Preconceito e discriminação: empecilhos à construção da cidadania no espaço escolar TAYANE ROGERIA LINO* Resumo: Este artigo é o resultado do esforço para articular teoria e prática, ensino e extensão. As reflexões que se seguem foram desenvolvidas durante a experiência de campo no estágio curricular em Psicologia Comunitária da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), entre os anos de 2009 e 2010. O estágio se configura em uma pesquisa-intervenção realizada em uma Escola Municipal localizada em um aglomerado de Belo Horizonte. A investigação constatou que, assim como, a maior parte das Escolas Brasileiras, a Escola Municipal investigada encontra-se imersa em lógicas excludentes que subalternizam sujeitos e inferioriza determinados grupos sociais. Dessa forma, ao produzir e reproduzir preconceitos e estereótipos, a Escola Municipal impede não só o exercício da cidadania, mas também a produção de relações dialógicas mais horizontalizadas e não-violentas no contexto escolar. Este artigo se insere no debate nacional mais amplo no que tange juventude e escola pública, tendo por objetivo mapear e refletir sobre as questões ligadas à promoção da cidadania. Há ainda uma atenção especial para temas relacionados ao contexto dos jovens de periferia, bem como questões raciais, de geração, de gênero e diversidade sexual no contexto escolar. Este artigo discute, também, o papel do psicólogo e da psicologia comunitária no contexto escolar. Palavras-chave: psicologia comunitária; escola; cidadania; preconceito; discriminação. Key words: community psychology; school citizenship; prejudice; discrimination. * TAYANE ROGERIA LINO é bacharel em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Página Abstract: This article is the result of an effort to bring together theory and practice, education and extension. The reflections that follow were developed during the field experience in the curricular internship in community psychology at UFMG (Federal University of Minas Gerais) between the years 2009 and 2010. The internship is a research intervention in a public school in the slum area of Belo Horizonte. The research found that, as well as most of the Brazilian Schools, the public School investigated, is immersed in an social exclusion logic that undervalues and inferior some social groups. Therefore producing and reproducing prejudices and stereotypes that restrain the exercise of citizenship, the production of dialogical relations, more horizontal and non-violent in the school environment. This article is part of a broader national debate about youth and public schools, aiming to map and reflect on issues related to promoting citizenship, with a special attention to issues related to the context of young slum inhabitants, as well as racial, Generation, gender and sexual diversity issues in the school context. Also discusses the role of psychologists and community psychology in the school. 132 Prejudice and discrimination: obstacles to the construction of citizenship in the school environment O estágio configurou-se em uma intervenção realizada em uma Escola Municipal, localizada em um aglomerado de Belo Horizonte. A idéia para tal pesquisa surgiu a partir de uma demanda inicial apresentada pela direção e coordenação da própria escola: o fato do espaço escolar ser considerado pelos alunos um lugar de grande importância, o que não culminava no interesse destes pela sala de aula; a identificação das dificuldades dos professores em lidar com alunos oriundos da periferia, com vivências culturais distintas e marcadas por situações de exclusão social; e, a centralidade do tema da sexualidade para os jovens e, enfim, a violência na escola. A inserção em campo parte dos pressupostos teórico-metodológicos da Psicologia Comunitária. A luz destes pressupostos dois momentos forma traçados para a realização do projeto de intervenção que culminou no estágio curricular. O primeiro nomeado como mapeamento teve como objetivo compreender o espaço escolar e o segundo, a intervenção tendo com fim a realização de ações com os diversos atores, a partir dos resultados apontados pelo mapa. Na primeira etapa foi construído um "mapa" do contexto escolar como resultado da interação da equipe do 133 Visto que muitos estudos (ABRAMOVAY; RUA, 2002; ABRAMOVAY, 2003; SPÓSITO, 2005; CASTRO; AQUINO, 2008) têm se dedicado a compreender a relação dos jovens com a escola – reconhecendo que esta é uma instituição de grande importância para a construção e o desenvolvimento da cidadania –, a equipe do estágio elaborou um projeto de intervenção que se insere em um debate nacional mais amplo acerca de juventude e escola pública. O objetivo é propiciar, juntamente com direção, professores, funcionários e alunos do ensino fundamental, espaços de diálogo, debate e promoção de cidadania. Foi conferida ainda uma atenção especial aos temas relacionados ao contexto dos jovens de periferia, bem como questões raciais, de geração, de gênero e diversidade sexual. Página A escola pública nasceu como uma forma de resolver o problema do acesso à educação e, consequentemente, garantir a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. Neste modelo todos os alunos estariam igualmente aptos a competir dentro do sistema de ensino. No entanto, aqueles que se destacassem por suas características individuais estariam, por uma questão de justiça, mais preparados para avançar em suas carreiras escolares, o que consequentemente resultaria na ocupação de lugares de maior prestígio na hierarquia social. A escola seria, nessa perspectiva, uma instituição neutra que difundiria um conhecimento racional e objetivo, que selecionaria seus alunos com base em critérios racionais. Configurar-se-ia ainda como um espaço de construção de sujeitos sociais ativos, capaz de incorporar tanto a noção de igualdade quanto a de diferença. Mas, ao contrário, o que temos visto é que a maior parte das escolas brasileiras encontra-se imersa em lógicas excludentes que subalternizam sujeitos e inferiorizam grupos sociais de forma levada. A produção e a reprodução de preconceitos e ações discriminatórias são um empecilho à cidadania, à produção de relações dialógicas, horizontalizadas e não-violentas no contexto escolar. Dito de outro modo, tais práticas consistem em uma barreira para o entendimento da escola como um espaço de promoção da cidadania. Psicologia Comunitária: ações para a mudança social A Psicologia Comunitária dá seus primeiros passos como ciência e profissão devido ao descontentamento perante o modelo de Psicologia Social, que não atendia as problemáticas sociais locais por meio de ações efetivas (MONTEIRO, 2000). Em um dado momento histórico, social e político de A Psicologia Comunitária se atém às interações entre sociedade e indivíduo, ressaltando as relações em comunidade. Dessa forma o enfoque social é ampliado, visando promover mudanças por meio do comprometimento sociopolítico e contribuindo para a emergência de novas realidades. O objetivo é promover mudanças no contexto estrutural frente à participação dos sujeitos inseridos em uma dada realidade (MONTEIRO, 2004). A Psicologia Comunitária focaliza a investigação das relações interpessoais, atentando-se às especificidades de cada comunidade. O conhecimento, nesta perspectiva, é resultado da interação. 134 Este texto é o resultado do esforço em articular teoria e prática, ensino e extensão. As reflexões a seguir foram desenvolvidas durante uma experiência de campo no estágio curricular em Psicologia Comunitária da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), entre os anos de 2009 e 2010. Dentre os diversos enfoques possíveis do trabalho ainda em desenvolvimento, desenvolveremos aqui três questões intrinsecamente relacionadas no campo da educação pública, são elas: preconceito, cidadania e prática profissionais de psicólogos. cerceamento dos direitos civis e da democracia, quando a Psicologia Social parecia não se posicionar, emergiu por parte de psicólogos latino-americanos a necessidade de construir uma práxis comprometida com a realidade social. Tal práxis posicionou-se politicamente, atuando no enfrentamento dos problemas relacionados à educação, saúde, moradia, trabalho e direitos, dentre outros. Sendo assim, as críticas à Psicologia Social baseavam-se no distanciamento entre este campo científico e a realidade com a qual ele estaria supostamente atuando. É neste contexto que se origina, na segunda metade do século XX, a Psicologia Comunitária como um campo de estudos na América Latina. Tal surgimento ocorreu em contrapartida a uma Psicologia Social individualista, esta baseada em uma abordagem experimentalista norte-americana que não se atentava, por um lado, às questões específicas do contexto latinoamericano e, por outro, às perspectivas expressivamente macrossociais onde o sujeito desaparecia (MONTEIRO, 2004). Página estágio com os atores do espaço escolar a fim de apreender imaginários, a partir do qual os atores orientam e nomeiam práticas diversas na escola. Vale ressaltar que mapear o imaginário social implica em desvelar concepções "implícitas" e práticas, aparentemente não nomeadas, buscando compreender e visibilizar elementos até então "invisíveis" e naturalizadas pelos atores no campo das relações cotidianas. Com o intuito de inscrever estas experiências e falas "não-ditas" no espaço público é que se buscou mapear este Imaginário, uma vez que tais concepções, mesmo de forma não-consciente, orientam e embasam práticas concretas. Na segunda etapa, a partir da apresentação e debate com os atores do "mapa da escola", tem-se realizado o planejamento e execução de ações continuadas de promoção de cidadania. A contribuição da Psicologia Comunitária para a pesquisaintervenção explicita-se ao visar à transformação de algum contexto social a partir dos sujeitos nele inseridos. Pode-se, dessa forma, problematizar conceitos, estereótipos, condutas e justificativas que parecem estar naturalizados tanto no ambiente escolar quanto no contexto social, sendo parte de um imaginário coletivo e servindo a um projeto de sociedade que mantém desigualdades e hierarquias. Nesse sentido, não pensar a concepção de escola e seu papel social, tal como sua importância na promoção da cidadania e no significado atribuído à favela, à visão do ser jovem – e, ainda mais especificamente, do ser jovem pobre –, Partindo desses pressupostos, dois caminhos de trabalho foram traçados: mapeamento e intervenção. Na primeira etapa foi construído um "Mapa da Escola", mediante a interação da equipe do estágio com os diversos atores do espaço escolar. Considerando o fato de que a construção do conhecimento se dá a partir da relação entre os pesquisadores e os sujeitos de pesquisa, optou-se por metodologias mais interativas, como observação dos participantes, oficinas com os alunos, rodas de conversa com os professores, entrevistas semi-estruturadas com a direção e a coordenação da escola, além de conversas informais com os diversos sujeitos. A intervenção propriamente dita empreendeu-se em um segundo momento, a partir da apresentação e do debate com os atores da escola do "mapa" construído anteriormente, bem como o planejamento de ações conjuntas com esses sujeitos. Tais ações visavam problematizar e combater processos de exclusão social, naturalização das relações de subalternidade e qualquer outra prática que pudesse impedir o acesso à cidadania. A inserção em campo através das duas etapas trabalhadas explicitou dinâmicas diferenciadas que apontaram não só para a reprodução de pré-conceitos, mas também para ações discriminatórias, imaginários sociais, naturalizações e atos de violência. Neste caminho, fez-se imprescindível pensar nas lógicas que constroem, mantém, significam e resignificam preconceitos, legitimando discriminações no contexto da Escola Municipal analisada. Essa série de fatores impedia a construção do espaço 135 A Psicologia Comunitária pode ser compreendida, então, como uma visão pragmática da Psicologia Social. Tendo como fim a elaboração e a aplicação de métodos e técnicas psicológicas, busca por transformação social e melhor qualidade de vida da comunidade. torna-se um caminho para reconfigurar o espaço escolar não só na Escola Municipal aqui analisada, mas também nas demais escolas brasileiras. Página Partindo deste ponto, a Psicologia Comunitária nasce com o intuito de solucionar problemas sociais latinoamericanos. Caracteriza-se como uma prática compromissada com os setores menos abastados da população, buscando contribuir para a conscientização e mobilização desta. Por ser considerada uma Psicologia da ação para a transformação, investigadores e sujeitos encontram-se do mesmo lado da relação de estudo (MONTEIRO, 2004). Ao contrário de outras perspectivas da Psicologia Comunitária, aqui os "sujeitos" serão analisados como produto de um processo de construção, ou seja, o sujeito é o resultado da dinâmica das estruturas sociais e comunitárias que acabam tendo, por incidência particular, o indivíduo (FREITAS, 2007). É imprescindível evidenciar os caminhos traçados para se compreender e significar as concepções de cidadania e escola que norteiam este projeto, e como estas corroboram com os pressupostos da Psicologia Comunitária. Para tanto, são necessárias apresentar diversas perspectivas. O primeiro caminho parte de uma concepção de cidadania caracterizada pela universalidade, imparcialidade e racionalidade. Nesta perspectiva a cidadania é tida como natural, sem uma conotação temporal – ou "historização" –, sendo o conceito mais comum definido como um conjunto de direitos e deveres que os sujeitos possuem em uma sociedade. Tal concepção de cidadania está relacionada à idéia de um posicionamento jurídico-legal diante do Estado (MONTEIRO; CASTRO, 2008). A chamada cidadania clássica neoliberal – que possui como referência os direitos e o pertencimento a um Estado-Nação – tem enfrentado inúmeros questionamentos, e passa por reconfigurações em função de mudanças no contemporâneo (MONTEIRO; CASTRO, 2008, p. 279). Outro conceito de cidadania apresentado nasceu em detrimento às perspectivas baseadas nesta lógica de direitos e deveres: Dagnino (1994) propõe uma cidadania que seja entendida como uma "estratégia política". Esta, por sua vez, percebe o conceito como histórico, temporal, que Esta concepção supera a idéia de cidadania como aquisição, através do Estado, de direitos formais, atemporais, abstratos, não históricos e universais. É proposta uma cidadania que seja construída de baixo para cima, incluindo a formação de espaços de lutas políticas e democráticas e que permitam, ainda, a criação de novos direitos que emergem de práticas concretas e lutas específicas. Para tanto, os sujeito sociais devem ser entendidos como sujeitos participativos, atores que definem o que consideram como seus direitos na luta por reconhecimento. Tendo em vista uma transformação social, este conceito pressupõe a construção de novas formas de sociabilidade ao redimensionar as relações entre os diversos sujeitos imbricados neste contexto, e proporciona, assim, um desenho menos desigual das relações sociais em seus diversos níveis (DAGNINO, 1994). Neste sentido: Afirmar a cidadania como estratégia significa enfatizar o seu caráter de construção histórica, definida portanto por interesses concretos e práticas concretas de luta e pela sua contínua transformação. Significa dizer que não há uma essência única imanente ao conceito de cidadania, que o seu conteúdo e seu significado não são universais, não estão definidos e delimitados 136 Cidadania e Escola não pode ser entendido como universal, já que é construído pelos atores sociais no embates políticos. Sendo fruto de interesses e critérios concretos, definidos por grupos sociais em uma dada sociedade e em um momento histórico especifico, neste sentido considera-se a cidadania como parcial, um "saber localizado" (HARAWAY, 1995) em constante negociação no campo do político. Página escolar como um espaço de promoção da cidadania. Ali, os diversos sujeitos imbricados seriam de fato reconhecidos como atores sociais, capazes de desvelar o contexto social e propor ações que visassem à transformação e a construção de uma sociedade mais igualitária, onde a diferença não implicaria em inferiorização. Este conceito pode ser capaz de gerar respostas aos problemas sociais, além de preencher as lacunas deixadas por concepções que não articulavam multiplicidade e interesses dos sujeitos dentro da sociedade. Por esse motivo, tal conceito é parte dos pressupostos que norteiam a intervenção na Escola Municipal. A cidadania tem ocupado posto central nos debates a respeito do espaço escolar; no entanto, pouco tem sido problematizado acerca deste tema. Como discutido, estudos apontam para diferentes vertentes de uma mesma questão: por um lado a cidadania é compreendida como um conjunto de direitos e deveres que um sujeito possui para com a sociedade, não se apresentando, assim, como um caráter histórico, mas como algo definido, dado. Por outro lado, a cidadania é tida como "estratégia política", ou como a forma de participação na comunidade política. Possui um caráter histórico, não natural, e os atores participam ativamente de sua construção, que resulta de negociações e embates do mundo político. A escola é, portanto, percebida neste texto como um espaço de construção de sujeitos sociais ativos, visando uma cidadania que seja feita de baixo para cima, e não o contrário. Sendo ela capaz de incorporar tanto a noção de igualdade quanto a de diferença, acredita-se que é papel da escola propiciar aos indivíduos a possibilidade de serem atores, de respeito à liberdade do outro, dos direitos individuais, da defesa dos interesses sociais e dos valores culturais. Dito de outro modo, a escola é um espaço de formação onde os jovens se preparam para serem construtores ativos da sociedade na qual vivem e exercem sua cidadania. Preconceito e contexto escolar discriminação no É válido salientar que a concepção de escola supracitada pressupõe o espaço escolar como um local de construção da cidadania. É fato que a escola há muito tem sido percebida como uma instância disciplinadora não só dos corpos, mas de condutas tanto raciais quanto sexuais, sendo um território produtor e reprodutor de homofobias, sexismos, racismos e machismos; enfim, produtora de preconceitos, discriminações e violências (SANTOS, 2003; BORGES; MEYER, 2008; JUNQUEIRA, 2009). Junqueira (2007) afirma que a escola é sim um espaço de vivência de preconceitos e 137 Ao enfocar a cidadania, Dagnino (1994) a apresenta como fenômeno social e de subjetivação. A cidadania é vista por esta autora ainda como um fenômeno psicossocial, já que, tida enquanto estratégia, "o conteúdo da cidadania é sempre definido pela luta política e é, portanto, capaz de incorporar dimensões da subjetividade" (p. 113). Se concebermos a escola como uma instituição social, criada pela e na modernidade para a formação dos sujeitos de uma determinada sociedade, o que significa, de fato, formar cidadãos? Entende-se que não basta apenas garantir o acesso e a permanência do indivíduo na escola, mas é imprescindível reavaliar a finalidade desta e, conseqüentemente, da educação e seus objetivos como papel social. Página previamente, mas respondem à dinâmica dos conflitos reais, tais como vividos pela sociedade num determinado momento histórico. Esse conteúdo e significado, portanto, serão sempre definidos pela luta política (DAGNINO, 1994, p. 107). A partir do que foi exposto no texto até o presente momento, é possível perceber uma contradição entre a concepção de escola da qual partimos inicialmente e a forma como esta tem se estruturado para criar, manter e organizar preconceitos e discriminações que impedem qualquer forma de cidadania. Pesquisas apontam a escola como um espaço de (re)produção de desigualdades sociais, preconceitos e violências, evidenciando sistematicamente as marcas das ações discriminatórias no contexto escolar. Tais fatos comprovam que a vivência de situações preconceituosas e discriminatórias influencia diretamente no desempenho dos estudantes que são vítimas dos mesmos (MAZZON, 2009). O preconceito, materializado em diferentes formas de discriminação, é uma realidade objetiva nas escolas brasileiras. A pesquisa de âmbito nacional sobre "Preconceito e discriminação no ambiente escolar" realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) em 501 escolas públicas, totalizando 18.500 entrevistados, dentre alunos, pais, mães, A pesquisa "Juventudes e Sexualidade" – realizada pela UNESCO com crianças, adolescentes e jovens de escolas de ensino fundamental e médio de treze capitais brasileiras e do Distrito Federal (DF) – demonstra que, ao ser questionado sobre quais indivíduos o entrevistado não gostaria de ter como seu colega de classe, aproximadamente 25% dos alunos responderam que não gostariam de ter um colega não heterossexual (CASTRO; ABRAMOVAY; SILVA, 2004). Em pesquisa realizada durante o ano de 2005, durante a VIII Parada do Orgulho LGBT de Belo Horizonte, em Minas Gerais, mais de 30% dos entrevistados homossexuais afirmaram ter sofrido alguma forma de violência no espaço escolar, perdendo apenas para a família e os lugares públicos de lazer (PRADO; MACHADO; RODRIGUES, 2005). Neste sentido, um ambiente escolar menos preconceituoso propicia condições para o melhor desenvolvimento e desempenho dos estudantes. 138 Com base neste sentido, percebe-se que a escola tem exercido um papel normatizador das condutas sexuais e de gênero. O corpo docente atua por vezes a fim de vigiar a sexualidade infantil, embutindo nas crianças comportamentos que histórica e culturalmente têm sido considerados "coisas de meninas ou de meninos" (BORGES; MEYER, 2008). A escola configura-se assim, segundo Junqueira (2009), como um espaço de opressão, discriminação e preconceito. diretores, professores\ e funcionários. Com o objetivo de fornecer informações relevantes para a elaboração de políticas e estratégias de ação que promovessem a diversidade, a superação do preconceito – seja este de natureza étnico-racial, socioeconômica, geracional, de gênero, territorial, de orientação sexual ou relacionada a indivíduos com necessidades especiais – e das ações discriminatórias nas escolas públicas brasileiras demonstram que os diversos sujeitos constituintes do espaço escolar – diretores, professores, funcionários, alunos e familiares – apresentam atitudes, crenças e valores que indicam que o preconceito é uma realidade nas escolas públicas brasileiras. Página discriminações por toda a comunidade escolar, sistematicamente. Em contrapartida, a discriminação caracteriza-se pelas atitudes que expressam o preconceito através do comportamento. Logo, em ações preconceituosas a discriminação não se limita a uma idéia, mas implica um comportamento e/ou uma atitude preconceituosa. Constitui-se em um mecanismo eficiente e atuante, cuja lógica pode atuar em todas as esferas da vida.(...) Fazem-se presentes em imagens, linguagens, nas marcas corporais e psicológicas de homens e de mulheres, nos gestos, nos espaços, singularizando-os e atribuindo-lhes qualificativos identitários, hierarquias e poderes diferenciais, diversamente valorizados, com lógicas de inclusões-exclusões conseqüentes, porque geralmente associados a situações de apreciação depreciação/desgraça (BANDEIRA; BATISTA, 2002, p. 126) Prado e Machado (2008) também percebem o preconceito social como um dos importantes mecanismos de manutenção de hierarquias entre os distintos grupos sociais, e a legitimidade da inferiorização de uns em detrimento de outros neste contexto de sociedade. Segundo esses autores, os preconceitos servem para conservar e legitimar os processos de dominação social, o que 139 O preconceito consiste em um fenômeno complexo que pode ser equiparado a um iceberg que mantém partes invisíveis. Podemos considerar que essa invisibilidade deriva principalmente da naturalização das desigualdades no país, que silenciam os processos de reprodução do lugar de subordinação dos sujeitos. Segundo Bandeira e Batista (2002), o preconceito pode ser uma "máquina de guerra" presentes nas relações cotidianas. O preconceito é entendido, assim, como o reprodutor mais eficaz de discriminação, de exclusão e, portanto, de violência. Os preconceitos e as discriminações estão diretamente associados à emergência da diferença, seja pela afirmação e manipulação desta, seja pela negação que resulta na criação de padrões de violência. O preconceito se manifesta nas relações sociais, constituindo-se de um modo de relacionamento de desvalorização e negação do "outro" e, conseqüentemente, da supervalorização de "si" – que serve para construir ou manter hierarquias e relações de subordinação e dominação. Conclui-se que o preconceito: Página A temática do preconceito não constitui um assunto novo (HELLER, 1985; BANDEIRA; BATISTA, 2002; GUIMARÃES, 2004; FLEURY; TORRES, 2007; PRADO; MACHADO, 2008), apresentando-se como uma categoria útil de análise e passível de teorizações. O preconceito é uma dimensão da vida social; sua invisibilidade é compartilhada por todos e exige-se que a sociedade abandone o posicionamento ingênuo frente ao tema para, assim, assumir a necessidade de ações que tentarão superar o problema. É importante ressaltar que preconceito e discriminação são aqui tratados como processos diferentes. Resumidamente, o preconceito consiste em préjulgamentos, pré-juízos feitos de forma prematura e inadequada sobre grupos e sujeitos. O preconceito é concebido como "um conjunto de crenças, valores, saberes e atitudes que julgamos naturais porque os transmitimos de geração a geração, sem questionamentos; dizemnos como são e o que valem as coisas e os seres humanos, como devemos avaliá-los e julgá-los" (CHAUÍ, 1996, p. 116). Segundo Heller (1985), os preconceitos são criados e disseminados na esfera cotidiana, constituindo-se, desse modo, em uma categoria do pensamento e do comportamento cotidianos. A autora define preconceito como o resultado de um mecanismo de ultra generalização frente à heterogeneidade das atividades da vida – generalização essa imprescindível às exigências pragmáticas de reprodução e êxito na cotidianidade. "Toda ultra generalização é um juízo provisório ou uma regra provisória de comportamentos. Provisórios porque se antecipam à atividade possível e nem sempre – muito pelo contrário – encontram confirmação no infinito processo da prática" (1985, p. 44). De acordo com tais perspectivas, o preconceito é caracterizado como um modo arbitrário de agir e pensar. É exercido como uma forma de controle social que mantém hierarquias, distâncias sociais e desigualdades, além de impor lógicas de inferiorização e O preconceito e a discriminação manifestam-se no contexto social de diferentes formas, estas baseadas nas diferenças (racial, econômica, relativa à orientação sexual, ao gênero, à origem, à geração, entre outros) que se configuram e se manifestam de formas distintas. Logo, torna-se imprescindível nomear e apresentar o preconceito e a discriminação em suas inúmeras formas: homofobia, racismo, sexismo, preconceito geracional e quanto à origem geográfica. Como sabemos, o preconceito e a discriminação atuam com o intuito de manter certas lógicas que, por sua vez, mantêm determinados sujeitos em lugares inferiores ou superiores nas hierarquias sociais – sejam elas sexuais, raciais, econômicas, geracionais ou territoriais. Logo, pensar nas lógicas que constroem, mantêm, significam e resignificam preconceitos e legitimam discriminações, no contexto desta Escola Municipal de Belo Horizonte, é problematizar conceitos e estereótipos naturalizados tanto no ambiente escolar quanto no contexto social. A concepção de escola e seu papel social, tal qual sua importância na promoção da cidadania, o significado atribuído à favela e a visão do ser jovem – e, mais especificamente, do ser jovem pobre –, nos parece um caminho para configurarmos ações e pensarmos como certas concepções ocupam-se em manter lógicas excludentes (BORGES; MEYER, 2008; JUNQUEIRA, 2009). A homofobia, que segundo Borillo (2001) é entendida como uma atitude hostil destinada a não-heterossexuais – ou, dito de outra forma, homossexuais homens e mulheres –, tem por objetivo 140 O preconceito atua tanto na dimensão social quanto na individual, o que possibilita entendê-lo como um fenômeno psicossocial onde "um conjunto abstrato de valores sociais só encontra substância no comportamento individual" (PRADO; MACHADO, 2008, p. 75). subordinação que cultivam, enfim, certa concepção de sociedade. Página significa tomar o preconceito como um regulador das interações entre os atores e grupos sociais. Os atores, ainda imbricados na hierarquia social, não conseguem "ver" que "não vêem" e "o que é que não vêem". Dito de forma simplificada, o preconceito atua ocultando razões históricas, culturais e sociais que naturalizam inferiorizações. Ou, ainda, o preconceito "nos impede de identificar os limites de nossa própria percepção da realidade" (PRADO; MACHADO, 2008, p. 14). A literatura que aborda homossexualidade e escola aponta o ambiente escolar como um espaço traumático e negativo para os LGBTs. Contudo, também a entende como “um local de experimentações, ensaios, testes, experiências de vida – ou seja, a escola é também repleta de aspectos positivos, de resistência, de aliança e de superação" (BORGES; MEYER, 2008, p.72). O que se observa no ambiente da Escola Municipal aqui analisada é uma privatização das questões referentes à sexualidade – como um receio, um medo da homossexualidade –, além do desconhecimento das questões relacionadas às vivências não heterossexuais como uma forma, por exemplo, de não colocar a própria orientação sexual como alvo da desconfiança, como possível "vítima" do preconceito. As hierarquias ligadas à construção social das raças fazem-se presentes no contexto social da escola. A importância da inclusão da raça, como ponto de análise na compreensão das relações sociais, coloca-se como um elemento essencial na nossa sociedade. No âmbito da educação, os principais trabalhos Diante disso, dois aspectos são importantes na compreensão dessa realidade: a raça como construtor social e os fatores envolvidos na atribuição de raça/cor. A raça não deve ser compreendida como uma realidade natural e estática, mas sim, como nos aponta Guimarães (1999), como uma construção social, ou raça social. A raça social aparece como uma importante referência para a demarcação de indivíduos e grupos, construindo uma percepção social que categoriza, classifica e naturaliza posições. Por outro lado, assim como a própria idéia de raça não segue uma lógica natural e estática, a atribuição social de raça também não obedece a regras exclusivamente fenotípicas. O fenótipo exerce influência na atribuição – autoatribuição ou hetero-atribuição – social de raça, mas outros fatores são determinantes nesse processo, como classe social, local de moradia, posição social, auto-declaração de quem atribui e, no caso da escola, rendimento e comportamento escolar. Levar em conta esses dois aspectos mostra-se importante para a compreensão das formas de articulação entre raça e atribuição racial, que exercem impacto no cotidiano das relações sociais e, ainda mais especificamente, no espaço escolar. Dessa forma, a preocupação constrói possibilidades de localizar e qualificar as diferenças como naturalização de violências, subalternidades e discriminações. Ao contrário dos preconceitos e ações discriminatórias 141 Podemos caracterizar a homofobia, portanto, como aversão, ódio e discriminação aos que se relacionam afetiva e sexualmente com pessoas do mesmo sexo. A homofobia pode ser expressa das formas mais sutis e silenciosas às mais insidiosas, indo de ofensas, xingamentos, não-convívio com homossexuais, violência social e formas de inclusão subalternizadas até as agressões, extermínio ou o aniquilamento dos discriminados. pioneiros dedicam-se a explicitar os efeitos acumulados da discriminação racial na escola, percebendo maiores dificuldades na trajetória escolar do aluno negro (ROSEMBERG, 1987) e as desvantagens no acesso da população negra à escola. Página designar o outro como inferior, contrário ou anormal, de modo que a diferença é responsável por excluir o grupo em questão do universo dos humanos (BORGES; MEYER, 2008). O papel da escola a partir desta perspectiva seria o de disciplinar e normatizar o jovem, na expectativa de que estes sejam transformados em adultos. O jovem é, dessa forma, o Tratando da interlocução entre hierarquias baseadas na geração e no território, o que salta aos olhos é o imaginário social de que os estudantes, jovens moradores do aglomerado mineiro aqui abordado, são jovens pobres muitas vezes preconcebidos como marginais, vítimas de um sistema econômico sem saída. Esses jovens apresentam uma “tendência” a escolher o caminho da criminalidade e, por isso, precisam ser ainda mais tutelados e guardados. Para esses “jovens”, destinados de antemão a esse problema, fundidos com ele, o desastre é sem saída e sem limites [...] Marginais pela sua condição, geograficamente definidos antes mesmo de nascer, reprovados de imediato, eles são os “excluídos” por excelência [...]. Por acaso eles não moram naqueles lugares concebidos para se transformar em guetos? Guetos de trabalhadores, antigamente. De sem-trabalho, de sem-projeto, hoje [...] Que podem eles esperar do futuro? Como será a sua velhice, se chegarem até lá? [...] Bloqueados numa segregação [...] eles têm a indecência de não se integrar. (FORRESTER apud COIMBRA; NASCIMENTO, 2005, p. 348). Neste sentido, o jovem pobre tido como carente "não alcançou o status de uma posição de sujeito agente, ou membro de uma categoria social, mas tão somente a impregnou com o estigma de ‘problema social’" (CASTRO, 2008, p. 5). O que se vê nesta Escola Municipal é que o estudante, que deveria ser o motivo da existência da mesma, tornouse o seu maior empecilho. 142 As concepções em relação à geração, na maior parte das vezes, referem-se a uma hierarquização das relações geracionais. As hierarquias ligadas à geração fazemse presentes no contexto escolar da Escola Municipal. Assimilar a dinâmica geracional e intergeracional mostrou-se fundamental para perceber as demais relações de exclusão e inclusão vigentes em nossa sociedade e, conseqüentemente, no espaço escolar. Os estudantes são vistos a partir de uma perspectiva "adultocêntrica", onde o adulto é posto no alto da pirâmide hierárquica e a juventude é tida como um "vir a ser" da experiência juvenil. Neste sentido, tais estudantes precisam de tutela, guarda, proteção, sendo incapazes de interpelar o mundo público ou propor novas possibilidades à medida que são uma categoria subordinada. Assim, "ser jovem" ou "ser um aluno jovem" é se preparar para algo, e não estar pronto para o pleno exercício da vida política, pública e social, uma vida cidadã. O "ser jovem" apresenta identidades ainda despreparadas para a completa prática da vida social e política, e precisa ser ensinado a participar. Esta concepção de uma imaturidade juvenil justifica a não participação desses estudantes em assuntos relevantes da vida escolar em espaços de poder, e a incapacidade dos jovens de falarem por si. sujeito em formação, com um futuro a enfrentar e um passado e presente a ignorar. É ele o responsável pela transformação do futuro, de si e da realidade ao seu redor. Página em relação à homossexualidade e às condutas de gênero, que são percebidas de forma explícita na Escola Municipal aqui trabalhada, os preconceitos em relação à raça aparecem de forma mais velada, geralmente associados às classes sociais ou ao território. A inserção na Escola Municipal aponta para a reprodução de preconceitos, ações discriminatórias, imaginários sociais, naturalizações e violências. Esta afirmação baseia-se na observação participante, em entrevistas com coordenação e direção, rodas de conversa com o corpo docente e funcionários, e oficinas com alunos. Conclui-se então que o preconceito, em suas mais diversas formas de manifestação discriminatória e motivos que velam o mesmo – homofobia, racismo, sexismo, geracional, etc. –, de forma articulada ou não, influencia na A problematização do espaço escolar, com o intuito de redimensionar as relações sociais entre os profissionais de psicologia – em formação ou não –, pode contribuir para transformar este espaço cidadão, produzindo sujeitos conscientes de si e do mundo e possibilitando, através da construção de novas significações, um mundo comum para todos. As questões que geram preconceito necessitam ser problematizadas e desmistificadas. O preconceito, enquanto algo que dizima o indivíduo social, também o destitui de sua autonomia e liberdade. Cabe a nós psicólogos, em conjunto com os diversos atores, responder a seguinte pergunta: em que condições o ser humano se torna capaz de desejar a liberdade, de agir livremente? (FLACKS, 2005) E, a partir da resposta, agir. Romper com as exclusões, a intolerância e a diferença parece uma forma de repensar a escola e produzir espaços de cidadania. Assim, acredito que só o diálogo profundo e constante entre gerações, conjugando inovações e tradições, pode inverter as lógicas do preconceito, quebrar mitos, discriminações e estigmas que não só se inscrevem, mas caracterizam tão bem a sociedade. Compartilhar achados, descobertas, saberes, mostrar a grande diversidade que se inscreve no contexto escolar, também são formas de 143 Considerações finais construção do espaço escolar, além de ter se tornado um empecilho à organização deste como um espaço de cidadania. Problematizar e combater os processos de exclusão social e as naturalizações das relações desiguais, bem como qualquer outro processo que possa impedir o acesso à cidadania, torna-se papel da escola e dos diversos atores que a constituem. Página É importante ressaltar que há diferentes mecanismos para expressar preconceitos, como a "brincadeira". Muitas vezes é por meio de piadas e chacotas que as posturas discriminatórias se revelam. Tais zombarias, entretanto, não podem ser tratadas por professores e funcionários como práticas próprias das juventudes, ou como "brincadeirinhas sem importância". É necessário, pois, estarmos sensíveis às formas sutis de discriminação, preconceitos e violência que são difíceis de serem enfrentados, já que encontram respaldo no modo como toda a sociedade se organiza e se relaciona com as chamadas minorias. Esses hábitos discriminatórios podem estar presentes em muitos dos valores difundidos pela escola, ou no modo como esta avalia seus alunos, organiza seus espaços, etc. Encontramos tais práticas ainda na violência do racismo (mesmo que disfarçada), na discriminação social, no preconceito referente ao papel da mulher, no menosprezo pelas culturas não hegemônicas, na desvalorização da cultura da juventude, na convivência com as desigualdades e na intolerância às diferenças. A Psicologia Comunitária apresenta-se como um campo de estudos que visa uma transformação da sociedade a partir dos sujeitos nela inseridos. Problematiza, de forma conjunta, conceitos, estereótipos, condutas e justificativas que parecem estar naturalizados tanto no ambiente escolar quanto no contexto social, que são parte de um imaginário coletivo e servem a um projeto de sociedade que mantém hierarquias sociais e desigualdades. Assim, a Psicologia Comunitária auxilia os sujeitos imersos na Escola Municipal aqui referida – e cuja maioria dos estudantes é negra – a construir interlocuções de saberes que levem em É possível concluir que repensar a escola, tendo-a como um espaço de promoção de cidadania e formação de cidadãos, é disponibilizar aos sujeitos os recursos necessários para a recusa da permanência em lugares hierárquicos – estes muitas vezes socialmente impostos –, construindo novas formas de participação em lutas políticas e enfrentando desigualdades. A cidadania serviria, então, para reconhecer as formas de poder presentes nas relações sociais e compatibilizá-las com os valores democráticos da nossa sociedade. Conviria ainda para desenvolver uma atitude positiva em direção às diferenças que se apresentam na cena política, abrindo a possibilidade de participar da criação de novos direitos que não podem se reduzir aqueles delimitados pela ordem jurídico-estatal. Em suma, conviria para a afirmação da liberdade e da igualdade para todos. A escola passa a ser concebida como um lugar que não apenas reproduz comportamentos e discursos discriminatórios, mas que também pode vir a re-significar as relações. É como um espaço singular para a construção de identidades positivas e transformação social (BORGES; MEYER, 2008), ou ainda um local privilegiado de mudanças sociais e, consequentemente, de promoção à cidadania: E, nesse sentido, é possível olhá-la em seu potencial e capacidade de colaborar para a construção de uma sociedade melhor, mais 144 Nesse sentido, o papel do psicólogo é – como dito anteriormente – propiciar a construção de espaços para que os indivíduos, a partir de uma reflexão sobre si próprios, transformem-se em atores numa dinâmica de compreensão. Tal prática demanda que os sujeitos em questão distanciem-se de suas formas de pensar o mundo e a sociedade, transformando a si mesmos em objetos de estudo e objetivando, com isso, suas próprias formas de tratar a sociedade em que estão inseridos. Esse exercício permite ainda que o jovem torne sua consciência mais crítica, que mude suas atitudes, suas formas de agir. É nesse sentido que a conscientização leva à construção de patamares sucessivos, de participação em ações de formação e de transformação numa sociedade ativa. Este processo é visto como um ato de conhecimento que implica na revelação gradual da realidade, esta baseada na crença da capacidade que o sujeito possui para não só identificar, mas reconhecer os problemas de seu tempo e transformá-los através da ação (FREIRE, 1970 e 1980). conta o contexto social desses indivíduos. É necessária a desconstrução de imaginários e naturalizações que tendem a inferiorizar sujeito e impossibilitar diálogos que sejam de fato horizontais, construindo uma cidadania que é negociada e posta em disputa no campo social e político. Página contribuir e refletir sobre muito do que se diz a respeito dessa sociedade. O que já foi feito para repensar este espaço escolar – tendo em vista o desenvolvimento de ações que vão de encontro aos problemas sociais ali presentes, possibilitando espaços de construção de práticas transformadoras e tendo, como fim, a construção de propostas para e com a participação dos sujeitos imbricados naquela realidade – são oficinas que focam a temática da sexualidade em seu amplo gradiente de possibilidades, que discutem a participação no espaço escolar através do representante de classe e as questões referentes à violência simbólica, física, institucional e psicológica. Dessa Referências ABRAMOVAY, M. Enfrentando a violência nas escolas: um informe do Brasil. In: FILMUS, D. et al. Violência na escola: América Latina e Caribe. Brasília: UNESCO, 2003. ABRAMOVAY, M; RUA, M. G. Violências nas escolas. Brasília: UNESCO, Instituto Ayrton Senna, UNAIDS, Banco Mundial, USAID, Fundação Ford, CONSED, UNDIME, 2002. ABRAMOVAY, M.; CASTRO, M.G.C.; SILVA, L.B. Juventudes e sexualidade. Brasília: UNESCO Brasil, 2004. AQUINO, L.; CASTRO, J. A. Juventude e políticas sociais no Brasil. Texto para Discussão, nº 1335. Brasília: IPEA, 2008. BANDEIRA, L.; BATISTA, A. S. Preconceito e discriminação como expressões de violência. Rev. Estud. Fem. [online]. v. 10, n. 1, p. 119141, 2002. BORILLO, D. Belaterra, 2001. Homofobia. Barcelona: BORGES, Z. N.; MEYER, D. E. Limites e possibilidades de uma ação educativa na redução da vulnerabilidade à violência e à homofobia. Ensaio: aval.pol.públ.Educ. [online]. v. 16, n. 58, p. 59-76, 2008. CHAUÍ, M. Senso comum e transparência. In: O preconceito. São Paulo: Imesp, 1996. COIMBRA, C.; NASCIMENTO, M. L. Ser jovem, ser pobre é ser perigoso?. JOVENes: Revista de Estudios sobre Juventud, ano 9, n. 22, México, DF, p. 338-355, janeiro-junho 2005. 145 A cidadania no contexto escolar pode relacionar-se ao entendimento da escola como um locus para o desenvolvimento e para a participação dos jovens em atividades diversas, entendendo-os como sujeitos de direitos, capazes de ações reflexivas e propositivas. É fundamental que o jovem seja visto como um ator social, que seja capaz de desvelar o contexto em que vive e de propor ações direcionadas à transformação, com o objetivo de construir, por fim, uma sociedade mais igualitária onde a diferença não implique em inferiorização. Para tanto, é necessário superar a falta de diálogo entre os atores envolvidos no ambiente escolar, reconhecer a diversidade e trabalhar em defesa da justiça social. maneira, as oficinas são um dos meios encontrados para decodificar mitos, questionar o que era tido como inquestionável – pois se apresentava naturalizado –, perguntar sobre a causalidade das coisas, suas razões de funcionamento e existência, e vislumbrar outras possibilidade de modos de existência. Assume, ainda, seu compromisso com os setores menos abastados da população, buscando contribuir para sua conscientização e mobilização. Página democrática e igualitária. Refletir sobre o potencial educativo, crítico e questionador da escola pode ser um caminho para alterar posturas e comportamentos, e, talvez, quando articulada a outros espaços, ela contribua para promover transformações sociais de longo prazo, podendo vir a ser um instrumento capaz de abrir horizontes e provocar transformações pessoais e coletivas. (BORGES; MEYER, p.73, 2008) FLEURY, A. R. M.; Torres, A R. R. Análise psicossocial do preconceito contra homossexuais. Estudos de Psicologia, v. 24, n. 4, p. 475-486. 2007. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1970. ____________. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Centauro, 1980. FREITAS, Maria de F. Quintal. Intervenção psicossocial e compromissos: desafios às políticas públicas. In. JACÓ-VILELA, Ana M. Diálogos em Psicologia Social. Porto Alegre: Abrapso Sul, p. 329-344, 2007. GUIMARÃES, A.S.A. Combatendo o Racismo: Brasil, África do Sul e Estados Unidos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 39, p. 103-115, 1999. GUIMARÃES, A.S.A. (2004). Preconceito de cor e racismo no Brasil. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, v. 47, n. 1, p. 944, 2004. HARAWAY, Donna, Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial, Cadernos Pagu, v. 5, p.7-42, 1995. HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. SANTOS, B. S. (org.). Democratizar a democracia – Os caminhos da democracia participativa. Porto: Afrontamento, 2003. JUNQUEIRA, R. D. A homofobia nas escolas: um problema de todos. In: JUNQUEIRA, R. D. (Org.). Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, UNESCO, 2009. MAZZON, J. A. (coord. resp.) (2009). Ministério da Educação (MEC)/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC)/ Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). Pesquisa sobre Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar. Acesso em 18/03/2011: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/diversida de_apresentacao.pdf. MONTEIRO, Maritza. “Origen y desarrollo de La psicologia comunitária”. In:_______ Introducción a la psicología comunitaria: desarrollo, conceptos y procesos. Buenos Aires: Paidós, p. 41-65, 2004. MONTEIRO, R. A.; CASTRO, L. R. de. A concepção de cidadania como conjunto de direitos e sua implicação para a cidadania de crianças e jovens. Revista Psicologia Política, v. 8, p. 271-284, 2008. PRADO, M. A. M.; RODRIGUES, C. e MACHADO, F. V. Participação, política e homossexualidade: 8ª Parada do Orgulho GLBTT de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, 2006. PRADO, M. A. M.; MACHADO, F. V. “Preconceitos, invisibilidades e manutenção das hierarquias sociais”. In: Preconceito contra homossexualidades: a hierarquia da invisibilidade. São Paulo: Cortez, 2008. (Preconceitos; v.5) ROSEMBERG, Fúlvia. Relações raciais e rendimento escolar. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n.º 63, p.19-23, nov.1987. SPOSITO, M. P. Indagações sobre juventude e escola no Brasil. Jovenes: Revista de Estudios sobre juventud, México, v. 22, p. 246-297, 2005. Recebido: 08.08.2011 Publicado: 12.12.2012 146 FLACKS, D. A questão da relevância nos estudos dos movimentos sociais. Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 72, p. 45-66, 2005. JUNQUERIA, R. O reconhecimento da diversidade sexual e a problematização da homofobia no contexto escolar. In: RIBEIRO, P. R. C. et al. (Org.). Corpo, gênero e sexualidade: discutindo práticas educativas. Rio Grande: Editora da FURG, 2007. Página DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania. In: Livro Anos 90: Política e Sociedade no Brasil. Ed. Brasiliense, p. 103-115, 1994.