Dissertação - André Bucaresky

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
FACULDADE DE ECONOMIA
André Bucaresky
A dependência e o balanço de pagamentos no Brasil: um estudo sobre a ação do
capital estrangeiro na extração do excedente econômico e na reprodução da
dependência
Niterói
2005
ANDRÉ BUCARESKY
A dependência e o balanço de pagamentos no Brasil
Um estudo sobre a ação do capital estrangeiro na extração do excedente
econômico e na reprodução da dependência
Dissertação apresentada à Pós-Graduação em
Economia da Universidade Federal Fluminense
como requisito parcial para a obtenção do Grau de
Mestre em Economia.
Orientador: Prof. Theotônio dos Santos
Niterói
2005
ANDRÉ BUCARESKY
A dependência e o balanço de pagamentos no Brasil: um estudo sobre a ação do
capital estrangeiro na extração do excedente econômico e na reprodução da
dependência
Dissertação apresentada à Pós-Graduação
em Economia da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial para a
obtenção do Grau de Mestre em Economia.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Prof. Dr.Theotônio dos Santos - Orientador
Universidade Federal Fluminense
_______________________________________________________
Profª. Drª.Carmem Aparecida Feijó
Universidade Federal Fluminense
_______________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Carlos Delorme Prado
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Niterói
2005
A meus pais e à Flávia
RESUMO
Neste trabalho procura-se fazer uma discussão sobre a dependência, partindo do
referencial conceitual de uma das vertentes da Teoria da Dependência, que ficou
conhecida como a Teoria Marxista da Dependência. Pretende-se aqui contribuir na
verificação da pertinência ou não desse enfoque teórico e metodológico para analisar a
realidade brasileira, no debate com as teorias econômicas tradicionais. Um dos temas
mais discutidos pela Teoria da Dependência é a questão da extração do excedente
econômico gerado nos países atrasados pela ação do capital estrangeiro, o que está
fortemente vinculado a como as estruturas sócio-econômicas internas se articulam com
o capital externo. É nesse aspecto da discussão que está centrada a dissertação.
Busca-se a comprovação empírica, no caso brasileiro, das afirmações da Teoria da
Dependência a respeito do papel que cumpre o capital estrangeiro na extração do
excedente, entendido aqui como valor excedente, como mais-valia, produzido
internamente, e na reprodução da dependência. Mais precisamente, são estudadas
como se deram as relações de dependência e de extração do excedente no caso
brasileiro desde o pós-guerra aos dias de hoje. Para isso, é feita uma análise crítica a
respeito da evolução do Balanço de Pagamentos brasileiro neste período, contrapondoa com a visão tradicional sobre o mesmo, expressa na teoria econômica ortodoxa e nas
teorias da modernização.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1947-1954........................ 115
Tabela 2. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1955-1961........................ 120
Tabela 3. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1962-1967........................ 127
Tabela 4. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1968-1973........................ 131
Tabela 5. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1974-1980........................ 137
Tabela 6. Comparação do Balanço de Pagamentos entre os períodos 1962-67, 196873 e 1974-80................................................................................................................... 141
Tabela 7. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1981-1989........................ 146
Tabela 8. Dívida externa total do Brasil, por prazo......................................................... 150
Tabela 9. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1990-2000........................ 158
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1. Remessas líquidas de rendas como percentual das exportações (19472002)............................................................................................................................... 108
Gráfico 2. Fluxos de Exportações, Rendas e Capitais nos anos 80............................... 109
Gráfico 3. Transações Correntes nos anos 90............................................................... 159
Gráfico 4. Conta Serviços nos anos 90 (itens selecionados)......................................... 161
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Estrutura do Balanço de Pagamentos brasileiro...................................................
86
SUMÁRIO
Apresentação................................................................................................................
07
Capítulo 1. A dependência...........................................................................................
1.1. Debate metodológico e conceitual..........................................................................
1.2. A questão da exportação de excedente econômico...............................................
10
10
16
Capítulo 2. As transações internacionais e a dependência.....................................
2.1. As visões clássica e neoclássica do comércio e do investimento internacionais ...
2.2. Críticas à visão neoclássica....................................................................................
2.3. As transações internacionais e o balanço de pagamentos.....................................
2.4. As transações internacionais e a dependência.......................................................
23
23
34
54
62
Capítulo 3. O balanço de pagamentos........................................................................
3.1. Contexto histórico do surgimento e desenvolvimento do balanço de pagamentos
3.2. Evolução e concepção do Manual do Balanço de Pagamentos.............................
3.3. Mudanças operadas na 5ª Edição do Manual do Balanço de Pagamentos ...........
3.4. A organização do balanço de pagamentos brasileiro..............................................
69
69
76
80
86
Capítulo 4. A inserção brasileira no sistema mundial..............................................
4.1. Histórico...................................................................................................................
4.2. Fases do desenvolvimento capitalista dependente brasileiro ................................
90
90
96
Capítulo 5. Análise histórico-empírica: a dependência e o balanço de
pagamentos brasileiro (1947-2000).............................................................................
5.1. Visão geral...............................................................................................................
5.2. Fase 3 – Industrialização com forte presença do capital estrangeiro......................
5.2.1. 1947 a 1954..........................................................................................................
5.2.2. 1955 a 1961..........................................................................................................
5.2.3. 1962 a 1967..........................................................................................................
5.2.4. 1968 a 1973..........................................................................................................
5.2.5. 1974 a 1980..........................................................................................................
5.3. Fase 4 – A crise do padrão anterior e a reestruturação neoliberal..........................
5.3.1. Anos 80.................................................................................................................
5.3.2. Anos 90.................................................................................................................
5.4. Considerações finais...............................................................................................
104
105
112
112
118
123
129
135
144
144
151
162
Conclusões.................................................................................................................... 168
Referências bibliográficas........................................................................................... 173
7
Apresentação
A partir dos anos 80, o pensamento econômico brasileiro foi pautado
principalmente por discussões sobre questões focadas no curto prazo, a respeito da
inflação, taxas de câmbio, taxa de risco, entre outros temas. Os inúmeros debates em
torno de questões de longo prazo, estratégicas ou estruturais, que predominaram entre
os anos 50 e o início dos anos 80, ficaram relegados para segundo plano ou foram
mesmo considerados ultrapassados. Com a implantação em diversos países do que
ficou conhecido como os planos neoliberais, que trouxeram as políticas de abertura da
economia, desregulamentação dos mercados, privatizações e os chamados “ajustes
estruturais”, discussões de temas como o da dependência passaram a ser tratados por
muitos como obsoletos. Foi com o advento das várias crises desses planos que se
expressaram primeiro no México em meados da década de 90, atingindo
posteriormente vários países como a Rússia, a Turquia, o Brasil, a Argentina, entre
outros, que o debate sobre a dependência começou, lentamente, a ganhar espaço
novamente.
Este trabalho se propõe a fazer uma discussão sobre a dependência, partindo do
referencial conceitual de uma das vertentes da Teoria da Dependência, que ficou
conhecida como a Teoria Marxista da Dependência, cujos principais autores no Brasil
são Theotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini e Vânia Bambirra. A Teoria da
Dependência marcou o pensamento econômico, político e social da América Latina,
principalmente nos anos 60, 70 e início dos 80 e não é possível analisar o pensamento
latino-americano sem considerar as suas contribuições teóricas. Pretende-se aqui
contribuir na verificação da pertinência ou não desse enfoque teórico e metodológico
para analisar a realidade brasileira, no debate com as teorias econômicas tradicionais.
Um dos temas mais discutidos pela Teoria da Dependência é a questão da
extração do excedente econômico gerado nos países atrasados pela ação do capital
estrangeiro, o que está fortemente vinculado a como as estruturas sócio-econômicas
internas se articulam com o capital externo. É nesse aspecto da discussão que será
centrada a dissertação. Procurar-se-á buscar a comprovação empírica, no caso
brasileiro, das afirmações da Teoria da Dependência a respeito do papel que cumpre o
capital estrangeiro na extração do excedente, entendido aqui como valor excedente,
como mais-valia, produzido internamente e na reprodução da dependência.
8
O principal instrumento disponível para medir as relações econômicas
internacionais é o Balanço de Pagamentos. De acordo com a conceituação do Manual
elaborado pelo FMI, o Balanço de Pagamentos é um relatório estatístico que resume,
sistematicamente, para um período de tempo específico, as transações econômicas de
um país com o “resto do mundo”. A partir de suas várias contas, é possível aferir os
fluxos de recursos, as entradas de capital, o investimento direto e em carteira, os
empréstimos internacionais, os pagamentos de juros, as remessas de lucros, a relação
do capital estrangeiro com as balanças comercial e de serviços, entre outros. O Balanço
de Pagamentos, ao apresentar as transações internacionais como sendo realizadas
entre os países, ao invés de entre agentes econômicos como empresas, trabalhadores,
governos, etc., tende a ocultar as verdadeiras relações econômicas. Estes limites ficam
cada vez mais evidentes na medida em que aumenta o grau de internacionalização das
grandes empresas, ao ponto que muitas transações que aparecem no Balanço de
Pagamentos como ocorrendo entre países, na verdade são realizadas entre filiais da
mesma empresa. Apesar dessas limitações, as informações coletadas dos registros do
Balanço de Pagamentos, se estudadas através de uma leitura sistêmica, podem nos
ajudar a compreender, em uma série de aspectos e até certo ponto, o grau e as
características da ação do capital estrangeiro na economia doméstica.
Definindo mais precisamente, serão estudadas como se deram as relações de
dependência e de extração do excedente no caso brasileiro desde o pós-guerra aos
dias de hoje. Para isso, será feita uma análise crítica a respeito da evolução do Balanço
de Pagamentos brasileiro neste período, contrapondo-a com a visão tradicional sobre o
mesmo, expressa na teoria econômica ortodoxa e nas teorias da modernização.
Este trabalho está dividido em cinco capítulos, além das conclusões. No primeiro
capítulo, discute-se o próprio objeto da tese, que é a Teoria da Dependência, em seus
aspectos metodológicos e conceituais, tendo uma seção fazendo a discussão
conceitual da questão da extração do excedente econômico.
O segundo capítulo expõe a visão convencional (clássica e neoclássica) a
respeito das transações econômicas internacionais e faz uma abordagem crítica a este
enfoque, apresentando uma visão alternativa. Discute também a forma como essas
transações internacionais aparecem no Balanço de Pagamentos e a relação entre as
transações internacionais e a questão da dependência.
9
O terceiro capítulo é sobre o Balanço de Pagamentos, que é o principal
instrumento estatístico utilizado aqui para avaliar as relações econômicas internacionais
e o processo de extração do excedente econômico. Procura-se, além de discutir
teoricamente, historicamente e metodologicamente o Balanço de Pagamentos,
apresentar sua estrutura e últimas atualizações.
O quarto capítulo discute o processo histórico da inserção dependente da
economia brasileira no sistema mundial, propondo a divisão da evolução das relações
de dependência da economia brasileira em relação aos países centrais no século XX
em 4 fases distintas.
O quinto capítulo é o da análise histórico-empírica. À luz das discussões dos
quatro primeiros capítulos, apresenta como a dependência se expressou historicamente
através das contas do Balanço de Pagamentos, utilizando como período histórico de
análise as duas últimas fases propostas no capítulo 4, que vão do pós-guerra aos dias
de hoje. Inclui, no final, uma seção com as considerações finais do presente trabalho. O
último capítulo apresenta as conclusões gerais do trabalho.
10
Capítulo 1 – A Dependência
Este capítulo será dedicado ao debate metodológico e conceitual sobre a
dependência, contrapondo-o às teorias neoclássica e da modernização. Ao final será
feita uma discussão a respeito do que se entende aqui por extração de excedente
econômico.
1.1. Debate metodológico e conceitual
Para este trabalho, adota-se um enfoque que leva em consideração o caráter
mundial e histórico do sistema econômico capitalista e que integra o Brasil como parte
desta totalidade, utilizando como referência o debate sobre a dependência. Esta
discussão não é nova, mas continua sendo bastante atual, visto que o modo como
normalmente são abordadas as relações econômicas internacionais parte de teorias
que consideram os países como unidades de medida formalmente separadas e que
tratam as relações entre os países de forma estática e não integrada.
As principais escolas econômicas não partem, em suas teorias, de uma
economia mundial como um sistema, que possui uma totalidade historicamente
construída. Ao contrário, vislumbram uma economia inter-nacional entendida como um
agregado de países. De acordo com Caputo,
“A ciência econômica em suas principais escolas tem como cenário
fundamental as economias nacionais. Por isso se fala de economia
nacional fechada e depois de economia nacional aberta. Os modelos
econômicos referem-se à economia nacional e o resto do mundo.
Mesmo em condições de economias pequenas como Equador, Bolívia e
Chile. Nos textos de economia internacional como um objeto
especializado de estudo no interior da ciência econômica se trata de
economias nacionais que se inter-relacionam entre si”. (CAPUTO, 2003,
p. 3)
O que é proposto aqui é partir da economia mundial, estudar suas relações
estruturais e hierárquicas, procurar observar os países como parte desta totalidade
historicamente construída. Ao mesmo tempo, propõe-se a entender as relações sócioeconômicas no interior do país e como essas relações são condicionadas e modificadas
pela influência externa.
11
As teorias da modernização costumam enxergar os países atrasados como a
imagem do que foram os países adiantados no passado. Aqueles teriam, então, que
trilhar o mesmo caminho, através dos mesmos estágios de desenvolvimento. A
permanência de um país determinado em sua condição de subdesenvolvido seria
resultado de sua dificuldade ou demora em adotar padrões de eficiência típicos dos
países desenvolvidos. O subdesenvolvimento seria visto como uma ausência de
desenvolvimento.
Como parte deste campo, as teorias do desenvolvimento procuraram identificar
os entraves que impediriam os países atrasados de alcançar a modernidade.
Buscavam, assim, determinar os mecanismos de intervenção que ajudariam estes
países a superar os obstáculos e se aproximar do modelo ideal de sociedade.
Segundo Rostow1, por exemplo, seria possível identificar todas as sociedades,
em suas dimensões econômicas, como estando em uma de 5 categorias: a sociedade
tradicional, a fase de criação das pré-condições para a arrancada (take-off), a fase da
arrancada, a marcha para a maturidade e a era do consumo de massa. Segundo ele, a
"arrancada" de um país necessitaria de determinada combinação de poupança, capital
e produto. As pré-condições econômicas para a arrancada seriam: a formação de uma
infra-estrutura; um forte aumento da produção agrícola, que pudesse sustentar o
crescimento da indústria; um nível de poupança elevado; uma capacidade de
importação suficiente para garantir a obtenção de máquinas, equipamentos e matériasprimas necessárias para a industrialização, que pode ser conseguida seja através das
exportações, seja da entrada de capitais estrangeiros; e o surgimento de uma
vanguarda que impulsione um processo de modernização.
Há, por outro lado, todo um campo de análise teórica, no qual se inserem
diversas linhas de pensamento, que afirma que o subdesenvolvimento seria fruto do
próprio desenvolvimento da economia mundial e da forma pela qual, historicamente, os
espaços econômicos periféricos foram inseridos nesta economia.
Gunder Frank, por exemplo, criticou os estudos sobre desenvolvimento e
subdesenvolvimento baseados nas teorias da modernização, que não conseguiriam
explicar a estrutura e o desenvolvimento do sistema capitalista como um todo e não
1
Walt Rostow, economista norte-americano que escreveu o livro "Etapas do Desenvolvimento
Econômico: um manifesto não comunista".
12
esclareceriam a geração simultânea de subdesenvolvimento em algumas de suas
partes e de desenvolvimento econômico em outras:
"E por isso é que se acredita geralmente que o desenvolvimento ocorre
numa sucessão de etapas capitalistas e que os atuais países
subdesenvolvidos estariam ainda em uma etapa que é algumas vezes
descrita como uma etapa original da história e pela qual os países
atualmente desenvolvidos teriam passado há muito tempo. Basta,
porém, uma pequena familiarização com a história para saber que o
subdesenvolvimento não é original nem tradicional, e que nem o
passado nem o presente dos países subdesenvolvidos se parecem em
qualquer aspecto importante com o passado dos países hoje
desenvolvidos. Os países atualmente desenvolvidos nunca foram
subdesenvolvidos, embora possam ter sido não-desenvolvidos”.
(FRANK, 1976, p. 26).
Um dos primeiros a abordar o tema por este enfoque histórico e integrado, no
início do século XX, foi Trotsky. Ele formulou uma lei dos processos históricos que lhe
permitiu apreender o significado e a dinâmica das transformações por que passava a
economia mundial e em particular a Rússia que ele analisava: a lei do desenvolvimento
desigual e combinado. No livro "História da Revolução Russa", ele escreveu:
“A desigualdade do ritmo, que é a lei mais geral do processus histórico,
evidencia-se com maior vigor e complexidade nos destinos dos países
atrasados. Sob o chicote das necessidades externas, a vida retardatária
vê-se na contingência de avançar aos saltos. Desta lei universal da
desigualdade dos ritmos decorre outra lei que, por falta de denominação
apropriada, chamaremos de lei do desenvolvimento combinado, que
significa aproximação das diversas etapas, combinação das fases
diferenciadas, amálgama das formas arcaicas com as mais modernas.
Sem esta lei, tomada, bem entendido, em todo o seu conjunto material,
é impossível compreender a história da Rússia, como em geral a de
todos os países chamados à civilização em segunda, terceira ou décima
linha”. (TROTSKY, 1977, p. 25)
E é justamente do ponto de vista de totalidade do sistema que ele está falando.
Trotsky discute a afirmação de Marx, segundo a qual o país mais desenvolvido
industrialmente exibe ao menos desenvolvido, somente a imagem de seu próprio futuro:
"Esta afirmação de Marx, tomando como ponto de partida metodológico,
não o mundo econômico como um todo, mas um determinado país
capitalista como padrão, tornou-se menos válida na medida em que a
evolução do capitalismo abarcou todos os países desatentos a seu
prévio destino e ao progresso industrial." (TROTSKY, 1977, p. 1009)
13
Wallerstein, seguindo este ponto de vista, afirmou que dentro de um sistemamundo, é errado falar em estágios de desenvolvimento (escravista, feudal, capitalista e
socialista) envolvendo países isoladamente. Os estágios devem ser em termos de
sistemas sociais, isto é, de totalidades. Para ele, só faz sentido falar de estágios no
âmbito do próprio sistema-mundo, na totalidade histórica específica que é a economiamundo capitalista.
Com relação a isto, Wallerstein escreveu:
"A questão crucial quando comparamos "estágios" é determinar as
unidades para as quais os "estágios" são retratos sincrônicos (ou "tipos
ideais", se desejar). E o erro fundamental da ciência social a-histórica
(incluindo versões a-históricas do marxismo) é reificar partes da
totalidade em tais unidades e então comparar essas estruturas
reificadas." (WALLERSTEIN, 2000, p. 73).
Como exemplos, o autor cita a teoria da "economia dual" e a teoria de Rostow. A
teoria da “economia dual” analisava dois modos de produção convivendo ao mesmo
tempo (agricultura de subsistência e agricultura de mercado), como se fossem dois
estágios sucessivos. Para Wallerstein são dois modos sincrônicos, que fazem parte de
uma mesma totalidade sistêmica. A teoria de Rostow de cinco estágios, já citada
anteriormente, também demonstra possuir um conteúdo metodológico a-histórico.
A adoção do enfoque sistêmico permitiu a vários autores o desenvolvimento de
aparatos conceituais que abarcassem as relações estruturais como historicamente
construídas. A divisão internacional do trabalho, indicando uma relação entre os países
ou regiões articulados hierarquicamente em torno de um centro, entendido como pólo
dinâmico e dominante, e de uma periferia, vista como pólo dependente, passou a ser
objeto de debates teóricos importantes. A idéia da divisão do mundo em centro e
periferia, ou em países adiantados e países atrasados pôde, com o enfoque de
totalidade histórica, levar ao conceito de dependência.
Este conceito é abordado por várias teorias. Uma das diferenças mais
importantes quanto à sua aplicação é o predomínio ou subordinação que tem dentro do
aparato teórico conceitual. Para a Cepal, por exemplo, a condição de dependência
pode ser superada pela ação da política econômica dos governos.
“Na Cepal, a “condição periférica” era interpretada como determinante
de problemas a serem superados por políticas econômicas e sociais
14
bem orquestradas, em nível nacional e internacional. Ou seja, não
significava fonte de exploração insuperável que implicasse a
necessidade de uma ‘ruptura com o capitalismo” (BIELSCHOWSKY,
1999, p. 139).
Por outro lado, para Gunder Frank, a dependência e o desenvolvimento são
categorias estruturais que correspondem ao modo de produção capitalista e se
superam somente com a abolição deste modo de produção. (SOTELO, 2003.)
A dependência tem um sentido diferente do que é usualmente entendido pela
teoria macro-econômica tradicional como a interdependência entre os países. Não
significa simplesmente que os países não são autarquias e dependem do intercâmbio
com outros para suprir suas necessidades. Dependência tem um sentido de hierarquia
ou de subordinação entre os países nas relações internacionais. Segundo Dos Santos,
dependência significa uma situação em que a economia de certos países é
condicionada pelo desenvolvimento e expansão de outra economia à qual estão
submetidos. De acordo com Marini, a dependência é:
“[...] entendida como uma relação de subordinação entre nações
formalmente independentes, em cujo âmbito as relações de produção
das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar
a reprodução ampliada da dependência” (MARINI, 2000b, p. 109).
Estabeleceu-se, assim, uma discussão sobre as relações estruturais entre os
países centrais da economia mundial e os países periféricos, e a respeito dos
mecanismos que reproduziriam a dependência e, com isso, o atraso relativo destes
últimos.
A dependência atinge principalmente os países de passado colonial recente e
aqueles que chegaram atrasados no desenvolvimento industrial. Mesmo países com um
considerável grau de industrialização e com uma economia voltada em sua grande
parte para o mercado interno, como o Brasil, seguem possuindo profundos laços de
subordinação com os países centrais.
Além do esforço teórico dos autores da teoria da dependência, houve o de outros
estudiosos de várias partes do mundo, tais como Wallerstein, Arrighi, Amin e Gunder
Frank que constituíram o que se tornou conhecido como a teoria do sistema-mundo. O
aparato conceitual desenvolvido por esses teóricos apresenta uma divisão do mundo
entre estados ou áreas centrais, semiperiféricas e periféricas e estuda a relação entre
15
eles e a forma pela qual parte do excedente produzida pelos dois últimos é transferida
para o primeiro. Há em comum entre estes estudos o ponto de vista de totalidade do
sistema mundo e a necessidade analítica de dividir hierarquicamente os países ou as
regiões em periféricos e centrais.
Uma teoria sobre a dependência deve, portanto, analisar as diferentes
economias nacionais dependentes no contexto de suas relações com a economia
mundial. Dos Santos procurou explicar como o desenvolvimento de alguns países afeta
e modifica o funcionamento de outros países, dentro do desenvolvimento desigual e
combinado do modo de produção capitalista em escala mundial, discutindo o que ele
chamou de a dialética do interno e do externo. Propôs a análise do fenômeno em níveis
distintos:
“A primeira distinção de níveis que se propõe é a relação
dialética que se estabelece entre as leis de movimento de uma estrutura
de relações internacionais, cujas determinações se encontram na
dinâmica da acumulação capitalista nos países dominantes, e seu
entrelaçamento com economias nacionais que têm seu processo de
acumulação condicionado pelo modo de inserção nesta economia
internacional e, ao mesmo tempo, determinado por suas leis próprias de
desenvolvimento interno.
As palavras condicionado e determinado refletem conceitos
precisos. Uma dada estrutura sócio-econômica possui suas leis de
movimento determinadas por seus elementos constitutivos e as relações
que estabelecem entre si. Estes elementos explicam, em última
instância, suas leis de movimento. Em termos dialéticos, todo fenômeno
move-se a partir de suas contradições internas que determinam e
fornecem os marcos de possibilidade de suas ações.
Entretanto, os elementos internos que conformam uma realidade
não a esgotam, mas operam em determinadas condições, em um campo
de ação que modifica seu funcionamento, permitindo o pleno
desenvolvimento de certas partes, bloqueando o desenvolvimento de
outras, aumentando ou diminuindo as contradições que as opõem,
introduzindo novos elementos sobre os quais reagem elementos
internos, exigindo sua adaptação ou chegando mesmo a romper as
estruturas vigentes“ (DOS SANTOS, 1991, p. 28).
A partir destas definições metodológicas, procuraremos neste trabalho realizar
uma abordagem que leve em conta as condições concretas em que a economia
brasileira se inseriu no sistema internacional. Necessita-se, portanto, entender os
determinantes internos da economia brasileira e como eles se relacionaram com a
economia mundial. Disso se ocuparão os capítulos 4 e 5. Antes, porém será necessária
a discussão a respeito dos determinantes mais importantes das transações
16
internacionais e de como elas são expressas no Balanço de Pagamentos, temas que
serão abordados nos capítulos 2 e 3. E já que o principal aspecto a ser desenvolvido
aqui em termos da discussão sobre a dependência é o de exportação de excedente
econômico através da ação do capital estrangeiro, terminaremos o presente capítulo
com este tema.
1.2. A questão da exportação de excedente econômico
O conceito de excedente é tratado aqui na acepção marxista do termo, isto é,
como valor excedente, como mais-valia. Todo novo valor é gerado no processo de
trabalho e a mais-valia é justamente a parcela do novo valor produzido pelos
trabalhadores que não os remunera, mas que é apropriado pelo capitalista. Este valor
gerado na esfera da produção deve ser realizado na esfera da circulação.
A mais-valia aparece em sua forma mais concreta como lucro. Este último, em
um nível ainda mais concreto de análise, aparece como lucro industrial, lucro comercial,
juros, renda da terra, impostos governamentais, etc. Ou seja, no terreno da circulação
há uma disputa entre os diversos segmentos do capital (capital industrial, capital
comercial, capital bancário...) pela apropriação do excedente.
Segundo Marx, são duas as fontes do lucro: o lucro por transferência e o lucro
por produção de mais valia. O lucro por transferência de riqueza surge na esfera da
circulação e ocorre quando o excedente de um comerciante é compensado por um
déficit correspondente do outro lado da cadeia. No lucro por produção de mais-valia, o
balanço total é positivo porque o lucro do comerciante é somente sua participação
particular em algum excedente global cuja origem descansa, portanto, fora das próprias
atividades do comércio. A desigualdade de intercâmbio está na base do lucro por
transferência de riqueza. O lucro pela produção de mais-valia difere do anterior pois
aquele dependia do intercâmbio desigual. Ele está atado à produção, ao trabalho
assalariado e ao intercâmbio aparentemente igual (SHAIKH, 1991, ps 43 e 44).
O capital, visto por Marx como uma substância social, como valor que busca sua
valorização, muda de forma constantemente nessa busca por valorização (capital
dinheiro adiantado, capital industrial e capital mercadoria e, finalmente capital dinheiro
valorizado), formando um ciclo de reprodução ampliado. O capital encontra sua
17
representação autônoma no dinheiro, que é a forma como ele aparece no início do
processo de valorização e é a forma que o capital deve retornar, já valorizado, caso
consiga realizar-se no mercado, para que possa se dar início a outro ciclo.
Para compreender a questão da exportação de excedente econômico (maisvalia) em direção às economias centrais, faz-se necessário discutir as principais
relações econômicas que se estabelecem entre os países centrais e os países
dependentes na fase imperialista do capitalismo. Nesta fase, o grande capital
monopolista necessita expandir-se além das fronteiras nacionais de seus países de
origem em busca de valorização. Assim, além das relações comerciais, estabelece-se
como dominante o processo de exportação de capitais. A exportação do excedente
econômico das economias dependentes cruzará as relações comerciais, financeiras e
produtivas, via troca desigual e a apropriação direta e indireta da mais-valia gerada
internamente.
Assim, torna-se indispensável lançar luz também sobre as relações de
propriedade, sobre quais são os proprietários de cada fração do capital que participa de
cada fase do ciclo do capital e que procuram apropriar-se da maior parcela possível do
excedente. Observemos então a questão de como se conforma o ciclo do capital na
economia dependente2, para o que buscaremos a elaboração de Marini (1979).
Marini nos remete às três partes do ciclo do capital: a primeira fase de circulação,
na qual o capital comparece na circulação na forma dinheiro para adquirir meios de
produção e contratar força de trabalho; a fase de acumulação e produção, na qual o
capital passa a ter a forma material de meios de produção e força de trabalho para,
mediante um processo de exploração, promover sua própria valorização; e a segunda
fase de circulação, na qual o capital, na forma de mercadorias que contém o valor
inicial, mais a mais-valia gerada, entra no mercado para buscar sua transformação em
dinheiro através da venda, conformando uma magnitude superior à que entrou no início
do processo.
Na primeira fase da circulação, Marini aponta três fontes da origem do capital
dinheiro: 1) capital privado interno, que é a mais-valia gerada no interior da economia,
independente de se ele é de propriedade de jurídica nacional ou estrangeira; 2)
2
Marini, ao referir-se à economia dependente, tem “em vista a forma atual que esta assumiu, depois que
em seu seio se conformou um setor de produção para o mercado interno que assumiu progressivamente
o papel hegemônico na dinâmica dessa economia”. (MARINI, 1979)
18
investimento público, que tem origem no estado, que pode ser fruto de impostos ou da
mais-valia diretamente apropriada através de empresas estatais; 3) capital estrangeiro,
seja sob a forma de investimento direto, como capital industrial, ou sob a forma de
investimento indireto, como capital de empréstimo.
Nesta fase ocorre uma dupla articulação e uma dupla dependência com respeito
ao exterior. A primeira fase de circulação se encontra parcialmente centrada no exterior
tanto no que se refere ao capital dinheiro, como no que respeita ao capital mercadoria.
No primeiro caso porque parte do capital dinheiro adiantado tem origem no exterior e no
segundo porque no ato de compra dos meios de produção, parte destes também tem
origem externa. Isso significa que este capital que entrou para ser investido servirá em
seguida para adquirir meios de produção, em particular equipamentos e maquinaria.
“A aquisição de meios de produção no mercado mundial não é, de por
si, uma característica da economia dependente. Nenhum país
capitalista, nenhuma economia em geral vive hoje isolada. O que
caracteriza a economia dependente é a forma aguda que adquire essa
característica e o fato de que ela responde à estrutura mesma de seu
processo histórico de acumulação de capital.[...]”
“[...] A indústria manufatureira dos países dependentes se apóia em boa
parte no setor de bens de capital dos países capitalistas avançados, via
mercado mundial. Em conseqüência, essa indústria manufatureira é
dependente, não só materialmente, no que se refere aos equipamentos
e máquinas enquanto meios materiais de produção, mas também
tecnologicamente, quer dizer, de tal forma que deve importar também o
conhecimento para operar esses meios de produção e, eventualmente,
fabricá-los. Isto incide, por sua vez, na relação financeira com o exterior,
dando lugar aos pagamentos por conceito de royalties ou assistência
técnica, que constituem outros tantos fatores de transferência de maisvalia, de descapitalização.” (MARINI, 1979)
A maneira como a primeira fase de circulação se realizou condiciona a fase de
acumulação e produção, pois a tendência é que sejam justamente as empresas
estrangeiras ou as de capital nativo associadas ao capital estrangeiro as que tenham
acesso mais direto à tecnologia implícita nos meios de produção. O capitalista
estrangeiro, ainda que venda ao mesmo preço de mercado que o nacional, terá um
lucro maior, devido às diferenças de custo de produção.
E é justamente quando o capital se transforma novamente de mercadorias, que
passaram pelo processo de trabalho, em dinheiro, que a questão da propriedade dos
19
capitais adiantados na primeira fase da circulação volta a aparecer de forma nítida. Aqui
se estabelece a disputa entre as várias frações do capital pela participação no
excedente gerado. O capital estrangeiro que contribuiu com o dinheiro à produção de
mais-valia passa a ter o direito a uma parte dela sob a forma de lucro, no caso do
investimento direto e de juros, no caso dos empréstimos e financiamentos (investimento
indireto). A parte que representa o lucro empresarial pode ser reinvestida
domesticamente ou ser remetida ao proprietário do capital no estrangeiro. O
reinvestimento é classificado como investimento direto estrangeiro. Contabilmente é
como se o lucro tivesse sido exportado e reingressado no país.
Além do lucro e do juro, outras formas de apropriação do excedente aparecem,
através do lucro comercial e dos serviços correntes, tais como os serviços técnicos, das
licenças e patentes, royalties, seguros, etc. São também manifestações da
dependência externa e do controle que as empresas multinacionais e as economias
centrais detém das tecnologias e dos processos de produção e circulação, servindo
muitas vezes como formas de remessas disfarçadas de lucros.
Outro mecanismo de apropriação de excedente pelo capital estrangeiro é o
investimento em carteira, no qual o investidor estrangeiro aplica em títulos de dívida
pública, dívida privada, ou em ações. No caso das aplicações em dívida privada ou em
ações, estas podem corresponder ao caso de adiantamento de capital dinheiro para a
produção de mercadorias. Quando, por outro lado, são usados para adquirir ações ou
títulos no mercado secundário, não representam investimento na produção, mas puras
aplicações financeiras com o intuito de obter ganhos de capital e rendimentos para, em
um momento posterior remetê-los ao exterior. No caso da aplicação na dívida pública, o
capital estrangeiro passa a obter rendimentos cuja origem repousa principalmente na
arrecadação de impostos, que representa partes do valor produzido no interior do país.
O valor excedente apropriado pelo capital de propriedade estrangeira dentro da
economia nacional deve, cedo ou tarde, retornar ao investidor estrangeiro, sob a forma
de moeda forte. Com isso, o ciclo de reprodução do capital ganha mais um elo, quando
se trata de sua ação na economia dependente: não basta ao capital voltar à forma
dinheiro após o processo produtivo, deve voltar à forma dinheiro mundial, que se
expressa em ouro ou nas moedas fortes, em especial o dólar. As formas nas quais são
explicitamente registradas no Balanço de Pagamento estas transferências de
20
excedentes são as rendas de investimento estrangeiro. Há também as formas de
transferências de rendas que estão implícitas na conta de serviços correntes e na
Balança Comercial (através dos preços de transferência3). A transformação de moeda
nacional em moeda forte ainda permite ao investidor estrangeiro optar por realizar seus
ingressos e remessas de divisas de acordo com o momento em que a taxa cambial for
mais conveniente, potencializando a apropriação dos excedentes econômicos
produzidos internamente.
Por fim, falta abordar as transferências de valor ocorridas através das relações
comerciais, conhecidas como “troca desigual” ou “intercâmbio desigual”. Este tema foi
fruto de inúmeras polêmicas4, que não serão discutidas aqui. O valor das mercadorias é
determinado diretamente pela quantidade de trabalho socialmente necessário à sua
produção. O intercâmbio desigual ocorre quando as mercadorias são vendidas por
preços que se desviam de seus valores. Quando uma mercadoria é vendida a um preço
acima ou abaixo de seu preço direto (expressão em dinheiro do valor), ocorre uma
transferência de valor. De acordo com Mandel (1982, p 248), a troca desigual deriva,
em última instância, da troca de quantidades desiguais de trabalho.
O intercâmbio desigual pode derivar de várias fontes, que podem ter origem no
funcionamento automático da economia, através de elementos constitutivos da própria
concorrência capitalista, ou em relações desiguais de poder inter-empresas e interestatais, como as que se constituem pela ação dos monopólios e das pressões
diplomáticas, econômicas e militares por parte dos estados mais fortes. Em relação ao
primeiro caso, ligado aos elementos constitutivos da própria concorrência capitalista,
Shaikh (1980b) identificou dois mecanismos, ligados à formação da taxa geral de lucro,
que levam a dois tipos de transferências de valor: as transferências inter-indústrias e as
intra-indústrias.
3
Segundo definição de Carlos Herrero Mallol, citada em Peres (2002), considera-se preço de
transferência “como aquele preço que se concreta e se realiza entre sociedades vinculadas de um grupo
empresarial multinacional por transações de bens (tangíveis ou intangíveis) ou serviços e que podem ser
diferentes daqueles que seriam contratados entre sociedades independentes” (Mallol apud Peres, 2002,
p. 2). Segundo Peres (2002), o “Preço de Transferência e a sua fixação tornam-se relevantes porque
quando empresas se localizam em diversos Estados, como as empresas multinacionais, por exemplo, há
maior possibilidade de distorções artificiais nos preços praticados nas transações, envolvendo
mercadorias, serviços ou capitais, conduzindo a um lucro hipertrofiado em um Estado em detrimento de
um atrofiado em outro ou em outros” (PERES, 2002, p. 3).
4
Especialmente em torno da obra de Arghiri Emmanuel.
21
As transferências inter-indústrias estão ligadas ao processo de equalização das
taxas de lucro na formação dos preços de produção. Como conseqüência deste
processo, as indústrias de alta composição orgânica do capital terão preços de
produção acima dos preços diretos e aqueles com baixa composição orgânica terão
seus preços de produção abaixo dos preços diretos. De acordo com Grossman, citado
por Rosdolsky (1968), na medida em que exista no comércio internacional uma
tendência a nivelar as taxas de lucro,
“as mercadorias do país capitalista altamente desenvolvido – ou seja, de
um país com uma composição orgânica do capital, na média, mais
elevada – são vendidas a preços de produção sempre mais elevados
que os valores, enquanto, ao contrário, as mercadorias dos países onde
a composição orgânica do capital é baixa são vendidas, havendo
concorrência, a preços de produção que, em geral, devem ser mais
baixos que seus valores [...]. Assim, têm lugar no mercado mundial, no
interior da esfera da circulação, transferências de mais-valia produzida
no país menos desenvolvido para o país mais desenvolvido [...]”
(GROSSMAN5 apud ROSDOLSKY, 1968, P. 259).
As
transferências
intra-indústrias
estão
baseadas
nas
diferenças
de
produtividade dos produtores localizados dentro da mesma indústria. As mercadorias
produzidas em condições acima da média (que utilizam menos tempo de trabalho em
sua produção), terão valores individuais inferiores ao valor social médio. O oposto
ocorre com as mercadorias produzidas em condições inferiores à média social. Como o
preço de mercado é o que reflete as condições sociais médias, ocorre uma
transferência de valor dentro da mesma indústria dos produtores menos eficientes para
os mais eficientes. Para um conjunto particular de capitais, que pode ser o de um
determinado país, a transferência líquida de mais-valia será a soma dos dois efeitos
(SHAIKH, ano, p. 209).
Outros autores, como Salama & Valier (1976) e Marini (1979b), apontam outra
possibilidade de intercâmbio desigual, baseado na constatação de que enquanto que o
aumento da produção dos produtos agrícolas e matérias primas costuma levar à
diminuição dos preços individuais dessas mercadorias, o mesmo ocorre de forma mais
lenta no caso dos preços dos produtos industriais. Essa transferência de valor tem
5
GROSSMAN, Henryk. Das Akkumulations- und Zusammenbruchsgesetz des kapitalistischen Systems. Fankfurt,
1967.
22
efeito, portanto, entre os países que intercambiam distintos tipos de mercadorias, como
bens industrializados e bens primários. Este processo permite que os produtores dos
países industrializados vendam seus produtos por um preço acima de seu valor, ao não
transferirem para os preços uma parte dos ganhos de produtividade nestas economias.
A principal fonte deste tipo de transferência de valor é a existência de monopólios
tecnológicos por parte das grandes empresas dos países centrais. Com isto, ocorre
uma transferência gratuita de parte do valor produzido nos países produtores de bens
primários. Este tipo de transferência não deixou de existir nos países periféricos que se
industrializaram fortemente após a segunda guerra, como o Brasil, visto que esta
industrialização ocorreu em segmentos já padronizados e difundidos, que já não eram
centrais nas cadeias produtivas, além de serem, em geral, controlados desde o exterior,
via instalação de filiais.
Pode-se apontar ainda duas outras fontes de troca desigual que estão ligadas
diretamente ao poder e dimensão que alcançaram as grandes empresas. A primeira
refere-se aos preços de transferência. A empresa multinacional pratica sobre e subpreço nas vendas intra-firma como forma de transferir parte do valor produzido através
da comercialização entre filiais da firma. A segunda vincula-se à desigualdade de poder
entre os diferentes atores. Os preços muitas vezes estão regidos a acordos que são
feitos por protagonistas desiguais. Assim, as grandes firmas compradoras de matérias
primas podem fixar um preço inferior ao valor. Estas firmas na maioria das vezes
possuem o monopólio sobre o preço das mercadorias que revenderão em seguida
(SALAMA e VALIER, ano, p. 170).
A questão da troca desigual atinge também as relações entre os segmentos
nacional e estrangeiro internos à economia brasileira. As empresas multinacionais, por
terem acesso às tecnologias mais avançadas, por predominarem nos segmentos de
maior composição orgânica do capital e por sua posição central nas cadeias de
mercadorias, usufruem o conjunto dos mecanismos de transferência de valor descritos
acima, em sua operação dentro da economia brasileira. Isso significa que sua taxa de
lucro é superior à do segmento nacional, permitindo-os apropriarem-se de uma parcela
maior do excedente econômico, o que fatalmente se refletirá nas remessas de rendas
de capital.
23
Capítulo 2 – As transações internacionais e a dependência
O presente capítulo está dividido nos seguintes tópicos: as visões clássica e
neoclássica do comércio e do investimento internacionais; as críticas à visão
neoclássica; a forma como as transações internacionais aparecem no balanço de
pagamentos e a relação entre as transações internacionais e a dependência.
2.1. As visões clássica e neoclássica do comércio e do investimento
internacionais
A teoria econômica dominante nos círculos acadêmicos mais influentes no
contexto mundial e nas instituições internacionais como o FMI é a neoclássica. É o
arcabouço teórico dessa escola que fornece as principais bases para a elaboração de
grande parte dos estudos, publicações e políticas do FMI e do Banco Mundial.
A teoria neoclássica a respeito do comércio internacional é baseada no princípio
das vantagens comparativas (ou relativas). Segundo este princípio, não é necessário
que se tenham vantagens absolutas6 na produção de uma mercadoria específica para
que seja vantajoso para um determinado país produzi-la e comercializá-la. Basta que
tenha vantagens relativas7. O livre comércio internacional seria vantajoso para todos, já
que com a especialização de cada país no produto onde tenha vantagens relativas,
elevar-se-iam em todos os países o montante e a diversidade das mercadorias nas
quais o rendimento pode ser gasto.
A primeira versão da teoria das vantagens relativas foi escrita por David Ricardo.
No capítulo sobre o comércio exterior de seu livro Princípios de Economia Política e
Tributação, Ricardo procurou demonstrar a vantagem da especialização dos diversos
países na produção de determinados tipos de mercadorias de acordo com o critério dos
custos comparativos.
6
“Vantagem Absoluta: Condição em que determinado produto ou serviço podem ser oferecidos com
preços de custo inferiores aos dos concorrentes. [...]” (SANDRONI, 2002).
7
Isso significa que o comércio será vantajoso para um país mesmo quando ele produza todas as
mercadorias domesticamente a custos mais altos do que o outro país. Em um modelo de dois países e
dois produtos, por exemplo, o país em questão exportará a mercadoria relativamente mais barata e
importará a outra. Ou seja, independentemente de quão atrasado seja seu nível tecnológico, um país se
beneficia do comércio.
24
Ricardo baseou-se na teoria do valor trabalho, segundo a qual o valor de uma
mercadoria corresponderia ao tempo de trabalho gasto em sua produção (tanto direta
quanto na produção de seus insumos). Isto é, uma mercadoria seria relativamente mais
barata quando apresenta uma maior produtividade do trabalho em sua produção. Sua
teoria do comércio exterior partiu dos seguintes pressupostos:
1. Livre mobilidade de trabalho e de capital dentro de um país. Isto significaria a
tendência à equalização das taxas de lucro e dos salários. Se um setor alcançar
uma taxa de lucro acima da média, os capitais migrariam para ele e aumentariam a
oferta, trazendo a lucratividade deste de volta à posição média. Os salários seriam
determinados pela soma dos preços das mercadorias necessárias à subsistência
dos trabalhadores, que são equiparados dentro de um país. Conseqüentemente, se
os preços destas mercadorias diminuírem (aumentarem), o valor do salário cairá
(subirá). Caso ocorresse uma redução no valor das mercadorias consumidas pelos
trabalhadores, isto acarretaria em uma redução no valor dos salários, o que levaria a
um aumento dos lucros8.
2. Imobilidade internacional do capital e do trabalho. A respeito disso, Ricardo
escreveu:
"Se os lucros do capital empregados em Yorkshire fossem maiores do
que os do capital empregado em Londres, este rapidamente se
deslocaria de Londres para Yorkshire e assim os lucros se igualariam.
Mas, se as terras se tornassem menos produtivas na Inglaterra, devido
ao aumento do capital e da população, e, em conseqüência, os salários
aumentassem e os lucros diminuíssem, não se seguiria que a população
e o capital necessariamente se mudassem da Inglaterra para a Holanda,
para a Espanha ou para a Rússia, onde os lucros pudessem ser mais
altos”. (RICARDO, 1982, p. 104)
E mais adiante:
"A experiência mostra, no entanto, que a insegurança real ou imaginária
do capital, quando não se encontra sob o controle imediato de seu
proprietário, aliada à natural relutância de todo homem em abandonar
seu país natal e suas relações e a submeter-se, com todos os seus
hábitos arraigados, a um governo estrangeiro e a novas leis, refreia a
8
Para Ricardo, o lucro é igual aos rendimentos menos os salários e as rendas. Quando um agricultor é
possuidor de capital, seu lucro será o que sobra depois da renda e dos salários. Com as rendas fixas, os
lucros ficam maiores quanto menores os salários.
25
imigração do capital. Tais sentimentos, que eu lamentaria ver
enfraquecidos, induzem muitos capitalistas a contentar-se com uma
baixa taxa de lucros em seu país, em vez de irem buscar uma aplicação
mais rendosa para sua riqueza em outros lugares." (RICARDO, 1982, p.
105)
Em que pese Ricardo não negar, em tese, a possibilidade de exportação de
capitais e de imigração de mão-de-obra, na prática descarta essa idéia e em
nenhum momento discute sobre quais seriam as conseqüências no caso da
ocorrência dessa hipótese.
Para Ricardo, quem se deslocaria entre os países seriam o ouro e a prata e
as mercadorias. Como veremos abaixo, o mecanismo criado pelo fluxo internacional
do ouro e da prata9 seria o que faria funcionar o princípio das vantagens
comparativas.
3. Trata a moeda apenas como instrumento para facilitar as trocas. A moeda se
distribuiria entre os países de forma a se acomodar ao intercâmbio natural "que teria
lugar se não existissem esses metais e se o comércio entre as nações fosse
puramente baseado no escambo”. (RICARDO, 1982, p. 105)
O aumento da quantidade de dinheiro em determinado país não elevaria a
taxa de lucros nem faria crescer o capital. Se a renda, os salários e o valor nominal
do capital forem 20% maiores, ele obterá a mesma taxa de lucro, embora deva
vender seu produto 20% mais caro. Aqui evidencia-se o caráter neutro que Ricardo
concede ao dinheiro, pois o aumento de sua quantidade não implicaria em aumento
dos investimentos ou do consumo, mas seria diretamente repassado aos preços.
Para Ricardo o dinheiro, simples sinal de valor, serviria apenas como meio de
circulação. De acordo com essa visão, todo o dinheiro que entra em uma economia
nacional tem necessariamente que circular enquanto moeda. A quantidade de ouro
que ingressar em determinado país deverá entrar em circulação, o que terá efeito
direto sobre os preços em geral. Ou seja, segundo Ricardo, "os preços das
9
Segundo a Hipótese do preço-fluxo de metais preciosos, elaborada por David Hume (1711-1776) e
adotada por Ricardo, superávits sistemáticos na balança comercial de um país levariam à transferência
de metais preciosos para ele, desde os países deficitários. Essa transferência, no entanto, não
aumentaria a riqueza do país, mas apenas faria elevarem-se os preços das mercadorias produzidas
domesticamente. Com isso, esses produtos encareceriam-se relativamente aos estrangeiros, o que
levaria à diminuição das exportações e, conseqüentemente, dos superávits comerciais. Não seria,
portanto, possível manter superávits comerciais sistematicamente ao longo dos anos.
26
mercadorias ou o valor do ouro depende da massa de ouro que circula" (MARX,
1982, p. 123).
No exemplo de dois produtos (vinho e trigo) e de dois países (Portugal e
Inglaterra) empregado pelo autor, quando um país tem a vantagem absoluta na
produção dos dois produtos em relação a outro país, seja devido à melhoria em sua
maquinaria, seja por características naturais, ele tende a ser exportador destas
mercadorias. Conseqüentemente haveria um influxo de ouro para este país e um
refluxo do outro. Assim, os preços das mercadorias do país exportador subiriam e os do
país importador cairiam.
Com isso, Ricardo passa a explicar o mecanismo através do qual o princípio das
vantagens comparativas se estabeleceria. Os preços no país com vantagem de custos
se elevam em relação aos do país deficitário devido ao fluxo de ouro em direção ao
primeiro. As mercadorias do país importador começarão a ficar relativamente mais
baratas, até um ponto em que ele possa vender uma das duas mercadorias mais barato
que o país originalmente exportador, que ficaria com a vantagem relativa na outra
mercadoria. Este processo se desenvolve até que haja um novo equilíbrio nos fluxos de
ouro e mercadorias. O país originalmente deficitário passaria a exportar o produto em
que teria vantagem relativa, mesmo que tenha desvantagem absoluta nele e o país
originalmente superavitário passaria a exportar o produto que tenha vantagem relativa e
a importar o que tenha desvantagem relativa, levando a balança comercial ao equilíbrio.
Naturalmente, como o próprio Ricardo assinala, o comércio entre dois países não
se resume a duas mercadorias, mas muitos e diferentes artigos são exportados e
importados. Os preços de todas as mercadorias são afetados pela retirada de dinheiro
de um país e por sua acumulação em outro. Com isso, o efeito produzido no valor do
dinheiro seria menor, já que haveria o estímulo à exportação de muitas outras
mercadorias.
Ricardo faz, então, uma diferenciação que é bastante relevante:
"Se, desses dois países, um tiver predomínio na manufatura de bens de
determinada qualidade, e o outro na manufatura de bens de qualidade
diferente, os metais preciosos não afluiriam imediatamente para nenhum
deles. Se, contudo, o predomínio pesar decididamente de um lado, essa
conseqüência será inevitável” (RICARDO, 1982, p. 108).
27
O primeiro caso assemelha-se à relação comercial entre dois países industriais
desenvolvidos. O segundo se parece com a relação entre um país desenvolvido e um
país atrasado, onde um dos lados tem claramente o predomínio devido ao
desenvolvimento econômico, à tecnologia superior, maior escala de produção e a
outros fatores. De acordo com a teoria de Ricardo, o próprio processo inaugurado pelo
livre comércio levaria a um ponto em que um equilíbrio nas balanças comerciais seria
alcançado e que cada um deles se especializaria nos produtos em que possuem
vantagens relativas. O desenvolvido se especializaria nos produtos industriais e o
atrasado nos produtos primários.
Shaikh (1980), a partir das críticas feitas por Marx à teoria do dinheiro em Ricardo,
argumentou
que
o
mecanismo
compensatório
automático
que
permitiria
o
estabelecimento das vantagens comparativas não funciona.
De acordo com o visto acima, a teoria do comércio exterior e o princípio das
vantagens comparativas em Ricardo têm como uma de suas bases a tese de que uma
variação na quantidade do dinheiro em um país implicará no aumento do meio
circulante, o que significará uma alteração no nível dos preços na mesma proporção.
Para Marx não é a quantidade de dinheiro que determina o nível ou a soma dos
preços. Ao contrário, é a soma dos preços das mercadorias circulantes e o fluxo mais
lento ou mais rápido dos processos de circulação que determina a quantidade global de
dinheiro funcionando como meio circulante. Além disso, a soma dos preços das
mercadorias pode aumentar sem que os preços das diversas mercadorias se alterem.
Para isto ocorrer, basta que a massa das mercadorias tenha crescido. Assim, a soma
dos preços cresce, mas o nível dos preços permanece o mesmo.
Marx também contesta a visão de Ricardo do dinheiro funcionando apenas como
meio de circulação. O erro de Ricardo consiste em abstrair todas as outras funções que
o dinheiro desempenha além de sua função de meio de circulação. Para Marx, ao
contrário, o dinheiro, pelas próprias necessidades criadas pela circulação e pela
produção, assim como pela flutuação incessante dos preços, precisa ser acumulado em
vários pontos do mercado na forma de reservas de dinheiro, ou seja, retirado de
circulação. Além disso, a circulação das mercadorias pode e muitas vezes precisa ser
feita sem a contrapartida simultânea do dinheiro, quer dizer, sem que o dinheiro seja
utilizado como o meio através do qual essas mercadorias circulam. A mercadoria muda
28
de mãos através de um compromisso de pagamento futuro. O vendedor se torna um
credor e o comprador se torna um devedor. O dinheiro aqui funciona como meio de
pagamento e não como meio de circulação. Como meio de pagamentos, muitas das
transações não necessitam ser liquidadas em dinheiro vivo, mas compensam-se umas
às outras, ficando apenas o resíduo para ser pago em moeda. Com o aprimoramento
do sistema de crédito estas relações se desenvolvem ainda mais.
Quando há uma quantidade de moedas acima do montante necessário à
circulação das mercadorias, elas se tornam redundantes e assumem primeiramente a
forma de reservas de dinheiro acima dos níveis requisitados. Com o desenvolvimento
do sistema bancário, essas reservas passaram a se concentrar nos reservatórios dos
bancos. Assim, o aumento ou a diminuição do dinheiro em um país passa a manifestarse nos aumentos e diminuições das reservas bancárias. Uma elevação das reservas
bancárias é geralmente acompanhada por um decréscimo das taxas de juros já que os
bancos procuram converter essas reservas em capital. Inversamente, uma diminuição
das reservas tende a causar uma elevação das taxas de juros. Uma diminuição das
taxas de juros pode levar a um aumento da demanda efetiva.
“Contudo, embora este crescimento na demanda efetiva possa aumentar
temporariamente
os
preços
de
algumas
mercadorias,
e
conseqüentemente aumentar os lucros em alguns setores, isto deverá
levar eventualmente a uma expansão da produção para satisfazer a
nova demanda. E como a produção expande, os preços cairão até (tudo
o mais igual) eles recuperarem seus níveis originais. Neste caso a soma
dos preços de todas as mercadorias terão aumentado, não porque o
nível dos preços tenha aumentado, mas porque a massa de mercadorias
lançadas na produção tenha em si aumentado. Assim, na medida em
que um crescimento puro na oferta de ouro gera um aumento na
demanda efetiva (i.e., na medida em que isto não expanda
simplesmente as reservas bancárias ou vá para produção de artigos de
luxo), isto também gerará uma necessidade aumentada para moedas de
ouro em circulação." (SHAIKH, 1980, p. 224)
Assim, quando ocorre um aumento da oferta de ouro, uma parcela deste
atenderá à maior necessidade de ouro, outra aumentará as reservas bancárias e uma
terceira parte irá para a produção de artigos de luxo feitos de ouro.
Segundo Shaikh (1980), apesar de Marx não ter chegado a escrever uma teoria
do comércio exterior, suas críticas feitas às teorias do valor e do dinheiro de Ricardo e
suas formulações a respeito do tema apontaram o caminho para uma crítica à teoria
29
das vantagens comparativas.
As críticas feitas por Marx à teoria do dinheiro em
Ricardo demonstrariam o não funcionamento do mecanismo compensatório automático
que permitiria o estabelecimento das vantagens comparativas. A entrada de ouro não
significaria que os preços das mercadorias produzidas no país exportador subiriam.
Simetricamente, o refluxo de ouro não necessariamente baratearia as mercadorias do
país importador. Além disso, se for considerada a possibilidade de que haja exportação
de capitais, as divisas podem voltar ao país importador na forma de empréstimos ou
investimentos, dificultando ainda mais a aplicação da lei das vantagens comparativas.
Mais recentemente o mesmo princípio de vantagens relativas foi adotado pela
teoria neoclássica do comércio internacional. A “Lei da Proporção dos Fatores”10 de
Hecksher-Ohlin-Samuelson aceita a existência das vantagens comparativas, mas com
outra formulação. Ricardo defendia um padrão de especialização no comércio
internacional determinado pelos custos relativos, baseados na produtividade do
trabalho. Os autores citados abandonaram a teoria do valor-trabalho, deixando de lado
qualquer efeito, na definição das especializações comerciais, que provenha da
diferença da produtividade do trabalho nos diferentes países. Para eles, os países se
especializariam na exportação dos produtos que tenham o “fator de produção” mais
10
A concepção do capital na economia ortodoxa. “Na economia ortodoxa, o termo “capital” geralmente
refere-se aos meios de produção; nela se afirma que o capital, conjuntamente com o trabalho, existe em
toda sociedade. Desde este ponto de vista, as formas sociais devem distingui-se pela maneira como os
fatores de produção, o capital e o trabalho, sejam postos conjuntamente a trabalhar de acordo com suas
respectivas disposições. O capitalismo é definido como um sistema que utiliza o mercado para executar
esta tarefa, no contexto da propriedade privada dos meios de produção.
Ao tratar a atividade laboriosa humana como fator de produção, em uma equivalência com as
matérias primas e ferramentas, enfim como uma coisa, a economia ortodoxa consegue reduzir o
processo de trabalho a uma relação técnica entre os chamados insumos e produtos (isto é, uma função
de produção). Deste modo se perdem de vista todas as lutas sobre os termos e as condições de trabalho.
Ademais, mais, uma vez o trabalho é definido como um fator de produção, todo indivíduo (no uso
de suas capacidades) é um proprietário de pelo menos um fator. Desde então, alguns podem ser
afortunados o suficiente para também possuir grandes quantidades de capital. Mas isto é um mero
detalhe na distribuição das “dotações iniciais”, aspecto sobre o qual a economia ortodoxa se mantém
cautelosamente neutra. O que importa no lugar disso é que, no capitalismo, a idéia de que cada um é
proprietário de um fator de produção seja indício de uma qualidade inerente aos indivíduos. Qualquer
referência ao conceito de classe é portanto bloqueada desde o começo.
Depreende-se disto que, devido a que o trabalho é apenas um dos fatores de produção que os
indivíduos são livres para utilizar em qualquer forma que escolham, não se pode dizer que este trabalho –
sendo uma coisa – seja explorado. A exploração do trabalho fica fora de cena, para ser substituída pela
noção da cooperação de capital e trabalho, cada um dos quais contribui seu componente ao produto e
recebe em troca sua retribuição proporcional (como nas teorias da distribuição baseadas na
produtividade marginal). Com isso fica completa a santificação do capitalismo” (SHAIKH, 1990, ps 41 e
42).
30
abundante. Assim, os países que possuam uma grande “dotação de capital”,
exportariam mercadorias que fossem “capital-intensivas” e importariam as que fossem
“intensivas em mão–de-obra”. O inverso ocorreria para os países com abundância de
mão-de-obra e escassez de capital.
A aplicação da teoria de Hecksher-Ohlin-Samuelson depende da validade de
uma série de premissas, entre as quais pode-se citar: os países utilizam a mesma
tecnologia; as preferências dos consumidores são idênticas nos diferentes países; as
firmas possuem retornos constantes de escala, o que significa que a economia funciona
sob concorrência perfeita; os preços dos “fatores de produção” se igualam
internacionalmente; a oferta dos “fatores de produção” é perfeitamente inelástica no
interior de cada país; as economias funcionam a pleno emprego dos “fatores”; os
países têm diferentes “dotações de fatores”.11 Então, com funções de produção,
preferências dos consumidores e preços dos “fatores” iguais e visto que há pleno
emprego dos “fatores” e inelasticidade da oferta dos “fatores” dentro de um país, são as
“dotações dos fatores” os elementos determinantes dos padrões de comércio. A
especialização produtiva de um país seria função do “custo de oportunidade” que ele
incorreria caso não empregasse todas suas possibilidades de produção em um
determinado bem.12
Além disso, para que o princípio das vantagens comparativas funcione, seria
necessário:
a)
que não possa haver reversão na intensidade de uso dos “fatores” para
o mesmo produto internacionalmente. “Ela implica que não apenas os
países usem a mesma tecnologia, mas que uma mercadoria que seja
produzida de forma capital-intensiva domesticamente também o seja no
exterior” (GONÇALVES et al., 1998, p. 24);
b)
excluir a possibilidade de as exportações de capitais e a mobilidade da
mão-de-obra ocorrerem ao lado das exportações de mercadorias. Um país
com escassez de capital poderia receber investimentos externos de forma
11
Essas premissas irrealistas foram alvos de inúmeras críticas, conforme será visto mais adiante.
Se em Ricardo as vantagens absolutas eram transformadas em relativas pelo mecanismo dos fluxos de
ouro e pela aplicação da teoria quantitativa do dinheiro, a abordagem neoclássica afasta completamente
a possibilidade da existência vantagens absolutas, já que, segundo ela, todos os países têm as mesmas
funções de produção para qualquer produto e os preços dos “fatores de produção” se igualam
internacionalmente.
12
31
a suprir esta carência e passar a produzir internamente mercadorias
“capital-intensivas” ao invés de importá-las. Inversamente, um país
escasso em mão-de-obra poderia receber um intenso fluxo imigratório dos
países com excesso de população. Ademais, conforme veremos mais
adiante, a movimentação internacional de capitais impede o funcionamento
do mecanismo de ajuste dos termos de troca que equilibrariam as
balanças comerciais.
Em geral, as apresentações modernas da lei dos custos comparativos não fazem
referência aos mecanismos pelos quais a lei deveria ser realizada. A ênfase é quase
inteiramente nos ganhos do comércio que seriam alcançados se o comércio fosse
baseado nos custos comparativos (SHAIKH, 1980, p. 206). Nos casos em que procurase demonstrar os mecanismos de realização da lei das vantagens comparativas, estas
explicações costumam ser variantes do mecanismo de Ricardo, necessitando para isso
de variáveis monetárias, como níveis de preços ou taxas de câmbio. Assim, um país
com déficits comerciais veria sua moeda depreciar, fazendo cair seus termos de troca13,
o que melhoraria sua balança comercial até um ponto de equilíbrio. No caso de um país
que adote taxas de câmbio fixas, a perda de divisas faria cair a oferta monetária interna,
baixando o nível relativo de preços internos, através da teoria quantitativa do dinheiro,
levando também ao equilíbrio da balança comercial (SHAIKH, 1999). Neste ponto de
equilíbrio, os países exportariam os produtos em que tivessem vantagens relativas e
importariam os que possuíssem desvantagens relativas.
Como resultado, o modelo Hecksher-Ohlin-Samuelson prega que o comércio
atua como substituto da mobilidade internacional dos “fatores”, já que estes estariam
implícitos nas mercadorias que são comercializadas. O livre comércio promoveria
também a equalização das taxas salariais e de lucros entre os países, além de
promover a convergência das taxas e crescimento. O mundo, assim, tornaria-se mais
igualitário e harmônico através do livre comércio.
Embora a imobilidade internacional dos “fatores” seja uma condição fundamental
para a teoria neoclássica do comércio internacional, tornou-se cada vez mais difícil
13
Termos de troca são os preços relativos de dois conjuntos de bens. Os termos de troca de uma
nação são os preços relativos em moeda internacional comum ou, em outras palavras, a quantidade de
importações que podem ser compradas com uma unidade de suas exportações (SHAIKH, 1980, 1999,
2000)
32
negar a relevância dos fluxos internacionais de capitais, especialmente a partir da
segunda metade do século XX. Mas para os neoclássicos este fato não tem nenhuma
conseqüência sobre o mecanismo automático que viabilizaria o estabelecimento das
vantagens comparativas. Formulam sua visão sobre a movimentação internacional do
capital de forma totalmente desvinculada de sua teoria do comércio internacional. Não
podem tratar as duas de maneira conjunta, pois uma das hipóteses básicas para o
“princípio” das vantagens comparativas é a da não mobilidade internacional do capital.
A visão tradicional da economia neoclássica não faz distinção entre a dinâmica e
as motivações do investimento em carteira e do investimento direto. Seu móvel seria a
diferença nas taxas de juros. Além disso, para os neoclássicos este fluxo internacional
de capitais teria apenas um efeito compensatório e temporário. Não é considerada a
possibilidade de que o processo de exportação de capitais altere a estrutura produtiva e
o perfil de comércio externo dos países, o que entraria em contradição com a tendência
à especialização produtiva estática professada pela teoria das vantagens comparativas.
A exportação de capitais financiaria os déficits em conta corrente até que o país
originalmente deficitário passe a apresentar superávits e pague seus empréstimos.
Segundo Williamson (1989), há duas motivações básicas para que um país tome
emprestado ou empreste: para aumentar a renda com o tempo ou para modificar o
padrão de prazos da absorção14. Em relação ao primeiro caso, a mobilidade
internacional de capitais permitiria aos países com poupanças limitadas atrair
financiamentos para projetos de investimentos produtivos domésticos.
De acordo com o segundo caso de Williamson, o país que empresta poderá
manter seu consumo cada vez maior mesmo que depois sua renda gerada
internamente comece a cair. Em algum momento a absorção alcançará a renda e o país
começará a viver de sua renda de investimento. Um país toma emprestado com o
intuito de aumentar seu consumo presente às custas do consumo futuro ou para
regularizar a absorção diante de variações da renda. (WILLIAMSON, 1989). Ou seja, as
famílias, firmas ou mesmo países podem facilitar o consumo através do empréstimo de
dinheiro do exterior quando as rendas são baixas no país em questão, pagando de
volta quando as rendas estão altas, o que é conhecido como “comércio intertemporal” -
14
Absorção: despesa feita pelos habitantes de um país, em consumo, investimentos e gastos
governamentais. (WILLIAMSON, 1977).
33
a troca de bens hoje por bens no futuro. A capacidade de pegar emprestado do exterior
poderia assim amortecer os “ciclos de negócios” ao permitir que as famílias e firmas
continuem comprando e investindo quando a produção e a renda domésticas tenham
caído.
A mobilidade internacional de capitais permitiria aos investidores a diversificação
de suas carteiras, o que mitigaria os riscos de investimento e promoveria o “comércio
intertemporal”. Ao emprestar dinheiro para o estrangeiro, “famílias” e “firmas” poderiam
reduzir sua vulnerabilidade a distúrbios econômicos domésticos. Companhias poderiam
proteger-se contra aumentos súbitos de custos em seu país, por exemplo, investindo
em plantas filiais em outros países. A mobilidade de capital assim permitiria aos
investidores alcançarem maiores taxas de retorno ajustadas pelo risco. Em troca,
maiores taxas de retorno encorajariam a poupança e o investimento que geram
crescimento econômico mais rápido. (EICHENGREEN et al. 1999).
Um país ter saldo positivo em conta corrente significa que ele é um exportador
de capitais. Ou seja, uma parte de sua poupança interna financiaria investimentos em
outros países. Simetricamente, um país deficitário nesta conta importaria capitais no
mesmo montante de seu déficit em conta corrente, sendo, assim, financiado por parte
da poupança de outros países.
Um país não poderia apresentar déficits em conta corrente indefinidamente, sob
pena de, a partir de certo momento, não conseguir mais se financiar. O déficit em conta
corrente deveria ser utilizado, então, para o desenvolvimento de atividades produtivas.
Dessa forma, com o passar do tempo, o país passaria obter um saldo positivo em conta
corrente, o que permitiria o pagamento dos compromissos financeiros (principal, juros,
lucros, dividendos, etc.) incorridos na fase deficitária. Com o tempo, este país se
tornaria um exportador de capitais. Segundo Williamson:
“Quando um país toma emprestado, passa a poder financiar um déficit
comercial que permite que a absorção supere a produção. Quando deixa
de tomar emprestado e tem que honrar sua dívida, seja pelo pagamento
de juros, seja amortizando o principal (ou amortizando sua dívida, como
se denomina a amortização por etapas), ocorre o contrário: ele tem que
restringir a absorção a um nível inferior ao da renda a fim de gerar um
superávit comercial. Portanto, tomar emprestado envolve um período
inicial em que a absorção é menor do que a renda, seguido de um
período posterior em que a renda excede a absorção. Inversamente,
emprestar envolve um período inicial no qual a renda é maior do que a
34
absorção, seguido de um período posterior no qual o credor pode colher
os frutos de sua abstinência anterior, absorvendo mais do que sua
renda” (WILLIAMSON, 1989, p. 102).
O capital internacional teria apenas a função de ajudar a aumentar a renda e a mudar o
padrão temporal de consumo de determinado país. Uma vez eliminada a motivação
inicial, o país em questão poderia deixar de necessitar do financiamento externo e até
passar a exportar capitais. O funcionamento do sistema internacional baseado no livre
comércio e na livre movimentação de capitais geraria um maior bem-estar para o
conjunto dos países, elevando a produção e a variedade de produtos em todos os
lugares e impulsionando o desenvolvimento econômico dos países atrasados ao
garantir o financiamento de sua formação de capitais.
2.2. Críticas à visão neoclássica
Em 1953, Leontief testou empiricamente a “lei da proporção dos fatores” para o
caso dos EUA. Neste momento, os EUA já eram o país com maior acumulação de
capital do planeta, o mais industrializado onde localizavam-se as matrizes das maiores
empresas. Surpreendentemente para os defensores da referida “lei”, Leontief constatou
que os EUA eram importadores de mercadorias “intensivas em capital” e exportadores
de mercadorias “intensivas em mão-de-obra”15. Isto ficou conhecido como o “Paradoxo
de Leontief”.
A “lei da proporção dos fatores” entrava também em contradição com outras
constatações, como a de que a existência do “equilíbrio” das balanças comerciais é a
exceção, e não a regra e a de que o comércio internacional no pós-guerra ocorria cada
vez em maior proporção entre países desenvolvidos (com “dotação de fatores”
similares), com diferentes nações exportando e importando produtos semelhantes. De
15
“Essas contas mostram que um valor médio de milhões de dólares de nossas exportações incorpora
consideravelmente menos capital e relativamente mais trabalho que seria requerido para repor da
produção doméstica um montante equivalente de nossas importações competitivas. A participação da
América na divisão internacional do trabalho está baseada em sua especialização em linhas de produção
intensivas em trabalho, mais dos que intensivas em capital. Em outras palavras, esse país recorre ao
comércio exterior a fim de economizar seu capital e dispor de seu trabalho excedente, mais do que viceversa. A opinião amplamente defendida que – quando comparado com o resto do mundo – a economia
dos Estados Unidos é caracterizada por um excedente relativo de capital e carência relativa de trabalho
prova-se ser errada. Como um fato, o oposto é verdadeiro”. (LEONTIEF, 1966, p. 86)
35
acordo com a “lei da proporção dos fatores”, se os países tivessem “dotações de
fatores” semelhantes, o comércio entre eles tenderia a declinar. Leontief, ao falar da
possível aproximação das ofertas de capital e trabalho entre os EUA e os outros países
fez uma afirmação que demonstra como a visão proporcionada pela “lei da proporção
dos fatores” não permite enxergar corretamente a dinâmica das transações
internacionais:
“Por outro lado, os fatores, quaisquer que possam ser, que são
responsáveis pela peculiarmente alta produtividade relativa do trabalho
americano poderiam tornar-se logo operativas em outras economias e
assim acelerar a eliminação da disparidade entre a oferta comparativa
efetiva de capital e trabalho aqui e nos outros países. Isso significa, é
claro, um reduzido incentivo à troca continuada de mercadorias e
serviços entre os EUA e o resto do mundo.” (LEONTIEF, 1966, p. 98)
A crescente inadequação da visão teórica neoclássica à realidade da economia
mundial do pós-guerra e ao progressivo crescimento dos investimentos estrangeiros,
que se desenvolveu desde então, levou a questionamentos sobre sua validade. Alguns
destes questionamentos dirigiram-se apenas a alguns pressupostos ou resultados da
teoria neoclássica, buscando torná-la “mais realista”. Outros buscaram realizar críticas
mais profundas, dirigidas aos próprios fundamentos teóricos da visão neoclássica.
No primeiro grupo, estão os teóricos da que foi chamada de a “nova economia
internacional”, por exemplo, que se concentraram na crítica às suposições da teoria
neoclássica, tais como as relativas à competição perfeita, imobilidade dos “fatores” e
retornos constantes de escala. Autores como Krugman e Obstfeld (1999) procuraram
levantar algumas premissas do modelo Hecksher-Ohlin-Samuelson para incorporar
questões como economias de escala16 e “concorrência imperfeita” na análise. A
existência de economias de escala internas à firma implica que as grandes empresas
apresentem vantagens de custos sobre as pequenas, o que leva a que as formas de
mercado predominantes sejam o monopólio e, principalmente, o oligopólio. Estes
fenômenos são denominados pela teoria econômica tradicional como “imperfeições de
mercado” ou de “concorrência imperfeita”.
16
Economias de escala (ou rendimentos crescentes de escala): situação em que “[...] a produção é
mais eficiente quanto maior for a escala em que ela ocorre. Onde há economias de escala, dobrar os
insumos de uma indústria irá mais que dobrar a produção da mesma.” (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999,
p. 124)
36
Ao introduzir a “concorrência imperfeita” no modelo neoclássico, esses autores
afirmam conseguir explicar o padrão de comércio dominante na economia mundial do
pós-guerra, entre países com “dotações de fatores similares”. Para Krugman e Obstfeld
(1999), o conceito de “concorrência monopolista”17 é essencial para compreensão da
questão. O comércio entre países leva à conformação de um mercado maior do que o
nacional. Devido às economias de escala, nenhum país conseguiria produzir toda a
variedade de produtos manufaturados, devendo especializar-se em alguns. É o
conceito de “concorrência monopolista”, por prever a existência de produtos
diferenciados no interior de cada indústria, que explicaria esse tipo de comércio18. De
acordo com os autores citados, portanto, os países participam do comércio
internacional por duas razões básicas:
“Primeiro, os países comercializam porque são diferentes uns dos
outros. Os países, assim como os indivíduos, podem ser beneficiados
por suas diferenças, atingindo um arranjo no qual cada um produz as
coisas que relativamente faz bem. Segundo, os países comercializam
para obter economias de escala na produção. Isto é, se cada país
produz apenas uma variedade limitada de bens, ele pode produzir cada
um desses bens em uma escala maior e, portanto, mais eficientemente
do que se tentasse produzir tudo. Na realidade os padrões de comércio
internacional refletem a interação de ambos os motivos” (KRUGMAN e
OBSTFELD, 1999, p. 13).
Ou seja, o comércio ocorre quando há vantagens comparativas advindas das
diferenças nas “dotações de fatores” entre os países e/ou quando há “concorrência
imperfeita” devido às economias de escala, que levam os países a especializarem-se
em uma variedade menor de produtos destinados a um mercado maior devido ao
comércio exterior. No primeiro caso, o comércio é inter-indústria19 e ocorre
17
“Concorrência monopolista. Situação de mercado caracterizada pela existência de duas ou mais
empresas cujos produtos são muito semelhantes sem serem substitutos perfeitos um do outro, de forma
tal que cada empresa pode manter certo grau de controle sobre os preços. Na concorrência monopolista
– que é um caso de concorrência imperfeita –, existem elementos tanto da concorrência quanto do
monopólio. Segundo E.H. Chamberlin, teórico do assunto, “cada vendedor tem o monopólio de seu
produto, mas fica sujeito à concorrência de produtos substitutos, mais ou menos imperfeitos”.
(SANDRONI, 2002).
18
É curioso que os próprios autores, poucas páginas antes, considerem que poucas indústrias são bem
descritas pelo conceito de “concorrência monopolista” e, ao mesmo tempo, seja esse mesmo conceito
que explique o comércio baseado nas economias de escala, entre países desenvolvidos.
19
Comércio inter-indústria: troca de manufaturas por produtos primários, como alimentos.
Comércio intra-indústria: comércio nos dois sentidos no setor de manufaturas (KRUGMAN e
OBSTFELD, 1999).
37
fundamentalmente entre países desenvolvidos e “em desenvolvimento”, que têm
“dotações de fatores” diferentes. No segundo caso, o comércio é intra-indústria e dá-se
predominantemente entre países desenvolvidos e com “dotações de fatores similares”.
A explicação de Krugman e Obstfeld não representa uma ruptura com a teoria
neoclássica do comércio internacional. Os autores procuraram apenas torná-la um
pouco mais “realista”, modificando algumas suposições, mas sem questionar o conceito
de vantagens comparativas. A introdução da mobilidade internacional de capital ou da
imigração não tem qualquer conseqüência para suas conclusões sobre os padrões de
comércio internacionais. Para eles, o investimento internacional é apenas comércio
intertemporal. Os princípios do movimento internacional dos “fatores” não difeririam em
essência daqueles subjacentes ao comércio internacional de bens, ocorrendo pelos
mesmos motivos e produzindo resultados similares.
Outra vertente que produziu uma crítica à teoria ortodoxa do comércio
internacional foi a ligada à Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), que
teve como seu principal expoente o economista argentino Raul Prebish. Esta vertente,
no entanto, também não partiu do questionamento mais geral dos critérios desta teoria,
mas ateve-se a discutir sobre a validade de algumas de suas premissas e resultados. O
problema não seria a validade da teoria das vantagens comparativas como
determinante do comércio internacional, mas os efeitos de sua aplicação sobre as
economias periféricas. O elemento que impulsionou esta crítica foi a visível
inadequação das afirmações da teoria das vantagens comparativas em relação à
dinâmica concreta do comércio exterior dos países latino-americanos. Ao contrário do
propugnado pelos neoclássicos, o comércio internacional não estava levando a uma
situação de igualdade dos países subdesenvolvidos em relação aos desenvolvidos. Os
teóricos da CEPAL apontaram que, no comércio entre países exportadores de bens
primários e países industrializados, o que ocorria era uma deterioração dos termos de
intercâmbio dos primeiros em relação aos últimos.
Para construir esta visão, buscaram agregar outros dois elementos teóricos à
discussão sobre o comércio internacional. Um deles foi a discussão sobre as teorias a
respeito do crescimento econômico de longo prazo, a partir das conceituações teóricas
38
neoclássica e keynesiana. O desenvolvimento econômico se expressaria no aumento
do bem estar material, que se refletiria na elevação da renda real por habitante e seria
condicionado pelo crescimento da produtividade média do trabalho. Esta última
dependeria do aumento da acumulação e da conseqüente maior “densidade de capital”,
que seriam, por sua vez, impulsionadas pelo progresso técnico. Nas palavras de
Rodríguez:
“Deste modo, consideradas no nível mais alto de abstração, as idéias
sobre o desenvolvimento econômico coincidem com as que, em linhas
gerais, estão presentes nas teorias neoclássica e keynesiana, que o
concebem como um processo de acumulação de capital – estreitamente
ligado ao progresso tecnológico – mediante o qual se obtém a elevação
gradual da densidade de capital e o aumento da produtividade do
trabalho e do nível de renda” (RODRÍGUEZ, 1981, ps. 36 e 37).
Estendida esta leitura para o comércio internacional, a visão neoclássica
estabeleceria que a especialização dos países subdesenvolvidos na produção de bens
primários e dos países desenvolvidos em bens industrializados levaria ao ganho de
ambos os lados, não só porque cada país produziria os produtos em que obtivesse a
melhor vantagem comparativa, mas também que, em termos dinâmicos, todos se
beneficiariam do comércio por intermédio da distribuição eqüitativa dos frutos do
progresso técnico. Os benefícios do progresso técnico seriam obtidos pelos países
subdesenvolvidos através da redução dos preços dos produtos manufaturados. Assim,
a industrialização não se tornaria uma necessidade para o desenvolvimento dos países
periféricos, visto que estes, ao especializarem-se em produtos primários e ao entrarem
em relações comerciais com os países industrializados, obteriam maiores vantagens
comparativas e passariam a desfrutar de sua parte dos ganhos de produtividade
advindos do progresso técnico.
O segundo elemento teórico introduzido nesta análise dos teóricos da CEPAL foi
o da concepção do sistema centro-periferia. Segundo esta concepção, na visão
cepalina, as economias centrais seriam aquelas em que primeiro penetraram as
técnicas de produção capitalistas e as periféricas as que a produção permanece
inicialmente atrasada, do ponto de vista tecnológico e organizativo (RODRÍGUEZ, 1981,
p. 37).
39
A introdução e combinação destes dois elementos teóricos, ainda nos marcos da
concepção das vantagens comparativas como o critério objetivo de definição dos
padrões internacionais de comércio, foi a forma como estes autores encontraram para
questionar os resultados defendidos pelos neoclássicos em relação ao comércio
internacional e explicar a dinâmica concreta da deterioração dos termos de intercâmbio.
O que ocorreria, na prática, era que, nas relações comerciais entre países exportadores
de bens primários e de bens industriais, não se verificava a difusão eqüitativa dos
“frutos do progresso técnico”. Ao contrário, o que se observava era um mecanismo em
que os países desenvolvidos retinham os benefícios de seu progresso técnico e
captavam parte dos aumentos de produtividade dos setores exportadores dos países
subdesenvolvidos. De acordo com Rodríguez (1981), nos documentos que, pela
primeira vez, se plasma a concepção do sistema centro-periferia (...)
“[...] indica-se que os incrementos de produtividade derivados da
incorporação do progresso técnico não se traduziram em reduções
proporcionais dos preços monetários, os quais, ao contrário,
elevaram-se em vez de baixar, e que os aumentos foram maiores
na produção industrial do centro do que na produção primária
periférica” (Rodríguez, 1981, ps.39 e 40).
Foram identificadas como causas deste fenômeno, o fato de que a demanda de
bens primários tenderia a crescer em ritmo inferior ao crescimento da renda nos países
industrializados, que a demanda de bens industrializados nos países periféricos
tenderia a crescer acima do aumento da renda nestes países e, que haveria uma
tendência a geração de um excesso de mão de obra nos países periféricos.
“Este último fator é, segundo a CEPAL, aquele que em última instância
explica a deterioração sistemática dos termos de intercâmbio. Em tal
sentido, assinala que na produção primária, existe normalmente uma
sobra de força de trabalho que gera uma pressão à baixa nos salários e
preços dos produtos primários, devido a duas razões: a alta taxa de
crescimento populacional existente nos setores de produção primária e
um progresso técnico poupador de força de trabalho” (Caputo e Pizarro,
1974, p. 34).
A tendência à deterioração dos termos de intercâmbio (...)
40
“[...] se manifesta através das flutuações típicas do capitalismo. Durante
as fases de auge, os preços primários aumentam mais do que os preços
industriais, porém baixam mais nas fases de declínio. E essa baixa é tão
maior que os preços dos produtos de exportação da periferia perdem,
durante as fases de contração, mais do que haviam ganho nas fases de
auge. Dessas variações conjunturais resulta a tendência à deterioração
a longo prazo dos termos de intercâmbio” (Rodríguez, 1981, p. 41).
Para a CEPAL, o comportamento dos preços e a tendência à deterioração são
influenciados pela maior capacidade da força de trabalho dos países centrais para
conseguir aumentos de salário ou evitar sua compressão (maior escassez relativa e
melhor organização) e pelas vantagens que contam os empresários dos países
industriais para proteger o nível dos seus lucros em comparação com os empresários
da periferia (produção atomizada e ocupando as primeiras fases do processo produtivo)
(Rodríguez, 1981, p. 41).
A dinâmica das relações internacionais (centradas no comércio, de acordo com a
CEPAL) implicaria, então, no alargamento das brechas entre centro e periferia, por
intermédio da deterioração dos termos de intercâmbio. Para superar esta situação,
propugnavam a mudança do eixo de desenvolvimento para a industrialização,
transformando o setor externo em complementar à economia interna. Contavam, para
isto, com a ajuda do capital estrangeiro para auxiliar no financiamento das importações
dos bens de produção necessários ao processo de industrialização, cumprindo este,
portanto, apenas um papel temporário.
A crítica dos teóricos da CEPAL foi basicamente empírica e não metodológica e
foi motivada pela impossibilidade da teoria convencional em explicar os movimentos
concretos das balanças comerciais dos países da América Latina. Esta crítica não
questiona o critério das vantagens comparativas como determinante dos padrões de
comércio internacional. Ao tentar desvendar os padrões de comércio da América Latina,
procura apenas emendá-la, questionando alguns pressupostos e resultados e
agregando outros elementos teóricos.
Diferente dos teóricos da “nova economia internacional” e da CEPAL, Caputo e
Pizarro (1974), realizaram uma crítica mais global e sistemática não só aos
pressupostos da teoria ortodoxa sobre o comércio internacional, mas também ao
41
método que utiliza em suas teorizações. Apontaram que o método da teoria ortodoxa
faz dela uma teoria formal, a-histórica e apologética. Ela é formal em um duplo sentido:
“Em primeiro lugar, desde o ponto de vista da natureza da abstração
com que ela opera, ao dar-se determinados supostos sobre os
fenômenos econômicos e depois mediante a dedução extrair
logicamente um conjunto de conclusões a respeito dos fenômenos em
questão. Em segundo lugar, quanto à operacionalização das
construções e modelos da teoria, já que, a este respeito, se introduzem
determinados supostos normativos que expressam o sentido que
deveria ter o fenômeno que se estuda, antes que compreender o caráter
e natureza real do fenômeno” (Caputo e Pizarro, 1974, ps. 25 e 26).
A teoria ortodoxa, então, ao invés de partir da realidade como ela se apresenta,
parte de pressupostos arbitrários e deduz por um processo puramente lógico, as “leis”
de funcionamento da economia. Procura, além disso, afirmar como a economia deveria
funcionar a partir do resultado destas deduções.
“Por outra parte, no que se refere ao caráter normativo dos modelos e
construções conceituais da teoria ortodoxa, podemos assinalar que,
justamente, o princípio das vantagens comparativas, ao afirmar que um
país ‘deve’ produzir aqueles bens nos quais tem maiores vantagens
relativas de produção, introduz uma clara normalização quanto ao
fenômeno em estudo. O que a teoria ortodoxa faz, então, é acercar um
modelo construído abstratamente a uma certa realidade e, em tal
sentido, em vez de descobrir as leis que regem o desenvolvimento das
relações econômicas internacionais, impõe as relações do modelo,
mediante puro raciocínio lógico dedutivo, à realidade que se quer
compreender” (Caputo e Pizarro, 1974, p. 26).
A teoria ortodoxa é a-histórica porque suas categorias são consideradas válidas
e utilizáveis independentemente do modo de produção, visto que estas se fazem
extensivas a qualquer forma de produção e organização econômico-social. “Assim, a
teoria ortodoxa do comércio internacional trabalha com modelos e supostos que se
querem fazer válidos em todo tempo e lugar” (Caputo e Pizarro, 1974, p. 27). Assim,
“[...] a idéia de países que se enfrentam em forma independente a outros
países no mercado mundial, desconhece a existência do processo de
integração mundial do sistema e, portanto, tal fato constitui uma mostra
da impossibilidade da teoria ortodoxa, de entender as relações
econômicas internacionais como um processo histórico. O caráter ahistórico da teoria ortodoxa não permite recuperar para a análise as
distintas experiências históricas dos países em seu enfrentamento no
mercado mundial, o qual impede compreender o caráter específico que
42
assumem as relações econômicas internacionais nos distintos períodos
históricos (por exemplo, as condições de exploração do comércio
mundial, que tiveram os países hoje desenvolvidos, não subsistem para
os países hoje subdesenvolvidos).
Quer dizer, a teoria ortodoxa do comércio internacional é incapaz
de estudar as distintas situações histórico-concretas, no relativo às
relações econômicas internacionais, de tal maneira que não pode
descobrir as leis que regem o desenvolvimento do comércio
internacional” (Caputo e Pizarro, 1974, p. 27).
O caráter apologético da teoria ortodoxa é derivado de que esta concebe as
sociedades como se fossem totalidades homogêneas. Este elemento, somado ao seu
caráter a-histórico, levam à impossibilidade desta teoria de levar à compreensão das
mudanças históricas da sociedade e de suas diferenciações internas. Isto mostra-se
com clareza em seus pressupostos, como no de que os países atuam como unidades
econômicas independentes e em condições de igualdade e de autonomia, ou no de que
os distintos países teriam livre escolha de tecnologias, entre outros.
De acordo com os próprios autores, suas críticas, embora restritas aos
pressupostos e à metodologia da teoria ortodoxa do comércio internacional, devem
levar a um enfrentamento com ela. Sua intenção não foi a de tornar a teoria ortodoxa
“mais realista”, mas a de contribuir para a conformação de uma crítica que a conteste
como um todo, tanto em seus pressupostos como internamente. Para eles, uma
verdadeira crítica deve gerar uma ruptura epistemológica que signifique superar a
crítica marginal no interior da teoria.
Neste sentido, podemos apontar o trabalho de Shaikh, que produziu uma crítica
profunda, dirigida aos próprios fundamentos da escola neoclássica, questionando o
“princípio” das vantagens comparativas desde um ponto de vista marxista, defendendo
que o comércio internacional, assim como o doméstico, é regulado pelo princípio das
vantagens absolutas de custo. A questão seria explicar como o livre comércio tem suas
raízes nas diferenças internacionais duradouras em salários e tecnologia, e como ao
mesmo tempo as reproduz continuamente.
O autor parte de pressupostos realistas, diferenciando-se assim do método da
teoria neoclássica. Supõe que tanto o capital financeiro como o não financeiro fluem de
um país para outro em busca de maiores rendimentos; que os obstáculos à mobilidade
internacional do capital são muito menores do que as que freiam a mobilidade
43
internacional do trabalho; que no interior de cada indústria, tanto nacional como
internacional, as novas tecnologias se introduzem sucessivamente, à medida que as
mais antigas se fazem menos competitivas até finalmente desaparecerem.
A dinâmica incessante de mudanças tecnológicas previstas no último suposto
implica na existência de um espectro de técnicas operativas no interior de cada
indústria, de forma que são os capitais que têm a capacidade de reproduzir o produto
com menores custos é que regularão as condições de custo em que se baseiam os
preços de mercado. Isso ocorre porque são essas condições de produção as que
constituem o objetivo dos fluxos de novos investimentos. Como é a rentabilidade destes
novos investimentos que regula os fluxos de capital entre indústrias, a taxa geral de
lucro se formará em conseqüência dos movimentos de capital entre as condições
reguladoras de produção de cada indústria. As taxas de lucro que se igualam por estes
fluxos de capital são as correspondentes aos novos investimentos realizados em ditas
condições reguladoras. Os capitais não reguladores se verão forçados pela competição
a vender ao mesmo preço, e obterão em conseqüência uma gama de taxas de lucro
determinadas por suas respectivas condições individuais de produção.
Shaikh (1999) procura demonstrar que o comércio internacional é regulado pelas
vantagens absolutas de custos. A teoria econômica convencional defende que, dentro
de um país, são as vantagens absolutas de custo que dirigem a competição.
“O que é curioso é que quando a teoria econômica convencional
considera o livre comércio entre países, abandona essa análise
eminentemente sensível da competição. No comércio internacional, é
defendido, não são os custos absolutos, mas os comparativos que
regulam o comércio” (SHAIKH, 2000, p. 2).
Esta afirmação da teoria convencional baseia-se na suposta existência de um
mecanismo automático que operaria através de mudanças na taxa de câmbio real, de
forma a equilibrar a balança comercial.
“Isso ocorreria porque a depreciação pressuposta da taxa de câmbio
real [de um país que esteja apresentando déficit comercial] reduziria os
preços internacionais dos produtos do país e aumentaria os preços dos
produtos dos parceiros comerciais, levantando, por meio disso, suas
exportações e restringindo suas importações. É suposto que esse
processo continuaria enquanto o desequilíbrio comercial permanecesse.
Esse mesmo mecanismo erodiria o superávit comercial de um país com
44
uma vantagem competitiva inicial até que ele também chegue ao
equilíbrio comercial. Assim, no final, todas as nações estão igualmente
competitivas.” (SHAIKH, 2000, p. 2).20
No entanto, como o demonstrou Shaikh, não há nenhum mecanismo automático
que iguale exportações e importações e faça valer as vantagens comparativas. O
mesmo princípio geral da vantagem absoluta de custos regula tanto a competição
dentro de um país como a entre países. Shaikh recorda que:
“Em um ambiente competitivo dentro de qualquer país, regiões de altos
custos sofrem de uma desvantagem competitiva que torna mais difícil
para elas vender para fora da região e mais provável importar produtos
das regiões com custos mais baixos, levando-as assim a exibir déficits
estruturais na “balança comercial” – pelo menos até que elas consigam
reduzir seus custos relativos. Tais déficits teriam, é claro que ser
financiados, tanto pelo refluxo de alguns estoques monetários, ou pela
atração de outros fundos de fora da região para cobrir suas
necessidades líquidas de importação.” (SHAIKH, 1998).
Sua análise procura, então, integrar o comércio e o investimento. A mobilidade
internacional do capital permite um fluxo de capitais reguladores que tende a igualar as
taxas de lucros internacionais. O ponto em que se igualam as taxas de lucro
corresponderá geralmente a desequilíbrios comerciais. Mesmo quando há uma situação
em que o equilíbrio comercial é factível em termos de rentabilidade, isso geralmente
ocorrerá com taxas de lucro distintas entre países. Assim, as taxas de lucro desiguais
provocarão fluxos internacionais de capital, que moverão os termos de troca para um
ponto em que haja desequilíbrio comercial. Desde esse ponto de vista, os
desequilíbrios comerciais serão uma conseqüência perfeitamente normal do livre
comércio, em presença de mobilidade internacional de capital. Portanto não ocorre a tal
mudança nas taxas de câmbio reais que igualem exportações e importações. Ao
contrário, toda a evidência empírica demonstra que os desequilíbrios nas balanças
comerciais são a regra e os equilíbrios, quando ocorrem, são efêmeros.
20
Um primeiro problema é que para que esse resultado ocorra, é necessário que as condições de
“elasticidade” sejam propícias, ou seja, que a taxa física das exportações sobre as importações cresça
mais que a queda nos preços relativos das exportações sobre as importações. Caso contrário, o efeito
seria oposto, piorando a balança comercial do país deficitário e melhorando a do superavitário.
45
A simples existência da mobilidade internacional do capital financeiro é suficiente
para obter este resultado, mesmo sem levar em conta a existência dos fluxos de
investimento estrangeiro direto. Um país que tenha superávit comercial receberá um
influxo de fundos, o que por sua vez ampliará a disponibilidade interna de crédito e fará
cair as taxas de juros internas. Simetricamente, um país que apresente déficits
comerciais sofrerá um refluxo de fundos, diminuindo sua disponibilidade de créditos,
elevando suas taxas de juros. O diferencial de taxas de juros entre os países resultante
desse processo fará com que o capital em busca de lucro migre dos países com
superávits comerciais em direção aos com déficit na balança comercial. Assim, o país
superavitário torna-se emprestador líquido no mercado mundial e o país com déficit
converte-se em tomador líquido de empréstimos. Ao invés de eliminar os desequilíbrios
comerciais, esse processo os sancionaria com os fluxos de capitais (SHAIKH, 2004).
Os países com déficits comerciais persistentes seriam forçados a diminuir suas
reservas e a depender de empréstimos estrangeiros para cobrir tais déficits. Como uma
de suas conclusões, Shaikh afirma que o livre comércio em si assegura que os países
avançados dominarão a troca internacional, e que as nações menos desenvolvidas
cairão cronicamente em déficits e cronicamente em dívidas.
Para Shaikh, na competição real, os preços, e conseqüentemente, os termos de
troca, são regulados pelos custos reais relativos o tempo todo. A teoria da competição
real implica que o comércio internacional favorecerá aqueles países aptos a produzir a
custos mais baixos (SHAIKH, 2004). Os custos reais dependem de três fatores: os
salários reais, o nível de desenvolvimento tecnológico e a disponibilidade de recursos
naturais. Países desenvolvidos costumam possuir altos níveis tecnológicos e salários
reais maiores. Os países pobres possuem baixo nível tecnológico e salários mais
baixos e, em vários casos, têm acesso a recursos naturais. Se for considerado o
conjunto dos produtos, os países subdesenvolvidos, apesar de seu atraso em geral,
costumam possuir um certo número de produtos em que apresentam vantagens
absolutas, quer porque conseguem produzi-los de forma mais eficiente, quer porque
são peculiares a eles. Entretanto, mesmo a vantagem que os países pobres tiram dos
baixos salários de seus trabalhadores pode erodir-se,
“[...] a menos que suas tecnologias avancem mais rapidamente, e/ou
seus salários reais avancem menos rapidamente que nos países ricos. A
46
variável crucial nessa dinâmica é o diferencial de progresso técnico: se
os países ricos estão avançando a um passo rápido, então os países
pobres têm que ampliar a diferença de salário real para manter mesmo
as vantagens de custo que têm. Isso seria a própria antítese do
desenvolvimento.” (SHAIKH, 2004)
Também a vantagem que alguns países pobres obtém em termos do acesso
privilegiado a recursos naturais pode a ser corroída com o tempo, visto que o progresso
técnico leva à substituição de matérias primas naturais por materiais sintéticos, à
economia de energia e de insumos por unidade produzida e devido ao aumento da
concorrência entre os diversos países produtores.
Trocando em miúdos, as tendências automáticas do livre comércio entre as
nações capitalistas em níveis diferentes de desenvolvimento não eliminam as
desigualdades. Ao contrário, as perpetuam e aprofundam. Caso não haja outros
elementos que contrabalancem estas tendências, a moeda do país deficitário e devedor
irá perder a credibilidade e o valor de suas importações retrocederá ao nível permitido
por sua capacidade exportadora, descontados os pagamentos dos serviços da dívida.
Ainda no terreno comercial, medidas protecionistas e de incentivo às exportações são
elementos encontrados comumente em termos de política de comércio exterior em
resposta aos déficits externos.
Esta dinâmica se torna mais complexa quando passamos a considerar o papel
que cumpre o investimento estrangeiro direto. As próprias necessidades do processo
de valorização e da competição entre os capitais empurram-nos em direção às regiões
em que podem obter as maiores taxas de lucro e melhor localização na disputa por
mercados. Vários aspectos, entre eles o clima, o acesso a recursos naturais, a
localização, podem ser determinantes para a obtenção de menores custos de produção
nos países atrasados, ao ponto que tornem vantajosa a exportação de capitais
produtivos para estas áreas, levando consigo, em geral, as técnicas mais modernas e
eficientes. Mas o atrativo que é a característica social geral das economias
subdesenvolvidas é o baixo custo da força de trabalho, isto é, do efeito combinado das
diferenças na produtividade direta, a extensão e intensidade do dia de trabalho e das
taxas salariais (SHAIKH, 1980b). Combinada com isto está a motivação da conquista ou
defesa de mercados para a realização da produção. Para isto, as firmas muitas vezes
47
se vêem levadas a saltar fronteiras para superar barreiras protecionistas ou dificuldades
de outras ordens e instalar filiais dentro de outro território nacional.
Um aspecto central da discussão é o de que o comércio e o investimento não
são feitos pela nação-como-um-todo, mas pelas empresas que estão localizadas em
países com diferentes níveis de desenvolvimento tecnológico, de salários reais e de
acesso a recursos naturais. As empresas investem buscando maiores rendimentos e
menores custos. Produtores com altos custos perdem para os com baixos custos e
países de alto custo tendem a sofrer déficits comerciais. O mais forte, no livre mercado,
domina o mais fraco. As firmas procuram estratégias e táticas competitivas para a
obtenção de fatias maiores do mercado. Reduções de preços e cortes de custos são
parte fundamental dessas estratégias. Nesta competição, os investimentos estrangeiros
diretos não apenas disputam no mercado interno do país receptor, mas muitas vezes
buscam competir no mercado mundial, incluindo nos países-sede das empresas.
Utilizam para isso as vantagens competitivas de custo adquiridas na economia
receptora.
Sob o ponto de vista da balança comercial, o papel do investimento estrangeiro
direto é contraditório. Ele pode vir a ser uma das formas de contrabalançar os déficits
comerciais, não só através da substituição de importações, mas também pelo
estabelecimento de um setor exportador em condições de competir no mercado
mundial. O investimento estrangeiro direto também é utilizado, no momento de sua
entrada, para compensar o déficit comercial corrente ou para permitir que se incorra em
um. Por outro lado, amplia também as necessidades de importação de insumos,
máquinas e equipamentos. O efeito líquido do na balança comercial deve ser analisado
caso a caso. O que é importante ressaltar neste momento é que o investimento
estrangeiro direto não é fruto de uma decisão do país receptor, mas está sob o controle
da empresa investidora e somente será feito em seu próprio proveito.
A inadequação cada vez maior da explicação neoclássica perante as mudanças
nos padrões das transações econômicas internacionais, em especial no que toca à
emergência dos investimentos externos diretos, levou a que uma série de estudiosos
procurassem novas abordagens, entre os quais podemos destacar os trabalhos de
Vernon e Hymer. Estes, como outros, começaram a procurar integrar em uma mesma
48
visão o comércio e o investimento internacionais, partindo do estudo do comportamento
das grandes corporações, em especial as norte-americanas, que adquiriam feições
cada vez mais multinacionais, instalando plantas no estrangeiro. Entre seus maiores
méritos esteve o de apontar as grandes empresas como os principais sujeitos do
processo, ao buscarem as melhores estratégias para conquistar mercados e obter
maior eficiência na produção. Desfocaram com isso o país-como-um-todo enquanto
unidade de análise.
A abordagem de Vernon baseou-se fortemente na busca de vantagens
competitivas pelas empresas, amparadas na inovação tecnológica e na busca por
menores custos. Vernon (1966) ressaltou a inadequação das ferramentas analíticas
disponíveis e a necessidade da formulação de novos conceitos. Em seu texto
“Investimento Internacional e Comércio Internacional no Ciclo do Produto”, de 1966, o
referido autor buscou uma explicação para as características do comércio e do
investimento externo dos EUA naquele período, que começava a revelar-se
contraditório com as bases teóricas mais aceitas, como o demonstrou o paradoxo de
Leontief.
Para Vernon, o comércio internacional poderia ser explicado através da dinâmica
de inovação protagonizada pelas grandes empresas multinacionais. Sua abordagem
realçou “o ritmo do fluxo de inovações, os efeitos das economias de escala e os papéis
da ignorância e da incerteza sobre a determinação dos padrões de comércio”
(VERNON, 1979, p. 90). Ele dividiu o que chamou de ciclo do produto em três fases: o
produto novo, o produto maduro e o produto padronizado.
Segundo o autor, as empresas de qualquer país avançado do mundo não são
perceptivelmente diferentes daquelas em qualquer outro país avançado em termos de
seu acesso ao conhecimento científico e de sua capacidade para compreender
princípios científicos. Contudo, haveria uma distância entre o conhecimento de um
princípio científico e a incorporação do princípio em um produto comercializável.
Na primeira fase o produto seria pouco padronizado, seus insumos, seu
processamento e suas especificações poderiam cobrir um amplo espectro. Os
empresários, nesse estágio, estariam particularmente preocupados com o grau de
liberdade que teriam na mudança de seus insumos e com a necessidade de
49
comunicação rápida e efetiva com os consumidores, supridores e mesmo com os
competidores. As diferenças de custo não teriam tanta importância.
“Todas essas considerações argumentam em prol de uma localização
em que a comunicação entre o mercado e os executivos diretamente
interessados pelo novo produto seja rápida e fácil e na qual possa haver
uma variedade de tipos potenciais de insumo que poderiam ser
necessários à unidade de produção. Em suma, o produtor que vê um
mercado para algum novo produto nos Estados Unidos pode ser levado
a escolher uma localização nesse país baseando-se em considerações
nacionais de localização que se estendem bem além das considerações
simples da análise de custo de fatores e transporte.” (VERNON, 1979, p.
95).
Na segunda fase, o produto estaria maduro, a necessidade por flexibilidade
declinaria, a padronização de um conjunto de produtos abriria a possibilidade de
alcançar economias de escala através da produção em massa e encorajaria
compromissos de longo prazo para alguns processos dados a alguns conjuntos fixos de
instalações. O interesse nos custos de produção começaria a tomar o lugar do interesse
nas características do produto. Alguma demanda para o produto começaria a aparecer
em outros lugares. Uma vez que o mercado se expanda nos países avançados, os
empresários poderão começar a arriscar-se na construção de instalações produtivas
locais. Em vários casos, para evitar a ameaça da perda de um mercado, empresas que
antes exportavam passam a investir na produção local.
No terceiro estágio, de maior padronização de alguns produtos, os países menos
desenvolvidos podem oferecer vantagens competitivas como local de produção. O
baixo custo do trabalho pode ser a atração inicial puxando o investidor para áreas
menos desenvolvidas.
Os primeiros trabalhos de Hymer amparavam-se fundamentalmente no aparato
teórico neoclássico. O objeto de seus estudos foi a natureza e as causas do
investimento
estrangeiro.
Entretanto,
esse
objeto
já
continha
em
germe
o
questionamento dos pressupostos básicos das teorias neoclássicas do comércio e do
investimento internacionais. Sua tese de doutoramento21 apresentou uma distinção
importante que pôs em cheque a visão neoclássica a respeito dos investimentos
internacionais. A teoria neoclássica dos fluxos de portfólio tratava indistintamente os
21
HYMER, Stephen. The International operations of national firms: a study of direct investment. MIT,
1960.
50
fluxos de investimento externo como governados pelas diferenças nas taxas de juros
entre os países, ponderadas pelos riscos. Esta teoria não conseguia explicar a
existência
dos
investimentos
cruzados
entre
os
países
desenvolvidos
e
a
preponderância dos investimentos diretos no estrangeiro sobre as aplicações em
carteira. Hymer contestou esta visão diferenciando claramente os investimentos em
carteira dos investimentos diretos, baseado na questão do controle. Outro aspecto
básico de sua teoria era a questão das “imperfeições de mercado” e no poder de
mercado das firmas oligopolistas como motivação para as firmas investirem no exterior.
Seu
trabalho
concentrou-se
então
no
estudo
do
investimento
direto
e,
decisões
de
conseqüentemente, das empresas multinacionais.
Hymer
argumentou que essas
empresas tomariam suas
investimento baseadas mais na necessidade de garantir uma posição competitiva no
mercado do que na perspectiva de lucros de curto prazo (HYMER, 1978, p. 14). Para
compensar os inconvenientes de se investir no exterior (riscos de mudanças,
dificuldades de obter informações e coordenar decisões à grandes distâncias, políticas
nacionais discriminatórias em relação a estrangeiros, etc.), seriam necessárias
vantagens especiais, encontradas em setores oligopolizados, que contenham barreiras
à entrada. Quando a empresa possui privilégios, sob a forma de patentes, produtos
específicos, melhores conhecimentos técnicos ou maiores facilidades de financiamento,
encontra-se em condições de compensar as inconveniências.
“Sua possibilidade de superar a desvantagem que implica sua condição
de estrangeira será tanto maior [...] quanto mais rigorosas sejam as
condições impostas ao ingresso de outras empresas, quanto mais alto o
grau de concentração e maior o privilégio.” (HYMER, 1978, p. 20)
Em seus textos, ao longo dos anos 60, considerava o investimento direto no
estrangeiro como essencialmente positivo, pois contribuiria para a integração da
economia mundial, ao tomar emprestado onde é mais barato e investir onde é mais
produtivo, ao difundir a técnica mais avançada, ao repartir de maneira mais eficaz os
produtos e “fatores” no mundo. Como aspecto negativo citava os problemas criados
pelas grandes dimensões e pela posição dominante de certas empresas multinacionais
que, ao gerar situações de oligopólio, podem provocar sérios problemas econômicos e
51
políticos, diminuindo a concorrência e concentrando o poder de decisão e a potência
financeira. Nestes casos, defendia medidas restritivas por parte de governos nacionais.
Como elementos constitutivos de sua visão, assumia uma série de pressupostos
incompatíveis com os presentes nas teorias neoclássicas do comércio e do
investimento internacional, tais como a mobilidade internacional dos “fatores”, as
economias de escala e o tratamento da própria empresa multinacional como unidade
fundamental de análise da economia internacional ao invés do país-como-um-todo
(integração internacional dos negócios das empresas).
Em seus escritos posteriores, já no início dos anos 70, se aproximou do
marxismo e passou a ser um contundente crítico da ação das empresas multinacionais,
observando não apenas as empresas e suas motivações, mas também como elas
transformaram os padrões do sistema econômico internacional, aprofundando seu
caráter desigual e hierárquico. Procurou, assim, constituir uma visão mais sistêmica,
focando sua análise nas tendências da empresa multinacional (o microcosmos) e
vinculando-as à evolução da economia internacional (o macrocosmos). Em um tom um
tanto exagerado, afirmou que, para as empresas multinacionais, as fronteiras nacionais
estão traçadas com tinta invisível.
Segundo a nova visão adotada por Hymer, a expansão da empresa internacional
compreende um duplo movimento de descentralização e centralização, diferenciação e
integração. Por um lado, difunde o capital e a tecnologia. Por outro, centraliza o controle
estabelecendo uma rede integrada verticalmente, na qual diferentes áreas se
especializam em diferentes níveis de atividade. Partindo da descrição de Chandler e
Reidlich22 a respeito da organização da grande empresa norte-americana, Hymer
procurou demonstrar que a estrutura hierárquica das empresas multinacionais refletiase na hierarquia entre os países. Para Hymer a empresa multinacional seria integrada,
esquematicamente, por 3 níveis, referentes às operações, à coordenação e à
estratégia, classificadas da seguinte maneira: Nível III – atividades operacionais:
amplamente difundidas pelo mundo como resposta às pressões dos indivíduos, dos
mercados e dos insumos. Nível II – atividades de coordenação: devido à necessidade
22
Alfred D. Chandler, foi um dos mais conhecidos estudiosos da história da grande empresa norteamericana. Hymer utilizou aqui o trabalho de Chandler em parceria com Fritz Reidlich, “Recent
developments in American Business Administration and Their Conceptualization”, publicado em Business
Hystory Review, primavera de 1961.
52
de empregados de escritório, de sistemas de comunicação e informação, tende a se
concentrar nas grandes cidades. Portanto, mais concentradas geograficamente que as
de Nível III. Nível I – atividades estratégicas: escritórios centrais, tendem a estar mais
concentradas que as de Nível II, pois devem localizar-se próximos do mercado de
capitais, dos meios de comunicação e do governo. No vértice da pirâmide seriam
essenciais a confiança e a compreensão e para exercer o poder são necessários a
comunicação e o contato pessoal. Quem se encontra fora dessa trama não participaria
efetivamente na configuração e na distribuição do poder e de seu valor (HYMER, 1978,
ps 81 e 82).
“O desenvolvimento da empresa pode então ser concebido como um
processo de centralização e aperfeiçoamento do processo de acumulação
de capital. O empresário marshalliano era um homem-orquestra. Na
moderna empresa multidivisional, há um poderoso escritório central para
planejar e organizar conscientemente o crescimento do capital da
empresa. É aqui que estão situados os homens-chaves que realmente
distribuem os recursos disponíveis da empresa (não tomam como dados
os recursos que lhes são alocados, como o fazem os executivos dos
níveis inferiores). Seu poder reside, em ultima instância, em seu controle
sobre os homens e sobre o dinheiro, e, se não se deve se superestimar
sua capacidade para controlar um vasto império, não há porque
subestimá-la.” (HYMER, 1978, p. 50)
A aplicação uma teoria da localização a este esquema sugeriria uma
correspondência entre a centralização do controle dentro da empresa e a centralização
do controle na economia internacional. O regime das multinacionais tenderia a produzir
uma divisão hierárquica do trabalho entre regiões geográficas semelhante à divisão
vertical do trabalho dentro da empresa. As atividades do Nível I estariam concentradas
nas principais cidades do mundo, como Nova Iorque, Londres, Paris, Tóquio, Bonn (na
época capital da Alemanha Ocidental). No outro extremo, as atividades de Nível III
estariam disseminadas por todo o mundo, de acordo com a influência da força de
trabalho, dos mercados e das matérias primas.
Neste ponto, dois aspectos merecem destaque a respeito da visão de Hymer em
relação à decisão sobre o investimento direto por parte da empresa: 1) é uma decisão
de longo prazo, baseada fundamentalmente na posição competitiva da empresa; 2) em
que pese a disseminação da estrutura organizativa e produtiva da empresa no nível
internacional (em diferentes graus), suas diferentes partes devem estar sob claro
controle dos escritórios centrais. Destes aspectos derivam-se algumas características
53
observadas no comportamento das empresas multinacionais em relação aos fluxos de
recursos de financiamento das operações das subsidiárias. As firmas fornecem às
subsidiárias quase todos os recursos próprios, sejam quais forem as condições nos
países que operam. Mas, em relação ao capital de empréstimo, costumam levantá-lo
em parcelas consideráveis nos mercados locais em que são feitos os investimentos
(HYMER, 1978, p 28).
Para Hymer, a explicação para este comportamento aparentemente ambíguo
deve ser buscada no desejo da matriz de manter o controle sobre a filial, por um lado, e
na aversão ao risco, por outro. Ao ficar com o capital próprio sob controle total da
matriz, esta livra-se das disputas com interesses locais sobre a administração dos
negócios, permitindo-se manter o caráter global de seu planejamento. A aversão ao
risco é o que levaria as empresas a tender a buscar seu capital de empréstimo no
mercado local, ao invés de trazê-lo de outros lugares a custos menores. Muitas vezes,
por exemplo, internar recursos em moeda forte em economias sujeitas a problemas
cambiais pode significar perdas importantes.
Os dois autores descritos acima podem ser considerados como representantes
de toda uma gama de estudiosos das tendências da economia mundial que, a partir da
evidência empírica acumulada no período posterior à segunda guerra mundial, foram
levados a trazer para o centro da análise do papel da grande empresa multinacional e
os investimentos diretos como elementos explicativos fundamentais da realidade23. E
nesta análise aflorou o caráter sistêmico e hierarquizado (ciclo do produto para Vernon
e questão do controle para Hymer) da economia mundial.
Fato ilustrativo é que os dois autores partiram do referencial neoclássico e, ao
confrontarem-no com a realidade, chegaram ao questionamento desta abordagem.
Conforme vimos, para a teoria neoclássica, o elemento chave para a explicação das
transações econômicas internacionais é o comércio, que ocorreria entre países,
baseado no critério das vantagens comparativas e de acordo com a “dotação de
fatores” de cada país. A movimentação de capitais teria uma função temporária e
23
O processo de expansão das empresas multinacionais foi, a princípio, característico das grandes firmas
norte-americanas. Entretanto, desde o final da década de 50, mas em especial nas de 60 e 70, as
empresas européias e japonesas também começaram a expandir-se para o exterior, a exemplo das
norte-americanas.
54
compensatória dos desequilíbrios comerciais entre os países ou seria vista apenas
como “comércio inter-temporal”.
Do outro lado, desde o início do século, houve uma série de autores (como
Hilferding, Bukharin, Rosa Luxemburgo, Lênin) que enxergaram o papel central das
exportações de capitais na definição das relações econômicas internacionais. Em sua
discussão a respeito do imperialismo, Lênin (1979) afirmava que o que caracteriza o
capitalismo moderno, no qual impera o monopólio, é a exportação de capital. A
possibilidade de exportação de capitais é determinada pelo fato de uma série de países
atrasados terem sido já incorporados na circulação do capitalismo mundial, de terem
sido já construídas as infra-estruturas de transportes necessárias e asseguradas as
condições elementares para o desenvolvimento da indústria. A necessidade da
exportação de capitais obedece ao fato de que em alguns países o capitalismo
“amadureceu excessivamente” e o capital carece de campo para sua colocação
“lucrativa” (LÊNIN, 1979, ps. 621 e 622).
Está na centralidade da exportação de capitais na fase imperialista do
capitalismo o elemento explicativo principal para a compreensão da dinâmica das
transações internacionais. Cada vez mais é o movimento de capitais que explica o
movimento de mercadorias, de rendas e de serviços. Uma prova disto é que uma parte
considerável
do
comércio
internacional
ocorre
no
âmbito
das
corporações
multinacionais, sendo o comércio entre empresas do mesmo grupo uma parcela
considerável deste montante. Em relação às transações envolvendo os serviços
correntes o quadro é ainda mais claro neste sentido. É nos movimentos internacionais
de capitais que está a chave para a análise das informações contidas nas contas do
Balanço de Pagamentos.
2.3. As transações internacionais e o balanço de pagamentos
O crescimento da relevância do investimento estrangeiro direto e a conseqüente
transnacionalização das grandes corporações alteraram profundamente os padrões de
comércio internacional, assim como de todas as outras transações econômicas que
atravessam as fronteiras entre os países. O investimento direto implica em vínculos
duradouros entre a empresa que investe e o território político e econômico em que ele é
realizado. Esses vínculos se traduzem em transações de vários tipos que se tornam
55
permanentes e que levam a mudanças estruturais no perfil da produção, do comércio
exterior e das necessidades e formas de financiamento externo, tanto das economias
hóspedes, quanto das economias das sedes das matrizes das empresas. O que é
importante ressaltar neste ponto é a identificação do processo como estrutural e
permanente e não como compensatório e temporário.
A transnacionalização das empresas dos países desenvolvidos e a ação delas
sobre a economia mundial e as economias nacionais têm implicações relevantes na
discussão a respeito do Balanço de Pagamentos. O Balanço de Pagamentos nos leva a
enxergar as transações internacionais como ocorrendo entre países e não entre
empresas ou mesmo intra-empresas. A teoria econômica tradicional, ao partir do país
como unidade de análise, incorre em um erro que tem conseqüências em seus
desenvolvimentos e conclusões posteriores. Um país não é um sujeito, não compra ou
vende, empresta ou toma emprestado, nem investe ou recebe investimentos. As
transações econômicas internacionais ocorrem dentro dos territórios políticos dos
países e atravessam suas fronteiras, mas os países não são seus agentes. Quem
transaciona são as empresas, os trabalhadores, os governos, etc. Tais agentes são
denominados no Balanço de Pagamentos de “unidades residentes” e “unidades não
residentes” no país. Entre esses agentes, os que cumprem, de longe, o papel mais
relevante nas transações internacionais são as empresas. Ao contrário do que diz a
teoria neoclássica, o objetivo das empresas ao comercializar, emprestar, tomar
emprestado ou investir não é o da maximização da produção, do consumo ou do bemestar da nação ou do mundo-como-um-todo, mas a obtenção do lucro e a acumulação
de seu capital individual.
O país não é irrelevante para as transações econômicas. Ao contrário, a
existência de unidades políticas territoriais nacionais formalmente independentes tem
várias implicações sobre a dinâmica do comércio e do investimento. A presença de
governos, leis e moedas nacionais, de barreiras tarifárias e não tarifárias, além de
diferenças culturais e de organização social e política são elementos que têm profundas
influências sobre os padrões das transações econômicas. Estes são fatos. Também é
um fato que ao lado das empresas e cuidando dos interesses coletivos, muitas vezes
contraditórios e conflitantes, dos proprietários e investidores, está o Estado nacional.
Além do mais, os diferentes estados nacionais não estão em condições de igualdade. O
56
fato de que a esmagadora maioria das grandes corporações estar sediada em poucos
países estabelece uma hierarquia de poder entre os estados nacionais. As políticas
internas e externas destes países centrais são diretamente vinculadas às necessidades
e demandas dos detentores destes capitais. São justamente estes fatos que dão a
aparência de que as transações econômicas internacionais ocorrem entre países-comoum-todo, e não entre atores econômicos e sociais que atuam dentro e através das
fronteiras nacionais.
O conceito do Balanço de Pagamentos parte justamente das teorias tradicionais
que entendem o comércio e o investimento internacionais como sendo feitos entre
países enquanto unidades. O comércio e o investimento externos aparecem nas contas
nacionais e no Balanço de Pagamentos como transações entre o país e o “resto do
mundo”. De acordo com Harris (1979), discutindo a concepção ortodoxa do balanço de
pagamentos:
“Como conta, talvez pareça que o balanço está acima de críticas. É,
afinal de contas, uma série de fatos (medições de transações
concretas), organizados e apresentados de certa maneira. Fatos,
decerto, são objetivos e sagrados. O método de sua organização, no
entanto, afeta a maneira como eles são vistos e, por conseguinte, seu
status como fatos para os teóricos e o método de organização implícito
nas contas passam a ser vulneráveis à crítica”. (HARRIS, 1979, p. 152)
Segundo Harris, a nação, como unidade, é ampla e estreita demais para ser
fundamental à análise.
“É ampla demais no sentido em que se supõe que seus agentes
econômicos
(firmas,
sindicatos,
Governo,
indivíduos
como
consumidores, trabalhadores e proprietários de capital) agem em
harmonia ou em conflito, isto de tal modo que o choque intestino é
secundário ao embate entre a nação como um todo e as demais nações.
Na realidade, a atividade econômica da nação assume a forma de
conflito entre capitalistas e trabalhadores. Em comparação com essa
luta interna, é inteiramente inexpressiva aquela entre a nação como um
todo e todas as demais. [...]. O conflito interno, cujo resultado toma a
forma de transações lançadas na conta do balanço de pagamentos,
afeta, de diferentes maneiras, diferentes partes da economia interna.
[...]. O conceito de balanço é amplo demais para refletir esse fato.”
(HARRIS, 1979, p. 152)24
24
A este respeito é ilustrativa a seguinte citação de Hymer, discutindo os conflitos nos EUA entre os
interesses das empresas que realizam investimentos diretos no exterior e outros segmentos da
sociedade norte-americana: “A importância destes conflitos depende da escala dos investimentos no
exterior. Nos Estados Unidos, por exemplo, o rápido crescimento dos investimentos no exterior nos
57
O conceito de Balanço de Pagamentos é considerado pelo autor estreito demais,
ao considerar-se que os interesses de capitalistas e trabalhadores se estendem além
das fronteiras nacionais. Para ilustrar, Harris utiliza o exemplo de uma empresa
multinacional que promove transações entre suas subsidiárias, que cruzam fronteiras e
aparecem nas contas do Balanço.
“Mas, do ponto de vista da análise econômica, elas ocorrem no seio de
uma única unidade, de um único bloco de capital, de uma única empresa
multinacional, e o fato que aparece nas contas do balanço – o fato de
uma transação ter ocorrido entre uma suposta unidade econômica, uma
nação, e outra – é simplesmente falso”. (HARRIS, 1979, p. 153)
Outro exemplo é o das remessas de dinheiro pelos trabalhadores imigrantes para
seus
países
de origem. Em estudo recente, o Banco Inter-Americano
de
Desenvolvimento (BID) demonstrou que as remessas de imigrantes desde os EUA,
Europa, Canadá e Japão para os países da América Latina e Caribe alcançou a cifra de
mais de US$ 30 bilhões em 2002 (BID, 2003). Essas transações, apesar de
atravessarem as fronteiras nacionais, são efetuadas, em geral, dentro das unidades
familiares.
Caputo e Pizarro (1974), levando essa discussão mais adiante, afirmaram que o
Balanço de Pagamentos, enquanto ferramenta de medição das relações econômicas
internacionais:
"[...] não permite entender processos de penetração de uma economia
sobre outra mediante o capital estrangeiro ou a dependência de um país
pelo controle de seu comércio exterior de parte das empresas de outro
país”. (CAPUTO e PIZARRO, 1974, pp. 70).
últimos 20 anos já revelou muitas brechas entre os interesses dos investidores internacionais e o resto da
economia interna em pontos como a tributação, o balanço de pagamentos, extraterritorialidade e ajuda
externa. As empresas multinacionais têm pressionado para a diminuição dos impostos sobre rendimentos
externos e dos regulamentos das ações antitruste e outras. Desejariam que os Estados Unidos
solucionassem os problemas do balanço de pagamentos mediante uma deflação da economia ou pelo
controle das importações, e não controlando o investimento no exterior. Ao mesmo tempo, desejam
liberdade para produzir onde os custos sejam mais baixos e não haja obstáculos devidos a tarifas e ao
comercio. Sobre estes problemas, se chocam com outros contribuintes que defendem a equiparação
tributária dos rendimentos externos, com empresas que não podem enfrentar o desafio da concorrência
estrangeira através do investimento, mas que devem apoiar-se nas exportações ou no mercado interno, e
com certas classes de trabalho ameaçadas pela concorrência estrangeira. Alem disso, os custos de
administração do império estão subindo mais rapidamente que todos os benefícios que rende aos
Estados Unidos, e estes custos são suportados pela nação como um todo, enquanto que os benefícios
são usufruídos por um pequeno grupo” (HYMER, 1978, ps. 86 e 87).
58
Isto se deve a que o Balanço de Pagamentos
"[...] só contabiliza os fluxos de capital e de mercadorias, não
contabilizando a atividade que desenvolvem as empresas estrangeiras
no seio das economias nacionais em relação com o setor nacional de
ditas economias”. (CAPUTO e PIZARRO, 1974, pp. 70).
Ou seja, os autores citados criticavam a estrutura do Balanço de Pagamentos
pelo tratamento dos países como unidades econômicas isoladas, não permitindo que se
captem corretamente, em relação à ação do capital estrangeiro, as relações entre e
intra-firmas a) que atravessam as fronteiras políticas dos países ou b) que se
estabelecem dentro das fronteiras nacionais da economia. Com isso, ocultam-se as
relações de dependência entre as economias desigualmente desenvolvidas e as
modificações que essas relações implicam nas estruturas sócio-econômicas internas
dos países dependentes.
Para compreender, então, o significado das relações econômicas internacionais,
medidas através do Balanço de Pagamentos, é necessário observar o estágio de
organização das relações entre e intra-empresas e a forma como elas interagem com
as fronteiras políticas dos países.
No tempo de Ricardo (1772-1823), o capitalismo de livre concorrência
predominava nos países centrais. As relações econômicas internacionais entre os
países
independentes
ocorriam
fundamentalmente
através
do
comércio
de
mercadorias, com algum movimento de empréstimos internacionais. Pode-se dizer que
até o final do século XIX, a visão das economias nacionais enquanto totalidades e do
país como unidade de análise ainda serviam como uma aproximação mais ou menos
válida da realidade dos países capitalistas.
No final do século XIX e no início do século XX, como conseqüência do histórico
processo de concentração e centralização do capital, desenvolveram-se as grandes
firmas monopolistas que vieram a dominar os mercados nacionais dos países
desenvolvidos. A exportação de capitais passou a ocupar um lugar tão importante
quanto o da exportação de mercadorias. O investimento externo nos países
subdesenvolvidos, nessa fase, era feito com o intuito de auxiliar no domínio do mercado
interno dos países de origem das empresas monopolistas. Esses investimentos se
dirigiam, fundamentalmente, a atividades de apoio ao setor exportador das economias
59
dependentes, que, na divisão internacional do trabalho vigente no período em questão,
servia como fornecedor de matérias primas e de gêneros consumidos pelos
trabalhadores dos países desenvolvidos.
No segundo pós-guerra presenciou-se o aprofundamento desse processo com a
transnacionalização do capital. Os investimentos passaram a se dirigir em sua maior
parte aos países desenvolvidos. Os investimentos que se dirigiram aos países
subdesenvolvidos foram apontados principalmente para o setor manufatureiro e
voltados essencialmente para seu mercado interno. Em muitos casos, as empresas
transnacionais passaram a ter o controle monopolista da industrialização recente
desses países. As grandes empresas passaram a ter uma organização produtiva e
financeira que transcende as fronteiras nacionais.
Nas duas últimas décadas estamos vivendo uma fase que ficou conhecida como
“globalização”, em que as grandes empresas multinacionais adquiriram dimensões
realmente globais e o terreno de sua competição começou a deslocar-se dos mercados
domésticos para o do próprio mercado mundial. O investimento multinacional nos
países subdesenvolvidos passou a ser em proporções crescentes voltado também para
o mercado mundial. As firmas apóiam-se nas vantagens competitivas adquiridas dentro
de cada território nacional para conquistar uma melhor posição para competir no
mercado mundial. Esta fase do capitalismo fortaleceu as posições do liberalismo
econômico,
através
desnacionalização,
das
chamadas
desregulamentação,
“políticas
neoliberais”
de
formação
de
econômicos, livre
blocos
privatizações,
circulação de mercadorias e capitais, precarização das relações trabalhistas e
diminuição do papel do estado no que toca o desenvolvimento econômico e social
nacional.
Os movimentos internacionais de capitais e mercadorias são condicionados pelo
estágio de desenvolvimento do mercado mundial capitalista, pela organização dos
vários mercados nacionais e também pela dimensão e forma de organização das
empresas. As grandes empresas e suas estratégias construídas globalmente passaram
a determinar a dinâmica da grande maioria das transações econômicas internacionais.
As ações política, militar e econômica dos estados nacionais centrais também
passaram a cumprir papéis decisivos, como pontos de apoio da expansão e
consolidação do capital multinacional.
60
Algumas destas firmas possuem um valor adicionado anual superior ao PIB da
maior parte dos países25. Sua estrutura planificada mundial está voltada para a
valorização de seu capital na escala global e suas matrizes estão localizadas em sua
quase totalidade nos EUA, Europa e Japão. De acordo com a UNCTAD (2002), das 100
maiores empresas transnacionais não financeiras, classificadas de acordo com seus
ativos no estrangeiro em 2000, 75 têm suas matrizes sediadas em 5 países: EUA,
Reino Unido, França, Japão e Alemanha.
Esses números demonstram o forte vínculo nacional das corporações
transnacionais. O desenvolvimento das empresas transnacionais faz transparecer a
agudização da contradição existente no sistema capitalista entre a internacionalização
de suas unidades produtivas e suas bases nacionais.
“A base produtiva do capitalismo se faz cada vez mais internacional,
mas os mercados e Estados nacionais continuam sendo o ponto de
partida de suas relações internacionais. De um lado, a concentração, o
desenvolvimento tecnológico, o aumento das comunicações, a formação
e expansão de uma economia internacional. De outro, as bases privadas
e nacionais dessa expansão”.(DOS SANTOS, 1977, p. 29)
Ou, de acordo com Mézáros (2002):
“Para os pensadores que adotam o ponto de vista do capital, foi sempre
muito difícil resolver a contradição entre a tendência fundamental de
desenvolvimento econômico transnacional expansionista e as restrições
a
ela
impostas
pelos
Estados
nacionais
historicamente
criados”.(MÉZÁROS, 2002, p. 227)
No mesmo livro, Mézáros faz uma citação de Harry Magdoff que é reproduzida a
seguir:
“É importante ter em mente que praticamente todas as multinacionais
são de fato organizações nacionais que funcionam em escala global.
Não estamos negando que o capitalismo seja, e sempre foi, desde o
início, um sistema mundial, nem que tal sistema tenha se tornado mais
integrado por ação das multinacionais. Contudo, assim como é essencial
compreender e analisar o capitalismo como um sistema mundial, é
igualmente necessário admitir que cada empresa capitalista se relaciona
25
Segundo o estudo “Are transnationals bigger than countries?” (UNCTAD, 2002b), comparando o valor
adicionado das empresas com o PIB dos países, 29 das 100 maiores “entidades econômicas” são
corporações transnacionais.
61
ao sistema mundial por intermédio do Estado-nação e, em última
análise, dele depende” (MAGDOFF26 apud MÉZÁROS, 2002, p. 229).
Essa contradição entre a expansão internacional das grandes corporações e
suas bases nacionais apresenta-se também na discussão do Balanço de Pagamentos.
Apesar de, como vimos, o Balanço de Pagamentos apresentar as transações
internacionais de forma a ocultar as verdadeiras relações econômicas, ele não pode ser
superado como instrumento de análise e de política econômica enquanto durar o atual
sistema interestatal. Sua existência enquanto ferramenta analítica e política é
historicamente determinada junto com o sistema internacional que faz parte.
A visão da economia mundial como um sistema não passou desapercebida pelos
teóricos e formuladores de política econômica quando se tratou dos problemas práticos
de seu funcionamento, como se pôde ver nas discussões a respeito das relações entre
o chamado “sistema monetário internacional” e os balanços de pagamentos dos
diversos países. De acordo com Eichengreen:
“O sistema monetário internacional é a cola que mantém ligadas as
economias dos diferentes países. Seu papel é dar ordem e estabilidade
aos mercados cambiais, promover a eliminação de problemas de
balanço de pagamentos e proporcionar acesso a créditos internacionais
em caso de abalos desestruturadores.” (EICHENGREEN, 2000.)
Problemas de funcionamento no sistema monetário (e financeiro) internacional
podem levar a interrupções nos fluxos de pagamentos internacionais e causar sérios
danos ao processo de reprodução do capital. Para que as empresas residentes em um
país possam efetuar pagamentos no exterior, é necessário que a autoridade monetária
possua reservas em ativos internacionalmente aceitos. Inclui-se, assim, um elemento
que não está presente no ciclo de reprodução do capital em escala nacional. O risco é
que déficits persistentes no Balanço de Pagamentos de um país levem sua autoridade
monetária a perder reservas internacionais ao ponto em que as “unidades residentes”
fiquem impedidas de fazer seus pagamentos no exterior. Nesses casos, as empresas
ficam impossibilitadas de remeter lucros e dividendos, os devedores não podem quitar o
principal e os juros de suas dívidas externas e não é possível pagar pelas importações.
Também são atingidas as relações intra-firma que atravessam as fronteiras nacionais.
26
MAGDOFF, Harry. Imperialism: From the colonial age to the present. Nova Iorque: Monthly Review
Press, 1978.
62
Isso afeta profundamente a economia interna do país, podendo atingir intensamente o
resultado das empresas que investem, emprestam e/ou comercializam com unidades
residentes e ter repercussões deletérias sobre o funcionamento da economia mundial, a
exemplo do “efeito tequila” em 1995 ou da crise que aflorou no leste asiático em 1997.
Por isso é que nas discussões a respeito do “sistema monetário internacional” sempre
foi ressaltada a necessidade de equilíbrio nos Balanços de Pagamentos, de forma a
evitar déficits e superávits sistemáticos das unidades nacionais que perturbem o
funcionamento do sistema.
Além disso, de acordo com a visão defendida neste trabalho, as relações entre
os países centrais e periféricos assumem a forma da dependência. Um dos aspectos
centrais da dependência é o processo de transferência do excedente econômico da
periferia para o centro do sistema. O sistema internacional e suas principais instituições
(entre elas o FMI) buscam não deixar que os fluxos de recursos sejam interrompidos e
permitir que essa extração de excedente ocorra sem percalços. Assim, o sistema
internacional cumpre também o papel de auxiliar na reprodução do “status quo”
internacional, das relações hierárquicas entre os países e dos interesses das grandes
corporações industriais e financeiras.
2.4. As transações internacionais e a dependência
É necessário compreender a integração subordinada dos países latinoamericanos à economia mundial tendo como parâmetro os conceitos derivados do
debate sobre o imperialismo e vislumbrar o estudo de suas transações econômicas
internacionais a partir da compreensão da centralidade das exportações de capital. É
preciso identificar de que modo se dá e quais os efeitos da crescente integração
internacional da economia brasileira pelas mãos do capital estrangeiro.
Como vimos, o comércio internacional é regido pelo mesmo princípio das
vantagens absolutas que governam o comércio dentro de uma nação. As tendências do
livre comércio, mesmo abstraindo as questões dos poderes de monopólio e das
pressões extra-econômicas, tendem a levar as economias atrasadas a situações de
déficits
comerciais
crônicos,
a
menos
que
sejam
contrabalançadas
pelo
aprofundamento da utilização dos elementos que conferem vantagens absolutas de
63
custos às empresas instaladas nestes países, como no aumentos da taxa de
exploração da força de trabalho e dos recursos naturais. A brecha aberta pelos
desequilíbrios comerciais e, podemos acrescentar, em serviços27, é coberta pela
mobilidade internacional de capitais em busca de maiores lucros. A suposição da
mobilidade do capital financeiro é suficiente para a obtenção desse resultado. Os
desequilíbrios
comerciais
seriam
contrabalançados
pelos
fluxos
de
capitais,
transformando o país deficitário em devedor e o país superavitário em credor.
O ingresso de investimentos estrangeiros aparece aqui como uma solução à
vista, de modo a permitir, por um lado, o equilíbrio corrente das contas externas e, por
outro, a entronização de meios de produção e tecnologias mais modernas, com vistas à
melhoria da “posição competitiva do país”. Esta seria justamente a proposição básica
dos primeiros documentos da CEPAL, que viam a industrialização como forma de
superar o atraso e livrar os países latino-americanos do fardo do decréscimo dos
termos de intercâmbio. Para a CEPAL, esta presença do capital estrangeiro seria
transitória, servindo para financiar uma industrialização autônoma. Esta proposição
demonstrou-se utópica, visto que a expansão do capitalismo desde os países centrais é
dirigida pelos grandes monopólios, que visam controlar e explorar diretamente a maisvalia dentro dos países periféricos. Demonstrou ser completamente equivocado esperar
uma ajuda desinteressada do capital estrangeiro. As próprias necessidades de
expansão dos diferentes capitais em competição os leva a buscar a penetração e o
domínio de todos os mercados no conjunto do globo. Com o crescimento da
participação do investimento estrangeiro direto os países deficitários não apenas
tornam-se devedores líquidos, como também receptores líquidos de investimento
estrangeiro direto.
Mas o processo não termina com a entrada do capital estrangeiro. Ao contrário
do que pregam as teorias convencionais, o papel desempenhado pelo capital
estrangeiro nas
economias dependentes
vai
muito além
de compensar os
desequilíbrios do Balanço de Pagamentos. O capital estrangeiro cria laços estruturais
27
Se observarmos estritamente o comércio de bens, na grande maioria dos anos o Brasil obteve
superávit. Se somarmos ao intercâmbio de bens o comércio de serviços, que cumpre um papel crucial no
processo de produção e circulação de conjunto, observa-se que houve déficits na grande parte dos anos.
Aqui o conceito de serviços não inclui a rubrica de rendas, referindo-se apenas aos serviços correntes,
tais como fretes, seguros, royalties, assistência técnica, etc (embora alguns destes serviços correntes
sejam, de conteúdo, remessas de rendas). Para ver o conceito de Serviços utilizado nas estatísticas do
Balanço de Pagamentos, veja nota 41.
64
nas economias hóspedes que, no médio e longo prazos, levam a novos desequilíbrios
no Balanço de Pagamentos. O objetivo de uma firma matriz ao aplicar seu capital no
estrangeiro é receber de volta este capital acrescido de lucro. Ao longo do tempo, a
aplicação de capital em um outro país implica em remessas de rendimentos para a
matriz que, se tudo correr como o planejado, deverão ser maiores do que os recursos
originalmente investidos. O capital privado não investe no exterior com o intuito de
financiar os déficits do Balanço de Pagamentos. Ao contrário, é um fluxo de recursos
que tem dinâmica própria e está em busca de seu melhor posicionamento competitivo e
maiores lucros. Os móveis fundamentais do processo são os interesses de curto e
longo prazo dos detentores dos capitais. Neste sentido, as políticas governamentais de
estimulo a fluxos de investimento direto para enfrentar problemas correntes de Balanço
de Pagamentos, vinculam a economia doméstica aos interesses de longo-prazo das
firmas multinacionais.
A tendência observada em grande parte dos países periféricos é a de que as
saídas de recursos a título de remessa de juros, lucros e dividendos têm uma
participação crescente nos Balanços de Pagamentos levando a uma situação de
déficits estruturais em Transações Correntes28. Com o passar do tempo, a maior parte
das entradas de capitais passa a ser para financiar os déficits gerados pelas rendas de
capital. O investimento estrangeiro, então, inaugura um processo que levará a novos
déficits que induzirão a novas necessidades de ingressos de recursos do exterior.
Deve-se, portanto, descartar a tese de que o capital estrangeiro cumpre apenas uma
função compensatória e temporária.
Este quadro agrava-se devido a outra implicação da crescente penetração do
capital estrangeiro na economia brasileira que é a do aumento da participação dos
serviços correntes nos déficits do Balanço de Pagamentos. O fato de que são
justamente as grandes corporações e os países centrais que detêm o controle das
principais infra-estruturas de transporte e comunicação do globo e que comandam as
principais rotas de comércio internacionais, implica em outro elemento importante no
déficit em Transações Correntes que são os serviços como fretes e seguros. Somam-se
ainda as remessas de divisas sob a forma de pagamentos de "royalties", marcas e
28
Que inclui, além da Balança Comercial, as balanças de Serviços, de Rendas e as Transferências
Correntes. Para uma explicação mais detalhada, veja Capítulo 3.
65
patentes, serviços técnicos e aluguel de equipamentos. Estas transferências de
recursos são derivadas do controle das tecnologias aplicadas nos principais ramos da
produção por parte das empresas transnacionais e representam, muitas vezes, formas
disfarçadas de remessas de rendimentos.
Além do mais, com o desenvolvimento das empresas transnacionais, o próprio
intercâmbio desigual adquire novas formas. Há estimativas de que cerca de 2/3 do
comércio internacional ocorra entre as empresas transnacionais, sendo metade disto
intra-firma (entre matriz e filiais ou entre filiais de um mesmo grupo). Isto permite a
prática do sobre e do sub-preço, como forma disfarçada de remessa de lucros. O grau
de comando que estas empresas adquirem no contexto internacional também permite
que elas imponham sua política de preços sobre empresas de economias mais fracas.
A planificação mundial das firmas transnacionais permite também o aproveitamento das
diferenças tributárias e os acordos tributários entre os países em seu favor.
Os laços estruturais criados pela ação do capital estrangeiro também implicam
que parte deste passa a financiar-se no interior das economias hóspedes. Ou seja,
parte do lucro apurado por estas empresas e remetido para o exterior é gerada não a
partir de um investimento financiado desde o exterior, mas de recursos absorvidos
internamente e que se transformam em remessas (ou em direitos de remessas) de
rendimentos. Apoiados nesta constatação, Caputo e Pizarro (1974) afirmaram que o
capital estrangeiro não constitui um fator complementar para a poupança nacional. Ao
contrário, ele constitui uma clara forma de extração de excedentes dos países
subdesenvolvidos. Os autores apontam alguns elementos para amparar suas
afirmações: 1) Grande parte do que é considerado como entrada de investimento direto
na América Latina está constituída por re-investimento de lucros, o que quer dizer que
foram obtidos dentro desses próprios países; 2) O investimento direto, apesar de suas
remessas de lucros e amortizações, aumenta o valor de seus ativos mediante sua
própria reprodução na economia hóspede, o que assegura grande quantidade de
remessa de capitais; 3) A atividade do investidor estrangeiro na América Latina se
financia, em grande medida, com sua própria ação nos países desta região.
Contrabalançar esta tendência a transferências líquidas crescentes de valor para o
exterior é tarefa cada vez mais difícil para os Estados nacionais dos países
66
subdesenvolvidos e nem sempre é possível. Segundo Caputo e Pizarro (1974), a ação
do capital estrangeiro torna-se um entrave absoluto ao crescimento econômico.
“Assim, então, o eventual efeito positivo que os desenvolvimentistas
concedem ao capital estrangeiro como tonificante do crescimento
econômico perde absoluta significação ao observar as cifras. Esta
situação se vê acentuada já que o efeito provocado pelo capital
estrangeiro na estrutura econômica dos países aos quais se dirige, gera
uma série de distorções que os anula como fator de possível
crescimento econômico”. (CAPUTO e PIZARRO, 1974, p. 96).
A visão destes autores exige um olhar mais apurado. Uma das características
mais marcantes do investimento estrangeiro é o seu fluxo na forma de ondas. Cada
uma destas ondas tem características próprias que se impõem sobre as economias
atrasadas. Estas economias têm sua dinâmica interna e sua inserção externa
condicionadas, em grande medida, pelas necessidades do capital estrangeiro e pela
forma que ele adquire em cada etapa. Na segunda metade dos anos 50 registrou-se
uma
forte
onda
de
expansão
dos
investimentos
diretos
no
estrangeiro,
fundamentalmente por parte das firmas norte-americanas e européias. No início dos
anos 70, verificou-se uma grande vaga de exportação de capitais de empréstimo e, nos
anos 90, novamente ocorreu um período de crescimento vertiginoso dos fluxos
internacionais de capitais, tanto na forma de investimento direto, quanto em carteira.
Estas ondas de investimento estrangeiro podem levar a fases de crescimento
econômico, às vezes acentuado, nos países atrasados receptores, intercalados por
outras de retração ou estagnação. Mas o efeito que provocam em um prazo mais longo
tem sido o do aumento da dependência, da desigualdade e do entrave ao crescimento
econômico.
O ingresso de capital estrangeiro depende de uma série de fatores que se
sobrepõem, que podem ser cíclicos, históricos ou estruturais. Há períodos de ampliação
dos investimentos internacionais e outros de retração, que refletem as condições
estabelecidas pelos ciclos econômicos nos países centrais e na economia mundial. Um
elemento, que está ligado a isto, é que o investidor estrangeiro estará disposto a
ingressar seus recursos em determinado país apenas sob a condição de acreditar que
poderá transformá-los em moeda forte (moeda mundial) e remetê-los ao exterior
quando desejar. A questão é que justamente nos períodos em que há escassez de
67
capitais é que os países dependentes têm as maiores dificuldades para resolver seus
problemas com o Balanço de Pagamentos.
Quando há maior oferta internacional de capitais, os países dependentes
conseguem sustentar seus déficits em Transações Correntes com mais facilidades, o
que os permite tanto importar mais bens de consumo e matérias primas e
equipamentos, condição básica para o investimento produtivo e para a sustentação do
crescimento econômico, como também fazer frente aos compromissos de pagamentos
de empréstimos e às remessas de lucros. Nestes períodos é que costuma-se ampliar
mais fortemente a penetração do capital estrangeiro, aumentando a internacionalização
da economia e, em conseqüência, os laços de dependência. E são justamente nos
períodos de crescimento que costumam ocorrer os maiores déficits comerciais e de
serviços.
Nos períodos de escassez de capitais na economia mundial é que se abrem as
possibilidades de crises nos balanços de pagamentos. A menor entrada de capital
estrangeiro leva, em geral, à adoção de políticas que visam não apenas conter
quaisquer déficits, mas obter a realização de grandes superávits comerciais. Isto leva a
efeitos e medidas recessivas e/ou protecionistas no sentido de conter as importações e
de promover as exportações. São também os períodos em que há a busca pela
chamada “ajuda” externa, principalmente através de empréstimos via instituições
multilaterais (como o FMI, o Banco Mundial ou o BID) ou governamentais. Assim,
quando há problemas de Balanço de Pagamentos que podem comprometer os fluxos
de recursos dos quais necessita o capital estrangeiro tanto para o seu funcionamento
quanto para suas remessas de recursos, faz-se o uso de empréstimos que, em última
instância, são sustentados financeiramente pela contribuição de impostos da população
dos países desenvolvidos, principalmente os trabalhadores. Ou seja, quando os
recursos obtidos nos países dependentes não são suficientes para o cumprimento dos
compromissos internacionais com o grande capital multinacional, são os trabalhadores
de seus próprios países que devem arcar com o ônus. No conjunto do processo,
privatizam-se os lucros e socializam-se os prejuízos. Esta “ajuda” não costuma ser
desinteressada. Junto com ela vêm as cláusulas condicionantes, que visam garantir,
por um lado, que haverá recursos para o restabelecimento das condições “normais” do
Balanço de Pagamentos, fundamentalmente através de políticas recessivas e, por
68
outro, a ampliação das vantagens com que conta o capital estrangeiro no seio da
economia doméstica.
Resumindo, ao contrário do pregado pelas teorias neoclássicas do comércio e do
investimento internacionais, as tendências naturais do livre comércio e da livre
movimentação de capitais não levam a uma maior igualdade e a um desenvolvimento
convergente da economia mundial, paralelamente ao equilíbrio das contas externas dos
diferentes países. Ao contrário, a integração da economia mundial pelas mãos do
capital internacional aumenta a desigualdade entre os países, aprofunda a dependência
e agudiza as crises crônicas dos Balanços de Pagamentos das economias atrasadas.
69
Capítulo 3 – O balanço de pagamentos
O objeto deste capítulo é o próprio Balanço de Pagamentos. Serão discutidos os
seguintes aspectos: o contexto histórico do surgimento e desenvolvimento do Manual
do Balanço de Pagamentos do FMI; sua evolução histórica; as atualizações de sua
última edição; a estrutura e a organização do Balanço de Pagamentos brasileiro.
3.1. Contexto Histórico do surgimento e desenvolvimento do balanço de
pagamentos
De acordo com o ponto de vista aqui apresentado, o instrumento conhecido
como Balanço de Pagamentos só pode ser compreendido e analisado como parte de
um sistema econômico internacional historicamente determinado. Necessita-se,
portanto, estudar o contexto histórico do surgimento e do desenvolvimento do Balanço
de Pagamentos.
No final do século XIX e no início do XX o “sistema monetário internacional” era
estruturado predominantemente em torno do padrão-ouro29. Não havia instituições
multilaterais estabelecidas que definissem regras claras de seu funcionamento e que
zelassem pela sua estabilidade.
“Sob este sistema de gestão monetária, os grandes financistas privados
estabeleciam entendimentos informais com vários governos e
privilegiavam a manutenção da estabilidade cambial, mesmo que isto
implicasse na adoção de políticas contracionistas por governos locais.”
(CASTRO & FARIAS, 2003)
Segundo Eichengreen (2000), o predomínio do padrão-ouro durante certo
período deveu, no plano político, sua estabilidade à prioridade que as autoridades
monetárias nacionais davam à defesa da estabilidade da taxa de câmbio e da
conversibilidade em ouro. Na medida em que passou a haver uma contestação política
às autoridades monetárias, com o desenvolvimento das lutas sociais e o surgimento
29
Padrão-Ouro: “Sistema monetário no qual o valor de uma moeda nacional é legalmente definido como
uma quantidade fixa de ouro, em termos internacionais, e em nível interno o meio circulante toma a forma
de moedas de ouro ou notas (papel-moeda) conversíveis a qualquer momento em ouro, de acordo com
taxas de conversão fixadas legalmente. [...].” (SANDRONI, 2002).
70
dos partidos políticos operários, outras prioridades passaram a concorrer, em termos de
política monetária, com a estabilidade da taxa cambial.
As ocorrências das duas grandes guerras e da grande depressão marcaram o
fim desse sistema. No final da segunda grande guerra, em 1944, realizou-se a
Conferência Internacional de Bretton Woods, nos EUA, no esforço em se criar um
sistema monetário e financeiro internacional que concedesse estabilidade aos
pagamentos internacionais e às relações entre as diversas moedas nacionais. O
Acordo aprovado nesta Conferência, que reuniu representantes dos governos de 44
países, estabeleceu as bases do novo sistema monetário e financeiro internacional,
instituiu regras comerciais e planos para a reconstrução dos países que tiveram suas
economias destruídas durante a segunda grande guerra.
Foi nessa ocasião que foram criados o FMI e o Banco Mundial. O Banco Mundial
teve como função principal fornecer fundos para ajudar a reconstrução dos países
membros atingidos pela guerra, a que seria, depois, adicionada a função de “promover
o desenvolvimento”. O FMI, por sua vez, deveria zelar pelo sistema monetário
internacional e pela preservação de sua estabilidade, dotando-o de regras comuns,
procurando evitar flutuações nas cotações das moedas e depreciações competitivas e
lidando com os problemas dos Balanços de Pagamentos.
Pela primeira vez na história surgiu um sistema de instituições multilaterais,
baseadas em regras internacionalmente acordadas, para regular o sistema monetário e
financeiro internacional. Esta situação ajudou a criar uma atmosfera propícia ao
crescimento acelerado do comércio internacional e à constituição de novos acordos e
instrumentos que tinham o intuito de facilitar o comércio e diminuir tarifas comerciais,
como o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), que surgiu em 1947.
Esse novo sistema de instituições político-financeiras foi o resultado da
afirmação da supremacia econômica adquirida pelos EUA após o período de guerras
terminado em 1945. O padrão monetário passava a ser o dólar-ouro. Os EUA definiram
o valor do dólar em termos de ouro (1 onça de ouro = US$ 35) e se comprometiam a
trocar ouro por dólar a esta taxa. Os outros países passaram a definir suas moedas em
termos de dólares. Foram estabelecidas as paridades entre as moedas com pequeno
71
espaço para variações. Assim, os EUA passaram a ser fornecedores da moeda de
reserva internacional e de liquidez ao sistema monetário internacional.
“[...] ao contrário da experiência do entre-guerras, os Estados Unidos
desta vez assumiriam a responsabilidade de formulação e
implementação de uma nova ordem internacional, perdoando dívidas de
guerra e evitando outras medidas que pudessem desestabilizar a
economia mundial.” (PINHO NETO, 1996, p. 6)
Além disso, o FMI buscava criar mecanismos para corrigir os desequilíbrios nos
balanços de pagamentos dos países membros, de forma a manter a estabilidade do
sistema internacional de pagamentos. Se um país vivenciasse desequilíbrios em seu
Balanço de Pagamentos, o FMI seria acionado e o socorreria através de empréstimo,
caso as dificuldades fossem consideradas temporárias. Se as dificuldades fossem
consideradas como um desequilíbrio fundamental30 poderia ser autorizada uma
desvalorização cambial.
Foi nesse contexto que o FMI começou a elaborar e a desenvolver seu Manual
do Balanço de Pagamentos. Com ele, as estatísticas de Balanço de Pagamentos
poderiam ser padronizadas internacionalmente, o que facilitaria a atuação do Fundo.
Segundo o prefácio da 4ª edição do Manual do Balanço de Pagamentos do FMI:
“Como o balanço de pagamentos de uma economia espelha os negócios
do resto do mundo com aquela economia, a comunidade internacional
está diretamente interessada nas declarações de seus membros
individuais. A interpretação de tais declarações desse ponto de vista é
obviamente facilitada quando todas as estatísticas dos países estão
baseadas nos mesmos conceitos e são compiladas de um modo
uniforme” (FMI, 1977, p. 1).
O que deve ser ressaltado nesse ponto é que o Manual do Balanço de
Pagamentos foi criado como parte de um sistema mundial e de uma política
internacional, hierarquizada pelos interesses da potência que passou a ser hegemônica
tanto no terreno econômico, como político e militar: os EUA. O regime de paridades
cambiais passou a ter como referência a moeda emitida pelo governo dos EUA,
30
O significado do termo “desequilíbrio fundamental” nunca chegou a ser claramente definido. Segundo
Sandroni (2002), um desequilíbrio fundamental consiste num desequilíbrio de um balanço de pagamentos
(déficit ou superávit) que tenha natureza persistente ou permanente.
72
articulado por uma instituição que tem como objetivo a manutenção do funcionamento
estável do sistema.
Na prática, porém, o papel das instituições de Bretton Woods foi insuficiente para
garantir o funcionamento desejado do sistema financeiro e monetário internacional. No
princípio, foram necessárias várias iniciativas dos EUA no sentido de suprir os demais
países do sistema da liquidez necessária. A Europa e o Japão dependiam fortemente
das importações vindas dos EUA. Foram principalmente os recursos do Plano Marshall,
os gastos militares dos EUA no estrangeiro e os investimentos diretos que forneceram a
esses países os recursos necessários para fazer frente às importações e à
reconstrução. Além disso, tornou-se necessária a imposição de controles de capital31 e
a inconversibilidade da moeda para evitar a ameaça em que se constituíam os fluxos de
capital desestabilizadores. As economias européias mais importantes ainda demoraram
vários anos para estabilizar suas moedas, tendo ocorrido uma série de desvalorizações
que não estavam previstas no plano inicial. Esta fase, que durou até meados dos anos
50, ficou conhecida como o período de “escassez de dólares”.
Em meados dos anos 50, o rápido crescimento dos mercados de bens na
Europa, a mão de obra mais barata e a constatação de que seus concorrentes
europeus cresciam a uma taxa mais rápida que elas próprias, levou às empresas norteamericanas a ampliar consideravelmente os investimentos diretos neste continente
(HYMER, 1978, p. 101). Na medida em que se completava o processo de reconstrução
européia, e como reação aos investimentos diretos norte-americanos na Europa,
passou a haver um movimento crescente de investimentos diretos de empresas
européias no exterior. Este movimento de expansão produtiva internacional das
grandes empresas norte-americanas e européias e, posteriormente, japonesas,
englobou a América Latina na segunda metade dos anos 50. O grau de
internacionalização das grandes empresas e o crescimento acelerado do comércio
internacional passaram a implicar dificuldades cada vez maiores em limitar a mobilidade
internacional de capitais.
31
Controles de capital – Regulamentos que limitam a capacidade das empresas ou famílias de converter
a moeda doméstica em moeda estrangeira. Os controles sobre as transações na conta de capital
impedem que residentes no país convertam a moeda doméstica em moeda estrangeira com a finalidade
de realizar investimentos no exterior. Os controles sobre as transações em conta corrente limitam a
possibilidade de os residentes converterem moeda doméstica em moeda estrangeira com o objetivo de
importar mercadorias (EICHENGREEN, 2000, p. 257).
73
Os déficits no balanço de pagamentos norte-americanos permitiram o aumento
da liquidez internacional e a recuperação das contas externas dos países europeus, ao
ponto que as principais moedas européias, incluindo a Libra Esterlina, voltaram à
conversibilidade em 31 de dezembro de 1958. Se até ali a grande preocupação em
termos do funcionamento do sistema monetário internacional era a respeito da
escassez de dólares na economia mundial, a partir do final dos anos 50 e início dos
anos 60, surgiu a preocupação de signo oposto: passou-se a vislumbrar a possibilidade
de que uma abundância de dólares e a queda das reservas de ouro dos EUA poderiam
colocar em risco a credibilidade da moeda que servia de base ao sistema monetário
internacional. Robert Triffin identificou a tendência no sistema montado em Bretton
Woods de “reagir ao excesso de demanda por reservas com o crescimento de saldos
em
dólar
no exterior”32, o
que
tornava
o sistema dinamicamente instável
(EICHENGREEN, 2000, p. 159). Esta possibilidade foi transformando-se em realidade
na medida em que os gastos relativos à Guerra do Vietnã e os investimentos externos
norte-americanos levaram a consideráveis déficits no balanço de pagamentos norteamericano.
Para complicar mais a situação, com a volta da conversibilidade em conta
corrente pelos países europeus a partir de 1959, os controles de capitais, que
cumpriram um papel essencial na sustentação das paridades cambiais, puderam ser
mais facilmente burladas, através dos preços de transferência e de outras formas de
canalizar transações de capital através das contas correntes (EICHENGREEN, 2000, p.
133). A acumulação de dólares nos bancos europeus levou a formação e consolidação
do que ficou conhecido como o mercado do eurodólar. O excesso de liquidez deste
mercado, somado à diminuição no ritmo de crescimento no final dos anos 60, levou à
redução das taxas de juros internacionais. Este processo foi responsável pela busca
destes capitais por remunerações maiores nos países subdesenvolvidos em vias de
industrialização, como foi o caso do Brasil, a partir de 1968.
32
As reservas internacionais eram formadas tanto de ouro quanto de dólares. O crescimento do volume
das transações econômicas internacionais criava a necessidade do aumento da oferta internacional de
dólares. Só que este aumento da oferta de dólares implicava em dificuldades cada vez maiores de
manter a paridade desta moeda com o ouro, pondo em risco o sistema das paridades cambiais ajusáveis.
Isto ficou conhecido como o “Dilema de Triffin”.
74
Neste contexto que foram criados os Direitos Especiais de Saque (DES), que se
constituiriam como meios para atender às necessidades de criação de liquidez
internacional. Era uma tentativa de aliviar as pressões sobre o dólar sem que se
promovesse uma profunda reforma em todo o sistema monetário internacional. Os DES
seriam ativos de reserva que seriam alocados aos membros do FMI na proporção de
sua contribuição inicial ao Fundo. Essas alocações seriam usadas pelos membros para
estabelecer equilíbrios nos pagamentos internacionais, servindo assim como moeda de
reserva adicional ao lado do ouro e das moedas chave.
Esta medida não foi suficiente e as contradições do sistema acabaram levando à
sua ruptura no início dos anos 70, com o fim da paridade entre o dólar e o ouro e entre
as demais moedas e o dólar. O sistema monetário internacional passou a funcionar
baseado fundamentalmente em taxas de câmbio flutuantes33. O crescimento das
empresas multinacionais, do comércio internacional e da mobilidade internacional do
capital minaram o sistema de Bretton Woods, que necessitava de controles de capital
para funcionar. No sistema que emergiu deste então há liberalização crescente dos
fluxos de capitais, que passam a ter um poder quase absoluto sobre as políticas
econômicas
nacionais
de
vários
países,
especialmente
das
mais
fracas
e
internacionalizadas.
A desvalorização do dólar do início dos anos 70 implicou em perdas aos
detentores de dólares e aos exportadores de bens primários cotados em dólar. Este era
o caso dos países exportadores de petróleo, organizados através da OPEP. Como
resposta, a OPEP operou a quadruplicação dos preços do petróleo no final de 1973,
levando à ocorrência de grandes déficits comerciais nos países importadores de
petróleo e, simetricamente, a grandes superávits nos países exportadores deste
produto. Dois dos efeitos deste desequilíbrio foram a recessão em vários países
industrializados e a constituição de um grande acúmulo de liquidez nos bancos
europeus como fruto do ingresso dos “petrodólares”. Esta situação levou à queda nas
taxas de juros internacionais e ao crescimento vertiginoso do endividamento externo de
vários países subdesenvolvidos, entre eles o Brasil. Em 1979 ocorreu um novo choque
33
“Taxa de câmbio flutuante – Uma taxa de câmbio que a autoridade monetária permite variar. Uma
“flutuação limpa” ocorre na ausência de intervenções do governo; é denominada “flutuação suja” quando
as autoridades intervém para limitar as flutuações da moeda.” (EICHENGREEN, 2000).
75
do petróleo e em 1981 o governo dos EUA decidiu pelo aumento das taxas de juros do
Tesouro norte-americano, o que impôs a recessão e a virtual “quebra” das economias
endividadas.
Como vimos, o sistema monetário e financeiro internacional sofreu muitas
modificações desde que foi constituído em 1944. As principais instituições que surgiram
naquele momento, no entanto, seguem existindo, apesar de não cumprirem exatamente
o papel que lhes foi designado quando de sua criação. O FMI não teve importância
central na resolução das crises que ocorreram nos países centrais durante o pósguerra. Não foi chamado muitas vezes a emprestar dinheiro a estes países e também
não se meteu em suas políticas internas. Em relação aos países subdesenvolvidos, por
outro lado, esta instituição realizou uma série de empréstimos desde os anos 50,
chegando, a partir da crise do endividamento externo dos países devedores, nos anos
80, a ser determinante na definição das políticas econômicas domésticas. Ao FMI não
cabia mais a manutenção da estabilidade das taxas de câmbio, mas sim a pressão para
que os países devedores aplicassem políticas domésticas que garantissem o
pagamento dos compromissos financeiros internacionais.
Fazendo uma comparação histórica, o acordo que criou o FMI, estabeleceu que
os controles de capitais seriam formas legítimas de defesa das economias domésticas
dos países avançados contra a influência deletéria dos fluxos internacionais de capital.
A estabilidade das taxas de câmbio no pós-guerra europeu não foi garantida com
políticas de ajuste recessivo, mas com ajuda externa norte-americana e com controles
de capitais. Isto possibilitou o isolamento das economias nacionais dos fluxos
internacionais de capitais e a aplicação de políticas econômicas que visavam o pleno
emprego e o estado de bem estar social. Nestes casos, o FMI cumpriu um papel
secundário, tendo realizado poucos empréstimos e pouco ou nada se envolvido nas
questões domésticas.
Para a América Latina, por outro lado, as intervenções do Fundo têm sido
constantes e, historicamente, no sentido de estimular e até impor a abertura externa, a
liberalização da conta capital e financeira e a aplicação de políticas econômicas de
ajuste recessivo, como forma de equilibrar os balanços de pagamentos e sancionar
assim os fluxos e refluxos internacionais de capital.
76
Este tipo de atuação ficou ainda mais explícito na segunda metade dos anos 90,
quando uma série de crises financeiras internacionais causou sérios impactos nas
economias periféricas, muitas das quais buscaram o financiamento do FMI para
combater a fuga de capitais. O “remédio” imposto pelo Fundo a estes países foi a
aplicação de mais planos de ajuste e mais liberalização comercial e financeira. O FMI
passou a ser o agente financiador da fuga de capitais dos países periféricos.
3.2. Evolução e concepção do Manual do Balanço de Pagamentos
O governo brasileiro foi um dos 44 signatários originais do acordo que criou o
FMI. No convênio constitutivo do FMI, no artigo que trata das obrigações gerais dos
países membros, há uma lista de informações que estes devem submeter ao Fundo.
Entre estas informações estão: as reservas de ouro e divisas, a produção, exportações
e importações de ouro, as exportações e importações totais de mercadorias, a situação
dos investimentos internacionais e o Balanço de Pagamentos. A estrutura do Balanço
de Pagamentos brasileiro34 passou a basear-se no Manual do Balanço de Pagamentos,
elaborado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e que está, atualmente, em sua 5ª
edição. As cinco edições do Manual foram publicadas em 1948, 1950, 1961, 1977 e
1993. O Manual do Balanço de Pagamentos (...)
“[...] constitui a base para os informes regulares dos dados do balanço
de pagamentos para o Fundo Monetário Internacional. Os informes
submetidos de acordo com este Manual abastecem o Fundo com dados
para seus propósitos operacionais” (FMI, 1950, p (i)).
A estrutura da 5ª Edição do Balanço de Pagamentos foi construída de forma
compatível com a edição de 1993 do “System of National Accounts” (SNA), que foi
elaborada conjuntamente pela Comissão de Comunidades Européias (Eurostat), FMI,
OCDE, ONU e Banco Mundial. De acordo com o Manual, o Balanço de Pagamentos é
um relatório estatístico que resume sistematicamente, para um período de tempo
específico, as transações da economia de um país com o “resto do mundo”. Ou seja,
apesar do nome Balanço de Pagamentos, ele não se caracteriza pelo registro dos
pagamentos e sim das transações. Muitas transações não envolvem pagamentos
34
O Balanço de Pagamentos começou a ser publicado no Brasil em 1947 e era elaborado pela SUMOC.
Esta viria a ser extinta em 1965, com a criação do Banco Central do Brasil, que passou a ser o
responsável pela elaboração do Balanço de Pagamentos.
77
diretos em moeda, ou sequer correspondem a pagamentos, como o caso das
transferências correntes.
As transações, em sua maior parte entre residentes e não-residentes35,
consistem naquelas envolvendo bens, serviços e rendas; direitos financeiros e
obrigações em relação ao “resto do mundo”; e itens (tais como doações) classificados
como transferências.
As estatísticas do Balanço de Pagamentos (da mesma forma que o SNA),
partem, portanto, da economia nacional para, só então, observar suas relações com o
“resto do mundo”. Compatibiliza-se, assim, com o critério estabelecido pela teoria
macroeconômica tradicional, que começa explicando a “economia nacional fechada”
para só depois tratar da “economia nacional aberta” e suas “relações econômicas
internacionais”. As contas formam um agregado que configura a conformação de uma
totalidade em suas transações efetuadas com o resto do mundo chamada contas
externas do país, ou Balanço de Pagamentos deste país. O aparato conceitual do
Balanço de Pagamentos também está baseado nos critérios e conceitos da teoria
neoclássica. São utilizados os conceitos neoclássicos de capital e de trabalho como
coisas, como “fatores de produção”. As remessas de lucros, de juros e de salários e
dividendos
foram
denominadas
desde
o
início
como
“serviços
fatores”.
Corresponderiam, de acordo com a visão neoclássica, à remuneração dos “fatores de
produção” (capital e trabalho) por sua “contribuição” ao processo produtivo36.
Os conceitos de residente e não-residente são fundamentais para a
compreensão do sistema do balanço de pagamentos. Não se baseiam em critérios de
nacionalidade. O conceito de residência é baseado em outros dois conceitos, o de
centro de interesse econômico e o de território econômico. O território econômico
de um país é a área geograficamente relevante na qual o conceito de residência é
aplicado. Consiste do território geográfico administrado por um governo, dentro do qual
pessoas, bens e capitais circulam livremente. Um centro de interesse econômico
consiste em um local, domicílio, lugar de produção ou outro recinto em que ou do qual
35
Nem todas as transações registradas no Balanço de Pagamentos ocorrem entre residentes e não
residentes. Esse é o caso da compra de ouro por parte do Banco Central, que é monetizado e passa a
ser considerado um ativo financeiro como parte das reservas. A reavaliação de reservas também é
registrada no Balanço de Pagamentos sem envolver transações entre residentes e não residentes.
36
Sobre esta discussão ver nota 10.
78
uma unidade institucional37 ocupa-se ou pretende continuar ocupando-se de
atividades econômicas ou transações em uma escala significativa. Uma unidade
institucional é uma unidade residente quando tem um centro de interesse
econômico no território econômico de um país. O conceito de residência transforma
a subsidiária estrangeira atuando dentro das fronteiras nacionais do país como sendo
parte desta totalidade e não de uma outra que seria o grupo internacional que a
controla e comanda suas atividades e para a qual, no final das contas, remete seus
lucros, juros e participações societárias.
Uma empresa residente, por exemplo, pode ser controlada por não-residentes.
Uma produção empreendida fora do território econômico de uma empresa pelo pessoal,
planta e equipamento desta empresa é tratada como parte da produção do país
hóspede e a empresa é tratada como unidade residente (filial ou subsidiária) deste país
se a empresa cumpre as condições estabelecidas no conceito de residência de
empresas38.
O Balanço de Pagamentos, assim como o SNA, adota o sistema de partidas
dobradas. Toda transação é representada por duas entradas com valores iguais:
crédito, com sinal positivo e débito, com sinal negativo. Em princípio, a soma de todos
os créditos é igual à soma de todos os débitos. Na prática as contas freqüentemente
não se equilibram. Uma entrada separada (erros e omissões), de igual montante, com o
sinal trocado, é então feita para equilibrar o Balanço de Pagamentos.
Desde sua primeira edição, uma série de mudanças foi sendo operada nas
diferentes versões do Manual, na medida em que ocorriam as transformações no
contexto internacional. Procurou-se adaptar o Manual aos novos e mais complexos
tipos de transações que foram se desenvolvendo. Desde o final da guerra, ocorreu um
grande crescimento do comércio internacional, uma crescente mobilidade internacional
dos capitais e o processo de multinacionalização das grandes firmas monopolistas,
processos estes que levaram a uma série de inovações financeiras e na forma como as
transações internacionais são efetuadas, em especial após o fim do sistema de
37
Os setores de uma economia são compostos de dois principais tipos de unidades institucionais: (i)
famílias e indivíduos que sustentam uma família e (ii) entidades legais e sociais, tais como corporações e
quase-corporações (por exemplo, filiais de investidores estrangeiros diretos), instituições sem fins
lucrativos e o governo daquela economia. (FMI, 1993).
38
É dito que uma empresa tem um centro de interesse econômico e que é uma unidade residente de um
país (território econômico) quando a empresa está comprometida em um montante significativo de
produção de bens e/ou serviços lá ou quando a empresa possui terra ou construções localizadas lá.
79
paridades cambiais, definido em Bretton Woods. Cada vez mais o conceito de país
como unidade fundamental de análise vem sendo superado na prática pela
interpenetração das economias nacionais pelas mãos dos capitais internacionalizados.
Na medida em que foram ocorrendo estas transformações, maiores começaram a ser
as contradições entre o instrumento (Balanço de Pagamentos) e as características
concretas dos fluxos internacionais. Estas contradições foram levando a adaptações
cada vez mais significativas no Manual.
As três primeiras versões do Manual não trouxeram maiores mudanças. Uma
modificação importante, que já apontava o crescimento da significância que os
investimentos diretos iriam adquirir, foi feita na segunda edição. Na segunda edição,
foram incluídos os lucros não distribuídos de subsidiárias na tabela principal do Balanço
de Pagamentos (o que não ocorria na primeira edição), tanto em movimentos de
capitais como em renda de investimentos. Nas palavras da segunda edição, “tais
ganhos são freqüentemente uma importante fonte de novo investimento e sua exclusão
deve diminuir seriamente a influência do investimento direto na situação econômica
internacional de muitos países” (FMI, 1950, p. 2). Nesta edição ainda foi reorganizada a
tabela cobrindo as movimentações de capital para melhor adaptá-la às necessidades
do conceito de financiamento oficial compensatório39. A conta capital era dividida
principalmente entre setor privado e setor oficial. Esta divisão independia do status
(privado ou oficial) do estrangeiro envolvido, embora em alguns casos seu status
determinasse o sub-item apropriado. Em cada um dos dois setores, as mudanças nos
investimentos de curto prazo e longo prazo40 são distinguidas.
Na terceira edição procedeu-se uma nova reorganização da conta de capital,
para poder adotar uma classificação mais detalhada das mudanças por setor, dos
ativos e passivos estrangeiros. Subdividiu o antigo item relativo a instituições oficiais e
bancárias em governo central, instituições monetárias centrais e outras instituições
monetárias. Governos locais, antes considerados como parte do setor privado,
passaram a contar como um setor em separado. Diminuiu a ênfase na distinção formal
entre capital de curto prazo e capital de longo prazo, cuja influência varia de acordo
39
O financiamento oficial compensatório é designado para revelar o financiamento que as autoridades
monetárias são forçadas a tomar para equilibrar as transações internacionais.
40
Investimento de Curto Prazo, é considerado aquele que tem maturidade de até 12 meses. O
Investimento de Longo Prazo tem maturidade maior que 12 meses ou não tem maturidade (como ações,
por exemplo).
80
com os setores. Entre a segunda e a terceira edição do Manual, surgiram os Sistemas
de Contas Nacionais das Nações Unidas e da OCDE. Algumas adaptações no Manual
foram feitas para torná-lo compatível com estes sistemas. Assim, promoveu-se uma
nova ordenação das categorias de bens e serviços e de pagamentos de transferência.
A quarta edição foi elaborada após um período de grande crescimento da
mobilidade internacional de capitais, a consolidação do euro-mercado de divisas, a
criação dos Direitos Especiais de Saque e, após várias crises e adaptações, o fim da
paridade dólar-ouro e, conseqüentemente, do sistema de Bretton Woods. A conta
capital foi novamente reorganizada, mas desta vez as mudanças foram mais
importantes. Nas versões anteriores, a divisão principal era feita entre setores e a única
tentativa de classificação do capital pela sua função foi a abertura de uma linha na
conta Capital Privado de Longo Prazo para os investimentos diretos. Na quarta edição
do Manual, duas categorias funcionais adicionais – reservas e capital de carteira –
foram distinguidas, com uma conseqüente diminuição da ênfase na abordagem setorial.
A divisão principal do Balanço de Pagamentos passou a ser entre Investimento Direto,
Investimento em Carteira e Outros Capitais. Os setores (oficial, privado, etc.) e os
prazos (longo prazo e curto prazo) passaram a ser sub-itens desta divisão principal.
As classificações da Conta Corrente mudaram pouco, mas em todas as edições
anteriores, mudanças crescentes foram efetuadas na conta de capital. Isto foi uma
expressão das mudanças históricas efetuadas desde o imediato pós-guerra. No início
deste período, havia pouca mobilidade internacional de capitais privados. Grande parte
das
movimentações
internacionais
de
capital
eram
constituídas
por
ajudas
governamentais norte-americanas à reconstrução dos países destruídos pela guerra. O
que se viu nas décadas seguintes foi a expansão produtiva internacional das grandes
empresas norte-americanas, européias e japonesas e uma crescente mobilidade
internacional do capital. Com isso, tornou-se importante ir adaptando a conta de
capitais.
3.3. Mudanças operadas na 5ª Edição do Manual do Balanço de
Pagamentos
A partir de 1995, o Banco Central do Brasil passou a organizar o Balanço de
Pagamentos brasileiro de acordo com a orientação da 5ª Edição do Manual de Balanço
81
de Pagamentos do FMI, de 1993. Segundo o Manual, esta edição adotou a mesma
base teórica das anteriores, trazendo inovações que visam capturar o maior grau de
internacionalização e de interdependência entre as economias nacionais. Nas palavras
do Manual:
"Desde que a quarta edição do Manual foi publicada em 1977,
mudanças importantes ocorreram na forma em que as transações
internacionais são conduzidas. Estas mudanças são, em particular, um
resultado da liberalização dos mercados financeiros, inovações na
criação e combinação de instrumentos financeiros, e novas abordagens
para a reestruturação da dívida externa. Além disso, tem ocorrido um
crescimento sem precedentes no volume de comércio internacional em
serviços”. (FMI, 1993, p. xi)
As mudanças citadas acima trouxeram a necessidade para instituições nacionais
e internacionais de alterações de tratamento e de classificação das transações
internacionais dentro da estrutura das contas do Balanço de Pagamentos. Esta
necessidade surge do interesse de vários países, instituições e corporações em
promover acordos internacionais que construam direitos sobre fluxos de bens, rendas e
serviços41 ainda não medidos com as estatísticas antes em voga.
Entre as inovações introduzidas na 5ª edição do Manual está a incorporação da
área de estatísticas da Posição Internacional de Investimento. A Posição
Internacional de Investimento cumpre um papel complementar ao do Balanço de
Pagamentos. Enquanto o Balanço de Pagamentos mede os fluxos das transações
externas, a Posição Internacional de Investimento traz a medida dos estoques de
ativos financeiros e das obrigações externas do País. A Posição, no fim de um período
específico, reflete as transações financeiras, as mudanças de avaliação e os outros
ajustamentos que ocorreram e afetaram o nível dos ativos e das obrigações. Os níveis
de estoque dos ativos e obrigações financeiras externas são utilizados na determinação
das receitas e despesas da Conta Renda de Investimentos do Balanço de Pagamentos.
Um estoque maior de investimentos externos em um país implica em maiores déficits
41
O System of National Accounts, 1993, define o termo serviços como segue: “Serviços não são
entidades separadas sobre as quais direitos de propriedade podem ser estabelecidos. Não podem ser
tratados separadamente de sua produção. Serviços são produtos heterogêneos produzidos por
encomenda e tipicamente consistem de mudanças na condição das unidades de consumo efetuadas
pelas atividades dos produtores para a demanda dos consumidores. Até o tempo em que sua produção
estiver completada elas devem ter sido supridas para os consumidores”.
82
na Conta Renda de Investimentos, através das remessas de lucros, dividendos e
juros sobre esses investimentos. Inversamente, um estoque maior de investimentos no
exterior de residentes de um país implica em maiores receitas nesta conta. A
combinação das classificações do Balanço de Pagamentos com as da Posição
Internacional de Investimento permite a conciliação dos fluxos com os estoques e a
análise mais significativa dos rendimentos e taxas de retorno sobre os investimentos
externos.
Ademais, a quinta edição do Manual traz outras mudanças importantes. Primeiro,
a Conta Corrente do Balanço de Pagamentos é redefinida para excluir as
Transferências de Capital, incluindo-as em uma expandida e renomeada Conta Capital
e Financeira (na 4ª edição esta chamava-se Conta Capital).
A segunda mudança importante é que, dentro da Conta Corrente, são feitas
claras distinções entre Bens, Serviços, Rendas e Transferências Correntes. Esta
mudança atende ao crescente interesse analítico e político que vem sendo
demonstrado a respeito dos dados de comércio internacional em serviços, em especial
no que se refere às negociações sobre serviços em acordos, tais como o Acordo Geral
sobre Comércio em Serviços (ou General Agreement on Trade in Services (GATS) em
inglês). Neste sentido, é introduzida uma maior desagregação na classificação das
transações de serviços internacionais. Nas versões anteriores, os serviços e as rendas
estavam agrupados na mesma conta denominada Serviços. Eram classificados dentro
dela como serviços fatores (rendas) e serviços não fatores (serviços).
Outro resultado do esforço para se criar uma classificação mais detalhada sobre
o comércio em serviços foi a criação do Manual de Estatísticas de Comércio
Internacional em Serviços. Sua elaboração se deu em conjunto pelo FMI, a
Organização Mundial do Comércio (OMC), o Banco Mundial, a Organização das
Nações Unidas (ONU), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento (UNCTAD). Esse Manual foi construído sobre o arcabouço da 5ª
edição do Manual de Balanço de Pagamentos do FMI e recomenda uma classificação
de transações por tipo de serviço que forneça maior detalhamento,e através da
Classificação Estendida de Serviços do Balanço de Pagamentos, cuja sigla em inglês é
EBOPS (Extended Balance of Payments Services Classification).
83
Em relação à Conta Financeira, esta foi reestruturada de forma a evidenciar as
transações ativas e passivas, as classes dos instrumentos financeiros de mercado e os
prazos das transações. Os empréstimos intercompanhia passaram a ser contabilizados
como investimentos diretos e todos os instrumentos de portfolio, inclusive bônus, notes
e commercial papers foram reclassificados para a conta de investimentos em carteira.
Foi introduzido ainda um grupo específico para registro das operações com derivativos
financeiros, que antes eram alocados na conta serviços e nos capitais de curto prazo
(Banco Central do Brasil, 2001b).
Segundo o Manual do Balanço de Pagamentos do FMI, as mudanças operadas
em sua 5ª edição, tornam-na um instrumento analítico mais completo para a aferição
das relações econômicas “entre os países”. Isto se verificaria especialmente no que se
refere à identificação em separado dos componentes Serviços e Rendas na Conta
Corrente.
"Este tratamento fortalece o vínculo entre a conta renda e a conta
financeira do balanço de pagamentos e entre os fluxos do balanço de
pagamentos e os estoques de ativos e obrigações incluindo a posição
internacional de investimento” (FMI, 1993, p. 3. Negrito no original).
Assim, na atual versão do Manual, a Conta Financeira está subdividida em
Investimentos
Diretos,
Investimentos
em
Carteira
e
Outros
Investimentos
(empréstimos), e a Conta Rendas está correspondentemente subdividida em Rendas
de Investimentos Diretos, Rendas de Investimentos em Carteira e Rendas de Outros
Investimentos (juros). O que podemos verificar na prática é que, apesar de a atual
configuração do Balanço de Pagamentos explicitar melhor o vínculo entre a Conta
Financeira e a Conta Rendas, ainda deixa pouco explícitas as relações que se
estabelecem entre a Conta Financeira e vários itens da Conta Serviços, em especial os
que derivam da ação dos investimentos diretos (royalties e licenças, aluguel de
equipamentos, serviços empresariais, profissionais e técnicos etc). Isto sem levar em
consideração que vários destes itens são utilizados como vias de remessas de rendas
disfarçadas. Há outras relações que também não estão explícitas nas contas do
Balanço de Pagamentos, mas que aparecem já em um nível superficial de análise,
como o de alguns itens da Conta Serviços com a Balança Comercial, tais como fretes,
seguros, serviços relativos ao comércio etc.
84
Por outro lado, há vínculos bem menos explícitos, que são aqueles entre as
Conta Financeira, a Conta Rendas e a Balança Comercial. O crescimento do
investimento estrangeiro direto implica em um peso crescente do comércio intra-firma.
Uma das implicações é a adoção das práticas dos preços de transferência
(subfaturamento ou superfaturamento das importações e exportações). Há ainda a
prática comum da administração tributária, na qual a empresa planeja a alocação dos
recursos, investimentos e modalidades de financiamento em função das possibilidades
de menores gastos tributários, aproveitando as diferenças nas legislações dos
diferentes países e os tratados internacionais. Também faz parte deste planejamento
tributário a escolha das filiais nacionais em que vale a pena registrar os lucros ou
prejuízos. Mesmo dentro da Conta Financeira, as diferentes modalidades de
financiamento das empresas são, até certo ponto, intercambiáveis entre si, ainda mais
quando se tratar da relação matriz-subsidiária. Esta escolha tem implicações sobre a
composição dos fluxos das contas Rendas e Serviços. A opção por efetuar aporte de
capital (investimento direto), reter lucros, levantar recursos através da emissão de
títulos no mercado de capitais ou realizar empréstimo bancário, implica que a forma e a
conta pelas quais se realizará a remessa de rendimentos correspondente diferirá
(lucros, juros de investimento em carteira, juros de empréstimo, pagamentos de
serviços de marcas e patentes, etc).
A inclusão dos empréstimos intercompanhia dentro da Conta Investimentos
Diretos constitui uma melhoria que nos permite enxergar com mais nitidez as relações
financeiras entre matriz e subsidiárias. As operações de crédito externo envolvendo
subsidiárias (...)
“[...] não são, a não ser por seu formato legal, facilmente distinguíveis
das inversões de capital de risco. A semelhança com uma aplicação sob
a forma de equity capital é evidente no caso de empréstimos entre
matriz e subsidiária. Em ambos os casos, trata-se de uma mera
transferência de fundos no interior da empresa multinacional, vale dizer,
de mera realocação de recursos entre suas partes constituintes”
(MALAN & GUIMARÃES, 1982, p. 10. Sublinhado no original).
Por outro lado, outras formas de financiamento entre partes relacionadas ainda
não podem ser visualizadas com tanta nitidez, mesmo na nova versão do Balanço de
Pagamentos. Segundo Malan e Guimarães:
85
“[...] mesmo o endividamento de uma subsidiária estrangeira em face do
sistema financeiro internacional pode, na verdade, ser colocado em
contraponto a uma inversão da matriz na subsidiária sob a forma de
equity capital, uma vez que, de certo modo, substitui um possível
endividamento da matriz junto ao sistema financeiro internacional e uma
subseqüente transferência de fundos da matriz para sua subsidiária no
exterior“ (MALAN & GUIMARÃES, 1982, p. 10. Sublinhado no original).
A origem destes problemas está justamente na utilização do arcabouço
neoclássico e na visão de que as relações econômicas fundamentais nas transações
internacionais são estabelecidas “entre países”. Não pode, assim, captar corretamente,
as relações intra-firma que atravessam as fronteiras, nem a ação das empresas
estrangeiras no seio das economias nacionais.
Torna-se necessário, então, através da compreensão das relações que se
estabelecem entre as diversas contas (financeira, comercial, de rendas e de serviços),
buscar formar um quadro mais completo de como se expressa a dependência
econômica do Brasil no Balanço de Pagamentos, o que é dificultado pela forma como
são coletadas e expostas as informações. Entretanto, se estudadas através de uma
leitura sistêmica e integrada, as informações contidas no Balanço de Pagamentos
podem nos ajudar a compreender, em uma série de aspectos e até certo ponto, o grau
e as características da ação do capital estrangeiro sobre a economia brasileira.
86
3.4. A Organização do Balanço de Pagamentos Brasileiro
Quadro 1. Estrutura do Balanço de Pagamentos brasileiro
1 - Transações correntes
2 - Conta de capital
1.1 - Balança comercial
3 - Conta financeira
1.2 - Serviços
3.1 - Investimento direto
1.2.1 - Transportes
3.1.1 – No exterior
1.2.2 - Viagens internacionais
3.1.1.1 – Participação no capital
1.2.3 - Seguros
3.1.1.2 – Empréstimos intercompanhias
1.2.4 - Serviços governamentais
3.1.2
– No Brasil
1.2.5 - Serviços financeiros
3.1.2.1 – Participação no capital
1.2.6 - Computação e informação
3.1.2.2 – Empréstimos intercompanhias
1.2.7 - Royalties e licenças
3.2 - Investimento em carteira
1.2.8 - Aluguel de equipamentos
3.2.1 - Investimento brasileiro em carteira
1.2.9 - Serviços de comunicações
3.2.1.1 – Ações de companhias estrangeiras
1.2.10 - Serviços de construção
3.2.1.2 – Títulos de renda fixa
1.2.11 - Serviços relativos ao comércio
1.2.12
-
Serviços
empresariais,
profissionais e técnicos
3.2.2 - Investimento estrangeiro em carteira
3.2.2.1 – Ações de companhias brasileiras
3.2.2.2 – Títulos de renda fixa
1.2.13 - Serviços pessoais, culturais e
3.3 - Derivativos
recreação
3.4 - Outros investimentos
1.2.14 - Serviços diversos
3.4.1 - Outros investimentos brasileiros
1.3 - Rendas
3.4.1.1 – Empréstimos e financiamentos
1.3.1 - Salário e ordenado
3.4.1.2 – Moeda e depósito
1.3.2 – Renda de Investimentos
3.4.1.3 – Outros ativos
1.3.2.1 – Renda de Investimento Direto
3.4.2 - Outros investimentos estrangeiros
1.3.2.2 – Renda de Investimento em
3.4.2.1 – Crédito comercial – fornecedores
Carteira
3.4.2.2 – Empréstimos e financiamentos
1.3.2.3
–
Renda
de
Outros
Investimentos
1.4 - Transferências unilaterais correntes
3.4.2.3 – Moeda e depósito
3.4.2.4 – Outros passivos
4 - Erros e omissões
5 - Haveres da autoridade monetária
Fonte: Banco Central do Brasil
87
O Balanço de Pagamentos brasileiro42 divide-se principalmente em duas grandes
contas: a Conta Corrente (ou Transações Correntes) e a Conta Capital e Financeira.
Há ainda outras duas contas, denominadas Erros e Omissões e Haveres da
Autoridade Monetária.
A Conta Corrente subdivide-se em Balança Comercial, Rendas, Serviços e
Transferências Correntes. A Balança Comercial registra as exportações (FOB) e as
importações (FOB).
Em Rendas registram-se as entradas e saídas de lucros, juros e salários e
ordenados. Os lucros e os juros correspondem às rendas obtidas com investimentos
diretos, em carteira ou de outros investimentos, como empréstimos. Em salários e
ordenados registram-se as receitas decorrentes do recebimento de salários por serviços
prestados a não residentes e as despesas relativas ao pagamento de salários a nãoresidentes por serviços prestados no país. Inclui honorários de membros de conselhos
consultivos.
Em Serviços contabilizam-se os recebimentos e pagamentos de transportes
(fretes), viagens (cobre bens e serviços adquiridos por viajantes não-residentes no país
hospede e de residentes no exterior), serviços de comunicação (correios, serviços de
telecomunicações...),
serviços
de
construção,
seguros,
serviços
financeiros
(intermediação financeira, etc.), serviços de computação e informações, royalties e
licenças, corretagens e relativos ao comércio, aluguel de equipamentos, comerciais
variados, profissionais e técnicos, pessoais, culturais e recreacionais e serviços
governamentais.
As Transferências Correntes são transações em que não há contrapartida por
parte do beneficiário. Incluem-se as contribuições a entidades de classe, a entidades
associativas e a organismos internacionais, bilhetes e prêmios de loterias oficiais,
impostos, taxas, indenizações não amparadas por seguros, aposentadorias, pensões e
reparações de guerra. Inclui, também, as transferências efetuadas por migrantes
(remessas de trabalhadores), doações, heranças, vales e reembolsos postais e prêmios
auferidos em competições. Estão excluídas desta conta as transferências que envolvam
(i) mudança de propriedade de ativos fixos; (ii) transferência de fundos vinculados ou
42
São utilizadas neste trecho as definições presentes na página na Internet do Banco Central do Brasil e
na 5ª Edição do Manual de Balanço de Pagamentos do FMI.
88
condicionados pela aquisição ou alienação de ativos fixos e (iii) perdão de obrigações
por credores. Estas estão reunidas na Conta Capital e Financeira do balanço de
pagamentos.
A Conta Capital e Financeira apresenta uma subdivisão principal entre Conta
Capital e Conta Financeira. A Conta Capital registra as transferências de capital e
aquisição/alienação de bens financeiros não produzidos, que são relacionados com a
cessão de marcas e patentes. A Conta Financeira, por sua vez, subdivide-se em
Investimentos
Diretos,
Investimentos
em
Carteira,
Derivativos
e
Outros
Investimentos.
O Investimento Direto é aquele que reflete o interesse duradouro de uma
entidade residente em uma economia (investidor direto) em uma entidade residente em
outra economia (empresa de investimento direto), assim como um significativo grau de
influência na direção da empresa43. O conceito de Investimento Direto cobre todas as
transações entre os investidores diretos e as empresas de investimento direto,
envolvendo a transação inicial entre os dois e todas as transações subseqüentes entre
eles e entre empresas afiliadas. As transações de investimento direto no estrangeiro
são classificadas como participação no capital, lucros reinvestidos e outros capitais
(empréstimos intercompanhia).
O item Investimento em Carteira registra as transações em ações e títulos de
dívidas. Divide-se em Investimento Brasileiro em Carteira e Investimento
Estrangeiro em Carteira. O Investimento Brasileiro em Carteira refere-se às
aplicações em títulos estrangeiros nas modalidades de ações de companhias
estrangeiras (renda variável), negociados no país (BDR) ou no exterior e títulos de
renda fixa (curto e longo prazos). O Investimento Estrangeiro em Carteira refere-se
às aplicações estrangeiras em títulos brasileiros, na forma de ações (renda variável) ou
títulos de renda fixa (curto e longo prazos), negociados no país ou no exterior.
43
Em termos quantitativos, o Manual de Balanço de Pagamentos define como investimento direto a
aquisição de 10% ou mais de ações ordinárias ou do total de votos. No caso brasileiro existem
normativos diferenciados para os investimentos em carteira e diretos, que atendem de forma eficiente ao
conceito de participação efetiva na empresa, apesar de não mencionar o limite de 10%. (Notas
explicativas do Banco Central do Brasil).
89
O item Derivativos registra os fluxos financeiros relativos à liquidação de
haveres e obrigações decorrentes de operações de swap, opções e futuros e os fluxos
relativos aos prêmios de opções. Não inclui os fluxos de depósitos de margens de
garantia vinculados às operações em bolsas de futuros, alocados em outros
investimentos de curto prazo.
Em Outros Investimentos estão os créditos comerciais de curto e longo prazos,
empréstimos e financiamentos, incluindo os créditos e empréstimos do FMI, moeda e
depósito e outros ativos e passivos de curto e longo prazos.
O total líquido do Balanço de Pagamentos deveria ser, teoricamente, zero.
Entretanto, na prática ocorrem falhas nas informações das fontes utilizadas. A conta
Erros e Omissões registra o lançamento de partidas equilibradoras para o
balanceamento das contas do Balanço de Pagamentos, visando compensar toda sobreestimação ou subestimação dos componentes registrados. A magnitude da partida
equilibradora não é necessariamente um indício da exatidão geral do balanço, uma vez
que falhas de compilação podem ser compensadas dentro do mesmo período.
Os Haveres da Autoridade Monetária são os ativos que estão disponíveis e
são controlados pelas autoridades monetárias para o financiamento direto de
desequilíbrios de pagamentos, para regulação indireta da magnitude destes
desequilíbrios através da intervenção nos mercados de câmbio para afetar a taxa de
câmbio da moeda, e/ou para outros propósitos. Um sinal negativo indica aumento nos
haveres. Nesta conta estão o ouro monetário, os direitos especiais de saque, os ativos
em moeda estrangeira (moeda, depósitos, seguros) e outros direitos.
90
Capítulo 4 – A inserção brasileira no sistema mundial
4.1 - Histórico
O Brasil faz parte do que é conhecido como a periferia do sistema econômico
mundial. Desde o século XVI o Brasil foi inserido na economia mundial, através da
colonização européia, como um elo subordinado da cadeia mercantil. Os períodos do
pau-brasil, da cana-de-açúcar, do ouro, da borracha e do café foram fases diferentes de
um processo histórico em que funcionaram diversas formas de extração do excedente,
seja através do saque, da troca desigual, da tributação e/ou do mecanismo das dívidas,
sob o domínio do capital europeu, primeiramente do mercantil e posteriormente do
industrial e do financeiro.
A passagem da situação colonial para a situação de dependência está ligada
umbilicalmente à ascensão da grande indústria na Europa, em meados do século XIX.
A partir deste período, com a consolidação de uma nova divisão internacional do
trabalho, dinamizada pelas necessidades da produção e dos mercados internos dos
países centrais, é que a América Latina passa a cumprir o papel de exportadora de
matérias-primas e alimentos para abastecer a indústria européia.
A abertura unilateral da economia inglesa para a importação de bens primários
de todo o mundo estava de acordo com o “interesse desse país em se transformar em
uma grande fábrica” (FURTADO 1970, p. 55). A política de livre câmbio levou a
Inglaterra a reduzir suas atividades agrícolas e a ver seus capitais favorecerem-se
inteiramente da queda de preços das matérias-primas e de gêneros alimentícios
ocasionada pela chegada da produção de outros lugares e pela redução dos custos de
transporte.
O papel desempenhado pelas economias dependentes latino-americanas dentro
da divisão internacional do trabalho surgida com a industrialização européia foi de
grande importância. As economias centrais necessitavam de uma grande oferta de
alimentos e de matérias-primas baratas para que pudessem aprofundar sua
industrialização. Esta função de exportadora de alimentos e matérias-primas para a
indústria foi complementada por outra: a de importadora de bens de consumo
91
industriais, transformando as economias internas dos países periféricos em mercados
consumidores dos produtos europeus.
Esta divisão internacional do trabalho levava à transferência de excedentes aos
países centrais, principalmente através dos mecanismos da troca desigual e do
endividamento externo. Aqui a troca desigual é a do tipo que tem efeito entre os países
que intercambiam distintos tipos de mercadorias, como bens industrializados e bens
primários. Este processo permite que os produtores dos países industrializados vendam
seus produtos por um preço acima de seu valor, ao não transferirem para os preços
uma parte dos ganhos de produtividade nestas economias. Opera também a troca
desigual que ocorre entre segmentos com distintas composições orgânicas de capital,
através da formação dos preços de produção. Com isso, os ramos com menor
composição orgânica de capital (produtores de bens primários) transferem parte do
valor produzido para àqueles com maior composição orgânica (produtores de bens
industriais). Estes mecanismos levam a transferências gratuitas de parte do valor
produzido nos países produtores de bens primários.
Em relação ao mecanismo das dívidas, como bem o demonstra Marini, até
meados do século XIX,
“[...] as exportações latino-americanas estão estagnadas e a balança
comercial latino-americana é deficitária; os empréstimos externos se
destinam a sustentar a capacidade de importação. Ao aumentar as
exportações e, sobretudo, a partir do momento em que o comércio
exterior começa a produzir saldos positivos, o papel da dívida externa
passa a ser o de transferir para a metrópole parte do excedente obtido
na América Latina. O caso do Brasil é revelador: a partir da década de
1860, quando os saldos da balança comercial se tornam cada vez mais
importantes, o serviço da dívida externa aumenta: de 50% sobre esse
saldo nos anos 60, para 99% na década seguinte. Entre 1902-1913,
enquanto o valor das exportações aumenta em 79,6%, a dívida externa
brasileira o faz em 144,6% e representa, em 1913, 60% do gasto público
total” (MARINI, 2000b, p. 108).
Caio Prado Júnior acrescenta, ainda, entre os compromissos ascendentes que o
Brasil precisava fazer frente com a utilização dos saldos da balança comercial, o
pagamento de dividendos e lucros comerciais das empresas estrangeiras operando no
Brasil e as remessas de dinheiro feitas pelos imigrantes a seus países de origem.
(PRADO JÚNIOR, 1969, p. 209).
92
O papel de comando exercido pelos capitais dos países centrais permite,
também, utilizar outros mecanismos de extração de excedente, não vinculados
diretamente ao funcionamento do mercado, como a pressão diplomática e militar e a
interferência nas políticas internas dos países periféricos. Estes mecanismos extraeconômicos só podem ser levados a cabo porque existe uma base econômica por trás
que os torna possíveis.
“Não é porque se cometeram abusos contra nações não industriais que
estas se tornaram economicamente fracas, é porque eram fracas que se
abusou delas” (MARINI, 2000b, p. 118).
Esta fase das economias latino-americanas foi chamada pela CEPAL de
“desenvolvimento voltado para fora”. Nesta modalidade, os ciclos econômicos dos
países centrais têm influência direta na dinâmica da economia dos países periféricos.
Nos períodos de prosperidade consumo produtivo de matérias-primas cresce mais do
que proporcionalmente em relação ao capital investido. O consumo individual dos
trabalhadores também aumenta nestas fases. A elevação das exportações de bens
primários gera as divisas necessárias para as importações de bens de consumo
industriais e para o pagamento dos compromissos relativos à dívida externa.
Por outro lado, nas fases recessivas, há uma queda abrupta do consumo
produtivo de matérias-primas por parte dos mercados internos dos países centrais. Com
isto, ocorre uma diminuição tanto nas exportações para os países industrializados
quanto nos preços dos produtos primários exportados, levando à falta de divisas
internacionais com as quais se realizam as importações e os pagamentos da dívida
externa, conseqüentemente, a uma crise nos países primário-exportadores. Nestes
períodos é que se davam as maiores expansões da dívida externa.
A economia brasileira, até a década de 30, tinha uma configuração
fundamentalmente agrária-exportadora. Um produto, o café, representava, no final da
década de 20, 71% das exportações. Havia uma economia interna pequena e as
mercadorias consumidas eram, em grande parte, importadas. O investimento
estrangeiro se concentrava basicamente em serviços urbanos e no comércio exterior.
O papel que a economia brasileira cumpria na divisão mundial do trabalho era o
de fornecedor de bens primários (café, borracha, cacau, algodão...) e comprador de
bens industrializados. A nação hegemônica, naquele período, o Reino Unido, tinha uma
93
economia relativamente aberta, com uma grande pauta de importações e de
exportações.
As conjunturas estabelecidas entre as 2 grandes guerras, passando pela grande
depressão de 1929, enfraqueceram por um certo tempo os laços de dependência,
permitindo que algumas economias nacionais apresentassem algum grau de
desenvolvimento industrial autônomo. As condições internacionais estabelecidas na
época criaram obstáculos ao modelo de "desenvolvimento voltado para fora" e
deslocaram o eixo do processo de acumulação para a industrialização.
As guerras na Europa e no Pacífico dificultaram as importações e reduziram o
comércio internacional. A crise de 1929 fez cair abruptamente as exportações
brasileiras e, ao não permitir que o déficit externo fosse coberto com novos
empréstimos internacionais, levou a uma profunda crise externa e impulsionou o
processo de substituição de importações44 que posteriormente foi teorizado e se
constituiu no modelo de industrialização conscientemente adotado no Brasil.
Disseminava-se, então, entre setores da classe capitalista brasileira, a idéia da
possibilidade de um projeto de desenvolvimento capitalista com alto grau de autonomia.
Após a 2ª Grande Guerra, a economia mundial saiu do longo período de crise
que se iniciara na segunda década do século XX, agora sob a hegemonia dos EUA,
que emergiram como a grande potência industrial do planeta. À recuperação econômica
do imediato pós-guerra seguiu-se uma onda de exportação de capitais comandada
pelas grandes corporações multinacionais.
Estas características nos remetem ao conceito de imperialismo. A fase
imperialista do capitalismo surgiu da substituição da livre concorrência pelos
monopólios capitalistas. Tem como um dos traços característicos principais a existência
do capital financeiro (fusão do capital bancário com o capital industrial) (LÊNIN, 1979, p
641). Os grandes conglomerados financeiros, surgidos do próprio processo de
44
A substituição de importações é um processo impulsionado por restrições externas, que tem como
efeito a dinamização, crescimento e diversificação da atividade produtiva industrial. Seu significado não é
o da simples substituição de produtos anteriormente importados. De acordo com Tavares, “[...] o
processo de substituição não visa diminuir o quantum de importação global; essa diminuição, quando
ocorre, é imposta pelas restrições do setor externo e não desejada. Dessas restrições (absolutas ou
relativas) decorre a necessidade de produzir internamente alguns bens que antes se importavam. Por
outro lado, no lugar desses bens substituídos aparecem outros e à medida que o processo avança isso
acarreta um aumento da demanda derivada por importações (de produtos intermediários e bens de
capital) que pode resultar de uma maior dependência do exterior, em comparação com as primeiras fases
do processo de substituição”. (TAVARES, 1973, p. 39)
94
concentração e centralização do capital nos países centrais, passam a influenciar suas
economias nacionais como um todo, estendendo esta influência internacionalmente.
Nesta fase, ocorre a formação de grandes excedentes de capitais nos países industriais
mais adiantados que precisam ser exportados. Assim, a exportação de capitais,
diferentemente
da
exportação
de
mercadorias,
adquire
uma
importância
particularmente grande (LÊNIN, 1979, p 642).
Na Europa e nos EUA, o capital financeiro se tornou predominante no final do
século XIX e início do século XX, como fruto de um processo histórico de crescente
articulação entre o capital bancário e o capital industrial e de concentração e
centralização de capital no interior destas economias. Na América Latina, ao contrário,
o capital financeiro e o monopólio foram introduzidos através da exportação de capitais
desde os países centrais. Assim, o comando sobre este capital não está principalmente
dentro das fronteiras dos países em questão, mas emana dos centros capitalistas
desenvolvidos. As empresas multinacionais se tornaram a principal forma de
penetração do capital financeiro e monopolista nos países periféricos. Os monopólios
passaram a ditar os padrões produtivos, tecnológicos e de consumo nas sociedades em
que se inseriu.
As empresas multinacionais têm suas planificações elaboradas no nível mundial,
sua cadeia produtiva atravessa as fronteiras entre os países, mas suas sedes estão
localizadas nos países centrais, para onde são remetidos seus lucros e em cujas
moedas fortes eles têm que ser expressos. Ao investir em um país dependente, o faz
segundo seu plano de negócios geral, com o intuito de se aproveitar das vantagens de
custo de determinado país, por um lado, e/ou de obter lucros no mercado interno deste,
por outro. Os ganhos que obtém nestes processos devem, em algum momento, retornar
à matriz para serem reinvestidos ou distribuídos aos acionistas.
No pós guerra, principalmente a partir dos anos 50, houve uma mudança no
padrão de industrialização latino-americano, condicionado pela etapa de fortes
exportações de capital tanto da Europa quanto dos EUA, sob a nova ordem financeira
internacional estabelecida em Bretton-Woods. A aceleração do ritmo do progresso
técnico, com a renovação do parque produtivo do período de reconstrução européia e
japonesa, fez com que se necessitasse passar a exportar as máquinas e equipamentos
industriais que ainda não estavam completamente amortizados, mas que já haviam se
95
tornado obsoletos em seus países de origem. Além disso, tendo em vista que era
preciso obter escala para a indústria de bens de capital nos países desenvolvidos,
procurou-se estimular a industrialização periférica.
Por outro lado, o processo de industrialização por substituição de importações na
América Latina recebia impulso das restrições externas (absolutas ou relativas), que
levavam à necessidade de novas substituições de produtos que antes eram
importados45. Para isto tornava-se necessária a obtenção de recursos para importar
máquinas, equipamentos e bens intermediários que viabilizassem o aprofundamento da
industrialização. O caminho adotado para lidar com esta limitação foi justamente o
apelo ao capital estrangeiro, seja através do investimento direto, seja através de
empréstimos internacionais.
Estabeleceram-se, neste período, as bases para uma dependência de novo tipo,
baseada nas corporações multinacionais, que passaram a investir em indústrias
voltadas para os mercados internos dos países subdesenvolvidos.
"A industrialização latino-americana corresponde assim a uma nova
divisão internacional do trabalho, em cujo âmbito se transferem aos
países dependentes etapas inferiores da produção industrial [...]
reservando-se para os centros imperialistas as etapas mais avançadas
[...] e o monopólio da tecnologia correspondente" (MARINI, 2000b, p.
145).
Ou seja, o processo de industrialização da América Latina não superou o
intercâmbio desigual. Se, antes, a divisão internacional do trabalho reservava para os
países ou regiões periféricas as atividades primárias e aos centrais as atividades
industriais, a industrialização periférica se fez nas atividades que já não eram as mais
importantes na divisão internacional do trabalho. Ademais, a industrialização com forte
presença do capital estrangeiro também entronizou a troca desigual. As atividades
centrais e com maior composição orgânica da cadeia de mercadorias passaram a ser
controladas pelas empresas multinacionais. E nos ramos em que encontraram
concorrentes nacionais, as empresas estrangeiras são as com maiores níveis de
produtividade, beneficiando-se da transferência de valor intra-industrial46.
45
46
Ver nota de rodapé 44.
As diferentes modalidades de troca desigual estão descritas na última parte do capítulo 1.
96
Com o aumento da importância dos investimentos estrangeiros diretos, o capital
estrangeiro passou a ter também um grande peso na exploração direta da mais-valia
dos trabalhadores latino-americanos, tendo comando sobre processos produtivos
internos. Isto significou que o capital estrangeiro passou a ser cada vez mais
beneficiário de cotas de lucro auferidos diretamente por suas empresas instaladas
dentro das fronteiras nacionais, o que, naturalmente implicou em remessas crescentes
de rendimentos, não só sob a forma de lucro, mas também na forma de royalties,
assistência técnica, preços de transferência, juros de empréstimos inter-companhia, etc.
Esta importância adquirida pelos investimentos estrangeiros diretos se refletiu no
conseqüente no aumento da influência das empresas multinacionais nas decisões
econômicas internas, no aprofundamento da dependência tecnológica, etc. A dívida
externa, por sua vez, ganhou nova feição a partir das características e da dimensão
adquiridas pelo investimento estrangeiro direto, com as empresas multinacionais
participando direta e indiretamente em parcela cada vez maior dos empréstimos e
financiamentos externos, o que é fortalecido pelo fato de possuírem acesso privilegiado
às fontes de crédito internacionais.
A possibilidade de um desenvolvimento capitalista autônomo esbarrou, então,
nas limitações criadas em uma fase histórica do capitalismo hegemonizada pelas
grandes corporações multinacionais e sob a égide dos Estados nacionais mais fortes,
principalmente os EUA, que têm em suas mãos as principais alavancas do poder, tanto
no terreno econômico, como no tecnológico, político e militar. Conformou-se uma
industrialização periférica, articulada de forma subordinada com o movimento
expansionista das empresas multinacionais e com a dinâmica econômica e política dos
países centrais.
4.2 – Fases do desenvolvimento capitalista dependente brasileiro
Pode-se dividir o desenvolvimento capitalista dependente brasileiro ao longo do
século XX em quatro fases distintas, correspondentes, em linhas gerais, às mudanças
importantes na organização da economia mundial: 1) o período da economia
exportadora, que durou até 1930, fase denominada de “desenvolvimento voltado para
fora” pela CEPAL; 2) o início do processo de industrialização, que correspondeu ao
97
período de desorganização do capitalismo internacional fruto das duas grandes guerras
e da crise de 1929; 3) A industrialização com forte presença do investimento direto
estrangeiro, correspondente à fase de retomada da economia mundial já sob
hegemonia dos EUA, principalmente a partir dos anos 50, até 1980, quando ocorre a
crise da dívida e; 4) a fase atual, iniciada a princípio dos anos 80, sob as condições
estabelecidas pelo que se convencionou chamar de “globalização”, caracterizada pela
crise do modelo de desenvolvimento anterior e pela implementação das políticas
neoliberais de abertura comercial, liberalização das movimentações de capitais,
privatizações, desnacionalização e desregulamentação econômica.
Os movimentos de ciclos econômicos que ocorrem durante estas fases adquirem
características diferentes que surgem a partir das relações distintas que os elementos
internos estabelecem entre si e com os elementos externos. Entre essas 4 fases, as
relações de dependência se transformaram. Em 1930 a dinâmica interna da economia
era diretamente influenciada pelos ciclos econômicos dos países centrais através,
fundamentalmente, da balança comercial. Posteriormente, a produção doméstica
passou a ser em grande parte para atender o mercado interno e as relações comerciais
com o exterior passaram a ter um caráter complementar. Ao mesmo tempo, o capital
estrangeiro foi passando a ter uma influência muito maior desde dentro da economia. A
influência dos ciclos econômicos externos passou a ser exercida de forma mais
complexa, atuando principalmente como um fator interno da economia brasileira e não
simplesmente como estímulo externo (MARINI, 1977). Ou seja, as distintas
características estruturais dos diversos períodos históricos expressam-se, no Balanço
de Pagamentos, também nas diferentes formas em que se relacionam os ciclos
econômicos externos e internos.
Na primeira fase (até 1930), a influência externa na economia nacional ocorria
fundamentalmente através do comércio exterior e a presença do capital estrangeiro se
expressava
principalmente
através
do
mecanismo
da
dívida
externa
e,
secundariamente pelo investimento direto ligado à infra-estrutura e serviços urbanos e
ao setor exportador. As exportações de produtos agrícolas, em especial o café, eram as
principais fontes de divisas para o financiamento das importações, para o
reinvestimento e para o pagamento dos compromissos da dívida externa. Quando havia
fortes quedas nas exportações, que levavam à ocorrência de déficits comerciais, isto
98
atingia a economia interna com a diminuição das importações, a queda da arrecadação
do Tesouro, cuja principal fonte de receita era o imposto de importação, e a dificuldade
de pagamento dos compromissos com a dívida externa. Para fazer frente a essas
dificuldades, tornaram-se necessários mais empréstimos externos e seus conseqüentes
programas recessivos de ajuste, acordados com os credores internacionais. Entre os
empréstimos realizados nesta fase, destacam-se os dois funding-loans47, em 1898 e
1914, (...)
“[...] que nos colocaram em posição humilhante perante nossos
credores, especialmente junto à Casa Rotschild, com quem o Governo
negociou moratórias. Os banqueiros procuraram assegurar seus
empréstimos, no princípio, com a garantia das rendas alfandegárias,
depois, quando se tornaram atraentes, exigiam o penhor, também, do
imposto de consumo e do selo (primeiro empréstimo em dólares em
1921) e até mesmo do imposto de renda, instituído em 1924, como
ocorreu com os empréstimos contratados em 1927.” (FURTADO, Milton
Braga, 1983, p. 149)
A segunda fase, a partir de 1930 está inserida num período de transição mais
amplo, caracterizado pela crise da hegemonia britânica na economia mundial e a
ascensão da hegemonia dos EUA. Este período de transição envolveu as duas grandes
guerras e a crise de 1929. Foi justamente depois do fim da primeira grande guerra, em
1921, que foi realizado o primeiro empréstimo em dólares para o Brasil. Esta mudança
de hegemonia não se deu só no nível do mercado, mas também no nível do
investimento externo, que registrou a substituição dos antigos investimentos em
carteira, preferidos pela Inglaterra, em proveito dos investimentos diretos, propiciados
pelos EUA (MARINI, 1977).
O ano de 1930 foi um marco da virada para o que foi chamado pelos cepalinos
de “desenvolvimento voltado para dentro” da economia brasileira, com o início do
processo de industrialização por substituição de importações e a mudança do eixo da
economia da agricultura de exportação para a indústria voltada para o mercado interno.
Esta mudança não ocorreu de forma consciente e planejada. Ao contrário, ela foi fruto
tanto da crise estrutural do sistema econômico vigente até então e da crise que viveu a
47
“Funding loan ou empréstimo consolidado é a conversão de obrigações de curto prazo em obrigações
de prazo mais longo, em condições especiais de pagamento”. (FURTADO, Milton Braga, 1983, p. 149)
99
economia mundial com o advento da quebra da bolsa de valores de Nova Iorque em
1929, como das respostas que o governo deu à esta situação concreta.
A combinação da queda brusca das receitas de exportações com a diminuição
do fluxo de capitais estrangeiros fez com que diminuísse drasticamente a capacidade
de importação, de pagamento dos compromissos com a dívida externa e de remessa de
lucros e dividendos ao exterior. Estes fatores, combinados com a política
governamental de controle de câmbio visando racionar os gastos com importação,
evitar a fuga de capitais e impedir a especulação cambial (FURTADO, Milton Braga,
1983) e de sustentação da renda do setor cafeeiro, através da compra e destruição dos
excedentes de produção, implicaram, na prática, em uma forte proteção à produção
industrial interna e no impulsionamento do processo de industrialização baseado na
substituição de importações.
Este processo não ocorreu de forma suave, mas através de crises e respostas a
estas crises. Houve uma retração da economia entre 1929 e 1932, sendo que em 1931,
pior ano da recessão, ocorreu a suspensão dos pagamentos da dívida externa e a
adoção do controle de câmbio, como reflexo da escassez de divisas. No período entre
1934 e 1937 houve uma forte recuperação, com a economia crescendo 6,5% ao ano,
mesmo levando em conta as dificuldades cambiais. Em 1937 e 1938, com o advento de
recessão nos EUA, a diminuição da entrada de capitais estrangeiros levou a uma nova
suspensão do pagamento da dívida externa, até 1940. A taxa de crescimento do PIB
caiu a 3,5% ao ano em 1937-39, atingiu 0,4% ao ano em 1939-42, e só recuperou-se
no período de 1942-45 (ABREU, 1992). Nos últimos anos da guerra, o Brasil acumulou
reservas cambiais devido ao crescimento das exportações, à escassez de importações
e à volta da entrada de capitais privados dos EUA.
A evolução da situação a partir deste período levou a que, progressivamente,
fosse se constituindo uma dinâmica de ciclos industriais próprios na economia
brasileira, ou seja, ciclos determinados em grande parte pelos elementos constituídos
internamente e com relações cada vez mais complexas com as variações cíclicas
externas. Este processo irá se aprofundar na fase seguinte, na qual a industrialização
por substituição de importações atingirá os setores de bens de consumo durável, bens
intermediários e bens de capital.
100
Devem ainda ser ressaltados dois elementos mais a respeito da fase que vai de
1930 a 1945. Um deles é a mudança do papel do Estado, que passou a ser cada vez
mais ativo na economia. O outro elemento é o fato de que no crescimento econômico
doméstico e no processo de industrialização por substituição de importações nesta
fase, o capital estrangeiro não teve participação decisiva.
A terceira fase, iniciada no pós-guerra, teve como característica a consolidação
da hegemonia internacional pelos EUA. No Brasil, a presença das empresas norteamericanas e a influência política dos EUA já vinham crescendo, em detrimento da
Inglaterra, desde as primeiras décadas do século XX. Nesta fase, a industrialização foi
impulsionada de forma decisiva pelos investimentos estrangeiros diretos. Estes
passaram a figurar, ao lado dos empréstimos externos, como a forma mais importante
de penetração do capital estrangeiro no Brasil. Este processo que já vinha de uma
dinâmica de crescimento, ganhou seu principal impulso a partir de meados da década
de 50.
A reestruturação da economia brasileira a partir dos anos 50 baseou-se
fortemente na intervenção estatal, principalmente por intermédio de empresas estatais,
em setores chaves da economia tais como bancário, siderurgia, mineração, produção,
refino e distribuição de petróleo, telecomunicações, transportes, geração e distribuição
de eletricidade. O Estado também cumpriu papel importante na construção de infraestrutura para as empresas, e no financiamento de muitos projetos.
O outro sustentáculo fundamental desta fase da industrialização brasileira foi a
empresa transnacional, que se implantou nos setores mais dinâmicos da indústria de
transformação, tais como as indústrias de bens de consumo duráveis, química,
mecânica, metalurgia, entre outras, a partir das condições criadas pela intervenção
estatal, e no marco de uma conjuntura de ampliação dos investimentos externos
produtivos em nível internacional nos anos 50.
A empresa de capital nacional completava este quadro como sócia menor e
complementar à empresa transnacional ou ao Estado. Conformou-se então um projeto
de desenvolvimento industrial dependente, baseado no tripé, empresa estatal,
multinacional e de capital nacional.
O processo de industrialização brasileiro foi dinâmico e levou o país a obter altos
índices de crescimento econômico durante 50 anos, com pequenos períodos de baixa.
101
Entre 1930 e 1980, a economia brasileira foi a que mais cresceu no planeta. No pósguerra, os períodos de crescimento mais acelerado também foram aqueles de maior
integração do país ao movimento internacional de capitais. Neste período, o setor
externo perdeu importância enquanto determinante do nível da renda nacional. Por
outro lado,
“[...] o setor externo tornou-se mais importante para a geração de divisas
estrangeiras que eram necessárias para a importação de bens de capital
e tecnologias associadas com um estágio mais avançado de
industrialização”. (GONÇALVES, 1996)
A dinâmica do Balanço de Pagamentos nesta terceira fase também obedeceu a
um padrão cíclico, seguindo a dinâmica da economia brasileira, combinada com as
flutuações na economia mundial. Houve dois períodos principais de forte expansão da
economia (1955-62 e 1968-73), intercalados por um período recessivo (1962-67). A
partir de 1974, apesar de a economia seguir crescendo, nota-se claramente uma
redução de ritmo.
Dos Santos (1994) identificou três importantes etapas de entrada de capitais no
Brasil nesta fase, intercalados por períodos de crises. Na primeira etapa, entre 1945 e
1950, o capital estrangeiro que foi em sua quase totalidade norte-americano e instalouse, principalmente nos setores de montagem e finalização de produtos.
A segunda etapa ocorreu na segunda metade da década de 50, durante a
aplicação do Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitshek. Cerca de 44% dos
investimentos previstos para execução do Plano estavam destinados à importação de
bens e serviços, o que tornou-o dependente de investimentos estrangeiros (FURTADO,
Milton Braga, 1983).
“Assim, passou o país a absorver maiores investimentos do exterior,
tanto sob a forma de capital de risco – com a entrada de máquinas e
equipamentos sem cobertura cambial, bem como tecnologia – como de
empréstimos, a maior parte destes concedidos pelo Export-Import Bank
dos Estados Unidos e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID)”. (FURTADO, Milton Braga, 1983, p. 169)
Houve um grande crescimento dos investimentos diretos nesse período, tendo
sido introduzidos novos ramos de produção sob domínio quase completo do capital
102
estrangeiro, como nos setores das indústrias automobilística, química, mecânica e
metalurgia pesada e leve.
No terceiro, ocorrido entre 1967 e 1973, o capital estrangeiro (...)
“[...] dirigiu-se fundamentalmente ao capital de giro das empresas,
porque o grosso das novas inversões utilizou uma enorme capacidade
instalada, subutilizada no período da crise. Ao mesmo tempo, a criação
de um clima de otimismo capitalista e a organização de um mercado de
capitais aberto ao capital estrangeiro altamente especulativo permitiu
uma forte “entrada” de capitais sob a forma de compras de papéis ou
ações que se apresentavam como gigantescos projetos de inversão”
(DOS SANTOS, 1994, p. 78).
Nesta fase, podemos ainda identificar uma quarta etapa de forte crescimento da
entrada de capitais estrangeiros, que vai de 1974 a 1980, correspondendo ao 2º Plano
Nacional de Desenvolvimento. Caracterizou-se pela grande entrada de capitais através
dos empréstimos internacionais, que ampliou consideravelmente a dívida externa.
Esses empréstimos ocorreram em um momento de forte abundância de liquidez
internacional fruto do processo de reciclagem dos “petrodólares” e foram feitos à taxas
flutuantes. Este período terminou com a forte subida dos juros internacionais,
patrocinada pelo Federal Reserve dos EUA, o que levou á ocorrência da chamada
“crise da dívida”, que se prolongou pelos anos 80 até o início dos anos 90.
Com isso, inicia a que é considerada neste trabalho a quarta fase, caracterizada
pelo baixo crescimento econômico e por grandes mudanças nas relações entre o
capital estrangeiro e a economia brasileira. O enorme passivo externo acumulado no
processo de internacionalização da economia havia deixado o país vulnerável. A subida
nas taxas de juros internacionais no início dos anos 80 e o posterior fechamento dos
mercados de capitais em relação ao Brasil após a moratória mexicana de 1982,
bloquearam a antiga via de financiamento do crescimento e da industrialização. O
sentido dos fluxos financeiros se inverteu e a economia doméstica teve que produzir
enormes superávits comerciais na tentativa de equilibrar o balanço de pagamentos. A
década de 80 se tornou conhecida como a década perdida, com os menores índices de
crescimento do século XX até então, chegando a ter decréscimo econômico em 1981,
1983 e 1988.
Os fluxos de capitais voltaram nos anos 90, mas já sob novas perspectivas.
Nesta década ocorreu uma profunda reestruturação da economia, a partir da aplicação
103
dos planos de ajuste neoliberais, de abertura comercial e liberalização de
movimentação de capitais, privatizações, desnacionalização e desregulamentação
econômica. Na última década do século XX, houve um crescimento no ingresso de
capitais estrangeiros de todos os tipos. A economia brasileira foi capturada por novos
movimentos expansivos do capitalismo internacional. Na primeira metade da década
houve um grande aumento dos investimentos em carteira, movimento que deu um salto
com a conversão de parte da dívida externa pública em títulos, no marco do Plano
Brady. Na segunda metade da década, observou-se uma diminuição dos ingressos de
investimentos em carteira (como resultado de uma série de crises financeiras
internacionais e da vulnerabilidade econômica interna), e um aumento considerável dos
investimentos estrangeiros diretos, em níveis muito acima de qualquer época histórica
anterior. Entretanto, desta vez, estes investimentos diretos vieram predominantemente
para adquirir empresas já existentes, criando pouca nova capacidade produtiva. Ao final
da década, após um processo de fuga de capitais, o governo voltou a solicitar
empréstimos do FMI, elevando mais ainda a dívida externa.
Com isso, o componente multinacional passou a ter uma clara preponderância
na economia brasileira. Este movimento significou o aprofundamento da dependência e
da atuação de todos os mecanismos antes descritos de extração de excedente
econômico. Hoje o capital internacional tem papel predominante em praticamente todos
os principais ramos industriais e de serviços e participação minoritária importante em
vários outros.
104
Capítulo 5 – Análise histórico-empírica: a dependência e o balanço de
pagamentos brasileiro (1947-2000)
De acordo com o visto no Capítulo 1, a dependência significa uma situação em
que as economias de certos países são condicionadas pelo desenvolvimento e
expansão de outras economias às quais estão submetidas. Nessa situação, as relações
de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a
reprodução ampliada da dependência. (MARINI, 2000b).
Segundo o discutido no capítulo 2, a livre movimentação de mercadorias e
capitais não leva à maior equidade, crescimento e convergência internacionais,
conforme pregam as teorias neoclássicas. Pelo contrário, a integração da economia
mundial sob o comando do capital tem levado a um aprofundamento do
desenvolvimento desigual e obstaculizado o crescimento de longo prazo das economias
dependentes.
Conforme o capítulo 3, o Balanço de Pagamentos, enquanto um instrumento de
medida das relações econômicas internacionais, só pode ser compreendido como parte
de um sistema internacional historicamente determinado. Os registros no Balanço de
Pagamentos, portanto, devem ser analisados levando-se em conta os processos de
transformação histórica do sistema econômico-político internacional e da inserção da
economia brasileira neste sistema.
A crescente penetração do capital estrangeiro tem uma série de implicações nas
contas do Balanço de Pagamentos. É necessário, portanto, construir uma visão
integrada do Balanço de Pagamentos. Nos capítulos 2 e 3, sobre as Transações
Internacionais e o Balanço de Pagamentos, procurou-se demonstrar que a visão
tradicional sobre os mesmos, que leva em conta o país como unidade de análise e com
base na teoria neoclássica, não permite uma visualização correta a respeito de ambos.
Com o Balanço de Pagamentos, enxergamos estas relações através de uma lente
distorcida, como se as transações internacionais fossem efetuadas entre países-comoum-todo. É necessário, portanto, buscar compreender o significado das relações que se
escondem por trás da classificação de contas do Balanço de Pagamentos.
O propósito deste capítulo é demonstrar, empiricamente, como a ação do capital
estrangeiro se expressou nas contas externas brasileiras e qual foi seu papel no
105
processo de extração do excedente econômico e de reprodução da dependência, tal
qual definidos no capítulo 1. Utiliza-se, para isto, o Balanço de Pagamentos como
principal base de dados estatísticos. Procura-se dar às contas do Balanço de
Pagamentos um tratamento integrado e verificar as mudanças nos padrões
estabelecidos entre as distintas fases do desenvolvimento dependente brasileiro. O
período de tempo analisado é o que decorre desde 1947, ano em que o Balanço de
Pagamentos brasileiro começou a ser publicado, até o final do século XX.
Na seção seguinte do capítulo é apresentada uma visão mais geral dos padrões
e das modificações observados no Balanço de Pagamentos no conjunto do período de
tempo analisado. Nas seções subseqüentes faz-se a discussão dos diferentes subperíodos, conforme divisão proposta no capítulo 4 e no final da Seção 5.1. A última
seção é dedicada às considerações finais.
5.1. Visão Geral
Uma apreciação superficial da evolução do Balanço de Pagamentos brasileiro já
permite descartar a visão de que o capital estrangeiro cumpre um papel apenas
temporário e compensatório. A Conta Financeira, que registra os investimentos de
estrangeiros realizados no país e os investimentos de brasileiros realizados no exterior,
apresentou, historicamente, uma dinâmica de tendência crescentemente superavitária
(apresentou superávit em 52 anos e em apenas 4 (48, 50, 65 e 88) foi deficitária). Como
veremos, isso resulta do fato de que o Brasil é estruturalmente um país importador de
capitais. Isto não se parece em nada com a visão neoclássica do ciclo da dívida,
segundo a qual o Brasil tomaria emprestado para cobrir seus déficits no presente e,
com o aumento de sua produção, deixaria de ser devedor para se tornar credor
internacional.
Simetricamente, pode-se afirmar já de uma primeira observação das estatísticas
históricas do Balanço de Pagamentos, que os déficits em Transações Correntes são
persistentes e apresentam uma dinâmica historicamente crescente. A conta Transações
Correntes foi deficitária em praticamente todos os anos (em 49 anos foi negativa e em
apenas 6 foi positiva (50, 64, 65, 84, 88 e 89)).
106
Ao observarmos o Balanço de Pagamentos brasileiro, desde que começou a ser
publicado, podemos verificar os seguintes padrões históricos: a) déficits em Transações
Correntes praticamente em todos os anos; b) Superávits na Conta Capital e Financeira
também em praticamente todos os anos; c) Dentro das Transações Correntes, a
Balança Comercial apresentou superávits na maior parte do tempo; d) as contas de
Serviços e de Rendas tiveram déficits em todos os anos; e) há uma tendência histórica
de crescimento das remessas de rendas como proporção das exportações.
Este padrão histórico sugere uma relação mais profunda entre as contas do
Balanço de Pagamentos. O volume de capital estrangeiro, atuando dentro das
fronteiras nacionais é diretamente proporcional aos déficits em rendas. Neste período,
cada vez mais as características dos capitais que ingressaram responderam às
necessidades das grandes empresas, com destaque para as empresas multinacionais
instaladas dentro das fronteiras nacionais. Isto vale não só para o Investimento Direto,
mas também para o capital de empréstimo, que esteve sob o comando crescente das
necessidades de valorização e controle das grandes empresas. A dívida externa,
portanto, ganhou nova feição a partir das características e da dimensão adquiridas pelo
Investimento Estrangeiro Direto, com as empresas multinacionais participando direta e
indiretamente em parcela crescente dos empréstimos e financiamentos externos, o que
é fortalecido pelo fato de possuírem acesso privilegiado às fontes de crédito
internacionais.
O investimento estrangeiro direto guarda uma relação mais ambígua com a
balança comercial. Por um lado substitui importações e contribui com o aumento das
exportações. Por outro aumenta as necessidades de importação de matérias primas e
bens intermediários. Ademais, as empresas estrangeiras costumam ter um coeficiente
de conteúdo importado maior que as empresas nacionais. Quando entra o investimento
estrangeiro, ele gera uma série de gastos de importação, como compras vinculadas,
necessidades de importações produtivas, etc. Outra implicação do investimento direto
sobre a balança comercial é o aumento da prática dos preços de transferência. Junto
com isto, as divisas acumuladas e a melhora na situação econômica, propiciadas pelo
ingresso líquido de capital estrangeiro, por vezes levam a um aumento dos gastos com
importações de bens de consumo. Não é raro que políticas no sentido de atrair
investimentos diretos (compromissos de longo-prazo) são utilizadas como forma de
107
compensar desequilíbrios de curto-prazo no Balanço de Pagamentos, muitas vezes
sancionando-os.
Os números da Balança Comercial devem ser analisados com mais atenção.
Apesar de os registros apontarem para a predominância dos superávits nesta conta, é
necessário observar as seguintes características: 1) os superávits deveram-se em
vários momentos às políticas protecionistas e/ou recessivas; 2) na segunda metade da
década de 50, os déficits comerciais foram ocultados pela contabilização da importação
de máquinas e equipamentos como investimento; 3) os superávits dependeram
também, em diversos momentos, da dinâmica dos preços internacionais dos bens
primários, que sempre predominaram na pauta de exportações brasileira. 4) Se a
Balança Comercial for considerada em conjunto com a balança de Transportes
(diretamente vinculada às atividades do comércio exterior), encontramos déficits na
maioria dos anos. Ou seja, o registro de superávits na conta comercial não se deve a
uma forte posição competitiva da produção doméstica no mercado mundial. Ao
contrário, indica a fragilidade competitiva da produção doméstica, a dependência da
exportação de bens primários, semi-elaborados e de consumo e que a dinâmica
estabelecida pelas políticas comerciais costuma responder às necessidades de divisas
internacionais para fazer frente aos compromissos com o capital estrangeiro.
A Conta Serviços é também estruturalmente deficitária e apresenta vínculos
profundos com a Conta Financeira, por um lado, e com a Balança Comercial, por outro.
O peso crescente dos investimentos diretos implica que uma série de itens da Conta
Serviços passam a registrar déficits com tendências crescentes, tais como royalties e
licenças, serviços empresariais, profissionais e técnicos, aluguel de equipamentos, etc.
Outros itens de serviços têm relações maiores com a Balança Comercial, como fretes,
seguros e serviços relativos ao comércio. Estas contas também apresentaram déficits
em todo o período analisado, o que reflete a posição de subordinação do país no
mercado mundial e o controle desde os países centrais, das infra-estruturas de
transporte, de serviços comerciais e das principais companhias seguradoras.
O aspecto geral do Balanço de Pagamentos brasileiro no período é o de déficits
crônicos em serviços correntes e em rendas (chamado também, de acordo com a
tradição ortodoxa, de “serviços de fatores”), resultando na necessidade de superávits
comerciais permanentes e/ou mais entradas de capital estrangeiro para contrabalançar
108
perdas. Os saldos comerciais do Balanço de Pagamentos brasileiro são canalizados
justamente para o cumprimento das remessas de rendas e serviços para o capital
estrangeiro. Em outras palavras: parte da produção de bens que deveria ser consumida
produtivamente ou individualmente, ou trocada, através do mercado internacional, por
importações, é desviada para compensar as remessas de rendas e os déficits em
serviços, frutos da ação do capital estrangeiro. Isto significa que uma parcela crescente
de valor, ou seja, de horas trabalhadas, deixa de corresponder a um maior consumo
(individual ou produtivo) dentro do país e deve ser transferido ao exterior.
O Gráfico 1 mostra, ao longo do período estudado, as remessas líquidas de
rendas como percentual das receitas de exportação. Nota-se que parte-se de um
patamar de 8 a 10% nos anos 40 e 50, para mais de 30% no final dos anos 90. Entre
estes dois períodos ocorreu a chamada crise da dívida, responsável por um pico de
quase 70%.
Gráfico 1. Remessas líquidas de rendas como percentual das exportações (1947-2002)
R e m e s s a líq u id a d e re n d a s /E x p o rt a ç õ e s
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1947
1951
1955
1959
1963
1967
1971 1975
Ano
1979
1983
1987
1991
1995
1999
Fonte: Banco Central do Brasil
A queda registrada na participação das remessas líquidas de rendas como
percentual das receitas de exportação durante os anos 80, conforme podemos observar
no gráfico 2, tem como causa o grande aumento das exportações, ao invés de uma
109
queda nas saídas líquidas de rendas. Estas últimas quase dobraram entre 1980 e 1982
e permaneceram flutuando em torno deste patamar elevado ao longo do resto da
década. Por outro lado, as entradas líquidas de capital estrangeiro tiveram uma
diminuição considerável. Ou seja, a queda registrada no Gráfico 1 representa, antes de
tudo, um enorme esforço exportador que, combinado com uma política de contenção
das importações, buscava compensar a queda nas entradas de capitais estrangeiros e
a manutenção das remessas de renda em um patamar elevado. O crescimento das
exportações também foi impulsionado pela maturação dos investimentos realizados na
segunda metade da década de 70, no âmbito do II PND, combinada com o considerável
crescimento do déficit comercial norte-americano a partir de 1984. As divisas obtidas
por meio dos chamados mega-superávits comerciais dos anos 80 foram utilizadas para
o pagamento dos compromissos da dívida externa, configurando uma enorme
transferência de valores, na forma de excedentes comerciais.
Gráfico 2. Fluxos de Exportações, Rendas e Capitais nos anos 80
Exportações, Remessa líquida de Rendas e Capitais
Exportação de bens
Rendas (x(-1))
CONTA CAPITAL E FINANCEIRA
40000
35000
30000
US$ milhões
25000
20000
15000
10000
5000
0
1980
1981
1982
1983
1984
1985
-5000
Anos
Fonte: Banco Central do Brasil
1986
1987
1988
1989
1990
110
Os déficits na conta de Serviços, por sua vez, apresentaram ao longo do tempo
um comportamento bastante flutuante e pró-cíclico. Nas fases de crescimento
econômico este déficit tem representado entre 15 e 20% das receitas de exportação,
chegando a registrar 24% em 1960. Nos períodos recessivos este percentual cai para a
faixa entre 6 e 17%, tendo-se registrado quedas mais acentuadas quando ocorreram
grandes superávits comerciais, como em 1964/65 e em 1984/85. Se somarmos os
déficits em Rendas e em Serviços, observaremos que representam uma parcela que
varia entre 40 e 60% das exportações.
Isto significa que, como fruto da ação do capital estrangeiro, torna-se necessária
a produção de um considerável excedente econômico (mais-valia) que deve ser
transferido ao exterior, na forma de remessa de divisas aceitas internacionalmente. Esta
transferência de excedentes na forma de divisas internacionais somente pode ser
viabilizada de três formas: pela formação de superávits comerciais, pelo ingresso de
capital estrangeiro ou pela utilização das reservas de divisas internacionais. A queima
das reservas de divisas, quando existem, não pode ser utilizada indefinidamente. As
duas variáveis principais do ajuste, que viabilizam as transferências de excedentes e,
assim, a reprodução dos vínculos de dependência, são os novos ingressos de capital
estrangeiro e os saldos da balança comercial. O ingresso de capital estrangeiro, por
seu lado, leva a novas necessidades de remessas de excedentes, reforçando, no longo
prazo, o problema, a ponto de que uma parcela crescente dos ingressos de divisas
internacionais passa a ser utilizada para cobrir os déficits em Rendas. Não é por acaso
que entre as condicionantes dos ajustes propostos pelo FMI aos países devedores,
para garantir o pagamento de seus compromissos financeiros internacionais, estejam
políticas
recessivas
com
vistas
à
obtenção
de
superávits
comerciais.
Conseqüentemente, no longo prazo, a obtenção de excedentes da balança comercial
constitui-se como uma variável chave do ajuste.
No capítulo 4 dividiu-se a história econômica do Brasil no século XX em 4 fases:
1) a economia exportadora, que durou até 1930, fase denominada de “desenvolvimento
voltado para fora” pela CEPAL; 2) o início do processo de industrialização, que
correspondeu ao período de desorganização do capitalismo internacional fruto das duas
grandes guerras e da crise de 1929; 3) A industrialização com forte presença do
investimento direto estrangeiro, correspondente à fase de retomada da economia
111
mundial já sob hegemonia dos EUA, principalmente a partir dos anos 50, até 1980,
quando ocorre a crise da dívida e; 4) a fase atual, sob as condições estabelecidas pela
fase conhecida como “globalização”, caracterizada pelas políticas neoliberais.
Dentro de cada uma delas, a dinâmica do Balanço de Pagamentos refletiu
características distintas, frutos de diferenças tanto estruturais da economia brasileira
entre as fases, quanto nas relações que seus elementos constitutivos mantiveram com
a economia mundial.
As seções seguintes deste capítulo são organizadas de acordo com esta
periodização, mas encampando apenas as fases 3 e 4, que vão do início do período do
pós-guerra até o final do século XX, cobrindo o período de publicação do Balanço de
Pagamentos. Além disso, cada fase está subdividida em períodos, que refletem dois
aspectos: as variações dos ciclos econômicos domésticos e as mudanças na dinâmica
das relações do capital estrangeiro com a economia brasileira.
Assim, a fase 3 está subdividida nos seguintes períodos: a) 1947 (ano em que
começou a ser publicado o Balanço de Pagamentos brasileiro) até 1954, período do
imediato pós-guerra, caracterizado pela pouca mobilidade internacional de capitais
autônomos e no qual as escolhas geopolíticas do governo dos EUA levaram à exclusão
do Brasil dos fluxos de capitais oficiais; b) 1955 a 1961, que foram anos de intenso
crescimento econômico, com vultuosos investimentos liderados pelo Estado e pelo
Investimento Direto Estrangeiro, tendo o capital privado nativo passado a cumprir um
papel coadjuvante; 1962 a 1967, período de declínio cíclico e de pouco ingresso relativo
de capital estrangeiro, mas que guarda sua importância por ter presenciado mudanças
institucionais que propiciaram as condições para uma nova onda de internacionalização
da economia nacional, desta vez com nítida preponderância dos capitais de
empréstimo; 1968 a 1973, que foram os anos de maior crescimento econômico que se
tem registro no Brasil, com uma elevação substancial da dívida externa, principalmente
privada; e 1974 a 1980, período de desaceleração cíclica mundial e doméstica, tendo
sido esta última em grande parte evitada pela ação da política econômica
governamental, através de amplos investimentos estatais e de um crescimento
exponencial da dívida externa.
A fase 4 está subdividida em dois períodos: a década de 80 e a década de 90.
Na década de 80 ocorreu uma considerável elevação nas taxas de juros internacionais,
112
levando a uma aceleração do crescimento da dívida externa, e a inversão do sentido
dos fluxos internacionais de capitais. As taxas de crescimento ficaram muito abaixo da
média histórica, chegando a registrar decréscimo econômico em 1981 e em 1983. A
década de 90 também foi de baixo crescimento, mas presenciou profundas mudanças
estruturais, especialmente no que concerne às relações entre a economia doméstica e
o capital estrangeiro. Nestes anos foi implantado todo um projeto de abertura e
desregulamentação da economia, que incluiu as privatizações e a desnacionalização de
parcela significativa das grandes empresas. Houve uma mudança considerável no perfil
do passivo externo líquido do país, com a diminuição relativa do peso dos outros
investimentos e o aumento relativo e absoluto da participação dos investimentos diretos
(fundamentalmente via privatizações e desnacionalizações) e em carteira.
5.2. Fase 3 – Industrialização com forte presença do capital estrangeiro
5.2.1. 1947 a 1954
Durante o período de guerra, a balança comercial brasileira registrou grandes
superávits comerciais. A forte demanda de matérias-primas e gêneros alimentícios dos
países em conflito resultou em um aumento no valor das exportações. A quase
completa interrupção dos fornecimentos pelos países europeus, que não foram
devidamente supridos pelos EUA, somada à redução do tráfego marítimo devido à
guerra submarina no atlântico, levou à queda das importações.
Esta situação estimulou um aprofundamento do processo de industrialização por
substituição de importações e induziu a que as contas externas apresentassem
considerável melhora, levando a um acúmulo de reservas e permitindo a estabilização
cambial durante todo o período do conflito. Entretanto, apesar dessa estabilidade
cambial, a economia brasileira viveu a intensificação do processo inflacionário.
Com o fim do conflito, desfez-se a tranqüilidade aparente com relação às contas
externas. Nos primeiros anos de computação do Balanço de Pagamentos, os superávits
comerciais já não eram suficientes para cobrir os déficits gerados pelos compromissos
financeiros externos e pelos pagamentos dos serviços. O desabastecimento gerado
pela guerra gerou também uma forte demanda reprimida de máquinas e equipamentos
e de bens de consumo. O congelamento do câmbio durante a guerra combinado com
113
inflação interna conduziram à uma supervalorização cambial. Para agravar este quadro,
a maior parte do superávit comercial brasileiro era com países cujas moedas estavam
inconversíveis, como Inglaterra e França. Por outro lado, havia um déficit comercial com
a área do dólar, moeda em que o Brasil tinha seus maiores compromissos externos.
Segundo Vianna (1987), há uma série de outras causas para o fraco desempenho das
exportações brasileiras, como a perda de competitividade decorrente da progressiva
reorganização da economia mundial após a guerra, a decisão de evitar o acúmulo de
inconversíveis com superávits comerciais nessa área e a opção por reduzir pressões
inflacionárias através do aumento da oferta para consumo doméstico (VIANNA, 1987, p.
22). Estes elementos levaram à uma redução significativa dos saldos da balança
comercial.
Os projetos econômicos de desenvolvimento dos governos de Dutra (1946 a
1951) e de Vargas (1951 a 1954) tinham como uma de suas premissas mais
importantes a atração de capital estrangeiro, seja sob a forma de investimentos
privados autônomos, seja sob a de recursos oficiais. Entretanto, por diversos motivos,
esta presença do capital estrangeiro não ocorreu conforme o desejado por aqueles
governos.
Nos primeiros anos do pós-guerra não ocorreram grandes fluxos de investimento
estrangeiro autônomo (era um período de escassez de liquidez internacional). Por outro
lado, as tentativas de obtenção de empréstimos internacionais esbarraram em aspectos
políticos que os limitaram. Assim, apesar da expectativa do governo brasileiro de obter
ajuda financeira dos EUA, os “recursos internacionais disponíveis migraram para a
reconstrução da Europa (Plano Marshall) e do Oriente (o Plano Colombo)” (BNDES,
2002)48.
Como conseqüência, o Balanço de Pagamentos brasileiro viveu crises
recorrentes nesse período. A principal solução buscada, então, para contornar estes
problemas, foi a adoção de políticas protecionistas. Em 1947 os problemas do Balanço
48
Neste período houve uma série de tentativas do governo brasileiro de atrair capitais estrangeiros e
ajuda norte-americana. Como exemplos podemos citar a Missão Abbink, que procurou formas de
incentivar o fluxo de capitais privados ao Brasil, e os projetos no âmbito da Comissão Mista Brasil
Estados Unidos (CMBEU), que contariam com a ajuda financeira do Eximbank norte-americano.
Entretanto, se a América Latina já não era uma prioridade por parte do governo Truman, com a eleição
do presidente Eisenhower, o Brasil ficou categoricamente de fora das linhas de financiamento do
Eximbank.
114
de Pagamentos levaram à constituição de atrasados comerciais. Como resposta à crise
cambial que se constituiu, o governo adotou, através da Lei nº 262 de 23/02/1948, um
controle rigoroso das importações, com o estabelecimento do sistema de licença prévia
para as mesmas. Isso contribuiu para aliviar a pressão sobre o câmbio, levando a uma
pequena e insuficiente recuperação da balança comercial em 1948 e 1949. Com esse
sistema, mantinha-se a taxa de câmbio fixa e sobre-valorizada e, ao mesmo tempo,
controlava-se a balança comercial pela via do controle direto das importações, através
das licenças. Isso, na prática, significava uma proteção à industrialização substitutiva
contra a concorrência externa e, ao mesmo tempo, permitia a importação de máquinas
e equipamentos à taxas de câmbio favoráveis à indústria.
A situação da balança comercial só obteve uma melhora significativa com a
valorização do café, acompanhando a alta geral dos gêneros alimentícios e das
matérias-primas em função da política de re-armamento dos EUA e da perspectiva da
ocorrência de uma nova guerra. Com isso, em 1950 ocorre um grande saldo comercial,
melhorando a situação do Balanço de Pagamentos.
Em 1951 a situação da balança comercial e, em conseqüência, do Balanço de
Pagamentos, volta a piorar, chegando a apresentar um déficit vultoso em 1952,
passando a economia brasileira a acumular novamente atrasados comerciais. Esta
piora da balança comercial está vinculada ao afrouxamento no regime de concessão de
licenças para importar no início do governo Vargas, nos primeiros meses de 1951. A
balança comercial registrou um pequeno superávit, com crescimento das exportações,
graças à performance do café, e um aumento ainda mais significativo das importações.
Para fazer frente a essa situação, o governo foi progressivamente apertando a
concessão das licenças de importação. Em 1952 as importações mantiveram-se no
mesmo nível do ano anterior (com a queda na quantidade e o aumento dos preços das
importações), mas as exportações registraram queda substancial devido a alguns
fatores conjunturais (segundo Vianna (1987), a perda de competitividade devido à
sobrevalorização cambial e às pressões inflacionárias; a queda das vendas de algodão
por causa da crise internacional da indústria têxtil; e a expectativa de desvalorização
cambial foram os principais motivos que levaram à queda nas exportações em 1952).
Novamente os fortes desequilíbrios do Balanço de Pagamentos levaram o governo a
adotar medidas protecionistas, de restrições às importações. A balança comercial
115
recuperou-se em 1953. Neste ano, o principal sustentáculo do desempenho da balança
comercial foi a exportação de produtos agrícolas, fundamentalmente o café, graças à
situação favorável dos termos de troca nestes anos. Em 1954, devido ao fim da Guerra
da Coréia, ocorre uma diminuição do saldo comercial, pois “as matérias-primas
armazenadas pelo temor da generalização do conflito começam a ser desestocadas,
acarretando a brusca queda de seu preço, o que vai levar à deterioração de nossas
relações de troca” (SINGER, 1976, p. 44).
Tabela 1. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1947-1954 (Em US$ milhões)
Ano
TRANSAÇÕES CORRENTES
Balança comercial (FOB)
Serviços
Rendas
CONTA CAPITAL E FINANCEIRA
Investimento Direto
Reinvestimento
Outros Investimentos (líquido)
TC + CCeF
ERROS E OMISSÕES
RESULTADO DO BALANÇO
1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954
-204 -115 -135
93 -494 -725
-12 -236
96
207
139
414
44 -302
395
147
-221 -210 -170 -209 -379 -300 -227 -243
-55 -105 -101 -110 -157 -121 -166 -135
349
-52
72 -111
266
708
41
236
55
67
44
39
63
94
60
51
19
42
39
36
67
85
38
40
294 -119
28 -150
203
614
-19
185
145 -167
-63
-18 -228
-17
29
0
-9
100
96
-12
147
-10
-69
11
136
-67
33
-30
-81
-27
-40
11
Fonte: Banco Central do Brasil
Podemos afirmar então que no período considerado (1947-1954), ocorreu um
forte crescimento do PIB com pouca entrada de capital estrangeiro. Os ingressos de
investimentos diretos estiveram em patamares muito baixos até 1954. Só na segunda
metade da década, com a publicação da Instrução nº 113 da SUMOC, o
estabelecimento do Plano de Metas e no marco de uma conjuntura internacional
favorável é que os investimentos estrangeiros obtiveram um crescimento vigoroso. Na
maioria dos anos do período que vai de 1947 a 1954, a saída líquida de recursos na
conta corrente foi superior à entrada líquida de capitais. O crescimento econômico e a
industrialização por substituição de importações implicaram em necessidades de
importações de máquinas e equipamentos que oneraram a Balança Comercial. O
aumento das importações não representaria um grande problema caso não houvesse
os fortes déficits em Serviços e Rendas. Esta situação implicou em um acúmulo de
atrasados comerciais e na realização de empréstimos internacionais, em especial de
instituições como o Eximbank, o FMI e o Bird.
116
Com isso o Balanço de Pagamentos brasileiro apresentou déficits persistentes
até 1953. A Conta Capital e Financeira registrou pequenos superávits (com déficits em
1948 e 1950) que não chegaram a compensar (exceto em 1947 e 1953) os déficits em
Transações Correntes. Em termos líquidos, grande parte do superávit da Conta Capital
e Financeira ocorreu sob a rubrica de Outros Investimentos, totalizando US$ 1.036
milhões no período entre 1947 e 1954. Deste valor, US$ 452 milhões, ou 44%, foram
relativos a atrasados comerciais e outros passivos de curto prazo que, na prática,
representaram financiamentos compulsórios. Esses atrasados, por sua vez, foram
reflexos das crises recorrentes do Balanço de Pagamentos brasileiro. A Conta
Investimento Externo Direto somou US$ 473 milhões no período, mas, se descontarmos
os re-investimentos (recursos acumulados internamente), a cifra cai para US$ 107
milhões.
Ou seja, o intenso crescimento da economia brasileira registrado na maior parte
do período foi financiado, basicamente, com recursos gerados internamente, visto que
ocorreu pouca entrada líquida de capital estrangeiro. Houve, contudo, crescimento da
participação do capital estrangeiro na economia doméstica, fruto principalmente do
reinvestimento e do endividamento causado pelos empréstimos internacionais com
prazos curtos e taxas altas e pelos atrasados comerciais.
A conta de Serviços era a que mais contribuía para o déficit em Transações
Correntes, especialmente no item Transportes. Na ausência de uma frota de marinha
mercante nacional de longo curso, o crescimento das importações implicou no aumento
dos gastos com transportes, o que se somou à certa elevação no custo dos fretes como
proporção das importações (VIANNA, 1987, p. 63). A segunda conta mais negativa era
a de Rendas, com destaque para as remessas de lucros e dividendos, seguidos de
pagamentos juros de empréstimos internacionais.
Para fazer frente às dificuldades recorrentes nas contas externas e, na ausência
do capital estrangeiro, os governos foram levados a adotar medidas protecionistas
como o sistema de contingenciamento a importações, baseado na concessão de
licenças prévias para importar, estabelecido em fevereiro de 1948, durante a
administração Dutra, posteriormente substituído (1953) pelo sistema de taxas múltiplas
de câmbio (Instrução 70 da Sumoc), no governo Vargas.
117
Os problemas com as contas externas se tornavam ainda mais graves devido à
forte dependência da Balança Comercial das exportações de café e de outros produtos
primários, como cacau e algodão. As exportações de produtos manufaturados
compunham menos de 5% do total.
A queda dos preços e do volume das exportações do café a partir do segundo
semestre de 1954 colocou novamente a economia brasileira diante de uma crise
cambial. Para fazer frente à essa situação e criar as condições para a execução de seu
programa de ajuste ortodoxo, o ministro da fazenda do governo Café Filho (1954-1955),
Eugênio Gudim, foi buscar empréstimos junto às instituições oficiais internacionais e
dos EUA. Seus esforços, no entanto, resultaram em apenas US$ 80 milhões em
créditos novos e a renovação de outros US$ 80 milhões, ambos junto ao Federal
Reserve de Washington, representando muito menos do que os US$ 300 milhões
esperados por Gudim para evitar uma séria crise cambial (PINHO NETO, 1992, p. 152).
A insuficiência deste resultado foi fruto da política externa do governo dos EUA
de não priorizar a ajuda financeira oficial à América Latina, relegando a questão do
financiamento dos déficits do Balanço de Pagamentos destes países aos movimentos
autônomos do capital privado. A única alternativa que restou foi a busca por
empréstimos junto aos bancos privados, conseguindo levantar US$ 200 milhões através
de um consórcio de 19 bancos americanos liderados pelo Chase Manhattan e pelo
Citybank, a serem pagos em 5 anos à taxa de 2,5% ao ano (PINHO NETO, 1992, p.
153).
Portanto, em 1954, foram os empréstimos internacionais (conta Outros
Investimentos), na maior parte de bancos privados, que garantiram o equilíbrio do
Balanço de Pagamentos. Entretanto, estes empréstimos só resolviam os problemas
cambiais no curto prazo. A resposta adotada pelo governo, de acordo com a concepção
da equipe econômica e com as recomendações do governo dos EUA e das instituições
multilaterais, foi a de medidas no sentido de diminuir os empecilhos à livre circulação do
capital estrangeiro, como forma de atraí-lo. Com relação à balança comercial e ao
câmbio, entraram em vigor a Lei 2.145 e a Instrução 70 da SUMOC, que criaram o
sistema de taxas múltiplas de câmbio e eliminaram os controles quantitativos diretos
118
sobre as importações, passando a funcionar o sistema de leilões de divisas49. Mas a
principal medida nesse sentido foi o estabelecimento da Instrução 113 da SUMOC, que
permitia o ingresso, por parte das empresas estrangeiras de máquinas e equipamentos
sem cobertura cambial.
5.2.2. 1955 a 1961
No período entre 1955 e 1961, o PIB brasileiro registrou taxas de crescimento
ainda maiores que as da fase anterior (1947-54), amparadas no aprofundamento do
processo de industrialização por substituição de importações. De acordo com Skidmore
(1969), entre 1955 e 1961, a produção industrial cresceu 80% (em preços constantes),
com destaque para as indústrias de aço (100%), mecânicas (125%), elétricas e de
comunicações (380%) e de equipamentos de transportes (600%). Este crescimento foi
impulsionado principalmente pelo investimento estatal e pela entrada de capital
estrangeiro, tanto pela via do investimento direto como pela de empréstimos.
As características desse crescimento econômico foram distintas do que ocorreu
até então, visto que:
“[...] pela primeira vez a expansão econômica doméstica, iniciada por
volta de 1956, não pode ser considerada independentemente do capital
estrangeiro como um fator de decisiva importância neste processo. O
investimento direto estrangeiro nas plantas industriais já existentes ou
mesmo inteiramente novas era, por outro lado, de um tamanho sem
precedentes, e a abertura de novas filiais multinacionais passa a ocorrer
em um ritmo sem paralelos anteriores. Em conseqüência, o meado da
década de 50 pode ser considerado como um marco tanto para o
processo de industrialização como para o registro da presença da
corporação internacional no Brasil.” (POSSAS, 1983, p. 19)
A entrada de capital estrangeiro, que esteve bastante reduzida no período
anterior, ganhou impulso como parte de uma conjuntura internacional de crescimento
dos fluxos internacionais de capitais, surgida após o período de reconstrução européia
e japonesa. Tanto os capitais americanos, que estavam mais disponíveis nessa nova
situação, como os europeus, estavam buscando novas oportunidades para seus
investimentos produtivos. Contribuiu para isto a necessidade de renovação dos parques
49
Neste sistema classificavam-se as importações em cinco categorias, de acordo com o critério de
essencialidade e de possibilidades de produção interna. A cada uma destas categorias correspondia uma
taxa de câmbio específica que era fixada por meio de leilões.
119
industriais desses países, que estavam em grande parte obsoletos, o que implicou no
interesse das firmas desses países de exportar capitais na forma de máquinas e
equipamentos, muitas vezes usados.
Do ponto de vista interno, a implementação do Plano de Metas significou um
esforço consciente de industrialização, necessitando, para sua execução, de uma
considerável canalização de recursos, provenientes, em grande parte, de fontes
externas. Com o declínio das exportações a partir de 1955 (muito influenciada pela
contínua diminuição do preço do café e do conjunto das exportações), a pressão
exercida pelos compromissos externos assumidos no período anterior e a crescente
rigidez da pauta de importações, a saída encontrada pelo governo para o financiamento
das necessidades de recursos em moeda estrangeira foi a da atração de capital
estrangeiro. Neste sentido, o governo adotou uma política propícia ao ingresso de
capital estrangeiro, tanto sob a forma de investimentos diretos quanto de capitais de
empréstimo.
Os capitais estrangeiros, que buscavam oportunidades de inversão, encontraram
condições propícias ao saltar as barreiras protecionistas e garantir sua participação
competitiva no mercado interno, instalando-se dentro do território econômico brasileiro.
Trouxeram técnicas, processos e produtos já amadurecidos e padronizados dentro de
seus mercados de origem, alem de parte das máquinas e equipamentos usados e
obsoletos50.
As empresas estrangeiras contaram, para isso, com inúmeros incentivos
governamentais. Entre os incentivos legais utilizados, destacam-se a Instrução nº 113
da SUMOC, adotada durante o governo Café Filho, a Lei de Tarifas de 1957 e a
retomada da Lei de Similares.
50
A respeito destas características do investimento direto estrangeiro, ver abordagens de Vernon e
Hymer no capítulo 2.
120
Tabela 2. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1955-1961 (Em US$ milhões)
Ano
TRANSAÇÕES CORRENTES
Balança comercial (FOB)
Serviços
Rendas
CONTA CAPITAL E FINANCEIRA
Investimento Direto
Reinvestimento
Outros Investimentos (líquido)
TC + CCeF
ERROS E OMISSÕES
RESULTADO DO BALANÇO
1955
-35
319
-230
-114
34
79
36
-45
-1
13
12
1956
-23
407
-278
-141
190
139
50
51
167
16
183
1957
-300
106
-265
-128
309
178
35
131
9
-170
-161
1958
-265
66
-219
-108
425
128
18
297
160
-190
-30
1959
-345
72
-256
-151
345
158
34
187
0
-25
-25
1960
-518
-24
-304
-194
493
138
39
355
-25
11
-14
1961
-263
111
-206
-183
390
147
39
243
127
51
178
Fonte: Banco Central do Brasil
A balança comercial apresentou um saldo positivo declinante no período a partir
de 1956. O preço do café sofreu uma queda contínua entre março de 1954 (91 cents/lb)
e 1960 (41 cents/lb) (PINHO NETO, 2004, p.19). Ademais, além de o processo de
industrialização por substituição de importações ter tornado a pauta de importações
mais rígida, a aplicação do Plano de Metas levou a um crescimento das compras
externas. Assim, o superávit comercial decrescente conseguia compensar uma parcela
cada vez menor dos déficits das contas de Serviços e de Rendas. Este superávit
comercial pode ser considerado ainda menor, se levarmos em conta que muitos
ingressos de máquinas e equipamentos não foram contabilizados como importações,
mas como investimento direto, nos marcos da Instrução 113 da SUMOC. Se fossem
considerados como importações, a Balança Comercial teria registrado déficit em 1957,
1958, 1959 e 1960.
A conta Serviços seguiu sendo a mais deficitária dentro das Transações
Correntes. O item Transportes, embora continuasse sendo o que mais contou para
esses déficits, o fez com peso absoluto e relativo cada vez menor após 1954. Os itens
que começaram a ganhar maior participação, principalmente a partir de 1956 foram, em
ordem de importância, os Serviços Empresariais, Profissionais e Técnicos, as Viagens
Internacionais, os Serviços Governamentais e os Royalties e Licenças. Essas
mudanças de pesos relativos e absolutos foram o reflexo da atuação crescente do
capital estrangeiro dentro das fronteiras nacionais, particularmente via Investimento
Direto Estrangeiro.
121
O déficit em Rendas adquiriu importância crescente, tanto em termos absolutos
quanto relativos, ao ponto que, no início da década de 60, passa a estar no mesmo
patamar que os Serviços, ultrapassando-o nos anos seguintes como a principal conta
negativa das Transações Correntes. A remessa de Lucros e Dividendos tem uma
dinâmica oscilatória, com uma pequena tendência decrescente, principalmente devido
ao aumento proporcional dos lucros re-investidos dentro do país, expressando este fato
as oportunidades de investimento no âmbito do Plano de Metas. As remessas de juros,
por outro lado, apresentaram uma dinâmica claramente crescente, o que reflete não só
as necessidades de pagamento dos compromissos assumidos no período anterior, mas
também o aumento progressivo dos empréstimos internacionais com a execução do
Plano de Metas.
Assim, as Transações Correntes passam de uma situação próxima ao equilíbrio,
com pequenos déficits em 1955 e 1956 (-US$ 35 e –US$ 23 milhões, respectivamente),
a um saldo negativo de US$ 300 milhões em 1957, chagando a um resultado de -US$
518 milhões, em 1960. Além disso, o volume de recursos estrangeiros necessários para
equilibrar o Balanço de Pagamentos deveria compensar não apenas o déficit em
Transações Correntes, mas também o crescimento explosivo das amortizações, que
estavam em US$ 140 milhões em 1955, chagando a totalizar US$ 518 milhões em
1960.
O item responsável pelos maiores ingressos na Conta Financeira foi o de
Financiamento de Compradores, que corresponde aos créditos bancários obtidos no
exterior por importadores para o financiamento de mercadorias. Este item representou,
entre 1956 e 1960, cerca de 37% do total de empréstimos e financiamentos que
ingressaram no país. Os outros itens mais significativos em termos de ingresso de
empréstimos e financiamentos foram, em ordem de grandeza, os Empréstimos Diretos,
os créditos das Agências Governamentais e dos Organismos Internacionais destinados
a financiar as importações brasileiras e as Operações de Regularização da Autoridade
Monetária, para o financiamento do Balanço de Pagamentos. Esta composição dos
empréstimos indica uma forte influência das grandes empresas que estavam se
instalando no Brasil e que buscavam financiamento para suas importações.
O ingresso de Investimento Direto Estrangeiro apresentou também um
importante crescimento no período. Se descontarmos os re-investimentos, veremos que
122
ingressaram US$ 717 milhões em Investimentos Diretos Estrangeiros entre 1955 e
1961, contra US$ 101 milhões nos sete anos anteriores, representando um crescimento
de mais de 700%. Os re-investimentos, por sua vez, totalizaram US$ 251 milhões no
período de 1955 a 1961, representando 53% do total da Renda de Investimento Direto
registrada pelo Balanço de Pagamentos, contra um percentual de 41% de reinvestimento entre 1947 e 1954. Ou seja, em torno de 25% do que é contabilizado
como ingresso de Investimento Direto Estrangeiro constituiu-se de recursos
acumulados internamente à economia nacional. Para este crescimento do ingresso de
Investimento Direto Estrangeiro, foi de fundamental importância a utilização da
Instrução 113. Esta Instrução permitia às firmas estrangeiras importar máquinas e
equipamentos isentos de cobertura cambial, que contariam como Investimento Direto,
através da participação no capital da empresa que receberia o aporte. Cerca de 2/3
(US$ 480 milhões) de todo o Investimento Direto Estrangeiro entre 1955 e 1961
ingressou no país na forma de mercadoria, nos marcos da Instrução 113. A utilização
da Instrução 113 mascarou um déficit comercial considerável, caso a entrada dessas
mercadorias fosse considerada importação e não investimento. Favoreceu o capital
estrangeiro em detrimento do nativo, visto que as empresas de propriedade de
brasileiros não contavam com a mesma facilidade para importar equipamentos visto
que teriam que adquirir dólares a preços mais altos através dos leilões de câmbio, a
não ser que se associassem a estrangeiros, desnacionalizando parte ou toda a
propriedade de sua empresa. Apesar de que muitas das máquinas e equipamentos que
ingressaram através
da Instrução
113 eram obsoletas,
estas
puderam ser
contabilizadas como se novas fossem.
A isso devemos agregar o fato de que os investidores estrangeiros beneficiaramse também de vários outros mecanismos adotados no âmbito do Plano de Metas,
permitindo-os contabilizar para si quantias de recursos mais elevados do que de fato
ingressaram. O financiamento inflacionário executado pelo governo, por exemplo,
permitia que as grandes empresas, via aumento de preços, absorvessem uma parte da
renda nacional. Havia também a concessão de créditos a juros reais negativos e com
períodos longos de carências e prazos. Com os benefícios legais, tributários, cambiais e
os
financiamentos
subsidiados
que
captaram
internamente,
essas
empresas
apropriaram-se de uma parcela ainda maior do excedente gerado internamente à
123
economia brasileira. Os grandes investimentos estatais em infra-estrutura e indústrias
de base também se constituíram em estimulo e subsídio à instalação de empresas
estrangeiras.
A intensificação do processo de industrialização, no nível em que se deu, só foi
possível porque se vinculou a um movimento ascendente de mobilidade do capital no
nível internacional, elemento que esteve ausente no período anterior. Ocorreu uma
industrialização diversificada, alcançando quase toda a cadeia produtiva. Entretanto, os
principais ramos da indústria de transformação passaram a estar sob o controle direto
das firmas multinacionais, transferindo, assim, os centros de decisão ligados aos
setores produtivos mais dinâmicos da economia brasileira para fora do território político
do país. Com isso, a industrialização por substituição de importações realizou-se dentro
do marco do processo de integração capitalista mundial, sob o domínio do capital
monopólico (DOS SANTOS, 1978, p. 24). Garantiu-se às firmas multinacionais a
exploração do mercado interno, relativamente fechado às importações de seus
produtos devido à escassez de divisas (SERRA, 1982, p. 76). Uma das conseqüências
foi a intensa concentração produtiva que adveio da instalação das filiais dessas
empresas, inserindo no contexto brasileiro as formas produtivas desenvolvidas nas
economias avançadas e aprofundando a dependência tecnológica e financeira.
Isto passou a se refletir em mudanças no perfil do Balanço de Pagamentos, com
a volta de um endividamento crescente, a importância adquirida pelo Investimento
Direto Estrangeiro e, conseqüentemente, o aumento exponencial dos déficits em
Rendas. O perfil do déficit em Serviços também mudou, passando a ganhar ênfase os
gastos com serviços ligados à ação do capital estrangeiro desde dentro da economia
nacional, como nos Serviços Empresariais, Profissionais e Técnicos ou no caso dos
Royalties e Licenças.
5.2.3. 1962 a 1967
O início da década de 60 foi marcado no Brasil pela passagem da fase de
crescimento acelerado da segunda metade da década de 50 para outra de crise
econômica e recessão, que durou até 1967. O crescimento do PIB, que havia variado
na faixa entre 8,6% e 10,8% nos anos anteriores, apresentou uma forte queda,
124
registrando taxas de 6,6% em 1962, 0,6% em 1963, 3,4% em 1964, 2,4% em 1965,
6,7% em 1966 e 4,2% em 1967.
“A desaceleração do crescimento decorreu em grande parte dos fatores
de natureza cíclica, relacionados com a conclusão do volumoso “pacote”
de investimentos públicos e privados iniciados em 1956/57. As políticas
de estabilização do início de 1963 e de 1965-1967 (primeiro trimestre)
contribuíram para aprofundar essa desaceleração. Sua adoção foi
motivada pelo recrudescimento da inflação que, por sua vez, resultou da
mesma desaceleração e de problemas derivados do setor externo.”
(SERRA, 1982, p. 80)
Neste período, além dos diferentes planos econômicos de corte recessivo, após
o golpe militar de 1964 foram realizadas importantes mudanças políticas e
institucionais. Entre os planos econômicos, merecem maior destaque o Plano Trienal,
de dezembro de 1962, ainda sob o governo Goulart e o Plano de Ação Econômica do
Governo (PAEG), que caracterizou a política econômica da primeira fase do regime
militar. O Plano Trienal se propunha a combinar a manutenção das taxas de
crescimento econômico com uma política anti-inflacionária. Teve vida curta e não
alcançou nenhum dos dois objetivos. Contribuiu para esse resultado o forte
estrangulamento externo e a negativa do FMI em liberar os recursos necessários para
lidar com essa situação.
O período que foi de 1962 a 1964 foi marcado por crises políticas e confrontação
de distintos projetos de desenvolvimento. Um dos pontos de maior divergência foi a
aprovação, pelo Congresso Nacional, em setembro de 1962, da Lei 4.131, que visava
regulamentar o movimento de capitais estrangeiros no Brasil, sendo também uma
reação
ao
estrangulamento
externo,
ao
restringir
a
evasão
de
divisas,
fundamentalmente através de seus artigos mais polêmicos (nos 31, 32 e 33), que
criavam claras restrições às remessas de lucros51. (GENNARI, 1999, p. 28). Devido a
51
Art. 31 - As remessas anuais de lucros para o exterior não poderão exceder de 10% sobre o valor dos
investimentos registrados.
Art. 32 - As remessas que ultrapassam o limite estabelecido no artigo anterior serão consideradas retorno
do capital e deduzidas do registro correspondente para efeito das futuras remessas de lucros para o
exterior.
Parágrafo único - A parcela anual de retorno do capital estrangeiro não poderá exceder de 20% do capital
registrado.
Art. 33 - Os lucros excedentes do limite estabelecido no artigo no 31 desta lei serão registrados à parte,
como capital suplementar, e não darão direito a remessas de lucros futuros.
125
estes artigos, ela também ficou conhecida como a “Lei da Remessa de Lucros”. Além
disso, ela tornava necessário o registro de todo o capital estrangeiro que entrasse ou
saísse do Brasil, assim como do que fosse re-investido. Assim, só poderia ser remetido
o lucro registrado, tendo ele entrado ou sendo relativo a rendimento do capital que
entrou (ou seja, excluindo-se o capital reinvestido). Apesar de ter sido aprovada em
1962, a Lei 4.131 só foi regulamentada pelo Governo Federal (João Goulart) no início
de 1964.
Uma das primeiras medidas do regime militar, estabelecido com o golpe militar
de 31 de março de 1964, foi a alteração da Lei 4.131 (apenas 6 meses após ser
regulamentada), especialmente a revogação dos artigos 31, 32 e 33. Manteve, por
outro lado, a necessidade do registro do capital estrangeiro como requisito da
repatriação. Além disso, o primeiro governo militar implementou uma série de reformas
institucionais das quais podemos destacar: a Lei Bancária, que pretendeu redistribuir
funções entre instituições públicas e privadas para o suprimento e controle da moeda e
do crédito na economia e resultou na criação do Banco Central e do Conselho
Monetário Nacional; a lei que estruturou o mercado de capitais e a reforma do sistema
tributário, instituindo-se do conceito de imposto sobre o valor adicionado, com a criação
do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre a Circulação de
Mercadorias (ICM) (TAVARES e ASSIS, 1985, ps. 16 a 22).
Segundo Tavares e Assis (1985), estas reformas “constituíram o vetor central
para solucionar a questão de financiamento da economia, tanto do setor público quanto
do privado, e da preparação da retomada do crescimento” (TAVARES e ASSIS, 1985,
p. 15). As políticas e reformas no âmbito do PAEG tinham entre seus principais alvos o
combate à inflação e a superação das restrições do Balanço de Pagamentos. Neste
sentido, houve um forte estímulo ao ingresso de capital estrangeiro, especialmente o de
empréstimo, e buscou-se políticas de incentivos às exportações. Para Roberto Campos,
Ministro do Planejamento na época, a opção era “por um sistema extrovertido, com
ênfase no comércio exterior e aceitação de investimentos externos” (FGV, Verbete
Biográfico). No campo do combate à inflação, as políticas envolviam o corte das
despesas estatais, a emissão de títulos públicos com correção monetária, a reforma
126
tributária, a contenção do crédito e a institucionalização do arrocho salarial, através de
uma fórmula regressiva de reajuste sempre abaixo da inflação.
Ainda de acordo com Tavares e Assis (1985), ocorreu simultaneamente um
processo de ampliação da exclusão econômica e política da maioria da população
brasileira, combinado com um movimento firme e acelerado de extroversão financeira
da economia, mediante o crescimento da internacionalização de seu setor moderno
atado ao crédito bancário internacional. Buscava-se adaptar o sistema financeiro
interno no sentido de uma grande integração da economia brasileira com o sistema
financeiro internacional privado. Foi assim que, para fazer frente tanto ao
estrangulamento externo quanto ao interno (que se expressava no alto custo do crédito
para as empresas), o governo optou pela facilitação da obtenção de empréstimos em
moeda no exterior (LOBATO, 1977, p. 140). Foi nesse sentido que as autoridades
monetárias publicaram a Instrução 289 da SUMOC, em janeiro de 1965, e a Resolução
63 do Banco Central, em agosto de 1967. A Instrução 289 tornava operacional a Lei
4.131 no sentido de possibilitar a contratação de empréstimos em moeda diretamente
entre as empresas do exterior e do país, com predominância das transações entre
empresas do mesmo grupo (RESENDE, 1992, p. 224. Teixeira, 1994, p. 97). A
Resolução 63 abriu para os bancos de investimento ou de desenvolvimento privados e
aos bancos comerciais a possibilidade de tomar empréstimos em moeda estrangeira e
repassa-los às empresas residentes no país, tanto para financiar capital de giro quanto
para investimentos. De conjunto, deu-se um tratamento ao capital estrangeiro que
garantiu maior incentivo ao endividamento do que ao ingresso de investimento direto.
Reforçando este quadro estava o fato de o capital de risco ainda estar sujeito a um teto
de remessas de lucro de 12% sobre a aplicação registrada, enquanto que os
pagamentos de juros e amortizações não tinham limite máximo.
Foi em 1962 que começou a se observar o declínio na taxa de expansão do
investimento global (SERRA, 1982), sinalizando a entrada no período recessivo. Isso
passou a se expressar no Balanço de Pagamentos através da diminuição da entrada
autônoma de capitais estrangeiros. Houve, portanto uma redução no superávit da Conta
Financeira, com queda tanto dos investimentos diretos quanto dos empréstimos e
financiamentos. Neste ano, a conta de Transações Correntes registrou déficit de US$
453 milhões, muito superior ao do ano anterior, tendo apresentado saldo negativo
127
inclusive na Balança Comercial, com queda nas exportações e pequeno crescimento
das importações. O déficit do Balanço de Pagamentos acabou sendo coberto
principalmente pelo acúmulo de atrasados comerciais.
Tabela 3. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1962-1967 (Em US$ milhões)
Ano
TRANSAÇÕES CORRENTES
Balança comercial (FOB)
Serviços
Rendas
CONTA CAPITAL E FINANCEIRA
Investimento Direto
Reinvestimento
Outros Investimentos (líquido)
TC + CCeF
ERROS E OMISSÕES
RESULTADO DO BALANÇO
1962
-453
-90
-203
-199
472
132
63
340
19
-137
-118
1963
-171
112
-182
-144
210
87
57
123
39
-76
-37
1964
81
343
-129
-188
134
86
58
48
215
-217
-2
1965
284
655
-191
-255
-35
154
84
-189
249
-31
218
1966
-31
438
-271
-277
47
159
85
-112
16
-25
-9
1967
-276
213
-278
-288
49
115
39
-66
-227
-35
-262
Fonte: Banco Central do Brasil
Os efeitos do processo recessivo só começaram a se refletir claramente na conta
de Transações Correntes a partir de 1963. O saldo desta conta passou de fortemente
negativo neste ano para tornar-se positivo em 1964 e 1965. Para isso, combinaram-se
a queda nas importações (de US$ 1.304, em 1952, para US$ 941, em 1965), o
crescimento das exportações (de US$ 1.214, em 1962, para US$ 1.595, em 1965) e a
queda do déficit em Serviços. O saldo da Balança Comercial beneficiou-se tanto da
recessão como da atualização do câmbio e de uma série de incentivos à exportação. A
queda da atividade econômica e do comércio exterior levou à diminuição dos gastos em
Serviços. Ou seja, o processo recessivo que levou a uma diminuição na entrada
autônoma de capitais induziu também uma melhora nas balanças comercial e de
serviços, permitindo que o Balanço de Pagamentos voltasse a uma situação próxima ao
equilíbrio.
O déficit na conta de Rendas de Investimentos apresentou queda em 1963, para
depois seguir em trajetória de crescimento acelerado. Essa dinâmica deveu-se
fundamentalmente ao crescimento dos pagamentos de juros de empréstimos e
financiamentos. As rendas de investimento direto, por outro lado, apresentaram déficits
menores, sendo que o saldo de lucros e dividendos chegou a ser zero nos anos de
1963 e 1964. A partir de 1965, as remessas de lucros e dividendos voltaram a
128
apresentar uma dinâmica de crescimento rápido, porém muito aquém das saídas sob a
forma de juros.
Os anos de 1963 e 1964 foram os que registraram a menor entrada líquida de
capitais estrangeiros. Nesses dois anos, a soma dos juros e das amortizações foi maior
do que a entrada de empréstimos e financiamentos, e o ingresso de capital de risco foi
o menor desde 1955. A partir de 1965 ambas as contas começaram a se recuperar,
sendo que a de empréstimos e financiamentos o fez em um ritmo muito mais acelerado.
O primeiro elemento que levou ao crescimento dos empréstimos e financiamentos foi o
apoio político do governo dos EUA e das agências internacionais à política econômica
implementada pelo novo regime. Em janeiro de 1965 o FMI concedeu crédito de US$
125 milhões, o Banco Mundial emprestou US$ 79 milhões para a construção de usinas
elétricas, fora os empréstimos do governo norte-americano (SANTOS, 2000, p. 113).
Segundo Resende (1992), o montante de empréstimos concedidos pela AID, agência
de “ajuda” externa norte-americana, levaram o Brasil a ser, entre 1964 e 1967, o 4º
maior receptor mundial de ajuda líquida.
Mas foi só a partir de 1966 que os empréstimos diretos em moeda, facilitados
pelas mudanças institucionais e políticas, começaram a apresentar um crescimento
sensível.
“Este influxo de capitais constituía-se na sua maioria de empréstimos e
financiamentos contratados no exterior; 44,2% de tais empréstimos, em
1966, foram contratados por empresas de propriedade estrangeira, e
46,4% por empresas públicas. A participação das empresas nacionais
privadas foi de apenas 6,5% dos empréstimos. Deve-se notar ainda que,
no mesmo ano, 69,1% dos empréstimos foram concedidos por
corporações não-financeiras privadas no exterior. Tratava-se, portanto,
de empréstimos contratados pelas filiais brasileiras de empresas
multinacionais junto às matrizes. Isto é confirmado pelo fato de que 32%
dos empréstimos e financiamentos contratados em 1966 foram feitos
através da Instrução 289 [...].” (RESENDE, 1992, ps. 223 e 224)
Com a publicação da Resolução 63, em 1967, os ingressos de empréstimos e
financiamentos tiveram um crescimento ainda maior. Entretanto, mesmo com a política
favorável ao capital estrangeiro, não houve entradas significativas de investimentos
enquanto a economia não superou a fase recessiva. Foram justamente as empresas
nacionais, principalmente as de menor porte, as que mais sofreram com a política
129
monetária restritiva do PAEG. As grandes empresas, em especial as multinacionais, por
terem acesso ao crédito barato do exterior, tiveram muito menos problemas. Isso
resultou em um processo de fragilização financeira de muitas empresas, o que levou a
um movimento de concentração econômica e de desnacionalização. As firmas
multinacionais, se não estavam dispostas a realizar novas entradas de investimentos
diretos dentro de um quadro recessivo, se dispuseram a comprar o controle das
empresas privadas em dificuldades. A política de incentivos às exportações de
manufaturados também favoreceram as grandes empresas, especialmente as filiais das
multinacionais. “De uma maneira geral, a hegemonia da grande empresa – nacional
(quase sempre estatal) e estrangeira – foi consideravelmente reforçada” (SINGER,
1976, p. 85)
Apesar de não ter logrado atrair um grande influxo de capitais, as mudanças
institucionais e políticas promovidas através do PAEG prepararam o terreno para o
grande surto de crescimento que começou em 1968, conhecido como o “milagre
econômico”, e anteciparam as características extrovertidas e concentradoras de seu
financiamento.
5.2.4. 1968 a 1973
“Com a enorme capacidade ociosa no período recessivo, a indústria, em
1968, estava pronta a reagir positivamente ao primeiro estímulo. Este
veio tanto pelo lado da oferta, pela maior disponibilidade de linhas de
financiamento externo e interno para aumento da produção, quanto pelo
lado da demanda, não obstante o efeito deprimente sobre o mercado
interno da política de arrocho salarial. O sistema de intermediação
financeira recém-montado começava a render seus primeiros frutos,
dentre os quais a rápida expansão do financiamento ao consumo de
bens duráveis” (TAVARES e ASSIS, 1985, p. 27)
O período entre 1968 e 1973 foi talvez o de maiores taxas de crescimento da
história do capitalismo brasileiro, com uma média de 11,2% ao ano e tendo alcançado o
pico histórico de 14% em 1973. Este crescimento econômico foi impulsionado pela
política fiscal e monetária expansiva adotada pelo governo a partir de meados de 1967,
amparando-se não só num momento de recuperação cíclica da atividade econômica,
mas também em uma série de condições que se combinaram na época. Do ponto de
vista interno, destacaram-se a existência de uma grande capacidade ociosa na
130
indústria, como resultado do ciclo de investimentos ocorrido na segunda metade dos
anos 50 e da fase recessiva que ocorreu a partir de 1962, e as reformas institucionais
efetuadas nos primeiros anos do regime militar e que aumentaram as fontes de crédito
na economia.
Entretanto, as características e as dimensões deste crescimento só podem ser
explicadas à luz das condições criadas pela conjuntura internacional do período e pela
forma como se integrou a economia interna com os fluxos internacionais de
mercadorias, serviços e capitais. Era um período de abundância de liquidez no mercado
de eurodólares (dólares dos EUA aplicados nos bancos europeus, frutos dos grandes
déficits do Balanço de Pagamentos dos EUA) e de amplo dinamismo do comércio
internacional. A grande liquidez no mercado de eurodólares foi o resultado da redução
do ritmo de crescimento econômico dos países centrais e que levou ao deslocamento
de uma enorme massa de capitais de aplicações produtivas para o sistema financeiro
internacional, uma vez que uma parcela cada vez mais significativa dos lucros não
podia ser reinvestido na produção, sob pena de reduzir ainda mais as taxas de lucros
(GONÇALVES e POMAR, 2002, p. 12).
Em relação aos fluxos de capitais, como resultado das reformas institucionais e
da legislação relativa ao capital estrangeiro do período anterior, criaram-se mecanismos
através dos quais as necessidades de financiamento interno das grandes empresas
implicavam em captação de empréstimos externos, seja diretamente (Lei 4.131) ou
através de repasses dos bancos (Resolução 63). Os bancos internacionais, que
contavam com excesso de liquidez, buscavam oportunidades de aplicação destes
recursos. As taxas de juros baixas beneficiavam os tomadores de crédito. A economia
brasileira estava saindo de um período recessivo, entrando em um novo ciclo de
crescimento e possuía legislação permissiva à tomada de crédito externo por parte dos
bancos e das empresas. Com isso, integrou-se diretamente a dinâmica cíclica da
economia interna aos fluxos internacionais de capitais.
“Como resultado dessas transformações, os setores público e privado
passaram a satisfazer parte de suas necessidades de crédito em
cruzeiros através de operações que envolviam o simultâneo ingresso de
divisas internacionais. Desde então, os movimentos de expansão ou
retração na demanda por créditos em cruzeiros trouxeram, implícitos em
si, movimentos de ampliação ou retração na demanda por crédito em
moeda estrangeira” (CRUZ, 1983, p. 84)
131
Também em relação ao comércio externo, ampliou-se a integração da economia
brasileira ao mercado mundial, com crescimento do coeficiente de importações com
relação ao PIB. As exportações também registraram crescimento considerável, além de
uma grande diversificação, com elevação da participação de produtos manufaturados52.
No valor total das exportações, esta participação passou de 16,8% em 1966 e 20,7%
em 1967, para 31,3% em 1973 (lago, 1992, p. 275). Contribuíram para este crescimento
das exportações, além da política governamental de incentivos (tais como créditosprêmio de IPI e de ICM, subsídios à produção de manufaturas exportáveis,
investimentos em infra-estrutura de apoio às exportações, etc.), a grande intensificação
do comércio mundial, especialmente através das multinacionais e de suas subsidiárias,
o deslocamento de uma parcela da produção agrícola que antes atendia ao mercado
interno para as exportações e uma considerável melhora dos termos de troca.
Tabela 4. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1968-1973 (Em US$ milhões)
Ano
TRANSAÇÕES CORRENTES
Balança comercial (FOB)
Serviços
Rendas
CONTA CAPITAL E FINANCEIRA
Investimento Direto
Reinvestimento
Investimento em Carteira (líquido)
Outros Investimentos (líquido)
TC + CCeF
ERROS E OMISSÕES
RESULTADO DO BALANÇO
1968
-582
26
-333
-297
680
135
74
545
98
-1
97
1969
-364
318
-377
-337
936
207
83
53
676
572
-41
531
1970
-839
232
-473
-619
1281
378
276
30
873
442
92
534
1971
-1630
-344
-572
-729
2173
448
321
40
1685
543
-7
537
1972
-1688
-241
-743
-709
3793
441
201
139
3213
2105
433
2538
1973
-2085
7
-1027
-1093
4111
1148
397
261
2702
2025
355
2380
Fonte: Banco Central do Brasil
As importações e as exportações cresceram continuamente e em escala
exponencial ao longo de todo o período em foco. A dinâmica do saldo da Balança
Comercial pode ser dividida em três fases: entre 1968 e 1970 o saldo foi positivo, como
reflexo de que o crescimento econômico baseou-se fundamentalmente na ocupação da
capacidade ociosa, resultando em pequeno aumento dos estoques de capital fixo; em
1971 e 1972, com a plena utilização da capacidade produtiva, ocorreu uma onda de
52
As exportações brasileiras cresceram, em média, 27% a.a. entre 1967 e 1973.
132
investimentos e de importação de máquinas e equipamentos, levando ao saldo negativo
na balança comercial; em 1973 o saldo comercial esteve próximo ao equilíbrio. No
período como um todo, o saldo da Balança Comercial ficou próximo ao equilíbrio.
Os Serviços apresentaram uma dinâmica crescentemente deficitária. O item
Transportes, que vinha apresentando déficits bem menores que sua média histórica,
voltou a ser a conta de maior destaque negativo, expressando o grande crescimento do
comércio externo brasileiro. A conta de Viagens Internacionais (com destaque para o
Turismo) foi a segunda mais deficitária, provavelmente como manifestação do
crescimento do poder aquisitivo da classe média urbana. Tiveram importância também
os saldos negativos nos itens Serviços Governamentais e Serviços Empresariais,
Profissionais e Técnicos (este último devido às saídas de recursos através do sub-item
Instalação/Manutenção de escritórios, administrativos e aluguel de imóveis). No
somatório das balanças Comercial e de Serviços, foram registrados déficits crescentes,
totalizando –US$ 3,52 bilhões no período considerado.
Este déficit, todavia, foi muito mais do que coberto pelos superávits da Conta
Financeira, descontados os déficits em Rendas de Capital. Ambos os Investimentos
Diretos e os Outros Investimentos (Empréstimos e Financiamentos) apresentaram
dinâmica de forte crescimento. Contudo a conta Outros Investimentos cresceu a taxas
muito mais expressivas. Esta última conta, que havia apresentado déficit em 1967,
obteve grande superávit em 1968 e, a partir daí cresceu de forma exponencial. Neste
período não houve tomada de empréstimos e financiamentos pela Autoridade
Monetária, fato que contrasta claramente com o ocorrido no período anterior, em que
esta foi a principal via de entrada de capitais. Entre os empréstimos e financiamentos,
há uma queda relativa (apesar do crescimento absoluto) da participação dos itens
Organismos, Agências e Compradores. O item que ganha destaque cada vez maior é o
de Empréstimos Diretos, que passam de 17% do total de ingressos de Empréstimos e
Financiamentos de Longo Prazo para mais de 50% de participação em 1969, 1970 e
1971, e chegando a mais de 70% a partir de 1972. Este destaque deve-se aos
empréstimos realizados nos marcos da nova arquitetura institucional e legal descrita
acima, através da Lei 4.131 e da resolução 63. Com relação às amortizações, o item
Empréstimos Diretos já tinha uma participação considerável, apenas atrás do item
133
Compradores. Isto se deve aos empréstimos e financiamentos realizados durante a
execução do Plano de Metas e que ainda estavam sendo amortizados.
Os ingressos de Investimento Direto (exclusive re-investimentos) só começaram
a apresentar uma clara dinâmica de crescimento a partir de 1969 e com ritmo cada vez
maior, refletindo a crescente ocupação da capacidade ociosa. Os re-investimentos só
começam a reagir fortemente a partir de 1970. Estes investimentos (e re-investimentos)
dirigiam-se fundamentalmente ao setor industrial. Os principais países de origem dos
investimentos eram os EUA (37,5% do total), Alemanha Federal (11,4%), Canadá
(7,9%), Suíça (7,8%), Reino Unido (7,1%), Japão (7,0%) e França (4,5%) (LAGO, 1992,
p. 282). O forte crescimento dos investimentos e re-investimentos levou ao
aprofundamento do processo de internacionalização da economia brasileira, através da
criação e ampliação das filiais das empresas multinacionais e também de processos de
desnacionalização via fusões e aquisições.
A partir de 1969 começaram a ser registrados, no Balanço de Pagamentos, os
Investimentos em Carteira, através do item “Ações de companhias brasileiras”. Este
item teve participação relativamente pequena no total dos ingressos líquidos de
capitais, alcançando seu pico do período de US$ 194 milhões em 1973. Em 1972, após
quatro décadas de ausência do país no mercado internacional de capitais, o governo
brasileiro volta a emitir Bônus de longo prazo no exterior, ainda em pequenos
montantes. Volta a emitir em 1973, mas após as dificuldades financeiras internacionais,
as emissões públicas praticamente paralisam (GOMES, 1993, p. 93).
Este forte aumento dos ingressos de capitais estrangeiros resultou em uma
dinâmica também de crescimento acelerado das remessas de Rendas de Capitais, com
o pagamento de Juros de empréstimos e financiamentos representando cerca de 70%
do total das remessas de rendimentos. Na média do período, o ritmo de crescimento
das remessas de Lucros e Dividendos e de Juros é aproximadamente igual, apesar de
um
crescimento
muito
mais
acentuado
dos
ingressos
de
Empréstimos
e
Financiamentos, o que é uma expressão de que as taxas de juros estavam em
patamares muito baixos.
O superávit na Conta Financeira, deduzidas as remessas de Rendas, muito
superior ao necessário para cobrir os déficits comerciais e de serviços, resultou em um
crescimento da dívida externa maior do que o hiato de recursos no período e,
134
conseqüentemente, em um acúmulo de reservas. Este resultado, na verdade, exprime o
fato de que a economia brasileira reagiu de forma passiva às necessidades de
expansão do capital estrangeiro, ou, nas palavras de Cruz (1983), a economia brasileira
foi “capturada” num movimento geral do capital financeiro internacional em busca de
oportunidades de valorização (CRUZ, 1983, p. 65). As Reservas Internacionais do
Brasil que estavam em US$ 199 milhões em 1967, alcançaram US$ 6,4 bilhões em
1973 e a Dívida Externa Bruta passou de US$ 3,38 bilhões para US$ 12,6 bilhões no
mesmo período.
“A conclusão a que se chega, portanto, é que a tese de que a
aceleração do endividamento externo brasileiro ocorrida durante o ciclo
expansivo foi determinada pela necessidade de “poupanças externas”
ou por estrangulamento do setor externo não encontra qualquer base de
sustentação. Sendo assim, a contrapartida do significativo impulso
sofrido pela dívida externa deve ser buscada na esfera das relações
financeiras da economia brasileira com o “resto do mundo” e não na
necessidade de superar “constrangimentos” do setor externo”.
[...]
“O que houve, isto sim, foi a convergência de uma situação de grande
liquidez internacional com a de um ciclo expansivo interno onde a
demanda por crédito em moeda doméstica exercida pelo setor privado
crescia a taxas elevadas e onde as características institucionais do
sistema financeiro interno faziam com que parcela crescente dessa
demanda fosse atendida, independentemente do estado das contas
externas, por operações que envolviam a entrada de recursos externos”
(CRUZ, 1983, ps. 63 e 65).
Esse acúmulo de reservas internacionais, pelo crescimento das exportações e
pela facilidade em se contrair dívidas, foi responsável pelo que foi chamado de “ilusão
de divisas”, conduzindo a uma “enganosa euforia sobre as perspectivas de crescimento
da economia brasileira durante a década dos 70 – obscurecendo a secular restrição
imposta pelo balanço de pagamentos” (MALAN, 1983, ps. 72 e 73).
Tanto no caso dos fluxos de capitais, quanto no de mercadorias e serviços, os
principais agentes dessa crescente integração da economia brasileira no mercado
mundial foram as grandes empresas, principalmente as multinacionais. Em relação ao
crescimento do comércio externo brasileiro, o aumento da participação dos produtos
manufaturados na pauta de exportações brasileira era influenciado diretamente pelo
desempenho das empresas multinacionais, que estão localizadas justamente nos elos
mais dinâmicos da cadeia industrial. Além do mais, estas empresas possuem o controle
135
dos canais de comércio internacionais, em especial no que diz respeito ao comércio
intra-grupo. Nas importações o quadro não é diferente. As principais importadoras de
máquinas e equipamentos e de bens intermediários são justamente estas firmas, que
possuem uma maior propensão a importar vis-à-vis as empresas de capital nacional.
Segundo Lago (1992), a contribuição das empresas multinacionais como um todo para
o saldo da Balança Comercial no início dos anos 70 parece ter sido negativa.
Em relação aos movimentos de capitais, de acordo com Cruz (1983), as
operações diretas pela Lei 4.131 privilegiam, por sua própria natureza, as grandes
empresas, em especial as de capital estrangeiro. As firmas de capital privado nacional
só tiveram alguma expressão enquanto tomadoras de recursos externos via Lei 4.131
nos anos de auge do ciclo expansivo. Outro elemento importante é que, para fugir das
restrições legais às remessas de lucros e dividendos a partir de certa quantidade,
previstas na legislação sobre o capital estrangeiro, pode-se afirmar que uma parcela
significativa dos empréstimos realizados foi, na verdade, uma forma disfarçada de
investimento direto.
5.2.5. 1974 a 1980
A economia mundial, que já vinha apresentando uma série de sinais de
desaceleração desde o final dos anos 60, após o choque do petróleo, no final de 1973,
entrou em um período claramente recessivo. Internamente, a queda da demanda
corrente de bens de consumo combinada com a expansão da capacidade produtiva
fruto dos investimentos produtivos realizados nos últimos anos, implicou em uma
tendência à sobre-acumulação e na abertura de um “hiato dinâmico entre a capacidade
produtiva e a demanda efetiva da indústria” (TEIXEIRA, 1994, p. 100).
A taxa média de crescimento do PIB, que havia alcançado o recorde de 11,2%
no período anterior (1968-73), reduziu-se para 7% entre 1974 e 1979. Este percentual
está no mesmo patamar da taxa histórica de crescimento do PIB, descaracterizando,
apesar da queda de ritmo, o período em questão como recessivo. O que evitou uma
forte recessão foi justamente a escolha de política econômica do governo Geisel, que
apostou em um plano de desenvolvimento (o II Plano Nacional de Desenvolvimento – II
136
PND) voltado para a substituição de importações, vinculada às indústrias de bens de
capital e de bens intermediários.
Esta escolha só pôde ser feita em função da possibilidade de endividamento
externo. Esta possibilidade adveio do processo de reciclagem dos petrodólares (dólares
acumulados pelos países exportadores de petróleo devido aos seus superávits
comerciais) via mercado bancário europeu. O excesso de liquidez em poder dos bancos
internacionais, combinado com a recessão na economia mundial tornaria a economia
brasileira uma opção atrativa de aplicação, uma vez que o governo apostou na
manutenção do crescimento econômico. A dívida externa líquida, que era de US$ 6,2
bilhões (igual ao valor das exportações naquele ano) no final de 1973, subiu para US$
40,2 bilhões, em fins de 1979 (2,6 vezes o valor das exportações em 1979) (MALAN,
1983, p. 72). A natureza deste financiamento externo era, no entanto, altamente
instável e temerária.
“Embora contratadas a prazos de oito a dez anos, tratava-se na
realidade de linhas de crédito renovadas continuamente com a
repactuação da taxa de juros a cada seis meses, tomando-se por base a
taxa de crédito interbancário em vigor no euromercado no momento da
repactuação ou a taxa prime dos bancos norte-americanos” (TAVARES
e ASSIS, 1985, p. 45).
Uma característica do endividamento externo tomado neste período é que a
composição dos tomadores internos dele deixou de ser majoritariamente privada,
passando as empresas estatais a responder por cerca de ¾ da dívida externa em 1980.
Isso ocorreu como conseqüência da queda de atividade do setor privado, que não
demandou tanto crédito externo como o governo previa. O nível de atividade foi
sustentado fundamentalmente pelos grandes projetos de investimento patrocinados
pelo Estado, através, principalmente de suas empresas. Além disso, o governo, para
manter elevadas as entradas de recursos em moeda estrangeira, praticamente forçou
as empresas estatais a tomarem empréstimos no exterior, ao manter os preços e tarifas
cobrados por elas corrigidos abaixo da inflação e ao dificultar-lhes o acesso ao crédito
interno, para não falar da pressão direta sobre seus dirigentes.
137
Tabela 5. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1974-1980 (Em US$ milhões)
Ano
TRANSAÇÕES CORRENTES
Balança comercial (FOB)
Serviços
Rendas
CONTA CAPITAL E FINANCEIRA
Investimento Direto
Reinvestimento
Investimento em Carteira (líquido)
Outros Investimentos (líquido)
TC + CCeF
ERROS E OMISSÕES
RESULTADO DO BALANÇO
1974
-7504
-4690
-1541
-1274
6531
1154
382
140
5237
-973
-68
-1041
1975
-6999
-3540
-1451
-2010
6374
1095
299
96
5183
-625
-439
-1064
1976
-6426
-2255
-1589
-2583
8499
1219
411
419
6861
2073
615
2688
1977
-4826
97
-1500
-3423
6151
1685
877
720
3746
1325
-611
714
1978
-6983
-1024
-1770
-4261
11884
2056
975
929
8899
4901
-639
4262
1979
-10708
-2839
-2320
-5560
7624
2210
721
640
4735
-3085
-130
-3215
1980
-12739
-2823
-3039
-7020
9610
1544
411
351
7648
-3129
-343
-3472
Fonte: Banco Central do Brasil
A interação entre a situação da economia doméstica e a das contas externas
passou por três fases distintas neste período. A primeira ocorreu entre 1974 e 1976.
Sob o impacto do choque do petróleo e com o advento da recessão internacional
combinada com a manutenção de um patamar de forte crescimento econômico
doméstico, houve uma importante deterioração da situação do Balanço de Pagamentos.
As importações dobraram de valor entre 1973 e 1974, enquanto que as exportações
cresceram 28%. A Balança Comercial passou de uma situação próxima ao equilíbrio
para um déficit de US$ 4,7 bilhões e seguiu registrando resultados negativos, embora
declinantes, em 1975 e 1976. Serviços foi outra conta que registrou forte elevação em
seus déficits, com crescimento de 50%, especialmente através do item Transportes,
como reflexo da alta nos preços do petróleo, mas também em Viagens Internacionais.
A situação de crise levou a uma ascensão das taxas básicas de juros e dos
spreads internacionais, causando um impacto direto sobre o custo da dívida externa.
Este elemento, combinado com o aumento dos empréstimos externos, elevou o déficit
na conta Rendas. Entre 1975 e 1976, o saldo negativo na conta Renda de
Investimentos (descontados os re-investimentos) cresceu de US$ 900 milhões para
US$ 1,73 bilhões, ou seja, um crescimento de 92%. O item responsável por este
crescimento na remessa líquida de rendimentos foi o de Rendas de Outros
Investimentos (Pagamentos de Juros), visto que houve uma pequena queda no déficit
de Rendas de Investimentos Diretos (remessas de Lucros e Dividendos).
138
Os Investimentos Estrangeiros Diretos mantiveram-se no mesmo nível de 1973,
mas os Investimentos em Carteira apresentaram queda, após um pico em 1973. Os
Investimentos em Ações caíram de US$ 194 milhões em 1973, para US$ 119 e US$
100 milhões em 1974 e 1975, voltando a elevar-se em 1976, para US$ 161 milhões. As
emissões de Bônus de Longo Prazo no exterior também apresentaram retração em
função da crise no mercado financeiro internacional, só voltando a apresentar melhora
a partir de 1976.
Esta combinação de mudanças acabou elevando a necessidade de compensar
os desequilíbrios do Balanço de Pagamentos através dos empréstimos internacionais e
da redução do déficit na balança comercial. Se no período anterior houve um ingresso
de divisas na Conta Capital e Financeira muito acima do necessário para compensar o
“hiato de divisas”, redundando em acúmulo de reservas, em 1974 e 1975 o crescimento
da entrada de capitais (com os Outros Investimentos passando de US$ 2.702 para US$
5.237 bilhões) não foi suficiente sequer para compensar os déficits nas contas de
mercadorias, serviços e rendas. O crescimento da dívida externa se deu sem acúmulo
de reservas.
Na segunda fase, no biênio 1977-1978, houve uma considerável melhora na
situação da Balança Comercial, com o déficit em Serviços sustentando-se mais ou
menos no mesmo patamar, o que diminuiu significativamente as necessidades de
ingresso de divisas sob o ponto de vista do financiamento dos déficits no Balanço de
Pagamentos. Em relação ao crédito externo, estes foram os anos de grande
crescimento da liquidez internacional ligado à reciclagem dos petrodólares, induzindo a
uma diminuição dos spreads bancários internacionais e a um alongamento dos prazos
dos empréstimos.
Esta disponibilidade de crédito internacional combinou-se com uma política
econômica que estimulou o endividamento externo, sendo as empresas estatais as
grandes tomadoras de recursos. Novamente, os empréstimos diretos foram a via
largamente mais utilizada para a captação destas divisas, mas também foram
importantes os empréstimos e financiamentos de Compradores, Organismos e
Agências. Além destes, o lançamento de Bônus de Longo Prazo no exterior também
ganhou ímpeto com a nova conjuntura de grande liquidez internacional. Os anos de
1976, 1977 e 1978 registraram captações crescentes nesta conta. As emissões de
139
Bônus no exterior foram, até 1974, feitas exclusivamente pelo governo. A partir de 1976
as estatais começaram a lançar Bônus no exterior, tornando-se claramente majoritárias
nestas emissões nos anos seguintes.
Estas tomadas de recursos financeiros no exterior foram muito acima da
necessidade de financiamento dos déficits comerciais e em serviços. Mesmo com uma
parcela já considerável desses recursos tendo sido requerida para financiar o
pagamento de juros de empréstimos anteriores, ocorreu um crescimento considerável
das reservas internacionais.
A terceira fase compreende os anos de 1979 e 1980. Em 1979 ocorreu o
segundo choque do petróleo e uma nova desaceleração do crescimento econômico nos
países desenvolvidos. Isto implicou em um forte aumento dos déficits nas balanças
comercial e de serviços. Mas o que mais causou impacto no Balanço de Pagamento
nestes anos foi o crescimento vertiginoso das taxas de juros internacionais, que
atingiram diretamente os custos da dívida externa brasileira, cujos contratos em sua
maioria previam taxas de juros flutuantes. O déficit na conta Renda de Outros
Investimentos passou de US$ 2,7 bilhões, em 1978, para US$ 4,2 bilhões, em 1979, e
US$ 6,3 bilhões em 1980. O déficit com a remessa de lucros e dividendos, por outro
lado, apresentou queda em 1980, como reflexo da nova inflexão para baixo da
economia. Em 1979, passaram a ser registradas as remessas de lucros e dividendos de
Investimentos em Carteira, que até 1978 eram consideradas rendas de investimento
direto. Estas remessas ainda eram pouco significativas, mas em escala crescente.
Nessa situação, grande parte das entradas líquidas de capitais de empréstimo
serviram apenas para pagar os serviços das dívidas passadas e o resíduo era
claramente insuficiente para fazer frente ao “hiato de recursos” representado pelos
déficits comerciais e em serviços. Houve, ao contrário dos anos anteriores, uma
importante perda de reservas internacionais. Com o advento da nova crise, o volume de
captações líquidas através da emissão de Bônus de Longo Prazo no exterior caiu
rapidamente, passando de um máximo de US$ 930 milhões em 1978 para US$ 351
milhões em 1980. Nos dez anos seguintes o saldo líquido nesta conta passaria a ser
deficitário, só voltando a ser positivo em 1991.
O II PND foi o segundo esforço consciente para impulsionar o processo de
industrialização por substituição de importações. Diferentemente do Plano de Metas,
140
atingiu fundamentalmente os segmentos de bens de capital e de bens intermediários,
seus investimentos tiveram clara predominância estatal e foram financiados em grande
medida pelo crédito bancário externo, na ausência de grandes projetos de instalação de
novos setores baseados no investimento estrangeiro direto. Entre 1974 e 1980, 80%
dos ingressos líquidos de recursos pela Conta Capital e Financeira ocorreram na conta
Outros Investimentos. A taxa média anual desses ingressos líquidos apresentou um
crescimento de 274% em relação ao período anterior (1968-1973). O volume absoluto
de Outros Investimentos que entraram no período teve um crescimento ainda maior,
visto que para manter o crescimento dos empréstimos e financiamentos líquidos era
necessário um ritmo de aumento ainda maior dos ingressos brutos, como forma de
compensar as amortizações ascendentes, que passaram de US$ 1,93 bilhões em 1974
para US$ 6,80 bilhões em 1980.
Os Investimentos Externos Diretos, apesar de terem registrado um crescimento
considerável em relação ao período anterior, representaram apenas 13% do total de
ingressos líquidos no período e os Investimentos em Carteira cerca de 6%. A dinâmica
de forte crescimento apresentada pelos Investimentos Externos Diretos, por sua vez,
deveu-se à manutenção de taxas significativas de crescimento econômico impulsionada
pela política governamental.
Como resultado deste volume de ingresso de capitais estrangeiros, os déficits
em Rendas passam a crescer em ritmo acelerado, passando de US$ 1,27 bilhões em
1974 para US$ 7,02 bilhões em 1980. O principal item responsável por este aumento foi
o de Rendas de Outros Investimentos, acompanhando, em primeiro lugar, o próprio
crescimento do montante total da Dívida Externa e, em 1979 e 1980, a elevação
significativa das taxas de juros internacionais. Os déficits em Rendas de Investimentos
Diretos registram uma pequena queda em 1975, refletindo a queda de ritmo da
economia doméstica. Após isto, crescem continuamente até 1978, passando a
apresentar uma trajetória de queda a partir de 1979, como resultado da nova inflexão
para baixo da economia acompanhando o segundo choque do petróleo e o crescimento
das taxas de juros.
O grau de endividamento da economia brasileira e de comprometimento de
divisas para fazer frente aos seus custos só pôde ser claramente sentido com as
mudanças na situação econômica internacional a partir de 1979, com o segundo
141
choque do petróleo e a política econômica dos EUA que impulsionou a elevação das
taxas de juros internacionais. Selava-se, assim, a sorte dos países endividados
subdesenvolvidos. O ciclo de crescimento com endividamento, iniciado no final dos
anos 60, chagava assim a seu fim e iniciava-se outra fase, muito mais adversa, que
discutiremos na próxima seção deste capítulo. Observemos antes o quadro abaixo, que
estabelece uma comparação entre os três últimos períodos estudados:
Tabela 6. Comparação do Balanço de Pagamentos entre os períodos 1962-67, 1968-73 e
1974-80 (Em US$ milhões)
Período
1962-1967
Total do Média
Período Anual
TRANSAÇÕES CORRENTES
Balança comercial (FOB)
-565
1672
Exportação de bens
9041
1968-1973
1974-1980
Total do Média Total do Média
Período Anual Período Anual
7370
-94
279
150
7
122
8
-1254
-209
-1351
877
-225
146
-3.782
12.974
-630
2.162
-26.129
56.674
-3.733
8.096
347
386
58
64
1.404
1.353
234
225
6.887
4.076
984
582
-
-
523
396
87
66
3.294
364
471
52
144
24
131
9.694
22
1.616
2.951
42.310
422
6.044
1089
58
5
50
4
182
9.216
1.536
42.771
6.110
98
-12
-2
0
0
84
9.228
1.538
42.771
6.110
0
-444
0
-74
1.380
449
230
75
3.741
573
534
82
TC + CCeF
ERROS E OMISSÕES
312
-522
52
-87
5.786
831
964
138
487
-1.614
70
-231
RESULTADO DO BALANÇO
Fonte: Banco Central do Brasil
1. Investimento Direto (líquido) descontado o Re-investimento.
-210
-35
6.617
1.103
-1.127
-161
Importação de bens
Serviços
Rendas
CONTA CAPITAL E FINANCEIRA
1
Investimento Direto (líquido)
Reinvestimento
1
Investimento em Carteira (líquido)
Ações de companhias brasileiras
Bônus LP
Outros Investimentos (líquido)
Empréstimos e financiamentos LP e CP (líquido)
Autoridade monetária (líquido)
Demais setores LP e CP (líquido)
Moeda e depósito (líquido)
Outros passivos CP (líquido)
-7.188 -1.198
-2
0
20.026
3.338
-56.186
-17.075
-8.027
-2.439
86.905 12.415
-20.027 -3.338 -103.980 -14.854
-3.525
-587 -13.210 -1.887
O período 1962-1967 presenciou uma fase cíclica recessiva com políticas
governamentais anti-inflacionárias de corte contracionista. Isso se combinou com uma
série de reformas institucionais favoráveis ao ingresso de capital estrangeiro,
principalmente o de empréstimo. O pequeno crescimento econômico implicou em
sensível melhora nas balanças de mercadorias e de serviços e, por outro lado, em uma
142
considerável queda no ingresso de capitais estrangeiros autônomos, apesar dos
prognósticos dos formuladores de política econômica da época. Pode-se notar que a
maior parte dos empréstimos e financiamentos ocorreram no item Autoridade
Monetária, refletindo o predomínio dos Organismos e Agências internacionais como
fontes destes recursos e seu apoio político ao governo instalado em 1964.
O contraste é claro com o período seguinte. As taxas recordes de crescimento
econômico zeraram o saldo da Balança Comercial do período e quase triplicaram os
déficits em Serviços. Houve um salto espetacular nos saldos da Conta Capital e
Financeira. A média anual das entradas líquidas de Investimentos Estrangeiros Diretos
passaram de US$ 58 milhões no período 1962-1967 para US$ 234 milhões entre 1968
e 1973. Os Outros Investimentos, que tinham uma média anual de ingressos líquidos de
US$ 24 milhões entre 1962 e 1967, registraram a média anual de US$ 1,6 bilhões no
período subseqüente. Nos dois últimos períodos do quadro acima (1968-1973 e 19741980), a totalidade dos ingressos de capital foi autônoma, com o item Autoridade
Monetária não registrando nenhum empréstimo ou financiamento. Estes foram
justamente os anos de grande disponibilidade de liquidez privada nos mercados
financeiros internacionais. As mudanças institucionais do período anterior combinadas
com uma fase ascendente do ciclo econômico e com uma política governamental
expansiva e estimuladora do ingresso de capital estrangeiro, levaram a um intenso
crescimento do endividamento privado, liderado pelas empresas multinacionais aqui
instaladas.
O último período (1974-1980) conviveu com uma situação de recessão na
economia mundial, uma tendência de baixa no ciclo econômico domestico, uma forte
deterioração dos termos de troca e uma política governamental que apostou no
crescimento com endividamento. A Balança Comercial tornou-se deficitária e o déficit
anual médio em Serviços mais que triplicou em relação ao período 1968-1973. A
elevação das taxas de juros no final do período acrescentou mais um elemento à
deterioração das contas externas. A soma dos déficits em Rendas e em Serviços, que
entre 1962 e 1967 representara 29% do valor total das exportações brasileiras, passou
a representar 37% deste valor no período entre 1968 e 1973 e 45% entre 1974 e 1980.
Por outro lado, há uma enorme elevação do ingresso de capital estrangeiro. A média de
ingresso líquido de Investimentos Estrangeiros Diretos subiu 320% e a dos Outro
143
Investimentos ascendeu em 274%. Os Investimentos em Carteira, principalmente a
emissão de Bônus de Longo Prazo no exterior alcançaram a cifra média de US$ 471
milhões no período.
Como resultado do modelo histórico de industrialização efetuado no Brasil e
aprofundado durante o período militar, a economia brasileira tinha, nos anos 70, um dos
mais elevados graus de internacionalização da produção no mundo (GONÇALVES,
1999, p 66). Ainda segundo o mesmo autor, as empresas de capital estrangeiro na
indústria brasileira tinham seus investimentos significativamente concentrados em
determinadas indústrias, mais intensivas em tecnologia, como material elétrico e de
transporte, produtos farmacêuticos e química. O capital estrangeiro, além disso tinha
uma participação significativa na produção de bens de consumo duráveis e bens de
capital, mas uma presença menos expressiva nos segmentos produtores de bens
intermediários e, menor ainda, nos produtores de bens de consumo não-duráveis
(GONÇALVES, 1999, ps. 63 e 64).
A subida das taxas de juros internacionais encontrou uma economia com alto
grau de endividamento externo e marcou o fim da fase de grande crescimento
econômico apoiado o ingresso de capital estrangeiro. Um elemento significativo deste
período foi a crescente interação da economia doméstica com os movimentos de
expansão e retração dos capitais internacionais. As fases de crescimento foram
nitidamente condicionadas e articuladas aos ciclos de expansão dos capitais. Foi assim
na segunda metade dos anos 50, com o processo de expansão internacional das
multinacionais e também no final dos anos 60 e início dos 70, com o excesso de
liquidez nos mercados bancários internacionais. As altas taxas de crescimento
econômico vieram acompanhadas do aumento vertiginoso do passivo externo. As fases
de crise e recessão foram determinadas em grande medida pelas variáveis cíclicas
internas à economia brasileira (com peso cada vez maior para o componente
multinacional), mas os movimentos expansivos do capital internacional condicionaram
diretamente as características e a direção deste crescimento.
144
5.3. Fase 4 – A crise do padrão anterior e a reestruturação neoliberal
5.3.1. Anos 80
Foi bastante nítida a diferença da dinâmica da economia brasileira a partir do
início dos nos 80, se comparada com o que se passou nas décadas precedentes. As
décadas de 80 e 90 registraram taxas de crescimento muito abaixo da média histórica
anterior. Esta mudança importante de trajetória é reflexo da crise e esgotamento do
padrão de acumulação e de financiamento da economia brasileira que caracterizou a
industrialização por substituição de importações baseada na combinação do gasto
público com o ingresso de capital estrangeiro. No período iniciado após a 2ª Grande
Guerra, as fases de maior crescimento foram amparadas e fizeram parte dos
movimentos expansivos do capital internacional. Numa primeira fase esta expansão
assumiu a forma principal de IED e em um segundo momento a de capitais de
empréstimo. A profundidade da penetração do capital estrangeiro na estrutura da
economia brasileira, expressa no considerável grau de internacionalização produtiva, na
significativa dívida externa e na dependência comercial (esta tanto pelas necessidades
de importação de insumos, bens intermediários e de capital, como pela localização que
as empresas transnacionais adquiriram em relação à determinação das importações e
exportações e pela necessidade de obtenção de saldos comerciais permanentes para
fazer frente aos déficits em Serviços e Rendas), acumulados neste período, foi o
ingrediente básico que levou à crise que se estabeleceu quando a situação
internacional mudou.
A internacionalização produtiva e financeira da economia mundial desenvolvida
nas décadas anteriores, combinada com as relações geopolíticas definidas no período
do pós-guerra levou a que os EUA, nos anos 70, se vissem ameaçados em sua
hegemonia produtiva e comercial. Como resposta a esse processo, o governo dos EUA
procurou reafirmar “sua hegemonia por meio de seu poderio financeiro, fundado no uso
do dólar como moeda de reserva pelo sistema internacional” (CARNEIRO, 2002, p.
117), reação que levou a uma queda na atividade econômica nos principais países
industrializados. Esta resposta dos EUA gerou três efeitos que atingiram duramente os
países endividados da América Latina. A recessão nos países industrializados induziu a
uma deterioração dos termos de troca; a atração dos capitais em direção aos EUA junto
145
com as dificuldades financeiras dos países da América Latina, levou a um forte
racionamento do crédito externo; em decorrência do grau de endividamento dos países
da América Latina e da subida das taxas de juros, nos anos 80 ocorreu uma grande
transferência de recursos destes países para o exterior.
O elevado estoque da dívida externa brasileira acumulado principalmente nos
anos 70 já vinha-se fazendo sentir nas contas externas, no final dessa década, através
dos pagamentos de juros. Entre 1978 e 1981, as taxas de juros reais pagas pela dívida
externa brasileira (sem contar os spreads), subiram de 9,1% para 18,8% ao ano
(SANDRONI, 1989, p. 49), levando o déficit em Transações Correntes a alcançar
dimensões criticas. O segundo choque do petróleo, ocorrido em 1979 e 1980, contribuiu
para agravar o quadro, visto que levou a um aumento repentino do valor das
importações (nos anos seguintes houve nova diminuição nos preços deste produto).
A saída adotada pelo governo brasileiro num primeiro momento foi a liquidação
massiva de divisas, com o propósito de manter o prestígio internacional do país e
assegurar assim a manutenção dos fluxos externos de capital (MARINI, 1992). Em um
segundo momento, especialmente após a moratória mexicana de 1982 e o fortíssimo
racionamento de crédito no mercado internacional de capitais para os países latinoamericanos, o governo brasileiro adota a política da obtenção de grandes superávits
comerciais, via promoção das exportações e redução das importações, com o intuito de
garantir as divisas necessárias para o pagamento dos compromissos com a dívida
externa. Como conseqüência desse processo, os anos 80 ficaram conhecidos no Brasil
como “a década perdida”, devido à sangria de divisas e à estagnação econômica.
Carneiro (2002), propõe dividir este período em duas etapas distintas no que se refere à
restrição do financiamento externo:
“na primeira, entre 1979 e 1982, ainda ocorre uma absorção de recursos
reais do exterior, financiada por queima de reservas, pois houve apenas
um racionamento de novos financiamentos pelo mercado. Depois da
ruptura do mercado internacional de crédito em 1982, abre-se, após
1983, um período de crescente transferência de recursos ao exterior.
Inicialmente, em 1983 e 1984, essas transferências realizam-se no
âmbito de um racionamento ainda maior de novos créditos, desta feita
supervisionado pelo FMI. Depois de 1985, o racionamento converte-se
em supressão absoluta de novos financiamentos, implicando
pagamentos crescentes ao exterior”. (CARNEIRO, 2002, p. 121).
146
Tabela 7. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1981-1989 (Em US$ milhões)
Ano
TRANSAÇÕES CORRENTES
Balança comercial (FOB)
Serviços
Rendas
CONTA CAPITAL E FINANCEIRA
Investimento Direto
Reinvestimento
Investimento em Carteira (líquido)
Outros Investimentos (líquido)
TC + CCeF
ERROS E OMISSÕES
RESULTADO DO BALANÇO
Fonte: Banco Central do Brasil
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
-11706 -16273 -6773
95
-248 -5323 -1438
4180
1032
1202
780
6470 13090 12486
8304 11173 19184 16119
-2819 -3491 -2310 -1658 -1594 -2557 -2258 -2896 -2667
-10275 -13548 -11044 -11498 -11283 -11150 -10418 -12200 -12667
12746 12101
7419
6529
197
1432
3259 -2098
629
2315
2740
1138
1459
1337
174
1031
2630
607
741
1556
695
472
543
449
617
714
531
-3
-2
-288
-272
-231
-475
-428
-498
-421
10373
9339
6555
5295
-944
1706
2662 -4233
446
1040 -4172
646
6624
-52 -3892
1821
2081
1661
-415
-369
-670
403
-405
56
-806
-833
-775
625 -4542
-24
7027
-457 -3836
1015
1249
886
Entre 1981 e 1984 o país passou por uma forte recessão, chegando-se a
registrar crescimento econômico negativo em 1981 (-3,1%) e 1983 (-2,8%). Esta
recessão
fez
parte
da
queda
do
nível
de
atividade
econômica
ocorrida
internacionalmente como resultado da subida das taxas de juros internacionais e foi
potencializada pela política governamental adotada no Brasil, voltada para suprir as
necessidades de divisas para fazer frente ao pagamento dos juros. A política
governamental foi claramente determinada pela necessidade de reverter o saldo da
Balança Comercial, através de medidas contracionistas e de incentivos às exportações,
como forma de compensar o crescimento dos déficits em Rendas e o racionamento do
crédito externo.
A remessa de rendas (descontados os reinvestimentos) passa de US$ 6,6
bilhões, em 1980, para US$ 9,5 bilhões em 1981 e US$ 12,0 bilhões em 1982. Houve
crescimento da remessa de rendimentos em todos os itens dessa conta. As remessas
líquidas de Rendas de Investimentos em Carteira passaram de US$ 75 milhões em
1980 para US$ 341 milhões e as de Lucros e Dividendos de US$ 235 milhões para US$
474 milhões no mesmo período. Ainda referindo-nos às remessas de Rendas de
Investimento Direto, a partir de 1982 os Juros de Empréstimos Inter-Companhia
passaram a ser registrados em rubrica própria contabilizados dentro dessa conta.
Nesse ano as remessas líquidas nessa rubrica totalizaram US$ 454 milhões.
Entretanto, foram as remessas de Juros que deram a contribuição mais significativa
147
para o crescimento do déficit em Rendas, registrando um resultado líquido negativo de
US$ 6,3, 9,2 e 10,7 bilhões respectivamente em 1980, 1981 e 1982.
O ano de 1980 foi o último a registrar déficit na Balança Comercial antes de mais
de 10 anos de superávit. A recessão e a desvalorização cambial incentivaram as
exportações e desestimularam as importações. Com isso, as importações caíram e,
apesar do baixo nível de atividade nas economias centrais e da piora dos termos de
troca, as exportações ainda foram capazes de subir em 1981. O déficit em Serviços
apresentou redução, também fruto da queda do nível de atividade econômica e do
comércio exterior. Como resultado, o déficit em Transações Correntes apresentou uma
pequena queda em 1981.
Em 1981 ainda consegue-se ampliar a entrada autônoma de capitais,
principalmente de empréstimo, mas também de ingressos de investimentos diretos,
permitindo-se contrabalançar as amortizações e ainda garantir as divisas necessárias
para cobrir o déficit em Transações Correntes. Em 1982 houve um novo aumento dos
pagamentos de juros e uma redução do superávit comercial (efeito principalmente da
recessão nas economias centrais) que não puderam ser compensados pela entrada de
capitais, visto que ocorre uma diminuição dos ingressos de empréstimos e de
investimento direto. Como conseqüência, em 1982 ocorre um déficit no Balanço de
Pagamentos que foi suprido pela perda de reservas internacionais.
Com o advento da moratória mexicana em setembro de 1982, os credores
internacionais
fecharam
quase
completamente
as
possibilidades
de
novos
empréstimos. Com isso, iniciou-se uma trajetória de queda das entradas de
investimento direto e os investimentos em carteira, que já vinham apresentando saldos
próximos a zero desde 1981, passaram a registrar saídas líquidas significativas. A
situação das contas externas tornou-se crítica, pois não havia mais como financiar os
déficits em Transações Correntes e as amortizações da dívida. A alternativa utilizada
pelo governo foi buscar o auxílio do FMI em sua negociação com os credores
internacionais, o que resultou em um acordo em que o déficit do Balanço de
Pagamentos seria coberto da seguinte maneira: US$ 4,2 bilhões foram retirados das
próprias reservas, sendo US$ 3 bilhões em divisas e os restantes 1,2 bilhão em ouro
monetário; US$ 300 milhões foram obtidos diretamente junto ao FMI, e US$ 4,1 bilhões
resultaram de operações compensatórias com os
próprios
bancos credores
148
(SANDRONI, 1989, p. 56). O acordo também envolveu determinadas condições ao
governo brasileiro, como o arrocho salarial e a maxidesvalorização do cruzeiro com o
intuito da obtenção de grandes saldos na Balança Comercial.
“No limite, a posição dos banqueiros era eliminar qualquer financiamento
adicional ao país. Em outras palavras, o déficit em transações correntes
deveria tender a zero. Ou seja, o superávit comercial deveria ser
suficiente para cobrir o déficit de serviços – de fatores e não fatores –,
originando um processo de transferência de recursos reais ao exterior“
(CARNEIRO, 2002, ps. 126 e 127).
A desvalorização do câmbio, a profunda recessão, o arrocho salarial, a queda
nos preços internacionais do petróleo fizeram-se sentir no saldo da Balança Comercial
de 1983. Além disso, a entrada em operação de uma série de projetos de investimento
realizados durante o II PND induziu a um processo de substituição de importações em
certos segmentos de bens intermediários e de capital que levou à uma diminuição
estrutural do coeficiente de importações da economia brasileira. As importações
sofreram uma considerável queda em 1983 (de US$ 19,3 bilhões em 1982 para US$
15,4 bilhões em 1983) e as exportações apresentaram uma pequena melhora. Este
processo aprofundou-se no ano seguinte, auxiliado pela recuperação da economia dos
países centrais (EUA, Japão e Alemanha). Como resultado, ocorreram grandes saldos
comerciais nesses anos, alcançando-se as cifras de US$ 6,47 bilhões e de US$ 13,9
bilhões em 1983 e 1984. Na conta de Serviços também registrou-se uma melhora, com
a diminuição do déficit de US$ 3,5 bilhões, em 1982, para US$ 2,3 e US$ 1,7 bilhões
em 1983 e 1984, respectivamente. Transações Correntes teve seu déficit reduzido de
US$ 16,2 bilhões, em 1982, para US$ 6,7 bilhões em 1983, alcançando um pequeno
superávit de US$ 95 milhões em 1984.
Esses resultados, combinados com o financiamento de parte dos Juros devidos,
conseguidos através dos acordos supervisionados pelo FMI, permitiram que se
conseguisse fechar o Balanço de Pagamentos com algum acúmulo de reservas. A
queda no déficit em Transações Correntes nesses dois anos foi suficiente para
compensar a diminuição no saldo da Conta Capital e Financeira (descontados os
reinvestimentos), tendo essa última passado de US$ 10,5 bilhões em 1982 para US$
6,7 bilhões e US$ 6,0 bilhões em 1983 e 1984. Entre 1982 e 1984, o volume líquido de
ingresso de IED decaiu de US$ 1,6 bilhão para US$ 1,0 bilhão, o fluxo líquido de
149
Investimentos em Carteira passou de uma situação próxima a zero para um déficit de
US$ 272 milhões (fundamentalmente na conta de Bônus de Longo Prazo negociados
no exterior), correspondentes aos pagamentos de amortizações dos empréstimos
levantados na fase anterior. A Conta Outros Investimentos Estrangeiros diminuiu seu
saldo de US$ 9,8 bilhões para US$ 5,3 bilhões.
“Desta forma, os megassuperávits de 1983 e 1984 foram obtidos através
de uma retração do consumo (via arrocho salarial) e dos investimentos
(via recessão) que marcaram fortemente nossa economia no início dos
anos 80 e mostrando claramente o que significa pagar o serviço da
dívida externa.
O superávit comercial recorde de 1984, cobrindo o déficit da conta de
serviços, amenizou nossas necessidades de empréstimos e
financiamentos para equilibrar o balanço de pagamentos naquele ano.
Estes se situaram em torno dos 8 bilhões de dólares, isto é, o
correspondente à cobertura das amortizações. Portanto, a partir de
1984, a magnitude da dívida externa tendeu a se estabilizar, pois os
novos empréstimos e financiamentos correspondiam mais ou menos à
magnitude das amortizações: se por um lado a dívida crescia devido aos
primeiros, por outro diminuía na mesma proporção, pois os mesmos
eram utilizados para efetuar as amortizações. Mas a condição deste
precário “equilíbrio” residia na obtenção de megassuperávits na balança
comercial que neutralizassem os déficits na conta de serviços“
(SANDRONI, 1989, ps. 60 e 61).
Os megassuperávits comerciais serão a regra para todo o resto da década de
80. Especificamente em 1986, o superávit, embora grande, apresentou importante
queda como resultado do crescimento da absorção doméstica ocorrido no período de
aplicação do Plano Cruzado. Por outro lado, a partir de 1985 houve uma diminuição nos
ingressos de capital estrangeiro, manifestando-se principalmente na queda do ingresso
de novos empréstimos diretos, de US$ 6,4 bilhões em 1984 para praticamente zero
entre 1985 e 1987. Em 1985, se descontados os reinvestimentos, a Conta Capital e
Financeira foi negativa e só não foi em patamares bem maiores devido ao
refinanciamento de quase toda a amortização prevista para os empréstimos diretos
autônomos, o que também ocorreu nos anos seguintes.
A segunda metade dos anos 80 presenciou a aplicação de diversos planos
econômicos (Cruzado, Cruzado II, Bresser, Política do “Feijão com Arroz” e Verão) que,
entre seus ingredientes houve várias medidas que buscavam lidar com a difícil situação
das contas externas. O elemento comum foi o de que, na ausência de significativos
ingressos novos de investimento estrangeiro e com a necessidade de remunerar o
150
estoque de capital estrangeiro já existente internamente, a economia brasileira era
movida a obter enormes superávits comerciais. O fechamento quase completo da porta
para novos empréstimos partir de 1985 levou à diminuição do crescimento e posterior
estabilização do patamar da dívida externa total, chegando a haver uma certa redução
em 1988, só voltando essa a apresentar importantes taxas de crescimento na década
seguinte. Assim, em 1989, a Dívida Externa total do Brasil estava 80% maior do que em
1980, mas apenas 10 % acima do patamar de 1985.
Tabela 8. Dívida externa total do Brasil, por prazo (milhões de dólares)
Ano
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
Dívida total
64.245
73.963
85.304
93.556
102.040
105.171
111.203
121.188
113.511
115.506
Médio e longo prazo
53.848
61.411
70.198
81.319
91.091
95.857
101.759
107.514
102.555
99.285
Curto Prazo
10.397
12.552
15.106
12.237
10.949
9.314
9.444
13.674
10.956
16.221
Fonte: Conjuntura Econômica, fev. 2000 & Banco Central do Brasil (Elaboração de Gonçalves e POMAR, 2002).
A estratégia adotada em geral pelos investidores estrangeiros, por sua vez, foi a
de buscar reduzir seus níveis de investimento na economia brasileira, repatriando parte
do capital investido e remetendo ao máximo os rendimentos. Em relação aos
investimentos diretos, esta afirmação pode ser facilmente constatada nos números do
Balanço de Pagamentos. Na década de 80, as remessas de Lucros e Dividendos e de
Juros de Empréstimos Inter-companhia foram maiores do que os novos ingressos de
investimento direto; o saldo dos empréstimos inter-companhia foi negativo; e a partir de
1983, a maior parte das entradas que foram contabilizadas como ingresso de IED (já
descontados os reinvestimentos) correspondeu à conversão de obrigações externas em
capital de risco, ou seja, não representaram novos recursos. Para Gonçalves (1999), as
Empresas de Capital Estrangeiro (ECE) adotaram reações estratégicas no sentido do
recuo de sua inserção na economia brasileira, ao mesmo tempo que garantiam uma
remuneração às suas matrizes condizentes com os padrões exigidos:
“Desde o início dos anos 80, quando se iniciou um longo período
marcado pela estagnação econômica (“década perdida”), as ECE no
151
Brasil tiveram reações estratégicas em áreas distintas que lhes
permitiram conciliar o paradoxo aparente entre a geração de lucros e
recuo dos investimentos no país (GONÇALVES, 1997). As mudanças
nas estratégias comercial, industrial, financeira e de investimento das
ECE foram centradas, de modo geral, na expansão das exportações,
racionalização de custos, demissões de trabalhadores, exercício do
poder de mercado, incremento dos lucros financeiros e dos fluxos de
saída de IED.
No que se refere aos fluxos líquidos de IED, os dados mostram
claramente que as subsidiárias de ECE no Brasil conseguiram, no
contexto de crise econômica, gerar lucros para pagar a “taxa” crescente
de inserção internacional da economia brasileira cobrada pelas matrizes.
Outrossim, as ECE parecem ter adotado uma estratégia de recuo
gradual com relação ao mercado brasileiro” (GONÇALVES, 1999, ps. 66
e 67).
Dentro da conta de Investimentos em Carteira, a rubrica “Ações de companhias
brasileiras” permaneceu em patamares muito baixos e, na maioria dos anos, ficou
próxima de zero. Os Bônus de Longo Prazo tiveram ingresso zero a partir de 1983 até
1990, quando registraram um pequeno ingresso. Por outro lado, foi significativo o
movimento de amortizações, deixando claro o absoluto recuo dos investidores em
títulos.
Como visto mais acima, houve uma grande diminuição da entrada de capitais de
empréstimo nessa década, chegando a haver saldo negativo na conta Outros
Investimentos em 1985 e 1988. Com a diminuição do saldo da Balança Comercial em
1986 e início de 1987, chegou-se a decretar moratória da dívida externa com credores
privados por um certo período. Foi necessário também o refinanciamento de grande
parte das amortizações.
5.3.2. Anos 90
O início dos anos 90 foi marcado pelo retorno dos países latino-americanos aos
mercados internacionais de capitais. A recessão econômica nos Estados Unidos e na
Europa colaborou para a redução das taxas de juros internacionais em 1991. Esta
situação ajudou a criar as condições para que se superasse a fase de escassez de
créditos externos que imperou desde a moratória mexicana de 1982. Havia, por um
lado, um excesso de liquidez internacional e, por outro, países periféricos com taxas de
juros atraentes, se comparadas com a dos países desenvolvidos, e governos com
152
políticas econômicas simpáticas ao capital estrangeiro, delineadas no famoso
Consenso de Washington.
O retorno aos mercados internacionais de capitais deu um novo fôlego aos
balanços de pagamentos destes países e propiciou as condições para que lidassem
com as restrições causadas pelos déficits em Transações Correntes através de seu
financiamento pela entrada de capital estrangeiro. Assim, novamente os governos
optaram por promover transformações institucionais e estruturais que propiciassem a
maior rentabilidade aos detentores destes capitais, como forma de atrair o maior
montante
possível.
A
aplicação
do
receituário
neoliberal
de
privatizações,
desnacionalização, abertura comercial, desregulamentação econômica e maior
liberdade à mobilidade dos capitais foi a política econômica padrão adotada nesses
países.
De fato, na década de 90, a economia brasileira passou por grandes
transformações em sua inserção internacional, na estrutura de propriedade e na
estrutura produtiva. A nova situação internacional de excesso de liquidez, somada à
crise do padrão de acumulação e financiamento anterior da economia brasileira induziu
essas transformações. Entretanto, se comparado aos outros períodos de intenso
ingresso de capitais estrangeiros após a Segunda Grande Guerra, a década de 90 foi
um período de crescimento medíocre. A taxa média de crescimento econômico foi de
apenas 1,71%, inferior aos 2,13% da chamada “década perdida”. Mesmo no ano de
maior crescimento (5,85% em 1994) ficou aquém da média histórica do período entre
1930 e 1980.
O ingresso de capitais estrangeiros nos anos 90 pode ser dividido em duas
fases, sob o ponto de vista de sua forma: 1) até 1996 houve o predomínio dos
Investimentos em Carteira. Após a crise econômica que eclodiu no México no final de
1994, houve uma importante queda nos ingressos deste tipo de investimentos que, com
a ocorrência das crises no Leste-Asiático, na Rússia e no Brasil, e a posterior adoção
do câmbio flutuante, diminuíram ainda mais; 2) Desde 1997, a preponderância passou
para os fluxos de Investimentos Diretos, cujo crescimento se acentuou a partir de 1995.
A entrada líquida de investimentos diretos seguiu em ritmo crescente, alcançando o
pico de US$ 30,5 bilhões (líquidos) em 2000. No mesmo período, e como resultado da
crise cambial com fuga de capitais (principalmente investimentos em carteira) ocorrida
153
no segundo semestre de 1998, o governo voltou a buscar empréstimos de
regularização junto aos organismos internacionais e a outros países, liderados pelo
FMI.
O governo Collor inicia-se em janeiro de 1990 com um plano econômico (Plano
Collor) que objetivava combater a hiperinflação e liberalizar o comércio externo
brasileiro. Suas medidas, em especial o bloqueio das cadernetas de poupança, contas
correntes e os outros investimentos superiores a Cr$ 50.000, levaram ao
aprofundamento da recessão econômica, que durou até o primeiro semestre de 1992.
Promoveu também a abertura comercial53, com o intuito de aumentar a concorrência
interna com os produtos importados. A rápida recuperação do processo inflacionário,
combinada com a retração da economia, sinalizou a crise deste plano. A especulação
com o câmbio resultante das medidas do plano, somada aos efeitos da abertura na
balança comercial (diminuição do saldo da balança comercial) levou à proximidade de
uma crise cambial, o que foi combatido com minidesvalorizações. “A especulação
cambial e as dificuldades para fechar um acordo com os credores externos representam
o fim do Plano Collor I” (CAPPA, 2002, p. 80).
Em janeiro de 1991, o governo lança o Plano Collor II, também com uma receita
recessiva. Novamente, o rápido retorno da inflação, a performance insuficiente da
balança comercial e a perda de reservas cambiais, levam este segundo plano à crise. O
governo, então, busca acelerar as negociações sobre a dívida externa com o intuito de
atrair o capital estrangeiro.
“Assim, aprofundou a adoção de algumas medidas neoliberais
anunciadas em 1990. Entre as principais, foram selecionadas as
seguintes: 1. privatização das empresas estatais com realização dos
leilões da Usiminas, Celma, Mafersa, Cosinor, Indag e Aços Finos
Piratini, entre outubro e novembro de 1991; 2. avanço da abertura
comercial por meio do cronograma de redução das tarifas aduaneiras; 3.
elevação das taxas de juros internas para atrair o fluxo de crédito
externo voluntário”
“Ao lado do acordo da dívida externa com o FMI, em janeiro de
1992, os instrumentos de política econômica neoliberais acima descritos
atraíram capitais externos e elevaram o estoque de reservas cambiais,
constituindo um cenário favorável ao fim da recessão econômica, em
meados de 1993, como também sinalizaram as condições básicas para
53
Um dos primeiros passos de política econômica no governo Collor foi a redução das barreiras
comerciais. Foi a partir de 1988 que começou este processo, mas a partir do governo Collor (1990-1992)
que a liberalização comercial ganhou seu maior impulso, sendo continuada pelos governos seguintes.
154
implementar a política econômica de combate à inflação nos anos 90. O
final da recessão esteve relacionado ao desempenho da agropecuária
(crescimento de 5,4%, em 1992), à recuperação das exportações e,
principalmente, ao retorno do fluxo de capital externo voluntário, atraído
pela maior rentabilidade das taxas de juros internas comparando-se
àquelas do mercado financeiro internacional” (CAPPA, 2002, p. 81).
Itamar Franco, que assumiu após a renúncia do presidente Collor, no final de
1992, manteve a política de abertura comercial e liberalização financeira, atraindo a
entrada de capitais, o que fez que aumentassem as reservas de divisas internacionais.
A combinação da conjuntura de abundância de liquidez internacional com a política de
liberalização comercial e financeira, criou as condições para a implementação do Plano
Real, sob o comando do então ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que
viria a ser eleito presidente nas eleições de 1994. Como garantia ao capital estrangeiro,
o governo Itamar concluiu as negociações com o FMI, iniciadas durante o governo
Collor, com vistas a assinar a adesão ao Plano Brady54. Apesar adesão ao Plano Brady
ter significado uma redução, embora não muito relevante, no principal de parte da
dívida, seu efeito concreto foi o aumento dos pagamentos de juros ao exterior. Antes,
pagava-se apenas 30% dos juros devidos. Com a dívida em sua nova forma, convertida
em bônus, não seria mais possível a capitalização dos juros.
O resultado imediato da implementação do Plano Real foi a queda da inflação e
um
certo
crescimento
da
economia.
A
diminuição
da
inflação
baseou-se,
principalmente, na sobre-valorização cambial e na abertura comercial. Expôs, assim, a
produção doméstica, com desvantagem, à concorrência de mercadorias importadas. O
resultado foi o crescimento das importações em um ritmo bastante superior ao das
exportações, levando ao decréscimo acentuado do saldo da balança comercial ainda
em 1994, para chagar ao déficit nesta conta de 1995 em diante. A balança de serviços
também recebeu impacto negativo, especialmente nos itens Transporte (como reflexo
do aumento das importações) e Viagens Internacionais (resultante do aumento do
poder de compra da moeda nacional fruto da sobre-valorização cambial).
54
Plano Brady: Chamado assim em referência ao Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Nicholas
Brady, que o anunciou em março de 1989. Tem como elemento essencial a novação da dívida objeto da
reestruturação, mediante a troca por bônus de emissão do governo do país devedor, que contemplam
abatimento do encargo da dívida, seja sob a forma de redução de seu principal, seja por alívio na carga
de juros. No caso brasileiro, o acordo firmado em abril de 1994 referia-se apenas à parte da dívida do
setor público com bancos comerciais estrangeiros. O desconto efetivo associado ao acordo foi de 7,6%
do valor da dívida afetada pelo acordo.
155
A conta de Transações Correntes passou então, de pequenos déficits no início
da década e, inclusive, um superávit em 1992, para grandes resultados negativos. Esta
situação só pôde ser sustentada pela grande entrada de capital estrangeiro, no primeiro
momento na forma principal de investimentos em carteira, atraídos pelos diferenciais de
taxas de juros com os países desenvolvidos. É interessante notar que esta foi a
primeira vez que a forma predominante de ingresso de capital estrangeiro foi a de
investimentos em carteira, com preponderância para os títulos de renda fixa negociados
no exterior e, secundariamente, pela compra de ações de companhias brasileiras. A
participação dos investimentos em carteira atinge seu ápice em 1994, quando ocorreu a
troca de parte da antiga dívida externa pública por bônus de longo prazo, no âmbito do
Plano Brady. Começou a se estabelecer um forte vínculo entre a dívida externa e a
dívida interna (pública). Isto porque o governo passou a utilizar a elevação das taxas de
juros internas, por um lado, como forma de atrair investimentos estrangeiros e, por
outro, porque, para manter a inflação baixa, precisava enxugar o aumento da liquidez
interna advinda da entrada de divisas convertidas em reais e contrair o consumo
interno. Muitas das captações privadas externas, em geral via emissão de títulos,
passaram a ser feitas com o intuito de aplicar na dívida interna e ganhar com o
diferencial das taxas de juros. Este processo foi responsável pelo crescimento
acelerado da dívida interna em títulos públicos, que passou de R$ 59 bilhões, em 1994,
para 555,9 bilhões, em 2000, acumulando um crescimento de 1.036% neste período.
Os anos de 1997, com a “crise asiática” e de 1998, com a “crise russa”, foram os de
maior crescimento da dívida externa em títulos públicos (respectivamente 92% e 52%),
pois o governo, para combater a fuga de capitais, promoveu elevações abruptas nas
taxas de juros internas.
Este crescimento da dívida interna (pública) explica o decréscimo da dívida
externa pública, de US$ 90,6 bilhões, em 1993, para US$ 76,2 bilhões, em 1997. O que
ocorreu foi uma substituição de dívida externa pública por dívida interna. Como o
dinheiro internalizado e convertido em reais era em grande parte aplicado a taxas de
juros superiores ao das aplicações das reservas cambiais acumuladas neste processo,
o crescimento da dívida interna líquida foi muito superior ao decréscimo da dívida
pública externa líquida. As tomadas privadas de recursos internacionais para aplicar na
dívida interna elevaram a dívida externa privada. Ou seja, o vínculo criado entre a
156
dívida interna e a dívida externa era também um vínculo entre dívida pública e dívida
privada. Isto representou, na prática, uma outra forma de estatização da dívida. Com a
crise cambial e fuga de capitais de 1998, o governo procedeu à reversão do processo
de substituição da dívida. Ocorreu, então, a diminuição momentânea da dívida interna55
pela fuga de capitais, e a volta do crescimento da dívida pública externa, através dos
empréstimos internacionais liderados pelo FMI.
A partir de 1995 a entrada de investimentos diretos teve significativo impulso56,
tornando-se, de 1997 em diante, a principal forma de ingresso de capital estrangeiro no
Brasil. As Fusões e Aquisições formaram parcela expressiva destes investimentos,
tendo sido o processo de privatizações um dos seus componentes principais. As ondas
de privatizações, iniciadas durante o governo Collor, ganharam ímpeto durante a gestão
de FHC, quando o capital estrangeiro passou a participar com força das compras das
empresas desestatizadas. Somou-se a isso o profundo processo de desnacionalização,
com a compra de parcela significativa das empresas privadas pelos investidores
estrangeiros. O crescimento deste tipo de ingresso foi em tal proporção que, segundo o
Censo de Capitais Estrangeiros, realizado pelo Banco Central do Brasil, o fluxo de IED
entre 1995 e 2000 foi superior a todo o estoque existente até 1995. Em outras palavras,
entre 1995 e 2000 ingressaram mais recursos como investimento direto do que em toda
a história pregressa. Isto significou uma profunda transformação na estrutura de
propriedade da economia brasileira, com complexas repercussões na cadeia produtiva
e nas formas de articulação da economia doméstica com a economia mundial e seus
centros econômicos. O antigo tripé (Estado, capital multinacional e capital privado
nacional) em que se baseou a industrialização brasileira desde a década de 50 foi
praticamente desfeito, com a ampliação da participação do capital estrangeiro e sua
inserção com peso em setores em que não estava presente, em detrimento da
participação estatal e do capital privado nacional.
A mudança de estrutura de propriedade vivida pela economia brasileira como
fruto da maior participação do capital estrangeiro teve efeitos negativos sobre a balança
55
Houve uma diminuição da dívida líquida do setor público em agosto de 1998, mas já em janeiro de
1999 ela voltou para sua trajetória de crescimento.
56
O processo de recuperação do ingresso de investimento direto iniciou-se já no início da década de 90,
expresso tanto pela maior entrada de recursos em moeda como participação no capital, quanto pela
reversão do sinal do saldo dos empréstimos inter-companhia, que de negativo ao longo dos anos 80,
passou a positivo em quase toda a década de 90 (com exceção do ano de 1999). Mas foi a partir da
segunda metade da década que houve um vertiginoso crescimento do IED
157
comercial. Segundo Laplane e Sarti (1999), em relação à evolução da formação bruta
de capital fixo, houve um crescimento mais que proporcional das máquinas e
equipamentos importados em relação aos demais itens.
“No período 1994/997, enquanto a FBCF acumulou uma taxa de
expansão de 18,4%, o item máquinas e equipamentos importados
apresentou taxa quase seis vezes maior (107,6%), e o item máquinas e
equipamentos nacionais apresentou evolução negativa (-18,8%). Essas
diferentes trajetórias permitem compreender o medíocre desempenho do
setor doméstico de bens de capital, cuja produção reduziu-se em 10%
(contra um crescimento acumulado de 7,4% da indústria) no último
triênio. Explicam, também, o menor poder de encadeamento da atual
safra de investimento, dado que parcela significativa da demanda por
bens de capital tem sido transferida para o exterior.” (LAPLANE e
SARTI, 1999, p. 9. Os itálicos são dos autores).
Além dessa questão, a parcela de IDEs que foi dirigida para as Fusões e
Aquisições, colabora pouco para a geração de mais divisas ao longo do tempo através
do aumento das exportações e da substituição de importações, além de ampliar o
coeficiente importado de sua produção. Para agravar a situação, a maior parte destas
aquisições se deu no setor de serviços, como telecomunicações, distribuição de energia
elétrica, sistema financeiro, etc., que não geram divisas de exportações, mas que
importaram máquinas e equipamentos em seus processos de modernização.
Em relação ao crescimento da participação o capital estrangeiro na estrutura de
propriedade, combinado com as mudanças legais e institucionais promovidas pelo
governo57, observa-se, a partir de 1994, um forte movimento ascendente dos déficits
em Serviços, em especial os relacionados aos investimentos diretos, com destaque
para as remessas de Royalties e Licenças e Computação e Informação (a participação
destes dois itens no déficit da balança de serviços passou de 6,5% em 1994 para
20,9% em 1998). Com relação aos serviços influenciados diretamente pelo comércio e
57
Como parte da política de abertura ao capital estrangeiro, foi aprovado pelo Congresso Nacional em
31/12/1994 e entrou em vigor em 01/01/1995, o TRIPS (sigla em inglês para “Aspectos de Direito de
Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio). Em 15/05/1997, passou a vigorar a Lei de Patentes,
que trata da proteção à propriedade industrial. Com esta lei, a empresa que decidir produzir
comercialmente um produto patenteado, deverá conseguir uma licença do proprietário da patente e pagar
royalties a ele. Isso permite às empresas proprietárias absorver uma parte do valor produzido pelas
empresas licenciadas e, nos casos de empresas filiais do mesmo grupo, serve, muitas vezes como
mecanismo de remessa disfarçada de lucros.
158
indiretamente pelos investimentos, o déficit em Transportes também cresceu,
mantendo-se como o item de saldo mais negativo da Balança de Serviços.
Os déficits em Rendas apresentaram uma certa redução no início da década, se
comparados aos patamares alcançados nos anos 80. Porém, a partir de 1993, os
déficits nessa conta voltaram a apresentar crescimento acelerado, vindo a bater novos
recordes. Em 1995 e 1996, os patamares de remessas de rendas já haviam alcançado
os dos anos 80 e, a partir de 1997, os ultrapassaram com larga margem. A novidade
ficou por conta da composição destes déficits, visto que ocorreu uma queda relativa da
participação das Rendas de Outros Investimentos. Houve uma redução absoluta dos
déficits nesta conta entre 1990 e 1994, quando voltaram a apresentar crescimento.
Houve, por outro lado um crescimento da parcela referente às Rendas de Investimento
em Carteira e das Rendas de Investimento Direto. Esta mudança de composição
ocorreu principalmente como resultado mudança na composição do capital estrangeiro
aplicado no Brasil. Em relação aos investimentos em carteira, o crescimento das
remessas de rendas está ligado ao processo de crescente securitização das dívidas,
tendo tido um grande salto após 1994, quando da implementação do Plano Brady e ao
crescimento das emissões de títulos de renda fixa no exterior, fortalecido pelo vinculo
estabelecido entre dívida interna e dívida externa. O aumento das remessas de rendas
de investimento direto está ligado ao processo de privatizações e desnacionalização
dos anos 90.
Tabela 9. Balanço de Pagamentos (contas selecionadas) – 1990-2000 (Em US$ milhões)
Ano
TRANSAÇÕES
CORRENTES
1990
1991
-3784
-1407
6109
-676
Balança comercial (FOB)
10752
10580
15239
13299
10466
-3466
-5599
-6575
-1199
-698
Serviços
-3596
-3800
-3184
-5246
-5657
-7483
-8681 -10646 -10111
-6977
-7162
-11773
-9743
-8152 -10331
4592
163
9947
10495
8692
29095
33968
25800
29702
17319
19326
364
87
1924
799
1460
3309
11261
17877
26002
26888
30498
273
365
175
100
83
384
531
151
124
0
0
472
3808
14465
12325
50642
9217
21619
12616
18125
3802
6955
3753
-3735
-6482
-2717 -43557
16200
673
Rendas
CONTA
CAPITAL
FINANCEIRA
E
Investimento Direto
Reinvestimento
Investimento em Carteira
(líquido)
Outros
Investimentos
(líquido)
TC + CCeF
ERROS E OMISSÕES
RESULTADO DO BALANÇO
Fonte: Banco Central do Brasil
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
-1811 -18384 -23502 -30452 -33416 -25335 -24225
-6753
-9035 -11058 -11668 -14876 -18189 -18848 -17886
-4833 -14285 -13620 -18202
809
-1244
16056
9819
6881
10712
10466
-4652
-3714
-8016
-328
875
-1386
-1111
334
2207
-1800
-3255
-4256
194
-4899
2637
481
-369
14670
8709
7215
12919
8666
-7907
-7970
-7822
-2262
159
Ou seja, observando-se o Balanço de Pagamentos brasileiro, notamos que
houve um acentuado crescimento dos déficits na conta de Transações Correntes entre
1995 e 1998, seguido por uma certa diminuição a partir de 1999, com a desvalorização
cambial. Neste déficit, o item mais negativo é o de Rendas. Em 1995, o déficit na conta
de rendas era de 11 bilhões de dólares, chegando a 19 bilhões de dólares em 2001. O
segundo item mais negativo foi o de serviços. Esta conta que já contribuía
negativamente em US$ 7,5 bilhões em 1995, chegou a ficar negativa em mais de US$
10 bilhões em 1997 e 1998, voltando ao patamar de US$ 7,7 bilhões em 2001. O déficit
na balança comercial ocupou apenas o terceiro lugar entre os itens que causam
impactos negativos na conta de transações correntes, com um saldo negativo de US$
3,5 bilhões em 1995, chegando a US$ 6,7 bilhões em 1997 e tornando-se levemente
positiva em 2001.
Gráfico 3. Transações Correntes nos anos 90 (em US$ milhões)
20000
10000
0
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
-10000
-20000
-30000
-40000
TRANSAÇÕES CORRENTES
Fonte: Banco Central do Brasil
Balança comercial (FOB)
Serviços
Rendas
1999
2000
160
É interessante notar que no debate público sobre política econômica na segunda
metade dos anos 90, dava-se grande ênfase no significado dos déficits comerciais, mas
praticamente não se falava nos consideráveis déficits em serviços, muito maiores do
que os primeiros. Dos itens de Serviços, os déficits em Transportes seguiram sendo os
mais significativos, tendo apresentado crescimento significativo ao longo de toda a
década. Entre os anos de 1995 a 1998 (período de auge do Plano Real), os déficits em
Viagens Internacionais alcançaram e ultrapassaram os de Transportes. O aumento dos
déficits em Transportes esteve diretamente relacionado ao crescimento do intercâmbio
comercial, em especial das importações. A sobrevalorização cambial pode ser encarada
como o principal elemento que levou aos déficits recordes em Viagens Internacionais.
Além destes itens, é importante destacar o comportamento de outros itens de
Serviços que também apresentaram comportamento crescentemente negativo, como é
o caso dos Royalties e Licenças, Computação e Informação, Aluguel de Equipamentos
e Serviços Pessoais, Culturais e de Recreação. A característica destes itens é que
estão vinculados fundamentalmente aos investimentos estrangeiros, em especial aos
IEDs. Com o significativo aumento da presença do capital estrangeiro e também fruto
das mudanças legais e institucionais aplicadas no âmbito dos planos neoliberais, estes
itens oneraram crescentemente a conta de Serviços, conforme pode-se observar no
gráfico abaixo:
161
Gráfico 4. Conta Serviços nos anos 90 (itens selecionados) (em US$ milhões)
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
1990
1991
1992
1993
Pessoais, culturais e recreação
Royalties e licenças
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
Aluguel de equipamentos
Computação e informação
Fonte: Banco Central do Brasil
O déficit em Transações Correntes foi compensado pela entrada de capital
estrangeiro. O item que mais contribuiu para o saldo positivo na conta financeira, na
segunda metade da década, foi o dos Investimentos Estrangeiros Diretos, que
contabilizou a entrada líquida de US$ 3,3 bilhões em 1995, chegando a US$ 30 bilhões
em 2000, caindo para US$ 24 bilhões em 2001. Os investimentos em carteira seguiram
sendo fonte importante de entrada de divisas até 1998.
No segundo semestre de 1998, como reflexo da crise na Rússia, efetuou-se um
intenso processo de fuga de capitais. As reservas internacionais foram reduzidas de
US$ 74,7 bilhões em abril para US$ 44,6 bilhões no final do ano. O governo buscou
então levantar empréstimos de emergência junto aos organismos internacionais. O
programa de “ajuda financeira” internacional, no valor de US$ 41 bilhões, foi elaborado
com a participação do FMI, Banco Mundial, BID e Banco do Japão e BIS, sendo este
último responsável, também, pela coordenação de diversos países participantes do
programa (Banco Central do Brasil, 1999). Este acordo foi condicionado a uma série de
162
políticas, especialmente nos terrenos fiscal e monetário. Ainda assim, não conseguiu
garantir a estabilidade da moeda que, em janeiro de 1999, passou a flutuar livremente,
tendo sofrido forte desvalorização. A partir de então, ocorreu a redução progressiva dos
déficits na Balança Comercial que, na década seguinte, voltaram a gerar megasuperávits. Na ausência de ingressos suficientes de capital estrangeiro, os saldos
comerciais voltaram a cumprir um papel central na garantia dos recursos em moeda
estrangeira para o pagamento dos compromissos financeiros internacionais.
Enfim, o que ocorreu na década de 90 foi um processo de mudanças estruturais,
que desmontou consideravelmente o esquema montado desde os anos 50 e
aprofundou
os
vínculos
de
dependência
com
a
ampliação
do
grau
de
internacionalização da economia. Estas mudanças estavam inseridas e adaptadas a um
contexto internacional de maior mobilidade de capitais, de crescente securitização das
dívidas e de uma grande onda de fusões e aquisições que começou nos países
desenvolvidos e se estendeu à periferia. O modelo baseado na abertura comercial e
financeira, na desregulamentação, nas privatizações, na desnacionalização e, a partir
de 1994, na paridade cambial aumentou profundamente tanto o endividamento externo
(público e privado) como o interno e gerou um importante déficit nas balanças
comercial, de serviços e de rendas. Este déficit em conta corrente necessitava ser
compensado por um superávit cada vez maior na conta de capitais. Após a fuga de
capitais e o fim da âncora cambial, a obtenção de novos mega-superávits na balança
comercial passou a ser o elemento a compensar a queda do ingresso de capital
estrangeiro na geração de divisas externas para o pagamento dos compromissos
internacionais em moeda estrangeira.
5.4 – Considerações finais.
Nas últimas décadas do século XX, a economia brasileira tornou-se uma das
mais internacionalizadas do mundo. Em 2000, a dívida externa líquida alcançava 28,4%
do PIB e 3,1 vezes o valor das exportações anuais (fonte: Banco Central do Brasil). A
maior parte das grandes empresas passaram a estar sob o controle direto das
empresas multinacionais58. A avaliação da trajetória da inserção externa demonstra
58
De acordo com as informações contidas na Revista Exame de julho de 2001, das 100 maiores
empresas no Brasil, classificadas por vendas, 54 têm controle estrangeiro ou compartilhado entre grupos
163
uma crescente dependência do capital estrangeiro e a comprovação da ação deste
último na extração do excedente econômico, por meio de diversos mecanismos.
A partir do descrito no capítulo 5, pode-se identificar três períodos de intenso
fluxo de capitais privados em direção à economia brasileira que correspondem a três
ondas de internacionalização. Nestes períodos, a política econômica foi evidentemente
adaptativa às necessidades do capital estrangeiro. Cada uma destas ondas foi
precedida por mudanças institucionais que se ajustaram às suas características.
O primeiro período foi a segunda metade dos anos 50, quando da expansão
produtiva internacional das empresas multinacionais norte-americanas e européias.
Este período foi precedido pelo fim do sistema de controle quantitativo das importações
e a adoção do sistema de taxas múltiplas de câmbio e pelo estabelecimento da
Instrução 113 da SUMOC, que permitiu o ingresso de máquinas e equipamentos sem
cobertura cambial, contabilizados como investimento direto. Nesta fase, vários dos
principais ramos da indústria de transformação passaram a estar sob o controle das
firmas estrangeiras.
No final dos anos 60 e início da década de 70, o acúmulo de liquidez no
euromercado e a busca de aplicações mais rentáveis para estes recursos, levaram os
bancos internacionais a realizarem empréstimos a taxas de juros reduzidas às
empresas atuantes nos países periféricos, entre eles o Brasil. A economia brasileira
havia sido previamente adaptada para receber passivamente estes recursos, através da
reforma no sistema financeiro e da entrada em vigor da Instrução 289 da SUMOC
(1965) e da Resolução 63 (1967) do Banco Central, que permitiram, respectivamente, a
contratação de empréstimos em moeda diretamente entre as empresas do exterior e do
país e a tomada de empréstimos em moeda estrangeira pelos os bancos de
investimento ou de desenvolvimento privados e bancos comerciais e seu repasse às
empresas residentes no país, tanto para financiar capital de giro quanto para
investimentos. Esta legislação levou à vinculação direta entre as necessidades de
financiamento privadas, internas à economia brasileira, e os movimentos expansivos do
capital financeiro internacional. Este período foi de crescimento acelerado da dívida
externa. Na segunda metade dos anos 70, a diminuição do investimento privado interno
estrangeiros e brasileiros. Entre as empresas privadas esta participação é ainda maior (das 100 maiores,
60 são de controle estrangeiro ou compartilhado). E das empresas de controle societário brasileiro
(privado ou estatal), uma parcela tem participação estrangeira no capital.
164
reduziu as necessidades de financiamentos externos e, conseqüentemente, o ingresso
de capital estrangeiro. Para fazer frente às necessidades de divisas para cumprir com
os compromissos financeiros internacionais e viabilizar o II PND, o governo atraiu
recursos através dos empréstimos externos das empresas estatais e dos grandes
projetos, levando ao movimento de estatização da dívida externa. Contou, para isto
com a abundância de dólares, fruto da reciclagem, via euromercado, das divisas
acumuladas pelos países exportadores de petróleo.
No início dos anos 90, após uma década excluída do mercado internacional de
capitais, a economia brasileira passou a ser novamente alvo de atenção dos
investidores internacionais. A abundância de capital especulativo também encontrou
uma estrutura institucional que se adaptava às suas necessidades de valorização. Além
disso, o movimento de fusões e aquisições foi impulsionado por uma legislação cada
vez mais benéfica ao investidor estrangeiro59 e pelo processo de privatizações.
O sentido destas mudanças institucionais foi o da adaptação às transformações
na economia mundial em direção à maior liberalização comercial e de capitais. No início
do período do pós-guerra, no contexto do acordo de Bretton Woods, o governo tentou
garantir uma paridade cambial com liberalização comercial. Logo teve que recuar e, a
regra que prevaleceu durante muito tempo foi a de estabelecer controle sobre as
importações, primeiro de forma quantitativa, em seguida através de taxas múltiplas de
câmbio, e depois via tarifas. Na década de 90 as mudanças foram no sentido da
diminuição inclusive das tarifas de importação. A política referente ao capital estrangeiro
sempre foi liberal, ao contrário do ocorrido nos países desenvolvidos que estavam em
reconstrução após a guerra. As necessidades de divisas foram atacadas em duas
frentes:
na
comercial
predominaram
as
políticas
protecionistas
visando
a
industrialização, fortemente vinculada ao capital estrangeiro; na financeira e de capitais,
o processo histórico caminhou no sentido da abertura, liberdade e estímulo cada vez
maiores ao capital estrangeiro.
59
As maiores mudanças legais neste sentido ocorreram sob o governo Fernando Henrique Cardoso. Em
1995 consegue aprovar uma série de emendas constitucionais, a chamada “Reforma Constitucional”, que
objetivavam atrair investimentos estrangeiros. Foi modificado o conceito de empresa nacional (passou-se
a considerar empresa brasileira não a de capital nacional, mas a constituída sob as leis brasileiras e com
sede e administração no país), a navegação de cabotagem passou a ser estendida às embarcações
estrangeiras e foram quebrados os monopólios estatais dos recursos minerais, do petróleo, das
telecomunicações e da exploração do potencial de energia hidráulica. Outra mudança legal importante
neste sentido foi a legislação sobre patentes (ver nota 57).
165
Nas duas últimas décadas do século XX ocorreram mudanças de qualidade.
Maior mobilidade de capitais diminuiu poder defensivo das economias nacionais. A
imposição das políticas neoliberais de abertura, privatizações e desregulamentação,
assim como o novo arcabouço institucional, ainda mais favorável ao capital estrangeiro,
fez com que a reação às dificuldades no Balanço de Pagamentos não fossem mais
combatidas com medidas protecionistas, mas com a velha receita ortodoxa de ajustes
recessivos, muito comum no período do padrão ouro.
Os períodos de abundância de fluxos de capitais privados foram intercalados por
crises e retrações, como entre 1962 e 1967, na década de 80 e nas crises cambiais do
final dos anos 90. Nestes períodos entraram em ação os fluxos de capitais oficiais,
como os empréstimos do FMI, Banco Mundial, BID, outros governos, etc. Junto com os
empréstimos, vieram também as cláusulas condicionantes. Um traço comum em cada
um destes períodos de refluxo foi a estatização da dívida externa. Nos anos 60 isto se
deu via empréstimos do FMI e do governo dos EUA; na segunda metade dos anos 70,
no âmbito do II PND, a estatização da dívida ocorreu através dos empréstimos para as
estatais e para os grandes projetos governamentais; nos anos 80, ocorreu via
empréstimos do FMI e assunção da dívida privada em dólares pelo governo e; no final
dos anos 90, através dos empréstimos internacionais liderados pelo FMI. Ainda em
relação aos anos 90, foi utilizada a dívida pública pelos governos, através do aumento
das taxas de juros internas, como forma de atrair capital estrangeiro e de atacar as
pressões inflacionárias. Isto vinculou a dívida interna pública á dívida externa privada. O
corolário disto foi a priorização absoluta pelo governo dos pagamentos dos
compromissos da dívida interna, em detrimento dos gastos sociais e dos investimentos
estatais, por um lado, e uma série de políticas visando dar o máximo de garantias de
que os investidores não terão dificuldades em remeter seus recursos para fora quando
for conveniente.
A própria lógica do processo leva à reprodução da dependência do capital
estrangeiro. As necessidades de crescimento e desenvolvimento chocam-se com a
chamada “restrição externa”. A dinâmica cíclica do capitalismo mundial e dos
capitalismos centrais promove períodos de expansão internacional, seguidos por outros
de retração. São nos períodos de expansão internacional do capital que a economia
nacional costuma encontrar o oxigênio necessário para o crescimento. Assim, os
166
diferentes governos buscaram adaptar a economia às necessidades de expansão
destes capitais, transformando estes períodos nos de maior internacionalização da
economia brasileira. Os laços de dependência se vêem assim reforçados, tornando
mais agudo o problema da extração de excedentes e de limitação ao crescimento no
longo prazo.
São nos períodos de refluxo de capitais que se abrem as possibilidades de crises
nos balanços de pagamentos e de ruptura dos elos mais frágeis do sistema, que são os
países periféricos. A atuação das instituições criadas nos acordos de Bretton Woods,
como o FMI e o Banco Mundial, nestes casos, tem sido no sentido de não permitir que
ocorram estas rupturas, pois isto significaria a cessação de pagamentos dos
compromissos financeiros com o estrangeiro ou a adoção de medidas de controles de
capitais. Os empréstimos internacionais concedidos ou liderados por estas duas
instituições cumprem a função de permitir que as relações de dependência não sejam
rompidas e que não ocorram maiores prejuízos do lado dos investidores internacionais.
O custo proposto é o das políticas ortodoxas de ajuste recessivo e das mudanças que
ampliem ao máximo as liberdades de movimentação dos capitais privados.
Como resultado,
vemos
a tendência
histórica de
aprofundamento
da
dependência e do crescimento do peso da remessa de excedentes econômicos às
economias centrais. O Balanço de Pagamentos, neste contexto, reforça seu papel
como instrumento estatístico e analítico a serviço das políticas de preservação das
relações de dependência e na garantia de que a extração do excedente econômico
ocorra com o menor risco possível de descontinuidade.
A concepção do país-como-um-todo, utilizada na confecção do Balanço de
Pagamentos, não é desprovida de sentido. Este tratamento não tem o significado de
maior autonomia da economia doméstica, no âmbito de um planejamento econômico
nacional com vistas ao desenvolvimento econômico-social. Ao contrário, conforma-se
como uma forma de legitimar a privatização dos lucros nos períodos de auge e a
socialização dos prejuízos quando há crise ou descenso, sem que se rompa com os
mecanismos da dependência. No auge, os capitais autônomos ingressam em busca de
oportunidades de investimentos e de lucros. Na crise, os capitais oficiais vêm em
socorro dos capitais autônomos e com o intuito de dirigir os recursos internos da
economia doméstica de acordo com a prioridade de garantir os interesses dos
167
investidores estrangeiros. O conjunto da economia e do Estado é posto a serviço da
garantia da manutenção dos fluxos internacionais.
168
Conclusão
Cabe agora fazer um apanhado das principais conclusões tiradas ao longo deste
trabalho. De acordo com o escrito na apresentação, propôs-se aqui realizar um debate
a respeito da dependência, desde um referencial marxista e partindo das questões
levantadas, principalmente entre as décadas de 60 e 80, pela vertente conhecida como
a Teoria Marxista da Dependência. O foco esteve colocado sobre um dos aspectos
desta discussão, que é o da ação do capital estrangeiro na extração de excedente
econômico (mais-valia) produzido internamente à economia brasileira e na reprodução
da dependência.
O tema foi abordado nos terrenos metodológico, teórico, histórico e empírico nos
cinco capítulos precedentes. Em todos eles procurou-se reconstruir o debate que se
estabeleceu historicamente contra os postulados da teoria neoclássica, especialmente
no que concerne ao significado e determinantes das transações econômicas
internacionais. Na parte empírica foi utilizado o Balanço de Pagamentos como principal
instrumento disponível para medir as transações internacionais. Tornou-se necessário,
também, fazer uma discussão metodológica a respeito deste instrumento, visto que sua
concepção e forma de organização estão baseadas justamente nos conceitos da teoria
neoclássica.
Durante o período que corresponde à segunda metade do século XX, as teorias
ortodoxas do comércio e do investimento internacionais foram alvos de críticas de
vários autores que demonstraram a fragilidade deste enfoque, de suas premissas
irreais, de seu método estático, formal, a-histórico e apologético e de sua incapacidade
prática para explicar a realidade. A teoria das vantagens comparativas (tanto na versão
ricardiana como na neoclássica), que está no cerne da compreensão ortodoxa das
transações internacionais, já foi contundentemente contestada teórica e empiricamente.
Ao contrário das afirmações baseadas nesta visão, a crescente liberdade de
movimentação internacional de mercadorias e capitais não tem levado à convergência e
à equidade, mas ao aprofundamento da desigualdade de desenvolvimento e à criação
de obstáculos ao crescimento de longo prazo das economias dependentes. Contudo,
apesar das críticas categóricas sofridas pela economia neoclássica, ela ainda é o corpo
teórico mais difundido e aceito nas instituições acadêmicas ao redor do mundo, além de
169
ser a base conceitual para os materiais escritos e para a justificativa das políticas
propugnadas pelas principais instituições econômicas multilaterais, como o FMI e o
Banco Mundial. A ofensiva neoliberal do final do século XX reforçou a tal ponto esta
hegemonia ideológica que se chegou à pretensão de afirmá-la como pensamento único.
Em contraposição ao critério ortodoxo de se partir da economia nacional para se
chegar à economia internacional, entendida como um agregado de países, torna-se
necessário uma abordagem oposta, que veja a economia mundial como uma totalidade
orgânica, hierarquizada e historicamente construída. Só assim pode-se analisar
corretamente suas partes constitutivas e suas inter-relações. Observa-se assim que o
país-como-um-todo não deve ser a unidade de análise fundamental para a
compreensão do funcionamento do sistema. As contradições internas à nação e as que
atravessam suas fronteiras são muito mais relevantes do que as estabelecidas entre
países como totalidades. Na fase imperialista do capitalismo, em que a exportação de
capitais torna-se o elemento central na determinação das relações econômicas
internacionais, este critério torna-se ainda mais importante, pois o que se vê é uma
crescente interpenetração das economias nacionais através da ação dos capitais
multinacionais.
A dinâmica dos espaços econômicos nacionais é cada vez mais condicionada
por estas movimentações internacionais de capitais. As movimentações internacionais
de capitais, mercadorias e serviços são reflexos de decisões, acordos e conflitos sociais
entre empresas, trabalhadores, governos, etc. Entre estes agentes, o que cumpre o
papel mais relevante na determinação das transações internacionais é a grande
empresa multinacional. O país não é um agente concreto, não tem interesses próprios,
não toma decisões. Os países são palcos em que estas relações ocorrem, suas
existências têm uma série de conseqüências na dinâmica econômica das transações
internacionais, mas eles não são os agentes dinamizadores. E mesmo enquanto palco
das atividades econômicas, o espaço econômico nacional está subordinado a uma
totalidade superior, que é a economia mundial.
Há muito que os marxistas enxergaram as relações internacionais da economia
mundial como hierarquizadas, utilizando para isto várias diferentes classificações
(países
imperialistas,
coloniais
e
semi-coloniais;
dominantes
e
dominados;
desenvolvidos e subdesenvolvidos; centrais e periféricos etc.). A Teoria Marxista da
170
Dependência se filia nesta tradição, e tem por objeto de estudo a formação econômicosocial latino-americana a partir de sua integração subordinada à economia capitalista
mundial (Sotelo, 2005. Pág. 188). Conforme citação já feita de Marini, a dependência é
entendida
como
uma
relação
de
subordinação
entre
nações
formalmente
independentes, em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são
modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência. Um
dos aspectos desta integração subordinada é a transferência de valores e de mais-valia
das economias dependentes em direção às economias centrais ou imperialistas, como
fruto da ação do capital estrangeiro.
Para medir esta extração de excedentes econômicos, o principal instrumento
estatístico disponível é o Balanço de Pagamentos. A dificuldade de lidar com este
instrumento parte de sua concepção, baseada nos critérios e conceitos da teoria
ortodoxa. Sua forma de organização leva a que as transações econômicas entre
agentes econômico-sociais concretos, como empresas, investidores, trabalhadores,
governos, apareçam como ocorrendo entre países. Obscurece o verdadeiro sentido das
relações sociais e econômicas e dificulta a observação de como se dá a ação do capital
estrangeiro através e no interior das fronteiras nacionais. Todavia, uma análise
sistêmica e histórica pode, a partir da leitura das contas do Balanço de Pagamentos,
permitir compreender até certo ponto como estas relações se estabelecem.
Para a teoria neoclássica, o elemento chave para a explicação das transações
econômicas internacionais é o comércio, que ocorreria entre países, baseado no critério
das vantagens comparativas e de acordo com a “dotação de fatores” de cada país. A
movimentação de capitais teria uma função temporária e compensatória dos
desequilíbrios comerciais entre os países ou seria vista apenas como “comércio intertemporal”. A concepção defendida aqui é a da centralidade da exportação de capitais
na fase imperialista do capitalismo, o que torna o investimento estrangeiro o principal
elemento determinante das relações econômicas internacionais. Cada vez mais é o
movimento de capitais que explica o movimento de mercadorias, de rendas e de
serviços. É nos movimentos internacionais de capitais que está a chave para a análise
das informações contidas nas contas do Balanço de Pagamentos.
O investimento estrangeiro condiciona as transações internacionais do Brasil por
duas vias fundamentais que estão relacionadas entre si. A primeira é devido ao seu
171
peso e centralidade na determinação dos padrões do comércio internacional de
mercadorias e de serviços, por um lado, e de suas remessas (explícitas ou ocultas) de
rendas, por outro. Por esta via, no período analisado, a ação do capital estrangeiro
implicou déficits permanentes em rendas e serviços e enfraqueceu a posição comercial
pela via do intercâmbio desigual. A segunda via se dá através das necessidades de
divisas internacionais, de forma a não permitir interrupção dos fluxos de pagamentos
internacionais, ao condicionar as políticas econômicas dos governos no sentido da
obtenção de superávits comerciais e da busca da atração do capital estrangeiro. A
relação entre as duas vias é intima, visto que a evasão de excedentes que implica a
primeira, leva à maior necessidade de trilhar a segunda. O efeito da primeira via sobre a
segunda torna-se mais agudo na medida em que o passivo externo líquido cresce e
leva a maiores remessas de rendas, em que o peso crescente das remessas por conta
dos serviços aumenta e em que se aprofundam os mecanismos de troca desigual,
levando à maior necessidade de divisas. Ou seja, a transferência historicamente
crescente de valores leva a necessidades recorrentes de recursos para equilibrar as
contas externas, o que coloca a possibilidade de crise cada vez que este equilíbrio é
rompido. Por outro lado, a aplicação da segunda via (atração de mais capitais externos
e a obtenção dos superávits comerciais), implica a obtenção e viabilização da
reprodução ampliada da primeira via. As duas vias se alimentam mutuamente.
Durante o século XX, a economia brasileira passou por três transições
estruturais, fortemente condicionadas pelas transformações por que passou a economia
mundial e seus países centrais. Durante aproximadamente duas décadas, a sociedade
brasileira passou por um processo de industrialização relativamente autônomo, que
deslocou o eixo de desenvolvimento econômico da economia exportadora para o
mercado interno. Esta industrialização relativamente autônoma foi possibilitada pela
crise que viveu o capitalismo mundial com o advento das duas guerras mundiais e da
crise de 1929. A impossibilidade de seguir reproduzindo a velha economia exportadora,
combinada com outros elementos, levou à virada em direção ao mercado interno. A
recuperação da economia mundial após a segunda guerra mundial e a afirmação da
hegemonia dos EUA no sistema internacional condicionaram a transição seguinte da
economia brasileira, que aprofundou sua industrialização em base a um forte
crescimento da participação do capital estrangeiro, que se instalou em setores chaves
172
da indústria de transformação. Os investimentos estrangeiros diretos que ingressaram
se dirigiram fundamentalmente para a produção voltada para o mercado interno. A
terceira transição ocorreu com o advento da crise do modelo de industrialização vigente
até então e com a ofensiva neoliberal, quando foram promovidas reformas estruturais
de
abertura
comercial
e
financeira,
privatizações,
desnacionalizações,
desregulamentação etc.
O estudo de como se deu, concretamente, a atuação do capital estrangeiro na
economia brasileira da segunda metade do século XX, fase em que se afirmou a
hegemonia norte-americana no sistema mundial de estados, demonstra que sua
integração na economia mundial ocorreu às custas da ampliação da exportação de
excedente econômico e da dependência. O crescimento do peso do capital estrangeiro
dentro da economia brasileira levou ao desenvolvimento paralelo de mecanismos mais
complexos de transferência de valores e de mais-valia, que tiveram expressão no
conjunto das contas do Balanço de Pagamentos. Como resultado, a economia brasileira
chegou à virada do milênio como uma das mais internacionalizadas do mundo, tendo
parte considerável de suas grandes empresas controladas pelo capital estrangeiro,
possuindo uma considerável dívida externa. De forma cada vez mais aguda, a dinâmica
do conjunto da economia nacional vem sendo condicionada pelas necessidades de
valorização do capital estrangeiro.
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