Soroprevalência e fatores de risco à infecção por Toxoplasma

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Rev Panam Infectol 2008;10(4):30-35
ARTÍCULO ORIGINAL/ARTIGO ORIGINAL
Soroprevalência e fatores de risco à infecção
por Toxoplasma gondii em gestantes de
Pelotas, sul do Brasil
Seroprevalence and risk factors to Toxoplasma gondii infection in pregnant
women of Pelotas, south of Brazil
Beatris Gonzalez Cademartori1
Nara Amélia da Rosa Farias2
Claudiomar Soares Brod3
Mestre em Ciências/Parasitologia, Farmacêutica-Bioquímica - Hospital Universitário, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de
Pelotas - RS, Brasil.
2
Profa. Dra. em Biologia Parasitária - Departamento de Microbiologia e Parasitologia,
Instituto de Biologia, Universidade Federal de
Pelotas - RS, Brasil.
3
Prof. Dr. em Ciências - Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Faculdade de
Veterinária, Universidade Federal de Pelotas RS, Brasil.
1
Rev Panam Infectol 2008;10(4):30-35
Conflicto de intereses: ninguno
Recibido en 20/2/2008.
Aceptado para publicación en 20/5/2008.
30
Resumo
A infecção congênita por Toxoplasma gondii pode causar as
formas mais graves da doença em humanos, levando a abortos
e malformações fetais. Os objetivos deste estudo foram avaliar a
soroprevalência para T. gondii em gestantes e as associações entre
essa soropositividade e a exposição a possíveis fatores de risco à
infecção. Foi realizado um estudo transversal, com 425 gestantes
que realizaram o pré-natal nas Unidades Básicas de Saúde de
Pelotas (RS-Brasil), no período de maio a novembro de 2006.
A técnica sorológica utilizada para a dosagem de anticorpos foi
a quimioluminescência (Dpc® Immulite). A soroprevalência (IgG)
entre as gestantes estudadas foi de 54,8% e não foram detectados anticorpos IgM para T. gondii. Constatou-se elevado desconhecimento da doença pelas gestantes entrevistadas, sobretudo
quanto às possíveis fontes de infecção. Na análise dos fatores de
risco, a soropositividade foi significativamente maior (p<0,05) em
gestantes com idade mais elevada, que manuseiam carnes cruas,
consomem vegetais crus, carnes cruas ou mal cozidas, leite cru não
pasteurizado e têm contato direto com o solo. Através do modelo de
regressão logística, essa associação foi confirmada para o consumo
de carnes cruas ou mal cozida (OR=1,85) e o contato direto com o
solo (OR=2,67). O consumo de água não tratada (OR=0,81), convívio com gatos (OR=0,98) e contato com seus dejetos (OR=0,47)
não representaram risco de infecção para a população estudada.
Os resultados obtidos indicam a necessidade da implantação de
programas educativos com medidas de prevenção primária à infecção por T. gondii nessa comunidade, a fim de reduzir o risco da
toxoplasmose congênita.
Palavras-chave: Toxoplasmose, gestação, fatores de risco, sorologia.
Abstract
The congenital infection by Toxoplasma gondii can cause the
most serious forms of the disease in humans, leading to abortions
and fetal malformations. The objectives of this study were to
Cademartori BG, et al • Soroprevalência e fatores de risco à infecção por...
evaluate the seroprevalence for T. gondii in pregnant
women and verify possible associations between this
seropositivity and exposure to risk factors. A transversal study was conducted, with 425 pregnant women
who were attending prenatal care in Basic Health
Units of Pelotas (RS-Brazil), during the period of May
to November 2006. The serological method used for
the determination of antibodies was the chemiluminescence (Dpc® Immulite). The seroprevalence (IgG)
was 54.8% and were not detected IgM antibodies to
T. gondii. It was observed that these pregnant women
did not know much about the disease and its main
sources of infection. In the analysis of risk factors
was verified significant association (p<0.05) in pregnant women aged highest, which handle raw meat,
consuming raw vegetables, raw or undercooked meat,
raw non pasteurized milk and have direct contact
with the soil. In the logistic regression model, this
association has been confirmed for consuming raw or
undercooked meat (OR=1.85) and for direct contact
with the soil (OR=2.67). The consumption of untreated
water (OR=0.81), interaction with cats (OR=0.98) and
contact with their waste (OR=0.47) did not represent
risk of infection for the studied population. The results
indicate the necessity of the implantation of educative
programs with measures of primary prevention to the
infection for T. gondii in this community, in order to
reduce the risk of congenital toxoplasmosis.
Key words: Toxoplasmosis, pregnancy, risk factors,
serology.
Introdução
A toxoplasmose é uma antropozoonose, causada
pelo protozoário Toxoplasma gondii, de curso benigno
em indivíduos imunocompetentes, mas que pode
causar lesões graves em imunossuprimidos e fetos.(1)
Os riscos de transmissão materno-fetal e de gravidade das seqüelas estão relacionados com a idade
gestacional em que a soroconversão materna ocorre.
Quando a infecção materna ocorre no primeiro trimestre da gestação, a ocorrência de toxoplasmose
congênita é menor que no terceiro trimestre; contudo,
a gravidade da doença no neonato é maior.(2) A taxa de
transmissão ao feto durante a primoinfecção é de 25%
no primeiro trimestre, 54% no segundo trimestre e
65% no terceiro trimestre.(3) É importante salientar que
o parasito atinge o concepto por via transplacentária,
podendo causar morte fetal ou alterações congênitas, como hidrocefalia, coriorretinite, retardo mental
e calcificações cerebrais. Essas alterações podem
estar presentes ao nascimento ou se desenvolverem
mais tarde. Assim, a prevenção da doença assume
importância fundamental, uma vez que as seqüelas
são irreversíveis.(4)
Em geral, o risco de adquirir toxoplasmose durante
o período gestacional correlaciona-se a três fatores: a
prevalência na comunidade, o contato com uma fonte
de infecção e o número de mulheres suscetíveis na
comunidade.(5)
A prevenção pode ser realizada por diferentes
meios, sendo que uma das medidas mais efetivas é
prevenir a doença aguda na gestação, evitando os fatores de risco para infecção e implantando programas
de educação em saúde.(6,7) Outra importante medida é
baseada no “screening” sorológico durante a gestação
para identificar mulheres com infecção aguda e as
suscetíveis à infecção, pois o tratamento durante a
gestação resulta em importante redução na incidência
e gravidade das seqüelas no feto.(8) Aquelas suscetíveis
à infecção devem ser especialmente orientadas, uma
vez que constituem o grupo de risco para transmissão
transplacentária.
O presente estudo teve como objetivos avaliar a
soroprevalência para T. gondii em gestantes atendidas
nas Unidades Básicas de Saúde de Pelotas - RS, e
verificar quais os principais fatores de risco realmente
associados a esta infecção, na população em estudo.
Materiais e métodos
Foi realizado um estudo transversal sobre a prevalência de anticorpos IgG e IgM para T. gondii, no soro
de 425 gestantes atendidas nas Unidades Básicas
de Saúde de Pelotas - RS, que realizaram exames
laboratoriais para toxoplasmose durante o pré-natal
no laboratório de análises clínicas da Universidade
Federal de Pelotas, no período de maio a novembro
de 2006. Aplicou-se um questionário padrão referente
aos hábitos higiênico-alimentares e conhecimentos das
gestantes sobre a zoonose. Ao término da entrevista,
foram distribuídos folhetos educativos com medidas
de prevenção para a infecção.
Foram consideradas, para a análise, as variáveis
epidemiológicas: faixa etária, consumo de carne crua
ou mal cozida, de vegetais crus, de água não tratada
e de leite cru não pasteurizado, manuseio de carne
crua, contato direto com o solo e convívio com gatos.
O tamanho amostral foi calculado considerando-se taxa
de prevalência de 59,8%,(9) erro padrão de 5% e nível
de confiança de 95%, resultando em 369 gestantes
que, somado a perdas de 10%, totalizaria um mínimo
de 405 gestantes a serem estudadas. O número de
amostras analisadas foi de 425.
Foram colhidos 5 ml de sangue por punção venosa
de cada gestante. Os testes sorológicos foram realizados no mesmo dia da coleta sangüínea. A técnica
empregada para a dosagem de anticorpos IgG e IgM
para T. gondii foi a quimioluminescência (Dpc® Immulite). De acordo com o fabricante, considerou-se IgG
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Tabela 1. Associação (p<0,05) dos fatores de risco à infecção por T. gondii com a soropositividade de gestantes (n=425),
atendidas nas Unidades Básicas de Saúde de Pelotas/RS, no período de maio a novembro de 2006
Variáveis
Idade da gestante
< 20 anos*
20 a 25 anos
26 a 31 anos
32 a 36 anos
> 37 anos
Reagente
n
(233)
%
Não Reagente
n
(192)
%
OR (IC=95%)
p
valor
44
64
56
50
19
46,8
49,2
51,4
72,5
82,6
50
66
53
19
4
53,2
50,8
48,6
27,5
17,4
1,51 (0,93-2,47)
1,77 (1,17-2,66)
3,09 (1,78-5,40)
4,17 (1,30-14,9)
<0,001
Manuseio de carne crua
Sim
Não
204
29
61,1
31,9
130
62
38,9
68,1
3,35 (1,99-5,69)
<0,001
Consumo de vegetais crus
Sim
Não
212
21
58,1
35,0
153
39
41,9
65,0
2,57 (1,40-4,76)
<0,001
Consumo de carne crua ou mal cozida
Sim
Não
106
127
66,7
47,7
53
139
33,3
52,3
2,19 (1,42-3,38)
<0,001
Consumo de leite cru não pasteurizado
Sim
Não
27
206
73,0
53,1
10
182
27,0
46,9
2,39 (1,06-5,47)
0,01
Contato direto com o solo
Sim
Não
97
136
72,4
46,7
37
155
27,6
53,3
2,99 (1,87-4,79)
<0,001
* categoria de referência.
reagente quando a concentração foi igual ou superior
a 8 UI/mL, e IgG não reagente, quando inferior a 6,5
UI/mL. A dosagem de IgM foi considerada reagente
quando o índice foi superior a 1,1, e não reagente,
quando inferior a 0,9. Os valores intermediários, entre
6,5 e 7,9 UI/mL para concentrações de IgG, e entre
0,9 e 1,1 para índice de IgM, foram considerados
indeterminados.
O cálculo do tamanho da amostra e a análise dos
resultados foram analisados pelo programa Epi-Info
versão 6.04, sendo realizado o teste do Qui-quadrado
e consideradas diferenças com significância estatística quando p<0,05. Foi ainda determinado o valor de
OR (Odds Ratio) com intervalo de confiança de 95%.
Um modelo de regressão logística foi aplicado para
estudar de forma simultânea os múltiplos efeitos que
podem estar envolvidos na prevalência de soropositividade para toxoplasmose em gestantes. As variáveis
que apresentaram p< 0,25 na análise bivariada foram
incluídas no modelo multivariado. Os dados foram
analisados pelo programa Statistix 8.0.
Aspectos éticos
O protocolo deste estudo foi elaborado de acordo
com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de
Pesquisas envolvendo seres humanos (Resolução do
32
Conselho Nacional de Saúde n. 196/96, 10 de outubro de 1996) e foi aprovado pelo Comitê de Ética da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
Pelotas (protocolo nº 029/06). As gestantes foram
previamente elucidadas quanto ao estudo a ser desenvolvido e aquelas que concordaram em participar,
após a assinatura do termo de consentimento livre e
esclarecido, foram incluídas.
Resultados
Entre as gestantes estudadas, 54,8% (IC=95%
50,1 – 59,5) apresentaram IgG para T. gondii (soropositividade). O índice de suscetibilidade à infecção,
representado pelas soronegativas, foi de 45,2%
(IC=95% 40,5 – 49,9).
A concentração de anticorpos IgG, avaliados pela
técnica de quimioluminescência, entre as gestantes
soropositivas para T. gondii, variou de 8,0 UI/mL
até 8.140,0 UI/mL, com média de 188,6 UI/mL.
Nenhuma das gestantes estudadas apresentou níveis
detectáveis de IgM para T. gondii.
Constatou-se que 64,9% (276) das gestantes
analisadas desconheciam a doença. As demais (149)
associaram a infecção ao convívio com gatos (69,8%),
manuseio e consumo de carnes cruas ou mal cozidas
(27,5%) e consumo de verduras cruas (2,7%).
Cademartori BG, et al • Soroprevalência e fatores de risco à infecção por...
Tabela 2. Associação (p<0,05) dos fatores de risco à infecção por T. gondii com a soropositividade de gestantes (n=425),
provenientes das Unidades Básicas de Saúde de Pelotas/RS, no período de maio a novembro de 2006, após a aplicação do
modelo multivariado
Variáveis
Consumo de carne crua ou mal cozida
Sim
Não
Contato direto com o solo
Sim
Não
Reagente
n (233)
%
Não Reagente
n (192)
%
OR (IC=95%)
p valor
106
127
66,7
47,7
53
139
33,3
52,3
1,85 (1,21-2,81)
<0,001
97
136
72,4
46,7
37
155
27,6
53,3
2,67 (1,70-4,19)
<0,001
Na análise bivariada dos fatores de risco à infecção
por T. gondii, não foi encontrada associação significativa (p>0,05) entre a soropositividade das gestantes e o
consumo de água não tratada (p=0,37), convívio com
gatos (p=0,50) e contato com seus dejetos (p=0,08).
Entretanto, essa associação foi estatisticamente significativa (p<0,05) para idade, manuseio de carnes
cruas, consumo de vegetais crus, de carnes cruas ou
mal cozidas, de leite cru não pasteurizado e contato
direto com o solo (tabela 1).
A idade das gestantes soropositivas para T. gondii
variou entre 14 e 43 anos (média = 25,6 anos). À
medida que aumentava sua faixa etária, detectou-se
também aumento da soroprevalência.
A análise das variáveis epidemiológicas, após a
aplicação do modelo de regressão logística, revelou
que mantiveram associação estatisticamente significativa (p<0,05) com a soropositividade das gestantes
o consumo de carnes cruas ou mal cozidas e o contato
direto com o solo (tabela 2).
Discussão
A prevalência de indivíduos soropositivos para Toxoplasma gondii varia muito entre as diversas regiões
do mundo. Vários fatores podem interferir, como o
clima da região, idade, hábitos alimentares e higiênicos, nível socioeconômico e outros hábitos que possam
propiciar maior contato com o T. gondii. (6,9,10)
A soroprevalência aqui observada (54,8%) é similar à encontrada em estudos realizados no Brasil e em
outros países, envolvendo populações de gestantes.
No Brasil, os resultados se assemelham às pesquisas
realizadas em Porto Alegre, (59,8% e 67,3%), Recife
(69%), Londrina (67%) e em Uberlândia (51,6%).(9,11-14)
No entanto, foi inferior à verificada na região do Alto
Uruguai (RS) (74,5%), região colonizada por descendentes italianos, germânicos e poloneses, com grande
consumo de carne suína e apresentando elevado índice
de toxoplasmose ocular.(15)
Em relação a outros países, a soroprevalência foi
semelhante à observada entre puérperas da França e
Áustria (54% e 49%, respectivamente), países com
programa rígido de rastreamento e seguimento sorológico para toxoplasmose no pré-natal(16) e superior à
observada em países como Noruega (10,9%), Suécia
(14% em Estocolmo e 25,7% em Skane), Estados
Unidos (14,9%) e Turquia (30,1%), o que pode ser explicado pelas características climáticas e culturais das
regiões estudadas.(17-20). Entre as gestantes avaliadas,
45,2% estavam suscetíveis à infecção por T. gondii
e com risco de adquirir a doença durante a gestação.
Um programa de acompanhamento nestas gestantes
é de fundamental importância para a detecção de soroconversões e diagnóstico de infecção toxoplásmica
aguda, minimizando os riscos para o feto.
Fator relevante e pouco citado na literatura é o nível
de conhecimento sobre a doença por parte das gestantes. No presente estudo, constatou-se que 64,9% das
puérperas relataram desconhecer a parasitose. Este
elevado percentual é comparável ao constatado em
estudo realizado em Cuiabá (MT),(21) onde constatou-se
que 78,1% das gestantes desconheciam a infecção.
Em pesquisa realizada no Estados Unidos, os autores
verificaram que 52% das mulheres entrevistadas não
possuíam nenhuma informação sobre a toxoplasmose.(22) Estes dados ressaltam a necessidade de uma
orientação à população sobre a doença, devidamente
realizada por profissionais da saúde.
Os estudos epidemiológicos não são uniformes
quanto à associação entre a infecção por T. gondii e o
convívio com gatos. No presente estudo não foi constatada essa associação (p>0,05), o que também foi
verificado em pesquisas realizadas nos Estados Unidos
e Europa.(19,23) Segundo os autores, a possibilidade de
transmissão da infecção através do ato de tocar nos
gatos é mínima ou inexistente. O risco de infecção
poderá existir somente quando ocorrer o contato direto com as fezes dos gatos que estejam eliminando
oocistos após a primoinfecção, sendo que as fezes
desses animais devem estar no ambiente no mínimo
por 24 horas para que o oocisto sofra o processo de
esporulação e se torne infectante.(24)
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Quanto mais alta a faixa etária, maior a porcentagem de indivíduos infectados e, portanto, soropositivos para toxoplasmose.(25) Essa tendência também foi
verificada neste estudo, concordando com a maioria
dos levantamentos, não somente em gestantes e
mulheres em idade reprodutiva, mas também na população em geral.(13,14,23). Este fato pode ser explicado
pelo maior tempo de exposição aos fatores de risco.(26)
O conhecimento de fatores de risco e hábitos de
vida que favorecem a infecção por T. gondii é importante para o planejamento de programas educativos
visando reduzir a incidência da toxoplasmose durante
a gestação. Na Bélgica, foi constatado que após a implantação de um programa de educação sanitária ocorreu 63% de redução da soroconversão para T. gondii.(27)
No presente estudo, verificou-se que alguns fatores de
risco relacionados aos hábitos higiênico-alimentares
apresentaram associação com a soroprevalência da
população estudada. Os índices de soropositividade
foram maiores entre as gestantes que manuseavam
carnes cruas, a exemplo do verificado na Noruega(6) e
Turquia.(20) Um aconselhamento eficaz na orientação
destas pacientes para que desenvolvam o hábito de
lavar as mãos após o manuseio de carnes cruas e não
degustá-las durante o preparo seria uma forma de evitar
uma possível infecção pelo parasito.
O consumo de carnes cruas ou mal cozidas e de
vegetais crus também aumenta as chances de infecção
por T. gondii,(6,19,23) o que foi confirmado no presente
estudo. No Brasil, resultados similares foram obtidos
na região do Alto Uruguai (RS) e Goiânia (GO).(15,28) Foi
encontrada associação entre a soropositividade das
gestantes e o consumo de leite cru não pasteurizado,
embora seja conhecido que os taquizoítos do T. gondii
encontrados no leite de cabras e vacas são destruídos
rapidamente pelo suco gástrico.(29) No entanto, em
um estudo multicêntrico realizado na Europa,(23) essa
associação também foi encontrada. Segundo os pesquisadores, isso pode ser devido à contaminação com
oocistos presentes durante o processo de ordenha dos
animais ou à confusão por outros fatores de risco do
estudo. Entretanto, no Brasil, há relatos da ocorrência de toxoplasmose aguda em três membros de uma
mesma família de Belo Horizonte (MG), relacionada
à ingestão de leite de cabra não pasteurizado e não
fervido. Taquizoítos foram isolados do leite de uma das
cabras e, como os taquizoítos são destruídos pelo suco
gástrico, é provável que o parasito tenha penetrado
pela mucosa bucal e faríngea.(30)
Outro importante fator de risco associado à imunidade/infecção prévia pelo T. gondii foi o contato direto
com o solo, através de atividades ligadas à terra contaminada, concordando com os resultados das pesquisas
realizadas na região do Alto Uruguai (RS), Europa e em
34
Goiânia (GO).(15,23,28) O manuseio do solo, sem os devidos
cuidados de proteção, representa importante foco de
infecção por T. gondii, pois neste local é freqüente
a presença de oocistos, os quais podem permanecer
infectantes por vários meses.
Entre todas as variáveis epidemiológicas estudadas, após aplicação no modelo de regressão logística,
as que mostraram risco de maior magnitude foram o
consumo de carnes cruas ou mal cozidas e o contato
direto com o solo. Isto demonstra a importância do
conhecimento da população em relação aos fatores
de risco para evitar a toxoplasmose.
Através dos resultados obtidos neste estudo,
ressalta-se a necessidade de implantação de programas educativos com medidas de prevenção primária à
infecção por T. gondii na comunidade, com orientação
às gestantes durante o pré-natal, a fim de reduzir o
risco da toxoplasmose congênita, uma vez que quase
metade das gestantes está suscetível e existe um
grande desconhecimento sobre a doença e suas formas
de transmissão.
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Correspondência:
Beatris Gonzalez Cademartori
Universidade Federal de Pelotas
Hospital Universitário
Rua Professor Araújo, 538 - CEP 96020-306
Pelotas - RS - Brasil.
e-mail: [email protected]
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