ESCOLA E DESIGUALDADE: UM DUALISMO EXISTENTE Carlos

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ESCOLA E DESIGUALDADE: UM DUALISMO EXISTENTE
Carlos Henrique Ferreira Rodrigues (PROVIC/ UEPG), Beatriz Gomes Nadal
(Orientadora), e-mail: [email protected].
Universidade Estadual de Ponta Grossa/Departamento Pedagogia.
7.08.00.00-6 Educação
Palavras-chave: Política educacional, Escola e Desigualdade, Organização escolar.
Resumo:
O presente trabalho volta-se ao estudo da desigualdade no contexto de projetos educacionais e trabalho
escolar. A desigualdade vem sendo foco de muitas pesquisas as quais associam-na ao modelo
econômico de produção. No campo educacional, sua institucionalização por meio da escola é uma
denúncia feita por Paulo Freire (1987), Foucault (2000); Bourdieu e Passeron (2013), Althusser (1980)
Baudelot e Establet (1971), dentre outros. A pesquisa buscou, assim, identificar objetivos e funções
sociais efetivamente exercidos pelas escolas a partir de seus processos pedagógicos e à luz da política
educacional, tendo como objetivos: diferenciar os principais projetos educacionais em disputa no
contexto contemporâneo, identificando como poderiam estar associados ao fenômeno de desigualdade
escolar; conhecer o conceito de desigualdade escolar, relacionando-o à possíveis categorias explicativas
(desigualdade social, dualidade escolar, violência simbólica); analisar os objetivos e funções educativas
buscadas pelas escolas por meio de suas práticas educativas. Tendo em vista a natureza do problema e
os objetivos a serem alcançados, o estudo desenvolveu-se numa abordagem qualitativa por meio de
pesquisa bibliográfica e do estudo documental de projetos políticos pedagógicos de escolas públicas de
ensino fundamental. A pesquisa revelou que as escolas reconhecem a condição de diferença, mas nem
sempre a associam à desigualdade ou às múltiplas desigualdades. Também não há clara percepção,
pelas escolas, da relação que se constitui entre organização historicamente construída das dimensões
econômica, política e cultural da sociedade e a desigualdade social e escolar. Por fim, observa-se que as
ações pedagógicas escolares não revelam clareza quanto ao papel da escola na reprodução ou
enfrentamento da desigualdade.
Introdução
Pensar os objetivos e a natureza do trabalho escolar é uma tarefa permeada de
complexidade, reveladora de contradições. A centralidade com que o tema se
apresenta nas agendas políticas e acadêmicas não tem se refletido nas práticas
escolares, marcadas por divergência de projetos e pressões a fim de que se alinhem à
funções e finalidades bastante distintas, como a lógica empresarial de formação para a
empregabilidade ou formação para a cidadania burguesa.
Libâneo (2012) denuncia o dualismo hoje existente entre as redes privadas e
púbicas, pois enquanto a primeira reserva-se a função da transmissão/aquisição de
conteúdos, à segunda parece caber, essencialmente, ao processo de assistência
social: “surge à escola do acolhimento social, cuja função é propiciar a convivência e a
sociabilidade, em contraponto à escola destinada, preponderantemente, à formação
cultural e científica, isto é, ao conhecimento e ao ensino [...]”. (p. 3).
Assim, mostra-se relevante o estudo acerca do trabalho educativo e suas
possíveis relações com processos de desigualdade [social e escolar (antes e depois da
escola)]. (DUBET; DURU-BELLAT; VERETOUT, 2012). A compreensão do projeto
educativo da escola, por sua vez, precisa se fazer para além da instância escolar e da
formalidade do documento escrito, contemplando a influência recebida das políticas
educacionais e observando as práticas pedagógicas construídas num contexto escolar
e social concretos.
A pesquisa em questão buscou, assim, identificar objetivos e funções sociais
efetivamente exercidos pelas escolas a partir de seus processos pedagógicos e à luz
da política educacional, tendo como objetivos: diferenciar os principais projetos
educacionais em disputa no contexto contemporâneo, identificando como podem estar
associados ao fenômeno de desigualdade escolar; conhecer o conceito de
desigualdade escolar, relacionando-o à possíveis categorias explicativas (desigualdade
social, dualidade escolar, violência simbólica); analisar os objetivos e funções
educativas buscadas pelas escolas por meio de suas práticas educativas.
O estudo demonstrou que o Estado instrumentaliza a escola na lógica do
mercado e que há pouca clareza em relação a tal processo de inculcação. Há um
circulo vicioso, do qual professores também são alvos pelo processo de ação
pedagógica secundaria, e este reproduz, via escola, os processos de desigualdade
social.
Materiais e métodos
A pesquisa desenvolveu-se numa abordagem qualitativa por meio de pesquisa
bibliográfica e estudo documental, buscando entender o objeto de pesquisa: diferenciar
os principais projetos educacionais em disputa no contexto contemporâneo,
identificando como podem estar associados ao fenômeno de desigualdade escolar.
A pesquisa bibliográfica permitiu identificar autores centrais no campo de
conhecimento e suas principais perspectivas sobre o fenômeno da desigualdade
escolar, como essa se apresenta e quais os possíveis caminhos para enfrentá-la,
conforme salienta Cervo e Bervian (2005, p. 66):
A pesquisa bibliográfica procura explicar um problema a partir de referências
teóricas publicadas em documentos. Pode ser realizada independentemente ou
como parte da pesquisa descritiva ou experimental. Em ambos os casos, busca
conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado
existentes sobre um determinado assunto, tema ou problema.
O estudo documental foi realizado com projetos pedagógicos de escolas
públicas visando à identificação do reconhecimento, pela instituição, do fenômeno da
desigualdade, bem como do apontamento de ações pedagógicas para seu
enfrentamento. As escolas foram selecionadas entre as de menor Índice de
desenvolvimento da educação básica (IDEB) na rede estadual de ensino no município
de Ponta Grossa, entendendo-se a diferença de rendimento escolar como uma das
expressões da desigualdade.
Resultados e Discussão
A desigualdade é foco de muitas pesquisas que a vêm caracterizando
associada ao modelo econômico de produção. No campo educacional, sua
institucionalização por meio da escola é uma denúncia feita já na década 60 por Paulo
Freire (1987) no Brasil, com a educação bancária. Muitos outros autores se dedicaram
a essa pesquisa, como Foucault (2000) com a normalização, Bourdieu e Passeron
(2013) com herança cultural e violência simbólica, Althusser (1980) denunciando a
escola como aparelho ideológico do estado, Baudelot e Establet (1971) com teoria da
escola dualista, entre muitos outros que se dedicaram a estudar tal fenômeno.
Pensar a natureza do trabalho escolar e seus objetivos é uma tarefa permeada
de complexidade, reveladora de contradições. Se a escola tem como função social, que
seja de promover o homem, o que “significa tornar o homem cada vez mais capaz de
conhecer os elementos de sua situação para intervir nela transformando-a no sentido
de uma ampliação da liberdade, da comunicação e colaboração entre os homens”
(SAVIANI, 1996, p. 41), o que só seria possível por meio do conhecimento cientifico
elaborado historicamente pela humanidade, por que ela estaria promovendo a
desigualdade? Se a escola tem essa função, por que é geradora de desigualdade?
Libâneo (2012) denuncia a desigualdade na forma do dualismo existente entre
as redes privadas e púbicas, pois enquanto à primeira reserva-se a função da
transmissão/aquisição de conteúdos, à segunda parece caber, essencialmente, o
processo de assistência social: “[...] surge a escola do acolhimento social, cuja função é
propiciar a convivência e a sociabilidade, em contraponto à escola destinada,
preponderantemente, à formação cultural e científica, isto é, ao conhecimento e ao
ensino [...]” (Ibid, p. 3).
O enfrentamento à desigualdade no campo educacional, precisa se fazer no
âmbito das políticas educacionais, como também nas práticas pedagógicas que se
constituem na unidade escolar. Neste sentido, destaca-se a importância do projeto
político-pedagógico enquanto diretriz norteadora dos fins educativos e de planejamento
das ações necessárias para o alcance dessas.
O Projeto Político Pedagógico (PPP) é o documento de identidade da escola,
revelador de quem é, de sua finalidade e de seus princípios norteadores. Contempla o
diagnostico da comunidade atendida: (contexto social, econômico e cultural).
Sistematiza os pressupostos teórico-metodológicos que embasam o processo
pedagógico da instituição e, deste modo, seu compromisso político com a comunidade
em que está inserida. Descreve a estrutura organizacional da escola para o
atendimento dos objetivos a que se propõe, bem como o trabalho pedagógico a ser
realizado.
O PPP abarca a proposta curricular e o regimento escolar. O currículo
sistematiza o conhecimento escolar por meio da previsão de pressupostos
metodológicos, objetivos de aprendizagem e eixos de conteúdo e pressupostos
avaliativos.
Já o regimento escolar dá o suporte jurídico para o trabalho pedagógico da
escola, formalizando os papeis e respectivas atribuições, o funcionamento da gestão e
os trâmites legais dos processos pedagógicos.
Projeto político-pedagógico, proposta curricular e regimento escolar devem
pautar-se, sobretudo, na Constituição de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação 9394/96 e as demais diretrizes que orientam cada sistema de ensino, seus
níveis e modalidades.
Na medida em que legislação educacional e seus programas (política), a
proposta pedagógica, a proposta curricular e o regimento escolar estruturam o trabalho
pedagógico da escola, reconhece-se seu papel fundamental no enfrentamento das
desigualdades escolares.
A pesquisa revelou que as escolas reconhecem a condição de diferença social,
cultural e de rendimento escolar dos alunos, mas nem sempre associam tal fenômeno
ao da desigualdade. As diferenças (desigualdades) são essencialmente identificadas
pela escola em sua dimensão cultural/de rendimento escolar, em detrimento de outras
múltiplas desigualdades. Também não há clara percepção, pelas escolas, da relação
que se constitui entre organização historicamente construída das dimensões
econômica, política e cultural da sociedade e a desigualdade social e escolar. Por fim,
as ações pedagógicas propostas no âmbito do projeto pedagógico não revelam clareza
da instituição quanto ao papel da escola na reprodução ou enfrentamento da
desigualdade. Observa-se, assim, que a escola é uma instituição educativa central
frente a projetos em disputa, e que a fraca compreensão do fenômeno da
desigualdade, bem como de esforços para sua superação parecem sugerir o
alinhamento da instituição aos interesses econômicos do que a um projeto
emancipatório e popular.
Conclusões
Conclui-se que temos muitos desafios para pensar e repensar a escola, já que a
desigualdade é algo latente. Não se pode negar os avanços obtidos com a
consolidação de direitos, entretanto, as desigualdades ainda estão latentes e as
políticas educacionais pouco têm feito para combatê-las. O Estado instrumentaliza a
escola na lógica do mercado e professores e educadores ainda revelam pouca clareza
frente a tal processo de inculcação. Há um circulo vicioso do qual professores também
são alvo pelo processo de ação pedagógica secundaria.
Referências
ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. 3. ed. Lisboa:
Presença, 1980.
BAUDELOT, C.; ESTABLET, R. L’École capitalista en France. Paris: François
Maspero, 1971.
BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do
sistema de ensino. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: promulgada em 5
de
outubro
de
1988.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.
Acesso em: 27 jul. 2016.
BRASIL, Lei de Diretrizes e B. Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996.
CERVO, Amado L.; BERVIAN, Pedro A. Metodologia Científica. 5. ed. São Paulo:
Pearson Prentice Hall, 2005.
DUBET, F.; DURU-BELLATt, M.; Vérétout, A. As desigualdades escolares antes e
depois da escola: organização escolar e influência dos diplomas. Sociologias, Porto
Alegre, v. 14, n 29, p. 22-70, jan./abr. 2012.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Tradução Raquel Ramalhete. 23. ed. Rio de Janeiro:
Vozes, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: paz e Terra, 1987.
LIBANEO, J. C. A escola brasileira em face de um dualismo perverso: escola do
conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. Educação e
Pesquisa, São Paulo, v.38, n.1, p. 13-28, jan./mar. 2012.
SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 12. ed. Campinas:
Editora Autores Associados, 1996.
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