capacidade institucional das organizações da sociedade

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CAPACIDADE INSTITUCIONAL DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE
CIVIL DE INFLUENCIAR EM POLÍTICAS PÚBLICAS
Consultoria - Universidade de San Andrés, Buenos Aires
Projeto Comparativo Argentina, Brasil e Colômbia
A CRIAÇÃO DE UM NOVO MARCO LEGAL PARA O TERCEIRO SETOR
NO BRASIL
Leilah Landim
Jorge Eduardo S. Durão*
I. INTRODUÇÃO: O CASO ESTUDADO
Em 23 de março de 1999 foi sancionada pelo Presidente da República a Lei no.
9.970, que "dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins
lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e
disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências".
Trata-se do estabelecimento de um novo marco legal para regular as relações entre o
chamado Terceiro Setor e o Estado, no qual está envolvida uma proposta classificatória das
diversificadas entidades da sociedade civil, delimitando-se, dentro desse enorme universo,
aquelas que são de Interesse Público (OSCIPs - Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público). Estas serão as aptas ao estabelecimento do Termo de Parceria, novo
instrumento
*
que
pretende
desburocratizar,
Colaboração: Pedro Claudio Cunca Bocaiúva.
imprimir
maior
agilidade
gerencial,
2
transparência e possibilidade de controle de resultados nos projetos que envolvam
colaboração das OSCs com os órgãos governamentais. 1
A nova lei agora promulgada não modifica, mas apenas se acrescenta aos
dispositivos legais anteriores. A estratégia de manutenção de dois estatutos jurídicos
paralelos, com estímulos para a migração para o novo estatuto, é copiada da experiência
norte-americana. As organizações que optarem por entrar dentro do novo estatuto de
parceria (o Termo de Parceria), poderão manter as formas anteriores de enquadramento
legal em que se encontram por um período de dois anos. Após esse prazo, terão que optar
por uma ou outra forma de regulação (a antiga ou a nova), nas suas relações de colaboração
com órgãos governamentais e sua modalidade de acesso a fundos públicos.
O principal interesse, aqui, desse caso está no fato de que a promulgação da Lei foi
o resultado de um processo onde ressaltam as iniciativas de um conjunto diferenciado de
atores da sociedade civil que entram em interação e negociação entre si e com
representantes de órgãos públicos governamentais. Dentre esses últimos, destaca-se o
Conselho da Comunidade Solidária, presidido pela Primeira Dama Ruth Cardoso, principal
interlocutor com os atores da sociedade. Esse Conselho, por sua vez - criado para atuar no
campo da ação social - é composto por 12 membros do governo e 20 da sociedade civil.
Movimentações no sentido de transformações nas antigas e inadequadas leis que
regulam as relações entre o Estado e as organizações da sociedade civil vinham sendo feitas
por alguns segmentos dessas entidades desde o início dos anos 90, com destaque para as
organizações de assistência social e as ONGs ligadas à ABONG (Associação Brasileira de
ONGs), como será retomado. Em 1995-96 inaugura-se uma dinâmica mais formalizada e
com maior pluralidade de atores em torno da elaboração de um "Marco Legal para o
Terceiro Setor" - em contexto, portanto, no qual essa nova expressão ganhava
reconhecimento e já era objeto de disputas de significado.
1
Observe-se que, até hoje, as parcerias governo-OSCs podiam ser feitas apenas através de "convênios" e
"contratos", os quais implicam em complicada burocracia, falta de transparência e controle. Determinadas
OSCs - as que conseguem obter o título de "Filantrópicas", outorgado por órgão governamental federal podem também receber fundos públicos sem contrapartida alguma através das "subvenções", regulamento
antiquado e que possibilita todo tipo de fraude e clientelismo político.
3
Um fator que acelerou esse processo que já estava em andamento foi a realização,
no Brasil, do Programa Regional de Consultas Nacionais para Fortalecer a Sociedade Civil
na América Latina, um programa do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) em
parceria com CIVICUS (Aliança Mundial para a Participação Cidadã) e o Instituto
Synergos. Uma das metas dessa consulta foi a de "Identificar maneiras de melhorar o
ambiente legal e fiscal para facilitar o papel das organizações da sociedade civil"
(Valencia y Winder, 1997). Da consulta brasileira originou-se, em 1996 e a partir do
envolvimento ativo da Comunidade Solidária, um Grupo de Trabalho para implementar as
discussões e medidas necessárias às transformações legais pretendidas, sob a coordenação
do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), uma entidade associativa voltada à
promoção do investimento social empresarial.
A partir de 1997, deslancha-se o processo de modo mais formalizado, com a
convocação feita pela Comunidade Solidária. Conforme consta em documento elaborado
por esse organismo, "o processo de negociação iniciado pelo Conselho da Comunidade
Solidária sobre o Marco Legal do Terceiro Setor, que teve início em julho de 1997, foi
realizado a partir da consulta e intenso diálogo com mais de 100 representantes do
Governo Federal, das organizações do Terceiro Setor e do Poder Legislativo. Desse modo,
foram identificadas as principais dificuldades legais e as sugestões de como mudar e
inovar a atual legislação relativa às organizações da sociedade civil que são de interesse
público" (Comunidade Solidária, 1999).
Foram dois a três anos de debates entre as organizações mencionadas, até a
elaboração do Projeto de Lei. E surpreendeu a todos a rapidez com que foi aprovado:
enviado em julho de 1998 à Câmara dos Deputados, entrou em regime de urgência no final
dessa legislatura. Nessa ocasião não houve consenso entre os deputados para a aprovação
do texto, o que levou a uma nova rodada de negociação com todos os partidos sobre a Lei.
Finalmente, em 3 de março de 1999, foi aprovado, por unanimidade, o Substitutivo de
Plenário apresentado por um deputado do PT (Partido dos Trabalhadores, da oposição),
coroando um processo de interlocução e negociação, o qual marcou toda a construção da
4
Lei. No dia 11 de março, o Senado Federal aprovou esse Substitutivo enviando-o para a
Sanção Presidencial que, como se viu, deu-se no dia 23 de março de 99. Segundo a versão
do mesmo documento, "A Lei simplifica o mecanismo de reconhecimento institucional das
entidades sem fins lucrativos a fim de potencializar as relações entre o Estado e a
sociedade civil".
Portanto, estamos diante de um processo em que houve formulação e promulgação
de política pública - no caso, através de uma nova lei - no qual teve lugar a participação de
organizações da sociedade civil.
Os mecanismos e estratégias adotados pelos atores basearam-se na argumentação:
debates, reuniões, participação em audiências públicas etc. Pode-se dizer que houve baixa
participação social, em termos de que o processo não alcançou uma grande visibilidade
pública, nem contou com um grande engajamento direto e massivo do próprio campo de
organizações da sociedade civil envolvidas, mas apenas de lideranças das instituições mais
consolidadas. Inclusive, o teor das discussões envolvia especialização e capacidade, pelos
atores, para discutir minúcias jurídicas.
No entanto, o resultado obtido em termos de incidência em política social considerado aí o mero fato de que a lei foi promulgada - está certamente relacionado à
participação de diversos agentes reconhecidos e representativos do campo das organizações
sem fins lucrativos: das ONGs, das áreas religiosa, empresarial, assistencial etc.
Acrescente-se, nesse caso, a importância da participação do Estado como interlocutor e
mesmo convocador - como acontece em vários outros processos da mesma natureza,
sobretudo no contexto latino-americano.
Para além da promulgação da lei, cujos efeitos ainda pouco se fazem sentir e têm
sido objeto de debates, o processo de discussão do marco legal levou a um novo esforço
classificatório das organizações da sociedade civil, bem como a controvérsias em torno da
idéia de "Terceiro Setor", a qual se afirmou particularmente nesse processo. As conotações
de indiferenciação e homogeneidade que esse termo evoca foram questionadas na dinâmica
que produziu disputas de significados entre as organizações da sociedade civil, afirmandose identidades diversificadas. Sobretudo, as organizações que surgiram nos últimos 25 anos
5
com ideários modernizantes e politizados, comprometidas com direitos e cidadania - como
as ONGs, as quais tinham escasso reconhecimento nos antigos marcos legislativos tiveram sua identidade de atuar "em sentido público" particularmente afirmada.
Se nos perguntarmos, como foi proposto para esse estudo de caso, qual a natureza
da problemática que a política ou proposta busca solucionar, poderemos chegar a mais de
uma resposta. Na verdade, a busca pela reformulação do marco legal para o Terceiro Setor
envolve diferentes concepções e motivações por parte dos atores aí envolvidos que
souberam chegar, como fruto de negociações, a um consenso final na forma de um produto
que é a Lei mencionada.
Passamos a uma exposição mais aprofundada do caso, deixando para a conclusão
comentários analíticos sobre as características que aí assumem as relações das organizações
da sociedade civil com as políticas públicas.
II. O CONTEXTO.
Em primeiro lugar, vai-se proceder a uma descrição esquemática do universo
composto pelas organizações sem fins lucrativos no Brasil, assim como um delineamento
de seu estatuto legal estabelecido desde os anos 30, para efeitos de acesso a fundos
públicos. A seguir, vão-se esquematizar alguns traços do contexto onde se dão as
transformações legais atuais.
- As organizações sem fins lucrativos no Brasil, sua história, diversidade, e o
marco legal.
6
Como em outros contextos nacionais, também na sociedade brasileira as áreas mais
extensas de organizações privadas registradas sem fins lucrativos são as dedicadas à
educação, saúde e assistência social, seguidas de perto pelas recreativas/esportivas.2
As três primeiras são áreas antigas e tradicionais, onde durante quase quatro séculos
reinou exclusiva a Igreja Católica na prestação de serviços, com o mandato do Estado. A
partir dos anos 30, a centralização e intervenção do Estado na sociedade - caracterizada
pelo autoritarismo e corporativismo, em que os sindicatos e a previdência tiveram papel
estratégico - tem como contraparte a exclusão de grandes contingentes da população de
qualquer mecanismo de proteção social. Muitos ficam de fora desse sistema analisado por
cientistas sociais brasileiros como sendo de "cidadania regulada". Representam um papel
nada desprezível, nesse contexto, as organizações privadas sem fins lucrativos prestadoras
de serviços diversos na área social. A aliança entre fé e Pátria, entre a poderosa Igreja
Católica e o governo populista e ditatorial de Getúlio Vargas (1930 – 1945), foi o pano de
fundo para o repasse de recursos públicos às escolas, hospitais e obras sociais católicas
espalhadas pelo país. Não é, portanto, por acaso que data desse período a espinha dorsal da
legislação, mantida até hoje, que regula as relações entre Estado e organizações privadas
sem fins lucrativos. Ou seja, a centralização e a provisão direta de serviços pelo Estado na
área da educação, saúde e assistência, não deixou de reservar um lugar para as organizações
privadas sem fins lucrativos.
Com o tempo, essas três áreas de organizações vão-se diversificar quanto à origem,
somando-se ao campo outras religiões, assim como entidades crescentemente secularizadas.
Educação/cultura, saúde e assistência social são áreas caracterizadas historicamente por
funcionarem em colaboração com o Estado, sendo tradicionais receptoras de fundos
públicos, mesmo que jamais houvesse políticas claramente definidas nesse sentido - sendo
essa uma história pouco estudada. Perpassam parte desse campo os vícios históricos que
marcam as relações entre sociedade e Estado no Brasil: clientelismos e favorecimentos
políticos, com a transferência de recursos públicos para usos privados.
2
Com relação a esses e outros dados quantitativos sobre as organizações sem fins lucrativos no Brasil, ver
7
As entidades de recreação/esportes são também tradicionalmente muito numerosas,
um tipo de associativismo que compreende sobretudo clubes sociais e esportivos
espalhados pelos bairros urbanos das pequenas e grandes cidades, sendo na sua quase
totalidade registradas como sem fins lucrativos.
Apesar do peso numérico e econômico dessas áreas de OSCs, os resultados da
pesquisa mencionada acima sugerem, no entanto, que crescem aceleradamente outras áreas,
menos numerosas. Em primeiro lugar, surpreende o crescimento do associativismo de bases
ocupacionais.3 Mas além disso, aponta-se para o fato de que um campo vigoroso e crescente
de organizações são as mais recentes e comprometidas com ideários modernos e
igualitários, referidas à defesa de grupos de interesses ou interesses difusos, à promoção de
direitos e cidadania, às iniciativas de tipo comunitário.
Portanto, apesar de não ser tão significativo em termos de seu peso econômico, esse
novo campo de iniciativas que cresce no contexto brasileiro representa de modo especial a
idéia da atuação no sentido público e de conformação de uma esfera pública ampliada. As
chamadas ONGs encarnam de forma paradigmática esse novo campo surgido nos últimos
20 anos, refletindo as tendências recentes de organização da sociedade civil brasileira.
Embora pouco numerosas, seu peso social e político é significativo. No entanto, é
importante lembrar que, quanto ao crescimento numérico continuado, não ficam para trás as
entidades de assistência social - as quais, ao que tudo indica, transformam-se e se
reposicionam no cenário contemporâneo.
Finalmente, vale lembrar o aparecimento nos últimos anos de organizações ligadas
ao campo empresarial e voltadas para a ação social, ainda pouco estudadas, mas que
ganham visibilidade no terreno das OSCs brasileiras.
Landim e Beres, 1999.
3
Essa tendência parece ser análoga à que já havia sido mostrada para as décadas de 70 e 80 através de outras
pesquisas, como a de Wanderley Guilherme dos Santos que, a partir de números de registros legais de
associações no Rio e em São Paulo, apontava para um padrão mobilizacional onde cresciam sobretudo
“novos” atores organizacionais, como “empresários, trabalhadores, profissionais liberais (classe média não
8
Uma das justificativas e objetivos da nova legislação seria exatamente o de
contemplar um melhor reconhecimento oficial, com as consequências que isso acarreta
sobretudo quanto às possibilidades de obtenção de fundos públicos, para todas essas formas
organizativas de origem recente. Conforme consta do documento da Comunidade Solidária
já mencionado, "a nova Lei, ao contrário da legislação vigente, abriga adequadamente
várias das novas ações sociais das organizações da sociedade que surgiram na última
década como a defesa dos direitos de grupos específicos da população, como mulheres,
negros e povos indígenas, ou de proteção ao meio ambiente, promoção do desenvolvimento
econômico e social e combate à pobreza, experimentação de novos modelos sócioprodutivos e modelos alternativos de crédito, promoção do trabalho voluntário etc."
(Comunidade Solidária, 1999).
A Constituição Federal brasileira garante a mais ampla liberdade de associação,
vedando qualquer forma de interferência estatal sobre o funcionamento de associações
civis. O quadro de ordenamento legal existente no país facilita a criação de Organizações
da Sociedade Civil de uma maneira geral, mas essa facilidade de registro garante reduzido
acesso aos mecanismos de isenção fiscal e menos ainda a fontes de financiamento público.
A Constituição Brasileira estabelece limitações ao poder de tributar da União,
Estados e Municípios o que, no direito brasileiro, é chamado de imunidade tributária. Pela
Constituição é assim vedado instituir impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços das
instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos
da lei.
Além disso, a Lei brasileira garante a isenção de imposto de renda para as seguintes
categorias de OSCs: "as sociedades e fundações de caráter beneficente, filantrópico,
caritativo, religioso, cultural, instrutivo, científico, artístico, literário, recreativo, esportivo,
e as associações e sindicatos que tenham por objetivo cuidar dos interesses dos seus
associados", desde que não remunerem suas diretorias nem distribuam "lucros sob qualquer
estatal) e burocracia”. Isso, ao lado de um também vigoroso crescimento das associações comunitárias e de
moradores. (Santos, 1992).
9
forma", aplicando "integralmente os seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos
objetivos sociais".
São necessários registros adicionais, aos quais nem todas as organizações têm
direito, para que o gozo da imunidade seja garantido. Os principais são o reconhecimento
da organização como sendo de Utilidade Pública (Federal, Estadual e Municipal), e o
registro no CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social), que permite o
reconhecimento da organização como Filantrópica. O acesso a esses registros - que
chegam, no caso das Filantrópicas, à possibilidade de receberem subvenções públicas sem
contrapartida e à isenção da cota patronal do imposto previdenciário - é extremamente
burocratizado e complicado, o que dá margem, evidentemente, a distorções, falta de
transparência e jogos de favores na obtenção desses benefícios. Finalmente e como foi dito,
as parcerias com órgãos governamentais são feitas através das figuras jurídicas de
Contratos e Convênios, ambos extremamente burocratizados e que não garantem
transparência nas atividades desenvolvidas.4
A nova lei, como se falou, tem suas justificativas no sentido de desburocratizar,
requalificar e moralizar as formas de acesso aos fundos públicos pelas OSCs, instituindo ao lado das antigas formas de Subvenções, Contratos e Convênios - o Termo de Parceria.
Vale a pena continuar mencionando o documento elaborado pela Comunidade
Solidária, após o processo de discussão com as OSCs para a elaboração do Projeto de Lei.
Segundo sua visão, a Lei simplifica o mecanismo de reconhecimento institucional das
entidades sem fins lucrativos a fim de "potencializar as relações entre o Estado e a
sociedade civil". Atualmente, diz o documento, o sistema de qualificação é inadequado, já
que a legislação vigente preocupa-se excessivamente com o fornecimento de documentos e
4
O tratamento recente, pelos órgãos do governo, tem sido o de dificultar ou mesmo inviabilizar (por
requisitos burocráticos) o uso da imunidade. O resultado é a redução do número de OSCs que dela podem se
valer. Esta questão é objeto de um contenciosos judicial, e recente decisão do Supremo Tribunal Federal deu
ganho de causa a hospitais e instituições de ensino privadas (entidades filantrópicas) que o governo pretendia
excluir dos efeitos da imunidade sob a alegação de que não prestavam serviços em regime de gratuidade
exclusiva.
10
registros contábeis em detrimento do controle de resultados. "É pouco precisa na definição
de requisitos para o reconhecimento dos títulos, permitindo uma apreciação discricionária
da autoridade no ato de qualificação, além de não diferenciar a finalidade social das
entidades, tratando de forma idêntica entidades de fins mútuos – destinados a um círculo
restrito de sócios – daquelas dirigidas à comunidade de um modo geral."
Por outro lado, conforme ainda o texto da Comunidade Solidária, a atual legislação
que rege o Terceiro Setor não prevê dispositivos de fiscalização suficientes para exercer o
controle da utilização dos recursos públicos pelas entidades. Portanto, os principais
objetivos da lei podem ser sistematizados como sendo:
"i) classificar e qualificar as organizações do Terceiro Setor por meio de
critérios simplificados e transparentes, possibilitando uma base de informações confiável e
objetiva que oriente a definição de parceiros;
ii)
implementar
mecanismos
adequados
de
controle
social
e
responsabilização da organização visando garantir que os recursos de origem estatal
administrados pelas entidades do Terceiro Setor de fato sejam destinados a fins públicos.
iii) criar o Termo de Parceria que é um instrumento de fomento que permite a
negociação de objetivos e metas entre as partes e também o monitoramento e a avaliação
dos resultados dos projetos."
Atualmente - continua - as entidades que realizam convênios são um subconjunto
delimitado por legislação que não acompanha as transformações recentes nesse campo.
Além disso, quando ocorre a celebração de convênios, as entidades ficam sujeitas às
mesmas regras gerenciais do setor estatal, perdendo a flexibilidade na administração e no
uso de recursos.
Ainda segundo o documento mencionado, à maior autonomia gerencial das
organizações viabilizada pelo Termo de Parceria, corresponde o compromisso do Estado
para flexibilizar os controles burocráticos das atividades-meio. Desse modo, em lugar do
controle burocrático apriorístico e de uma cultura impeditiva para o uso de recursos,
11
realiza-se a avaliação de desempenho global do projeto em relação aos benefícios
direcionados para a população-alvo, por meio de mecanismos de fiscalização e
responsabilização previstos na presente Lei. Além disso, fortalece os atuais mecanismos de
participação e controle social por meio dos Conselhos de Políticas Públicas. "Por fim, vale
ressaltar que a Lei aprovada, ao romper velhas amarras regulatórias, estimula o
investimento em capital social do país, sem o qual nenhuma nação conseguirá atingir
prosperidade econômica e boa governança. Ademais, ela traz uma novidade importante:
pela primeira vez o Estado reconhece que existe uma esfera pública em emersão, que é
pública não pela sua origem mas pela sua finalidade. Que é publica embora não-estatal."
(Comunidade Solidária, op. cit.).
Esse reconhecimento oficial do papel das OSCs na construção de uma esfera
pública não-estatal dá-se dentro de um cenário contemporâneo muito conhecido, cujos
traços gerais podem ser delineados.
- Cenário em que se dá a reforma legal: traços gerais.
A afirmação do novo Marco Legal para as entidades sem fins lucrativos se
desenvolve ao mesmo tempo em que o processo de reforma do Estado e o ajuste estrutural
têm impacto sobre as políticas sociais. A regulação jurídico-política das organizações da
sociedade civil voltadas para o interesse público ganha autonomia e importância no debate
sobre a agenda social do país, em termos de suas consequências para o tratamento de
questões que vão desde os sistemas de assistência e proteção social até as políticas de
combate à pobreza5. Nesse sentido, as organizações da sociedade civil no Brasil estão
sofrendo uma redefinição de sua institucionalidade como parte de uma metamorfose mais
profunda da esfera pública. É sobretudo a temática das políticas sociais que coloca desafios
para uma reconstrução de identidades e remete para uma melhor formalização institucional.
5
O processo declanchado pela consulta BID/CIVICUS/Synergos já mencionado indica o caráter estratégico
do tema na agenda internacional.
12
Nesse cenário, são variados os elementos que constituem a trama sobre a qual os
atores tradicionais e os novos atores constróem suas lógicas de discurso e ação: a idéia de
uma nova contratualidade baseada na noção de parceria, a emergência de novas esferas
públicas de negociação, os problemas de financiamento, a questão da focalização das ações
dirigidas aos pobres, o colapso das políticas públicas sociais e a crise de legitimidade das
formas "assistencialistas", baseadas na ação pontual e caritativa.
Alguns antecedentes podem contribuir para pensar o papel de pressão e proposição
de atores da sociedade civil no espaço público: são acontecimentos diversos em que se vão
acumulando forças, alianças, interações. A Constituição de 88 é um momento significativo.
Essa Carta possui caráter programático no que se refere aos direitos econômicos, sociais e
culturais o que, ao lado do fortalecimento de instâncias de controle e participação social em
políticas públicas, representou o esforço de formalização de uma década ininterrupta de
lutas e pressões por parte da sociedade civil organizada. Ressalte-se particularmente os
setores da Igreja Católica com suas pastorais e comunidades de base, assim como
movimentos sindicais, corporações profissionais, movimentos de moradores, ONGs,
movimentos de mulheres, de negros, indígenas e ecologistas que, de uma forma mais ampla
através das plenárias pela participação popular na Constituinte chegaram a obter mais de 12
milhões de assinaturas para os seus pleitos frente aos constituintes, realizando centenas de
reuniões e audiências públicas. Ao lado dessas definições quanto a direitos sociais obtevese um resultado político de descentralização nas políticas públicas, no âmbito das políticas
de saúde e educação, assim como um fortalecimento das atribuições dos municípios, sendo
constituídos novos fundos constitucionais para o desenvolvimento regional. A emergência
de conselhos tripartites para as diferentes políticas públicas (trabalho, saúde, educação etc.)
e para segmentos da população (crianças e adolescentes, mulheres, negros, idosos e outros),
acentuavam as dimensões de descentralização e desverticalização, bem como abriam novas
margens de participação e controle público.
Mas diferentes fatores como a desregulamentação, reforma e reestruturação do
aparato estatal, a crise macroeconômica e os programas de ajuste e estabilização, assim
13
como a privatização, se combinaram num cenário de crise estrutural do modelo de
desenvolvimento. Os problemas fiscais e a estrutura orçamentária acabaram por bloquear o
sentido social-democratizador ou de Welfare State moderno que marcava o formato
programático da nova Carta.
Os inícios dos anos 90, a partir do impeachhment presidencial em 1992, seriam o
palco de construção de um conjunto de discursos e ações voltadas para o enfrentamento da
pobreza, um desafio colocado para a legitimidade dos atores sociais que lidam com a
questão social e para o governo da União, atravessando a sociedade brasileira até hoje e
pondo em questão a capacidade da democracia política transformar-se em democratização
social, econômica e cultural. O tema da exclusão social vai sendo construído através de um
conjunto de agentes intelectuais e políticos, do campo governamental e da sociedade civil.
Mapear a geografia da fome, classificar quem são os pobres, conceituar e delimitar a
miséria, redefinir os contornos e as formas de responsabilizar o Estado e envolver a
sociedade, aparece como questão chave desde então.
A construção de um campo de atores e significados em disputa para enfrentar os
temas ligados à miséria e à fome viu-se materializada, em 93-94, por uma importante
campanha conduzida pela sociedade civil. A campanha Ação da Cidadania contra a Miséria
e pela Vida nasceu de uma conjuntura particular derivada do impeachment, mas foi também
o produto da emergência de vários conflitos públicos e mobilizações sociais em torno do
tema da segurança alimentar e da exclusão social. Cria-se então uma agenda social que,
antes de ter um tratamento formal em esferas institucionais, foi uma formulação nascida da
interpelação pública e da convocação para a ação realizada por lideranças civis e religiosas,
dentre as quais se destacou uma liderança criada no campo das ONGs, Herbert de Souza.
Mas a idéia de autonomização e recorte dos temas da fome e miséria também foi
obra de economistas e técnicos de agências governamentais com seus mapas e curvas da
pobreza. O elo entre as quantificações teóricas e a análise qualitativa dos processos ganhou
também novos contornos críticos com a participação de agentes das universidades,
relacionando estrutura de distribuição da renda, da qualidade de vida e da exclusão social.
14
Ao lado desses processos, organizações da sociedade civil – sobretudo as chamadas
ONGs, de perfil mais politizado - crescentemente apontavam para o caráter ineficiente dos
sistemas de proteção e assistência social. Além disso, a sucessão de denúncias contra as
formas de assistência de tipo clientelista ou marcadas pela corrupção, apontavam cada vez
mais para a necessidade de reconstruir um marco normativo e de controle público sobre as
políticas sociais. Esse processo de mudança legal só ganharia mais densidade com a
abertura de uma esfera de negociação política ampliada por vários interesses e forças da
sociedade civil, particularmente em torno dos temas ligados ao acesso aos fundos públicos
e às parcerias e projetos entre organizações da sociedade civil e governos nos diversos
níveis da federação.
O governo Fernando Henrique Cardoso traria formalmente para dentro do Conselho
da Comunidade Solidária o processo de negociação com a sociedade civil para influenciar
as políticas governamentais na sua dimensão executiva. Entre 1994 e 1995 esse processo se
deu apoiado numa Secretaria Executiva e a partir do mapa da pobreza realizado pelo
Instituto de pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Num segundo momento, o governo
colocaria a Comunidade Solidária nos marcos estritos da consulta e mediação para
demandas e eventual estabelecimento de parcerias com a sociedade civil e com governos
subnacionais. Vale a pena transcrever o discurso governamental, onde estão em jogo os
grandes temas de uma agenda social para o país:
"1. Quando e porque começou - A partir de junho de 1996, após um intenso
processo de discussão entre seus Conselheiros, optou-se por efetuar uma reestruturação do
Conselho da Comunidade Solidária que levasse em conta a necessidade de promover
canais políticos de diálogo entre governo e sociedade sobre os grandes temas de uma
estratégia de desenvolvimento social para o Brasil."
2. O objetivo político geral - “O objetivo político da Interlocução Política é o de
contribuir para a construção de um acordo ou entendimento estratégico nacional em torno
de uma Agência Mínima de prioridades, medidas, instrumentos e procedimentos de ação
15
social do Estado e da sociedade para o enfrentamento da fome, da miséria, da pobreza e
da exclusão social” (IPEA, 1998).
Os anos noventa promovem então, com essa constituição de um campo de discussão
de uma agenda social, novos recortes na vida associativa brasileira com a busca da
delimitação das áreas próprias de ação das diferentes organizações da sociedade civil. Ao
lado das mudanças na esfera econômica e das reorientações da política de governo com as
reformas de cunho neoliberal, temos uma reorganização da esfera própria dos sistemas
institucionais que marcam a vida civil. Existem, portanto, mudanças na esfera pública
brasileira onde se cruzam a reforma do Estado, as novas disputas sobre os rumos do
desenvolvimento e uma modificação nas formas de ordenamento jurídico.
III. UMA ARENA DE NEGOCIAÇÕES
O espaço de discussões criado em torno da reformulação do Marco Legal não pode
ser plenamente compreendido se não forem levados em conta o contexto e os antecedentes
mencionados acima. Como se viu, isso inclui tanto iniciativas por parte do governo como,
sobretudo, a capacidade de comunicação e interação entre atores ligados à sociedade civil, a
essas alturas já consolidados e socialmente reconhecidos.
Ou seja, as pressões das entidades de setores diversos para terem reconhecimento
oficial e acesso a fundos públicos, através de mecanismos transparentes, e o interesse
governamental em construir parcerias como uma visão estratégica e mesmo como uma
ideologia, acabaram por convergir para a emergência de um espaço de negociação, uma
arena onde os atores tiveram que produzir um compromisso que rompia com a imobilidade
e o vazio regulatório. Tratava-se de definir como e quem poderia se beneficiar e atuar como
agente de interesse público e como prestador de serviço público.
16
A constituição de uma esfera mista governamental e não-governamental ampliou as
possibilidades de negociação e pressão frente ao legislativo e ao executivo, que levaram ao
rito sumaríssimo na aprovação da lei pelos parlamentares e na sanção por parte do
Presidente da República.
- Descrição do processo e atores.
Inúmeros atores da sociedade civil envolveram-se nesse processo de diálogo, entre
ONGs, fundações, entidades assistenciais religiosas e leigas e clubes de serviço. Como se
viu, o discurso do governo nesse diálogo teve como principais elementos o fortalecimento
do Terceiro Setor; a necessidade de “separar o joio do trigo” (isto é, as entidades que são de
fato filantrópicas das fraudulentas, como as que recebem lucro disfarçado ou desviam
recursos) e a tese de que o governo não é capaz sozinho de enfrentar a questão social –
donde a necessidade de parcerias com a sociedade civil organizada. O corolário dessa
argumentação, conforme mencionado, foi o conceito de “organizações da sociedade civil de
fins públicos”, ou de “interesse público” (como prevaleceu na Lei).
Uma descrição esquemática do processo de interlocução final, conduzido no âmbito
da Comunidade Solidária, deve mencionar três fases (IPEA, 1998): a preparação,
envolvendo a elaboração e o envio de um Documento-Consulta para os interlocutores, com
o recolhimento, sistematização e incorporação das emendas propostas, originando-se um
Documento-Base, ponto de partida para a discussão coletiva. A realização, envolvendo a
reunião do Conselho com a presença dos interlocutores que participaram da elaboração
coletiva anterior e a constituição de um Comitê Setorial, momento em que se ratificaram
consensos. Aprovou-se um Documento Final e encaminhamentos concretos foram
sugeridos pelos interlocutores. E finalmente os desdobramentos, sob a forma de envio da
Lei, através do Poder Executivo, e sua votação pelo Congresso.
Na primeira etapa, em 1997, dois Grupos de Trabalho foram constituídos para
implementar o processo. O primeiro deles foi presidido por uma liderança ligada ao campo
17
das fundações empresariais e ao mesmo tempo conselheiro da Comunidade Solidária,
contando com assessoria jurídica de especialistas na área. Esse grupo realizou não apenas
contatos pessoais com especialistas e atores envolvidos, mas também uma mais ampla
pesquisa, realizada através de um instituto não governamental de pesquisas, o IDESP
ouvindo cerca de 300 entidades da sociedade civil através de questionários e entrevistas, (os
resultados encontram-se em Debert e Sadek, 1998). O segundo Grupo de Trabalho foi
coordenado por um técnico e um economista do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas) e uma assessora do Conselho da Comunidade Solidária.
Elaborou-se nesse processo um Documento-Consulta, enviado a um razoável
conjunto de interlocutores. Foram considerados como tal, naturalmente, os Ministros de
Estado e Conselheiros da Comunidade Solidária pertencentes a órgãos governamentais e os
Conselheiros pertencentes à sociedade civil. Além desses, foram consultados formalmente
mais oito agentes de órgãos ligados à administração federal, cerca de 20 organizações da
sociedade civil expressivas e reconhecidas, de origem variada (clubes de serviço como
Lions e Rotary; entidades assistenciais de origem religiosa plural, como o Lar Fabiano de
Cristo, da área espírita, ou a Pastoral da Criança, católica, ou ainda a Vinde, evangélica;
ONGs, como a FASE, IBASE, ISER, POLIS; fundações, como a Vitae; etc.), e por fim
várias organizações guarda-chuva como o GIFE, a ABONG, a Rede de Formadores de
ONGs, a Federação das APAE (Associações de Amigos e Pais dos Excepcionais), a
Associação de Gerontologia, o Forum Nacional da Ação da Cidadania, o Forum Brasileiro
de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e outros.
Nas respostas dadas por cada um desses interlocutores, descreviam-se dificuldades
legais que sua respectiva instituição enfrentava para colocar em prática suas atividades e
faziam-se comentários e sugestões quanto a um novo Marco Legal. Daí, foi elaborada uma
coletânea das contribuições enviadas, no sentido de socializar os 63 problemas apontados e
as mais de cem propostas de solução sugeridas. Juntamente com a Presidência do Conselho,
elaborou-se uma primeira versão do Documento-Base, enviado a todos os interlocutores.
(cf. IPEA, 1998).
A partir desse segundo recebimento de respostas elaborou-se, ainda em 1997, uma
Segunda Versão do Documento-Base, submetida à apreciação do Conselho da Comunidade
18
Solidária. Um Comitê Setorial, composto por conselheiros e representantes de organizações
da sociedade civil, deu encaminhamento e monitoramento para a execução das propostas
aprovadas, com o apoio dos Grupos de Trabalho anteriormente criados, aos quais
acrescentaram-se mais quatro Grupos, encarregados de apresentar propostas para os temas:
classificação, financiamento, novo instrumento de contrato e convênio, e contrato de
trabalho.
Finalmente, realizou-se uma Segunda Rodada de Interlocução Política em março de
1998, onde se chegou ao consenso final. Como foi dito, em julho de 98 o Projeto de Lei já
estava sendo enviado ao Congresso.
- Matrizes principais.
De onde partiram, mais imediata e precisamente, as demandas por reformas na
regulação estatal? Voltando para os antecedentes diretamente ligados a esse processo,
podemos sugerir que alguns atores e acontecimentos tiveram maior peso na catalização
dessas iniciativas.
Em primeiro lugar, a reforma do Estado já abordada - com as questões que lhe são
correlatas - é matriz de peso a ser considerada na implementação dessas transformações
legais. Há, porém, outros elementos referidos a diferentes subconjuntos de organizações da
sociedade civil que tiveram peso nessa demanda.
a) Conte-se, aí, a emergência e consolidação de um segmento de organizações da
sociedade civil que não tinha acesso ao estatuto jurídico regulatório: as assim chamadas
ONGs (em sentido restrito, ou seja, no Brasil, as entidades que se dedicam a uma ação em
defesa de direitos e promoção de cidadania, cujo modelo são as que se associam à ABONG
– Associação Brasileira de ONGs).
19
Pode-se considerar como uma das matrizes da mudança do marco legal a
insatisfação das ONGs com o seu não reconhecimento legal enquanto segmento organizado
da sociedade civil voltado para atividades de interesse público.
Dentre as motivações que deram origem à própria constituição da ABONG, em
1991, encontravam-se problemas relacionados à heterogeneidade do estatuto jurídico das
suas futuras associadas. Por essa época, o governo Collor de Mello implantou um plano
econômico que bloqueava os depósitos bancários de milhões de pessoas físicas e jurídicas,
entre as quais a maioria das ONGs - as quais tiveram, portanto, seu trabalho paralisado.
Dentre estas, porém, havia umas poucas entidades que, desenvolvendo atividades
educacionais e/ou de assistência social, tinham conseguido obter o Certificado de
Filantropia, o que lhes permitiu ter os seus recursos desbloqueados por uma Medida
Provisória do Executivo. Evidenciou-se, por um lado, que havia uma desigualdade entre as
ONGs quanto às possibilidades de acesso a fundos públicos, sendo poucas as que tinham o
Certificado de Filantropia; por outro, ressaltou-se que não havia reconhecimento legal para
a especificidade das práticas levadas a cabo por esse tipo de organização. Este fato
impulsionou o processo de afirmação da identidade coletiva desse campo das ONGs.
Observe-se que a emergência deste segmento específico de organizações deu-se em
período histórico mais recente, correspondendo à ampliação do campo dos direitos, à
difusão dos valores e das práticas da cidadania e à construção de novos sujeitos e
identidades políticas. Já o marco legal herdado em grande medida dos anos 30 só dava
conta, de forma restrita, de determinadas áreas de ação social onde prevalecia a lógica da
filantropia.
Na medida em que a posse do certificado de filantropia - junto com o título de
utilidade pública federal e estadual ou municipal (todos de concessão discricionária do
poder executivo) - eram e continuam sendo condição sine qua non para o reconhecimento
do direito constitucional à imunidade tributária das entidades beneficentes assistenciais e de
educação, pode-se bem avaliar a importância da extensão desse reconhecimento para as
"novas" ONGs.
20
Esta convergência entre os interesses das ONGs e a iniciativa do governo de
Fernando Henrique Cardoso (e principalmente do Comunidade Solidária) de proceder à
mudança do marco legal colocou os seguintes dilemas para as ONG representadas pela
ABONG (conforme documentos que expressam debates ocorridos nesse processo e
depoimentos de seus diretores):
-
O primeiro dilema diz respeito à necessidade de diferenciar a sua posição de
defesa do fortalecimento das organizações da sociedade civil e da esfera pública
não estatal de outra lógica que também defende aquela fortalecimento, ou seja, a
lógica privatista e de minimalismo estatal de cunho neoliberal;
-
O segundo dilema coloca-se pela contraposição de dois objetivos relevantes: (1)
a necessidade de afirmação da sua identidade específica frente a outros
segmentos do chamado Terceiro Setor, através de legislação apropriada; (2) sua
responsabilidade pela defesa não apenas de interesses específicos das ONGs,
mas de questões de interesse público e de compromisso com a constituição de
uma esfera pública ampliada, como o fortalecimento da assistência social
enquanto política pública e expressão de direitos, e a necessidade de limpeza do
campo das entidades assistenciais filantrópicas da corrupção e da fraude. Este
dilema foi e está sendo resolvido na prática pela opção pela posição menos
corporativa e mais universalista.
-
O terceiro dilema diz respeito a como conciliar o esforço de renovação da
assistência social e da filantropia - eliminando as falsas entidades ditas
beneficentes - com a defesa das políticas sociais de maneira geral, face à
orientação fiscalista do governo atual (agravada após a crise e o acordo com o
FMI).
b) A segunda matriz relevante para demandas na reforma legal foi a evolução do
campo tradicional das organizações de assistência social.
21
Essas organizações passam, nos últimos quinze a vinte anos, por transformações
quanto às suas posições na cena brasileira. De tradição privatista e marcadas por visões
hierárquicas e pessoalizadas, passam pouco a pouco a atuar no espaço público, permeandose pela lógica da cidadania. A inclusão no texto constitucional de 1988 do conceito de
Seguridade Social, integrando as áreas de Previdência, Saúde e Assistência, já expressava o
resultado de uma série de lutas e iniciativas que tiveram lugar no campo da assistência
social, envolvendo profissionais da área, usuários e trabalhadores.
A partir de avanços na ordem constitucional essas organizações vão-se mobilizar
pela elaboração de uma nova Lei Orgânica de Assistência Social, que é aprovada em
dezembro de 1993. Essa lei consagra avanços na definição das entidades de assistência
social, incluindo na sua caracterização as atividades relacionadas à defesa de direitos.
Todas essas mobilizações vão-se constituir em precedentes relevantes nas posteriores
iniciativas relacionadas ao Marco Legal do Terceiro Setor.
c) Finalmente, têm peso nesses processos as entidades empresariais.
No tocante à participação de instituições vinculadas a empresas (fundações,
institutos, e o próprio GIFE, que articula parte dessas instituições) no processo de mudança
do marco legal do Terceiro Setor, é preciso considerar a confluência de pelo menos três
ordens de fatores.
Em primeiro lugar, as mudanças em curso nos meios empresariais quanto à
emergência de novas concepções acerca da participação das empresas nas questões sociais
(que vai da “filantropia empresarial” à “cidadania empresarial”6), com uma relativa redução
do peso do corporativismo e das concepções filantrópicas tradicionais em prol do
fortalecimento das concepções voltadas para a sociedade/comunidade, numa ótica mais
próxima das noções de cidadania e fortalecimento da sociedade civil.
6
Ver a respeito Sergio Goes de Paula e Fabíola Rohden (1998).
22
Em segundo lugar, as instituições sem fins lucrativos ligadas às empresas talvez
sejam o segmento do Terceiro Setor mais permeável ao discurso segundo o qual é
irreversível o processo de enfraquecimento do Estado, a sua incapacidade crônica de
atender através de políticas públicas às necessidades sociais básicas, e a necessidade de
drásticos ajustes fiscais que ponham fim ao desequilíbrio das contas do Estado através da
redução dos gastos com políticas públicas. Esta concepção é permeada com freqüência pela
idéia da ineficiência dos gastos realizados pelo Estado e, conseqüentemente, pela idéia de
que seria possível utilizar mais eficientemente recursos públicos através da transferência
para a sociedade civil de programas a serem financiados pelo Estado.
Um terceiro aspecto diz respeito à insatisfação dessas entidades empresariais frente
às tendências recentes, desde 1994, de redução de incentivos fiscais - ao lado do aumento
da carga tributária. Como exemplo dessa tendência é citada a extinção da dedutibilidade
para efeito de imposto de renda de doações feitas por pessoas físicas. Já em 94, O GIFE e a
Fundação Esquel subscreveram, junto com a ABONG e outras entidades, documento
exigindo publicidade e transparência no tocante ao acesso de entidades da sociedade civil a
fundos públicos.
- Debates e concepções
Podem-se identificar esquematicamente, na arena política e no debate que se
instaurou sobre o Marco Legal, pelo menos três grandes correntes que, sem excluir o
diálogo e a disputa e mesmo a superposição entre elas, representam posições distintas por
detrás de alianças pontuais e consensos nascidos de um cenário que não deixa de apresentar
turbulências.
Em primeiro lugar destacaríamos a posição que pensa a relação entre as
organizações da sociedade civil e o Estado a partir de uma lógica funcional, especializada e
executiva, que constitui a prática das parcerias como prioridade, com forte acento na
delegação de responsabilidades e na retirada do Estado da ação direta nas questões que
23
concernem à agenda social. Em segundo lugar, temos uma visão centrada na atribuição de
um sentido político chave para o papel das organizações da sociedade civil como
propositoras, controladoras, fiscalizadoras e monitoras de políticas e ações públicas
governamentais. Existem, finalmente, concepções que, ressaltando a competência e
legitimidade dos atores privados na resolução dos problemas públicos, tendem a priorizar
as organizações da sociedade civil enquanto atores que darão conta das principais questões
sociais.
A nova lei do Marco Legal apresenta-se como um compromisso entre as três
posições: ao reconhecer o sentido público das ações dos atores privados em inúmeros
campos de ação, ao exigir uma formato institucional único e genérico voltado para um
privilégio no relacionamento com o Estado, ao exigir inúmeras formas de controle público
e transparência.
O consenso a que se chegou em torno da Lei 9.970 não eliminou portanto,
obviamente, diferentes posições em um debate entre atores variados. Na verdade, um dos
resultados positivos a serem ressaltados quanto a esse processo foi o aprofundamento de
discussões com relação às organizações da sociedade civil e seus papéis na cena
contemporânea.
As ONGs filiadas à ABONG, por sua posição já apontada no processo de
reconhecimento legal e também por sua vocação de formulação política, vocalização e
participação no espaço público, têm produzido vários documentos, no contexto do Marco
Legal, onde se pronunciam sobre diferentes concepções da relação entre Estado e sociedade
civil. A apresentação de sua leitura desse processo nos permite chegar a um melhor
matizamento das concepções em jogo.
Por exemplo, um dos diretores da ABONG aponta para a existência de duas
posições no debate criticadas e combatidas por essa associação (Durão, 1999). Uma delas
não foi mencionada acima - é uma quarta posição - porque se coloca em oposição à própria
reforma legal pretendida. Segundo o autor, ela teria "profundas raízes no estatismo
24
arraigado em amplos setores da sociedade brasileira, inclusive em segmentos da esquerda.
Consiste basicamente na confusão entre público e estatal, com a redução do público ao
estatal. Essa concepção é incapaz de incorporar a idéia de uma esfera pública ampliada, e
por isso não é capaz de compreender a natureza complexa da discussão sobre os fundos
públicos, e a legitimidade e necessidade de acesso de organizações da sociedade civil a
esses fundos, assim como do controle social sobre os mesmos". A outra posição, da qual a
ABONG também discorda, é a ("neoliberal") que teria "uma visão instrumental do papel
das organizações da sociedade civil e, em particular, das ONGs, às quais propõe que
sejam atribuídas tarefas públicas não executadas pelo Estado, que foge às suas
responsabilidades e ao papel insubstituível que lhe cabe na promoção de políticas públicas
de caráter universal".(Durão, op. Cit.)
A terceira posição, afirmada pela ABONG, foi incorporada ao diálogo político
descrito acima, no qual se gestou a futura Lei 9790/99, ganhando legitimidade e
reconhecimento oficial através do Documento-Base de 19977. Esse Documento formulou-a
nos seguintes termos: "É necessário incluir também as chamadas ONGs (organizações não
governamentais) cuja atuação não configura nenhum tipo de complementariedade ou de
alinhamento aos objetivos de políticas governamentais, e nem, muitas vezes, de
suplementariedade à presença do Estado. Ao lado das instituições que complementam a
presença do Estado no desempenho de seus deveres sociais e ao lado daquelas entidades
que intervêm no espaço público para suprir as deficiências ou ausência da ação do Estado,
devem ser também consideradas, como de fins públicos, aquelas organizações que
promovem, desde pontos de vista situados na Sociedade Civil, a defesa de direitos e a
construção de novos direitos - o desenvolvimento humano, social e ambientalmente
sustentável, a expansão de idéias-valores (como a ética na política), a universalização da
cidadania, o ecumenismo (latu sensu), a paz, a experimentação de novos padrões de
relacionamento econômico e de novos modelos produtivos e a inovação social etc."
Como se pode perceber, um dos subprodutos do processo de elaboração da lei foi o
aprofundamento e a disseminação do debate sobre a sociedade civil e o Estado.
25
Particularmente em foco esteve a discussão sobre a idéia de Terceiro Setor. Segundo Debert
e a partir de entrevistas que realizou com atores ligados às organizações da sociedade civil,
essa discussão controversa - focalizada nas diferentes avaliações sobre função, tamanho e
significado do "setor" - colocou sobre a mesa temas que todos consideram que vale a pena
discutir, quando está em jogo o marco legal (Debert, 1998).
Além disso, uma outra consequência desse processo foi o desencadeamento de
novas interações entre organizações da sociedade civil. Como disse Durão, "o recorte
operado pela lei das OSCIPs parece à primeira vista representar por si só um avanço no
enfrentamento da questão e na possibilidade da construção de alianças entre ONGs,
Fundações Empresarias, Entidades de Assistência Social e outras OSCs com fim
público"(Durão, 1999).
IV. IMPLEMENTAÇÃO E CUMPRIMENTO: INCERTEZAS.
Os debates continuaram após a promulgação da Lei, não só em torno do seu
cumprimento, mas também do seu aperfeiçoamento, na superação de lacunas importantes a
serem reguladas. Discussões e documentos continuam a ser produzidos principalmente no
âmbito das organizações da sociedade civil, com avaliações positivas e negativas de todo o
processo.
Quanto a considerações sobre avanços e ganhos da lei, ressaltam-se principalmente
a questão da desburocratização nas relações com os órgãos públicos no repasse de fundos e
a do esforço classificatório das OSCs no Brasil, com a perspectiva de "separar joio do
trigo". Isso implica em um processo de reconhecimento oficial - com as consequências
positivas que este acarreta em termos de reconhecimento pela sociedade - do espectro de
entidades que compõem um "terceiro setor", ou o campo das OSCs de sentido público, no
país, em suas diferentes gerações, origens e atividades.
7
Trata-se da Sexta Rodada de Interlocução Política do Conselho da Comunidade Solidária, realizada no dia 6
26
De fato, pela Lei, podem-se qualificar como OSCIPs as organizações que realizam:
promoção da assistência social; promoção da cultura; defesa e promoção do patrimônio
histórico e artístico; promoção gratuita da educação; promoção gratuita da saúde; promoção
da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio-ambiente
e promoção do desenvolvimento sustentável; promoção do voluntariado; promoção do
desenvolvimento econômico e social e combate a pobreza; experimentação, não lucrativa,
de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio,
emprego e crédito; promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e
assessoria jurídica gratuita de caráter suplementar; promoção da ética, da paz, da cidadania,
direitos humanos da democracia e de outros valores universais; estudos e pesquisas,
desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e
conhecimentos técnicos científicos.
Também, formalmente, o novo instrumento jurídico criado, o Termo de Parceria,
estabelece um novo mecanismo de acesso a fundos públicos em que são negociadas metas e
produtos, que deverão ser submetidos a avaliações constantes. A introdução, na Lei, de um
papel para os conselhos de políticas das áreas em questão (Conselho da Criança e
Adolescente, da Saúde, da Assistência Social etc.), que serão consultados sobre os Termos
de Parceria e fiscalizarão os resultados, tem sido considerada um ganho – ao menos, formal
- no sentido do controle e democratização.
Uma dinâmica resgatada por muitos como positiva nesse processo - algo externo ao
conteúdo da lei propriamente dito - é a participação de diferentes atores da sociedade civil
na sua difusão e elaboração, tendo havido uma enriquecedora interlocução entre diversos
atores governamentais e não governamentais, com avanços em conhecimento recíproco e
aprofundamento de debates que são de interesse comum.
de outubro de 1997, sobre o Marco Legal do Terceiro Setor.
27
Em que pesem essas questões positivas, muitas incertezas e indagações permanecem
e vêm sendo pontuadas por participantes e observadores de todo esse processo aqui
descrito.
De fato há quem avalie que, após a entrada em vigor da Lei 9790, continuou a
prevalecer um cenário de incerteza e confusão com relação ao significado real das
mudanças promovidas pelo atual governo na legislação que regula as entidades sem fins
lucrativos no Brasil. A insegurança decorrente dessas mudanças se reflete na atitude de
expectativa da grande maioria das entidades do chamado terceiro setor, que hesitam em
aderir ao novo marco legal, assim como na própria postura do Ministério da Justiça, que
tem adotado excessivas cautelas na aceitação dos pedidos de qualificação de entidades
como organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP’s), criando um novo
gargalo burocrático ali onde, conforme o espírito da Lei, deveria haver um processo ágil de
auto-qualificação das entidades.
Esta prática cartorial de uma legislação que pretende revolucionar as relações entre
o Estado e a Sociedade Civil não é a única confusão que se verifica. Há outros problemas
em potencial, como a pretensão de alguns gestores governamentais de instituições públicas
de criarem OSCIP’s ad hoc para se livrarem da camisa de força das normas da
administração pública.
Completando o quadro de dificuldades, a equipe econômica do governo tem
resistido a todas as possibilidades de renúncia fiscal para a viabilização de políticas sociais
e um efetivo fortalecimento do Terceiro Setor, não lhe fornecendo alternativas adequadas
de financiamento. Ou seja, no mesmo período em que se processam essas mudanças na
legislação das organizações da sociedade civil de interesse público, o ajuste fiscal
promovido por essa mesma equipe tornou ainda mais precários a capacidade e o papel do
Estado como agente financiador das políticas sociais.
Diante desse quadro alguns atores, como a ABONG, levantam uma questão com
relação ao sentido da reforma legal: trata-se realmente de fortalecer o Terceiro Setor, ou de
28
uma estratégia a mais de afastamento do Estado de suas obrigações para com as políticas
sociais (em particular no tocante à seguridade social), com um estreito objetivo de curto
prazo de redução dos gastos públicos? Na verdade, o contexto acima referido de reforma do
Estado em que se dão essas transformações imprime a esses acontecimentos marcas de
ambiguidade e incerteza quanto a resultados a médio ou longo prazo. Nas palavras de um
dos agentes participantes do processo, "abre-se agora uma nova etapa de luta, para a qual
as organizações da sociedade civil devem estar preparadas, cabendo ao governo, e em
particular à Casa Civil e ao Comunidade Solidária, honrar o compromisso de dar
continuidade ao processo, enfrentando as resistências - agora (depois do acordo com o
FMI) provavelmente redobradas - da Fazenda e da Receita Federal" (Durão, 1999)
V. NOTAS FINAIS
A criação de um campo de organizações da sociedade civil plural e autônomo no
Brasil, nas duas últimas décadas, foi condição necessária para sua participação e influência
em um processo de tomada de decisões públicas com relação à promulgação de uma nova
Lei relacionada ao Terceiro Setor.
Como se viu, se essa é condição necessária, não é suficiente, já que se trata de um
processo multifacetado, com muitos atores e interesses, alguns até estrategicamente
contraditórios. O fato de estarmos diante de acontecimento extremamente recente e ainda
em curso dificulta uma análise e avaliação mais definitiva de seus resultados, para além da
reforma do Marco Legal em si mesma. No entanto, é inegável que a dinâmica de
construção e aplicação da nova legislação cria mais um espaço em que interagem ou se
confrontam forças sociais e políticas diferenciadas, dentro do campo do estabelecimento de
uma agenda social para o país. Se nesse espaço o protagonismo governamental é
fundamental, nele ocupam também um lugar de peso as lideranças de diversos
"subconjuntos" de organizações da sociedade civil brasileira. Nos desdobramentos
29
posteriores desse processo certamente contará a atuação desses diversos atores que
continuam, ao que tudo indica, mobilizados para fazer sentir sua intervenção.
Retomando os referenciais quanto aos "desafios para a efetividade na política"
estabelecidas por esse projeto comparativo, podemos sugerir que vários foram
satisfatoriamente enfrentados pelas organizações da sociedade civil envolvidas. Ou seja,
essas demonstraram possuir capacidade de análise do cenário em que se inserem e de
proposição de alternativas a políticas existentes, em um campo especializado como o da
formulação e aprovação de reformas legais. Diante de atores plurais, soube-se estabelecer
interações, alianças e trabalho coordenado ad hoc. Se a mobilização envolvida no processo
não foi massiva, os agentes nele participantes souberam, aparentemente, representar os
interesses dos diferentes segmentos que "representavam". Sobretudo, as OSCs
demonstraram capacidade e qualificação no acesso aos canais para diálogo e influência com
relação ao Estado.
Ainda com relação aos critérios estabelecidos pelo projeto, uma das "dimensões do
êxito na incidência sobre políticas" foi o resultado palpável da promulgação da lei. No
entanto, os "êxitos" objetivos daí advindos, quanto à aplicação da lei e à efetividade dos
seus resultados diante da questão social, dependem de uma série de fatores a serem
acompanhados no tempo. O protagonismo das OSCs será, evidentemente, fator de peso nos
rumos dos acontecimentos.
Não se pode deixar de considerar, no entanto, que houve ganhos com relação à
afirmação da legitimidade e do protagonismo de um espectro de organizações da sociedade
civil, novas e antigas, no espaço público, avançando-se no debate complexo e contraditório
sobre as relações entre Estado e sociedade civil na cena contemporânea.
30
BIBLIOGRAFIA CITADA
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pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público - Brasilia:1999.
Debert, Guita - "Marco Legal e o Terceiro Setor", em Debert, Guita e Sadek, Teresa
- Terceiro Setor: uma avaliação da legislação, São Paulo: IDESP, 1998 (mimeo).
Debert, Guita e Sadek, Teresa - Terceiro Setor: uma avaliação da legislação, São
Paulo: IDESP, 1998 (mimeo).
Durão, Jorge Eduardo Saavedra - O Impacto da Reforma do Estado e a Ação das
ONGs, Palestra realizada no 19º Congresso da APAES (Associações de Pais e Amigos dos
Excepcionais), Belo Horizonte, 27 a 29 de julho de 1999 (mimeo).
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31
Valencia, Enrique y Winder, David " (org) - El Desarrollo una Tarea en Comum,
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Synergos Institute / Idea, 1997.
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