DINÂMICA COMPORTAMENTAL DO CITOMEGALOVÍRUS (CMV

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ISSN 2238-1589
ARTIGO ORIGINAL
DINÂMICA COMPORTAMENTAL DO CITOMEGALOVÍRUS (CMV) EM
UMA POPULAÇÃO DE MACACOS RHESUS (Macaca mulatta)
CATIVOS
Fundação Oswaldo Cruz / Fiocruz, Centro de
Criação de Animais de Laboratório/Cecal, RJ,
Brasil
Autor para correspondência:
Márcia Cristina Ribeiro Andrade
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação: 18/11/2013
Aceito para a publicação: 05/01/2014
O citomegalovírus (CMV) é uma zoonose oportunista de primatas do gênero Macaca
imunocomprometidos e representa uma importante variável na interferência dos
resultados experimentais das pesquisas realizadas em primatas infectados por este
agente. Tendo em vista que o CMV é uma das principais viroses capaz de acarretar
infecções congênitas e problemas reprodutivos, o presente estudo teve o objetivo de
traçar o perfil sorológico de uma colônia de criação de macacos rhesus destinados à
pesquisa biomédica, analisando a dinâmica comportamental deste vírus endêmico na
população animal. Um total de 272 amostras sorológicas foram analisadas pelo teste
de ELISA para detecção de anticorpos IgG anti-RhCMV. A soroprevalência da criação
estudada foi de 95%, com elevado percentual de anticorpos em todas as faixas etárias.
Com exceção dos juvenis (62% de machos positivos e 74% de fêmeas positivas), 100%
de soropositividade foi detectada nas outras idades. Além disso, nenhuma diferença
significativa foi encontrada na prevalência entre os sexos. Os resultados fornecem
subsídios importantes para investigar fatores que podem interferir nos índices reprodutivos da colônia, bem como para direcionar condutas futuras no manejo animal, a
fim de prevenir esta zoonose e conseqüentemente, obter animais de melhor qualidade
nas pesquisas biomédicas. Certificado CEUA nº LW24/2009 Fiocruz.
RESUMO
Márcia Cristina Ribeiro Andrade
Palavras-chave: Citomegalovírus. Sorologia. Problemas reprodutivos. Macacos rhesus.
Macaca mulatta.
1 introdução
O Citomegalovírus (CMV) é um vírus ubiquitário, amplamente distribuído em toda a população
mundial, acometendo de 40 a 60% dos indivíduos
em países desenvolvidos, enquanto que em países em desenvolvimento a sua prevalência pode
chegar até 90%1, demonstrando uma correlação
direta entre a prevalência de anticorpos e as baixas condições socioeconômicas da população2.
Trata-se de um herpesvírus, pertence à família
Herpesviridae, sub-família Betaherpesvirinae3,
RESBCAL, São Paulo, v.2 n.3, pg. 185-194, 2013
que comumente afeta primatas humanos e não
humanos e outros animais4.
A infecção primária geralmente ocorre na
infância e se caracteriza por uma fase aguda de
replicação em vários tipos celulares, tais como células epiteliais, endoteliais e musculares. Esta fase
é seguida por uma outra de persistência na qual o
vírus se replica lentamente devido à ativação do
sistema imune e ao controle da replicação viral.
Durante a fase de persistência, o vírus se replica
em células das glândulas salivares e do rim e,
consequentemente, é excretado esporadicamente
na saliva e na urina5.
185
DINÂMICA COMPORTAMENTAL DO CITOMEGALOVÍRUS (CMV) EM UMA POPULAÇÃO DE MACACOS RHESUS (Macaca mulatta) CATIVOS
A transmissão do CMV ocorre de forma horizontal, pelo contato entre os indivíduos, ou vertical
por via intrauterina. As infecções primárias resultam em doença clinicamente aparente e o vírus
pode produzir uma infecção crônica subclínica
ou tornar-se latente após promover imunidade
humoral e celular4. Assim como qualquer outro
herpesvírus, o CMV fica em estado de latência
por toda a vida dos indivíduos infectados e este
estado é caracterizado pela presença do DNA viral
em células infectadas e pela ausência de replicação
viral. A reativação do DNA pode ocorrer em decorrência de certos estímulos como, por exemplo,
imunodeficiência e condição de estresse6,7. Desta
forma, a patogenicidade do CMV está correlacionada com o estado imune do indivíduo infectado,
ocorrendo replicação viral mediante um quadro
de estresse e de imunodeficiência1.
Em indivíduos imunocompetentes a infecção é
geralmente assintomática, devido a um equilíbrio
estabelecido entre o sistema imune do indivíduo
infectado e a replicação viral. No entanto, em
indivíduos nos quais o sistema imune não está
completamente desenvolvido ou naqueles imunocomprometidos, o vírus pode causar sérias
doenças. Em pacientes transplantados, o CMV é
um dos principais agentes responsáveis por morte,
especialmente em recipientes de órgãos sólidos1.
Em indivíduos com Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), apesar da Terapia Antiretroviral Altamente Ativa contra o HIV (HAART),
o CMV continua a ser um grave problema, uma
vez que alguns pacientes não respondem ou não
têm acesso ao tratamento8.
Além disso, o vírus é também um grave problema de morbidade e mortalidade em recém-nascidos, sujeitos a infecção durante a gravidez
via placenta, durante o parto ou através de ingestão do leite materno. A transmissão vertical
do vírus da mãe para o feto, que ocorre através
da placenta, comumente afeta o sistema nervoso
central e os órgãos de percepção do feto, sendo
o CMV a causa principal de surdez em recém-nascidos9,10.
Os macacos rhesus (Macaca mulatta) são
frequentemente infectados pelo CMV, mais co186
nhecido pela sigla RhCMV11,12. Similarmente ao
CMV humano (HCMV), a infecção pelo RhCMV
em macacos imunocompetentes é geralmente assintomática e as fases de infecção se assemelham
as dos humanos. Assim como nos humanos, durante a fase de persistência, o vírus é secretado na
urina de macacos adultos por longos períodos4,67.
É possível isolar o vírus a partir da urina de macacos rhesus adultos quatro anos após o primeiro
isolamento feito nos mesmos animais quando
jovens13. Além disso, a epidemiologia, patogenia
e aspectos imunológicos da infecção pelo RhCMV
em macacos é semelhante à infecção em humanos.
Doenças causadas por RhCMV são observadas em
macacos imunodeprimidos, como infectados pelo
vírus da imunodeficiência símia (SIV)4,14,15. De
fato, o CMV é a doença oportunista mais comum
em macacos infectados pelo SIV16,17.
A soroprevalência em uma população na qual
o CMV está presente indica um aumento da soropositividade na fase perinatal e no período da
maturidade sexual18. A infecção perinatal pode
ocorrer no decorrer da parição ou através da ingestão do leite materno19. Com a maturidade sexual,
o vírus pode ser transmitido através do esperma
e de secreções cervicais contendo o vírus20,21,22
Em relação às drogas e vacinas, existem quatro
anti-virais aprovados pelo FDA (Food and Drug
Administration-EUA) para tratamento do HCMV:
ganciclovir, valganciclovir, cidofovir e foscarnet.
No entanto, estas drogas são tóxicas e não são
recomendadas para uso em mulheres grávidas ou
recém-nascidos. Além disso, o seu uso prolongado, tanto em pacientes transplantados como em
pacientes com AIDS, pode levar à resistência do
vírus a estes medicamentos23.
Apesar das muitas tentativas, não existe até
hoje uma vacina completamente eficaz contra o
HCMV. Por se tratar de um fator de morbidade
e mortalidade em recém nascidos e em imuno-deprimidos, e por ser o também o principal agente
infeccioso causador de surdez e retardo mental em
crianças, o Instituto de Medicina e o Programa de
Vacinação dos EUA estabeleceu como altamente
prioritário o desenvolvimento de uma vacina
contra o HCMV24,25.
RESBCAL, São Paulo, v.2 n.3, pg. 185-194, 2013
Márcia Cristina Ribeiro Andrade
No tocante aos tipos celulares infectados pelo
RhCMV, em macacos rhesus, o RhCMV infecta
os mesmos tipos celulares infectados pelo HCMC
em humanos. Em cultura, também semelhante ao
HCMV, o RhCMV replica-se eficientemente em
fibroblastos primários de macacos rhesus. Além
disto, o RhCMV é capaz de se replicar em fibroblastos humanos26 e recentemente foi demonstrado
que o vírus se replica em cultura células epiteliais
primárias de retina de macacos rhesus27.
Para facilitar a propagação em culturas celulares, bem como os estudos com RhCMV, foram
construídos fibroblastos primários de macacos
rhesus, expressando a enzima telomerase. Estas
células entram em senescência após 80 passagens
em cultura, comparado com um número máximo
de 38 passagens em fibroblastos primários normais28.
Em busca do entendimento acerca da dinâmica
comportamental do CMV em uma população de
macacos rhesus mantida em cativeiro e, assim,
adotar medidas adequadas de erradicação de tal
virose no plantel, o presente estudo realizou um
levantamento sorológico do vírus, a fim de verificar diferenças na prevalência entre os sexos e
diferentes idades.
2 materiais e métodos
Animais
O estudo sorológico foi conduzido em 272
macacos rhesus (Macaca mulatta, família Cercopithecidae - Primates), procedentes do Centro
de Criação de Animais de Laboratório/Cecal da
Fundação Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro. O Cecal-Fiocruz tem por finalidade básica, a
criação e a manutenção de animais de laboratório
controlados sanitária e geneticamente, obedecendo a padrões internacionais para a utilização
nos diversos programas e projetos desenvolvidos
pelos laboratórios da Fiocruz e outras instituições,
na área de pesquisa, ensino, desenvolvimento e
controle de imunobiológicos e fármacos.
RESBCAL, São Paulo, v.2 n.3, pg. 185-194, 2013
A criação de macacos rhesus, objeto do presente estudo, constitui a maior da América Latina.
Além de ser um importante centro de conservação
da espécie em questão, o criadouro científico tem
o objetivo principal de fornecer os animais para
pesquisa biomédica. Os macacos rhesus, objeto do
presente estudo, são considerados excelentes animais de laboratório, sendo capazes de simular, de
forma satisfatória, o curso de diversas doenças. Na
Fiocruz, esses animais são utilizados em pesquisa
biomédica, basicamente para testes pré-clínicos
de vacinas e drogas contra doenças tropicais que
acometem o homem, tais como Febre Amarela,
Dengue, Leishmaniose, Hepatites Virais, Doença
de Chagas, entre outras.
O Centro possui um plantel aproximado de 500
macacos rhesus, além de outras espécies de animais de laboratório criadas e mantidas no Cecal.
O estabelecimento desta colônia teve origem em
1932, quando o pesquisador brasileiro Dr. Carlos
Chagas importou 100 exemplares da Índia, com a
finalidade de desenvolver estudos que envolviam
o preparo da vacina anti-amarílica, objetivando
viabilizar a imunização da população humana do
Brasil, Paraguai, Bolívia, Argentina, Nicarágua
entre outros países, e desenvolver pesquisas relativas a outras doenças tropicais de alta relevância
médica e científica.
De início, esses animais foram mantidos em
sistema de criação semi-natural, alojados em uma
ilha isolada, conhecida como “Ilha do Pinheiro”,
situada no bairro de Manguinhos, na cidade do Rio
de Janeiro. Em 1980 esta criação foi transferida para
o campus da Fiocruz, RJ, e a partir daí, foi possível
elaborar registros da reprodução do plantel, dando-se início a um programa de manejo reprodutivo,
visando evitar acasalamentos indesejáveis. Há 80
anos esta criação vem se mantendo fechada desde a
sua implantação, uma vez que não foi introduzido,
na colônia, nenhum animal de outra origem.
A análise foi realizada de acordo com a idade e
o sexo, consistindo em 26 infantis (0 a 12 meses;
17 machos e 9 fêmeas), 36 juvenis (13 a 36 meses;
13 machos e 23 fêmeas), 29 sub-adultos (37 a 60
meses; 9 machos e 20 fêmeas); e 181 adultos (>
60 meses; 50 machos e 131 fêmeas).
187
DINÂMICA COMPORTAMENTAL DO CITOMEGALOVÍRUS (CMV) EM UMA POPULAÇÃO DE MACACOS RHESUS (Macaca mulatta) CATIVOS
O criadouro científico de primatas do Cecal-Fiocruz é devidamente licenciado pelo Ibama,
conforme portaria nº 016, de 04/03/1987 e autorizado pela Comissão de Ética no Uso de Animais/Ceua da Fiocruz (licença nº LW24/2009-Fiocruz).
Manejo animal
Os animais são mantidos em gaiolas coletivas
de 36m2, em um sistema de acasalamento poligâmico e cada grupo familiar é composto por um
macho reprodutor para 10 fêmeas e suas respectivas proles, com cerca de 20-25 indivíduos em
cada gaiola.
Como medida preventiva de inúmeras enfermidades, as gaiolas são higienizadas diariamente com
jato de água sob pressão. São vistoriados todos os
dias por uma equipe veterinária para averiguação
de quaisquer anormalidades clínicas e submetidos
a um manejo médico/zootécnico anual, que consiste em um minucioso exame clínico, colheita
de amostras de cada animal e dados biométricos
para monitoração do desenvolvimento fisiológico
da espécie29.
São alimentados duas vezes ao dia, constituindo-se de ração peletizada industrializada pela manhã e uma variedade de frutas, legumes e verduras
no período da tarde.
Parâmetros reprodutivos
Quanto aos aspectos reprodutivos da população
animal sob estudo, foram analisados os índices
de aborto, natimortalidade e mortalidade infantil
no período de 18 anos (de 1985 a 2003), a fim de
detectar diferenças significativas ao longo dos
anos (Tabela 1)30. Os percentuais de abortos, natimortalidades e mortalidade infantil durante este
período são mostrados na Figura 1.
Os índices de aborto mostraram diferenças
significativas (X 2=35,30636; P=0,00622) no decorrer dos anos. Observou-se, entretanto, que a
ocorrência de abortos em 1989 foi atipicamente
elevada em comparação com os outros anos.
A frequência de natimortalidade foi ligeiramente heterogênea (X 2=28,41590; P=0,04494).
As diferenças dos índices de mortalidade infantil
entre os anos não foi estatisticamente significativa
(X 2=19,81765; P=0.28366).
Colheita e processamento das amostras sorológicas
Para a colheita sanguínea, os animais foram
contidos fisicamente e anestesiados com cloridrato
de cetamina (VetanarcolTM) na dosagem de 10 mg/
kg por via intramuscular. O sangue foi colhido pela
veia femoral e depositado em tubos vacutainerTM
sem anticoagulante. Em seguida, o material foi
Figura 1.Frequência de abortos, natimortalidades e mortalidades infantis na colônia de criação de macacos
rhesus (Macaca mulatta) do Centro de Criação de Animais de Laboratório / Cecal – Fiocruz, no
período de 1985 a 2002. Mortalidade infantil foi definida como todos os óbitos ocorridos antes de 6
meses de idade (Andrade, 2003).
188
RESBCAL, São Paulo, v.2 n.3, pg. 185-194, 2013
Márcia Cristina Ribeiro Andrade
Tabela 1.Parâmetros reprodutivos da colônia de macacos rhesus da Fiocruz, de 1985 a 2002 (Andrade, 2003).
Ano
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
am/f:
Animais
(nº)
150
158
160
164
168
177
195
192
205
218
235
249
295
294
300
321
314
339
Número de
nascimentos (m/f)a
25 (10/15)
22 (9/13)
31 (17/14)
24 (14/10)
26 (13/13)
31 (19/12)
32 (11/21)
37 (16/21)
42 (17/25)
42 (15/27)
42 (21/21)
32 (20/12)
42 (20/22)
71 (35/36)
69 (34/35)
77 (43/34)
77 (42/35)
93 (47/46)
Abortos
1 (4%)
0
0
0
4 (15,4%)
1 (3,2%)
0
1 (2,7%)
0
1 (2,4%)
0
0
0
2 (2,8%)
0
1 (1,3%)
2 (2,6%)
6 (6,4%)
Natimortalidade
4 (16%)
2 (9%)
2 (6,5%)
1 (4%)
3 (11.5%)
1 (3%)
5 (15,6%)
4 (10,8%)
2 (4,7%)
2 (4,8%)
2 (4,8%)
1 (3%)
0
6 (8,5%)
8 (11,6%)
0
5 (6,5%)
2 (2,2%)
Mortalidade
infantilb
3 (12%)
2 (9%)
4 (13%)
3 (12,5%)
4 (15,4%)
1 (3,3%)
3 (9,3%)
2 (5,4%)
5 (12%)
5 (12%)
8 (19%)
7 (22%)
3 (7,2%)
9 (13%)
5 (7,3%)
13 (17%)
13 (17%)
11 (11,8%)
número de machos / número de fêmeas nascidas no ano;
infantil definida como todos os óbitos ocorridos antes de 6 meses de idade.
bMortalidade
centrifugado para a obtenção do soro, aliquotado
em tubos estéreis de 1,5 mL (eppendorfTM) e
estocado freezer a -70ºC. A colheita do volume
sanguíneo obedeceu a premissa de não exceder 10
% do volume sanguíneo total do animal, levando-se em consideração o seu peso corporal31.
Testes sorológicos
Adotou-se o método de ELISA (Enzyme-linked immunosorbent assay) para a detecção de
anticorpos da classe IgG contra citomegalovírus
de macacos rhesus (RhCMV)32,33. Soros sabidamente positivos e negativos de M. mulatta foram
RESBCAL, São Paulo, v.2 n.3, pg. 185-194, 2013
utilizados como controles. As amostras foram
consideradas positivas quando a reatividade obtida foi maior que o valor do cut-off calculado
em cada ensaio.
Os exames laboratoriais foram realizados no
California National Primate Research Center/CNPRC, Universidade da Califórnia de Davis, EUA.
Análise estatística
A proporção de anticorpos positivos de acordo
com a idade foi analisada pelo teste qui-quadrado
(STATA™). O resultado foi considerado significativo quando P<0,05.
189
DINÂMICA COMPORTAMENTAL DO CITOMEGALOVÍRUS (CMV) EM UMA POPULAÇÃO DE MACACOS RHESUS (Macaca mulatta) CATIVOS
Figura 2.Prevalência (%) de anticorpos IgG contra
RhCMV na colônia de macacos rhesus
(Macaca mulatta) do Cecal-Fiocruz, de
acordo com as faixas etárias. Infantil: 0-12
meses; juvenil: 13-36 meses; sub-adulto:
37-60 meses; adulto: > 60 meses.
3 resultados
A prevalência de anticorpos anti-RhCMV foi
de 95%, mostrando uma alta porcentagem de
anticorpos em todas as categorias etárias. Com
exceção dos juvenis (69% no total; 62% de machos
e 74% de fêmeas), 100% de soropositividade foi
detectada nas outras idades.
A soroprevalência de 69% nos animais juvenis foi significativamente menor do que 100%
de prevalência nos animais infantis (X2=9,66;
P=0,002), sub-adultos (X2=10,67; P=0,001) e
adultos (X2=58,26; P<0,001) (Figura 2). Nenhuma
diferença significativa foi encontrada na prevalência entre os sexos (Figura 3).
4 discussão
O RhCMV é um vírus endêmico na população
de macacos rhesus estudada, onde os macacos se
190
Figura 3.Prevalência (%) de anticorpos anti-RhCMV
na colônia de macacos rhesus (Macaca
mulatta) do Cecal-Fiocruz, de acordo com
o sexo e as faixas etárias. Infantil - n = 26
(17 machos / 9 fêmeas); juvenil - n = 36 (13
machos / 23 fêmeas); sub-adulto - n = 29
(9 machos / 20 fêmeas); adulto - n = 181
(50 machos / 131 fêmeas).
tornam infectados a partir de um ano de idade.
Todos os animais infantis (de 0 a 6 meses) apresentaram IgG anti-RhCMV, provavelmente de
origem materna. A partir dos 6 meses, cerca de 3%
dos animais examinados apresentaram sorologia
negativa, demonstrando que houve um declínio
dos anticorpos maternais. Após um ano de idade,
100% dos animais tornaram-se soropositivos, fato
que indica a ocorrência de uma transmissão horizontal da doença durante esta fase, confirmando
os relatos de Baskin4.
A infecção primária pode ser adquirida pelas
vias sanguínea, digestiva, respiratória ou sexual,
resultando em infecções latentes ou persistentes,
que podem ser reativadas anos depois, com subsequente excreção viral através da urina, leite,
saliva e secreções genitais32,34. A transmissão
transplacentária do CMV ocorre através da disseminação hematogênica, seguindo-se a viremia
materna, após infecção primária ou mesmo após
reativação viral35.
Como mencionado anteriormente, os macacos rhesus são frequentemente infectados pelo
RESBCAL, São Paulo, v.2 n.3, pg. 185-194, 2013
Márcia Cristina Ribeiro Andrade
RhCMV12. Diferentemente do HCMV, não existem relatos de fetos abortados espontaneamente
ou recém-nascidos com sintomas ou sequelas
causados por CMV36. Contudo, isto não exclui a
possibilidade de ocorrência de transmissão vertical do RhCMV em macacos rhesus. Este fato,
em parte, deve-se à dificuldade de se obter fetos
abortados para análise. Em vista disto, os estudos
de infecção congênita realizados até o momento
foram feitos através da inoculação intra-uterina do
RhCMV e estes experimentos demonstraram que
fetos infectados desenvolvem sequelas similares
as de fetos humanos infectados pelo HCMV37,38,39.
A doença é caracterizada por mal-estar, mialgia,
febre prolongada, hepatoesplenomegalia, linfocitose com linfócitos atípicos e linfadenopatia35,40.
As apresentações clínicas mais importantes são:
pneumonia intersticial, coriorretinite, artrite, miocardite, hepatite, infecção gastrintestinal crônica
e várias doenças do Sistema Nervoso Central, em
especial a encefalite e a mielite transversa41,42.
Apesar da presença de anticorpos anti-RhCMV
na criação, não verificou-se nenhuma sintomatologia sugestiva da doença nos animais. Os dados
reprodutivos analisados por Andrade30 não são
indicativos de que a criação é diretamente prejudicada devido à presença do vírus. É necessário
um estudo acerca da correlação entre a infecção
por RhCMV com materiais de aborto.
De posse dos relatos sobre o CMV e mediante
o comportamento viral observado, os autores sugerem segregar os animais infantis soronegativos
dos soropositivos, com o intuito de obter uma
população de rhesus livre de RhCMV. Macacos
rhesus livres de CMV são modelos animais potencialmente valiosos nos estudos que envolvem
patogênese viral e teratologia33.
Devido ao fato de o CMV ser extremamente
espécie-específico, muito dos estudos de replicação, patogenia, teste de agentes antivirais e de
vacinas são feitos em modelos animais. Recentemente estudos de sequenciamento demonstraram
que o RhCMV é o CMV que apresenta maior
grau de similaridade com o HCMV. Além disto,
a infecção clínica do RhCMV em macacos é extremamente semelhante a de humanos. Em vista
RESBCAL, São Paulo, v.2 n.3, pg. 185-194, 2013
disto as pesquisas com RhCMV encontram-se em
crescente avanço.
Relatos comprovaram que uma proteína do
HCMV (pp28), altamente imunogênica, é completamente essencial para produção de vírus
infecciosos. O vírus mutante com uma deleção
do gene que produz esta proteína não é capaz de
completar o ciclo infeccioso e liberar partículas
virais, no entanto o mesmo é capaz de replicar o
DNA e produzir proteínas que ativam o sistema
imune. Este vírus mutante é, portanto, um candidato importante a ser testado como vacina contra
o CMV. Logo, os estudos de imunogenicidade e
a determinação da função desta proteína durante
o ciclo de replicação do RhCMV são de extrema
importância para a elucidação dos mecanismos da
biologia molecular do vírus e comparação com o
HCMV, validando, assim, a utilização do RhCMV
como modelo de estudos do CMV em animais43.
Achados epidemiológicos sugerem que o
estabelecimento de colônias livres de CMV é
extremamente difícil em populações animais
mantidas em condições convencionais, visto que
todos os animais com mais de um ano de idade se
encontram infectados32, o que corrobora o estudo
aqui reportado.
5 conclusões
A dinâmica comportamental do RhCMV na
população animal estudada demonstra a total
semelhança com a manifestação desta virose em
seres humanos, fato que reforça a assertiva de
que os macacos rhesus são modelos ideais para
os estudos de HCMV. Torna-se necessário iniciar
e desenvolver no Brasil estudos sobre o RhCMV,
visando a ampliação dos conhecimentos sobre
este vírus durante a infecção em macacos rhesus,
a fim de comparar os conhecimentos obtidos em
termos de sorologia, replicação viral e patogenia
no HCMV e a validação e uso do RhCMV como
o CMV ideal para estudos em animais.
Os resultados deste levantamento sorológico
fornecem subsídios valiosos para o direcionamen191
DINÂMICA COMPORTAMENTAL DO CITOMEGALOVÍRUS (CMV) EM UMA POPULAÇÃO DE MACACOS RHESUS (Macaca mulatta) CATIVOS
to futuro do manejo animal e para investigar fatores que podem interferir diretamente nos índices
reprodutivos na colônia.
APOIO FINANCEIRO: Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/
CAPES
BEHAVIOURAL DYNAMICS OF CYTOMEGALOVIRUS (CMV) IN A
CAPTIVE RHESUS MACAQUES (Macaca mulatta) POPULATION
ABSTRACT
Cytomegalovirus (CMV) is an opportunistic zoonosis of immunocompromised macaques
and represents an important confounding variable for researches using this simian
gender. Since CMV is one of the main viruses capable of leading to congenital infections and reproductive problems, the present study aimed to describe the serological
profile of a breeding colony of rhesus monkeys used for biomedical research, analyzing
the behavioral dynamics of this endemic virus in this animal population. A total of 272
serum samples were analyzed by ELISA for detection of anti-RhCMV IgG antibodies.
Seroprevalence of the study colony was 95%, with a high percentage of antibodies in all
age groups. With the exception of juvenile animals (62% of positive males and 74% of
positive females), 100 % of seropositivity was detected in the other ages. Furthermore,
no significant difference was found in the prevalence between sex. Results provide
important insights to investigate factors that may interfere with the reproductive rates
of the colony, as well as to guide future conduct in animal handling, in order to avoid
this zoonosis and consequently obtaint better quality animals for biomedical research.
Certified nº LW24/2009 CEUA-Fiocruz.
Key words: Cytomegalovirus. Serology. Reproductive problems. Rhesus macaques.
Macaca mulatta.
REFERêNCias
192
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