Da apatia às filiações: adaptações, deslocamentos e reprodução do saber sobre os corpos em interações midiatizadas em redes digitais. Bianca Britz de Lima Palavras-chave: midiatização, circulação, narrativas, redes digitais. RESUMO EXPANDIDO Começamos nossa pesquisa com a leitura e a análise das narrativas encontradas em redes sociais, facebook e blogs, em torno do tema câncer de mama e próstata, narradas por pacientes e médicos em torno da doença. No início, o objetivo era identificar a construção social de crenças nos discursos desses atores. Esse objetivo central foi deslocado, no desenvolvimento da pesquisa, para a identificação de uma matriz narrativa, a qual vem permitindo a compreensão de disposições diversas dos pacientes. Metodologicamente, a escolha dessas narrativas era levado o seguinte critério: homens e mulheres, que tivessem passado por uma situação onde fossem os pacientes, médicos, ou familiares ligados de certo modo com a doença, onde eles deveriam contar sua experiência associando com a doença em si. Foram analisados diversos blogs contando esse relacionamento com a doença, sejam eles médicos, onde o discurso presente é mais técnico-científico, e paciente e envolvidos onde encontramos um discuros mais de experiência de vida. Analisamos as interações entre esses discursos, onde podemos notar através dos comentários deixados pelos leitores e com quem eles se relacionavam. Estudando a interação paciente-paciente e médico-paciente, conseguimos notar diferentes reações e sentimentos perante a doença. De modo que notamos a diferença da narrativa de homens e mulheres, e como eles se portam a partir da doença, o que nos permite falar em multiplicidade de narrativas que ocorrem num determinado ambiente narrativo. Que ambiente é essa? Ao longo de nosso estudo, nas leituras e entendimento das narrativas, identificamos a matriz para nós auxiliar a compreender o deslocamento narrativo encontrados nos blogs/facebook analisados. A matriz narrativa desenhada integra outras já evidenciadas em pesquisas, realizadas em mídia, comunicação e saúde. Com esses estudos 1 conseguimos notar um deslocamento narrativo entre: fobias (Lerner e Gradella, 2011) , afobias, filias, afilias, empatias (Nassif e outros, 2007), patias, apatias, simpatias, antipatias. Identificamos, nas interações, que os percursos narrativos que transitam por essas figuras estão associados a negação, aceitação, pessimismo e otimismo em relação a doença. Para diagramar esse ambiente narrativo, observamos por onde as narrativas circulam e despertam diferentes sentimentos em relação as doenças. Correlato, utilizamos como referência o estudo do texto de Blanché (Estruturas Intelectuais), chegando a nossa tentativa derivada, e pôr fim a um tetraedro elaborado como ambiente narrativo. Figura 1 - Figura inspirada em Blanché Quadrado Derivado Desdobramos o ícone num tetraedro, buscando assim sair da representação em plano e chegarmos uma representação espacial. Neste, em cada ponta se encontra uma figura: fobia, afobia, filia, afilias, empatias, patias, apatias, simpatia e antipatia. Metaforicamente, as narrativas individuais transitam entre esses vértices, em um processo interacional a negação, aceitação, pessimismo e otimismo são sentimentos que mobilizam os deslocamentos. Espaço Narrativo Desenhada a matriz narrativa, retornamos, dedutivamente, às leituras e estudos das mesmas, para entendermos como os autores se portavam dentro desses espaços, onde estão em permanentes deslocamentos, passando por diversos sentimentos. O diagrama de Merrel é uma boa representação desse movimento errático? 2 Figura 2 - Composição do movimento de semiose no espaço-tempo - Fonte: Merrell, 2012, p. 339 Avançando em nossos estudos sobre os casos com a doença e suas interações, e passamos a analisar um novo “protagonista” dessas interações. Os comentários encontrados nas narrativas deixaram de ser interações e viraram objeto de pesquisa, começando agora a encaixa-los na matriz narrativa e observar o seu deslocamento. Variando muito de leitor para leitor e dependendo de cada avaliação, muitos comentários carregam sentimentos diversos, onde se encontra muito apoio carregados de insegurança, medo, mas também de fé. Podemos falar aí em narrativas que se produzem a partir de narrativas. O estudo avança em torno dessas novas observações e inferências em curso. Referências BLANCHÉ, Robert. Strutures Intellectuelles – Essai sur l’organisation systématique des concepts. Librairie philosophique J. Vrin. Paris 1969 FERREIRA, Jairo. A construção de casos sobre a midiatização e a circulação como objetos de pesquisa: das lógicas às analogias para investigar a explosão das defasagens. 2016 FERREIRA, Jairo. ADAPTATION, DISRUPTION, AND REGULATION IN MEDIA DISPOSITIFS. 2016 LERNER, Kátia; GRADELLA, Pedro de Andréa. Mídia e pandemia. Os sentidos do medo na cobertura de Influenza H1N1 nos jornais cariocas. Dossiê: comunicação e catástrofe volume 14 número 02. 2011. Lima, Élida. Mídia e câncer: modos de enunciar no contexto de uma sociedade em midiatização. UFPB. Centro Internacional de Semiótica e Comunicação – CISECO I COLÓQUIO SEMIÓTICA DAS MÍDIAS. 2012. MERREL, F. 2012. A semiótica de Charles S. Peirce hoje. Ijuí, Ed. Unijuí, 368 p. PIMENTA, Denise Nacif; Leandro, Anit; Schall Virgínia A estética do grotesco e a produção audiovisual para a educação em saúde: segregação ou empatia? O caso das leishmanioses no BrasilCad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(5):1161-1171, mai, 2007 3 Apropriações midiáticas em uma série de jogos digitais: a formação de circuitos amadores a partir de ArmA Edu Fernandes L. Jacques Filho Universidade do Vale do Rio dos Sinos Palavras-chave: midiatização; circuitos; Game Studies; circulação; redes digitais. RESUMO EXPANDIDO A ascensão de redes eletrônicas interconectadas e a consolidação de uma indústria da cultura de natureza digital fizeram (não só elas) amadurecer processos comunicacionais cujas qualidades exemplificam um quadro sócio-técnico chamado de midiatização. Assim, com a profissionalização do setor produtivo de jogos digitais nas últimas décadas, vem-se buscando novas estratégias de aproximação do público. O enfoque nesta pesquisa refere-se sobretudo aos modos sob os quais se dá a inclusão dos elementos criados pelos consumidores ao agregado midiático ofertado no mercado de jogos. Fortalece-se, por outro lado, a hipótese de que resta numa compreensão dessa circulação continuada um operador de valor analítico para as pesquisas no campo da Comunicação – esse movimento serviria, ademais, para superar os paradigmas clássicos de pesquisa, ora dedicados ao polo produtivo, ora ao polo de recepção/consumo. A indústria de jogos digitais possui em suas bases a inventividade característica de uma primitiva cultura de computadores, então prerrogativas de centros de pesquisas e bases militares localizados nos EUA. As experimentações iniciais encontraram em práticas lúdicas já estabelecidas, como o pinball, lastro para uma exploração comercial. Desde a década de 1970, então, os segmentos do entretenimento investiram em tecnologias e gêneros de jogos que constituem a experiência relativamente estabilizada que encontramos na atualidade. Se por um lado é notório que modificações não-oficiais foram notadas desde os anos 1980, por outro, a complexidade desses produtos requer hoje um maior investimento temporal e domínio – por parte de seus públicos – dos processos produtivos de um jogo. Hoje, a despeito de seus indícios iniciais, as modificações são incentivadas pela própria indústria. As formas de integração com os consumidores passam por um processo que, para além de sua aparência inovadora, encontram-se em sintonia com o quadro geral 4 da ambiência comunicativa contemporânea. O convite para os jogadores modificarem os jogos, ou seja, incluírem elementos não previstos na organização original do produto, configura uma prática que pode ser ela mesma entendida como parte do lazer conectado ao jogo. Na midiatização emerge essa possibilidade de entretenimento, a experiência de modificar os objetos midiáticos e lançá-los novamente em circuitos comunicacionais. Não obstante, outros jogadores ainda buscam se satisfazer através de outras atividades, postando vídeos de si mesmos jogando ou – na série analisada, ArmA – organizando “esquadrões” com a ajuda das redes disponíveis. Essas ações, modificar, criar vídeos de si e associar-se a outros jogadores dizem respeito a uma experiência ampla do jogo na midiatização, o que pretendemos explorar em torno da ideia de metagame. A hipótese longitudinal é de que as experiências de “fora do jogo”, isto é, externas à execução do software, compreendem uma prática ilustrativa do jogar na atualidade. De tal modo, a análise dos circuitos explorados e como estes manifestam as relações mantidas por agentes midiáticos no uso das redes digitais disponíveis apresentase como material de relevância para a pesquisa. Acreditamos que essas construções sociais feitas sobre uma estrutura técnica são um locus privilegiado para analisarmos dinâmicas de metagame, no particular, e a midiatização, no geral. Esta última, um construto de referência para o campo da Comunicação, sustenta-se a partir da intensificação das trocas e uma transição gradual a um modelo de socialização através dos meios, em suas condições atuais de ubiquidade, velocidade e possibilidades de descentralização. Com esse intuito, indagamos quais as dinâmicas (de competências, organização do trabalho, crítica, instrução) são demonstradas em circuitos de jogadores-produtores ligados à série ArmA. A escolha por uma franquia de jogos se justifica pela trajetória dos títulos lançados pela empresa Bohemia Interactive, que desde a década passada oferta ao público ferramentas e serviços para edição amadora de seus jogos, ainda que regulada por contratos de termos de uso; consiste, portanto, em uma experiência de razoável duração no espectro conhecido. Entendemos que esses ambientes são investigáveis a partir dos registros disponíveis, e que tais interações indicam virtudes e limitações da organização, mesmo que espontânea, desses consumidores. O corpus previsto para essa inquirição contempla três circuitos: um grupo no Facebook composto por lusófonos – ArmA 3 Brasil; o fórum oficial da série e hospedado pela empresa produtora, Bohemia Interactive; e um serviço de venda dos jogos e postagem de modificações, Steam. Os três circuitos 5 apresentam distinções evidentes de estrutura e vocação, o que pode fornecer bases à formulação de inferências paralelas sobre as apropriações que consumidores fazem a partir dos jogos. Ressaltamos que este trabalho se trata de uma análise qualitativa que explora índices quantitativos quando disponíveis. Ainda, contempla aspectos da circulação enquanto práticas de interação, portanto, concede destaque aos comportamentos, expectativas, processos estabilizados ou tentativos no interior de uma comunidade de jogadores. Os circuitos são assim entendidos como referência real a uma situação de larga amplitude – a midiatização – e os métodos de pesquisa por acompanhamento das redes, em torno da noção de netnografia, apresentam condições coerentes para interpretação das intervenções desse público específico de um nicho da cultura essencialmente digital, dos games. Este trabalho encontra amparo nas propostas sustentadas em torno dos Game Studies, embora prevaleça o interesse de pesquisa sobre aspectos comunicacionais e menos em análise de narrativa ou imersão nos jogos estudados. 6 Paradigmas da Interação Humano-Máquina em Dispositivos de Realidade Virtual Eduardo Zilles Borba Marcelo Zuffo Universidade de São Paulo (USP) Palavras-chave: Realidade virtual, Mídias digitais, Dispositivos e interações, Tecnocultura, Imersão. RESUMO EXPANDIDO Por tradição, no universo científico, a Realidade Virtual (RV) sempre esteve mais ligada às Ciências Exatas (engenharia, computação, etc.) do que às Humanas (comunicação, psicologia, sociologia, etc.). Contudo, inegável é o fato de que a multidisciplinaridade sempre caracterizou a pesquisa e o desenvolvimento destes dispositivos tecnológicos e seus conteúdos imersivos. Um paradoxo que acentua-se se formos ao significado da palavra, pois a epistemologia do termo RV remete aos filósofos da Grécia Antiga quando indicavam a potência, força ou virtude associada a imagens de sonhos, ideias e pensamentos (LÉVY, 1999). Na atualidade, devido a crescente popularização dos dispositivos de RV sob o modelo do head-mounted display (HMD) – mesmo que ainda não seja uma plataforma de mídia para as massas, muitas pessoas sabem do que se trata ou, até mesmo, já tiveram alguma experiência com ambientes imersivos – parece ser pertinente que os pesquisadores de Comunicação lancem um olhar atento às possíveis formas de utilização, apropriação e impactos socioculturais deste meio (Figura 1). 7 Figura 1: usuário explorando a RV através de um HMD É imperativo questionar: como as pessoas estão (ou vão) se aproveitar desta mídia? Aqui, e evitando cair no fascínio da magia inerente ao surgimento de uma nova plataforma de produção e consumo de conteúdos, consideramos fundamental sublinhar que pela primeira vez na história das mídias estamos diante de uma interface entre humano e máquina computacional que permite ao sujeito mergulhar no universo da imagem de forma profunda (fisiológica e psicológica) (TORI et al. 2006). À semelhança do cinema, com a clássica imagem em movimento da chegada de um trem que apavora o público, a RV dá continuidade à busca pelo maior grau de imersão da audiência no cenário imaginário. Afinal, os sentidos são altamente estimulados a acreditarem que o corpo orgânico é transposto para outro universo que não seja propriamente o espaço físico. Como diria Friedberg (2006), as interfaces digitais estão se tornando multissensoriais e, por causa disto, estamos abandonando o modus operandi para termos relações cada vez mais naturais com as máquinas (comando de voz, gestual, etc.) (Figura 2). 8 Figura 2: interfaces naturais ao usuário (natutal to the user interfaces – NUIs) Com este trabalho lançamos uma discussão inicial, porém fundamental, sobre os paradigmas da interação humano-máquina em interfaces de RV. Para tal, trabalhamos o tema a partir de um ponto de vista sociotécnico – semiótico, social, tecnocultural e comunicacional, pois assumimos que as tecnologias digitais e as redes telemáticas se entranham na pele da cultura (KERCKHOVE, 1995) e, consequentemente, interferem diretamente nas relações humano-máquina e/ou humano-máquina-humano (CASTELLS, 1999; FRAGOZO et al. 2012). Utilizamos o princípio mcluhaniano de que as mídias são extensões do humano e, juntamente, de que é impossível analisar o cenário social sem incluir a técnica e a tecnologia intrínseca ao manuseio das plataforma de mídia (o meio) (BENJAMIN, 1983). Também, assumimos que a RV é difentes das outras mídias, justamente porque proporciona uma imersão multissensorial do usuário relacionada, principalmente, à visão, audição, tato, propriocepção e cinestesia (SLATER, 2001; ZUFFO et al. 2001; GRAU, 2003); numa experiência carregada de interpretações perceptivas conflituosas sobre espaço, tempo e corpo (CASTELLS, 1999) Além de discutir sobre fatores técnico-tecnológicos intrínsecos ao desnevolvimento do maquinário (plataforma), neste trabalho são debatidas possíveis transformações paradigmáticas no modo como o usuário compreende o espaço, o tempo e o corpo na RV (ACCIOLY, 2010) (Figura 3). 9 Figura 3: conflito perceptivo entre corpo e mente em ambientes de RV A partir deste ponto de vista, diversas questões de investigação são lançadas como, por exemplo: de que forma estas plataformas imersivas, vestíveis e interativas estendem o corpo e a mente? Como o usuário capta (processo sensorial) e interpreta (processo mental) os conteúdos no cenário sintético? E, ainda, como o usuário utiliza, interage e se apropria desta plataforma de mídia? Colocamos na mesa a hipótese de que – nunca foi tão evidente a premissa de McLuhan (1964) – os meios de comunicação são extensões do humano. Se através de aparatos tecnológicos o usuário é interligado 24 horas por dia ao universo hiper-mediático e acede a todo conhecimento humano disponível em via cibernéticas, Kerckhove (1995) sugere que a aparição de um fenô tecnocultural que incentiva a formatação de uma nova condição de ser humano. Estas psicotecnologia – como o autor chama tal fenômeno – passam a fazer parte do nosso corpo, numa simbiose-postiça (ainda não-invasiva) entre sujeito e dispositivos eletrônicos interativos (celular, tablet, oculos de realidade virtual, etc.). Na perspectiva de Enriquez (2009), a tecnologia vem moldando o homo-sapiens desde que este se tornou racional e, na verdade, estas ferramentas ajudam a acelerar a nossa própria evolução: o homo-evolutis. Em suma, mesmo que a humanidade ainda não tenha entrado no estágio do uso corriqueiro da RV como plataforma de mídia para o consumo de informação, troca de experiências e relacionamentos, existe um claro potencial semiótico destes dispositivos em se moldarem às morfologias humanas (vestir) para intermediar a relação do corpo orgânico com espaços completamente sintéticos, sejam eles povoados por outros 10 humanos na forma de avatares ou, simplesmente, por seres não-biológicos munidos de algum nível de inteligência artificial. Afinal, tudo o que se conhecia na dualidade entre verdadeiro e falso ou ereal e virtual parece ruir diante de um universo ambíguo e conflituoso para o nosso sistema perceptivo. Bem-vindo a era das mídias virtuosas. 11 Estratégias de Enunciação e Critérios de Noticiabilidade em Fanpages de Portais de Notícia na Amazônia Lorena Emanuele da Silva Santos Rodrigo Avelar Corrêa Thaís Christina Coelho Siqueira Netília Silva dos Anjos Seixas RESUMO EXPANDIDO Barbosa e Cerbasi (apud, Marchetti, 2013, p. 24), ao trabalharem as gerações, conceituam a geração Y como os nascidos entre 1979 e 2000, que passaram parte significativa de sua vida em contato com celulares e computadores e agora transformam a lógica de funcionamento das empresas. Isso se torna visível no jornalismo digital, no qual o poder de produção de uma notícia deixa de ser exclusiva de um media atrás de uma tela e passa a pertencer também aos leitores. Em grande parte dos portais online e na totalidade das fanpages existe o espaço de comentários como um recurso básico no qual os leitores anuem, refutam e produzem textos opinativos às vezes tão extensos quanto a própria notícia, que geram outros comentários e constroem outras situações a partir da notícia. Dessa forma, optamos pela realização de uma pesquisa exploratória de abordagem quantitativa e qualitativa, cujo propósito é justamente observar e discutir a divulgação de notícias em fanpages na rede social Facebook. Partimos de análise de conteúdo e análise de enunciação/discurso, com base nos conceitos de enunciado e enunciação, propostos por Verón (2004) e de critérios de noticiabilidade discutidos por Traquina (2008). Devido à grande escala, heterogeneidade e dinamismo da internet, Fragoso, Recuero e Amaral (2013) falam da dificuldade em realizar recortes no objeto das pesquisas, por isso, é necessário construir amostras que satisfaçam os objetivos do estudo. A opção por uma abordagem quantitativa e qualitativa se justifica, pois, segundo as autoras (2013), proporciona uma compreensão aprofundada das características do objeto em estudo e seus fenômenos. Nesse aspecto, discutimos as características do atual momento, onde a internet promove a convergência (JENKINS, 2009) das diversas mídias e os internautas têm um novo espaço de interação. O próprio jornalismo se transforma nesse ambiente, passando por diferentes etapas 12 até se constituir no que conhecemos hoje como a “quinta geração” do jornalismo na internet (BARBOSA, 2013, p. 42). Para este estudo, foram selecionadas três fanpages: “Diário Online” (DOL), do Grupo Rede Brasil Amazônia de Comunicação; o “Portal ORM News” e “O Liberal Jornal”, ambas pertencentes às Organizações Romulo Maiorana, todas de Belém-PA. A captura de dados foi realizada entre os dias 22 de setembro e 22 de outubro de 2015, totalizando 284 notícias coletadas. A fanpage do “Diário Online (DOL)” separa as informações em quatro categorias, de acordo com a descrição na aba “Sobre”: notícias, entretenimento, esportes e multimídia. Devido à superficialidade desse tipo de classificação, observamos o portal do “Diário Online” (DOL) para um maior esclarecimento sobre as editorias, quando encontramos novas categorias. As editorias das fanpages do Portal “ORM News” e “O Liberal Jornal” foram selecionadas a partir da classificação feita pelo portal “ORM News”, uma vez que as duas páginas pertencem a mesma empresa e a página de “O Liberal Jornal” é acessível somente para assinantes. De acordo com os números mostrados, na fanpage do “Diário Online” as editorias com mais notícias divulgadas são “Pará” (109), “Fama” (36) e “Futebol Pará” (30), sendo, inclusive, as notícias mais curtidas, comentadas e compartilhadas no período coletado. Segundo Traquina (2008), isso pode ser explicado a partir de critérios substantivos de noticiabilidade, alguns dos quais os jornalistas utilizam na seleção dos acontecimentos: proximidade e relevância (identificação com as notícias locais), notoriedade, notabilidade, inesperado, conflito, controvérsia e escândalo (tanto para o futebol local, muito popular na região, quanto para as notícias de entretenimento, as quais envolvem pessoas famosas).1 Na fanpage do portal “ORM News”, destacam-se no período pesquisado notícias das editorias “Pará” (5), “Tecnologia” (1) e “Círio 2015” (1), enquanto na fanpage de “O 1 Os demais critérios substantivos enumerados pelo autor (2008) são morte, tempo, e infração. Traquina (2008) apresenta também os critérios contextuais, que são: disponibilidade, equilíbrio, visualidade, concorrência e dia noticioso. 13 Liberal Jornal”, somente “Pará” (6) e a categoria “Vídeos” (11) tem notícias divulgadas. Tanto em uma página quanto na outra, há o predomínio do critério de proximidade nas notícias sobre o Estado do Pará. Nas demais categorias (“Tecnologia” e “Círio 2015”), percebe-se o uso de critérios como notoriedade, notabilidade e o inesperado. Já na categoria “Vídeos”, muito presente na fanpage de “O Liberal Jornal”, as temáticas são variadas, incluindo mais de um tipo de notícia. Identificamos que esta última não se trata necessariamente de uma editoria, mas sim de um recurso midiático. Com as novas mídias, a imprensa encontra um novo espaço de publicação de informações. Nesse sentido, as fanpages de portais noticiosos em Belém mostram-se como um objeto importante para a compreensão do jornalismo paraense no Facebook, já que é popular entre os internautas e tem grande repercussão no Estado do Pará. Isso pode ser percebido nos numerosos comentários dos internautas com respostas diretas e indiretas, nas quais sempre há reações positivas e negativas em relação às notícias divulgadas. No caso do DOL, o teor dos comentários tem relação com a falta de apuração e aos critérios de noticiabilidade adotados pelo portal, de maneira que muitas notícias são consideradas irrelevantes ou de confiabilidade duvidosa, principalmente com relação a dados. Quanto aos critérios de noticiabilidade, não há diferenças significativas entre as notícias produzidas para os impressos e aquelas feitas para os portais e fanpages. O que se mostra como diferencial são os modos de dizer a notícia nas fanpages, as quais, em geral, apresentam-se menos formais que o jornalismo impresso local. 14 Da Pokébola às Redes Digitais: os sentidos inaugurados por notícias em torno de Pokémon Go Melina da Silveira Leite Christian Gonzati RESUMO EXPANDIDO Partindo do pressuposto de que a midiatização afeta diretamente os campos problemáticos (QUÉRÉ, 2005) dos acontecimentos (AQUINO BITTENCOURT, 2014), desenvolvemos a análise das semioses (PEIRCE, 2002) que emergiram em torno de notícias falsas envolvendo Pokémon Go, um jogo grátis de realidade aumentada voltado para smartphones. Um menino teria morrido afogado ao tentar capturar um pokémon através da realidade aumentada do aplicativo, segundo portais de notícias como o G1 e O Dia. Propomos, aqui, refletir sobre a potência mobilizadora que emerge desse erro jornalístico (MORETZSOHN, 2002) ao se articular com um dos signos mais representativo e midiatizado da cultura pop (SOARES, 2015), a série Pokémon. Para isso, recorremos a um olhar cartográfico em redes digitais, que nos ajuda a compreender as constelações de sentidos que emergiram em torno do caso. Em um segundo momento, buscamos identificar as semioses em torno de duas notícias que trazem à superfície o erro como, nesse caso específico, potencializador de um campo problemático. Hjavard (2012 apud AQUINO BITTENCOURT, 2014) coloca que uma das principais características do conceito de midiatização é o maior número de oportunidades para interagir em espaços virtuais. Portanto, entendemos que as dinâmicas de conversação das redes digitais (RECUERO, 2014) desencadeiam processos de espalhamento (JENKINS, FORD, GREEN, 2013) que podem afetar, seja potencializando ou fazendo emergir, acontecimentos. As pessoas passam a interagir comentando, compartilhando, curtindo, produzindo memes e hashtags em torno de desdobramentos sociais e culturais do seu cotidiano. Algumas dessas performances virtuais, materializadas em redes, podem se espalhar pela internet com mais facilidade, não apenas pelas características técnicas desses espaços, mas por interesses e subjetividades intrínsecas a condições sociais específicas da humanidade. Nesse sentido, a cultura pop (SOARES, 2015) desempenha um protagonismo, pois está relacionada a grandes produções audiovisuais e literárias que, através de diversas ferramentas de marketing, tornam-se uma referência cotidiana para as pessoas. Não se exclui, no entanto, o protagonismo social de remixar (MANOVICH, 15 2014) os produtos para interesses que fogem à lógica de uma Indústria Cultural, sejam para objetivos políticos ou humorísticos. Como aponta Quéré (2005, p. 61), “o verdadeiro acontecimento afeta o ser humano, ele desencadeia reações e respostas que podem, ou não, serem apropriadas”. Algumas produções midiáticas, nesse sentido, adquirem uma importância social capaz de desencadear acontecimentos específicos. A série Pokémon, teve o seu primeiro anime, desenho com características específicas da cultura japonesa, exibido em 1997 e, em decorrência do sucesso comercial que obteve, tornou-se uma referência mundial. Na história, Ash quer ser um mestre Pokémon, mas para isso precisa treinar os melhores monstrinhos: Pikachu, Squirtle, Charmander e Bulbasaur estão entre eles. É inspirada nessa narrativa que foi desenvolvido, através de uma colaboração entre a Niantic, Inc., a Nintendo e a The Pokémon Company, para as plataformas iOS e Android, o jogo Pokémon Go. Agora, com determinados dispositivos móveis, qualquer pessoa pode alcançar o objetivo de Ash através da realidade aumentada. Assim, um menino de 9 anos teria, ao tentar capturar um Pokémon, morrido afogado. Diversos portais de notícias traziam a chamada com essa carga de sentido no título, incluindo esse acontecimento em uma trama de sentidos complexa que já vinha se desdobrando em sites de redes sociais. Como colocam Henn e Oliveira (2015), as transformações instauradas pelas redes digitais e as possibilidades socioculturais do ciberespaço, que podem ser entendidas segundo a midiatização, gera um processo semiótico complexo. O acontecimento, entendido como objeto, está vinculado a processos de semioses nos quais os públicos também aparecem como interpretantes e geradores de signos. O acontecimento não se limita mais a uma relação linear de objeto (acontecimento) - interpretante (jornalismo) signo (notícia). Não que antes essa relação fosse, de fato, linear, mas na contemporaneidade, através de diversas possibilidades, as pessoas podem performar e, ao mesmo tempo, visibilizar ou inaugurar acontecimentos, disputando sentidos a partir de conexões em plataformas diversas. Esses pressupostos, quando articulados ao lançamento de Pokémon Go, geraram, em rede, sentidos que se colocavam em polos opostos: as que viam o lançamento como uma possibilidade tecnológica divertida e incrível e as que viam no jogo um objeto de alienação, controle e falta de cultura. Emergiram teorias de que o jogo seria uma conspiração da CIA para obter dados de todas as pessoas cadastradas, de que ele seria um “imã para demônios”, matérias sobre mortes e assaltos causados por ele 16 e uma série de performances públicas em sites como o Facebook e o Twitter que, ou criticava ou potencializava o sentido desses relatos. Partindo de um olhar cartográfico, de contextualização, em torno dos sentidos inaugurados por Pokémon Go, passamos a acompanhar, paralelamente, a produção de sentidos em torno de duas matérias, uma do G1 e outra do O Dia. Ali, a polarização já citada foi percebida a partir de sentidos de crítica, oposição, neutralidade ou humorísticos. Por fim, a perícia e a declaração do amigo que estava com o menino desmentiram o fato de que eles estariam jogando Pokémon Go: o celular com o menino não continha o aplicativo. No entanto, a primeira declaração, segundo as matérias, do amigo à Brigada Militar, de que eles estariam capturando Pokémons, já foi o suficiente para a emergência de notícias com títulos como “Criança morre ao tentar capturar pokémons no litoral do RS, diz amigo2” ou “Menino morre afogado após tentar capturar ‘monstrinho’ do Pokémon Go3”. Uma morte por afogamento não é valiosa, em níveis de espalhabilidade, como uma morte por afogamento causada por Pokémon Go. As notícias, ao se inserirem em um processo complexo de disputas de sentidos, possibilitaram performances diversas das pessoas que debatiam, muitas sem saber, aspectos socioculturais da midiatização. O erro em torno da cobertura do trágico acontecimento levanta questionamentos sobre o jornalismo contemporâneo, em que o clique, o curtir, o compartilhar, o comentar aparecem como métricas preciosas para as empresas jornalísticas. Os sentidos, analisados a partir das matérias e do olhar cartográfico, apontam, também, para as competências tecnológicas que as pessoas desenvolvem ao se expressarem em redes digitais, podendo, inclusive, afetar a leitura acontecimental dos atores e atrizes que se envolvem nesses processos específicos. Referências AQUINO BITTENCOURT, Maria Clara. Ciberacontecimento e midiatização na renúncia do rei da Espanha. Lumina. Vol.14, nº2, dezembro 2014. 2 Disponível em http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/08/crianca-morre-ao-tentarcapturar-pokemons-no-rio-tramandai-no-rs.html Acesso em 13/08/2016. 3 Disponível em http://odia.ig.com.br/brasil/2016-08-09/menino-morre-afogado-apos-tentar-capturarmonstrinho-do-pokemon-go.html Acesso em 13/08/2016. 17 HENN, Ronaldo; OLIVEIRA, Felipe de. Jornalismo e movimentos em rede: a emergência de uma crise sistêmica. Famecos. Porto Alegre, v. 22, n. 3, julho, agosto e setembro de 2015. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.15448/19803729.2015.3.20560>. Acesso em: 20/09/2016. JENKINS, H.; FORD, S.; GREEN, J. Spreadable media: creating value and meaning in a networked culture. New York University, 2013. MANOVICH, Lev. El software em acción. IN: El software toma el mando. 2014. Disponível em: <https://www.academia.edu/7425153/2014__El_software_toma_el_mando_traducci%C 3%B3n_a_Lev_Manovich>. Acesso em: 16/08/2016. MORETZSOHN, Sylvia. Jornalismo em Tempo Real: O Fetiche da Velocidade. Rio de Janeiro: Renavan, 2002. PEIRCE, Charles Sanders. The Collected Papers of Charles Sanders Peirce. Past Masters, CD-ROM. EUA, InteLex Corporation, 2002. QUÉRÉ, Louis. Entre facto e sentido: a dualidade do acontecimento. Trajectos – Revista de Comunicação, Cultura e Educação. Lisboa, nº 6, 2005, p. 59-76. RECUERO, Raquel. A conversação em rede. Comunicação mediada pelo computador e redes sociais na internet. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2014. SOARES, Thiago. Percursos para estudos sobre música pop. In: SÁ, Simone Pereira de; CARREIRO, Rodrigo; FERRAZ (orgs). Cultura Pop. Salvador : EDUFBA ; Brasilia : Compós, 2015. 18 Uma Amazônia cristalizada sob uma narrativa midiática Rebecca Dos Santos Lima Universidade Federal do Pará Palavras-chave: Intersubjetividade. Hater. Amazônia. Mídia. RESUMO EXPANDIDO Este trabalho pretende analisar processos comunicacionais em ambientes virtuais que envolvem a atuação de agentes engajados na reprodução hostil de discursos estigmatizados acerca da população da Amazônia; caracterizada, por eles, como “índios”. Para a contribuição desta análise, abordaremos a influência que tem a narrativa midiática na produção dessas formas de falar e ver a Amazônia, onde a mídia massiva atua intensificando a construção de um tecido intersubjetivo, produzindo significados que alimentam o imaginário e cristalizam identidades. A partir, então, de uma reflexão fenomenológica, buscaremos refletir sobre alguns dos efeitos dessas (rel)ações online, que se mostram como atos significativos de expressão e compartilhamento de sentidos e significados; que explicitam e reforçam a percepção de uma visão hegemônica sobre a Amazônia.. A aceleração na criação e difusão das tecnologias de comunicação e informação cria constantemente novos mecanismos de produção, circulação, transmissão e consumo de informação. A exemplo, as plataformas de redes sociais virtuais. Essas ferramentas representam também mudanças nas formas de organização social, política, representação, conversação e mobilização social. Os meios já não podem ser mais entendidos como transportadores de sentidos, nem como espaços de interação entre produtores e receptores, mas como marca, modelo, racionalidade produtora e organizadora de sentido (MATA, 1999). Nesse contexto, a cibercultura trouxe novos espaços de conhecimento, emergentes, abertos, contínuos, em fluxo, não lineares, se reorganizando de acordo com os objetivos ou os contextos nos quais cada um ocupa uma posição singular (Lévy, 1999, p.158). Esses novos espaços de conhecimento, comportam, inevitavelmente, o estoque de conhecimento (Schutz, 2012) que nos é inerente socialmente, pois é indissociável de nós enquanto sujeitos sociais. Ele é “construído nas e pelas atividades vivenciadas por nossas consciências” (Schutz, 2012, p. 86). 19 Essas possibilidades impactam e influenciam o processo de produção de conteúdos e as relações sociais; novos comportamentos emergem nos ambientes online, assim como novos atores, que ganham voz e visibilidade nesses espaços; como os haters. O termo hater é utilizado para categorizar o sujeito que fala mal dos outros através dos espaços de interação e conversação na internet. Eles se dedicam a inferiorizar os indivíduos que não se enquadram às suas expectativas sociais. Essa manifestação de ódio em rede se caracteriza em humilhações e discriminações em forma de texto, imagem ou vídeos. Para este trabalho, defende-se a ideia de que os conceitos pré concebidos expressos através dos discursos agressivos propagados pelos haters têm fundamentação no discurso veiculado pela mídia massiva, acerca do imaginário amazônico, quando a mídia de massa mostra o povo amazônico como “grupos congelados no tempo-espaço” (DUTRA, 2009, p. 12). Os programas que têm a Amazônia como objeto de reportagens, revelam a visão que o pensamento hegemônico brasileiro mantém da região: permanente redescoberta, espanto, distanciamento, encanto e estranhamento (DUTRA, p. 23-24). Para Pedro Gilberto Gomes (2006), os meios massivos acabam, pautando a conversação social com seu amplo poder de falar às massas, invadindo o espaço privado dos indivíduos, expandindo sua visão e sua opinião sobre os fatos. No conceito de midiatização proposto pelo autor, os meios funcionam na construção do imaginário social, produzindo reflexões e posicionamentos acerca dos acontecimentos. Para exemplificar isso e ilustrar o ponto de partida para as reflexões iniciais deste resumo quanto aos processos comunicacionais atravessados pela midiatização, inserimos uma imagem de caso concreto ocorrido em uma fanpage no Facebook, após um jogo de futebol entre os times do Paysandu e Fluminense, no estádio do Maracanã, em 21/08/2015: 20 (imagem 1) (imagem 2) Percebe-se na imagem 1 a absorção que a hater faz da narrativa midiática: um lugar social e culturalmente não incorporado ao todo nacional, abordando a população da Amazônia como algo exótico, pessoas invisíveis e ineptas para dar racionalidade econômica aos recursos naturais. Isso contribui para a absorção, fixação e reprodução dessas noções estereotipadas que dão substância à fabricação de diversificados modos de falar sobre a Amazônia. A hater aceita e reproduz os padrões culturais que lhe são transmitidos inteiramente prontos, como um guia não questionável para todas as situações que normalmente ocorrem na vida social. O conhecimento vinculado a um padrão ancestral carrega em si mesmo sua evidência – ou melhor, é tido como certo na ausência de uma evidência em contrário (Schutz, 2012, p.93). A partir daí se intensificam e se replicam os estigmas sociais, sendo, então, produtos genuínos da intersubjetividade. Portanto, a intersubjetividade requer uma interação e em toda situação de interação se produz um contato intersubjetivo (Garcia, 2009). Para Schutz, qualquer forma de interação tem sua origem nas construções da compreensão do outro, de modo que qualquer interação entre sujeitos pressupõe uma série de construções de sentido comum. A partir do esquema da semiose da midiatização, proposta por Verón (1997), onde a mídia ocupa espaço central nas relações entre os campos sociais e os indivíduos; é ela quem promove conexões e, por meio de suas operações, acaba afetando a maneira como os campos e seus sujeitos relacionam-se. Essa Amazônia cristalizada, inalterada desde a colonização, é a imagem que tem quem a desconhece. Quando o Manuel Dutra (2009) disse que “na atualidade, o 21 imaginário alimenta o discurso da mídia”, talvez possa-se dizer que, da mesma forma, a mídia alimenta o discurso do imaginário. E atores nos espaços virtuais o reproduzem. A mediação online desse discurso influencia o comportamento dos sujeitos ligados a essas redes de interações, reforçam e reproduzem comportamentos vivenciados na sociedade, explicitando e ampliando a percepção de determinados grupos sociais sobre a Amazônia e sua população, consolidando o comportamento etnocêntrico e a visão hegemônica sobre a Amazônia, como analisou Dutra (2009) quantos aos discursos de programas de televisão sobre a região. A partir dessa breve e incipiente reflexão, defendemos a afirmação de que a comunicação, desde o enfoque sociofenomenológico, é intersubjetividade, é relação de sujeitos que se assumem similares a seus interlocutores, é ato significativo de expressão de sentidos sobre o mundo da vida cotidiana, é fluxo de consciência entre semelhantes, é ação de compartilhar sentidos e é cenário comum de significados, segundo Marta García (2009). De acordo com a autora, se compreendermos o sujeito como um ator social em permanente interação com os outros, não se pode ignorar a importância da comunicação midiática na construção de sentidos e significados. Portanto, produzimos informação, conhecimento e significado não somente pelo que experimentamos diretamente por meio da experiência empírica cotidiana, mas também através das mensagens que os meios midiáticos constroem e difundem. Segundo Garcia (2009), a criação do consenso em torno dos significados da realidade social é resultado das interações que participam os sujeitos, de modo que o mundo da cotidianidade só é possível se existe um universo simbólico de sentidos compartilhados, construídos socialmente e que permitem a interação entre subjetividades diferentes. Os sujeitos interagem, estabelecem relações intersubjetivas, que requerem um acervo de conhecimento, de um repertorio de conhecimento disponível, que provém não somente das interações cotidianas com outros, mas também da exposição dos atores às mensagens propagadas pelos meios de comunicação massiva. 22 MIDIATIZAÇÕES SOCIOTÉCNICAS: farejar o social das mídias digitais e seguir os rastros das humanidades Tiago Barcelos Pereira Salgado Programa de Pós-Graduação em Comunicação Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Palavras-chave: humanidades digitais; midiatização sociotécnica; mídias digitais; rastros digitais; Teoria Ator-Rede. RESUMO EXPANDIDO Partindo da premissa de que quando o social se torna midiatizado, as humanidades se tornam digitais, esta proposta questiona: Como e de quais maneiras os não humanos (máquinas e objetos técnicos) integram os processos de midiatização? Nosso intuito é integrar as mediações sociotécnicas aos estudos em midiatização, entendendo que as mídias não são meros instrumentos de operação infocomunicacional (intermediação), mas ambientes midiáticos que produzem, transformam e reconfiguram sentidos de conteúdos que neles circulam por meio de associações entre entidades de diferentes tipos. De acordo com esta perspectiva, entendemos que apreender a midiatização, processo não completo e não hegemônico em vias de implementação em sociedades urbanizadas e industrializadas (VERÓN, 2001), que não alcança todas as esferas (política, religião, educação etc.) e classes da mesma maneira, como defenderemos neste trabalho, implica mais do que apenas em considerar a centralidade das mídias nos processos interacionais – meios de referência e privilegiados – e de mediações culturais (BRAGA, 2006; HEPP, 2013; HJARVARD, 2012). Reivindicamos que pesquisas sobre processos de midiatização precisam necessariamente levar em conta a digitalização dos meios de comunicação e informação e das humanidades, de maneira que possamos considerar outras mediações, como a dos não humanos (máquinas e objetos técnicos), uma vez que passamos de uma “comunicação de massa” e “mídias de massa” para uma “comunicação digital e algorítimica”, operada pela intermedialidade, transmedialidade e compartilhamento de conteúdos em fluxo, como procuraremos argumentar neste trabalho. Assim, compreendemos que os processos de midiatização são múltiplos e compostos em temporalidades distintas para grupos diferentes de pessoas (HEPP, 2014). Em função da digitalização, os meios assumem a via privilegiada de mediações de múltiplas ordens (culturais, sociais, hierárquicas, institucionais etc.). Neste sentido, 23 adentramos à lógica da mídia (HJARVARD, 2015), cada vez mais dependentes das mídias e de seu modus operandi. Entretanto, apesar de os autores até aqui mencionados ressaltarem tais aspectos que apontamos, eles relegam os meios técnicos a um segundo plano ou contexto no qual a midiatização se daria e seria tornada possível e intensificada. É preciso considerar as mediações sociotécnicas ao discutirmos midiatização, ou seja, as ações de objetos técnicos, máquinas e ambiências midiáticas, as massas por muito tempo ausentes da sociologia e da comunicação (LATOUR, 1992, 1994; CALLON, 2008). Está é a nossa proposta: considerar os objetos e as mídias não como meros intermediários à serviço do humano, mas como mediadores dos processos de midiatização, que transformam, modificam e alteram sentidos ao deslocarem e hospedarem conteúdos que neles circulam (LATOUR, 2005). Os meios são mais que suportes; são ambiências de mediação que integram processos de midiatização em associação com os humanos. Nesta dinâmica, em que as mídias assumem a centralidade dos processos interacionais ente humanos entre eles, humanos e não humanos (máquinas, objetos técnicos) e não humanos entre eles (Internet das Coisas, Inteligência Artificial, entre outros processos), as mídias digitais e online ganham relevância. Os dados que nelas circulam a respeito do social – não composto apenas de matéria ou elementos humanos, mas ainda por não humanos (LAW, 1992; LATOUR, 2005) –, passam a ser produzidos digitalmente, como argumenta Richard Rogers (2013, 2015). Esses dados não são mais unicamente digitalizados, migrando para o digital, mas são eles mesmos nativos digitais, ou seja, produzidos nos próprios meios digitais. Em função disso, é importante seguir os meios que se pesquisa e atentar para suas especificidades, aquilo que eles ofertam às ações de usuários/as e algoritmos, suas affordances. Como defende Rogers (2013), é preciso se pesquisar não apenas os meios ou neles, mas com eles. Pesquisar com os meios, portanto, considerando-os como mediadores, implica investigar os rastros digitais que neles são deixados, seja por humanos, conteúdos, algoritmos ou affordances das ambiências midiáticas. Logo, entendemos que esses rastros digitais são deixados pelas variadas ações performadas por múltiplos actantes – termo que se refere ao papel de uma entidade humana ou não em uma narrativa pela semiótica de Algirdas Greimas e retomado pela Teoria Ator-Rede. Ao se apreender tais rastros, é possível se retraçar o social e perceber a composição performática da realidade (LATOUR, 2000, 2005; LAW, 2011; BRUNO, 2012). Neste sentido, a dinâmica de produzir e deixar rastros pode ser entendida como comunicação (BRUNO, 2012). 24 Conforme estas visadas teóricas que por nós serão adotadas, nem o social, nem a sociedade, nem a realidade estão dados a priori, mas são produzidos pelas ações de variadas entidades em associações temporárias e imprevisíveis que operam múltiplas mediações de ordem sociotécnica, ou seja, que conjugam humanos e máquinas. Com relação a essas ações, cabe pontarmos que, em ambiências midiáticas digitais (BARICHELLO; CARVALHO, 2013), ou seja, ambientes compostos por meios de comunicação e informação digitais, que operam pela lógica da digitalização e conexão intermídia em associação à lógica massiva (autores removidos para avaliação cega), as affordances (GIBSON, 1982, 2015) de cada meio operam no direcionamento das ações dos/as usuários/as. Semelhantemente, estas ações também incidem nas maneiras como as plataformas midiáticas agem, indicando, sugerindo e recomendando o que os/as usuários/as devem visualizar primeiro e o que ou quem devem visualizar. As affordances midiáticas (BUCHER; HELMOND, 2016), dessa maneira, qualificam os ambientes midiáticos, que se encontram em constante modificação e atualização em razão das distintas performances que decorrem para sua configuração. É válido pontuarmos, ainda, que o grande volume de dados variados produzidos digitalmente a uma velocidade exorbitante e estocados em bancos de dados, o intitulado Big Data, marca a virada computacional e a digitalização das humanidades (MANOVICH, 2015a, 2015b; MAYER-SCHÖNBERGER; CUKIER, 2013). As humanidades digitais ou humanidades computacionais podem ser entendidas enquanto um campo de estudos, pesquisas, investigações, teorias, métodos e análises de bases de dados textuais na interseção da computação com as humanidades e apresentação de resultados em forma digital. O interesse está nos modos de afetação das mídias nas disciplinas humanas e sociais e como estas disciplinas contribuem para o conhecimento em computação (KIRSCHENBAUM, 2012). Dessa maneira, visamos problematizar que a nova disponibilidade de dados digitais implica na inclusão das mediações sociotécnicas, operadas na conjunção de humanos e ambiências midiáticas e na revisão do o campo comunicacional tem entendido por “social”. Segundo, então, as orientações e pressupostos da Teoria Ator-Rede (LATOUR, 2005, 2012), é preciso seguir indivíduos e suas conexões a partir do conjunto de dados digitais que produzem, sem fracionar as análises em componentes individuais ou estruturas agregadas. Trata-se, portanto, de se considerar as “redes ator-rede”, em que o macro não pode ser reduzido ao micro e nem o micro ser pensado em desconexão ao macro (LATOUR, 2012; VENTURINI; MUNK; JACOMY, no prelo). 25 REFERÊNCIAS BARICHELLO, Eugenia M. R.; CARVALHO, Luciana M. Mídias sociais digitais a partir da ideia mcluhiana de médium-ambiência. Matrizes, São Paulo, v. 7, n. 1 p. 235246, jan./jun. 2013. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/matrizes/article/viewFile/56656/59683>. Acesso em: 20 out. 2013. BRAGA, José Luiz. Sobre “mediatização” como processo interacional de referência. In: ENCONTRO ANUAL DA COMPÓS, 15, 2006, Bauru-SP. Anais... São Paulo: Associação Nacional dos programas de Pós-graduação em Comunicação, 2006. Disponível em: <http://www.compos.org.br/data/biblioteca_446.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2011. BRUNO, Fernanda. Rastros digitais sob a perspectiva da teoria ator-rede. Famecos, Porto Alegre, v. 19, n. 3, p. 681-704, set./dez. 2012. 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A partir dessa mídia será realizada uma análise de conteúdo de postagens durante cinco dias, relacionadas à cidadania. Com este estudo empírico, espera-se revelar o perfil de midiatização que é feita sobre os interesses dos cidadãos. Há uma postura de incentivo ao exercício da cidadania? A comunicação é apenas informativa sobre os direitos dos cidadãos? A linguagem que propõe interatividade, característica da mídia digital estudada, é utilizada? Há apenas replicações exatas dos conteúdos já divulgados nas outras mídias da empresa? O aprofundamento dessas e outras indagações feitas a partir do problema proposto caracterizam a análise que será apresentada, a partir de conceitos sobre cidadania no Brasil, midiatização, comunicação pública e ciberespaço mostrados a seguir. 2. Fundamentação Teórica As possibilidades interativas que diferenciam as mídias digitais das mídias tradicionais permitem a midiatização de assuntos que não são pautados pelos conglomerados empresariais de comunicação. Em se tratando da coletividade, a cidadania é um assunto de interesse público que deve ser tratado pela comunicação pública como a base de suas interações com a sociedade. Considera-se este cenário dentro da definição de midiatização apresentado por Ferreira (2008) a partir das relações e intersecções entre dispositivos, neste caso as mídias digitais; os processos de comunicação, aqui tomando a frente a comunicação pública, e os processos sociais que permeiam a cidadania. 29 Em termos mais concretos, as relações desenhadas informam que os dispositivos são configurados conforme determinados processos sociais (analisados pela sociologia, antropologia, psicologia social, ciência política, economia, etc), mas também são por eles configurados; que os dispositivos afetam o processo de comunicação, assim como delineados por esses; e que os processos de comunicação e a produção social estão em relação, inclusive no que refere às práticas sociais estruturadas e às distribuições das condições de existências individuais e institucionais. As intersecções se referem aos processos em que um determinado pólo atua sobre as relações dos outros dois. Assim, os processos de comunicação intercedem sobre as relações entre os processos sociais e a comunicação; etc. Cada um desses processos intercede nos outros (assim, as relações entre processos sociais e processos de comunicação são, cada vez mais, interseccionadas pelos processos acionados sobre os dispositivos midiáticos, etc). (FERREIRA, 2008, p. 2-3). Diante deste conceito vê-se a amplitude e a responsabilidade da comunicação pública trabalhar pela midiatização da cidadania por meio das mídias digitais para garantir seus objetivos. Como comunicação pública entende-se o processo de informação, discussão e incentivo do interesse público com o objetivo buscar benefícios para todos em uma sociedade. Elizabeth Pazito Brandão (DUARTE, 2009) fala que a comunicação pública é um processo comunicativo que se instaura entre o Estado, o governo e a sociedade com o objetivo de informar para a construção da cidadania. Por isso, vemos que o objetivo da comunicação pública de informar o indivíduo está diretamente relacionado às engrenagens da democracia, pois é a ponte do relacionamento de cidadãos e governo. Por outro lado, há a realidade da formação do cidadão brasileiro que ao logo da história do País foi acostumado a uma passividade recebedora de direitos conforme os interesses dos governos vigentes, ao contrário de outros países em que houve uma educação para reivindicações e exercício da cidadania, conforme os estudos de Carvalho (2002). Ou seja, para se construir uma cidadania democrática é necessária uma comunicação pública efetiva mais profunda que o processo de passagem da mensagem de um emissor para um receptor. Jorge Duarte (2009) explica que a comunicação pública ocorre no espaço formado pelos fluxos de informação e de interação entre agentes públicos e atores sociais em temas de interesse público o ocupa-se da viabilização do direito social coletivo e individual ao diálogo, à informação e expressão. Assim, fazer comunicação pública é assumir a perspectiva cidadã na comunicação envolvendo temas de interesse coletivo. 30 Vemos a partir desses conceitos que as interações entre Estado, sociedade e cidadãos como forma de construção da cidadania e manutenção da democracia conforme os interesses gerais formam o vínculo social que é o objeto comunicacional teorizado por Sodré: (...) faz-se claro o núcleo teórico da comunicação: a vinculação entre o eu e o outro, logo, a apreensão do ser-em-comum (individual ou coletivo), seja sob a forma do empenho ético de reequilibração das tensões comunitárias. Não se trata, portanto, de vinculação como mero compartilhamento de um fundo comum, resultante de uma metáfora que concebe a comunicação como um receptáculo de coisas a serem “divididas” entre os membros do grupo social. Vinculação é a radicalidade da diferenciação e aproximação entre os seres humanos (SODRÉ, 2013, p. 223). Além disso, consideramos ainda, a partir dos conceitos citados acima que a comunicação pública também tem a característica do esforço comunicacional para uma interação simbólica utilizando transações da linguagem e dispositivos comunicacionais que geram impacto para a “produção de sentidos compartilháveis na sociedade”, conforme Braga (2006). Interpretamos também que os assuntos que fazem parte da comunicação pública podem encontrar nos dispositivos sociais, ambientes para a execução de debates, discussões e busca do interesse público, já que segundo o autor, os dispositivos são formas socialmente geradas e tornadas culturalmente disponíveis como matrizes para realizações de fala específicas. Acreditamos que a comunicação pública sendo um espaço de interações sobre o interesse público é a forma ideal para se pensar sobre cidadania. Mas como fazer essa comunicação de forma plena? Segundo Habermas (2012), a racionalidade presente na prática comunicativa estende-se por uma forma mais ampla. Ela indica formas diversas de argumentação, bem como diversas possibilidades de dar prosseguimento ao agir comunicativo por meio de recursos reflexivos. Assim, entendemos que se houver uma formação de cidadãos capazes de argumentar e discutir de forma racional sobre cidadania e utilizando as interações da comunicação pública pode-se haver um agir comunicativo em prol de uma comunidade cidadã e democrática. Nesta dinâmica de articulação de ideias e interações, concordamos com a proposta de Pierre Lévy (2000) que conceitua a democracia eletrônica como um encorajamento, graças às possibilidades de comunicação interativa e coletiva do ciberespaço, a expressão e a elaboração dos problemas da cidade pelos próprios cidadãos, a auto-organização das comunidades locais, a participação nas deliberações por parte dos grupos diretamente afetados pelas decisões, a transparência das políticas públicas e sua 31 avaliação pelos cidadãos. O autor também afirma que o filtro por onde passam as informações e uma possível participação popular nas grandes e tradicionais mídias não existe na rede, o que não só liberta o cidadão, mas também conteúdos de todos os tipos. Isso reforça o papel orientador da comunicação pública que direciona seus assuntos em prol do cidadão. A partir deste aporte teórico, vamos analisar o posicionamento da midiatização da cidadania pela comunicação pública em uma rede social digital. 3. Metodologia Por meio do método da análise de conteúdo, foram analisadas as publicações da página da EBC na rede social digital Facebook, durante cinco dias, sobre assuntos relacionados à cidadania. As postagens foram categorizadas conforme os seguintes elementos: educação; saúde; trabalho; programas sociais; ciência e tecnologia; política, economia e consumo; cultura, esporte e lazer. Essas categorias ainda foram divididas em duas subcategorias: ações relacionadas a iniciativas do governo e informações que promovam e incentivem o conhecimento de direitos e a autonomia dos cidadãos. 5. Considerações Finais Percebemos que há uma forte tendência da comunicação pública na rede digital estudada para midiatizar ações políticas, nacionais e internacionais, e governamentais, por ser um ano eleitoral. Essa midiatização aborda direitos e deveres dos cidadãos, mas ela não levanta questões para discussões e interações com o internauta. São poucas as publicações que mostram formas de participação ativa do cidadão. Assim consideramos que a cidadania ainda é midiatizada em um viés passivo sem a priorização da criticidade e da formação cidadã. 6. Referências Bibliográficas BRAGA, J. L. A Sociedade Enfrenta sua Mídia. Dispositivos sociais de crítica midiática. São Paulo: Paulus, 2006. CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. DUARTE, Jorge. (Org.). Comunicação Pública: estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo: Atlas, 2009. 32 FERREIRA, J. Midiatização: dispositivos, processos sociais e de comunicação. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação. Brasília, v.10, p.1-15, 2007. HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo. São Paulo: Ed. WMF Martins Fontes, 2012. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 2000. SODRÉ, M. Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. 33