Midiatização e o possível indício de prática social

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Midiatização e o possível indício de prática social 1
Jocélia da Silva Bortoli2
Resumo: O artigo aponta teorizações da midiatização e possíveis efeitos na sociedade. O
público ao assumir o papel de produtor midiático estaria contemplando um processo de
prática social? A circulação de conteúdos oriundos do público soa como um jogo duplo entre
jogadores e estipuladores de regras, despertando para a reflexão dessas significações. Este
trabalho atenta para a suspeita de uma possível incompletude de autoria, devido ao caráter
indutivo de participação, que pode estar contaminando o ato voluntário e espontâneo.
Palavras-chave: midiatização, prática social, interação.
Midiatização
O que é a midiatização hoje e quais são os seus efeitos no dia-a-dia das pessoas?
Como se dá a relação sociedade midiática que é o local de instalação da midiatização e
sociedade midiatizada? Essa inquietação evidencia um processo que cada vez mais se torna
complexo e ao mesmo tempo presente na vida dos cidadãos. A sua conceituação é atrelada ao
desenvolvimento tecnológico, às intervenções humanas e, principalmente, a circulação que
possui características particularizadas. Contudo, a interação que destacamos neste artigo não
se atém à tecnologia, embora ela viabilize o processo, e sim, à complexidade maior das
práticas sociais nas instituições de comunicação.
A questão se torna mais difícil em função de que as teorias da comunicação não
correspondem ainda de forma fiel ao fenômeno midiatização na vida de seu público. “Um
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Trabalho apresentado à Modalidade Comunicação do III Encontro de Pesquisa em Comunicação e Cidadania Comunicação e liberdade de expressão: regulação e políticas públicas da Universidade Federal de Goiás (UFG) e
Universidade Católica de Goiás (UCG).
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Jornalista, especialista e mestranda da Linha de Pesquisa Midiatização e Processos Sociais do Programa de
Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Bolsista do
Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (Procad) – Capes/ Unisinos-São Leopoldo e do Programa de Pósgraduação em Comunicação da UFG-Goiânia. E-mail: [email protected].
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conceito em formação que se encontra em meio aos resquícios dos conhecimentos fundadores
das teorias de comunicação e naqueles que não estão reunidos nas fronteiras clássicas destes
estudos”, (FAUSTO NETO, 2005, p.1). Além disso, o conceito é pouco problematizado,
dando a entender que as “velhas teorias” podem não dar conta de sua explicação de maneira
adequada.
Algumas considerações feitas por Fausto Neto em torno da midiatização mostram que
é uma nova natureza sócio-organizacional passando da linearidade para a descontinuidade,
onde noções de comunicação, associadas a totalidades homogêneas, dão lugar às noções de
fragmentos e às noções de heterogeneidades. Para ele, trata-se de uma nova forma de
ambiente – da informação e da comunicação – que mediante tecnologia, dispositivos e
linguagens produz outro conceito de comunicação, calcado na passagem da causação à
aditividade.
Segundo Fausto Neto, está nas mãos da sociedade fazer funcionar um novo tipo de
real em que a interação social não se tece mais com base em laços sociais, mas em ligações
sócio-técnicas, o que faz com que a sociabilidade dê lugar a informacionalidade. “Porém a
midiatização vai além do ambiente e do seu próprio ‘modo de ser’, e se constitui a partir de
formas e de operações sócio-técnicas, organizando-se e funcionando com bases em
dispositivos e operações constituídas de materialidades e imaterialidades” (ibidem, p.9).
O pesquisador explica que estamos diante de uma nova forma de organização e
produção social, onde o capital já não estaria mais a serviço das estruturas, mas dos fluxos e
da informação. Ele utiliza-se da noção de circulação de Marx com a ênfase na lógica
produtiva do capitalismo deslocada do território das estruturas para os dispositivos de
circulação. “E neste caso, a circulação das imaterialidades, ou seja, suas operações de
produção de sentido que se constituem num imenso mistério e desafio aos estudos modernos
de comunicação”, (ibidem).
As realidades são afetadas por suas lógicas na esfera da circulação, o que faz emergir
novas formas de interação até então não previstas por estudiosos clássicos que pensaram a
sociedade e seus fenômenos coletivos. Esse é outro apontamento realizado por Fausto Neto
que reafirma a existência de novas formas de mediação/intermediação. Em Midiatização,
prática social – prática de sentido, ele apropria-se de Adriano Rodrigues para afirmar que:
“minha proposta tem sido a de caracterizar o nosso tempo como a época da autonomização do
campo dos media”, (RODRIGUES, 2000, p.171).
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Fausto Neto revisita ainda Barbero para abordar a problemática da comunicação numa
esfera mais complexa e caracterizada pelas fortes interações entre meios e outras formas de
comunicação e de produção de sentidos oriundos de outros campos sociais. “A intensificação
de tecnologias voltadas para processos de conexões e de fluxos vai transformando o estatuto
dos meios, fazendo com que deixem ser apenas em mediadores e se convertam numa
complexidade maior”, (FAUSTO NETO, 2005, p.8). Nesse caso, a midiatização é uma nova
matriz que se funda em novas racionalidades com as quais realiza estratégias de produção de
sentidos, revelando um novo “modo de organização”.
GOMES (2006, p.121) define que a midiatização é a reconfiguração de uma ecologia
comunicacional (ou um bios midiático). “... A midiatização é a chave da hermenêutica para a
compreensão e interpretação da realidade. Nesse sentido a sociedade percebe e se percebe a
partir do fenômeno da mídia, agora alargado para além dos dispositivos tecnológicos
tradicionais”. FERREIRA (2007, p.8), em Midiatização: dispositivos, processos sociais e de
comunicação, sugere que uma “análise do dispositivo midiático se configura a partir de uma
matriz primária triádica”. Essa configuração engloba três sistemas que são o social, o
tecnológico e o de linguagem. A midiatização seria algo que se dá nas relações entre os três.
A teorização apontada por esses pesquisadores nos faz também nos questionarmos se o
modelo organizacional que vem se configurando com os processos sociais midiáticos
contempla de forma efetiva o exercício de prática social no que tange ao processo de
interação?
Público midiático
As reflexões teóricas fazem com que perguntemos para quem se destina a
midiatização? O seu público já não é mais o mesmo, pois a informação circula inclusive a
partir dele. Talvez a melhor explicação desse fenômeno seja através do diagrama de Eliseo
Verón que nos mostra que a midiatização se dá em zonas de afetações ou de produção de
processos de midiatização: a relação dos meios com as instituições; a relação das instituições
com os indivíduos; e a relação pela qual os meios afetam as relações entre as instituições e os
indivíduos.
Quem sabe esteja na interpretação do diagrama a resposta para o porquê de tanta
complexificação em torno da midiatização. Os aparatos tecnológicos fizeram com que ela se
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tornasse possível, entretanto, em um primeiro momento apenas se trabalhou com a
perspectiva de sua prática, deixando os seus efeitos adormecidos para não dizermos
esquecidos.
Entendemos que a complexidade desse processo ocorre em nível cada vez maior por
ser marcada por operadores ou atores os quais não precisam mais ser especialistas, peritos ou
possuidores de um vasto conhecimento para fazer parte dela. Indubitavelmente essa é uma
questão delicada porque as práticas estão sendo reformuladas e, conseqüentemente, os
contratos de leitura, bem como os status de operadores de produção de sentido. Mas é preciso
sinalizar que essa participação não significa o controle efetivo do processo, o que nos desperta
para a possibilidade de estar prevalecendo o potencial estratégico por parte das organizações
de comunicação.
A midiatização parece contemplar um jogo de duplicidade entre quem joga e aquele
que estipula as regras. Esse jogo tem riscos para ambos como, por exemplo, a autoreferencialidade que é destacada por LUHMANN (2005) como a capacidade dos meios em
auto operar o processo de produção da realidade. O público é conclamado a participar, o que
acreditamos que possa ser identificado como a “ilusão da autoria na produção”. Isso é
reforçado com a idéia já citada de que o controle na publicização desses conteúdos continua
sob a responsabilidade das instituições.
Inegavelmente, a revolução tecnológica propulsionou a configuração do fenômeno da
midiatização. Fausto Neto apropria-se de Barbero para reforçar a idéia de que:
Se a revolução tecnológica deixou de ser uma questão dos meios, para
decididamente passar a ser uma questão de fins, é por que estamos ante a
configuração de um ecossistema comunicativo conformado não só por novas
máquinas ou meios, senão por novas linguagens, sensibilidades, saberes e
escrituras, pela hegemonia da experiência audiovisual sobre a tipográfica, e
pela reintegração da imagem no campo da produção do conhecimento. O que
estamos vivendo (...) é a reconfiguração das mediações que constituem seus
modos de interpelação dos sujeitos e a representação dos vínculos que dão
coesão à sociedade. (BARBERO, 2004, p.36)
A sociedade está em um momento de envolvimento midiático intenso o que pode ser
indicativo de prática social exercida, se não fosse a nossa suspeita de manobra estratégica
daqueles que incentivam a participação. As pessoas querem fazer parte do processo produtivo
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midiático e estão totalmente envolvidas com os recursos técnicos que viabilizam o processo.
Entretanto, elas não se questionam nas mãos de quem que está a centralidade de comando.
Como isso tudo é controlado e o interesse é maior por parte de quem: público ou instituição?
Respostas parecem incertas, mas a reflexão com esse viés já é uma realidade na tentativa de
explicação do tempo atual da midiatização e suas afetações.
Ao abordar o fenômeno midiático, GOMES (2006, p.133-134) revela uma perspectiva
otimista em relação aos desdobramentos dela na sociedade. “Assim, aceitar a midiatização
como um novo modo de ser no mundo coloca-nos numa nova ambiência que, se bem tenha
fundamento no processo desenvolvido até aqui, significa um salto qualitativo no modo de
construir sentido social e pessoal”.
A midiatização possui características que em certos momentos parecem ser positivas, e
em outros, nem tanto. Meses atrás os jornalistas de todo o mundo foram impedidos
oficialmente de midiatizarem a insatisfação do povo com as eleições no Irã. O governo
censurou a cobertura e o povo protestou, aliás, não apenas se mobilizou pelas ruas, bem como
midiatizou para o mundo em blogs, twitter e sites de relacionamento o que estava ocorrendo.
Um ponto positivo a ser considerado do direito social à informação e por que não dizermos de
prática social.
Ferreira reconhece que são as novas formas de transformação do trabalho que
produzem desequilíbrios na esfera da produção, consumo e circulação midiáticos, e na
produção social de sentido. “Os processos sociais e de comunicação incidem sobre as
materializações e, de forma circular, retroagem sobre os processos sociais e processos de
comunicação anteriores, requisitando novos esquemas de subjetividade, de ação e
acomodação histórica e social”, (FERREIRA, 2007, p.10).
Isso significa que de forma efetiva a midiatização afeta instituição e sociedade. Nesse
sentido, Ferreira aponta que para compreender a midiatização é necessário superar as várias
ideologias em jogo na análise do conceito, reforçando que é preciso pensar para além dos
limites da tecnologia. Com essa perspectiva, o campo acadêmico também está em construção
no que se atém a midiatização e a sintomatização do fenômeno.
O processo interacional
Em A Mídia e a Modernidade, John B. Thompson, propõe uma análise sociológica da
mídia, sob a ótica das formas de interação que ela cria entre os indivíduos. A mídia, para ele,
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tem um papel central na teia de interações sociais. Nessa linha de pensamento, o autor elabora
a Teoria Social da Comunicação.
Tentarei mostrar que o desenvolvimento dos meios de comunicação [...] foi
uma parte integral do surgimento das sociedades modernas [...] O raciocínio
central desse livro é que nós só poderemos entender o impacto social do
desenvolvimento das novas redes de comunicação e do fluxo de informação,
se pusermos de lado a idéia intuitivamente plausível de que os meios de
comunicação servem para transmitir informação e conteúdo simbólico a
indivíduos cujas relações permanecem fundamentalmente inalteradas.
(THOMPSON, 1998, p. 12)
Ao abordar o processo interacional, Braga (2006) rompe com o modelo tradicional de
emissor e receptor através de um canal que tem como ponte os meios de comunicação e nos
apresenta um terceiro sistema de processos midiáticos na sociedade que é o “sistema de
interação social sobre a mídia”.
Propomos, assim, desenvolver a constatação de um terceiro sistema de
processos midiáticos, na sociedade, que completa a processualidade de
midiatização social geral, fazendo-a efetivamente funcionar como
comunicação. Esse terceiro sistema corresponde a atividades de resposta
produtiva e direcionada da sociedade em interação com os processos
midiáticos. Denominados esse terceiro componente da processualidade
midiática “sistema de interação social sobre a mídia” ou, mais
sinteticamente, “sistema de resposta social”. (BRAGA, 2006, p.22)
A “mediatização” como um processo interacional de referência somado a um conjunto
de reformulações sócio-tecnológicas de passagem dos processos “mediáticos” à condição de
processualidade interacional. É dessa forma com que Braga (2006, p.2) vê a “mediatização”
como incompleta. “Um processo interacional ‘de referência’, em determinado âmbito ‘dá o
tom’ aos processos submissos – que funcionam ou passam a funcionar segundo suas lógicas”.
O pesquisador esclarece que um processo interacional de “referência” não corresponde
a “anular” outros processos, mas sim a funcionar como “organizador principal da sociedade”.
Braga também acredita em uma perspectiva de organização da sociedade e destaca que:
“Entendemos que os processos interacionais de referência são os principais direcionadores na
construção da realidade social”, (ibidem, p.3).
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Um ponto considerado no processo interacional de referência de Braga é a sua
observação de que ele permanece em espaços de interacionalidade “oral”, embora funcionem
segundo uma “lógica da cultura escrita”. “Um primeiro passo do desenvolvimento da
mediatização é a criação de tecnologias para atingir objetivos sociais e interacionais do
mundo da escrita e da instauração burguesa ‘inicial’”, (ibidem, p. 5).
No que se refere à incompletude, de acordo com Braga, é além de estrutural,
relacionada a riscos de deformação da realidade constituída por seus processos. Outra
problemática da incompletude é de que com a “mediatização” parecem desaparecer as
habituais separações de campos de significação entre – entretenimento e aprendizagemeducação; política e vida privada; economia e afetos; essências e aparências; cultura e
diversão.
Outros fatores, conforme esse pesquisador, que são determinantes no processo de
incompletude da interação são a indefinição de sub-universos ou setores sociais em que a
realidade possa ser apreendida e constituída de modo suficientemente “estável” para viabilizar
comutações eficientes; a dificuldade de percepção de papéis sociais; a ausência de claras
articulações de subsunção; o fato de a “mediatização” não ter gerado ainda modos
sustentáveis, relevantes, flexíveis, produtivos e generalizadores de socialização; e por fim, os
problemas de circulação, retorno e resposta social.
Mesmo reconhecendo que o processo de interação é incompleto por causa desses
problemas, Braga acredita que os processos interacionais de referência são os principais
direcionadores na construção da realidade social. Já a exemplificação de indução na
participação no processo é apontada por nós com o jornal Zero Hora que em abril deste ano
iniciou uma campanha em comemoração aos 45 anos do diário. Em anúncio de duas páginas,
a mensagem publicitária era:
“Pense nos próximos 45 anos. Agora pense em todas as notícias que você gostaria de
ler em Zero Hora. Nós não vamos publicar nenhuma delas. Não, a menos que aconteçam. A
menos que você faça acontecer. Com suas idéias, com seu trabalho, com seus atos, você pode
fazer algo novo. Mudar a realidade. E aí, se isso acontecer, pode ter certeza: nós vamos
noticiar. Não vamos medir esforços para explicar “o quê”, “quando”, “onde”, “como”, “por
quê”, e acima de tudo, “quem”. Esse vai ser sempre o nosso papel. Seja no papel, na internet,
no celular ou no que mais a tecnologia inventar. Nós só não podemos gerar um fato. Nós não
podemos criar uma notícia. Mas você pode”.
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O anúncio do Zero Hora reflete uma série de conceitos trabalhados a partir da
midiatização. Revela as lógicas e rotinas de produção de um acontecimento, citando o lead; a
tecnologia desenvolvida e utilizada a serviço da midiatização e, principalmente, incita a
participação: Nós não podemos criar uma notícia. Mas você pode. Evidencia o surgimento da
categoria de ator induzido a participar do processo, embora também existam aqueles que
tenham vontade própria e participem voluntariamente, o que hoje é praticamente imensurável
porque se encontra embolado no procedimento.
Essa situação pode ser explicada por Gomes que ao se apropriar da conceituação de
Mata observa que “agora existe um teatro de arena, onde não mais se fala de palco e platéia,
pois é impossível pensar uma realidade sem palco, uma vez que ele tomou tudo”. De acordo
com Gomes, as pessoas não distinguem mais a sua vida separada do palco, sem ele. “Se um
aspecto ou fato não é midiatizado, parece não existir”, (GOMES, 2008, p. 121). Essa definição
parece ser ainda melhor exemplificada quando envolve a vida das pessoas que revelam em
sites pessoais, por exemplo, o seu “eu diário”, deixando o privado tornar-se público.
Considerações finais
O complexo fenômeno midiático ocorre com o impulso de um novo modelo que não
se baseia apenas na evolução tecnológica, mas no envolvimento da sociedade com o processo.
Um acontecimento não permanece apenas em estágio de comentários entre as pessoas. O
público passou a interessar-se pela produção e percebeu que tem espaço garantido mesmo que
essa produção possa estar perdida em meio à “ilusão da autoria”. Além disso, a midiatização
parece cada vez mais despertar nas pessoas o desejo de se tornar midiatizável, o que pode ser
explorado em estudos por outros campos como o da psicologia.
Para isso é preciso reconhecer que a tecnologia desenvolvida foi o ponto inicial para a
midiatização que se configura. Um telefone ganha portabilidade e recurso que o torna capaz
de gravar não somente momentos especiais de alguém, mas todo o desenrolar de um
acontecimento que pode ganhar proporções midiáticas em âmbito nacional e internacional. A
partir disso, é possível levantar uma série de questões em torno da ligação entre midiatização
e processos sociais.
Na primeira delas, procuramos refletir que a interação passa por um processo profundo
de contaminação. Isso porque essa interação pode ser pela espontaneidade ou pela indução o
que certamente não é a mesma coisa, pois a primeira é voluntária, e a segunda, involuntária,
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comprometendo o teor do conteúdo que não é produzido nas mesmas condições. O anúncio
do Zero Hora é uma exemplificação consistente de indução ao ato participativo.
Outro aspecto que consideramos nesse ambiente é o da homogeneização que suscita a
midiatização em contradição à heterogeneidade que representa a recepção. O terceiro aspecto
é o das lógicas que se engendram nesse universo fazendo links entre produção e recepção. O
quarto aspecto dos efeitos se dá com o redimensionamento de outros campos por causa da
midiatização. Essa perspectiva ainda possibilita uma melhor compreensão da utilização da
midiatização de maneira estratégica.
O quinto item que consideramos em torno da midiatização acontece com
apontamentos realizados por Ramonet, envolvendo a neotevê e os enunciados. “Estamos nos
encaminhando, portanto, para uma situação televisiva em que a relação entre enunciado e
fatos se torna cada vez menos relevante no que diz respeito à relação entre verdade do ato de
enunciação e experiência receptiva do espectador”, (RAMONET, 2002, p.191).
O caráter enunciativo possibilita ligações entre programa de informação e
entretenimento, o que suspeitamos comprometer o caráter jornalístico quando se tratar de
acontecimento. Essa questão ainda nos desperta para que possamos perguntar como fica o real
perante as construções enunciativas? “... Não está mais em questão a verdade do enunciado,
isto é, a aderência entre o enunciado e o fato, mas a verdade da enunciação que diz respeito à
cota de realidade daquilo que aconteceu no vídeo (e não daquilo que foi dito através do
vídeo)”, (ECO, 1984, p.188).
A midiatização inspira superprodução. Nada mais passa sem ser percebido pelos
olhares e estar inserido nesse processo que pressupõe fazer parte de um mundo moderno. O
problema pode não ser de efeito e, sim, de modos de dizer e circular. O ator está tendo espaço
para estar atuando de forma cidadã ou pode estar produzindo nesse processo sem ser o
protagonista real? O questionamento mesmo que reflexivo e com apontamentos empíricos
suscita a observação mais apurada para desvendar o modelo instaurado, priorizando a
preocupação com a relação entre prática social e midiatização. Talvez esteja nessa brecha às
pistas para um estudo de cidadania sem tirarmos a atenção do nosso maior objeto em
construção que é o do campo da comunicação.
Referências
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BARBERO, Jesús Martín. Razón técnica e razón política: Espacios/tiempos no pensados.
In: Revista ALAIC. Ano I. Nº 1 Jul/Dez. São Paulo, 2004.
BRAGA, José Luiz. Sobre “mediatização” como processo interacional de referência. GT
Comunicação e Sociabilidade, 15º Encontro Anual da Compós, Bauru: junho de 2006.
BRAGA, José Luiz. A sociedade enfrenta a sua mídia: dispositivos sociais de crítica
midiática. São Paulo: Paulus, 2006.
ECO, Umberto. Tevê: a transparência perdida. In: Viagem na irrealidade cotidiana. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
FAUSTO NETO, Antonio. Midiatização: prática social, prática de sentido. Paper, Bogotá:
Seminário Mediatização, 2006.
FERREIRA, Jairo. Midiatização: dispositivos, processos sociais e de comunicação. Paper,
São Leopoldo: PPGCOM, 2008.
GOMES, Pedro Gilberto. A midiatização, um processo social. In: Filosofia e ética da
comunicação na midiatização da sociedade. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006.
LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. São Paulo: Paulus, 2005.
RAMONET, Ignácio. Capítulos I e II. In: La post-televisión . Barcelona: Içaria Editorial,
2002. p. 7-32.b.
THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1998.
VERÓN, Eliseo. Conversación sobre el futuro. In: Revista ALAIC. Ano I. Nº 1 Jul/Dez.
São Paulo, 2004.
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