Preconceito e discriminação: empecilhos à construção da cidadania

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Preconceito e discriminação:
empecilhos à construção da cidadania no espaço escolar
TAYANE ROGERIA LINO*
Resumo: Este artigo é o resultado do esforço para articular teoria e prática, ensino e extensão.
As reflexões que se seguem foram desenvolvidas durante a experiência de campo no estágio
curricular em Psicologia Comunitária da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), entre
os anos de 2009 e 2010. O estágio se configura em uma pesquisa-intervenção realizada em uma
Escola Municipal localizada em um aglomerado de Belo Horizonte. A investigação constatou
que, assim como, a maior parte das Escolas Brasileiras, a Escola Municipal investigada
encontra-se imersa em lógicas excludentes que subalternizam sujeitos e inferioriza determinados
grupos sociais. Dessa forma, ao produzir e reproduzir preconceitos e estereótipos, a Escola
Municipal impede não só o exercício da cidadania, mas também a produção de relações
dialógicas mais horizontalizadas e não-violentas no contexto escolar. Este artigo se insere no
debate nacional mais amplo no que tange juventude e escola pública, tendo por objetivo mapear
e refletir sobre as questões ligadas à promoção da cidadania. Há ainda uma atenção especial
para temas relacionados ao contexto dos jovens de periferia, bem como questões raciais, de
geração, de gênero e diversidade sexual no contexto escolar. Este artigo discute, também, o
papel do psicólogo e da psicologia comunitária no contexto escolar.
Palavras-chave: psicologia comunitária; escola; cidadania; preconceito; discriminação.
Key words: community psychology; school citizenship; prejudice; discrimination.
*
TAYANE ROGERIA LINO é bacharel em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG).
Página
Abstract: This article is the result of an effort to bring together theory and practice, education
and extension. The reflections that follow were developed during the field experience in the
curricular internship in community psychology at UFMG (Federal University of Minas Gerais)
between the years 2009 and 2010. The internship is a research intervention in a public school in
the slum area of Belo Horizonte. The research found that, as well as most of the Brazilian
Schools, the public School investigated, is immersed in an social exclusion logic that
undervalues and inferior some social groups. Therefore producing and reproducing prejudices
and stereotypes that restrain the exercise of citizenship, the production of dialogical relations,
more horizontal and non-violent in the school environment. This article is part of a broader
national debate about youth and public schools, aiming to map and reflect on issues related to
promoting citizenship, with a special attention to issues related to the context of young slum
inhabitants, as well as racial, Generation, gender and sexual diversity issues in the school
context. Also discusses the role of psychologists and community psychology in the school.
132
Prejudice and discrimination: obstacles to the construction of citizenship in the school
environment
O estágio configurou-se em uma
intervenção realizada em uma Escola
Municipal,
localizada
em
um
aglomerado de Belo Horizonte. A idéia
para tal pesquisa surgiu a partir de uma
demanda inicial apresentada pela
direção e coordenação da própria
escola: o fato do espaço escolar ser
considerado pelos alunos um lugar de
grande importância, o que não
culminava no interesse destes pela sala
de aula; a identificação das dificuldades
dos professores em lidar com alunos
oriundos da periferia, com vivências
culturais distintas e marcadas por
situações de exclusão social; e, a
centralidade do tema da sexualidade
para os jovens e, enfim, a violência na
escola.
A inserção em campo parte dos
pressupostos teórico-metodológicos da
Psicologia Comunitária. A luz destes
pressupostos dois momentos forma
traçados para a realização do projeto de
intervenção que culminou no estágio
curricular. O primeiro nomeado como
mapeamento teve como objetivo
compreender o espaço escolar e o
segundo, a intervenção tendo com fim a
realização de ações com os diversos
atores, a partir dos resultados apontados
pelo mapa.
Na primeira etapa foi construído um
"mapa" do contexto escolar como
resultado da interação da equipe do
133
Visto
que
muitos
estudos
(ABRAMOVAY;
RUA,
2002;
ABRAMOVAY, 2003; SPÓSITO,
2005; CASTRO; AQUINO, 2008) têm
se dedicado a compreender a relação
dos jovens com a escola – reconhecendo
que esta é uma instituição de grande
importância para a construção e o
desenvolvimento da cidadania –, a
equipe do estágio elaborou um projeto
de intervenção que se insere em um
debate nacional mais amplo acerca de
juventude e escola pública. O objetivo é
propiciar, juntamente com direção,
professores, funcionários e alunos do
ensino fundamental, espaços de diálogo,
debate e promoção de cidadania. Foi
conferida ainda uma atenção especial
aos temas relacionados ao contexto dos
jovens de periferia, bem como questões
raciais, de geração, de gênero e
diversidade sexual.
Página
A escola pública nasceu como uma
forma de resolver o problema do acesso
à educação e, consequentemente,
garantir a igualdade de oportunidades
para todos os cidadãos. Neste modelo
todos os alunos estariam igualmente
aptos a competir dentro do sistema de
ensino. No entanto, aqueles que se
destacassem por suas características
individuais estariam, por uma questão
de justiça, mais preparados para avançar
em suas carreiras escolares, o que
consequentemente
resultaria
na
ocupação de lugares de maior prestígio
na hierarquia social. A escola seria,
nessa perspectiva, uma instituição
neutra que difundiria um conhecimento
racional e objetivo, que selecionaria
seus alunos com base em critérios
racionais. Configurar-se-ia ainda como
um espaço de construção de sujeitos
sociais ativos, capaz de incorporar tanto
a noção de igualdade quanto a de
diferença. Mas, ao contrário, o que
temos visto é que a maior parte das
escolas brasileiras encontra-se imersa
em
lógicas
excludentes
que
subalternizam sujeitos e inferiorizam
grupos sociais de forma levada. A
produção
e
a
reprodução
de
preconceitos e ações discriminatórias
são um empecilho à cidadania, à
produção de relações dialógicas,
horizontalizadas e não-violentas no
contexto escolar. Dito de outro modo,
tais práticas consistem em uma barreira
para o entendimento da escola como um
espaço de promoção da cidadania.
Psicologia Comunitária: ações para a
mudança social
A Psicologia Comunitária dá seus
primeiros passos como ciência e
profissão devido ao descontentamento
perante o modelo de Psicologia Social,
que não atendia as problemáticas sociais
locais por meio de ações efetivas
(MONTEIRO, 2000). Em um dado
momento histórico, social e político de
A Psicologia Comunitária se atém às
interações entre sociedade e indivíduo,
ressaltando as relações em comunidade.
Dessa forma o enfoque social é
ampliado, visando promover mudanças
por
meio
do
comprometimento
sociopolítico e contribuindo para a
emergência de novas realidades. O
objetivo é promover mudanças no
contexto estrutural frente à participação
dos sujeitos inseridos em uma dada
realidade (MONTEIRO, 2004). A
Psicologia Comunitária focaliza a
investigação das relações interpessoais,
atentando-se às especificidades de cada
comunidade. O conhecimento, nesta
perspectiva, é resultado da interação.
134
Este texto é o resultado do esforço em
articular teoria e prática, ensino e
extensão. As reflexões a seguir foram
desenvolvidas durante uma experiência
de campo no estágio curricular em
Psicologia Comunitária da UFMG
(Universidade Federal de Minas
Gerais), entre os anos de 2009 e 2010.
Dentre os diversos enfoques possíveis
do trabalho ainda em desenvolvimento,
desenvolveremos aqui três questões
intrinsecamente relacionadas no campo
da educação pública, são elas:
preconceito, cidadania e prática
profissionais de psicólogos.
cerceamento dos direitos civis e da
democracia, quando a Psicologia Social
parecia não se posicionar, emergiu por
parte de psicólogos latino-americanos a
necessidade de construir uma práxis
comprometida com a realidade social.
Tal práxis posicionou-se politicamente,
atuando
no
enfrentamento
dos
problemas relacionados à educação,
saúde, moradia, trabalho e direitos,
dentre outros. Sendo assim, as críticas à
Psicologia Social baseavam-se no
distanciamento entre este campo
científico e a realidade com a qual ele
estaria supostamente atuando. É neste
contexto que se origina, na segunda
metade do século XX, a Psicologia
Comunitária como um campo de
estudos na América Latina. Tal
surgimento ocorreu em contrapartida a
uma Psicologia Social individualista,
esta baseada em uma abordagem
experimentalista norte-americana que
não se atentava, por um lado, às
questões específicas do contexto latinoamericano e, por outro, às perspectivas
expressivamente macrossociais onde o
sujeito
desaparecia
(MONTEIRO,
2004).
Página
estágio com os atores do espaço escolar
a fim de apreender imaginários, a partir
do qual os atores orientam e nomeiam
práticas diversas na escola. Vale
ressaltar que mapear o imaginário social
implica em desvelar concepções
"implícitas" e práticas, aparentemente
não nomeadas, buscando compreender e
visibilizar
elementos
até
então
"invisíveis" e naturalizadas pelos atores
no campo das relações cotidianas. Com
o intuito de inscrever estas experiências
e falas "não-ditas" no espaço público é
que se buscou mapear este Imaginário,
uma vez que tais concepções, mesmo de
forma não-consciente, orientam e
embasam práticas concretas. Na
segunda etapa, a partir da apresentação
e debate com os atores do "mapa da
escola",
tem-se
realizado
o
planejamento e execução de ações
continuadas de promoção de cidadania.
A
contribuição
da
Psicologia
Comunitária
para
a
pesquisaintervenção explicita-se ao visar à
transformação de algum contexto social
a partir dos sujeitos nele inseridos.
Pode-se, dessa forma, problematizar
conceitos, estereótipos, condutas e
justificativas que parecem estar
naturalizados tanto no ambiente escolar
quanto no contexto social, sendo parte
de um imaginário coletivo e servindo a
um projeto de sociedade que mantém
desigualdades e hierarquias. Nesse
sentido, não pensar a concepção de
escola e seu papel social, tal como sua
importância na promoção da cidadania e
no significado atribuído à favela, à
visão do ser jovem – e, ainda mais
especificamente, do ser jovem pobre –,
Partindo desses pressupostos, dois
caminhos de trabalho foram traçados:
mapeamento e intervenção. Na primeira
etapa foi construído um "Mapa da
Escola", mediante a interação da equipe
do estágio com os diversos atores do
espaço escolar. Considerando o fato de
que a construção do conhecimento se dá
a partir da relação entre os
pesquisadores e os sujeitos de pesquisa,
optou-se por metodologias mais
interativas, como observação dos
participantes, oficinas com os alunos,
rodas de conversa com os professores,
entrevistas semi-estruturadas com a
direção e a coordenação da escola, além
de conversas informais com os diversos
sujeitos. A intervenção propriamente
dita empreendeu-se em um segundo
momento, a partir da apresentação e do
debate com os atores da escola do
"mapa" construído anteriormente, bem
como o planejamento de ações
conjuntas com esses sujeitos. Tais ações
visavam problematizar e combater
processos
de
exclusão
social,
naturalização
das
relações
de
subalternidade e qualquer outra prática
que pudesse impedir o acesso à
cidadania.
A inserção em campo através das duas
etapas trabalhadas explicitou dinâmicas
diferenciadas que apontaram não só
para a reprodução de pré-conceitos, mas
também para ações discriminatórias,
imaginários sociais, naturalizações e
atos de violência. Neste caminho, fez-se
imprescindível pensar nas lógicas que
constroem, mantém, significam e resignificam preconceitos, legitimando
discriminações no contexto da Escola
Municipal analisada. Essa série de
fatores impedia a construção do espaço
135
A Psicologia Comunitária pode ser
compreendida, então, como uma visão
pragmática da Psicologia Social. Tendo
como fim a elaboração e a aplicação de
métodos e técnicas psicológicas, busca
por transformação social e melhor
qualidade de vida da comunidade.
torna-se um caminho para reconfigurar
o espaço escolar não só na Escola
Municipal aqui analisada, mas também
nas demais escolas brasileiras.
Página
Partindo deste ponto, a Psicologia
Comunitária nasce com o intuito de
solucionar problemas sociais latinoamericanos. Caracteriza-se como uma
prática compromissada com os setores
menos abastados da população,
buscando
contribuir
para
a
conscientização e mobilização desta.
Por ser considerada uma Psicologia da
ação
para
a
transformação,
investigadores e sujeitos encontram-se
do mesmo lado da relação de estudo
(MONTEIRO, 2004). Ao contrário de
outras perspectivas da Psicologia
Comunitária, aqui os "sujeitos" serão
analisados como produto de um
processo de construção, ou seja, o
sujeito é o resultado da dinâmica das
estruturas sociais e comunitárias que
acabam tendo, por incidência particular,
o indivíduo (FREITAS, 2007).
É
imprescindível
evidenciar
os
caminhos traçados para se compreender
e significar as concepções de cidadania
e escola que norteiam este projeto, e
como estas corroboram com os
pressupostos da Psicologia Comunitária.
Para tanto, são necessárias apresentar
diversas perspectivas. O primeiro
caminho parte de uma concepção de
cidadania
caracterizada
pela
universalidade,
imparcialidade
e
racionalidade. Nesta perspectiva a
cidadania é tida como natural, sem uma
conotação temporal – ou "historização"
–, sendo o conceito mais comum
definido como um conjunto de direitos e
deveres que os sujeitos possuem em
uma sociedade. Tal concepção de
cidadania está relacionada à idéia de um
posicionamento jurídico-legal diante do
Estado (MONTEIRO; CASTRO, 2008).
A chamada cidadania clássica neoliberal
– que possui como referência os direitos
e o pertencimento a um Estado-Nação –
tem
enfrentado
inúmeros
questionamentos,
e
passa
por
reconfigurações
em
função
de
mudanças
no
contemporâneo
(MONTEIRO; CASTRO, 2008, p. 279).
Outro
conceito
de
cidadania
apresentado nasceu em detrimento às
perspectivas baseadas nesta lógica de
direitos e deveres: Dagnino (1994)
propõe uma cidadania que seja
entendida como uma "estratégia
política". Esta, por sua vez, percebe o
conceito como histórico, temporal, que
Esta concepção supera a idéia de
cidadania como aquisição, através do
Estado, de direitos formais, atemporais,
abstratos, não históricos e universais. É
proposta uma cidadania que seja
construída de baixo para cima,
incluindo a formação de espaços de
lutas políticas e democráticas e que
permitam, ainda, a criação de novos
direitos que emergem de práticas
concretas e lutas específicas. Para tanto,
os sujeito sociais devem ser entendidos
como sujeitos participativos, atores que
definem o que consideram como seus
direitos na luta por reconhecimento.
Tendo em vista uma transformação
social, este conceito pressupõe a
construção de novas formas de
sociabilidade ao redimensionar as
relações entre os diversos sujeitos
imbricados
neste
contexto,
e
proporciona, assim, um desenho menos
desigual das relações sociais em seus
diversos níveis (DAGNINO, 1994).
Neste sentido:
Afirmar
a
cidadania
como
estratégia significa enfatizar o seu
caráter de construção histórica,
definida portanto por interesses
concretos e práticas concretas de
luta
e
pela
sua
contínua
transformação. Significa dizer que
não há uma essência única
imanente ao conceito de cidadania,
que o seu conteúdo e seu
significado não são universais, não
estão definidos e delimitados
136
Cidadania e Escola
não pode ser entendido como universal,
já que é construído pelos atores sociais
no embates políticos. Sendo fruto de
interesses
e
critérios
concretos,
definidos por grupos sociais em uma
dada sociedade e em um momento
histórico especifico, neste sentido
considera-se a cidadania como parcial,
um "saber localizado" (HARAWAY,
1995) em constante negociação no
campo do político.
Página
escolar como um espaço de promoção
da cidadania. Ali, os diversos sujeitos
imbricados seriam de fato reconhecidos
como atores sociais, capazes de desvelar
o contexto social e propor ações que
visassem à transformação e a
construção de uma sociedade mais
igualitária, onde a diferença não
implicaria em inferiorização.
Este conceito pode ser capaz de gerar
respostas aos problemas sociais, além
de preencher as lacunas deixadas por
concepções que não articulavam
multiplicidade e interesses dos sujeitos
dentro da sociedade. Por esse motivo,
tal conceito é parte dos pressupostos
que norteiam a intervenção na Escola
Municipal.
A cidadania tem ocupado posto central
nos debates a respeito do espaço
escolar; no entanto, pouco tem sido
problematizado acerca deste tema.
Como discutido, estudos apontam para
diferentes vertentes de uma mesma
questão: por um lado a cidadania é
compreendida como um conjunto de
direitos e deveres que um sujeito possui
para com a sociedade, não se
apresentando, assim, como um caráter
histórico, mas como algo definido,
dado. Por outro lado, a cidadania é tida
como "estratégia política", ou como a
forma de participação na comunidade
política. Possui um caráter histórico,
não natural, e os atores participam
ativamente de sua construção, que
resulta de negociações e embates do
mundo político.
A escola é, portanto, percebida neste
texto como um espaço de construção de
sujeitos sociais ativos, visando uma
cidadania que seja feita de baixo para
cima, e não o contrário. Sendo ela capaz
de incorporar tanto a noção de
igualdade quanto a de diferença,
acredita-se que é papel da escola
propiciar aos indivíduos a possibilidade
de serem atores, de respeito à liberdade
do outro, dos direitos individuais, da
defesa dos interesses sociais e dos
valores culturais. Dito de outro modo, a
escola é um espaço de formação onde
os jovens se preparam para serem
construtores ativos da sociedade na qual
vivem e exercem sua cidadania.
Preconceito e
contexto escolar
discriminação
no
É válido salientar que a concepção de
escola supracitada pressupõe o espaço
escolar como um local de construção da
cidadania. É fato que a escola há muito
tem sido percebida como uma instância
disciplinadora não só dos corpos, mas
de condutas tanto raciais quanto
sexuais, sendo um território produtor e
reprodutor de homofobias, sexismos,
racismos
e
machismos;
enfim,
produtora
de
preconceitos,
discriminações e violências (SANTOS,
2003; BORGES; MEYER, 2008;
JUNQUEIRA, 2009). Junqueira (2007)
afirma que a escola é sim um espaço de
vivência
de
preconceitos
e
137
Ao enfocar a cidadania, Dagnino (1994)
a apresenta como fenômeno social e de
subjetivação. A cidadania é vista por
esta autora ainda como um fenômeno
psicossocial, já que, tida enquanto
estratégia, "o conteúdo da cidadania é
sempre definido pela luta política e é,
portanto, capaz de incorporar dimensões
da subjetividade" (p. 113).
Se concebermos a escola como uma
instituição social, criada pela e na
modernidade para a formação dos
sujeitos de uma determinada sociedade,
o que significa, de fato, formar
cidadãos? Entende-se que não basta
apenas garantir o acesso e a
permanência do indivíduo na escola,
mas é imprescindível reavaliar a
finalidade desta e, conseqüentemente,
da educação e seus objetivos como
papel social.
Página
previamente, mas respondem à
dinâmica dos conflitos reais, tais
como vividos pela sociedade num
determinado momento histórico.
Esse conteúdo e significado,
portanto, serão sempre definidos
pela luta política (DAGNINO,
1994, p. 107).
A partir do que foi exposto no texto até
o presente momento, é possível
perceber uma contradição entre a
concepção de escola da qual partimos
inicialmente e a forma como esta tem se
estruturado para criar, manter e
organizar preconceitos e discriminações
que impedem qualquer forma de
cidadania.
Pesquisas apontam a escola como um
espaço
de
(re)produção
de
desigualdades sociais, preconceitos e
violências,
evidenciando
sistematicamente as marcas das ações
discriminatórias no contexto escolar.
Tais fatos comprovam que a vivência de
situações
preconceituosas
e
discriminatórias influencia diretamente
no desempenho dos estudantes que são
vítimas dos mesmos (MAZZON, 2009).
O preconceito, materializado em
diferentes formas de discriminação, é
uma realidade objetiva nas escolas
brasileiras.
A pesquisa de âmbito nacional sobre
"Preconceito e discriminação no
ambiente escolar" realizada pela
Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (FIPE) em 501 escolas
públicas,
totalizando
18.500
entrevistados, dentre alunos, pais, mães,
A pesquisa "Juventudes e Sexualidade"
– realizada pela UNESCO com
crianças, adolescentes e jovens de
escolas de ensino fundamental e médio
de treze capitais brasileiras e do Distrito
Federal (DF) – demonstra que, ao ser
questionado sobre quais indivíduos o
entrevistado não gostaria de ter como
seu colega de classe, aproximadamente
25% dos alunos responderam que não
gostariam de ter um colega não
heterossexual
(CASTRO;
ABRAMOVAY; SILVA, 2004).
Em pesquisa realizada durante o ano de
2005, durante a VIII Parada do Orgulho
LGBT de Belo Horizonte, em Minas
Gerais, mais de 30% dos entrevistados
homossexuais afirmaram ter sofrido
alguma forma de violência no espaço
escolar, perdendo apenas para a família
e os lugares públicos de lazer (PRADO;
MACHADO; RODRIGUES, 2005).
Neste sentido, um ambiente escolar
menos
preconceituoso
propicia
condições
para
o
melhor
desenvolvimento e desempenho dos
estudantes.
138
Com base neste sentido, percebe-se que
a escola tem exercido um papel
normatizador das condutas sexuais e de
gênero. O corpo docente atua por vezes
a fim de vigiar a sexualidade infantil,
embutindo
nas
crianças
comportamentos que histórica e
culturalmente têm sido considerados
"coisas de meninas ou de meninos"
(BORGES; MEYER, 2008). A escola
configura-se assim, segundo Junqueira
(2009), como um espaço de opressão,
discriminação e preconceito.
diretores, professores\ e funcionários.
Com o objetivo de fornecer informações
relevantes para a elaboração de políticas
e estratégias de ação que promovessem
a diversidade, a superação do
preconceito – seja este de natureza
étnico-racial,
socioeconômica,
geracional, de gênero, territorial, de
orientação sexual ou relacionada a
indivíduos com necessidades especiais –
e das ações discriminatórias nas escolas
públicas brasileiras demonstram que os
diversos sujeitos constituintes do espaço
escolar – diretores, professores,
funcionários, alunos e familiares –
apresentam atitudes, crenças e valores
que indicam que o preconceito é uma
realidade
nas
escolas
públicas
brasileiras.
Página
discriminações por toda a comunidade
escolar, sistematicamente.
Em contrapartida, a discriminação
caracteriza-se pelas atitudes que
expressam o preconceito através do
comportamento. Logo, em ações
preconceituosas a discriminação não se
limita a uma idéia, mas implica um
comportamento e/ou uma atitude
preconceituosa.
Constitui-se em um mecanismo
eficiente e atuante, cuja lógica pode
atuar em todas as esferas da
vida.(...) Fazem-se presentes em
imagens, linguagens, nas marcas
corporais e psicológicas de homens
e de mulheres, nos gestos, nos
espaços,
singularizando-os
e
atribuindo-lhes
qualificativos
identitários, hierarquias e poderes
diferenciais,
diversamente
valorizados, com lógicas de
inclusões-exclusões conseqüentes,
porque geralmente associados a
situações
de
apreciação
depreciação/desgraça
(BANDEIRA; BATISTA, 2002, p.
126)
Prado e Machado (2008) também
percebem o preconceito social como um
dos importantes mecanismos de
manutenção de hierarquias entre os
distintos grupos sociais, e a legitimidade
da inferiorização de uns em detrimento
de outros neste contexto de sociedade.
Segundo esses autores, os preconceitos
servem para conservar e legitimar os
processos de dominação social, o que
139
O preconceito consiste em um
fenômeno complexo que pode ser
equiparado a um iceberg que mantém
partes invisíveis. Podemos considerar
que
essa
invisibilidade
deriva
principalmente da naturalização das
desigualdades no país, que silenciam os
processos de reprodução do lugar de
subordinação dos sujeitos.
Segundo Bandeira e Batista (2002), o
preconceito pode ser uma "máquina de
guerra"
presentes
nas
relações
cotidianas. O preconceito é entendido,
assim, como o reprodutor mais eficaz de
discriminação, de exclusão e, portanto,
de violência. Os preconceitos e as
discriminações
estão
diretamente
associados à emergência da diferença,
seja pela afirmação e manipulação
desta, seja pela negação que resulta na
criação de padrões de violência. O
preconceito se manifesta nas relações
sociais, constituindo-se de um modo de
relacionamento de desvalorização e
negação
do
"outro"
e,
conseqüentemente, da supervalorização
de "si" – que serve para construir ou
manter hierarquias e relações de
subordinação e dominação. Conclui-se
que o preconceito:
Página
A temática do preconceito não constitui
um assunto novo (HELLER, 1985;
BANDEIRA;
BATISTA,
2002;
GUIMARÃES,
2004;
FLEURY;
TORRES, 2007; PRADO; MACHADO,
2008), apresentando-se como uma
categoria útil de análise e passível de
teorizações. O preconceito é uma
dimensão da vida social; sua
invisibilidade é compartilhada por todos
e exige-se que a sociedade abandone o
posicionamento ingênuo frente ao tema
para, assim, assumir a necessidade de
ações que tentarão superar o problema.
É importante ressaltar que preconceito e
discriminação são aqui tratados como
processos diferentes. Resumidamente, o
preconceito
consiste
em
préjulgamentos, pré-juízos feitos de forma
prematura e inadequada sobre grupos e
sujeitos. O preconceito é concebido
como "um conjunto de crenças, valores,
saberes e atitudes que julgamos naturais
porque os transmitimos de geração a
geração, sem questionamentos; dizemnos como são e o que valem as coisas e
os seres humanos, como devemos
avaliá-los e julgá-los" (CHAUÍ, 1996, p.
116).
Segundo Heller (1985), os preconceitos
são criados e disseminados na esfera
cotidiana, constituindo-se, desse modo,
em uma categoria do pensamento e do
comportamento cotidianos. A autora
define preconceito como o resultado de
um mecanismo de ultra generalização
frente à heterogeneidade das atividades
da vida – generalização essa
imprescindível
às
exigências
pragmáticas de reprodução e êxito na
cotidianidade. "Toda ultra generalização
é um juízo provisório ou uma regra
provisória
de
comportamentos.
Provisórios porque se antecipam à
atividade possível e nem sempre –
muito pelo contrário – encontram
confirmação no infinito processo da
prática" (1985, p. 44).
De acordo com tais perspectivas, o
preconceito é caracterizado como um
modo arbitrário de agir e pensar. É
exercido como uma forma de controle
social
que
mantém
hierarquias,
distâncias sociais e desigualdades, além
de impor lógicas de inferiorização e
O preconceito e a discriminação
manifestam-se no contexto social de
diferentes formas, estas baseadas nas
diferenças (racial, econômica, relativa à
orientação sexual, ao gênero, à origem,
à geração, entre outros) que se
configuram e se manifestam de formas
distintas. Logo, torna-se imprescindível
nomear e apresentar o preconceito e a
discriminação em suas inúmeras
formas: homofobia, racismo, sexismo,
preconceito geracional e quanto à
origem geográfica.
Como sabemos, o preconceito e a
discriminação atuam com o intuito de
manter certas lógicas que, por sua vez,
mantêm determinados sujeitos em
lugares inferiores ou superiores nas
hierarquias sociais – sejam elas sexuais,
raciais, econômicas, geracionais ou
territoriais.
Logo, pensar nas lógicas que
constroem, mantêm, significam e resignificam preconceitos e legitimam
discriminações, no contexto desta
Escola Municipal de Belo Horizonte, é
problematizar conceitos e estereótipos
naturalizados tanto no ambiente escolar
quanto no contexto social. A concepção
de escola e seu papel social, tal qual sua
importância na promoção da cidadania,
o significado atribuído à favela e a visão
do ser jovem – e, mais especificamente,
do ser jovem pobre –, nos parece um
caminho para configurarmos ações e
pensarmos como certas concepções
ocupam-se
em
manter
lógicas
excludentes (BORGES; MEYER, 2008;
JUNQUEIRA, 2009).
A homofobia, que segundo Borillo
(2001) é entendida como uma atitude
hostil destinada a não-heterossexuais –
ou, dito de outra forma, homossexuais
homens e mulheres –, tem por objetivo
140
O preconceito atua tanto na dimensão
social quanto na individual, o que
possibilita entendê-lo como um
fenômeno psicossocial onde "um
conjunto abstrato de valores sociais só
encontra substância no comportamento
individual" (PRADO; MACHADO,
2008, p. 75).
subordinação que cultivam, enfim, certa
concepção de sociedade.
Página
significa tomar o preconceito como um
regulador das interações entre os atores
e grupos sociais. Os atores, ainda
imbricados na hierarquia social, não
conseguem "ver" que "não vêem" e "o
que é que não vêem". Dito de forma
simplificada, o preconceito atua
ocultando razões históricas, culturais e
sociais que naturalizam inferiorizações.
Ou, ainda, o preconceito "nos impede de
identificar os limites de nossa própria
percepção da realidade" (PRADO;
MACHADO, 2008, p. 14).
A
literatura
que
aborda
homossexualidade e escola aponta o
ambiente escolar como um espaço
traumático e negativo para os LGBTs.
Contudo, também a entende como “um
local de experimentações, ensaios,
testes, experiências de vida – ou seja, a
escola é também repleta de aspectos
positivos, de resistência, de aliança e de
superação" (BORGES; MEYER, 2008,
p.72). O que se observa no ambiente da
Escola Municipal aqui analisada é uma
privatização das questões referentes à
sexualidade – como um receio, um
medo da homossexualidade –, além do
desconhecimento
das
questões
relacionadas
às
vivências
não
heterossexuais como uma forma, por
exemplo, de não colocar a própria
orientação sexual como alvo da
desconfiança, como possível "vítima"
do preconceito.
As hierarquias ligadas à construção
social das raças fazem-se presentes no
contexto social da escola. A importância
da inclusão da raça, como ponto de
análise na compreensão das relações
sociais, coloca-se como um elemento
essencial na nossa sociedade. No âmbito
da educação, os principais trabalhos
Diante disso, dois aspectos são
importantes na compreensão dessa
realidade: a raça como construtor social
e os fatores envolvidos na atribuição de
raça/cor. A raça não deve ser
compreendida como uma realidade
natural e estática, mas sim, como nos
aponta Guimarães (1999), como uma
construção social, ou raça social. A raça
social aparece como uma importante
referência para a demarcação de
indivíduos e grupos, construindo uma
percepção social que categoriza,
classifica e naturaliza posições.
Por outro lado, assim como a própria
idéia de raça não segue uma lógica
natural e estática, a atribuição social de
raça também não obedece a regras
exclusivamente fenotípicas. O fenótipo
exerce influência na atribuição – autoatribuição ou hetero-atribuição – social
de raça, mas outros fatores são
determinantes nesse processo, como
classe social, local de moradia, posição
social, auto-declaração de quem atribui
e, no caso da escola, rendimento e
comportamento escolar.
Levar em conta esses dois aspectos
mostra-se
importante
para
a
compreensão das formas de articulação
entre raça e atribuição racial, que
exercem impacto no cotidiano das
relações sociais e, ainda mais
especificamente, no espaço escolar.
Dessa forma, a preocupação constrói
possibilidades de localizar e qualificar
as diferenças como naturalização de
violências,
subalternidades
e
discriminações. Ao contrário dos
preconceitos e ações discriminatórias
141
Podemos caracterizar a homofobia,
portanto, como aversão, ódio e
discriminação aos que se relacionam
afetiva e sexualmente com pessoas do
mesmo sexo. A homofobia pode ser
expressa das formas mais sutis e
silenciosas às mais insidiosas, indo de
ofensas, xingamentos, não-convívio
com homossexuais, violência social e
formas de inclusão subalternizadas até
as agressões, extermínio ou o
aniquilamento dos discriminados.
pioneiros dedicam-se a explicitar os
efeitos acumulados da discriminação
racial na escola, percebendo maiores
dificuldades na trajetória escolar do
aluno negro (ROSEMBERG, 1987) e as
desvantagens no acesso da população
negra à escola.
Página
designar o outro como inferior,
contrário ou anormal, de modo que a
diferença é responsável por excluir o
grupo em questão do universo dos
humanos (BORGES; MEYER, 2008).
O papel da escola a partir desta
perspectiva seria o de disciplinar e
normatizar o jovem, na expectativa de
que estes sejam transformados em
adultos. O jovem é, dessa forma, o
Tratando
da
interlocução
entre
hierarquias baseadas na geração e no
território, o que salta aos olhos é o
imaginário social de que os estudantes,
jovens moradores do aglomerado
mineiro aqui abordado, são jovens
pobres muitas vezes preconcebidos
como marginais, vítimas de um sistema
econômico sem saída. Esses jovens
apresentam uma “tendência” a escolher
o caminho da criminalidade e, por isso,
precisam ser ainda mais tutelados e
guardados.
Para esses “jovens”, destinados de
antemão a esse problema, fundidos
com ele, o desastre é sem saída e
sem limites [...] Marginais pela sua
condição,
geograficamente
definidos antes mesmo de nascer,
reprovados de imediato, eles são os
“excluídos” por excelência [...]. Por
acaso eles não moram naqueles
lugares
concebidos
para
se
transformar em guetos? Guetos de
trabalhadores, antigamente. De
sem-trabalho, de sem-projeto, hoje
[...] Que podem eles esperar do
futuro? Como será a sua velhice, se
chegarem até lá? [...] Bloqueados
numa segregação [...] eles têm a
indecência de não se integrar.
(FORRESTER apud COIMBRA;
NASCIMENTO, 2005, p. 348).
Neste sentido, o jovem pobre tido como
carente "não alcançou o status de uma
posição de sujeito agente, ou membro
de uma categoria social, mas tão
somente a impregnou com o estigma de
‘problema social’" (CASTRO, 2008, p.
5). O que se vê nesta Escola Municipal
é que o estudante, que deveria ser o
motivo da existência da mesma, tornouse o seu maior empecilho.
142
As concepções em relação à geração, na
maior parte das vezes, referem-se a uma
hierarquização das relações geracionais.
As hierarquias ligadas à geração fazemse presentes no contexto escolar da
Escola Municipal. Assimilar a dinâmica
geracional e intergeracional mostrou-se
fundamental para perceber as demais
relações de exclusão e inclusão vigentes
em
nossa
sociedade
e,
conseqüentemente, no espaço escolar.
Os estudantes são vistos a partir de uma
perspectiva "adultocêntrica", onde o
adulto é posto no alto da pirâmide
hierárquica e a juventude é tida como
um "vir a ser" da experiência juvenil.
Neste sentido, tais estudantes precisam
de tutela, guarda, proteção, sendo
incapazes de interpelar o mundo público
ou propor novas possibilidades à
medida que são uma categoria
subordinada. Assim, "ser jovem" ou
"ser um aluno jovem" é se preparar para
algo, e não estar pronto para o pleno
exercício da vida política, pública e
social, uma vida cidadã. O "ser jovem"
apresenta
identidades
ainda
despreparadas para a completa prática
da vida social e política, e precisa ser
ensinado a participar. Esta concepção de
uma imaturidade juvenil justifica a não
participação desses estudantes em
assuntos relevantes da vida escolar em
espaços de poder, e a incapacidade dos
jovens de falarem por si.
sujeito em formação, com um futuro a
enfrentar e um passado e presente a
ignorar. É ele o responsável pela
transformação do futuro, de si e da
realidade ao seu redor.
Página
em relação à homossexualidade e às
condutas de gênero, que são percebidas
de forma explícita na Escola Municipal
aqui trabalhada, os preconceitos em
relação à raça aparecem de forma mais
velada, geralmente associados às classes
sociais ou ao território.
A inserção na Escola Municipal aponta
para a reprodução de preconceitos,
ações discriminatórias, imaginários
sociais, naturalizações e violências. Esta
afirmação baseia-se na observação
participante, em entrevistas com
coordenação e direção, rodas de
conversa com o corpo docente e
funcionários, e oficinas com alunos.
Conclui-se então que o preconceito, em
suas mais diversas formas de
manifestação discriminatória e motivos
que velam o mesmo – homofobia,
racismo, sexismo, geracional, etc. –, de
forma articulada ou não, influencia na
A problematização do espaço escolar,
com o intuito de redimensionar as
relações sociais entre os profissionais de
psicologia – em formação ou não –,
pode contribuir para transformar este
espaço cidadão, produzindo sujeitos
conscientes de si e do mundo e
possibilitando, através da construção de
novas significações, um mundo comum
para todos.
As questões que geram preconceito
necessitam ser problematizadas e
desmistificadas.
O
preconceito,
enquanto algo que dizima o indivíduo
social, também o destitui de sua
autonomia e liberdade. Cabe a nós
psicólogos, em conjunto com os
diversos atores, responder a seguinte
pergunta: em que condições o ser
humano se torna capaz de desejar a
liberdade,
de
agir
livremente?
(FLACKS, 2005) E, a partir da resposta,
agir.
Romper com as exclusões, a
intolerância e a diferença parece uma
forma de repensar a escola e produzir
espaços de cidadania. Assim, acredito
que só o diálogo profundo e constante
entre gerações, conjugando inovações e
tradições, pode inverter as lógicas do
preconceito,
quebrar
mitos,
discriminações e estigmas que não só se
inscrevem, mas caracterizam tão bem a
sociedade.
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achados,
descobertas, saberes, mostrar a grande
diversidade que se inscreve no contexto
escolar, também são formas de
143
Considerações finais
construção do espaço escolar, além de
ter se tornado um empecilho à
organização deste como um espaço de
cidadania. Problematizar e combater os
processos de exclusão social e as
naturalizações das relações desiguais,
bem como qualquer outro processo que
possa impedir o acesso à cidadania,
torna-se papel da escola e dos diversos
atores que a constituem.
Página
É importante ressaltar que há diferentes
mecanismos
para
expressar
preconceitos, como a "brincadeira".
Muitas vezes é por meio de piadas e
chacotas
que
as
posturas
discriminatórias se revelam. Tais
zombarias, entretanto, não podem ser
tratadas por professores e funcionários
como práticas próprias das juventudes,
ou
como
"brincadeirinhas
sem
importância". É necessário, pois,
estarmos sensíveis às formas sutis de
discriminação, preconceitos e violência
que são difíceis de serem enfrentados, já
que encontram respaldo no modo como
toda a sociedade se organiza e se
relaciona com as chamadas minorias.
Esses hábitos discriminatórios podem
estar presentes em muitos dos valores
difundidos pela escola, ou no modo
como esta avalia seus alunos, organiza
seus espaços, etc. Encontramos tais
práticas ainda na violência do racismo
(mesmo
que
disfarçada),
na
discriminação social, no preconceito
referente ao papel da mulher, no
menosprezo
pelas
culturas
não
hegemônicas, na desvalorização da
cultura da juventude, na convivência
com as desigualdades e na intolerância
às diferenças.
A Psicologia Comunitária apresenta-se
como um campo de estudos que visa
uma transformação da sociedade a partir
dos
sujeitos
nela
inseridos.
Problematiza, de forma conjunta,
conceitos, estereótipos, condutas e
justificativas que parecem estar
naturalizados tanto no ambiente escolar
quanto no contexto social, que são parte
de um imaginário coletivo e servem a
um projeto de sociedade que mantém
hierarquias sociais e desigualdades.
Assim, a Psicologia Comunitária auxilia
os sujeitos imersos na Escola Municipal
aqui referida – e cuja maioria dos
estudantes é negra – a construir
interlocuções de saberes que levem em
É possível concluir que repensar a
escola, tendo-a como um espaço de
promoção de cidadania e formação de
cidadãos, é disponibilizar aos sujeitos os
recursos necessários para a recusa da
permanência em lugares hierárquicos –
estes muitas vezes socialmente impostos
–, construindo novas formas de
participação em lutas políticas e
enfrentando desigualdades. A cidadania
serviria, então, para reconhecer as
formas de poder presentes nas relações
sociais e compatibilizá-las com os
valores
democráticos
da
nossa
sociedade.
Conviria
ainda
para
desenvolver uma atitude positiva em
direção às diferenças que se apresentam
na cena política, abrindo a possibilidade
de participar da criação de novos
direitos que não podem se reduzir
aqueles delimitados pela ordem
jurídico-estatal. Em suma, conviria para
a afirmação da liberdade e da igualdade
para todos.
A escola passa a ser concebida como
um lugar que não apenas reproduz
comportamentos
e
discursos
discriminatórios, mas que também pode
vir a re-significar as relações. É como
um espaço singular para a construção de
identidades positivas e transformação
social (BORGES; MEYER, 2008), ou
ainda um local privilegiado de
mudanças sociais e, consequentemente,
de promoção à cidadania:
E, nesse sentido, é possível olhá-la
em seu potencial e capacidade de
colaborar para a construção de uma
sociedade
melhor,
mais
144
Nesse sentido, o papel do psicólogo é –
como dito anteriormente – propiciar a
construção de espaços para que os
indivíduos, a partir de uma reflexão
sobre si próprios, transformem-se em
atores numa dinâmica de compreensão.
Tal prática demanda que os sujeitos em
questão distanciem-se de suas formas de
pensar o mundo e a sociedade,
transformando a si mesmos em objetos
de estudo e objetivando, com isso, suas
próprias formas de tratar a sociedade em
que estão inseridos. Esse exercício
permite ainda que o jovem torne sua
consciência mais crítica, que mude suas
atitudes, suas formas de agir. É nesse
sentido que a conscientização leva à
construção de patamares sucessivos, de
participação em ações de formação e de
transformação numa sociedade ativa.
Este processo é visto como um ato de
conhecimento que implica na revelação
gradual da realidade, esta baseada na
crença da capacidade que o sujeito
possui para não só identificar, mas
reconhecer os problemas de seu tempo e
transformá-los
através
da
ação
(FREIRE, 1970 e 1980).
conta o contexto social desses
indivíduos.
É
necessária
a
desconstrução de imaginários e
naturalizações que tendem a inferiorizar
sujeito e impossibilitar diálogos que
sejam de fato horizontais, construindo
uma cidadania que é negociada e posta
em disputa no campo social e político.
Página
contribuir e refletir sobre muito do que
se diz a respeito dessa sociedade.
O que já foi feito para repensar este
espaço escolar – tendo em vista o
desenvolvimento de ações que vão de
encontro aos problemas sociais ali
presentes, possibilitando espaços de
construção de práticas transformadoras
e tendo, como fim, a construção de
propostas para e com a participação dos
sujeitos imbricados naquela realidade –
são oficinas que focam a temática da
sexualidade em seu amplo gradiente de
possibilidades,
que
discutem
a
participação no espaço escolar através
do representante de classe e as questões
referentes à violência simbólica, física,
institucional e psicológica. Dessa
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145
A cidadania no contexto escolar pode
relacionar-se ao entendimento da escola
como um locus para o desenvolvimento
e para a participação dos jovens em
atividades diversas, entendendo-os
como sujeitos de direitos, capazes de
ações reflexivas e propositivas. É
fundamental que o jovem seja visto
como um ator social, que seja capaz de
desvelar o contexto em que vive e de
propor
ações
direcionadas
à
transformação, com o objetivo de
construir, por fim, uma sociedade mais
igualitária onde a diferença não
implique em inferiorização. Para tanto,
é necessário superar a falta de diálogo
entre os atores envolvidos no ambiente
escolar, reconhecer a diversidade e
trabalhar em defesa da justiça social.
maneira, as oficinas são um dos meios
encontrados para decodificar mitos,
questionar o que era tido como
inquestionável – pois se apresentava
naturalizado –, perguntar sobre a
causalidade das coisas, suas razões de
funcionamento
e
existência,
e
vislumbrar outras possibilidade de
modos de existência. Assume, ainda,
seu compromisso com os setores menos
abastados da população, buscando
contribuir para sua conscientização e
mobilização.
Página
democrática e igualitária. Refletir
sobre o potencial educativo, crítico
e questionador da escola pode ser
um caminho para alterar posturas e
comportamentos, e, talvez, quando
articulada a outros espaços, ela
contribua
para
promover
transformações sociais de longo
prazo, podendo vir a ser um
instrumento
capaz
de
abrir
horizontes
e
provocar
transformações pessoais e coletivas.
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