cachorro. Na creche diariamente era possível aplicar os diferentes tipos de enriquecimento ambiental com os diferentes modelos de brinquedos disponíveis no mercado como: PetBall®, caixas de papelão, piscina, cordas, parquinho com rampas, balança, caixas de ovos, garrafas pet, ervas(camomila, erva-doce, alecrim, lavanda, capim-limão, hortelã), BuddyToys, PetEscova, bolinhas, tabuleiros da PetGames®, assim como observar os diversos comportamentos compulsivos. O agility era oferecido no período noturno e aos sábados. 20 FIGURA 1: Fachada da clínica veterinária Universicão FIGURA 2: Recepção e loja de conveniência da Universicão 21 FIGURA 3: Cozinha para funcionários FIGURA 4: Área externa utilizada para os cães de pequenos porte 22 FIGURA 5: Área externa demostrando rampas, pontes e balança para enriquecimento físico FIGURA 6: Área coberta para acomodações dos cães em dias de chuva 23 FIGURA 7: Pista de agility da creche Universicão 24 3 CASUÍSTICA Durante o estágio curricular foi possível acompanhar 75 cães, sendo 69 em dias de creche e 6 cães em atendimento em domicílio. Os gráficos e tabelas a seguir expõem as raças observadas, sexo, idade, frequência semanal na creche, comportamentos de maior incidência na clínica. GRÁFICO 1: Porcentagem de cães machos e fêmeas. Macho Fêmea 35% 65% 25 Gráfico 2: Distribuição do número de dias na creche e do número de animais. O gráfico 2 representa a quantidade de dias frequentados pelos animais da creche, sendo que 38 cães (2 vezes por semana), 18 cães (3 vezes por semana), 2 cães (4 vezes por semana), 11 cães (5 vezes por semana). Esse gráfico não leva em consideração os 6 animais que tiveram atendimento domiciliar. Tabela 1 – Distribuição dos números dos animais relacionados com a idade. Idade 0 a 1 ano 1 a 3 anos 3 a 5 anos 5 a 7 anos 7 a 9 anos Mais de 9 anos Total Quantidade 22 23 18 8 3 1 75 % 29 % 30% 24% 10% 4% 1% 100% A Tabela 1 representa a quantidade de animais divididos de acordo com a faixa etária, sendo 22, entre 0 a 1 ano de idade; 23 animais, entre 1 a 3 anos de idade; 18 animais, entre 3 a 5 anos de idade; 8 animais, entre 5 a 7 anos de idade; 3 26 animais, entre 7 a 9 anos de idade, seguido de somente um animal com mais de 9 anos de idade, totalizando 75 cães. Com relação às raças observadas durante o estágio curricular, a Tabela 2 mostra a divisão de grupos raciais de cães da FCI (Federation Cynologique Internationale). Tabela 2: Distribuição das diversas raças de acordo com os grupos considerados pela FCI. No Quadro 1 observa-se as diferentes raças observadas no estágio curricular. Quadro 1: Distribuição das diferentes raças utilizadas para o estudo do enriquecimento ambiental na Universicão durante o estágio curricular. GRUPO 1 – Schipperke, Border collie, Welsh corgi pembroke. GRUPO 2 - Bernese, Schnauzer, Bulldog inglês. 27 GRUPO 3 – West highland white terrier, Jack russel terrier, Yorkshire terrier. GRUPO 4 – Dachshunds GRUPO 5 – Spitz alemão anão, Samoyeda. GRUPO 6 – Beagle. GRUPO 7 – Braco alemão. GRUPO 8 - Labrador retriever, Golden retriever. 28 GRUPO 9 – Bulldog francês, Maltês, Shihtzu, pequinês. GRUPO 10 – Whippet, Greyhound, Galgo italiano. Ao analisar as diferentes raças acima citadas verificou-se que dos 75 cães, 8 demonstraram alterações comportamentais. Na raça schipperke foi diagnosticado medo de outros cães e humanos; na welshi corgi pembroke, jack russel terrier e bulldog francês, vocalização excessiva; no dachshund e spitz alemão anão, síndrome da ansiedade de separação; no labrador retriever, coprofagia e ansiedade generalizada; no border collie, comportamento compulsivo por perseguição da cauda. Com base nas alterações comportamentais, foi aplicado no schipperke o enriquecimento social interespecífico e intraespecífico para trabalhar os medos; enriquecimento físico, com Buddytoys para que ele pudesse arranhar e morder; e o enriquecimento alimentar através da distribuição de ração espalhada pelo ambiente. O enriquecimento que trouxe um resultado mais positivo, diminuição acentuada do 29 medo foi o social, sendo solicitado ao tutor que o animal frequentasse 4 vezes por semana a creche. FIGURA 8: Schipperke compartilhando o enriquecimento social e sensorial 30 No welshi corgi pembroke, que apresentava vocalização excessiva, foi aplicado o enriquecimento alimentar com garrafas pet’s e comida espalhada pelo ambiente, além de enriquecimento sensorial com cordas, chá de camomila e enriquecimento físico com Buddytoys. O enriquecimento mais atrativo para este caso foi o sensorial, deixando o cão mais calmo, diminuindo assim a vocalização. FIGURA 9: Welshi corgi pembroke participando de enriquecimento ambiental sensorial com buddytoy Ao jack russel terrier foi aplicado enriquecimento alimentar com comida espalhada pelo ambiente e garrafas pet’s e treino de obediência com reforço positivo. O comando de obediência apresentou melhor resposta diminuindo 90% da vocalização excessiva. 31 FIGURA 10: Jack russel terrier recebendo o comando de obediência “senta” e recebendo recompensa como reforço positivo No dachshund que apresentava a síndrome da ansiedade de separação, foram aplicados treinos de obediência e enriquecimento alimentar com a utilização de petball e no enriquecimento físico, foram utilizados vários modelos de brinquedos para morder. Como resultado o treino de obediência se mostrou o mais eficiente. 32 FIGURA 11: Dachshund recebendo treino de obediência com o comando “senta” Ao labrador retriever que apresentava vocalização excessiva e coprofagia, foi aplicado enriquecimento alimentar com petball, comida espalhada pelo ambiente, enriquecimento cognitivo com tabuleiros e enriquecimento físico com cordas e piscina. O enriquecimento físico com piscina foi o que demonstrou o melhor resultado, diminuindo acentuadamente a vocalização excessiva e a coprofagia. FIGURA12: Cão compartilhando do enriquecimento ambiental físico em piscina 33 Para o spitz alemão anão foi feito enriquecimento alimentar com petball, garrafas pet’s, comida espalhada pelo ambiente, enriquecimento cognitivo, treinamento de obediência, além de frequentar a creche duas vezes por semana. Para ele o treino de obediência foi o mais eficaz (80%), diminuindo sua ansiedade e melhorando seu bem-estar. FIGURA 13: Spitz alemão anão recebendo comando “senta” como treino de obediência Para o bulldog francês foi praticado enriquecimento alimentar espalhando comida pelo ambiente, o enriquecimento físico com piscinas, rampas, pedras, enriquecimento social com interações com a mesma espécie, enriquecimento sensorial com utilização de petbolhas e o treino de obediência. O enriquecimento de 34 maior sucesso foi o sensorial, onde o animal desvia completamente sua atenção para a brincadeira, diminuindo assim sua ansiedade e vocalização excessiva. FIGURA 14: Bulldog recebendo enriquecimento ambiental sensorial com bolhas de sabão Para o border collie foi utilizado enriquecimento cognitivo com tabuleiros, enriquecimento alimentar com petball, comida espalhada pelo ambiente. O animal não demostrou um resultado satisfatório, pois desviava a atenção muito facilmente e voltava a alteração de comportamento FIGURA 15: Border collie participando de enriquecimento ambiental cognitivo com tabuleiro 35 Gráfico 3 – Proporção de cães com alterações comportamentais observados durante o estágio no período de 01 de março a 30 de maio de 2016 na Universicão Proporção de cães observados com alterações de comportamento Com alteração de comportamento Sem alteração de comportamento 11% 89% Tabela 3 – Relação das alterações comportamentais observadas durante o estágio no período de 01 de março a 30 de maio de 2016 na Universicão. Alteração comportamental Quantidade de cães acometidos % Ansiedade generalizada e Coprofagia 1 1% Ansiedade de separação 2 25% Comportamento compulsivo 1 1% Medo excessivo 1 1% Vocalização excessiva 3 37% Total 8 100% 36 4 REVISÃO DE LITERATURA 4.1 BEM-ESTAR ANIMAL O bem-estar Animal (BEA) é um termo de uso corrente em várias situações e deve permitir relação com outros conceitos, tais como: necessidades, liberdades, felicidade, adaptação, controle, capacidade de previsão, sentimentos, sofrimento, dor, ansiedade, medo, tédio, estresse e saúde (BROOM; MOLENTO, 2004). Segundo Farm Animal Welfare Council (2003), o bem-estar está diretamente relacionado às cinco liberdades, onde os animais devem ser: livres de desconforto físico e térmico, livres de dor, ferimentos e doenças, livres de medo e angústia, livres para expressar seu comportamento natural. Cientificamente falando existe uma evidência de que os animais de companhia têm efeitos positivos sobre o bem-estar psicológico e físico das pessoas que com eles convivem, ajudando-as na redução da solidão, ansiedade e depressão (FARNSWORTH, 2004). A teoria do apego é baseada na premissa de que os seres humanos, como muitos animais são biologicamente predispostos a buscar e manter um contato físico e uma conexão emocional com figuras seletivas com quem eles estão se familiarizando e passam a contar com a proteção psicológica e física. Animais de estimação são facilmente encontrados, estão sintonizados e são sensíveis aos movimentos e humores dos seus donos gerando um conforto e uma conexão. (SABLE, 2000). Descobertas recentes da neurociência comprovam componentes de fixação subjacentes e atividade entre seres humanos e animais. Por exemplo, apenas olhando para um cão, acariciando ou falando com eles, pode ocorrer à liberação da ocitocina, um hormônio que provoca sensações de prazer e assim aliviar o estresse. A ocitocina reforça o sistema imunológico, reduzindo a produção de estresse e diminuindo os sentimentos de medo e perigo (OLMERT, 2009). É importante entender o quanto animais de estimação podem significar para algumas pessoas, atestando a forma como eles vieram a ser considerados membros da família. Os cães proporcionam proximidade e sentimentos positivos de comandos, como a alegria e o riso para que as pessoas se sintam menos solitárias, 37 eles fornecem um componente de apego que promove o bem-estar e segurança, bem como oferece oportunidades para cuidar e ter um compromisso (SABLE, 2000). Com base em tudo isso, alguns estudos afirmam ainda que a presença de um animal de estimação reduz a pressão arterial, aumenta a chances de sobrevida após um ataque cardíaco e facilita o contato social (FARNSWORTH 2004). Os proprietários idosos relatam menos sofrimento psicológico e afirmaram irem menos ao médico (SIEGEL, 1990). A terapia assistida por animais é tão bem sucedida para todas as idades que agora é generalizada em uma variedade de configurações (KOPPEL, 2011). 4.2 HIPERVINCULAÇÃO Para examinar o vínculo humano com os animais é preciso se concentrar principalmente em sentimentos reatados de proximidade e atitudes em relação e atividade concluídas com o próprio animal de companhia (MELSON, 1990). Medidas atuais de apego ao animal de companhia podem corresponder a certos aspectos da teoria do apego em relação aos seres humanos, como a ligação emocional, uma base segura, buscando proximidade e modelos representacionais (TRIEBENBACHER, 1999). Sendo um animal de companhia que pode se acariciar ou segurar, pode ser semelhante à ênfase da teoria do apego em proximidade física (ENDERSSLEGERS, 2000). A ansiedade humana pode ser medida tanto como um estado emocional temporário ou como um traço comportamental e as evidências sugerem que tanto o estado quanto o traço de ansiedade podem ser afetados pela posse de animais e do apego (BARLOW, 2002). A hipervinculação dos animais e o tempo em que passam sozinhos em casa contribuem para o aparecimento de alterações comportamentais. Este comportamento é o responsável por mais de um terço das razões apontadas para o regresso de cães para abrigos de onde haviam sido adotados (SHORE, 2005). Clark e Boyer (1993), Jagoe e Serpel (1996) relataram que o treinamento de obediência foi associado com a redução de prevalência de problemas de comportamento selecionados pelos relatos dos proprietários dos cães. Os efeitos 38 positivos das aulas de obediência, conselhos de especialistas e aconselhamento comportamental podem ser alcançados se os donos optarem por fazer uso de tais. Muitas pessoas toleram o comportamento do animal ou procuram um novo lar para ele, mas muitas vezes declaram que não têm tempo nem dinheiro para investir em treinamento (DIGIACOMO, ARLUKE e PATRONEK, 1998). Para os donos de cães, a agressão com as pessoas era vista como o problema mais grave. Os três fatores problemáticos considerados nos cães foram classificados como destruidor, insociáveis e agitados (GORSUCH, 1983). Os tutores utilizam várias formas para obter ajuda, a compra de um livro de autoajuda, pagam para ter uma visita a um veterinário, utilizam várias formas de brinquedos para entreter os animais. Mas o uso de livros não foi relacionado com o risco de abandono de animais (PATRONEK et al., 1996). Desde o momento em que o proprietário escolhe o seu animal de companhia, o médico veterinário deverá desempenhar um papel ativo no aconselhamento sobre problemas comportamentais e favorecendo a criação de um importante vínculo entre o proprietário e o se animal (LANDSBERG, 2008) 4.3 PADRONIZAÇÕES DE RAÇAS A padronização das raças estabeleceu-se principalmente a partir de critérios estéticos e funcionais. Os cães sem raça definida são a expressão da ausência de padrão específico, podendo assim expressar uma grande variedade física e de 13 comportamentos, sem que se possa prever seu real comportamento. Atualmente existem mais de 400 raças de cães reconhecidas (LANTZMAN, 2013). 4.4 COMPORTAMENTO CANINO A compreensão para o comportamento social canino através de conceitos de dominância se deu de resultados de estudos com lobos. Esse conceito é feito em condições forçadas com animais sem relação prévia alguma, tanto uns com os outros, como com o ambiente no qual foram estudados. Além disso, o cão deve ser estudado como espécie própria, pois mesmo que tenha vindo do lobo, seu 39 comportamento modificou devido a milhares de anos de domesticação, portanto, as interações que ocorrem entre cães, entre cães e humanos, ou cães e outros animais e estímulos, devem ser interpretados como resultado de experiência prévia e contexto no qual está ocorrendo à interação (RAMOS, 2014). Os cães de vida livre se organizam em grupos, que podem ser instáveis (não aparentados) ou estáveis (aparentados) se alimentam de sobras, derrubando latas de lixo, sem caçar grandes presas. A sobrevivência das ninhadas, nesses grupos, é praticamente nula e, ao contrário dos lobos, quando os cachorrinhos nascem, geralmente, só a mãe cuida deles. O método principal de manutenção do grupo é recrutando mais cães errantes (PEREIRA e PEREIRA, 2013). Um dos fenômenos mais marcantes do desenvolvimento comportamental dos mamíferos é a brincadeira, pois abrange muitas categorias comportamentais, varia consideravelmente dentro das espécies e seu significado funcional único ou múltiplo ainda está sendo debatido (BURGHARDT, 2005). Os principais tipos de jogos são as brincadeiras sociais, orientado para uma mesma espécie (BURGHARDT, 2005), locomotor-rotacional (sozinhos ou na companhia) (WILSON e KLEIMAN, 1974) e um objeto peça, por exemplo, girar em círculo, saltar, correr rapidamente, brincar com objeto, imobilizar o outro, imitar. Como o comportamento de brincar, até mesmo em mamíferos, parece ser acompanhado por um estado emocional específico muitas vezes rotulado como prazer ou diversão, a estimulação mútua de brincar pode ser vista como um caso de contágio emocional, um fenômeno que tem sido estudado em humanos por algum tempo (DOHERTY, 1997). Contágio emocional recebeu recentemente atenção da pesquisa por etólogos, especialmente primatologistas (FERRARI; BONINI; FOGASSI, 2009). Novas evidências sugerem que os neurônios corticais podem fornecer um dedicado mecanismo neural específico para diferentes emoções, como medo e raiva; esses neurônios são ativados quando um comportamento emocional está sendo percebido e quando ele está sendo executado (FERRARI, et al 2009). Panksepp (2005) foi um dos primeiros neurocientistas a introduzir o conceito de sistemas emocionais fundamentais (SEF) de necessidades comportamentais altamente motivas em animais de produção, animais de companhia, animais de laboratório e animais em zoológicos. 40 4.5 COGNIÇÃO A cognição ou processos cognitivos superiores é definida como aqueles processos mentais ligados à aprendizagem, ao processamento da informação, à formação de memórias e a outras funções superiores executivas como certas operações mentais (reconhecer, categorizar, classificar, discriminar, distinguir, selecionar, orientar no espaço, recordar lugares e medir o tempo). Estas funções cognitivas dependem principalmente da atividade do córtex frontal e pré-frontal, e é a base para o enriquecimento ambiental (SNITCOFSKY, 2013). Os indivíduos, seja qual a espécie, utilizam mecanismos cognitivos quando são capazes de resolver um novo problema baseando-se no processamento de informação preexistida obtida por outras experiências. Ou seja, reconhece-se como regulado por um processo cognitivo superior todo comportamento que não pode ser devidamente explicado pela mera associação de estímulos (aprendizagem associativa) ou tentativa e erro (SNITCOFSKY, 2013). Segundo Snitcofsky (2013), as funções cognitivas que têm sido até agora demostradas, na maioria das espécies de mamíferos superiores são: a) atenção b) aprendizagem e memória; c) categorização ou classificação, discriminação ou diferenciação, seleção; d) reconhecimento ou navegação espacial; e) uso de ferramentas; f) raciocínio; g) resolução de problemas; h) tomada de decisões; i) comunicação e linguagem ou cognição social; j) temporalidade: capacidade de medir o tempo Em relação à cognição social, relatos recentes indicam que os caninos, que possuem grande complexidade em suas relações sociais e na comunicação que as mantêm são capazes de entender sinais visuais, auditivos e olfativos de longa distância, inclusive quando estes provêm de indivíduos de outra espécie (humano). A partir da comunicação entre indivíduos, seja entre animais da mesma espécie, ou entre o cão e seu tutor, por exemplo, os animais são capazes de formar um “mapa mental” ou mapeamento rápido permitindo fazer deduções ou inferências sobre a localização de objetos, ou inclusive a respeito do nome de novos objetos, ainda sem 41 ter aprendido anteriormente. O cão tem capacidade para entender que objetos com características físicas distintas possuem nomes diferentes, utilizam um mecanismo generalizado de aprendizagem, denominado aprendizagem por exclusão ou associação emergente, armazenando essas informações na memória (SNITCOFSKY, 2013). 4.6 ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL (EA) Robert Yerks introduziu o conceito de enriquecimento ambiental nos anos 20, e tratadores de animais provavelmente o vem praticando desde lá (MELLEN; e SEVENICH, 1999 apud MARTIN, 1999). Shepherdson (1998) descreveu o enriquecimento ambiental como um princípio do comportamento animal que busca aumentar a qualidade dos cuidados com os animais de cativeiro, através da identificação, caracterização e avaliação do fornecimento de estímulos ambientais necessários para o bem-estar psicológico e fisiológico ideal avaliando a sua eficácia. Genaro (2005) afirma que as técnicas de enriquecimento podem ser realizadas de diversas maneiras, com a sistemática do ambiente, através de deslocamento de objetos já conhecidos, ou ainda, por meio da introdução de novos itens, garantindo desse modo à manutenção da novidade dentro de um ambiente conhecido. A utilização de métodos de enriquecimento ambiental possui como propósitos: a manutenção da motivação exploratória, evitar ou eliminar desvios comportamentais, maximizando assim a qualidade de vida desses animais. Os estímulos devem mimetizar oportunidades que desenvolvam atos comportamentais assemelhados aos que experimentariam em vida livre. Entretanto se o animal não tiver a liberdade desejada para agir naturalmente, é preciso pensar em um meio de satisfazer a emoção que motiva seu comportamento, dando opções de atividades (GRANDIN; JOHNSON, 2009). As atividades devem, por exemplo, promover comportamentos como o forrageiro, o deslocamento através de estruturas que necessitam de esforços como saltar, oportunidades que permitam a esses animais obter seu alimento, e ainda, para que aprendam novos comportamentos e realizem tarefas com exigências mais refinadas cognitivamente (MELLEN e SHEPHERDSON, 1997). 42 Através do enriquecimento pode-se proporcionar ao indivíduo escolhas do tipo de ambiente a ser utilizado, maiores possibilidades de exploração, imprevisibilidade, certo controle de sua alimentação e interações sociais. Funciona também como uma forma de aperfeiçoar o espaço disponível para os animais cativos, promovendo maior interação com o ambiente (SHEPHERDSON, 1998). O enriquecimento ambiental é um processo dinâmico que estrutura e modifica os ambientes dos animais de uma maneira que forneça escolhas comportamentais aos mesmos, e traga à tona o comportamento e as habilidades adequadas de suas espécies (YOUNG, 2003). Técnicas de enriquecimento são tão diversas quanto o repertório comportamental de uma espécie. A eficácia do enriquecimento é reforçada quando abordada de forma sistemática. A definição do objetivo, a implementação do programa e a documentação dos critérios de resposta facilitam a avaliação objetiva, e são características de um programa de enriquecimento autossustentado (MELLE; MACPHEE, 2001). Contudo, nem todas as técnicas são aplicáveis a todas as espécies. Além disso, para o bom senso, para a sanidade animal e da segurança das pessoas envolvidas no processo, nem todos os comportamentos naturais podem ser encorajados (MORRIS et al., 2010). É importante compreender a função do recurso de enriquecimento a ser utilizado e o comportamento a ser modificado, e como a função do objeto de enriquecimento ambiental (OBEA) a ser utilizado, pode ter um resultado diferente dependendo da espécie considerada (NEWBERRY, 1995). Existem várias técnicas e metas, sendo que todas elas geram alterações nos comportamentos dos animais (HOSEY et al, 2009 apud LOREIRO, 2013), e existem cinco tipos de enriquecimento ambiental, sendo eles: alimentar, sensorial, cognitivo, social e físico (YOUNG, 2003). 43 4.6.6 TIPOS DE ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL 4.6.6.1 Enriquecimento Ambiental Alimentar (EAA) O enriquecimento ambiental alimentar (EAA) visa introduzir novas formas de fornecer o alimento ou novos tipos de alimento (HOSEY et al, 2009 apud LOUREIRO, 2013). O enriquecimento alimentar é o mais implementado e o que apresenta maior sucesso, pois a alimentação é fácil de ser implantada (HOY, 2010). Apesar de pertencer à ordem dos carnívoros, o cão doméstico mostra uma conduta de alimentação extremamente flexível e pode inclusive satisfazer todos seus requerimentos nutricionais a partir de uma dieta de origem vegetal (VILANOVA, 2003). A quantidade de alimento consumida por um animal depende não só de fatores estritamente nutricionais, mas também de sua experiência prévia e de fatores sensoriais. Frequentemente, os alimentos preferidos pelos cães domésticos são aqueles que são novos e desconhecidos, especialmente se são muito palatáveis. Podendo assim esconder e/ou jogar a refeição do animal pelo ambiente (pelo chão, caixas de ovos, garrafas pets, embaixo de móveis), estimulando o cão a deixar seu pote de comida de lado e interagindo com a comida de formas diferentes (FIGURA 16). Em certas ocasiões, inclusive alimentos pouco palatáveis, porém novos, podem ter interferência, temporariamente, sobre o seu alimento habitual. (VILLANOVA, 2003). A alimentação diária deve ser em quantidade controlada, em um lugar separado e dividida em porções. Os cães normalmente necessitam realizar muito menos exercício para conseguir comida que seus ancestrais, o que somado a um estilo de vida sedentário pela permanência em lugares com pouco espaço e pela disponibilidade permanente de alimento muito saboroso, predispõe o sobrepeso e a obesidade (MENTZEL, 2013). Atualmente no mercado estão disponíveis diversos modelos de brinquedos recheáveis, das quais podem ser utilizadas rações úmidas, rações secas, petiscos e o brinquedo pode ser até congelado como é o caso do modelo KONG Classic®, da empresa KONG® (MARKHAM, 2016) (FIGURA 17). Também podem ser utilizados as PetBalls®, da empresa Pet Games®, onde pode ser utilizada petiscos ou a própria refeição do animal (FIGURA 18), os “comedouros lentos” (FIGURA 19) fazendo com que os cães acabem demorando mais para fazer a ingestão das 44 comidas (ISHIKAWA, 2016). Neste tipo de enriquecimento ambiental utilizam-se também alguns produtos recicláveis, como as garrafas Pets (FIGURA 20), osso natural recheado (FIGURA 21), côco (a própria fruta) (FIGURA 22). Além disso, o enriquecimento alimentar fornece ao animal o estímulo físico, cognitivo e sensorial, além de favorecer o cão a comer mais devagar, prevenindo assim problemas de digestão. Sendo assim, a alimentação é essencial, tornando-se o enriquecimento mais fácil de praticar, podendo apresentar efeito imediato e facilmente identificável (HOY; MURRAY; TRIBE, 2010). FIGURA 16: Cães procurando alimento escondido e/ou jogado pelo ambiente 45 FIGURA 17: Kong classic, da empresa Kong FONTE: https://dogs.thefuntimesguide.com/2007/05/all_about_kong_toys.php FIGURA 18: PetBalls®, da empresa Pet Games® 46 FIGURA 19: Comedouros lentos FONTE: https://www.youtube.com/watch?v=hqta8rZAfeE FIGURA 20: Enriquecimento alimentar com garrfas Pet’s 47 FIGURA 21: Osso natural recheado FIGURA 22: Enriquecimento alimentar utilizando côco Fonte: http://blogs.d24am.com/compaixaoanimal/2012/08/24/ocê-já-ouviufalar-de-enriquecimento-ambiental/ 48 4.6.6.2 Enriquecimento Ambiental Sensorial (EAS) O enriquecimento ambiental sensorial (EAS) envolve a utilização de incentivos de forma a estimular os sentidos dos animais. Podem ser realizados através da colocação de cheiros (FIGURA 23), sons, texturas, odores derivados de plantas (FIGURA 24), varal de tecidos e imagens nos recintos, farejamento próprio da espécie, para estimular, respectivamente, o olfato, a audição, o tato e a visão (HOSEY et al., 2009 apud LOUREIRO, 2013). Porém deve ser lembrado que o que é extremamente atrativo para alguns cães, pode não ser para outros. O EAS têm efeitos positivos no seu resultado e é uma ferramenta para o bem-estar animal de baixo custo (RESENDE; GOMES; ANDRIOLO, 2011). Os cães são instintivos e sua realidade é formada por seus sentidos. O sentido mais forte do cão é o olfato, seguido da visão e depois da audição (MILLAN, 2013). Vocalização de outras espécies ou de sons da natureza, ervas aromáticas (FIGURA 25), urina, fezes, ou odores de outros animais (FIGURA 26), além de espelhos e televisões são alguns exemplos de enriquecimento sensorial (ELLIS e WELLS, 2008). Os cães possuem a maior acuidade olfatória dentre todas as espécies domésticas (OVERALL, 2013). A marcação por urina, por exemplo, fornece informações sobre identidade, sexo, receptividade sexual e familiaridade e relações sociais entre outros cães (OVERALL, 2013). Possuem cerca de 200 milhões de receptores para odores, enquanto que os humanos possuem cerca de 5 milhões, ou seja, 40 vezes menos do que os cães (ROSSI, 2015). O cão comparado a muitas espécies de mamíferos não apresentam a reação de flehmen, porém em certas ocasiões apresentam um comportamento análogo. Essa conduta consiste em apertar a língua contra o palato repetida vezes, muitas vezes levantando o focinho e colocando a extremidade da língua para fora da boca (VILANOVA, 2003). Isto ocorre devido ao órgão vomeronasal, que é uma estrutura epitelial tubular rodeada por vasos sanguíneos, situada na parte final rostral do palato duro (PEREIRA e PEREIRA, 2013). De qualquer maneira, parece que o órgão vomeronasal é funcional no cão e provavelmente está envolvido no comportamento sexual e social (VILANOVA, 2003). Os cães podem detectar frequências de som abrangendo de 40 Hz até 65 kHz, enquanto que 20 kHz é a frequência, máxima captada pelos humanos. Eles são 49 mais sensíveis a sons. A comunicação vocal canina foi categorizada em cinco grupos básicos de som com base em função global. São eles: sons infantis; sons de alerta, sons de requisição, sons de retirada e sons de prazer (OVERALL, 2013). A sinalização tátil está entre os primeiros tipos de sinalização a se desenvolver em cães, e estimulação tátil aumenta/aprimora o neurodesenvolvimento (OVERALL, 2013). Outro aspecto do tato canino são os chamados mecanorreceptores, que se encontram na base dos folículos pilosos, ou seja, nas vibrissas. As vibrissas se distribuem em cinco grupos: supraciliar, do mento, zigomático, labial e mandibular. Muito provavelmente proporcionam informações sobre objetos próximos e contribuem para coordenar os movimentos da boca, e ainda ter uma função de proteção contra lesões oculares (VILANOVA, 2003). (PEREIRA e PEREIRA, 2013; VILANOVA, 2003). O tato além de ajudar na caça, também confere a escolher os lugares onde que vão descansar (PEREIRA e PEREIRA, 2013). A visão dos cães se comporta relativamente bem em níveis baixos de luz, e é bastante sensível ao movimento de objetos. Em contraste, é menos sensível para detectar detalhes ou estímulos coloridos e com padrões complexos (MIKLÓSI, 2014). Possuem uma visão de cores rudimentar (dicromática), e é sensível à luz de ondas curtas (azulada), a visão de cores dos cães é suficientemente discriminante para que eles possam fazer a escolha de um objeto baseada em cor (OVERALL, 2013). O uso de odores traz um maior bem-estar psicológico para os animais. Alfazema, erva-doce, lavanda, camomila e sândalo, são utilizados para diminuir a ansiedade dos animais e incentivar o afeto positivo, diminuir a vocalização e obtenção de relaxamento (MOSS; COOK; WESNES; DUCKES, 2003). Lavanda e camomila são bem conhecidas por suas propriedades sedativas (MILLOT et al., 2002). Enquanto que hortelã, alecrim, capim-limão, são utilizados para melhorar o estado alerta e melhorar o desempenho cognitivo (DIEGO et al, 1998). No mercado atual encontramos diversos modelos de brinquedos para serem aplicados no EAS com texturas variadas, barulhos variados, cheiros variados e gostos variados. Como é o caso do Adaptil® (FIGURA 27), da empresa CEVA®, que é um feromônios cuja composição e função já foram mencionadas. A PetBolhas® (FIGURA 28), da empresa PetGames®, com diferentes aromas estimulando a visão e o olfato. 50 FIGURA 23: Colocação de cheiros diversos: chá de camomila FIGURA 24: Odores derivados de plantas 51 FIGURA 25: Ervas aromáticas FIGURA 26: Odores de outros animais 52 FIGURA 27: Adaptil® feromônio sintético canino FONTE: http://coisasprapets.blogspot.com.br/2014/11/feliway-o-segredo-dos-gatos-felizese.html FIGURA 28: Pet bolhas utilizado como enriquecimento sensorial FONTE: http://www.petgames.com.br/pet_bolhas.htm 53 4.6.6.3 Enriquecimento Ambiental Cognitivo (EAC) O enriquecimento ambiental cognitivo (EAC) é aquele que envolve a resolução para estímulo mental. A maioria destes desafios fornece como prêmio o alimento (HOSEY et al.,2009 apud LOUREIRO, 2013). Envolve enriquecimentos em que o animal utilize sua capacidade de resolver problemas, ou seja, são como quebra cabeças apresentando um grau de dificuldade para resolver a tarefa onde o cão deve “jogar” como abrir gavetas, retiras peças como é o caso do Xadrez ® Tabuleiro da empresa Pet Games®, onde existem diversos modelos de tabuleiros (FIGURAS 29). Estes podem ser apenas brinquedos como bolas como o modelo Macaquinho® (FIGURA 30), da empresa PetGames®, móbiles, ou ainda recompensas escondidas em caixas (FIGURA 31), escondidas pelo recinto, forçando o animal a procurar ou se esforçar conseguir uma recompensa, o que ocupa seu tempo e estimula sua cognição, como é, PetBalls (FIGURAS 32), garrafas pets (FIGURA 33) (ELLIS, 2009). Tem-se descrito que vários fatores podem afetar negativamente a aprendizagem e o processo cognitivo, como a exposição prolongada ao estresse; fatores que afetem os sentidos e a percepção; fatores genéticos; e fatores ambientais, por exemplo, nutricionais, ou estresse oxidativo (SNITCOFSKY, 2013). Quanto ao raciocínio inferencial, o cão quando está buscando um brinquedo em um ensaio de duas escolhas, é capaz de inferir por exclusão, por exemplo, encontrando um brinquedo escondido, vendo onde não está escondido (SNITCOFSKY, 2013). Podemos dizer que existe consenso em assegurar que os caninos têm mente, ou processos mentais, e capacidades cognitivas superiores, que lhes permitem resolver problemas e realizar inferências e raciocínios relativamente complexos. Entretanto, certas capacidades cognitivas que o ser humano possui não podem ser demonstradas pela ciência em outros animais e ainda são objetos de estudo e de controvérsias (SNITCOFSKY, 2013). Segundo a revista Animal Cognition (2014), os cães possuem a chamada “memória declarativa”, que designa as memórias que podem ser conscientemente relembradas, como fatos ou conhecimentos (Quadro 2). O adestramento, obediência básica ou truques é uma das práticas utilizadas para os cães para enriquecimento Cognitivo. Segundo Millan (2013), a maioria dos 54 adestramentos hoje em dia segue duas escolas de pensamentos a primeira que a aprendizagem é baseada em recompensas ou a segunda que é baseada em punições. Existem várias técnicas de adestramento comumente utilizadas, como o clicker training (FIGURA 34) que é baseado no treinamento operante, onde o animal aprende um novo comportamento através de um estalido de metal e em seguida uma recompensa (BRADSHAW, 2012). O Agility, que é uma competição canina onde os cães enfrentam diferentes obstáculos com finalidade de valorizar e potencializar a sua inteligência quanto sua agilidade, também é uma prática para o EAC segundo a Comissão Brasileira de Agility (2016) (FIGURA 35). 55 Quadro 2: Classificação de memórias de acordo com o tempo que perduram TIPOS DE MEMÓRIA Memórias Sensoriais PERMANÊNCIA Poucos segundos Memórias de curta Duração Poucas horas Memórias de Longa Duração Dias, meses, anos, podendo até ser a vida toda CARACTERÍSTICA Retenção de uma breve impressão de um estímulo após este ter desaparecido, ou seja, depois que o sistema sensorial correspondente deixa de enviar informação ao cérebro. Permite manter na “mente”, e em um estado ativo e facilmente acessível, uma pequena quantidade de informação. Contém informações de índole diversa, os quais se encontram armazenamentos de maneira mais ou menos permanente constituindo um sistema de arquivo dinâmico. FONTE: adaptado de McGaugh, 2000. FIGURA 29: Xadrez ® tabuleiro da empresa Pet Games® FONTE: http://www.petgames.com.br/tabuleiro_xadrez.htm 56 FIGURA 30: Macaquinho®, da empresa Pet Games® FONTE: http://www.petgames.com.br/macaquinhos_g.htm FIGURA 31: Recompensas escondidas em caixas 57 FIGURA 32: PetBall® da empresa Pet Games® FONTE: http://www.petgames.com.br/pet_ball.htm FIGURA 33: Garrafas Pet’s 58 FIGURA 34: Clicker training FONTE: http://www.dogfoodinsider.com/clicker-training-guide/ FIGURA 35: Pista de agility como forma de enriquecimento cognitivo FONTE: http://www.guiadasemana.com.br/esportes/noticia/pistas-de-agility-para-caes-emjá-paulo 59 4.6.6.4 Enriquecimento Ambiental Social (EASO) O enriquecimento ambiental social (EASO) pode ser um enriquecimento interespecífico (relacionado a indivíduos de outras espécies) ou intraespecífico (entre indivíduos da mesma espécie) (FIGURA 36, 37) (HOSEY et al. 2009 apud LOUREIRO, 2013). Corresponde ao agrupamento de indivíduos de mesma espécie, ou mudança na composição dos grupos quando a espécie possui característica gregária (CELLOTI, 1994). Cães, assim como humanos, possuem estruturas sociais fluidas onde interações do dia a dia são baseadas em comportamentos deferentes, especialmente onde cães são conhecidos uns dos outros, e em comportamentos projetados para obter informações sobre risco em situações onde eles não são conhecidos uns dos outros (OVERRALL, 2013). Os feromônios são compostos químicos naturais que têm um papel fundamental na comunicação intraespecífica (PEREIRA e PEREIRA, 2013). Podem ser definidos como substâncias químicas ou mesclas de substâncias que, emitidas por um animal, produzem determinados efeitos em um indivíduo receptor da mesma espécie (VILANOVA, 2003). Um dos fenômenos mais marcantes do desenvolvimento comportamental dos mamíferos é a brincadeira (FIGURA 38). Em canídeos, a quantidade de brincadeiras está correlacionada com a sociabilidade entre as espécies (MIKLÓSI, 2014). Na privação de outros cães, estes adotam o ser humano como membros da sua matilha. São exibidos comportamentos perturbados quando não são capazes de tal associação (BROOM, 1986). Os comportamentos agonísticos, quando ocorrem, podem ser de duas maneiras: agressão ativa e agressão passiva. A agressão ativa pode contar com: mordidas, arranhões, lutas, rosnados, exposição dos dentes, perseguição e botes, vocalização excessiva e fuga. Já a agressão passiva, muitas vezes despercebida pelos humanos, se caracteriza por: olhar fixado (FIGURA 39), andar fixado acompanhado de elevação corporal, marcação urinária, evitamento, afastamento (RAMOS, 2014). Segundo a Sociedade Veterinária Americana de Comportamento Animal (AVSAB) todos os filhotes devem receber o período de socialização (FIGURA 40) que vai do período de 20 dias até as 12 semanas é essencial para um cão adulto ser 60 sociável e equilibrado, não demostrar medo, agressões, ansiedade e fobias, devendo sempre promover interações com controle e supervisão, sendo aplicado de formas positivas. FIGURA 36: Cães das raças golden retriever e sem raça definida interagindo entre si FIGURA 37: Cães das raças border collie interagindo entre si 61 FIGURA 38 – Enriquecimento social com brincadeiras FIGURA 39 – Enriquecimento social interespecífico FONTE: http://caocidadao.com.br/dicas/como-apresentar-cao-e-gato-comseguranca/ 62 FIGURA 40: Socialização de cães filhotes 4.6.6.5 Enriquecimento Ambiental Físico (EAF) O enriquecimento ambiental físico (EAF) consiste na modificação estrutural, permanente ou temporária, do recinto onde residem os animais (HOSEY et al., 2009 apud LOUREIRO, 2013). Para tal podem ser inseridos: vegetação, diferentes substratos (como areia, terra, grama sintética, piso de concreto, pedras, grama e folhas secas) (FIGURA 41), rampas e pontes (FIGURA 42, 43) estruturas para morderem e arranharem (FIGURAS 44, 45, 46), locais para descanso com sombras (FIGURA 47), as piscinas (FIGURA 48), que além de estarem fazendo o enriquecimento físico os animais se divertem e se refrescam. A criação de barreiras visuais também é fundamental para que o animal se sinta protegido, como em áreas de descanso, áreas para dormir (FIGURA 49) e para se refugiarem de possíveis “ameaças” como as caixas (FIGURA 50) (ROCHLITZ, 2000; GERET et al. 2011). 63 Todos os tipos de enriquecimento ambiental podem ser correlacionados: alimentar com cognitivo, sensorial com alimentar, etc. A divisão dos enriquecimentos ocorre apenas com função didática, pois na prática torna-se difícil à aplicação de um enriquecimento sem estar relacionado a dois ou mais tipos. Mellen e Macphee (2001) sugerem que os planos de enriquecimento ambiental devem seguir uma ordenação para que a eficácia e os objetivos do enriquecimento sejam atendidos ao indivíduo cativo. Essa ordem envolve os seguintes cinco passos: (1) a definição dos objetivos, (2) planejamento, (3) realização, (4) documentação e evolução e por fim, (5) o reajuste. Vários parâmetros são utilizados para analisar a interação com o enriquecimento dos animais mantidos em isolamento ou em grupos como: comportamento exploratório, interação social, comportamento de vigília, células sanguíneas, hormônios, vocalização, dentre outros (GENARO et al, 2004), sendo o comportamento exploratório um dos parâmetros mais utilizados (GENARO e SCHIMDEK, 2000). FIGURA 41 – Enriquecimento ambiental com rampas e gangorras FONTE: http://neafa.org.br/playground-do-neafa-e-uma-otima-opcao-de- lazer-facajá-uma-visita/ 64 FIGURA 42: Enriquecimento ambiental com ponte FIGURA 43: Enriquecimento ambiental com rampa 65 FIGURA 44: Estruturas para morderem FIGURA 45: Galhos, madeiras e árvores para morderem 66 FIGURA 46: Diversos brinquedos como os BuddyToys® FIGURA 47: Locais para descanso com sombra 67 FIGURA 48: Piscinas para enriquecimento ambiental físico FIGURA 49: Áreas para descanso após atividades 68 FIGURA 50: Caixas de descanso e refugio 69 5 RELATO DE CASO 5.1 ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL PARA CÃES COM VOCALIZAÇÃO EXCESSIVA E ANSIEDADE GENERALIZADA. 5.1.1 Definição da doença A vocalização excessiva nada mais é do que um latido exagerado, ela só se torna um problema para o proprietário quando eles não conseguem mais lidar com a situação. Os animais podem vocalizar por diversas razões sendo elas: dor, demonstrações territoriais, atenção, ansiedade, facilitação social, agressões, comidas. Normalmente os tutores se queixam quando os cachorros estão vocalizando enquanto se encontram dormindo, descansando, ou até mesmo quando estão envolvidos em outras atividades (HORWITZ e NEILSON, 2008). Um dos fatores contribuintes para a vocalização excessiva é a própria ansiedade generalizada, quando o proprietário leva o cachorro para passear, o medo subjacente, um comportamento territorial, transtorno compulsivo e a busca por atenção. Nenhum achado patológico está associado à vocalização, a menos que uma doença subjacente seja a causa para o mal estar e a resultante vocalização (HORWITZ e NEILSON, 2008). 5.1.2 Tratamento indicado O tratamento indicado para a vocalização excessiva e ansiedade generalizada consiste em várias técnicas, como as técnicas de modificação comportamental, o manejo ambiental, e a terapia medicamentosa (HORWITZ e NEILSON, 2008). Modificação comportamental: Consiste em fornecer ao animal uma atividade ou reação alternativa os estímulos que previamente causaram a vocalização, como por exemplo, se for vocalização por excitação o animal é ensinado a pegar um brinquedo e sentar-se quieto para assim poder ganhar a recompensa, caso contrário o comportamento do animal é rejeitado e ele acaba não ganhando a recompensa. Difusores, sprays e coleiras com feromônios podem auxiliar na ansiedade (HORWITZ e NEILSON, 2008). O treinamento de obediência do animal deve ser iniciado com o aprendizado dos comandos “senta”, “deita” e “fica”. O cão deve ser 70 condicionado a manter um comportamento calmo e relaxado enquanto o tutor se afasta, devendo ser recompensado sempre que o objetivo for atingido (LANDSBERG, 2004). Manejo ambiental: criar um ambiente calmo e seguro, como um aposento escurecido, com sons de fundo constantes ou isolado de certos estímulos (HORWITZ e NEILSON, 2008). Terapia medicamentosa: Consiste em uma medicação que forneçam uma redução contínua na ansiedade, como os potencializadores da serotonina. Podem levar até 4 semanas para conseguir eficácia, a terapia deve ser mantida por vários meses, até a obtenção do sucesso do animal, como exemplo temos a fluoxetina 0,51 mg/kg q24h, lembrando que esse medicamento não é aprovado pela FDA para esse fim. Sendo assim o clínico sempre deverá avisar o proprietário sobre qualquer utilização de medicamento sem prescrição de bula e documentar esse aviso. Os efeitos colaterais são possíveis, sendo assim a resposta do animal à terapia deve ser monitorada e o tratamento deve ser modificado ou interrompido quando indicado (HORWITZ e NEILSON, 2008). O tratamento medicamentoso visa o alívio da ansiedade do cão e facilita a evolução da terapia comportamental, melhorando o bem-estar do animal no decorrer do tratamento (SIMPSON, 2000). 5.1.3 Descrição do caso O animal relatado é um cão, fêmea, castrada, da raça Bulldog francês, de um ano de idade chamada Aisla, que foi levada para a creche com o objetivo de consumir energia por indicação de outro tutor. Após 2 meses de creche, o animal com 5 meses de idade começou a apresentar vocalização excessiva e ansiedade generalizada. A proprietária relatou que nunca havia observado nenhum desses comportamentos em casa. Os comportamentos do animal foram se intensificando e, com 1 ano de idade, foi possível identificar que o fator desencadeante da vocalização era a busca de atenção. Para tratamento desta paciente recomendou-se aumentar a frequência semanal na creche, passando para 3 vezes por semana com 10 horas diárias. 71 Foram intensificados os treinamentos de obediência aos comandos de “senta”, deita e fica. Os cinco tipos de enriquecimento (alimentar, cognitivo, físico, social e sensorial) foram aplicados diariamente durante 3 meses. No enriquecimento alimentar foi oferecido ração espalhada pelo ambiente e petball (FIGURA 51). O enriquecimento cognitivo foi trabalhado com garrafas pet e petball cheias de ração (FIGURAS 52 E 53). No enriquecimento físico, a paciente foi estimulada na grama sintética, piso de areia, piso de cerâmica, pedras, piscinas, diversas estruturas de madeira (rampas, ponte, balança) (FIGURA 54 E 55). O enriquecimento social compartilhava estas atividades com diferentes cães. Diversos estímulos sensoriais (táteis, visuais, olfativos, auditivos e gustativos) foram oferecidos, dentre eles a petbolha que desviava a atenção da paciente para a brincadeira diminuindo sua ansiedade e vocalização excessiva (FIGURA 56). Estas atividades foram trabalhadas durante 5 horas até que o animal demonstrasse estar cansado. O restante das horas era de descanso em áreas sombreadas com camas. Ao final do estágio a paciente apresentou diminuição da vocalização excessiva e demonstrou estar menos ansiosa e obediente aos comandos e a tutora relatou ter adotado mais um filhote de Bulldog frânces para melhorar a socialização do animal. FIGURA 51: Bulldog francês procurando comida jogada pelo ambiente 72 FIGURA 52: Bulldog francês em enriquecimento cognitivo e alimentar com garrafa Pet FIGURA 53: Bulldog francês em enriquecimento alimentar e cognitivo com PetBall 73 FIGURA 54: Bulldog francês participando de enriquecimento físico na piscina FIGURA 55: Bulldog francês participando de enriquecimento físico, em uma caminha de descanso 74 FIGURA 56: Bulldog francês em enriquecimento sensorial com bolhas de sabão sabor melão \ 75 5.2 ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL PARA CÃES COM ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO. 5.2.1 Definição da doença A Síndrome da Ansiedade de Separação (SASA) pode ser definida pelo conjunto de comportamentos indesejáveis exibidos pelos animais quando são afastados fisicamente da figura de apego ou quando são deixados sozinhos. Essa figura de vínculo pode ser um ser humano ou outro animal. Os comportamentos que mais frequentemente caracterizam a SASA são: vocalização excessiva (uivos, choros ou latidos em excesso), comportamento destrutivo (roer ou arranhar objetos pessoais da figura de vínculo ou as possíveis rotas de acesso a essa figura de vínculo), micção e defecação em locais inapropriados e frequentemente em locais ou objetos que sejam referência à figura de vínculo (LANDSBERG et al., 2004), atividade motora repetitiva (ficar andando de um lado pro outro), hipersalivação, ofegar, anorexia, inatividade, o animal pode exibir comportamentos excessivos como “ficar como uma sombra” quando a figura de apego está em casa, podem apresentar sinais de mal-estar quando o proprietário se prepara para sair (tremores, ofegar, ficar mais próximo da figura de apego) (HORWITZ e NEILSON, 2008). Para que ocorra a SASA, é necessário a hipervinculação, ou seja, a rotina canina em torno da figura de vínculo, havendo sinais de ansiedade ou desconforto sempre que essa figura se afasta. Segundo Appleby e Pluijmakers (2004) a hipervinculação pode ter diferentes origens e consequências na manifestação da SASA. A hipervinculação primária relaciona-se à perpetuação de características de imaturidade do animal além da puberdade, através de uma continuidade de um laço afetivo primário formado quando o animal ainda é filhote. Já a secundária está associada a traumas, fobias e outros distúrbios emocionais e pode surgir em qualquer idade. Outros fatores podem favorecer a ocorrência da hipervinculação, como um contato exagerado e constante do filhote com os donos, não permitindo que este desenvolva sua independência. Os sinais descritos para descrever a hipervinculação envolvem a colocação do dono como centro de todas as atividades que o cão realiza. É comum que o cão o siga por todos os cômodos da casa, inclusive banheiro, queira dormir sempre próximo, manter contato físico constante e buscar atenção o tempo todo (APPLEBY e PLUIJMAKERS, 2004) 76 Os cães podem apresentar os sinais da síndrome da ansiedade de separação mesmo quando não estiver sozinho, pois o animal pode se vincular a um único indivíduo canino ou humano (LANDSBERG et al., 2004). Tal fato explica o aparecimento da síndrome em cães de abrigos, residências com mais de uma pessoa e animais, embora cães que vivam somente com uma pessoa demostrem maior predisposição para o distúrbio (SCHWARTZ, 2003). 5.2.2 Tratamento indicado O tratamento da SASA é mais complexo e diretamente relacionado à origem do problema, sendo necessário um exame minucioso do histórico do cão, de suas interações sociais, condições ambientais e rotinas diárias. Um tratamento complexo é composto das seguintes técnicas: Manejo ambiental: Mudanças no domicílio e no estilo de vida são bons auxiliares no tratamento da SASA, mas não podem ser generalizadas para todos os casos já que os cães respondem de maneira diferente a estas modificações. Fornecer distrações, como brinquedos mastigáveis ou recheados com petiscos, logo antes da saída dos tutores ajuda a manter o animal ocupado no período que corresponde ao pico de ansiedade, ou seja, 30 minutos após a separação (LANDSBERG, 2004). A falta de interesse em alimentos nesta situação é associada com um alto grau de ansiedade todo. Medidas como deixar a televisão ou o rádio ligado, normalmente criam uma associação com momentos em que o dono se encontra presente, podendo deixar o animal mais calmo (APPLEBY e PLUIJMAKERS, 2004). Além disso, interações diárias entre o tutor e o cão podem ajudar a reduzir os sintomas da SASA, como exercícios adequados em quantidade e qualidade de acordo com a raça e temperamento do cão e brincadeiras que reforcem o vínculo humano-animal. Modificação comportamental: é realizada através de técnicas de dessensibilização, treinamentos de obediência, contra condicionamento (HORWITZ e NEILSON, 2008). É considerada a parte mais crítica do tratamento, e depende da determinação e complacência do tutor em aplicar corretamente as técnicas e evitar o uso de punições como corretivo. (LANDSBERG, 2004). Choros ou ganidos, cutucadas com o focinho ou ações como pular no dono deve ser respondido com a ausência de contato visual ou verbal e afastamento do tutor. Já comportamentos calmos e relaxados apresentados de forma espontânea em situações em que o cão está 77 longe deverão ser ativamente recompensado, reforçando a independência e ajudando a eliminar o apego exagerado (HORWITZ e NEILSON, 2008). A dessensibilização do animal à partida do tutor deve ser iniciada com o aprendizado dos comandos “senta”, “deita” e “fica”. O cão deve ser condicionado a manter um comportamento calmo e relaxado enquanto o tutor se afasta, devendo ser recompensado sempre que o objetivo for atingido. Com o avanço do treinamento, o tutor deverá realizar partidas breves, iniciando com alguns segundos de duração, fazendo com que o cão se mantenha sentado ou deitado de forma relaxado em uma área específica antes da sua saída (LANDSBERG, 2004). Terapia medicamentosa: O uso de medicamentos pode ser um importante auxiliar, principalmente em casos mais severo onde o tutor não se encontra disposto em tolerar os comportamentos do animal. A escolha dos princípios ativos deve ser adaptada a cada caso, de acordo com o objetivo que se espera com seu uso, devendo ressaltar que antes de se iniciar qualquer tipo de terapia a base de fármacos devem-se fazer exames físicos e avaliações laboratoriais completas, já que boa parte das medicações psicoativas requer funções hepáticas e renais normais para ter um metabolismo adequado (LANDSBERG, 2004). O tratamento com fármacos tem duração variável, normalmente se estendendo por 1 a 2 meses após o cão responder satisfatoriamente à modificação comportamental. Após o cão começar a tolerar separações relativamente longas a dose poderá ser gradualmente reduzida, devendo ser imediatamente restaurada caso haja reaparecimento dos sinais (SIMPSON, 2000). De acordo com o US Food and Drug Administration (FDA), órgão de controle de drogas e alimentos dos Estados Unidos, a única droga aprovada para o tratamento da SASA em cães e a clomipramina (Clomicalm®), 1-2 mg/kg BID, mas também pode ser utilizado fluoxetina 0,5-2 mg/Kg SID, sertralina 1-3 mg/Kg, SID (HORWITZ e NEILSON, 2008). Este medicamento age diretamente nas sinapses nervosas, inibindo a receptação de serotonina e, em menor extensão, de noradrenalina, causando um efeito calmante no animal, proporcionando maior bemestar durante a modificação comportamental (LANDSBERG, 2004). Existem no mercado os ferormônios ansiolíticos ambientais sintéticos como o DAP – dog appeasing pheromone® que se encontra disponível em forma de sprays, difusores e coleiras (HORWITZ e NEILSON, 2008). O tratamento medicamentoso tem como o objetivo de aliviar a ansiedade do cão e facilitar a evolução da terapia 78 comportamental e melhorar o bem-estar do animal no decorrer do tratamento (SIMPSON, 2000). 5.2.3 Descrição do caso Cão, Macho, Spitz Alemão Anão, 1 ano, chamado Spark, castrado. Cão começou a frequentar a creche com 4 meses de idade e com 6 meses começou a apresentar a síndrome da ansiedade de separação, com vocalização excessiva, “seguir a tutora de um lado pro outro” por todos os cômodos da casa, inclusive banheiro, queria dormir sempre próximo, manter contato físico constante e buscar atenção o tempo todo. Tutora relatou também fornecer sempre petiscos. O quadro do animal foi se agravando conforme foi tendo maturidade, onde o animal quando deixado na creche já começa a ofegar e a vocalizar. Foram feitas perguntas para a proprietária tais como: qual é a composição do lar, incluindo humanos e animais; qual a rotina de todos os membros do lar; quais são as atividade físicas do animal no período que ele não vai para a creche; ocorre o comportamento de ficar como sombra em casa. Ao realizar essas perguntas foram obtidas as seguintes respostas: tutora mora em apartamento com o marido, não possui outros animais em casa. O casal sai para trabalhar o dia inteiro e esse foi um dos motivos para ter procurado a creche. Quando o animal não frequenta a creche ele fica em casa, com os brinquedos para roer. Foi constatado que o animal sofre da síndrome da ansiedade de separação. Para o tratamento foi indicado manejo ambiental da casa com distribuição de petiscos espalhados pela casa em garrafas pet e petball. Orientação ao responsável quanto as partidas e chegadas que não estimulassem tanto a ansiedade, assim como intensificar o treinamento de obediência com o comando “senta” recompensando com petiscos. Foram desenvolvidas atividades 3 vezes por semana na creche visando interação social e modificações comportamentais com treinamento de obediência ao comando e ausência do contato visual ou verbal durante choros e gemidos. Quanto ao enriquecimento ambiental foram realizados os cinco tipos (físico, sensorial, alimentar, sensorial e cognitivo) durante 3 meses. 79 No enriquecimento alimentar foram aplicados comida espalhados pelo ambiente, petball, mas o animal não se interessava pela comida (FIGURA 57). No enriquecimento físico, o paciente foi estimulado em piso de cerâmica, grama sintética, pedras, diversas estruturas de madeira (rampas, gangorras e balança), piscina e diversos brinquedos para morderem como os buddytoys (FIGURA 58). O enriquecimento social compartilhava estas atividades com diferentes cães. O enriquecimento sensorial foi ofertado diversos estímulos sensoriais (visuais, auditivos, gustativos, táteis e olfatórios). No enriquecimento cognitivo foram aplicados garrafas pet, petball e o treinamento de obediência (FIGURA 59). FIGURA 57: Cão Spitz alemão anão em enriquecimento ambiental com PetBall 80 FIGURA 58: Cão Spitz alemão anão com Buddytoy de milho FIGURA 59: Cão recebendo comando de obediência “senta” 81 6 DISCUSSÃO O conceito de enriquecimento ambiental foi tratado inicialmente na década de 20, surgindo para proporcionar bem estar aos animais de cativeiro segundo MELLEN; e SEVENICH, 1999 apud MARTIN, 1999. Nos dias atuais os animais assumiram o papel de membros da família. A humanização dos animais de companhia pode corresponder a certos aspectos da teoria do apego em relação aos seres humanos, como a ligação emocional gerando uma base segura na proximidade e modelos representacionais (TRIEBENBACHER, 1999). Este fato era observado rotineiramente quando os animais eram deixados na creche. Este comportamento não é positivo por que promove alterações comportamentais. Para Shore (2005) a hipervinculação dos animais e o tempo em que passam sozinhos em casa contribuem para o aparecimento de alterações comportamentais. Este fato foi observado com o Spitz alemão anão, que ficava ofegante e vocalizando quando era deixado na creche. O enriquecimento ambiental tem se concentrado em identificar, caracterizar e avaliar a importância relativa de diferentes estímulos ambientais e avaliar a eficácia da sua escolha (SHEPHERDSON, 1998). É importante compreender a função do recurso de enriquecimento a ser utilizado e o comportamento a ser modificado, e como a função do objeto de enriquecimento ambiental (OBEA) a ser utilizado, pode ter um resultado diferente dependendo da espécie considerada (NEWBERRY, 1995). Um dos fenômenos mais marcantes do desenvolvimento comportamental dos mamíferos é a brincadeira, pois abrange muitas categorias comportamentais, varia consideravelmente dentro das espécies e seu significado funcional único ou múltiplo ainda está sendo debatido (BURGHARDT, 2005). A brincadeira era uma das atividades apreciadas pelos cães que também usavam o seu tempo interagindo com os outros animais através de compartilhamento de camas, brinquedos e espaço. No período de estágio obrigatório, realizado na Clínica Comportamental Canina Universicão, o enriquecimento ambiental mais utilizado foi o alimentar, distribuindo a refeição do animal pelo ambiente, colocando garrafas Pets com pequenos furos, utilizando a PetBall e o treino de obediência com o comando “senta” para ajudar a diminuir a ansiedade e vocalização excessiva como citado por Clark e 82 Boyer (1993) e Jagoe e Serpel (1996). O aprendizado do comando senta promoveu a dessensibilização do cachorro com o tutor. Os pacientes foram submetidos ao enriquecimento alimentar, sensorial, cognitivo e o enriquecimento físico. Para o paciente com vocalização excessiva e ansiedade generalizada o enriquecimento sensorial envolveu a utilização de incentivos de forma a estimular os sentidos dos animais. A literatura relata que o tratamento indicado era o medicamento fluoxetina 0,5-1 mg/kg q24h segundo HORWITZ e NEILSON (2008). Foi sugerido para o tutor, porém o mesmo não demonstrou aceitação pelo tratamento medicamentoso. O enriquecimento sensorial foi realizado através da colocação de cheiros, sons, texturas, odores derivados de plantas, varal de tecidos e imagens nos recintos e o farejamento próprio da espécie, para estimular, respectivamente, o olfato, a audição, o tato e a visão (HOSEY et al., 2009 apud LOUREIRO, 2013). O animal permaneceu completamente focado na brincadeira buscando capturar as bolhas de sabão, diminuindo a vocalização e ansiedade. Sendo assim o EAS é bastante utilizado, de baixo custo, além de proporcionar o bem-estar animal. Para a síndrome de ansiedade de separação a literatura relata que a prática mais implementada é o enriquecimento alimentar, onde a alimentação é fácil de ser implantada (HOY , 2010), porém o animal não demonstrou interesse pelo alimento, o que dificultou a prática do enriquecimento. A literatura relata que o tratamento indicado era o medicamento clomipramina (Clomicalm®), 1-2 mg/kg BID segundo HORWITZ e NEILSON (2008). Foi sugerido para o tutor o medicamento porém não houve aceitação do tratamento medicamentoso. Para o enriquecimento foram inseridos: vegetação, diferentes substratos (como areia, terra, grama sintética, piso de concreto, pedras, grama e folhas secas), rampas e pontes estruturas para morderem e arranharem, locais para descanso com sombras, as piscinas, que além de estarem fazendo o enriquecimento físico os animais se divertem e se refrescam. A criação de barreiras visuais também é fundamental para que o animal se sinta protegido, como em áreas de descanso, áreas para dormir e para se refugiarem de possíveis “ameaças” como as caixas (ROCHLITZ, 2000; GERET et al. 2011). No tratamento foi disponibilizado para o animal diversos modelos de brinquedos para roer como os Buddytoys, e a piscina onde o animal além de interagir com ou outros cães estava relaxado, demonstrando menos ansiedade. 83 O que mostrou o resultado mais positivo para o caso da síndrome de ansiedade de separação foi o treino de obediência. Todos os tipos de enriquecimento ambiental podem ser correlacionados: alimentar com cognitivo, sensorial com alimentar, etc. Na prática torna-se difícil à aplicação de um enriquecimento sem estar relacionado a dois ou mais tipos. Quanto ao enriquecimento cognitivo, esse foi melhor aplicado nas raças border collie, labrador, golden retriever. Entre o tabuleiro e a garrafa pet os cães preferiram a garrafa isso nos faz pensar que a garrafa faz mais barulho, estavam no mesmo ambiente, ficavam mais curiosos com os barulhos, fato de ver um fazendo e querer experimentar e o cheiro do outro cão. Já o tabuleiro eles eram colocados em uma sala isolado e sozinhos. Os indivíduos, seja qual a espécie, utilizam mecanismos cognitivos quando são capazes de resolver um novo problema baseando-se no processamento de informação preexistida obtida por outras experiências. Ou seja, reconhece-se como regulado por um processo cognitivo superior todo comportamento que não pode ser devidamente explicado pela mera associação de estímulos (SNITCOFSKY, 2013). (aprendizagem associativa) ou tentativa e erro 84 7 CONCLUSÃO O enriquecimento ambiental tem melhorado o convívio tanto para os animais quanto seus tutores. Para introduzir o EA é indispensável conhecer e aplicar a etologia para que seja feito de maneira correta e positiva. Todos os tipos de enriquecimento ambiental podem ser correlacionados. É importante que a ferramenta de enriquecimento introduzida seja útil e tenha um significado para a vida do animal. Para tanto, deve-se fazer um estudo prévio do comportamento do animal, para proporcionar estímulos biologicamente relevantes. Para vocalização excessiva e ansiedade generalizada o enriquecimento ambiental de melhor eficiência foi o sensorial. Para a síndrome de ansiedade de separação o enriquecimento de melhor efeito foi o treino de obediência com o comando “senta” o qual possibilitou a dessensibilização do cachorro com o tutor. 85 REFERÊNCIAS American Veterinary Society of Animal Behavior (AVSAB). Position statementes and handouts (for the public), 2008. Disponível em: http://avsabonline.org/resources/position-statements. Acesso em 04 de abril de 2016. APPLEBY, D.; PLUIJMAKAERS, J. Separation Anxiety in Dogs: The Function of Homeostasis in its Development and Treatment. Veterinary Clinics of North Amercia: Small Animall Practice, v. 33, n.2, p.321-344, 2004. BARLOW, D. H.; Anxiety and its Disorders: The Nature and Treatment of Anxiety and Panic. 2nd edn. 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