INSTITUTO HAHNEMANNIANO DO BRASIL Departamento de Ensino Curso de Pós-Graduação em Homeopatia Área de Concentração: Medicina Veterinária MONOGRAFIA HIPOTIREOIDISMO CANINO: Uma Proposta Terapêutica Homeopática Silvia Helena Figueira Bahiense Rio de Janeiro – RJ 2014 INSTITUTO HAHNEMANNIANO DO BRASIL Departamento de Ensino Curso de Pós-Graduação em Homeopatia Área de Concentração: Medicina Veterinária HIPOTIREOIDISMO CANINO: Uma Proposta Terapêutica Homeopática SILVIA HELENA FIGUEIRA BAHIENSE Sob a orientação da professora: Roselene Barzellay Ferreira da Costa Monografia submetida como requisito parcial para obtenção do certificado de conclusão do curso de formação de especialista em Homeopatia – área de Medicina Veterinária. Rio de Janeiro – RJ 2014 Bahiense, Silvia Helena Figueira Hipotireoidismo Canino – Uma Proposta Terapêutica Homeopática / Silvia Helena Figueira Bahiense. Rio de Janeiro / RJ. Instituto Hahnemanniano do Brasil. 2014. 30 p. Orientação: Roselene Barzellay Ferreira da Costa. 1. Hipotireoidismo. 2. Canino. Homeopatia. 3. Tratamento. 4. Calcarea carbonica. I. Bahiense, Silvia Helena Figueira II. Instituto Hahnemanniano do Brasil. xxxx INSTITUTO HAHNEMANNIANO DO BRASIL Departamento de Ensino Curso de Pós-Graduação em Homeopatia Área de Concentração: Medicina Veterinária HIPOTIREOIDISMO CANINO Uma Proposta Terapêutica Homeopática SILVIA HELENA FIGUEIRA BAHIENSE MONOGRAFIA APROVADA EM -----/-----/------ Roselene Barzellay Ferreira da Costa. (Especialista) Instituto Hahnemanniano do Brasil (Orientadora) Roselene Barzellay Ferreira da Costa. (Especialista) Instituto Hahnemanniano do Brasil (Coordenadora) _____________________________________________ Maria Luíza Delavechia (Especialista, M.Sc., D.Sc.) Instituto Hahnemanniano do Brasil (Coordenadora) Primeiramente gostaria de agradecer a Deus por mais essa realização. À professora Roselene Barzellay pela sua dedicação e sabedoria, não apenas na orientação deste trabalho, mas principalmente como inspiração e exemplo para a minha prática clínica. Ao meu esposo Lincoln pelo apoio, ajuda na organização e revisão do trabalho. RESUMO O presente trabalho tem como objetivo oferecer uma proposta de tratamento homeopático para o hipotireoidismo adquirido primário de cães adultos. Tal proposta surge como uma alternativa ao tratamento convencional, que apresenta certo risco de tireotoxicose. Para isso foi feita uma repertorização manual dos sintomas mais relevantes, frequentes e típicos na manifestação da doença em minha percepção clínica. Dos medicamentos mais bem pontuados, Calcarea carbonica apareceu em 1º lugar, com a melhor pontuação e cobrindo a maior parte dos sintomas (8 em 9 selecionados). Foi escolhido como medicamento de fundo por apresentar uma grande similitude de sintomas com os que aparecem classicamente na doença. Foram sugeridos também, medicamentos de ação organoterápica importante na tireoide (Lophophytum leandrii, Penicilinum e Thyroidinum) como medicamentos auxiliares. Além desses, foram citados alguns outros medicamentos que apareceram na repertorização com pontuação alta para a doença propriamente dita. Desta forma, pressupondo-se que se faça uma cuidadosa individualização do paciente, pode-se lançar mão de um vasto arsenal terapêutico disponível e perfeitamente adequado ao tratamento do hipotireoidismo adquirido primário de cães adultos. Consegue-se, com isso, dar a chance ao paciente de usufruir de uma terapêutica mais suave e com grandes chances de êxito, minimizando-se o risco de uma tireotoxicose. Palavras-chave: Hipotireoidismo. Canino. Homeopatia. Tratamento. Calcarea carbonica. ABSTRACT This work aims to offer a proposed homeopathic treatment for primary acquired hypothyroidism of adult dogs. This proposal is an alternative to conventional treatment, which presents some risk of thyrotoxicosis. For this it was made a manual repertory of the more severe symptoms, frequent and typical in the disease manifestation in my clinical perception. The highest scoring drugs, Calcarea carbonica appeared in 1st place, with the best score and covering most of the symptoms (8 out of 9 selected). It was chosen as background medication due to the great similarity of symptoms with those that typically appear in the disease. It has been also suggested other important organic-therapeutic drugs that affects the thyroid (Lophophytum leandrii, Penicilinum and Thyroidinum) as auxiliary drugs. In addition to these, were cited some other medicines that appeared in the repertory with high scores for the disease itself. Thus, assuming the careful individualization of the patient, we can take advantage of the wide arsenal of therapeutic drugs available and perfectly suited for the treatment of primary acquired hypothyroidism of adult dogs. With this approach, it is possible to provide the patient with a softer treatment, with great chances of success, minimizing the risk of thyrotoxicosis. Keywords: Hypothyroidism. Canine. Homeopathy. Treatment. Calcarea carbonica. SUMÁRIO 1 Introdução ............................................................................................. 8 2 Revisão de literatura .............................................................................. 9 3 Materiais e métodos .............................................................................. 18 4 Resultados e discussão ........................................................................ 21 5 Conclusão .............................................................................................. 27 6 Lista de anexos ..................................................................................... 28 7 Referências ........................................................................................... 29 8 1 – Introdução O hipotireoidismo, doença endócrina de maior prevalência em cães, é responsável por um número bastante elevado de problemas cutâneos nessa espécie. Nos últimos anos, o número de casos de hipotireoidismo no Brasil vem aumentando significativamente na população canina (assim como na população humana). Existe uma grande variação de posologia da L-tiroxina nos protocolos alopáticos recomendados, o que gera certa dificuldade quando da prescrição e ajuste das doses. Isso me traz uma percepção pessoal das dificuldades na condução do tratamento pela alopatia, quando se deseja obter o controle dos sintomas da doença, sem correr o risco de se provocar uma tireotoxicose. A Homeopatia mostra-se como uma excelente opção terapêutica para as mais diversas doenças, proporcionando um tratamento individualizado e com riscos menores de efeitos colaterais importantes, quando bem conduzido. O presente trabalho oferece uma proposta de tratamento homeopático levando-se em consideração os sintomas mais relevantes, frequentes e típicos que aparecem em cães adultos com hipotireoidismo adquirido primário. Com isso, o paciente pode usufruir de uma terapêutica efetiva, adequada às suas necessidades individuais e mais suave, sem o risco de uma tireotoxicose. 9 2 – Revisão de literatura O termo tireoide (ou tiroide) vem do grego (thyreos+oeides) e significa “em forma de escudo”. A glândula foi descrita pela primeira vez por Aristóteles (KATER, 2004) e situa-se na região cervical. No homem, apresenta uma forma mais compacta, com um lobo mediano de forma piramidal e dois lobos laterais formando uma estrutura que cobre a traqueia, prolongando-se em direção à entrada do tórax, formando um “escudo” (DYCE et al., 1990). A tireoide, juntamente com os seus hormônios, desempenha um papel importante na regulação do metabolismo. No cão, a tireoide também se localiza sobre a traqueia, sendo constituída por lobos achatados, vermelhos, bilaterais, isolados e, diferentemente do que acontece em outras espécies domésticas, não ligados por um istmo (DYCE et al., 1990). O tamanho da tireoide varia em função da quantidade de iodo presente na alimentação; caso haja deficiência na ingestão desse elemento pode haver o desenvolvimento do bócio, que é a dilatação da glândula (DYCE et al., 1990). A glândula tireoide é formada por estruturas diminutas chamadas folículos tireoidianos, que são formados pelas células foliculares (os tirócitos). Estes folículos são envoltos por uma membrana conjuntiva e possuem uma rica vascularização, com uma grande rede capilar, cujas células endoteliais são fenestradas para propiciar a passagem do hormônio para dentro dos vasos (JUQUEIRA e CARNEIRO, 1990). A regulação da secreção hormonal ocorre principalmente através do TSH, que é o hormônio tireotrófico produzido pela hipófise anterior. Este controla a atividade das células foliculares e os hormônios tireoidianos, por sua vez, inibem a síntese do TSH, assim um equilíbrio é mantido de forma a existir quantidades ideais dos hormônios tireoidianos no organismo. Sabe-se que a produção de TSH é estimulada pelo frio e diminuída pelo calor ou pelo stress (CUNNINGHAM, 1993) e também que estímulos neurogênicos podem agir sobre a tireoide, pois, neste último caso, evidências mostram que as aminas adrenérgicas alteram o metabolismo de células tireoidianas isoladas e, além disso, há fibras nervosas adrenérgicas junto à lâmina basal dos folículos (JUQUEIRA e CARNEIRO, 1990). 10 O eixo da tireoide é regulado pela síntese e secreção diárias de T4 da seguinte forma: o T4 inibe a síntese de TSH e de TRH na hipófise e no hipotálamo, respectivamente (DUNCAN et al. apud CASTILLO, 2011). Entre os folículos existem também pequenos acúmulos de células chamadas de parafoliculares ou células C, que produzem um hormônio chamado calcitonina cuja função é reduzir a concentração de cálcio no sangue, promovendo dessa forma, um antagonismo ao paratormônio (PTH). Os folículos tireoidianos são pequenas estruturas esféricas preenchidas por coloide e formadas por um epitélio disposto em monocamada. O aspecto dos folículos varia conforme a região da glândula e sua atividade funcional; podendo-se ver folículos grandes, cheios de coloide e com epitélio cúbico ou pavimentoso junto de folículos pequenos e com epitélio prismático. Quando a glândula está pouco ativa, a altura média do epitélio folicular é baixa; por outro lado, quando a glândula recebe estímulo de TSH, temos um aumento da altura do epitélio, com diminuição da quantidade de coloide e do tamanho do folículo (JUQUEIRA e CARNEIRO, 1990). Este coloide é composto por uma glicoproteína, chamada tireoglobulina que é produzida pelos tirócitos, rica em leucina e contém radicais tirosinas (GUYTON e HALL, 2006). Após a síntese da tireoglobulina, o iodeto do sangue é captado (através da bomba de iodeto, a qual é estimulada pelo TSH), transformado em iodo e combinado com os radicais tirosila da tireoglobulina (iodação). Formam-se as tirosinas: a monoiodotirosina (MIT) e a diiodotirosina (DIT); que se unem formando as tironinas: a triiodotironina (T3) e a tetraiodotironina ou tiroxina (T4) (JUQUEIRA e CARNEIRO, 1990). Desta forma, no coloide ficam armazenados os hormônios tireoidianos. A tireoide é a única glândula endócrina que armazena sua secreção em quantidade significativa, assim, o organismo consegue suportar períodos de privação de iodo ou só se ressente da falta dos hormônios produzidos por ela meses após a interrupção do funcionamento da glândula (CUNNINGHAM, 1993; JUQUEIRA e CARNEIRO, 1990). 11 Quando há estímulo das células foliculares pelo TSH, estas captam e digerem gotículas do coloide liberando MIT, DIT, T3 e T4. A MIT e a DIT ficam na célula folicular e o T3 e o T4 são os hormônios que chegam ao sangue. Apesar do T3 ter uma ação mais rápida e mais potente, o T4 é o principal e o mais abundante, respondendo por 90% do hormônio tireoidiano (JUQUEIRA e CARNEIRO, 1990). A maior parte da formação de T3 ocorre fora da tireoide, pela desiodação de T4 principalmente em tecidos como fígado, rins e também músculos (CUNNINGHAM, 1993). Os hormônios tireoidianos são lipossolúveis e como tal são transportados no plasma ligados a proteínas plasmáticas; menos de 1% fica livre nesse meio. No homem, a quantidade de hormônio livre é de 0,3% para T3 e 0,03% para T4 (no cão, devido à menor afinidade dos hormônios tireoideos e as proteínas plasmáticas esses valores são maiores: um pouco mais e um pouco menos que 1%, respectivamente). Algumas situações podem alterar o equilíbrio entre as frações livre e ligada, como por exemplo, gestação e o uso de algumas drogas. De forma geral, os hormônios têm meias-vidas de segundos ou minutos, mas como a maior parte dos hormônios tireoidianos está ligada às proteínas plasmáticas, ficam protegidos da degradação, por isso suas meias-vidas são bastante longas. O T3 tem meia-vida de um dia e o T4 de 6 a 7 dias, essa diferença se dá pela ligação menos firme do T3 quando comparado ao T4. (CUNNINGHAM, 1993). Os hormônios tireoidianos estão relacionados ao metabolismo e ao crescimento: estimulam a respiração e a oxidação celular, aumentam a absorção de carboidratos no intestino e, no embrião, estimulam o crescimento e o desenvolvimento do sistema nervoso central. A disfunção da tireoide mais comum nos cães é o hipotireoidismo (diferentemente dos felinos, cuja patologia dessa glândula mais frequente é o hipertireoidismo), sendo a doença endócrina de maior prevalência em cães e responsável por um número bastante elevado de problemas cutâneos nessa espécie, encontrando-se incidências de 22% (PEIXOTO et al., 2012) a 32,9% (TEIXEIRA, 2008) dos casos de dermatopatias em cães no estado do Rio de Janeiro. 12 Dados da literatura mostram que a prevalência do hipotireoidismo em cães examinados em estudo realizado por Panciera apud Seita (2009) é de 0,2% a 0,8%. Nos últimos anos, o número de casos de hipotireoidismo no Brasil vem aumentando significativamente na população canina (assim como vem ocorrendo também na população humana) acometendo 6,5% dos cães atendidos em um estudo realizado no Rio de Janeiro (TEIXEIRA, 2008). O hipotireoidismo é a deficiência de hormônios tireoidianos T3 (triiodotironina) e T4 (tetraiodotironina ou tiroxina). Essa deficiência pode ocorrer por qualquer alteração no eixo hipotálamo-hipófise-tireóide. Segundo Castillo (2011), existe também a possibilidade de defeitos nos receptores nucleares (resistência ao hormônio). O hipotireoidismo pode existir de duas formas: congênito e adquirido. A forma congênita, que é considerada rara, pode afetar todos os cães da ninhada (quando é causada por diminuição do hormônio tireoidiano materno) ou afetar apenas um filhote (por disgenesia da glândula ou por uma deficiência da enzima tireoperoxidase ou por disormonogênese ou, mais raramente, secundário a um hipopituitarismo) (NELSON e COUTO, 2000; SEITA, 2009). Nessa forma, os efeitos no feto ou no recém-nascido são de mau desenvolvimento do sistema nervoso central (levando a um retardo mental) e do esqueleto, provocando um atraso na maturação e perda das proporções esqueléticas (CASTILLO, 2011; SAUNDERS e JEZYK apud SEITA, 2009). Geralmente esses filhotes, ao nascimento, são os maiores da ninhada, mas devido a esse atraso no desenvolvimento, logo se tornam os menores. Essa síndrome chama-se cretinismo e seus sintomas são: letargia, dificuldade de aprendizado, apatia, tronco largo ou quadrado (NELSON e COUTO, 1994), cabeça grande e larga, língua espessa protraída ou macroglossia, erupção dentária atrasada, membros curtos, bócio (achado incomum, mas que pode ocorrer principalmente quando a causa é uma deficiência na produção de TSH) (NELSON e COUTO, 1994; SCOTT-MONCRIEFF apud SEITA 2009), hipotermia, ataxia locomotora, distensão abdominal, aprumos incorretos, canal auditivo estenosado, pálpebras fechadas, obstipação (SCOTT-MONCRIEFF apud SEITA, 2009), alopecia, persistência da “pelagem de filhote” (NELSON e COUTO, 1994), ou outras 13 alterações cutâneas semelhantes às encontradas em cães adultos com hipotireoidismo (SCOTT-MONCRIEFF apud SEITA, 2009) O hipotireoidismo adquirido pode ser primário ou secundário. O primário, em geral, é causado pela destruição da glândula tireoide, seja pela tireoidite linfocitária, seja pela atrofia da glândula. Existem outras causas, menos comuns, tais como: neoplasia tireoidiana primária ou metastática, tireoidectomia bilateral ou induzido por drogas (NELSON e COUTO, 2000; MARKS et al. apud SEITA, 2009). Já o hipotireoidismo secundário, ocorre devido a causas não relacionadas diretamente à glândula tireoide como: após terapia com glicocorticoides, disfunções na hipófise, neoplasias na hipófise (NELSON e COUTO, 2000), e disfunção hipotalâmica, neste caso, considerado por alguns autores como hipotireoidismo terciário e ainda sem relato em cães (NELSON e COUTO, 2000; SCOTTMONCRIEFF apud SEITA, 2009). Os sinais clínicos do hipotireoidismo secundário são semelhantes aos do hipotireoidismo primário, mas muitas vezes os sinais mais óbvios são os da patologia subjacente, podendo haver sintomas, por exemplo, relacionados à neoplasia hipofisária ou ao hiperadrenocorticismo. (FELDMAN e NELSON apud SEITA, 2009). Uma vez que este trabalho tem como foco principal o hipotireoidismo adquirido primário, serão tecidos mais comentários sobre esta forma da doença, que responde por 95% dos casos de hipotireoidismo em cães (NELSON e FELDMAN apud DE MARCO e LARSSON, 2006). A idade média de ocorrência é entre 2 e 6 anos e não há predileção por sexo. Nas raças suspeitas de serem predispostas (como por exemplo: Golden Retriever, Labrador Retriever, Schnauzer Miniatura, Setter Irlandês, Dog Alemão, Poodle e Cocker Spaniel) os sinais costumam surgir mais cedo. Conforme já comentado anteriormente, as duas principais causas do hipotireoidismo adquirido primário em cães são: a tireoidite linfocitária (ou tireoidite imunomediada) e a atrofia idiopática glandular. A primeira responde por mais ou menos 50% dos casos de hipotireoidismo adquirido e é uma doença imunomediada (muito semelhante à tireoidite de Hashimoto dos humanos). Nela ocorre uma 14 infiltração de linfócitos, macrófagos e células plasmáticas no parênquima da glândula. Inicialmente, os infiltrados inflamatórios são multifocais e difusos, espalhados entre os folículos tireoidianos que reduzem de tamanho. Os linfócitos, macrófagos e plasmócitos são numerosos na luz dos capilares interfoliculares e migram pela parede do folículo até o lúmen do mesmo, misturando-se ao coloide e às células foliculares degeneradas. Com a progressão da doença, o parênquima glandular normal é substituído por tecido conectivo fibroso maduro, com alguns focos dispersos de infiltrados inflamatórios. No final do processo, os folículos são difusos, muito afastados e com uma pequena quantidade de coloide vacuolizado em seu interior (THOMPSON, 1990). Como o processo é lento, apenas quando essas alterações são extensas e atingem pelo menos 75% da glândula é que os sinais de hipotireoidismo surgem (ETTINGER e FELDMAN, 2006). Suas causas ainda não são totalmente conhecidas, havendo fortes suspeitas de que apresente um componente genético com um padrão poligênico similar ao que ocorre na doença em humanos (THOMPSON, 1990), havendo a produção de auto-anticorpos contra a tireoglobulina e/ou outros componentes foliculares (THOMPSON, 1990; FELDMAN e NELSON apud SEITA, 2009). A segunda causa mais comum de hipotireoidismo primário em cães é a atrofia idiopática glandular. Nessa forma também há perda do parênquima, mas com substituição por tecido adiposo e sem inflamação. Ainda não se conhece a causa, mas acredita-se que seja um processo degenerativo primário ou ainda um final possível da doença anterior (a tireoidite imunomediada) (NELSON e COUTO, 2000). O hipotireoidismo apresenta uma grande variação de sinais clínicos e, em geral, de surgimento discreto e gradual. Em cães adultos, estes sinais são basicamente consequência da diminuição do metabolismo celular, tais como: algum embotamento mental, letargia, intolerância ao frio, intolerância ao exercício ou até apatia, tendência ao ganho de peso sem aumento de apetite equivalente, fraqueza, etc. 15 Uma gama de sintomas importantes está relacionada à pele e aos pelos e são os sintomas virtualmente mais comuns. Classicamente, vê-se: alopecia bilateral simétrica em tronco, apruriginosa, que poupa cabeça e extremidades; mas podemos encontrar também alopecia focal, multifocal, ou generalizada, simétrica ou assimétrica, podendo atingir também a cauda (“cauda de rato”), iniciando-se em alguns casos pelos pontos de fricção. É comum também vermos: piodermite e seborreia de todos os tipos, focal ou generalizada, sendo que nesses casos, pode haver prurido secundário. Encontra-se também: otite crônica, recrescimento lento do pelame, hiperqueratose que leva à produção de caspas e escamas (NELSON e COUTO, 2000), pelagem seca, opaca, facilmente destacável, hiperpigmentação (WHITE apud BERTOLINO, 2012). Com a evolução e agravação da doença, pode existir também o que chamamos mixedema, que é o acúmulo de mucopolissacarídeos na derme, os quais ao reterem água, levam ao engrossamento da pele, principalmente da face provocando aparência conhecida como fácies trágicas. O hipotireoidismo pode levar a uma desmielinização e axoniopatia, o que pode fazer com que alguns cães apresentem também sintomatologia neurológica importante de origem central ou periférica. Outras causas para os sintomas de origem central seriam a hiperlipidemia grave, a aterosclerose cerebral e a deposição de mucopolissacarídeos no perineuro e no endoneuro, que levariam a sinais como: convulsões, andar em círculo e ataxia. Podemos encontrar também sinais vestibulares como inclinação da cabeça ou nistagmo posicional. Os sintomas de origem periférica são: paralisia do nervo facial ou laríngea, fraqueza ou arrastamento das patas com desgaste da superfície dorsal da(s) unha(s), claudicação de um dos membros torácicos e perda de massa muscular, em geral sem mialgia. O hipotireoidismo também pode provocar alterações reprodutivas, principalmente nas fêmeas, tais como anestro, intervalos aumentados ou irregulares entre os ciclos, galactorréia, abortamento espontâneo ou filhotes fracos. Nos machos, pode haver diminuição da libido, atrofia testicular e diminuição ou ausência de produção de espermatozoides, mas essas alterações não são comuns (NELSON e COUTO, 2000). 16 Podemos encontrar também, alterações cardiovasculares como: bradicardia, diminuição do volume sanguíneo circulante, aumento da resistência vascular periférica levando à diminuição do débito cardíaco (PANCIERA apud SEITA, 2009). Além disso, pode existir também aterosclerose (provavelmente secundária à hipercolesterolemia) e que levaria a outras alterações cardiovasculares, como por exemplo, fibrilação atrial e insuficiência cardíaca congestiva esquerda (HESS et al. apud SEITA, 2009). Esta hipercolesterolemia/lipemia pode levar também ao surgimento de alterações oculares, como lipidose corneal, ceratoconjuntivite seca, úlcera de córnea, uveíte, derrame lipídico no humor aquoso, glaucoma secundário, “lipemia retinalis” e descolamento de retina (CRISPIN e BARNETTE 1998 apud SEITA, 2009). Algumas alterações laboratoriais como alterações no sistema de coagulação, anemia arregenerativa normocítica e normocrômica, aumentos consideráveis de triglicerídeos (levando à lipemia) e de colesterol (podendo ser maior que 1000 mg/dL) frequentemente podem existir. Numa proporção menor dos casos pode haver aumento das enzimas ALT, AST, FA sérica e CPK. Essas alterações não são patognomônicas de hipotireoidismo, mas quando associadas à sintomatologia característica, podem ajudar a diagnosticar a doença (NELSON e COUTO, 2000). Os testes específicos para a avaliação da função tireoidiana são em ordem de importância: a dosagem do T4 livre pelo método de diálise de equilíbrio e a dosagem sérica do T4 total basal. Pode-se associar também a dosagem de TSH basal. A interpretação dessas dosagens será feita da seguinte forma: Para o T4 livre teremos: se o resultado for maior que 1 ng/dL, o cão deverá ser considerado com eutireoideu; se for menor que 1 ng/dL (e principalmente se for menor que 0,5 ng/dL) o cão deverá ser hipotireoideu. Para o T4 total teremos: se o resultado for maior que 2 mcg/dL, o cão é muito provavelmente eutireoideu; se for de 1,5 a 2 mcg/dL, provavelmente eutireoideu; entre 1 e 1,5 mcg/dL, são casos limítrofes; se for de 0,5 a 1 mcg/dL, o cão possivelmente é hipotireoideu; e por fim, se o resultado for menor que 0,5 mcg/dL, o 17 cão muito provavelmente é hipotireoideu, desde que se descarte a existência de outra doença sistêmica grave (NELSON e COUTO, 2000). Outra forma de se corroborar o diagnóstico é a realização de ultrassonografia cervical. Em cerca de 94% dos cães com hipotireoidismo, as imagens ultrassonográficas da tireoide mostram seus lobos menores, hipoecóicos, heterogêneos, disformes e mal delineados, sendo portanto a ultrassonografia um ótimo método para o diagnóstico da doença (DE MARCO e LARSSON, 2006; TAEYMANS et al., 2007). O diagnóstico se dá pela soma da sintomatologia clínica mais os resultados dos exames complementares. O tratamento alopático é feito utilizando-se a levotiroxina sódica (L-tiroxina) e existe uma grande variação nos protocolos recomendados com doses que vão de 3 a 44mcg/kg e administrações a cada 12 ou 24 horas (CASTILLO, 2011); o que gera certa dificuldade quando da prescrição e ajuste das doses, sendo que a dose média é de 22 mcg/kg a cada 24 horas. O objetivo da terapia é normalizar os níveis de Tiroxina na circulação sem provocar uma tireotoxicose. 18 3 – Materiais e métodos O presente trabalho apresenta uma proposta de tratamento homeopático levando em consideração os sintomas mais frequentes que aparecem em cães adultos com hipotireoidismo adquirido primário. Conforme nos ensina a obra de Hahnemann (2004, p.54): “O objetivo ideal da cura é o restabelecimento rápido, suave e permanente da saúde ou a remoção e total destruição da doença em toda a sua extensão, através do caminho mais curto, seguro e menos prejudicial, baseado em princípios facilmente compreensíveis.” Para isso, deve-se proceder a uma avaliação completa do indivíduo doente, levando-se em consideração sua constituição, seu temperamento e a totalidade dos sintomas apresentados, com suas respectivas modalizações (HAHNEMANN, 2004). Ou seja, a individualização do paciente é primordial para que se possa encontrar o(s) medicamento(s) mais adequado(s) ao caso específico a ser tratado. A Homeopatia nos oferece uma gama imensa de medicamentos com suas patogenesias descritas detalhadamente nas matérias médicas disponíveis, que servem de base para a escolha adequada do(s) remédio(s) necessário(s) ao paciente. Para a realização deste trabalho, analisei os sintomas1 considerados mais frequentes por Nelson e Couto (2000, p. 752). Selecionei então, os nove mais relevantes, frequentes e típicos na manifestação da doença em minha percepção clínica. São eles: apatia, embotamento mental, inatividade ou intolerância ao exercício, intolerância ao frio, aumento de peso, hiperpigmentação cutânea, alopecia, atrofia da glândula e a doença do hipotireoidismo em si. Tais sintomas foram transformados em linguagem repertorial e divididos em: dois sintomas mentais (alheamento ou indiferença e embotamento), cinco sintomas gerais (lentidão ou aversão a movimentos ou sedentarismo; melhora ao aquecer-se ou desejo de calor ou aversão ao frio ou friorento; obesidade; hipotireoidismo e 1 Anexo 1 19 atrofia de glândulas) e dois sintomas cutâneos (pele marrom ou negra e queda de cabelos). São eles: 1.a- Mental, Alheio, deslocado, distante, meio ambiente (arredores), de seu; 1.b- Mental, Indiferença, apatia. 2.a- Mental, Embotamento, lerdeza, dificuldade de pensar e torpor mental; 2.b- Mental, Sentidos embotados, entorpecidos; 3.a- Generalidades, Lentidão corporal; 3.b- Generalidades, Movimento, aversão a; 3.c- Generalidades, Sedentários, hábitos. 4.a- Generalidades, Aquecer-se, melhora; 4.b- Generalidades, Calor (aquecimento), desejo de; 4.c- Generalidades, Frio, aversão a; 4.d- Generalidades, Friorento. 5 - Generalidades, Obesidade. 6 - Generalidades, Hipotireoidismo. 7 - Generalidades, Atrofia, glândulas, de. 8.a- Pele, Coloração, marrom; 8.b- Pele, Coloração, negra. 9 - Pele, Cabelo, queda de (em geral). 20 Após ser feita uma repertorização manual utilizando-se o Repertório Homeopático do Dr. Ariovaldo Ribeiro Filho (2010), chegou-se ao seguinte resultado: Sintomas/ remédios 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Pontos/ nº sint. Calc 2 3 3 3 3 2 - - 2 18 / 7 Graph 2 3 1 3 3 3 - - 2 17 / 7 Nat m 3 3 2 2 2 3 - - 2 17 / 7 Ars 2 1 3 3 2 - 1 3 1 16 /8 Kali c 2 3 2 3 2 1 1 - 1 15 / 8 Lach 2 3 3 1 1 2 - 2 1 15 / 8 Sep 3 3 2 3 1 3 - - - 15 / 6 Carb v 3 3 2 2 1 - - 2 1 14 / 7 Con 3 2 2 2 1 1 3 - - 14 / 7 Phos 3 3 1 3 2 - 1 - 1 14 / 7 Sec 2 2 2 1 - - 2 3 2 14 / 7 Sil 2 3 3 3 1 1 1 - - 14 / 7 Sulph 2 3 3 2 2 1 - - 1 14 / 7 Lyc 2 3 2 3 2 2 - - - 14 / 6 Plb 1 3 2 2 1 - 1 3 - 13 / 7 21 4 – Resultados e discussão Conforme se pode observar, a Calcarea carbonica ou Calcarea ostearum (camada média da concha da ostra) foi o medicamento mais bem pontuado obtendo um total de 18 pontos e cobrindo um grande número de sintomas (7 entre 9). Além disso, apareceu com pontuação alta em vários destes sintomas (sintomas 2 a 5). Segundo Lathoud (2002), “...Calcarea ostearum afeta profundamente a nutrição geral...” e ainda “...apesar de estar entre os policrestos, sua influência mestre está concentrada na esfera vegetativa...”. Tais ações se relacionam a todo o metabolismo, que é essencialmente o alvo dos hormônios tireoidianos. De acordo com Boericke (1993), além da ação principal se dar na esfera vegetativa, Calcarea carbonica é um medicamento com ação importante em todas as glândulas, mas principalmente na hipófise e na tireóide. Na esfera mental, os sintomas são relacionados a uma grande incapacidade de realizar um esforço intelectual e dificuldade de aprendizado que caracterizariam o embotamento mental; além disso, há uma tendência para a apatia (CAIRO, 1996; DUFILHO, 2000; LATHOUD, 2002). O doente de Calcarea carbonica apresenta-se sem energia, com lentidão de movimentos, baixa atividade (LATHOUD, 2002; TÉTAU, 2000) e avesso ao trabalho e ao esforço (BOERICKE, 1993). Ao mesmo tempo em que apresenta completa falta de energia e fraqueza (CAIRO, 1996; LATHOUD, 2002), cansando-se facilmente após qualquer atividade (ALLEN, 2000; DUFILHO, 2000). Outra característica do medicamento Calcarea carbonica é a sensibilidade ao frio, agravação pelo frio e sensação de frio, inclusive frio interior, de acordo então, à diminuição do metabolismo que o hipotireoidismo causa (ALLEN, 2000; BOERICKE, 1993; CAIRO, 1996; DUFILHO, 2000; LATHOUD, 2002; TÉTAU, 2000). É indicado em doentes de aspecto gordo ou tendendo à obesidade (ALLEN, 2000; BOERICKE, 1993; CAIRO, 1996; LATHOUD, 2002). Além dos sintomas selecionados, Calcarea carbonica é útil em certos casos de anemias secundárias (CAIRO, 1996; LATHOUD, 2002) e, como foi dito 22 anteriormente, o hipotireoidismo pode provocar uma anemia arregenerativa normocítica e normocrômica. Embora a ação central de Calcarea carbonica não se dê especialmente na pele e nos ouvidos, os pacientes deste medicamento podem apresentar uma pele que adoece facilmente, onde os menores ferimentos supuram (DUFILHO, 2000; LATHOUD, 2002), além de poder também apresentar uma inflamação nos ouvidos com secreção muco-purulenta (LATHOUD, 2002). Apesar de não terem sido selecionados para a repertorização, o hipotireoidismo pode ocasionar nos cães piodermite de diversos graus e otite crônica, uma vez que as baixas taxas de hormônios tireoidianos causam um efeito de redução nas reações imunológicas humorais, na função das células T e no número de linfócitos circulantes (NELSON e COUTO, 2000). Vemos com tudo isso, que o medicamento Calcarea carbonica cobre uma grande quantidade de sintomas frequentes em casos de hipotireoidismo adquirido primário nos cães e seria o medicamento de fundo eleito para prescrição em um caso que apresentasse os sintomas descritos. As doses sugeridas pelos vários autores são bastante variáveis, indo de 3 DH, passando por 5 CH a 30 CH, 100 CH, 200 CH, 500 CH, 1 M até 10 M; não devendo ser repetidas com excessiva frequência em idosos (BOERICKE, 1993). De acordo com Dufilho (2000), 1M “é a dose reguladora de uma disfunção endócrina (timo, tireóide) relacionado com sua constituição”. O segundo medicamento mais pontuado na repertorização realizada foi o Graphites. Não foi escolhido, pois, apesar de ser um remédio com ação importante nas doenças crônicas que causam alterações de pele, cabelos e glândulas (LATHOUD, 2002), alterações frequentes em cães adultos com hipotireoidismo, apresenta lesões cutâneas com características muito bem definidas, conforme diz Lathoud (2002): erupções úmidas, fissuradas, na forma de vesículas ou úlceras que eliminam uma secreção mucosa, gelatinosa, viscosa, colante e espessa de aspecto característico semelhante ao mel. Tal afirmação é confirmada por Dufilho (2000), Allen (2000), Cairo (1996) e Tétau (2000). Os três últimos acrescentam ainda uma pele malsã onde todos os ferimentos supuram. 23 Este medicamento também age em indivíduos apáticos (DUFILHO, 2000); gordos ou com tendência à obesidade (ALLEN, 2000; BOERICKE, 1993; CAIRO, 1996; DUFILHO, 2000; LATHOUD, 2002; TÉTAU, 2000) e friorentos ou com sensação de frio (BOERICKE, 1993; CAIRO, 1996; DUFILHO, 2000; LATHOUD, 2002; TÉTAU, 2000). Além disso, o doente também apresenta astenia e anemia, mas estes sintomas, juntamente com a frialdade, são devidos a uma lentidão circulatória, característica do remédio (DUFILHO, 2000; LATHOUD, 2002) e não por uma alteração primária no metabolismo (como a que ocorre em Calcarea carbonica e no hipotireoidismo). O terceiro medicamento mais bem pontuado foi Natrum muriaticum (cloreto de sódio). Indicado para indivíduos abatidos, com fraqueza física e mental, deprimidos, com fadiga crônica, que se cansam ao menor esforço mental ou físico (DUFILHO, 2000; LATHOUD, 2002) e com grande debilidade (BOERICKE, 1993). Apresentam desfalecimento ao menor esforço, devido a palpitações cardíacas (ALLEN, 2000; CAIRO, 1996; TÉTAU, 2000). Apresenta também ação importante em anemias de diversas origens (ALLEN, 2000; BOERICKE, 1993; CAIRO, 1996; LATHOUD, 2002; TÉTAU, 2000). Tem ação importante na pele, onde as glândulas, principalmente as sebáceas, estão hiperativas levando a infecções e acne, além de doenças dermatológicas crônicas, erupções, eczema úmido, impetigo, furúnculos e urticária (LATHOUD, 2002). Tétau (2000) cita acne, comedões, alergia ao sol e eczema seco e pruriginoso. Allen (2000) e Boericke (1993) comentam sobre eczemas que pioram por abuso de sal e por estar à beira-mar. Pode haver também erupções crostosas nas dobras dos membros (BOERICKE, 1993; DUFILHO, 2000). Allen (2000) cita urticária aguda ou crônica e, segundo Boericke (1993) e Lathoud (2002), esta urticária piora após esforços físicos. Além disso, o cabelo tem tendência à queda (ALLEN, 2000; BOERICKE, 1993; CAIRO, 1996) e pode se apresentar fraco e quebradiço (LATHOUD, 2002). Este medicamento não foi o escolhido, pois embora “afete profundamente a nutrição geral do indivíduo...” (LATHOUD, 2002), o faz por um mecanismo diverso do 24 que ocorre no hipotireoidismo. Essa ação na nutrição se dá porque, uma vez que Natrum muriaticum faz parte do nosso organismo, é responsável por manter a osmolaridade dos líquidos orgânicos, controlando a assimilação ou a eliminação dos outros sais, podendo assim, ocasionar quadros de desnutrição, emaciação, anemia, clorose e escorbuto (LATHOUD, 2002). Além disso, é mais indicado para indivíduos magros ou emagrecidos (ALLEN, 2000; BOERICKE,1993; CAIRO,1996; DUFILHO 2000; LATHOUD, 2002; TÉTAU, 2000) e, de acordo com Boericke (1993) e Cairo (1996), teria indicação específica no hipertireoidismo. Além desses medicamentos, selecionei outros três com ação interessante sobre a glândula tireóide. São eles: Lophophytum leandrii, Penicilinum e Thyroidinum. São medicamentos menores, mas com um organotropismo bem marcado sobre essa glândula. O medicamento Lophophytum leandrii (Flor de Piedra) tem seu principal organotropismo pela tireóide com indicação no hipotireoidismo (também no hipertireoidismo e no bócio). São recomendadas as potências: 4ª a 30ª DH e 1ª a 12ª CH (BOERICKE, 1993). Penicilinum (sal de sódio da benzil penicilina G) tem indicação no tratamento do hipotireoidismo, sensibilidade ao frio e fraqueza. Potências recomendadas: 4ª a 30ª CH (BOERICKE, 1993). Cairo (1996) cita também para astenia com obnubilação mental e intolerância ao esforço. De acordo com Boericke (1993), o Thyroidinum (tiroidina ou a glândula tireóide seca do carneiro) “exerce uma influência reguladora geral sobre o mecanismo dos órgãos da nutrição, crescimento e desenvolvimento”, sendo indicado em casos de hipotireoidismo, fraqueza muscular, fadiga fácil, anemia, sensibilidade acentuada ao frio, apatia, além de bócio e cretinismo. As potências sugeridas são de 6ª a 30ª CH. Cairo (1996) acrescenta ainda como indicação a obesidade. Esses são pequenos medicamentos [sendo que os dois primeiros foram mencionados por Boericke (1993) no Suplemento de seu livro] que têm, especificamente, uma ação organoterápica bastante útil. Em Medicina Veterinária, 25 utiliza-se com frequência medicamentos deste grupo (pequenos); dessa forma, é importante que o profissional leve-os em consideração na busca do tratamento ideal de seus pacientes. Ao fazer a repertorização usando o Repertório Homeopático do Dr. Ariovaldo Ribeiro Filho (2010) encontrei alguns medicamentos que obtiveram três pontos na rubrica específica “hipotireoidismo”, embora não necessariamente tenham sido bem pontuados nos demais sintomas selecionados. São eles: Calcarea iodata, Graphites, Kali iodatum, Natrum muriaticum, Sepia succus, Spongia marina tosta e Thyroidinum. O medicamento Calcarea iodata (iodeto de cálcio) é citado por Boericke (1993) como sendo útil para dilatação da tireóide na puberdade e refere-se também a queda de cabelos. Cairo (1996) refere-se ao medicamento Kali iodatum ou Kali hydriodicum (iodeto de potássio) como “um excelente medicamento da papeira simples”. Boericke (1993) e Dufilho (2000) relatam também utilidade em inchações de glândulas, sendo que o último relata imensa fraqueza também como um sintoma do remédio. Conforme diz Lathoud (2002), o doente Sepia succus (tinta da siba) apresenta indiferença a tudo; astenia extrema, com fraqueza física e mental; indolência; pele doentia, terrosa e com manchas amareladas ou amarelo-amarronzadas, principalmente na face, mas que podem acometer também peito e abdômen; além de otite purulenta. Boericke (1993) cita também a indolência e queda de cabelos. Allen (2000) diz ainda que o paciente de Sepia tem muita sensibilidade ao frio, apresentando perda de calor vital, principalmente em doenças crônicas; cita também indiferença, indolência e acentuada queda de cabelos. Tétau (2000) comenta além de apatia e indiferença, uma frilosidade geral. O medicamento Spongia marina tosta ou Spongia tosta (esponja) tem uma ação muito importante sobre todas as glândulas, causando hipertrofia e endurecimento, com indicação específica para a tireóide (ALLEN, 2000; CAIRO, 1996; DUFILHO, 2000; LATHOUD, 2002). Boericke (1993) cita a hipertrofia da tireóide, mas não relata seu endurecimento e Tétau (2000) refere-se à apresentação 26 de uma tireóide “quente, intumescida e endurecida”. Lathoud (2002) relata também lentidão mental; Boericke (1993) e Cairo (1996) relatam intolerância ao menor esforço. Os medicamentos Graphites, Natrum muriaticum e Thyroidinum receberam comentários anteriormente no texto acima. Importante salientar que todos os remédios citados neste trabalho, apesar de não terem sido bem pontuados na minha repertorização, devem ser lembrados ou considerados quando do tratamento de casos concretos de pacientes que apresentem sintomas compatíveis com estes medicamentos. 27 5 – Conclusão O presente trabalho demonstra ser possível tratar o hipotireoidismo canino adquirido primário através da Homeopatia, levando-se em conta os sintomas clássicos mais comuns. No caso específico dos sintomas selecionados para este trabalho, o medicamento Calcarea carbonica mostrou-se bastante compatível, tendo dessa forma indicação como medicamento de fundo. Poderíamos contar também com o auxílio de um dos pequenos medicamentos com ação organoterápica citados (Lophophytum leandrii, Penicilinum e Thyroidinum), neste caso, particularmente o Thyroidinum, devido ao fato de apresentar mais sintomas semelhantes com o caso em questão. Desta forma, pressupondo-se que uma vez que se faça uma criteriosa seleção dos sintomas mais importantes e característicos de um determinado caso, de modo a se obter uma adequada individualização do paciente, poderemos então, lançar mão de um vasto arsenal terapêutico disponível, bem descrito nas matérias médicas existentes e perfeitamente adequado ao tratamento do hipotireoidismo adquirido primário de cães adultos. Assim, utilizando-se um medicamento de fundo e contando com o auxílio de medicamentos de ação organoterápica, podemos dar a chance ao paciente de usufruir de uma terapêutica individualizada, mais suave e com grandes chances de êxito, minimizando-se o risco de uma tireotoxicose. Importante salientar que o profissional Homeopata da Medicina Veterinária tem consigo uma excelente ferramenta que possibilita buscar opções para o tratamento das enfermidades comumente tratadas pela alopatia, a fim de prescrever uma terapia menos agressiva e perfeitamente individualizada, levando-se em conta as necessidades específicas de cada paciente. 28 6 – Lista de anexos Anexo 1 Manifestações clínicas do hipotireoidismo canino adulto: Metabólicas: aumento ponderal*; inatividade*; embotamento mental*; intolerância ao frio; letargia*. Dermatológicas: alopecia endócrina* (assimétrica ou simétrica e “cauda de rato”); hiperpigmentação; pelagem seca, quebradiça; mixedema; otite externa; piodermite*; seborreia seca, oleosa ou dermatite*. Reprodutivas: anestro persistente; atrofia testicular (?); estro fraco ou silencioso; galactorréia ou ginecomastia inapropriada; perda de libido (?); sangramento estral prolongado. Neuromusculares: apoio da face dorsal das falanges; ataxia; convulsões; debilidade*; andar em círculos; paralisia de nervo facial; sinais vestibulares. Oculares: depósitos lipídicos nas córneas; ulceração corneana; uveíte. Cardiovasculares: arritmias cardíacas; bradicardia. Gastrointestinal: constipação, diarreia. Hematológicas: anemia*; coagulopatia; hiperlipidemia*. Anomalias comportamentais (?). *Comuns Fonte: Nelson e Couto (2000, p. 752). 29 REFERÊNCIAS ALLEN, Henry C. Sintomas-chave da matéria médica homeopática. 2. ed. São Paulo: Dynamis, 2000. BERTOLINO, Jéssica Fernanda et al. Hipotireoidismo canino: metodologia de aprendizagem. In: V SEREX Seminário de Extensão Universitária da Região Centro-Oeste, 2012, Goiânia. Anais eletrônicos... Goiânia: UFG. Disponível em:<http://serex2012.proec.ufg.br/uploads/399/original_JESSICA_FERNANDA_BER TOLINO.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2013. BOERICKE, William. Matéria médica homeopática com índice terapêutico. 2. ed. Rio de Janeiro: Lamgraf, 1993. CAIRO, Nilo. Guia de medicina homeopática. 10. ed. São Paulo: Livraria Teixeira, 1996. CASTILLO, Victor. Hipotiroidismo canino. Veterinary Focus, vol. 21, nº 1, 2011. Disponível em: <http://www.ivis.org/journals/vetfocus/21_1/pt/1.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2013. CUNNINGHAM, James G. Tratado de fisiologia veterinária. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993. DE MARCO, Viviane; LARSSON, Carlos Eduardo. Hipotireoidismo na espécie canina: avaliação da ultrassonografia cervical como metodologia diagnóstica. Brazilian journal of veterinary research and animal science, vol. 43, nº 6, p. 747753, 2006. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/bjvras/article/view /26552/28335. Acesso em: 18 nov. 2013. DUFILHO, Robert. Fichas de matéria médica homeopática: o piano homeopático. São Paulo: Andrei, 2000. DYCE, K. M.; SACK, W. O.; WENSING C. J. G. Tratado de anatomia veterinária. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1990. ETTINGER, S. J. e FELDMAN, E. C. Tratado de medicina interna de pequenos animais. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. GUYTON, Arthur C. e HALL, John E. Tratado de Fisiologia Médica. 11. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. HAHNEMANN, Samuel. O moderno organon da arte de curar. 2. ed. São Paulo: Typus, 2004. JUNQUEIRA, Luiz Carlos; CARNEIRO, José. Histologia básica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990. 30 KATER, Cláudio. Tiróide ou tireóide? Sobre escudos, queijos e... borboletas! Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, São Paulo, vol. 48, nº 1, fev. 2004. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0004-27302004000100001>. Acesso em: 30 set. 2013. LATHOUD, Joseph Amédée. Matéria médica homeopática: revisada e atualizada. São Paulo: Robe, 2002. MEDEIROS, João Bosco. Redação científica: a prática de fichamentos, resumos, resenhas. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2012. NELSON, Richard W.; COUTO C. Guilhermo. Fundamentos de medicina interna de pequenos animais. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1994. ______. Medicina interna de animales pequeños. 2. ed. Buenos Aires: Intermédica, 2000. PEIXOTO, Paulo Vargas, et al. Considerações sobre os teores de iodo na dieta e ocorrência de hipotireoidismo em cães e humanos. Revista Brasileira de Medicina Veterinária, 34(3):223-229, jul/set 2012. Disponível em: <http://www.rbmv.com.br/pdf_artigos/07-11-2012_10-15RBMV%20012.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2013. RIBEIRO FILHO, Ariovaldo. Repertório de homeopatia. 2. ed. São Paulo: Organon, 2010. SEITA, Rui Pedro de Almeida. Hipotiroidismo canino. 2009. 71 f. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária) – Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa. Disponível em: <https://www. repository.utl.pt/bitstream/10400.5/1327/1/Hipotiroidismo%20canino.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2013. TAEYMANS, O. et al. Pre and post treatment ultrasonography in hypothyroid dogs. Vet Radiol Ultrasound. 2007 May-Jun;48(3):262-9. Disponível em: < http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17508515>. Acesso em: 15 dez. 2013. TEIXEIRA, Roberto dos Santos. Hipotireoidismo em cães dermatopatas: aspectos clínico-laboratoriais comparados ao exame histopatológico da pele. 2008. 85 f. Dissertação (Mestrado em Ciências) – Instituto de Veterinária, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. TÉTAU, Max. Matéria médica homeopática: alvos específicos. São Paulo: Andrei, 2000. THOMPSON, Reginald. Patologia veterinária especial. São Paulo: Manole, 1990.