Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia

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Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia
Psicologia: de onde viemos, para onde vamos?
Universidade Estadual de Maringá
ISSN 1679-558X
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A POSSIBILIDADE DE ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO EM SITUAÇÕES DE
ENFRENTAMENTO DA MORTE E DO LUTO SEGUNDO UMA PERSPECTIVA
FENOMENOLÓGICA
Joanneliese de Lucas Freitas
A fenomenologia, como sabemos, é prioritariamente um modo de olhar, de abordar e de
refletir sobre as coisas, suas propriedades e relações. Segundo Embree (2011) falar de
fenomenologia, ou melhor, seguir sua abordagem requer antes de mais nada duas coisas:
1. A adoção de uma atitude adequada, que seja fundamentalmente reflexiva e teórica e
2. Ocupar-se da observação dos eventos e de sua análise.
Sua análise reflexiva não deve ser pautada em reflexões sobre erudições, mas sobre as
próprias coisas, ou melhor, sobre como as coisas se apresentam a consciência (Giorgi, 2009).
Diríamos então que a análise fenomenológica é uma análise intencional ou intentiva, em outras
palavras, diz respeito a relação entre homem e mundo. Comumente diz-se em fenomenologia:
“temos consciência de”, mas devemos lembrar que não é apenas a consciência que é para o
mundo mas os objetos também são para uma consciência. Estamos assim, então, falando de
intencionalidade, destes fios que ligam homem-mundo, a possibilidade de perceber o objeto
percebido, pensar o objeto pensado, de amar o objeto amado, aonde o sentido seria o elemento
fundamental desta junção, desta abertura existencial do que experienciamos enquanto vivência:
do percebido, do imaginado, do amado...
A partir dessa relação entre homem-mundo, consciência-objeto, percebe-se que a
contribuição central da fenomenologia à psicologia é a noção de Lebenswelt, mundo-da-vida ou
mundo vivido. O mundo-da-vida vai nos dizer sobre os sentidos e significações vividos em cada
experiência de cada objeto. O nosso objeto de reflexão hoje são os processos frente a morte e o
morrer e as possibilidades de intervenção psicológica neste contexto. Para comprendermos tais
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processos tentaremos aqui refletir sobre que elementos ditos essenciais se apresentam na
vivência da morte e do morrer, bem como do luto.
A análise reflexiva fenomenológica nos permite colocar questões, por meio da variação
intentiva e da redução fenomenológica, que são geralmente respondidas com descrições ou
relatos descritivos (Embree, 2010). Todo relato descritivo versa sobre as significações vividas,
quando conduzidas fenomenologicamente. Ao se perguntar sobre a subjetividade, Husserl nos
demonstra como a subjetividade só se revela enquanto intersubjetividade. Assim sendo, a
vivência da separação, da perda e da finitude presentes nos processos da morte e do morrer, bem
como no luto, passam a ter relevância para o psicólogo como vivencias que são parte dos
sentidos da vivência e não mais como objetos a serem explicados. Não há explicação possível
para o fim e o sentido pode ser, inclusive, o próprio não-sentido. Não podemos deixar de pensar
que colocada do ponto de vista da intersubjetividade ou da intercorporeidade a morte e o luto são
processos aonde funções, relações e entes deixam de aparecer enquanto possibilidades e mesmo
enquanto fenômenos em nosso campo existencial. Do ponto de vista descritivo, essa e' uma
experiência que envolve três elementos essenciais: a ruptura de uma relação intersubjetiva
significativa, as especificidades do vinculo dessa relação e os aspectos socioculturais que
envolvem o adoecimento, a morte e o morrer.
No contexto histórico da psicologia hospitalar e da saúde o psicólogo surge com a função
explícita de adesão ao tratamento, onde prevalecia o tratamento da doença em detrimento do
cuidado do doente. Com o advento da humanização dos processos de intervenção em saúde e
com o desenvolvimento e implementação dos cuidados paliativos, as intervenções médicohospitalares e da equipe multiprofissional passam a focar no bem-estar e na qualidade de vida. O
conhecimento da fenomenologia tem-se mostrado grande contribuição para os cuidados do
paciente fora de possibilidade de cura. A fenomenologia contribui para o reconhecimento da
vivência, limitações e dificuldades vividas pela pessoa que se encontra a beira da morte, com
expressão limitada e pouca energia para dar conta de suas tarefas. Apesar de tal avanço nos
cuidados paliativos, percebemos que a família frequentemente encontra-se em abandono pela
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equipe após a retirada do corpo do hospital, e muitas vezes, mesmo dentro do hospital. Percebese, portanto que tal compreensão sobre a vivência dos pacientes não se expande da mesma forma
quando pensamos na vivência do luto. Segundo Koury (2010), vivemos hoje um momento
histórico-cultural onde a discrição frente aos sentimentos, especialmente aqueles negativos, é a
palavra de ordem e a expressão dos sentimentos é tomada socialmente como um fracasso. Neste
contexto, a saída para o sofrimento dos enlutados torna-se o silencio, a hiper-medicalização e o
esquecimento da equipe médico-hospitalar.
Em ambos os casos, de enfrentamento da perda de si mesmo nos contextos do morrer e
do luto, o psicólogo ocupa um papel de uma espécie de “guardião do sentido”, permitindo a
ressignificação exigida pelo mundo-da-vida nesses contextos. A supressão seja da nossa saúde,
seja de um ente querido, seja das funções sociais e grupais outrora exercidas e agora
impossibilitadas pelo adoecimento (ou pela morte) produz um deslocamento dos sentidos
anteriormente tido como "certos" e "definitivos", exigindo-nos uma significação nova, o que nos
faz sentir temporariamente como se o mundo e a vida perdessem o sentido e sofressem um
esvaziamento. E de fato, o mundo vivido com que se estava habituado perde todo o sentido e
exige um novo, uma nova posição frente a existência. O elemento fundamental que ai se
apresenta é o fato de que com as perdas, especialmente de um ente querido, não temos mais as
mesmas possibilidades de ser-no-mundo que antes se apresentavam, posto que somos
intersubjetividade e intercorporeidade. Como nos ensina Merleau-Ponty (2002, p. 169): “o
mistério de um outro não é senão o mistério de mim mesmo”.
Ser guardião do sentido não significa a manutenção de um sentido outrora já dado, ao
contrario, é garantir a possibilidade de ressignificação frente a sua nova condição de ser-nomundo. Acreditamos que o psicólogo que trabalha com doentes terminais deve agir, dentre outras
formas, como um testamentário, figura que, como descreve Ariès (2003), surge, depois do século
XIII, na passagem da morte como evento público para a de um evento privado, com a função
específica de mediador entre o moribundo e seu grupo, permitindo a ele que expressasse não
apenas as questões ligadas à herança (como vemos predominar nos testamentos em nossos dias),
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mas, principalmente, como alguém que assegura e permite a expressão de seus pensamentos,
convicções e sentimentos com relação à sua vida e morte (Freitas, 2009). Tal papel seria
fundamental para a articulação e integração do sentido das experiências vividas na perda e na
separação, inerentes ao morrer e ao luto. Testamentário que se apresenta como um outro, como
articulação de sentido e abertura de mundo que testemunha as experiências frente ao
adoecimento e suas consequências: a dor, o sofrimento, as perdas, as mutilações. Testamentário
desta experiência mutiladora que o retira de sua vida habitual jogando-o em um mundo estranho
e desconhecido. Se lembrarmos de que do ponto de vista fenomenológico a subjetividade apenas
se revela na intersubjetividade, desta forma, o psicólogo será abertura de um campo de
expressividade que garantirá ao doente a ressignificação e o acesso às suas vivências, nessa nova
forma de ser no mundo. Agir como testamentário permite ao doente não apenas lidar com
questões relativas ao seu passado, mas também com suas possibilidades de futuro e de presente,
é permitir à pessoa doente abrir novos espaços de sentido frente à sua nova condição, a partir de
sua história. Por último e não menos importante, um aspecto específico do trabalho é a inserção
da família e da equipe no processo da morte e do morrer. Cabe ao psicólogo lidar e incluir estas
relações no processo do paciente uma vez que tanto família quanto a equipe fazem parte do
campo existencial no qual o paciente está inserido. As vivências, crenças e atitudes do psicólogo,
como vimos, têm profundas repercussões no processo da vivência do adoecimento, da morte e do
morrer. Ele deve portanto manter a postura de redução fenomenológica para que os seus próprios
sentidos sobre a morte e o morrer não sejam a imposição de uma morte simbólica, mas a
revelação de um campo de possibilidade de sentido.
Referências
Ariès, P. (2003) História da morte no ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro.
Embree, L. (2011). Análise reflexiva: uma introdução na investigação fenomenológica.
Bucharest: Zeta Books.
Freitas, J. L. (2009). Experiência de adoecimento e morte. Curitiba: Juruá.
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Giorgi, A. (2009). The Descritive phenomenological method in psychology. Pittsburgh:
Duquesne University Press.
Kouri, M. G. P. (2010, abril). Ser Discreto: Um estudo sobre o processo de luto no
Brasil urbano no final do século XX. Revista Brasileira de sociologia da Emoção – RBSE, 9(5).
Merleau-Ponty, M. (2002). A prosa do mundo. São Paulo: Cosac & Naify.
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