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Braz J Periodontol - December 2014 - volume 24 - issue 04
DIABETES MELLITUS: O QUE OS PERIODONTISTAS
DEVEM SABER
Diabetes Mellitus: what periodontists must know
Ieda Santos Abreu1, Daniela Yumie Takahashi1, Henrique Aparecido Bueno da Silva1, Henrique Fukushima1, Lucas Macedo
Batitucci Ambrósio1, Priscila Vivas da Cruz Andrade1, Stefania Maria Bernardi Possamai1, Giuseppe Alexandre Romito1, Marinella
Holzhausen1.
1
Disciplina de Periodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP).
Recebimento: 11/08/14 - Correção: 26/09/14 - Aceite: 15/11/14
RESUMO
A doença periodontal, uma doença infecto-inflamatória crônica que pode levar à perda dentária, é considerada
a sexta principal complicação que ocorre no paciente diabético, podendo ter sua susceptibilidade aumentada em até
três vezes para esse tipo de paciente. Assim como o diabetes aumenta o risco para periodontite, na via contrária, a
periodontite dificulta o controle metabólico pelo paciente diabético. O Diabetes do tipo 2 tem se tornado uma epidemia
com prevalência crescente em todo o mundo, afetando aproximadamente 382 milhões de pessoas e acredita-se que
até 2035 esse número aumente para 592 milhões. O Diabetes Mellitus é uma das principais causas de mortalidade,
insuficiência renal, amputação de membros inferiores, cegueira e doença cardiovascular, além de apresentar perda
importante de qualidade de vida. Baseados nesses números e na relação bidirecional existente entre essas doenças,
nós acreditamos na necessidade do entendimento do diabetes pelo periodontista.
UNITERMOS: Diabetes Mellitus; Diabetes; Doença Periodontal. R Periodontia 2014; 24:22-28.
INTRODUÇÃO
O Diabetes Mellitus (DM) é um transtorno metabólico
caracterizado por hiperglicemia e distúrbios no metabolismo
de carboidratos, proteínas e gorduras, resultantes de
defeitos da secreção e/ou da ação da insulina (Alberti
& Zimmet, 1998). No Brasil, 90% dos casos ocorrem
em pacientes obesos com mais de 40 anos e os fatores
causais são múltiplos e relacionados a uma predisposição
genética correlacionada a fatores ambientais como estresse,
obesidade, maus hábitos alimentares, fumo, hipertensão e
sedentarismo (Sociedade Brasileira de Diabetes, 2007). O
Brasil que ocupava a 8ª posição no ranking do diabetes em
2000 deverá passar para a 6ª posição em 2030 (Organização
Mundial de Saúde, 2003).
Nos indivíduos saudáveis, logo após as refeições ocorre
uma elevação da carga glicêmica na corrente sanguínea
que fica acima de 126 mg/dL. O pâncreas então libera
uma grande quantidade de insulina para essa glicose ser
aproveitada pelo organismo, para a glicemia permanecer
parcialmente controlada (não ultrapassando o valor
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de 200 mg/dL) e para retornar ao valores normais em
aproximadamente 3 horas. Em indivíduos diabéticos isso não
acontece, a glicemia fica acima de 200 mg/dL e nesse nível
persistentemente elevado torna-se extremamente tóxica ao
organismo (American Diabetes Association, 2005; American
Diabetes Association, 2010). Esse descontrole permanente
resulta no decorrer dos anos numa série de complicações
incluindo danos teciduais, perda da função normal e falência
de vários órgãos.
Nesta revisão abordamos principalmente o Diabetes
Mellitus do tipo 2 (DMT2), que corresponde de 90% a 95%
dos casos de diabetes. O paciente apresenta produção
normal de insulina pelo pâncreas porém o organismo não a
utiliza adequadamente: é a chamada resistência à insulina.
REVISÃO DA LITERATURA
1 - Sintomas e Diagnóstico do Diabetes Mellitus
Os principais sintomas do DMT2 são comumente
chamados de os quatro P’s: poliúria (aumento do volume
urinário), polidipsia (muita sede), polifagia (muita fome)
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e perda de peso. Como é uma doença progressiva, o
diagnóstico correto e precoce é extremamente importante
porque permite que sejam adotadas medidas terapêuticas
para evitar o aparecimento de complicações crônicas.
Segundo as recomendações da Organização Mundial de
Saúde (Alberti & Zimmeti, 1998), os exames laboratorias
descritos abaixo e resumidos na Tabela 1 são os necessários
para o diagnóstico do diabetes.
Tabela I - Valores a serem considerados para os exames laboratorias para o diagnóstico de Diabetes Mellitus
Glicemia de Jejum (mg/dl)
Glicemia de
2 horas (mg/dl)
Hemoglobina
Glicada (%)
Normal
< 100
< 140
4,0 a 5,9
Pré-Diabético
101 a 125
140 a 199
6,0 a 6,4
Diabético
> 126
> 200
≥ 6,5
Glicemia em jejum: modo clássico de diagnosticar o DM.
É necessário jejum de no mínimo 8 horas pois a mensuração
do nível da glicose no sangue é feita por meio do sangue
venoso. Fornece o valor da glicemia somente no momento
da coleta (American Diabetes Association, 2010).
Teste Oral de Tolerância à Glicose. Como nos pacientes
diabéticos os níveis da glicemia após a ingestão da glicose
oral sobem para valores mais altos que o normal e depois
de 2 horas não baixam rapidamente, como acontece nos
indivíduos saudáveis, é importante realizar este exame. O
laboratório médico fornece 75 g de glicose ao paciente e
ao final de 2 horas uma amostra de sangue é coletada para
aferição da sua glicemia. Este exame serve para avaliar a
secreção de insulina após uma carga de glicose e, igualmente
ao exame de jejum, só atribui valor para a glicemia no
momento da coleta (American Diabetes Association, 2005;
Sociedade Brasileira Diabetes, 2007; American Diabetes
Association, 2010)
Hemoglobina Glicada. É um importante marcador da
glicemia crônica porque reflete a exposição glicêmica nos
três meses anteriores à coleta de sangue. Esse exame dosa a
quantidade de glicose que se combinou com a hemoglobina
dos glóbulos vermelhos, permitindo quantificar o açúcar
que circulou pelo sangue durante toda a meia vida das
hemácias. É uma eficiente ferramenta na identificação e
no acompanhamento do DMT2, devendo ser realizado de
duas a quatro vezes por ano para a obtenção da média do
controle glicêmico dos últimos três meses (American Diabetes
Association, 2010).
doença são indicadas consultas médicas regulares e controle
periódico da glicemia através de exames de glicemia de jejum
e hemoglobina glicada (American Diabetes Association, 2010).
Uma vez estabelecido o diagnóstico, exames para o
rastreamento de complicações crônicas como acometimento
dos rins, dos olhos, do coração, dos nervos periféricos e
dos pés devem ser realizados. Para o acompanhamento da
2 – Tratamentos do Diabetes Mellitus
O objetivo do tratamento é abaixar os níveis de glicose
e prevenir as complicações diabéticas. Alguns diabéticos
conseguem manter-se controlados apenas com uma
alimentação saudável, perda de peso e atividades físicas, mas
como o diabetes é uma doença progressiva, com o tempo
quase todos os pacientes irão necessitar de tratamento
farmacológico. Diversos medicamentos orais têm sido
utilizados para o tratamento do DMT2, e eles podem atuar
das seguintes maneiras: estimulando a produção de insulina
por células pancreáticas (células do tipo β), reduzindo a
produção de glicose pelo fígado ou diminuindo a absorção de
carboidratos pelo intestino. Abaixo descrevemos os fármacos
utilizados para o controle do diabetes.
Biguanidas: a mais utilizada é a metformina, que melhora
a ação da insulina no fígado, diminuindo a produção hepática
da glicose em 10% a 30% e aumentando a captação de
glicose em 15% a 40%. Sua utilização é por via oral e sempre
administrada após as refeições para minimizar os efeitos
gastrointestinais. (Araújo et al., 2000).
Sulfoniluréia: atuam estimulando as células do pâncreas a
secretar insulina e para que seja eficaz é necessária a existência
de certa capacidade secretora de insulina pelas células beta
das ilhotas de Langerhans. Indicada para pacientes com
DMT2 cujo aparecimento ocorreu após os 40 anos, de início
recente, e que a terapêutica dietética isolada não é suficiente
(Zacarelli, 1987).
Inibidores da alfa-glicosidase: acarbose, miglitol e
voglibose agem como antagonistas enzimáticos da amilase
e sucrase e diminuem a absorção intestinal da glicose. A
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acarbose é disponível em comprimidos e pode ser associada
a outro antidiabético oral ou insulina (Araújo et al., 2000).
Tiazolidinedionas: a rosiglitazona e pioglitazona agem
aumentando e sensibilizando a ação da insulina no fígado,
músculos e adipócitos, diminuindo a resistência periférica.
Elas diminuem os níveis glicêmicos em torno de 20% mas
não aumentam a secreção de insulina (Araújo et al., 2000).
Insulina: portadores de DMT2 podem iniciar o tratamento
tanto com medicações via oral quanto com insulina, e os
resultados serão semelhantes no controle glicêmico, risco de
hipoglicemia, adesão ao tratamento e qualidade de vida. No
entanto, mais da metade dos casos dos pacientes que iniciam
o tratamento com medicações via oral vão necessitar da
introdução de insulina, decorrente da redução progressiva do
volume de células ß e consequente diminuição de produção
insulínica, com o passar do tempo de doença (Sociedade
Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, 2011).
3 - O Diabetes e o Periodonto
A doença periodontal tem sido identificada como a
sexta complicação significante do diabetes mellitus (Löe,
1993). O hospedeiro diabético responde com uma resposta
hiperinflamatória aos periodontopatógenos, e esses efeitos
são parcialmente mediados pelos produtos finais de
glicação avançada e seus receptores (Lalla & Papapanou,
2011). Neutrófilos têm suas funções de adesão, quimiotaxia
e fagocitose alteradas, o que torna o hospedeiro mais
susceptível às infecções, e macrófagos/monócitos produzem
mais mediadores e citocinas pró-inflamatórias, contribuindo
para a destruiçao periodontal (Mealey & Oates, 2006). E
também devido à hiperglicemia ocorre uma diminuição da
proliferação e crescimento de fibroblastos do ligamento
periodontal, e síntese de colágeno (Bjelland, 2002).
A relação bidirecional entre essas duas patologias tem sido
bastante estudada. A periodontite pode estar associada com
o pobre controle glicêmico em diabéticos (Taylor et al., 1996)
uma vez que a infecção peridontal faz com que ocorra um
aumento da carga sistêmica de mediadores inflamatórios e
exarceba o descontrole glicêmico já existente (Sgolastra et al.,
2013). O tratamento periodontal melhora o controle glicêmico
e reduz a hemoglobina glicada em aproximadamente 0.4%
(Simpson et al., 2010).
diabético. Todos os pacientes diabéticos devem ser orientados
quanto ao risco do diabetes para a doença periodontal,
encorajados a manter meticulosa higiene oral e entender que
o controle de placa bacteriana realizado em casa é o meio
pelo qual controlarão a inflamação que conduz a destruição
do periodonto. Ainda, devem receber terapia periodontal
de suporte em intervalos necessários para manter um alto
nível de saúde periodontal (Rees, 2000) e a frequência das
consultas deve ser estipulada pelo periodontista de acordo
com a extensão e severidade da doença periodontal, com a
destreza do paciente para os procedimentos de higiene oral
e com o nível do controle metabólico do paciente (Preshaw
et al ., 2012). Quando o paciente diabético encontrase metabolicamente controlado ele deve ser entendido
como um paciente saudável. No entanto, a presença de
complicações médicas associadas ao diabetes deve ser
avaliada cuidadosamente e considerada em qualquer decisão
terapêutica. Pacientes diabéticos controlados geralmente são
candidatos para receber tratamento peridontal incluindo
cirurgias quando indicadas.
3.1 – O tratamento periodontal no paciente
diabético
As evidências baseadas em estudos epidemiológicos
reforçam que o tratamento periodontal é benéfico para o
controle glicêmico do diabetes, o que torna o periodontista
uma peça importante no acompanhamento do paciente
3.2 – Implantes no paciente diabético
A substituição de dentes por implantes é uma modalidade
eficaz de tratamento e em pacientes diabéticos tem sido
bastante investigado por periodontistas. A manutenção da
osseointegração a longo prazo é que possibilita resultados
satisfatórios na reabilitação de pacientes, mas apesar das
informações não serem suficientes para explicar como o
diabetes pode afetar a osseointegração alguns fatores de risco
são importantíssimos na hora da tomada de decisão: tipo e
tempo do diabetes, níveis elevados de glicose, aumento dos
níveis de hemoglobiona glicada, histórico de perda de dentes
devido à periodontite, história de dificuldade de cicatrização
e história de tabagismo como co-fator para o insucesso
do implante (Fiorellini & Nevins, 2000). Vários autores têm
demonstrado que o insucesso do implante está relacionado
com o diabetes não controlado (Shernoff et al., 1994; Javed &
Romanos, 2009; Zupnik et al., 2011). Balshi & Wolfinger (1999)
demonstraram que indivíduos diabéticos bem controlados
podem receber implante oral.
Gomes-Moreno et al (2014) analizaram as mudanças
que ocorrem nos tecidos perimplantares de diabéticos com
diferentes níveis glicêmicos por um período de três anos após
a colocação do implante. Eles demonstraram que a perda
da crista óssea está relacionada com níveis glicêmicos mais
elevados e que a colocação do implante nesses pacientes
é possível se houver monitoramento da glicemia. Segundo
Fiorellini et Nevins (2000) as informações disponíveis não
são suficientes para determinar como o diabetes afeta o
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processo de osseointegração e além disso não pode ser dito
que os distúrbios da formação de osso relatados sistêmica e
localmente no periodonto possam ser aplicados aos implantes
endósseos.
3.3 - Mucosite e Periiplantite no diabético
Segundo a Academia Americana de Periodontia (2013)
as evidências que associam o diabetes com a perimplantite
são limitadas devido ao número pequeno de estudos. A
Academia cita quatro revisões sistemáticas que não puderam
concluir que os diabéticos apresentam maior incidência de
peri-implantite e que apontaram o controle metabólico como
fator importantíssimo, uma vez que a hiperglicemia afeta a
reparação tecidual, as defesas do hospedeiro e a homeostase
do colágeno. Ainda, no Consenso do 6º Workshop Europeu
de Periodontia (Lindhe & Meyley, 2008), os autores declararam
que poucas evidências podem associar a presença de
mucosite e perimplantite com o diabetes não controlado.
influência dessas doenças na consolidação do enxerto em
calvária de ratos e concluíram que não houve alteração na
quantidade do novo osso formado, entretanto a capacidade
osteogênica da calvaria nesses modelos foi fraca.
Shirakata et al. (2014) avaliaram a cicatrização após a
aplicação de matriz derivada do esmalte (MDE) em defeitos
periodontais supra e infra-ósseos em ratos diabéticos.
Eles concluíram que apesar das dificuldades do estudo, a
cicatrização dos tecidos periodontais foi prejudicada em
ratos diabéticos e a MDE não apresentou nenhum benefício
mensurável na formação do novo osso e cemento nestes
animais.
4 - Outras Manifestações Orais
Outras manifestações orais comuns no paciente diabético
são: xerostomia, aumento da incidência e severidade de
cáries, candidíase, abcessos periapicais e síndrome da
ardência oral (Vernillo, 2001). A xerostomia é prejudicial para
a manutenção da saúde oral e sistêmica uma vez que os
componentes da saliva contribuem para o tamponamento,
ação antimicrobiana, defesas antioxidantes e ação digestiva
(Simões et al., 2009). Esta condição pode afetar tanto os
tecidos duros quanto os tecidos moles da cavidade oral,
trazer dificuldades na lubrificação, mastigação e deglutição
dos alimentos prejudicando o consumo nutricional (Lamster
et al., 2008). Em relação ao aumento da incidência de cáries
dentais, ainda não há uma associação específica entre as
duas condições (Ship, 2003) e um possível fator de risco é a
diminuição do fluxo salivar (Moore et al., 2001). No diabético
também é comum o aparecimento de abscessos periodontais
que aceleram a destruição dos tecidos de suporte dos dentes
devido à supressão da função das células de defesa. (American
Dental Association,1994).
Outra alteração que pode ocorrer é a síndrome da
ardência oral, uma desordem neurossensorial orofacial de
causa desconhecida e caracterizada pela sensação de ardência
bilateral da mucosa oral. Lesões da mucosa oral como língua
fissurada, fibroma irritante, úlceras traumáticas, líquen plano,
estomatite aftosa recorrente e infecções fúngicas como a
candidíase também podem estar associadas ao diabetes, e
ocorrem devido à imunossupressão crônica, dificuldade de
cicatrização e/ou hipofunção salivar (Leite et al., 2013).
3.4 – Influência do Diabetes na Regeneração
Óssea e Tecidual
A reconstrução de defeitos ósseos com enxerto ósseo
autógeno em pacientes diabéticos, que têm a cicatrização
alterada, pode apresentar as fases de revascularização,
incorporação, substituição e remodelação da área enxertada
comprometida (Esteves et al., 2008). Alguns artigos na
literatura que trazem informações a respeito da influência
do diabetes na regeneração óssea e tecidual guiada
acreditam que o diabetes esteja associado com a capacidade
regenerativa comprometida do osso e que levam a problemas
com a consolidação de enxerto (Fuegl et al., 2011).
Em 2005, Schwartz-Arad et al. realizaram um estudo
retrospectivo com casos de aumento de osso aveoloar usando
enxerto em bloco intraoral. Foi observado que o fumo e o
diabetes estavam associados com complicações e falhas no
enxerto e recomendaram que esse tipo de tratamento não
deva ser realizado nesses pacientes.
Esteves et a.l (2008) avaliaram a reparação óssea em
defeitos cirúrgicos de ratos diabéticos não compensados,
preenchidos com osso autógeno. O grupo controle
apresentou resultados melhores porém sem diferença
significativa e eles concluíram que a nova formaçao óssea foi
similar nos dois grupos, porém melhor no grupo controle.
Em um estudo com ratos, Retezepi et al. (2010) avaliaram
a influência do diabetes na nova formação óssea guiada, e
concluiram que a neo-osteogênese é conseguida porém,
quanto mais alta a glicemia maior a possibilidade de infecção
e menor a previsibilidade do tratamento. Fuegl et al (2011)
induziram diabetes e osteoporose em ratos e avaliaram a
5 - O manejo do paciente diabético
Se o paciente apresentar-se no consultório com doença
periodontal e/ou manifestações orais como xerostomia e
infecções recorrentes por cândida, uma anamnese mais
detalhada deve ser realizada buscando alguma associação
com sintomas clínicos que possam estar ligados ao diabetes.
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Um exame de glicose rápida pode ser realizado como
instrumento adicional caso haja suspeita da condição,
porém, essa analise deve ser cautelosa uma vez que a glicose
pode apresentar-se alterada devido a estresse e exercícios
físicos, mesmo em indivíduos saudáveis (Mealey, 1998). O
periodontista deve estar apto a identificar os sintomas e reunir
informações que indiquem a presença do diabetes e sempre
encaminhar o paciente ao médico para um diagnóstico final.
Em diabéticos compensados os procedimentos cirúrgicos
devem ser de curta duração (2 horas ou menos) para
não interferir com a ingestão alimentar do paciente e de
preferência no período da manhã, após refeição matinal e
administração dos medicamentos. Ainda, a ansiedade do
paciente precisa ser controlada para minimizar a liberação
endógena de adrenalina, que pode aumentar a utilização de
insulina e esgotá-la mais rapidamente (Rees, 2000). O paciente
diabético não controlado não deve receber tratamento
odontológico eletivo até que a condição se estabilize ou
autorização médica seja obtida. Antibioticoterapia profilática
deve ser utilizada para procedimentos de emergência a fim de
minimizar o potencial de infecções pós-operatórias e atraso
na cicatrização de feridas (American Dental Association,1994).
A figura 1 ilustra um esquema de atendimento para os
diabéticos controlados e não controlados.
Figura 1. - Esquema de atendimento periodontal para pacientes diabéticos
Paciente diabético
compensado
Deve ser tratado como um paciente
sistemicamente saudável
Orientado quanto ao risco de doença periodontal
Deve receber terapia periodontal de suporte em intervalos estipulados pelo periodontista
Encorajamento de consultas regulares ao periodontista
Procedimentos cirúrgicos preferencialmente realizados pela manhã
Controle de ansiedade durante as consultas
Paciente diabético
não-compensado
Deve ser orientado quanto ao risco da doença periodontal
É mais susceptível à doença peridontal que o paciente diabético controlado
Pode apresentar xerostomia, infecções recorrentes por cândida, abscessos periodontais e
síndrome da ardência oral
Deve ser encaminhado ao endocrinologista
Antibióticoterapia profilática se houver necessidade de uma intervenção de emergência
Segundo a American Diabetes Association (2000), o
controle glicêmico satisfatório no diabético permite variações
ao longo do dia na faixa de 80 a 160mg/dl, e que devem
ser controladas com ajustes de dieta, atividade física ou
medicações. Todavia, existem duas situações em que podem
ocorrer desvios mais acentuados da glicemia e que requerem
ação efetiva do paciente, e se ocorrerem durante a consulta
odontológica o dentista precisa saber como agir.
Descompensação hiperglicêmica: ocorre hiperglicemia
com cetoacidose e quadro clínico de polidipsia, poliúria,
enurese, hálito cetônico, fadiga, visão turva, náuseas e dor
abdominal, além de vômitos, desidratação, hiperventilação
e alterações do estado mental. Requer tratamento imediato
no local de atendimento usual ou em serviço de emergência.
Hipoglicemia: diminuição dos níveis glicêmicos para
valores abaixo de 70 mg/dl, e geralmente é leve e facilmente
tratável pelo próprio paciente. Na hipoglicemia leve os
sintomas são taquicardia, palpitações, tremores, palidez,
sudorese excessiva e sensação de fome. Na hipoglicemia
moderada surgem tonturas, cefaleia, distúrbios visuais,
parestesias, sonolência e confusão mental. Na hipoglicemia
grave, o paciente apresenta convulsões, torpor e coma.
A hipoglicemia é considerada grave quando o paciente é
incapaz de reagir sozinho e necessita da ajuda de terceiros.
Na hipoglicemia leve a moderada, com o paciente consciente,
deve ser administrada uma pequena dose (10 a 20 g) de
carboidrato simples, que pode ser repetido em 15 minutos,
se necessário. Em geral, 10 g de carboidrato simples estão
presentes em duas colheres de chá de açúcar, 100 ml de
refrigerante ou suco de fruta, ou duas balas. Caso necessário,
o periodontista pode colocar açúcar ou mel embaixo da
língua ou entre a gengiva e a bochecha do paciente e levá-lo
imediatamente a um serviço de emergência. A hipoglicemia
acontece devido ao atraso ou omissão de refeições, exercício
vigoroso, consumo excessivo de álcool e erro na administração
de insulina ou de hipoglicemiante oral (Sociedade Brasileira
de Endocrinologia e Metabologia, 2011; American Diabetes
Association, 2003).
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CONCLUSÃO
ABSTRACT
A relação entre a doença periodontal e as doenças
sistêmicas já está bem estabelecida e descrita na literatura,
principalmente no que diz respeito ao diabetes mellitus. Essa
relação torna o periodontista uma peça importante porque
o tratamento periodontal nesses pacientes está associado à
melhora do controle glicêmico, que clinicamente é relevante
para o paciente diabético. O diagnóstico precoce e a
prevenção são fundamentais para evitar a perda irreversível
dos tecidos de suporte do dente, que é mais acelerada
e severa nesses pacientes. Ainda, o periodontista precisa
assumir que o antigo conceito de que a cavidade oral é
uma entidade à parte do nosso organismo já não tem mais
valor, devendo ensinar e reforçar hábitos e atitudes para
a promoção de saúde e melhora da qualidade de vida do
paciente. Ele deve conhecer também a saúde geral de seu
paciente, identificar os sintomas das doenças e interagir com
os médicos responsáveis, saber comportar-se em situações
de emergência além de dialogar com médicos e/ou serviço
de emergência, passando as corretas informações.
Periodontal disease, a chronic infectious inflammatory
disease that can lead to tooth loss, is considered the sixth
major complication that occurs in diabetic patients, and may
increase susceptibility up to three times for this type of patient.
As diabetes increases the risk for periodontitis, periodontitis in
the opposite direction complicates metabolic control by the
diabetic patient. Type 2 diabetes has become an epidemic
with increasing prevalence worldwide affecting approximately
382 million people, and it is believed that by 2035 this number
will reach 592 million. Diabetes mellitus is a major cause of
mortality, renal failure, lower limb amputation, blindness and
cardiovascular disease, as well as significant loss of quality of
life. Based on these numbers and the existing bidirectional
relationship between these two diseases, we believe the need
that periodontists have to understand diabetes mellitus.
UNITERMS: Diabetes Mellitus; Diabetes; Periodontal
disease.
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Endereço para correspondência:
Marinella Holzhausen
E-mail: [email protected]
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