A PRÁTICA DE LEITURA NO ENSINO DE CIÊNCIAS: DO

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A PRÁTICA DE LEITURA NO ENSINO DE CIÊNCIAS: DO
CONHECIMENTO ESCOLAR À FORMAÇÃO DE PROFESSORES
PALCHA, Leandro1 - UFPR
Grupo de Trabalho – Formação de Professores e Profissionalização Docente
Agência Financiadora: CAPES
Resumo
É indiscutível a importância da leitura nos espaços de ensino-aprendizagem, isso porque
recorremos à prática de leitura a fim de nos comunicarmos e expressarmos posições e
disposições sobre um discurso posto em circulação, nos variados contextos interativos 2.
Porém, a compreensão da leitura enquanto prática social, pouco vem sendo explorada no
espaço escolar, uma vez que, nesse espaço, impera um discurso pedagógico que geralmente a
contempla como um método de decifração da escrita e reprodução de sentidos atribuídos
pelos autores dos textos. No caminho inverso, temos procurado demonstrar o processo de
leitura como um fundamento teórico-prático que permite aos estudantes compreender a
realidade e aproximá-los da cultura científica. Ressaltamos, assim, haver uma carência nos
cursos de formação de professores em debater e refletir sobre prática de leitura que percorre a
mobilização e a construção dos significados no conhecimento escolar. Portanto, tomando
como referência teórico-metodológica a Análise de Discurso Francesa, realizamos um estudo
com estudantes de licenciatura do curso de Ciências Biológicas, envolvendo a leitura de
diferentes textos sobre a Evolução Biológica, bem como a produção de um texto e uma
proposta de ensino. Nessa medida, selecionamos nove planos de ensino com o intento de
analisar como se constituem as relações de sentidos das práticas de leitura no ensino de
ciências sobre o conhecimento escolar na formação de professores. Defendemos, então, que
prática de leitura necessita de uma práxis docente capaz de questionar e colocar em conflito o
conhecimento escolar e, particularmente, proporcionar uma práxis com princípios bem
fundamentados teoricamente sobre a leitura. Notamos que a atividade de leitura, aqui
proposta, indica um intercâmbio de linguagens e interferência cultural no ensino de ciências,
no que se refere à formação desses futuros professores e, portanto, a prática de leitura no
conhecimento escolar depende de uma concepção/reflexão mais abrangente sobre as questões
de aprendizado.
1
Doutorando e Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do
Paraná - PPGE/UFPR. Licenciado e Bacharel em Ciências Biológicas pela UFPR. E-mail:
[email protected]
2
Por defender uma perspectiva ampla e participativa do processo educativo e, em especial, por acreditar na
interação que se estabelece entre os sentidos e os sujeitos por meio do processo de leitura, esclareço que optei em
escrever forma mais intimista e plural.
8374
Palavras-chave: Prática de Leitura. Ensino de Ciências. Formação de Professores.
Introdução
A leitura cumpre uma reconhecida importância nos espaços de ensino-aprendizagem,
uma vez que, frequentemente, recorremos a ela para nos comunicarmos e expressarmos
nossas posições e disposições sobre um discurso3 posto em circulação, nos contextos sociais.
Porém, o entendimento da atividade de leitura como uma prática social pouco vem
acontecendo no espaço escolar. Isso porque, nesse espaço, encontramos um discurso
pedagógico autoritário (ORLANDI, 2012) que, geralmente, contempla a leitura como um
método de decifração da escrita e reprodução de sentidos atribuídos pelos autores dos textos.
No caminho inverso, consideramos a leitura como um fundamento teórico-prático que,
na essência, permite aos sujeitos compreender a realidade histórica e cotidiana que os cerca.
No caso do ensino de ciências, julgamos que a prática de leitura pode contribuir em aproximar
os estudantes da realidade/cultura científica. Na medida em que o professor se disponha a
trabalhar com o aspecto intelectual dos sujeitos, por meio da troca de bens simbólicos
existente entre estes, os textos e as condições de produção que transitam na esfera da ciência.
Dessa
forma,
tomamos
o
pressuposto
de
que
a
contextualização
e
a
interdisciplinaridade da leitura não podem ser responsabilidades apenas dos professores de
língua materna e, por conta disso, firmamos o compromisso em abarcar essas relações
curriculares no contexto de ensino de ciências. Assim sendo, trabalhar com a leitura no ensino
de ciências, na perspectiva discursiva, trata-se de uma ampla proposta de explorar a
linguagem e, ao mesmo tempo, reveladora dos sentidos construídos pelos sujeitos nas práticas
culturais (ALMEIDA, CASSIANI, OLIVEIRA, 2008).
Nesses termos, convém assinalar que apenas recentemente os estudos com o
referencial teórico-metodológico da Análise de Discurso (AD) de linha Francesa, ganharam
destaque nas pesquisas relativas aos discursos que se constituem nas práticas sociais
(ORLANDI, 2003). Precisamente, com os trabalhos divulgados na França, década de 60, por
Michel Foucault e Michel Pêcheux e pelos inúmeros estudos difundidos no Brasil, desde
aquela época até os dias de hoje, por Eni Orlandi.
Portanto, nos firmando a esta perspectiva, realçamos a leitura como um processo
sócio-histórico de produção e compreensão de sentidos (ORLANDI, 2012). Diremos, então,
3
Designamos o discurso como “efeito de sentidos entre locutores” (ORLANDI, 2003, p.21).
8375
que a leitura se produz pelas relações entre discursos e textos na desconstrução ideológica de
que a linguagem é transparente (ORLANDI, 2003). Tendo em vista que buscamos, entre os
sentidos ideológicos (fixados) e sentidos os teóricos (reflexivos), uma compreensão dos textos
e discursos que se fazem presentes no universo da escola e da ciência e se constroem em torno
da realidade de cada sujeito.
Não obstante, destacamos que a cultura tem uma relação estreita com as bases
curriculares do ensino (FORQUIN, 1993), vale dizer, o ensino se engendra na constituição
cultural dos sujeitos, assim como, na configuração sócio-histórica do conhecimento que
permeia o universo escolar. Por certo, todo sujeito apresenta uma história de leitor e uma
história leitura (ORLANDI, 2012) que por meio da prática/atividade de leitura permite
estabelecer relações de sentidos agregando e ampliando as experiências sociais e culturais.
Ressaltamos, porém, uma carência nos cursos de formação de professores sobre
debater e refletir sobre as condições de produção da leitura (ORLANDI, 2006) no ensino de
ciências, sobretudo, que possibilitem discussões fermentadoras sobre prática de leitura que
percorre a mobilização e a construção dos significados no conhecimento escolar.
Por isso mesmo, esta deficiência, nos conduz a buscar no entremeio do ensino um
sentido para esse processo enriquecedor do conhecimento, ao mesmo tempo, estimula os
sujeitos à prática da linguagem. Ao passo que a prática de leitura não pode ser vista como um
receituário para trabalhar com textos, mas, pelo contrário, precisa levar em conta as condições
de produção e as determinações históricas (ORLANDI, 2012), ao criar oportunidades de
interação entre os interlocutores. Dito de outra forma, ao criar condições para que haja
dialogicidade entre os sujeitos-leitores no ambiente escolar.
Portanto, com base nos resultados obtidos em uma pesquisa maior, problematizamos
no presente estudo uma forma de identificar e mostrar as possibilidades que a prática de
leitura e a mediação do conhecimento escolar na atividade/formação docente podem ter nas
aulas de ciências. Indicamos que o estudo foi realizado com licenciandos do curso de Ciências
Biológicas, envolvendo a leitura e a produção de diferentes textos sobre o discurso
evolucionista. Ademais, tomando como referência às relações entre o conhecimento científico
e conhecimento escolar, propostas por Lopes (1999), procuramos analisar como se constituem
nas estratégias de ensino as relações de sentidos da prática de leitura no ensino de ciências
sobre o conhecimento escolar na formação de professores. Não obstante, propormos, aqui,
8376
algumas reflexões e considerações sobre as abordagens que os licenciandos apresentaram
sobre a problemática colocada em questão.
O discurso e a prática de leitura: a ciência nos entremeios do conhecimento escolar
Partindo do ponto de vista discursivo, tratamos a leitura como parte de um trabalho
intelectual que, progressivamente, conduz os sujeitos à compreensão histórico-cultural dos
sentidos que permeiam a linguagem, em determinadas conjunturas sociais (ORLANDI, 2012).
Nesse aspecto, a leitura não se constitui de forma estanque, ritualizada ou estável, mas se
produz incessantemente entre os sujeitos, por meio das relações de sentidos ou múltiplas
linguagens presentes nas formações sociais.
Dessa maneira, encontramos no processo de leitura determinada incompletude constituinte de todo processo de significação - que oferece uma abertura para a construção de
novos significados, de novos sentidos, entre o leitor e o texto (ORLANDI, 2001). No geral,
essa incompletude tem uma função particular na atividade de ler ou de produzir textos, uma
vez que se estabelece pela relação discursiva entre os sujeitos. Ou seja, a partir da
intertextualidade e da discursividade (ORLANDI, 2012) os sujeitos-leitores podem ampliar a
leitura por relações de sentidos com outros textos ou com discursos postos em circulação.
Por assim dizer, é pertinente observar que também existe, entre os sentidos
preconstruídos e os sentidos a se construir, uma relação com os sentidos implícitos, isto é,
aqueles que não estão sendo ditos, mas conjuntamente está significado (ORLANDI, 2012).
Em outras palavras, a atenção do leitor se fixa apenas no que é dito pelo autor e, por vezes,
pouco se atenta para os não-ditos ou marcas discursivas que implicitamente também
constituem a produção da leitura ou gestos de interpretação do texto (ORLANDI, 2001).
Nessa empreitada, entendemos que as interpretações, mormente, estão reguladas pelo
efeito da ideologia, o qual interpela os indivíduos em sujeitos e, em concomitante, confere o
caráter de transparência na linguagem (PÊCHEUX, 2009). Isso significa dizer que a ideologia
produz uma evidência no jogo interacional ao determinar os sentidos, os papeis, as tomadas
de posição etc., que competem à interpretação de um texto (ORLANDI, 2012). A ideologia
faz com que os sujeitos fiquem presos a alguns sentidos e, por conta disso, contemplando que
os sentidos da leitura só poderiam ser aqueles (ORLANDI, 2012). Em função disso, e sem
uma tomada de consciência (reflexão), o leitor é conduzido reproduzir um conjunto de
8377
enunciados evidentes, tipificados e determinados historicamente pelas relações de poder que
obedecem a certas coerções e regularidades das práticas discursivas (FOUCAULT, 2004).
Convém, portanto, considerar a leitura como uma prática interativa e reflexiva
constantemente constituída e reconstituída pelos sujeitos nos mais variados contextos sociais.
Nessa medida, a leitura se engendra no processo de ensino buscando a relação do
saber que historicamente permeia as práticas sociais, culturais e discursivas da sociedade.
Temos em mente que a escola comporta uma diversidade características culturais e, por
consequência, uma série de práticas de leitura, de formações sociais, de histórias e de
conhecimentos que podem trazer diferentes sentidos para um mesmo texto. Uma vez que, “a
cultura é essencialmente o campo do diverso, da diferença, da heterogeneidade, da ruptura, da
multiplicidade, do pluralismo” (LOPES, 1999, p.73).
Para tanto, devemos reconhecer que há uma pluralidade de princípios sociais e
culturais que permeiam a cotidianidade da escola. Todavia, para contemplar a diversidade
cultural a leitura não pode se tratar de um modelo de interpretação previsto e acabado, mas
permitir a emergência das experiências e das histórias de leitura dos alunos-leitores buscando
compartilhar e construir os sentidos sobre o conhecimento. Portanto, temos na leitura uma
forma de favorecer a formação crítica/científica dos sujeitos, por meio de diferentes
linguagens e significados que permeiam o conhecimento e o contexto escolar.
Queremos então sublinhar que existem diferenças entre o conhecimento científico e ao
processo de ensino de ciências que merecem ser consideradas. Nessa linha, não concebemos
um continuísmo existente, em que o conhecimento escolar seja o mesmo da ciência, pois,
entre ambos, existem reconstruções que se configuram pelas instituições e contextos de
ensino. Como sustenta Lopes (1999), o conhecimento escolar e científico tratam-se de
processos bastante distintos, o que não implica em considerar que no processo de
ensino e aprendizagem devemos ensinar apenas os resultados, como verdades
absolutas. Mas ensinar o processo histórico de construção das ideias científicas, os
erros e impasses da ciência, não significa o mesmo que produzir ciência. Há sempre
uma distinção entre os processos de exposição, de construção de raciocínios, de
preparação do conhecimento para torná-lo ensinável (LOPES, 1999, p.181).
Por outras palavras, importa em trazer a tona o contexto histórico e o imediato, as
posições, intenções e as convenções sobre a ciência adotadas por determinados textos, ou seja,
colocar em conflito o texto, entre os interlocutores que atuam no processo de leitura. Em vista
disso, a atividade docente tem responsabilidade da construção de um ensino de ciências, que
avance em reflexões sobre o processo de ensino de ciências. Porém, temos notado que
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comumente a concepção, a história, a prática de leitura em ciências, por muitas vezes, é
constituída pelos sujeitos apenas pelas vivências baseadas no conhecimento de mundo, assim
como a ciência é reproduzida descontextualizada da sua historicidade, pelo fato de
a leitura rotineiramente ser trabalhada em aulas de ciências, sem um estudo
apropriado na formação inicial ou continuada dos professores e sem uma reflexão
mais aprofundada, muitas vezes ocorre o uso de um modelo de leitura que é baseado
naquilo que ele vivenciaram como estudantes. Isso pode significar um espaço
restrito para outras interpretações, priorizando apenas um sentido sobre o conteúdo
científico e silenciando-se, por exemplo, as interpretações equivocadas que
encontramos na história da ciência, na busca de explicações sobre os fenômenos. Ou
seja, os conteúdos são “limpos” dessas interpretações diferenciadas, errôneas, do
ponto de vista atual e que, na época, faziam sentido como corretas (ALMEIDA,
CASSIANI e OLIVEIRA, 2008, p. 72).
Em termos gerais, a leitura nas aulas de ciências procura silenciar a história da ciência
e as implicações sociais que aproximam o conhecimento mais próximo da realidade científica.
O ensino, desse modo, é manifestado por uma tendência de reproduzir aspectos textuais,
desnaturalizando o contexto histórico, social e o cultural sobre o fazer ciência, bem como
trazendo pouca relevância para a vida dos estudantes. Não obstante, a prática da leitura de
textos é prevista como uma estratégia de avaliação do conhecimento ou repetição dos sentidos
do texto e, de maneira geral, pouco avançando na reflexão sobre o entendimento da cultura
científica, tornando as aulas desinteressantes e desmotivadoras. Nessa perspectiva,
o ato de ensinar passa a ser imposição de apenas uma forma de ler um texto.
Permeados por essas expectativas, os alunos podem buscar somente as
interpretações que interessam ao professor, pois num outro momento isto será
solicitado em uma avaliação. Esse controle de significados pode representar inibição
e um certo impedimento, levando um desestimulo perante a leitura (ALMEIDA,
CASSIANI e OLIVEIRA, 2008, p.73).
Daí reinstala-se a pertinência da leitura como forma de mediar os sentidos, por meio
de uma rede discursiva e fazer com que os estudantes possam tomar gosto pela leitura e
continuar a se informar, estudar e discutir as questões envolvendo o conhecimento da ciência
mesmo fora do contexto da escola (ALMEIDA, CASSIANI e OLIVEIRA, 2008). Nessa
direção, não podemos deixar de ressaltar o fato de que ser leitor é ser capaz de ir além das
informações contidas no texto, reconhecendo que existam relações (inter) textuais e
(inter)discursivas do saber que fazem parte de algum determinado discurso ou ideologia.
Conforme diz Lopes, sobre as relações entre conhecimento científico e o escolar,
8379
Uma formação em ciências no mundo de hoje deve permitir à pessoa, diante da
notícia de um avanço científico, avaliar seu alcance real, após descontar os exageros
da mídia. Exageros que constantemente contribuem, ao mesmo tempo, para a
mitificação e para aumentar o estranhamento do público em relação à ciência. Mas
deve, também, permitir a interpretação do mundo e a atuação crítica sobre o mesmo,
o que só pode ser possível se compreendemos que o mundo exige uma racionalidade
construída por nós, descontinua e plural e, por isso, mesmo, passível de ser
modificada (LOPES, 1999, p.109).
Nessa medida, em nosso quadro teórico, temos procurado destacar a relação entre a
prática de leitura e a práxis docente, considerando a existência de uma mediação constitutiva.
Enquanto unidade indissociável de teoria e prática da atividade docente (PIMENTA, 2006), a
práxis docente implica em uma relação entre a mobilização e apropriação do conhecimento
que se constitui na aprendizagem e fomenta as práticas sociais, como sustenta Pimenta,
A atividade docente é práxis. A essência da atividade (prática) do professor é o
ensino-aprendizagem. Ou seja, é o conhecimento técnico-prático de como garantir
que a aprendizagem se realize como consequência da atividade de ensinar. Envolve,
portanto, o conhecimento do objeto, o estabelecimento de finalidades e a invenção
no objeto para que a realidade (não-aprendizagem) seja transformada, enquanto
realidade social (PIMENTA, 2006, p.83).
Em decorrência disso, entendemos que a atividade de leitura reclama por uma
mediação do conhecimento que possa avançar constantemente para um plano reflexivo. Mais
precisamente, na direção de desnaturalização das ideologias que permeiam a interpretação e
compreensão da leitura, e, assim, rompendo com a esfera da espontaneidade em que não
carece de reflexões sobre o processo de produzir o conhecimento. Supõe desprender-se
cotidianidade que permeia a práxis, uma vez que “em sua atitude natural, o homem comum e
corrente mostra também certa ideia – por mais limitada e obscura que seja – da práxis; uma
ideia a que continuara aferrado enquanto não sair da cotidianidade e ascender ao plano
reflexivo que é o plano próprio” (VÁSQUEZ, 1977, p.11).
Normalmente, encontramos a atividade docente reproduzindo os mesmos parâmetros
de leitura entre os estudantes-leitores, em que basta ao aluno decifrar e decorar uma
nomenclatura científica, que lhe parece estranha, para constituir seu patrimônio cultural;
Como afirma Gallo (2008, p.90), no “discurso didático-pedagógico o trabalho de ‘leitura’ se
confunde com o trabalho de decodificação, no nível da matéria gráfica, e de ‘avaliação’ (não é
para ler, é para corrigir) no nível da escrita”. Julgamos, portanto, que a atividade de leitura vá
muito além e aquém da decodificação do texto, ou seja, oportunizem condições que
oportunizam o leitor possa refletir sobre o seu lugar e papel social na leitura.
8380
Implica em romper com a herança deixada pelo modelo convencional de ensino
(estabilizado na falta de criticidade, historicidade, reflexividade) e buscar uma mútua relação
entre teoria e prática no ensino-aprendizagem de ciências. À medida que ofereça aos
estudantes uma consciência das mediações sociais e históricas do conhecimento que podem
ocorrer nas práticas escolares e acadêmicas de leitura. Haja vista que as relações entre teoria e
prática, muitas vezes, são compreendidas como processos independentes, em que a prática
acaba sobressaindo como à proposta mais aceitável na sociedade, como enfatiza Vásquez,
o homem comum e corrente se vê a si mesmo como o ser prático que não precisa de
teorias; os problemas encontram sua solução na própria prática, ou nessa forma de
reviver uma prática passada que é a experiência. Pensamento e ação, teoria e prática,
são coisas que não se separam (1977, p. 14).
Por esse quadro, podemos salientar que o pensamento comum, despreocupa-se de
reflexões sobre a atividade teórica, ao passo que os sujeitos encontram-se autossuficientes
apenas com as práticas espontaneamente apropriadas. Quer dizer, sem o envolvimento com
uma reflexão teórica condizente aos sentidos que reproduzem. No caso da leitura, podemos
estender essa questão para a formação dos professores, na busca de encontrar fundamentos
reflexivos mais consistentes sobre o processo de ler (por exemplo, relações históricas,
intertextuais, interdiscursivas, interdisciplinares etc.), para fomentar debates e reflexões para
uma intervenção praxiológica mais significativa no contexto da escola.
A prática de leitura e o conhecimento escolar produzido por ela necessitam de uma
práxis docente que possa questionar e colocar em diálogo o conhecimento científico com
nossa memória discursiva (ORLANDI, 2003), isto é, com as experiências de aprendizagem
que nos constituem e, particularmente, proporcionar uma práxis construída com princípios
bem fundamentados teoricamente sobre o que é leitura, justamente, com o intuito de ampliar,
inovar e criar condições de produzir uma relação discursiva da leitura no ensino de ciências.
Portanto, destacamos que a prática de leitura no contexto escolar, enquanto parte da
mediação da ciência, por meio de diferentes linguagens entre os sujeitos, a fim de
construirmos uma escola mais diversificada, transformadora e incluindo olhares distintos
sobre os objetos de estudos. Como observa Orlandi (2001, p. 28) “os sentidos – sempre aí em
seu movimento de produzir rupturas, acontecimentos – não estão, no entanto jamais soltos
(desligados, livres), eles são administrados (geridos)”.
Princípios e procedimentos metodológicos
8381
Este estudo foi realizado com uma turma de 30 estudantes, do quarto ano, de
licenciatura, na disciplina de Metodologia do Ensino de Ciências e Biologia, do curso de
Ciências Biológicas de uma Universidade Pública do Paraná, no primeiro semestre de 2011,
fazendo parte de uma pesquisa maior (PALCHA, 2012).
Na atividade realizada, os estudantes foram convidados a ler uma coletânea de
diferentes tipos de textos verbais e não-verbais como, por exemplo, textos científicos, de
divulgação científica, humorísticos, jornalísticos, imagéticos etc., sobre o discurso sobre a
Teoria da Evolução Biológica (DARWIN, 1985, 2000; FREIRE-MAIA, 1988; FUTUYMA,
1992; 2002; RIDLEY, 2006) e, em seguida, construir um novo texto, assim como um plano
de aulas para os textos produzidos.
Firmados na perspectiva teórica-metodológica da Análise de Discurso Francesa,
indicamos que, nesse artigo, optamos em analisar as estratégias dos planos de ensino, com o
propósito de divulgação de algumas reflexões construídas e referenciando a prática de leitura
dos textos, segundo o imaginário dos futuros professores de ciências.
Cabe assim esclarecer que a estratégia será considerada, segundo Pilleti (2004, p.102),
em que “trata-se de uma descrição dos meios disponíveis pelo professor para atingir os
objetivos específicos” e, dessa maneira, procuramos notar quais meios ou procedimentos de
ensino os licenciandos visavam a empregar para trabalhar com a prática de leitura e escrita na
proposta de aulas.
A prática de leitura no ensino de ciências: do conhecimento escolar à formação docente
Foram analisadas as estratégias de nove planos de ensino, relativas aos textos
produzidos pelos licenciandos, em diferentes funcionamentos discursivos, como, cartas,
história em quadrinhos, contos, diálogos, textos de divulgação cientifica, entre outros. A
seleção desses planejamentos, procedeu-se na relação estabelecida entre a produção do texto e
a Teoria da Evolução, bem como do plano de aulas e o funcionamento da leitura. E, ainda,
esclarecemos que os planos de ensino dos estudantes foram organizados, por nossa conta, em
quadros para a apresentação e discussão dos resultados. Além do mais, indicamos que
doravante os licenciandos serão representados por letras (A, B, C, D, E, F, G, H, I, J), para
preservar o anonimato da participação na presente pesquisa.
Ensino da Evolução Biológica: entre o conhecimento escolar e o conhecimento científico
8382
Tendo por base os resultados apontados em um estudo recente (PALCHA, 2012),
consideramos que a relação entre o conhecimento científico e o conhecimento escolar se
estabelece por sentidos dicotômicos em que indicam certo distanciamento entre as instituições
escola-universidade.
Nesses termos, ressaltamos em duas abordagens uma síntese dos aspectos encontrados
nos depoimentos dos licenciandos, sobre os sentidos do processo de ensino sobre a Evolução
Biológica, em que:
Na escola o conhecimento da evolução... é passado, é simples, é superficialmente
discutido, é apenas mais uma teoria, tem concepções religiosas, tem erros, tem
concepções alternativas, é estático, é desatualizado, não é contestável, é aberto ao
contexto da escola.
Na ciência o conhecimento da evolução... é construído, é complexo, é
profundamente discutido, é uma teoria, não tem concepções religiosas, não tem
erros, não tem concepções alternativas, é dinâmico, é atualizado, é contestável, é
restrito ao contexto da ciência (PALCHA, 2012, p.168).
Como observado, para os licenciandos, a relação do saber no contexto escolar parece
ser contaminada por uma acriticidade, ahistoricidade e pouca reflexividade, em suma, isso
descortina uma distância e uma imobilidade em relação ao conhecimento sobre a Evolução.
Em partes, podemos dizer que o afastamento é causado por determinação ideológica, isto é,
devida aos ostensivos conflitos religiosos e socialmente contextuais que pairam na
interdiscursividade sobre o discurso evolucionista (PORTO e FALCÃO, 2010; COSTA,
MELO e TEIXEIRA, 2011; CARNEIRO, 2004; GOEDERT, 2004; SEPÚVELDA e ELHANI, 2004; DA-GLORIA, 2009). Frente ao exposto, defendemos que haja na formação
docente um intercâmbio cultural capaz de considerar os preconstruídos dos alunos e
problematizar os sentidos alternativos que afastam a Evolução da perspectiva científica, vale
dizer, buscar diálogos entre o que a ciência produz e a cultura de referência dos estudantes.
Passamos, então, a analisar os planos de ensino dos estudantes, com o propósito de
precisarmos as relações teórico-práticas que permeiam as atividades de ensino.
Os sentidos das práticas escolares leituras na escola, segundo futuros professores.
Em algumas propostas, conforme apresentadas no Quadro 1, destacam-se um padrão
de ensino, representado pela tríade exposição - leitura – discussão (não necessariamente nessa
ordem). À medida que a perspectiva discursiva tem uma interação contida entre os sujeitos,
8383
sendo a atuação do professor maior detentora do espaço da interatividade na construção do
conhecimento.
PLANO
DE ENSINO
ESTRATÉGIAS
DE ENSINO
A princípio iniciar com uma aula expositiva, apresentando o tema e suas propriedades.
Após a aula expositiva, propor a leitura da carta (texto), seguida, de discussões com os
A
alunos (alerta para a neutralidade frente à questão religião e ciência, apenas expondo os
temas, permitindo conclusões pessoais). Por final, propor um filme que mostre a grande
diversidade de fauna e flora que existe atualmente no mundo, para que seja possível unir a
teoria à “prática” (Licencianda – A).
B
Aula expositiva sobre evolução. Leitura do texto e discussão sobre os aspectos abordados
no texto, comparando-os com os aprendidos em aula (Licencianda – B).
A primeira aula seria inicialmente uma discussão do tema, propondo questões a serem
refletidas pelos alunos. Na segunda aula realizaria a leitura do texto confeccionado, uma
vez que tem uma linguagem mais habitual e rotineira e com certeza atingiria de uma maneira
C
mais fácil os alunos. Discutir as dificuldades para a publicação da teoria e os problemas
enfrentados por Darwin. Nas duas últimas aulas os assuntos mais específicos do contexto
seriam explorados e explicados, buscando a participação dos alunos (Licenciando – C).
Quadro 1 - Planos e Estratégias de Ensino dos Licenciandos A, B e C.
Fonte: Palcha, 2012.
Por meio dessas propostas, prevalece um sentido de que a leitura, a teoria e a prática
do conhecimento caminham por percursos paralelos, da mesma forma, que as estratégias
sinalizam uma perspectiva tradicional de ensino. Por exemplo, em uma estratégia do Plano de
Ensino – A, quando a estudante diz em propor um filme “para que seja possível unir a teoria
à ‘prática’”. Em outro momento, no Plano de Ensino – B, quando a licencianda reforça o
caráter instrumental da leitura ao indicar que vai realizar uma “discussão sobre os aspectos
abordados no texto”, ou seja, denota uma prática que não permite interferência externa, mas
que estabiliza os sentidos propostos pelo autor do texto. Ou, ainda, como notamos no Plano de
Ensino – C em que a leitura explicita uma concepção da linguagem cotidiana, quando a
licencianda considera que o seu texto “tem uma linguagem mais habitual e rotineira e com
certeza atingiria de uma maneira mais fácil os alunos”.
Falta
nessas
estratégias,
na
verdade,
um
engajamento
teórico-prático
do
funcionamento da leitura do conhecimento no imaginário desses estudantes. Uma vez que a
prática de leitura, aqui apresentada, é reconhecida como um produto de preconstruídos e
conhecimentos espontâneos ou tradicionais do ensino, na medida em que a intervenção
docente não carece de debates sobre o processo em que (re)produzem a ciência o
conhecimento escolar ou de uma práxis reflexiva no contexto de aprendizado.
8384
Por conseguinte, em outros planos, conforme apresentamos no Quadro 2, sobressaem
algumas estratégias de ensino associadas a possibilidades de os alunos contribuírem com as
próprias histórias de leitura, no ensino produzido na sala de aula.
PLANO
DE ENSINO
ESTRATÉGIAS
DE ENSINO
Elaboraria um plano de ensino sobre Evolução Biológica que pudesse ser aplicado à
maioria das aulas de ciências. O objetivo é que os alunos interpretem, através do
D
conhecimento científico, o mundo em constante mutação. Isso pode ser reforçado nos
diversos conteúdos da disciplina, desde o movimento dos corpos celestes, reações
químicas, desenvolvimento dos seres vivos, até organização da célula, do corpo humano,
leis da física. Em uma eventual aula sobre Darwin, após contar aos alunos a sua biografia,
o texto pode ser utilizado como exercício reflexivo no qual o aluno imagina como
poderia ser a conciliação do conflito Evolucionismo vs. Criacionismo ou um encontro de
Darwin e Deus. Quais seriam as dúvidas de Darwin? E as respostas de Deus? (Licencianda
– D).
“Brainstorming” de ideias de como falsear a Geração Espontânea. – Inclusão de Pasteur
na atividade. Aula expositiva sobre o experimento de Redi e a formação dos
coacervados. Histórico do pensamento de Darwin e colaboradores. Aula expositiva
E
para entender a Seleção Natural (como se faz raça de cachorro e fruta mais doce –
seleção humana – e paralelo com a Seleção Natural) e o conceito de Evolução; Leitura do
texto em quadrinhos e elaboração de texto escrito com a interpretação dos
quadrinhos e a síntese da compreensão dos conteúdos abordados sobre o tema. Análise de
reportagens de revista/jornal/internet sobre o tema (Licencianda – E)
Pedir aos alunos que falem o conceito que eles têm de evolução. Aula expositiva (com
base em textos de referência) com auxilio de slides com: imagens, fotos, esquemas para
introdução dos conceitos de Evolução. Leitura do texto Evolução: Ciência x Senso
F
Comum Comparação das respostas que a turma relatou sobre evolução no começo da aula
com o que elas entenderam depois da explicação do professor. Leitura crítica das
charges. Dever para casa: criar uma charge ou qualquer história (ilustrada ou não)
com o tema evolução (Licencianda – F).
Quadro 2 - Planos e Estratégias de Ensino dos Licenciandos D, E e F.
Fonte: Palcha, 2012.
Com efeito, observamos que o imaginário da atividade docente dessas licenciandas
não se prende a um enfoque expositivo para a mediação, mas criam diferentes práticas de
interlocução sobre o conhecimento evolucionista. Por exemplo, no caso do Plano de Ensino D, a licencianda propôs um texto/diálogo humorístico sobre o discurso “evolucionista” e o
“criacionista” e sinaliza em suas estratégias abrir espaço para interlocução com os alunos,
reforçando que o conhecimento sobre o tema deve ascender à cotidianidade para o
pensamento científico. No Plano de Ensino – E, informamos que a estudante produziu um
texto em forma de história em quadrinhos (HQs) e, nas estratégias de ensino, acompanhamos
uma preocupação de que os alunos interpretem o texto, assim como produzam um novo texto
a partir deste, ou seja, a situação discursiva promove um intercâmbio de linguagens entre a
linguagem “quadristica” e a textual. No relato das atividades do Plano de Ensino – F,
8385
examinamos que a licencianda introduz uma série de estratégias que permitem movimentar o
conhecimento científico. Na abordagem, ela considera que a prática de leitura pode contribuir
para romper com o senso comum que permeia o ensino da Evolução Biológica, assim como
sinaliza a inserção de outras linguagens na intervenção didática do professor, como, por
exemplo, a leitura de imagens, criação de charges e a produção de textos.
Percebemos, então, que as práticas de leitura que permeiam essas estratégias de
ensino, apresentam alguns princípios teórico-práticos que superam apenas a decodificação de
entender o conteúdo do texto, pois atingem propósitos interativos e reflexivos interpenetrados
pela perspectiva científica do conhecimento. Há reconhecimento que a mediação docente
pode ser problematizada por movimentos de interlocução e relação com outras linguagens.
Na sequência, como apresentado no Quadro 3, notamos estratégias que emergem de
diversas condições de produção do saber. Isso mostra que, para estes futuros professores, o
processo de leitura depende uma multiplicidade de propósitos em explorar a ciência nas aulas.
PLANO
DE ENSINO
G
H
ESTRATÉGIAS
DE ENSINO
Inicio da aula (geminada) com questionamentos aos alunos sobre “Evolução: o que é?
Como funciona?”; Após levantar as informações sobre o que os alunos pensam sobre o tema
solicitar a leitura em duplas ou em trios do texto, solicitando que destaquem no texto
pontos que façam menção à Evolução. Após a leitura verificar quais os pontos sobre
evolução os alunos elencaram. Proceder a aula expositiva, utilizando-se de material
didático e recursos disponíveis em sala, sobre evolução. Aula interdisciplinar abordando
tópicos da história e genética (que estejam relacionados ao conteúdo) – histórico das teorias
da evolução, Darwin, genética. Para cada série adequar o aprofundamento dos conteúdos
conforme a idade e os conhecimentos prévios dos alunos. Após a aula ministrada verificar
as anotações no quadro sobre quais os pontos abordados pelos alunos (até no máximo o meio
da segunda aula). Refazer a leitura do texto, mas agora evidenciando os possíveis
pontos/conceitos/ menções sobre evolução que ficaram fora da primeira lista (Seleção
Sexual, Cruzamentos e Tópicos da Genética...). Solicitar que identifiquem os erros
presentes na história lida . Discussão sobre os erros apontados (informar/questionar sobre
os erros ou mesmo pontos sobre a evolução que os alunos possam ter deixado passar).
Exercício de fixação para resolução em casa – solicitar que os alunos reescrevam as partes
do texto que apresentam erros adequando-os às teorias e o conteúdo correto da
evolução (Licenciando – G).
Inicialmente será solicitado aos alunos para que leiam o material previamente
selecionado acerca do tema. Após essa breve leitura, a aula será iniciada com perguntas
rápidas para avaliar como os alunos compreenderam esta primeira etapa de
apresentação do conteúdo. Tópicos referentes ao texto acima serão colocados no quadro e
a temática será trabalhada com apresentação de figuras que apresentem o assunto em
questão. A problemática acerca da comparação entre o Lamarckismo e o Darwinismo
será colocada em discussão, objetivando uma reflexão mais crítica a respeito disso,
para que os alunos não interpretem erroneamente as etapas da construção da teoria da
evolução ao longo dos anos. Deve ser enfatizado que cada teoria pertenceu a um momento
da história e que até então os conceitos de hoje não eram conhecidos, por isso tal teoria se
encaixava bem para os ideais da época. A ideia central para esta parte da aula é
trabalhar a reflexão crítica dos alunos. Como atividade prática será proposta a
realização de duas atividades: uma comparação entre as teorias, discutindo novamente o
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que era conveniente para o período em questão, construindo uma visão da evolução
relacionada com a história, para que todo o conteúdo fique interligado. A outra atividade
seria dividir a sala em grupos para que cada um represente defensores de uma teoria.
O grupo deverá pesquisar sobre sua teoria e na próxima aula apresentar os principais pontos
durante um debate, reunindo prós e contras sobre o assunto, seus personagens principais,
incluindo biografia, entre outros aspectos que os mesmos julgarem relevantes (Lic. – H).
Introdução da disciplina com a leitura do quadrinho e discussão do conceito de evolução
junto à aula expositiva; Aula expositiva trazendo a história do conceito de evolução,
desconstruindo a ideia de que os pensadores falharam por incapacidade e sim pelo contexto
I
científico da época. Atividade lúdica sobre mutação, seleção, deriva e migração
(consistindo nos alunos formando grupos com acessórios que representariam adaptações a
distintas situações ambientais, sendo estas situações ambientais sorteadas – juntamente com
migração entre os grupos e eventos casuais); Leitura de reportagens abordando o tema
evolução e discussão de como o tema é tratado na grande mídia; Aula expositiva com
noções de evolução na escala molecular e a aplicação da ideia evolutiva na sistemática
moderna (Licenciando – I).
Quadro 3 - Planos e Estratégias de Ensino dos Licenciandos G, H e I.
Fonte: Palcha, 2012.
Com base do Plano de Ensino – G, podemos assinalar que a imagem do professor
procura reconstruir com os alunos, os conceitos científicos dos textos, a partir de erros do
professor-autor que eventualmente podem estar presentes na história da Evolução Biológica.
Isso porque o estudante inculcou pontos críticos de como o tema é tratado na cotidianidade e
reconhece que a prática de leitura (práxis) do professor necessita de discuti-los para elevar o
conhecimento para contexto científico. No caso do Plano de Ensino – H, constatamos que a
licenciada propõe que a criticidade e a reflexão na prática de leitura deve transcender a
repetição e a inercia do pensamento. Supõe que a intervenção docente deve ser capaz de
construir uma práxis reflexiva e critica em que até mesmo as atividades práticas propostas
necessitam de muita atividade teórica antes. Por fim, cabe mencionar que no Plano de Ensino
– I, o licenciando denota uma inquietação com a atual abordagem do conhecimento sobre o
discurso evolucionista. Nessa medida, após ter produzido uma HQ em caráter interdisciplinar
com aulas de língua portuguesa, ele propõe aproximar a ciência dos estudantes, por meio de
um resgate crítico e problematizador do conhecimento sobre a Evolução molecular. Para isso,
que pontualiza a relação com outras linguagens que possibilizam explorar o saber científico,
como HQ, imagens e reportagens.
Em todo caso, compreendemos que sócio-historicamente o processo de leitura e escrita
que permeiam essas estratégias de ensino, em suma, buscam contrastar a incompletude dos
processos de significação entre os sujeitos e a leitura de linguagens textuais sobre a ciência,
precisamente na produção do conhecimento escolar. Desse modo, criam as condições de
produção da leitura que colocam em conflito as condições legitimadas no discurso pedagógico
sobre o fazer ciência, almejando construir uma contextualização sociocultural com os
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estudantes, sobre o conhecimento da ciência, ao inculcar no processo de ensino a realidade
que os cerca.
Considerações finais
Por meio do estudo, reparamos algumas relações de sentidos que introduzem,
problematizam, dialogam, reconstroem as práticas de leitura no contexto escolar, indicando
um intercâmbio de linguagens e interferência cultural no ensino de ciências e, por
consequência, suscitam determinadas questões teórico-práticas sobre a mediação do saber na
práxis docente sobre funcionamentos e mobilizações do conhecimento escolar.
No que se refere à formação de professores, constatamos que a prática de leitura
pressupõe uma familiaridade dos licenciandos com certos tipos de textos e, dessa forma,
desencadeia um valor capital na construção de interpretações (ideológicas, históricas,
teóricas) que uma mediação didática em ciências pode permitir no contexto da sala de aula.
No que toca ao conhecimento escolar - ainda que persistam algumas heranças
tradicionais de um modelo de ensino - de modo geral, percebemos dos planos de ensino que a
multiplicidade de linguagens na formação dos professores pode designar uma práxis de leitura
diversificada, quando abrange relações reflexivas sobre as diferentes características culturais
dos sujeitos. Indicando, dessa forma, pressupostos de uma mediação didática dialética
(LOPES, 1999) que pode ser estabelecida entre o conhecimento científico e escolar. Isso
sinaliza que a concepção e a prática de leitura do professor são as grandes responsáveis por
estabilizar ou provocar movimentos de apropriação que fuja da cotidianidade e avancem apara
uma perspectiva de formação científica dos estudantes. Apontamos, então, que “isso nos
obriga a examinar as relações entre teoria e prática em novo plano: como relação entre teoria
já elaborada e uma prática que ainda não existe” (VASQUEZ, 1997, p.232).
Por conta desse quadro, julgamos que ser professor é apresentar um domínio
epistemológico em que se possa considerar tanto o aspecto teórico quanto o prático do
conhecimento escolar sobre a ciência. Uma vez que a ausência, deste domínio, em termos de
leitura, implica no ensino de um conhecimento raso, estabilizado e tipificado por imagens
tradicionais que roteirizam a transparência dos sentidos da ciência. Nessa medida, é
imprescindível que haja mais conhecimento a despeito da práxis de leitura sob as perspectivas
interdisciplinares, históricas e contextuais nos cursos de formação de professores de ciências.
A fim de que a aprendizagem seja mais participativa e para que a atividade docente possa agir
8388
segundo os sentidos presentes nas situações historicamente construídas. No sentido de buscar
mais contribuições epistemológicas nos processos de significação, acerca das condições de
produção do conhecimento, principalmente no contexto escolar.
Resta, enfim, observar que a leitura no ensino de ciências - ainda que haja um discurso
pedagógico castrando oportunidades de refletir sobre a inserção de outras linguagens - assume
um peso diferencial na práxis docente, precisamente nas relações discursivas problematizadas
socialmente na mediação do conhecimento científico e escolar. Por isso mesmo, é razoável
não fixarmos sentidos em uma sociedade em constante transformação, mas abrirmos
perspectivas de explorar a realidade científica em sala de aula com o propósito de
contextualizar e ultrapassar os muros da escola. Almejando, assim, que o ensino de ciências
possa, cada vez mais, produzir sentidos reflexivos entre o conhecimento e a realidade
cotidiana na formação dos estudantes.
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