DA FUNÇÃO EXTRAFISCAL DOS TRIBUTOS ROBERTA SILVA MARTINS Pós-graduanda em Direito e Processo Tributário pela PUC-GO Orientador e Especialista: Julio Anderson Alves Bueno RESUMO O função extrafiscal tem como objeto atingir a justiça social, assim, o objetivo desta pesquisa será tratar da função extrafiscal dos tributos, abordando sua aplicação através do poder-dever do Estado como instrumento de intervenção no domínio econômico e no meio social, de modo a não colidir com o princípio do não-confisco e não onerar a capacidade contributiva do sujeito passivo, pois a finalidade é a diminuição de desigualdades sociais e regionais que transcende a mera operação contábil, utilizando-se o tributo como um fator de estímulo ou desestímulo de atividades, de produção e consumo de certas mercadorias, entre outros. Os métodos utilizados para tanto foram o dedutivo e o compilatório. Palavras-chave: 1. Função. 2. Tributo. 3. Extrafiscal. INTRODUÇÃO O tema a ser apresentado nesta pesquisa busca analisar a função extrafiscal dos tributos, e tem como objeto garantir a compreensão da capacidade de intervenção Estatal na economia com o intuito de garantir o bem comum através da aplicação dos tributos extrafiscais, sem, contudo, interferir na capacidade contributiva, bem como identificar a possibilidade de uma contraprestação do Estado mediante a utilização dos tributos extrafiscais. Destacam-se como objetivos da tributação a receita tributária, ou seja, a finalidade fiscal do tributo, de forma a diminuir desigualdades sociais e regionais, bem como intervenção no domínio econômico e, ainda, a intervenção em categorias profissionais. Considera-se como uma finalidade extrafiscal a diminuição de desigualdades sociais e regionais, pois esta transcende a mera operação contábil, utilizando-se o tributo como um fator de estímulo ou desestímulo de atividades, de produção e consumo de certas mercadorias, entre outros. Quando se fala em tributação com finalidade fiscal, trata-se de uma tributação já conhecida e habitual para a grande maioria dos brasileiros, ou seja, a tributação cuja finalidade é abastecer os cofres públicos. No entanto, quando se fala em tributação extrafiscal, geralmente, fica um ponto de interrogação no ar, pois a grande maioria da população brasileira não detém conhecimento sobre o tema, tornando relevante o estudo sobre os princípios constitucionais tributários que versam acerca da tributação extrafiscal. Observa-se que a tributação extrafiscal está voltada para a promoção do bem comum, proporcionada pelo Estado que utiliza de seu poder-dever, dentro dos limites estabelecidos na Constituição ou por leis. Esses instrumentos são capazes de proporcionar, ao Estado, resultados da intervenção estatal no meio social e econômico. Também é possível se afirmar que o Estado se torna responsável em apresentar uma contrapartida desses tributos que incidem a extrafiscalidade. Para a confecção do presente artigo, utilizou-se o método dedutivo compilatório. Dedutivo porque envolve a explicitação de um conhecimento. E compilatório porque envolve a transcrição da opinião de diversos juristas sobre o tema. Eis que a pesquisa envolverá análise teórico-bibliográfica, com o estudo comparativo de toda a teoria e prática relacionados com a função extrafiscal dos tributos. 1. DIREITO TRIBUTÁRIO 1.1 O poder de tributar O poder advém diretamente do exercício da soberania estatal, que é atividade típica do Estado, assim como a diplomacia, a segurança, a justiça, entre outros. Apesar do poder de tributar ser ínsito à soberania estatal, cumpre observar que parte da doutrina acredita que a relação tributária muito mais que relação de poder, é uma relação jurídica, com direitos e obrigações de ambas as partes. Enquanto a Administração tem o poder-dever de fiscalizar e arrecadar tributos, eis que a atividade é plenamente vinculada, o administrado tem um conjunto de princípios e normas que lhe protegem contra uma tributação incomensurável que se denomina de Estatuto do Contribuinte. Com isso, nota-se que o Direito Tributário cuida não só do poder estatal de tributação, mas de regras de limitação a este poder, a fim de ordenar a relação jurídica fisco-contribuinte. Entretanto, compete ressalvar que existem autores que consideram a relação de Direito Tributário como relação de poder, pois corresponde a uma obrigação imposta unilateralmente pelo Estado sendo autor e beneficiário da norma, o que retiraria a bilateralidade da norma jurídica, porém, tal concepção remonta à época da fundação do Direito Tributário. Entende-se que o Estado utiliza o seu poder para criar a lei, contudo, após a sua criação o Estado a ela se submete (princípio da legalidade estrita), estando em pé de igualdade com o contribuinte, dentro da relação jurídica obrigacional. 1.2. Competência para tributar O poder tributário não é ilimitado e absoluto, existe a limitação que é conferida exatamente pela competência para tributar. O ente estatal tem o poder coercitivo de tributar como inerente às suas funções para fazer frente às despesas públicas dentro da atividade financeira do Estado, contudo, para lançar mão da tributação o Estado há de ter competência para instituir dado tributo. No Brasil, em decorrência do sistema federativo adotado, o poder tributário é partilhado entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Tal poder delimitado constitucionalmente é o que se denomina de competência tributária (artigos 153, 155 e 156, CF) que é uma limitação constitucional ao poder de tributar, matéria estritamente constitucional. Quem tem competência para tributar são apenas as pessoas de direito público dotadas de poder legislativo. O exercício do poder, da competência tributária, está umbilicalmente ligado ao poder de legislar sobre a matéria, visto que o poder tributário é exercido por lei, em face do princípio da legalidade que informa o Direito Tributário dentro de um Estado Democrático de Direito, conforme redação do art. 6º do CTN. No artigo 7º, observa-se que a competência é indelegável, salvo atribuições de arrecadar e fiscalizar tributos, ou executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, ocorrendo aqui o que alguns denominam de competência delegada, ou seja, de capacidade tributária ativa. Importante, ainda, diferenciar a competência para tributar da capacidade tributária ativa. Competência para tributar está ligada à ideia de poder de legislar sobre o tema, criando ou majorando o tributo, o que somente pode ser feito por lei, salvo exceções. Já a capacidade tributária corresponde ao poder de ser sujeito da relação jurídica tributária. Pode ser sujeito ativo desta relação a própria pessoa com poder legislar (exemplos: a União (Imposto de Renda), o Estado (o ICMS), o Município (o IPTU)), ou pode ser pessoa jurídica sem poder legislativo, como ocorre, por exemplo, com as autarquias que podem cobrar contribuições sociais que são consideradas hoje como tributos (exemplos: INSS, os Conselhos de Fiscalização Profissional - CREA, OAB, entre outros). A atribuição de competência para tributar, como já visto nos parágrafos acima, corresponde à divisão do poder de tributar pelos entes estatais componentes da Federação. Neste tópico, vale lembrar que a Constituição de 1988 foi muito descentralizadora, fortalecendo o espírito federativo. Não permite, por exemplo, que a União conceda isenções em tributos estaduais (art. 151, III, CF), fixando firmemente que só quem tem poder para tributar, tem poder para isentar, o que fortalece a autonomia dos Estados e Municípios. Aliás, tal foi a concepção de Federação que triunfou na elaboração da Constituição Federal de 1988. Assim é que, em matéria de imposto (que é uma espécie tributária), a União (art. 153 CF), o Estado (art. 155 CF) e o Município (art. 156 CF) têm respectivamente a sua competência, não podendo um invadir a competência do outro, sob pena de inconstitucionalidade do tributo acaso constituído e cobrado. A crítica que se faz à atribuição de competência nos moldes do previsto na Constituição é que ela não minora as desigualdades regionais do País. O ICMS de um Estado-Membro pobre termina por não ter o condão de impulsioná-lo para o desenvolvimento, enquanto que o do rico o faz cada vez mais potente. Na lida de diminuir tais desigualdades, o legislador constituinte imaginou um sistema de distribuição de receitas, previsto nos artigos 157 a 162 da CF. Há, pois, um sistema de repartição de receitas direta ou indiretamente, este último, através dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios. 1.3. Objetivos da tributação Os objetivos da tributação são: as receitas, diminuir desigualdades sociais e regionais, intervenção no domínio econômico e intervenção em categorias profissionais. Como se sabe, a receita tributária é, nos países capitalistas, a maior fonte de receita que o Estado tem para movimentar a sua atividade financeira. Este objetivo corresponde ao que se chama finalidade fiscal do tributo. Quanto a diminuir desigualdades sociais e regionais, esta é uma finalidade extrafiscal, ou seja, que transcende a mera operação contábil, utilizando-se sim o tributo como um fator de estímulo ou desestímulo de atividades, de produção e consumo de certas mercadorias, entre outros. Veja-se o seguinte julgado acerca da capacidade contributiva: O efeito extrafiscal ou a calibração do valor do tributo de acordo com a capacidade contributiva não são obtidos apenas pela modulação da alíquota. O escalonamento da base de cálculo pode ter o mesmo efeito. Ao associar o tipo de construção (precário, popular, médio, fino e luxo) ao escalonamento crescente da avaliação do valor venal do imóvel, a Lei 3.326/1996 do Município de Campo Grande passou a graduar o valor do tributo de acordo com índice hábil à mensuração da frivolidade ou da essencialidade do bem, além de lhe conferir mais matizes para definição da capacidade contributiva. Impossibilidade, nos termos do texto constitucional anterior à inovação trazida pela EC 29/2000. (AI 583.636-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 6-4-2010, Segunda Turma, DJe de 30-4-2010.) O princípio da capacidade contributiva que informa a tributação moderna, os incentivos fiscais para determinadas regiões ou atividades, os Fundos de Participação na distribuição de receitas, tudo isso serve para a consecução do presente objetivo. Com relação a intervenção no domínio econômico, igualmente se trata de um fim que extrapola os estreitos limites do fim fiscal da tributação. Através de isenções, alterações de alíquota (ex.: de imposto de importação, de IOF, entre outros) utiliza-se o tributo como fator determinante na economia. Mesmo o fenômeno da carga tributária exacerbada que, frequentemente, determina o desestímulo à produção e estimula a sonegação, é exemplo evidente de como a tributação tem como um de seus objetivos intervir na economia, regulando o mercado. Tratando-se da intervenção em categorias profissionais, no direito tributário moderno, temos a figura da tributação com fim parafiscal, vale dizer, o tributo é arrecadado e vai para uma entidade ao lado (“para”) do ente estatal. Assim, temos as contribuições sociais corporativas que se cobra das categorias profissionais e econômicas, a fim de manter as entidades que promovem a fiscalização e proteção de determinadas profissões (ex.: CREA -Administração, CRM -Medicina, CRQ, CRMV, OAB, entre outros). 2. QUANTO À FINALIDADE OU FUNÇÃO O tributo pode ter função fiscal, extrafiscal ou parafiscal. Na verdade, o que existe é uma preponderância de determinada finalidade, podendo o tributo possuir tranquilamente mais de uma função. Por exemplo, a função preponderante das contribuições especiais corporativas (art. 149, CF) é parafiscal, mas ninguém nega ter função fiscal relevante, eis que serve para dar recursos aos conselhos de fiscalização profissional (CREA, OAB, CRM, entre outros). - Fiscal: é o tributo instituído com a sua função clássica de arrecadar para fazer face às despesas do Estado. Machado (2009, p. 96) diz que é “fiscal, quando seu principal objetivo é a arrecadação de recursos financeiros para o Estado”. É próprio da atividade financeira do Estado que visa obter, gerir e despender recursos colimando a satisfação do bem comum. - Extrafiscal: é uma finalidade da tributação moderna consistente em se utilizar o tributo como instrumento de intervenção na economia, para estimular ou desestimular atividades (in casu, extrafiscalidade proibitiva - ex.: forte tributação sobre bebida alcoólica, sobre tabaco, sobre artigos de luxo, entre outros), para estimular regiões (incentivos fiscais, isenção, remissão, anistia, entre outros). Segundo Machado (2009, p.96), “o tributo é extrafiscal quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, para buscar um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros”. Então, o uso extrafiscal dos tributos tem por objetivo disciplinar, favorecer ou desestimular os contribuintes a realizar determinadas ações, por considerálas convenientes ou nocivas ao interesse público. - Parafiscal: estes tributos se destinam a sustentar atividades que, a princípio, não seriam do Estado, mas que este desenvolve por meio de entidades específicas. Machado (2009, p. 96) salienta que é “parafiscal, quando o seu objetivo é a arrecadação de recursos para o custeio de atividades que, em princípio, não integram funções próprias do Estado, mas este as desenvolve através de entidades específicas”. O dinheiro arrecadado vai para entidades outras que não o Estado (daí o nome “para”, ou seja, à margem), como INSS, OAB, CREA, entre outros. 2.1. O tributo extrafiscal Mesmo com a observância divergente de parte da doutrina, os tribunais pátrios e outra parte de doutrinadores entendem pela aplicabilidade do tributo extrafiscal quando os objetivos sejam alheios aos meramente arrecadatórios, ou seja, quando se pretenda prestigiar situações sociais, política e economicamente valiosas. A utilização do imposto com caráter de extrafiscalidade é expediente largamente aceito na doutrina jurídica, nacional e internacional. Meirelles preleciona1: Modernamente, os tributos são usados como instrumento auxiliar do poder regulatório do Estado sobre a propriedade particular e as atividades privadas que tenham implicações com o bem-estar social. Até mesmo o Direito norte-americano, tão cioso das liberdades individuais, admite essa função extrafiscal dos tributos, para o incentivo ou repressão da conduta do particular. [..] Depreende-se que, enquanto os impostos chamados fiscais destinam-se somente à obtenção de receitas para o gasto público, os impostos extrafiscais possuem fins diversos, para abranger os de política econômica ou social, entre outros. Machado expõe 2: Registros existem da utilização do tributo, desde a Antiguidade, com a finalidade de interferir nas atividades econômicas; mas os autores em geral apontam o uso do tributo com essa finalidade como um produto do moderno intervencionismo estatal. A esta função intervencionista do tributo dá-se o nome de função extrafiscal. Contudo, a Constituição da República adotou a extrafiscalidade como recurso normal do procedimento tributário, sobretudo no que diz respeito à implementação de políticas públicas, ao permitir a exacerbação do ônus fiscal ou de suavizá-lo, em função dos objetivos pretendidos. De acordo com Machado (2009, p. 130): O objetivo do tributo sempre foi o de carrear recursos financeiros para o Estado. No mundo moderno, todavia, o tributo é largamente utilizado com o objetivo de interferir na economia privada, estimulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo finalmente os efeitos mais diversos na economia. A esta função moderna do tributo se denomina função extrafiscal. 1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 6. ed. atualizada por Izabel C. L. Monteiro e Yara D. P. Monteiro. São Paulo: Editora Malheiros, 1993, p. 151. 2 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 98. Constata-se que a complexidade dos fenômenos econômico-financeiros justifica que o Estado institua tributos com a finalidade de perseguir outros objetivos, diversos da mera obtenção de receita para custear suas atividades típicas, podendo, assim, interferir no direito de propriedade e/ou ao livre exercício de trabalho, profissão ou ofício, caracterizando-se, portanto, a finalidade extrafiscal do tributo. Observa-se alguns exemplos de extrafiscalidade previstos na Constituição: a) o tratamento diferenciado ao ato cooperativo (art. 146, III, c); b) o tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte (art. 146, III, “d” e parágrafo único, acrescidos pela EC 42/2003); c) prevenção de desequilíbrios da concorrência (art. 146-A, introduzido pela Reforma Tributária (EC 42/2003); d) redução do impacto do IPI sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte deste imposto, que é uma forma de desonerar a produção (art. 153, §3º, IV, introduzido pela Reforma Tributária; e) o ITR progressivo para desestimular a manutenção de propriedade improdutiva (art. 153, § 4º,1 - com a redação da EC 42/2003); f) a imunidade de IPI, ICMS e de contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico das exportações (art. 153, § 3º, III; art. 155, § 2º, X e art. 149, § 2º, I). Observa-se, ainda, que a Lei 11.033, de 21.12.2004 tem nitidamente caráter extrafiscal ao criar um regime diferenciado para o reaparelhamento dos portos, o Reporto, e também ao desonerar a tributação sobre livros, a fim de barateá-las, dando maior acesso da população à literatura. 3. PRINCÍPIOS QUE EXERCEM A EXTRAFISCALIDADE 3.1. Considerações iniciais Os princípios aqui apresentados referem-se exclusivamente aos constitucionais, que têm uma força incomensurável para influenciar toda a legislação que derivar do seu sistema. Baleeiro (1997) quando introduziu a expressão “Limitadores ao poder de tributar” promoveu uma revolução no foco da ação das garantias tributárias, pois antes o que era entendido como princípios e tinha como foco o Estado, com esta nova expressão passou a ser uma garantia do contribuinte contra as investidas do Poder Público na sua voracidade de tributar. No art. 146, II da Constituição Federal encontra-se a competência da lei complementar regulamentar quanto às limitações constitucionais ao poder de tributar. Dessa forma, como o tema trata da extrafiscalidade dos tributos, apresentam-se os seguintes princípios que a exerce: princípio da capacidade contributiva, princípio da progressividade e princípio da seletividade. 3.2. Princípio da capacidade contributiva Muitas vezes confunde-se a capacidade contributiva com o princípio da progressividade, muito embora ambos tenham campo de aplicação diferente. Conti (1996, p. 75) ressalta que existe uma estreita relação entre a capacidade contributiva e a progressividade. Porém, constata-se que a capacidade é algo que se mede pela potencialidade de pagar e é extremamente subjetiva, por isso mesmo a Constituição é sábia e refere-se à situação desta forma: “sempre que possível”. Nem sempre é possível estabelecer esta capacidade ou esta potencialidade que cada contribuinte tem ou, em alguns casos, até a sua ausência. No entanto, resume-se a capacidade contributiva como sendo: quem tem muito paga muito, quem tem pouco paga pouco, quem não tem nada não paga nada. O que faz com que os conteúdos tributários se tornam mais conhecidos é a linguagem mais popular. Deste modo, todos que contribuem podem entender o sistema, não significando que o sistema se torne mais justo, pelo menos em um primeiro momento. Assim, faz necessário o reconhecimento de que a capacidade contributiva não se afina com as finalidades extrafiscais dos tributos (por vezes implementada pelos mecanismos da seletividade e da progressividade), porém não pode ser deixada de lado quando da concretização da extrafiscalidade sob pena de se permitir excessos por parte do Estado, mais especificamente traduzida na vedação ao confisco ou desigualdades injustificáveis. Portanto, o princípio da capacidade contributiva deve ser utilizado para controlar os abusos na aplicação desta modalidade de tributo. 3.3. Princípio da progressividade Considera-se o mais importante da limitação constitucional ao poder de tributar, uma vez que se assenta sobre a utilização do tributo com um efeito extrafiscal, isto é, é ele que possibilita ao Estado a utilização do tributo, e em especial, os impostos, como instrumentos de aplicação de justiça social, no seu mais extenso entendimento. Progressividade é o princípio aplicado a alguns tributos e revela um aumento da carga tributária, o quantum a pagar, motivado por um aumento de alíquota, na maioria dos casos, fundado em um ou mais critérios objetivos, vislumbrando, na maioria das vezes, um critério extrafiscal. Função social da propriedade (art. 156, I, § 1º e art. 182, § 4º, II, CF). Este instituto tem previsão constitucional atribuída a três impostos: a) o Imposto de Renda – IR – (no inciso II do §2º do art. 153); b) o Imposto Territorial Rural – ITR – (no inciso I do §4º do art. 153) e; c) o Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU – (inciso I do §1º do art. 156). O Imposto de Renda – IR tem progressividade fiscal, pois as alíquotas são progressivas com base no valor da renda auferida. O Imposto Territorial Rural – ITR tem dupla progressividade, pois o proprietário de uma área maior possui condições objetivas de suportar uma carga econômica maior, com alíquota mais elevada (função fiscal), e a outra é em relação ao grau de utilização da área porque tem como base a função social da propriedade (função extrafiscal – pois o que se quer são propriedades produtivas). O Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU também tem dupla progressividade, em razão do valor do imóvel porque quem possui um imóvel de valor maior demonstra maior capacidade contributiva objetiva (função fiscal), e em razão do tempo considerando o grau de utilização, pois, a manutenção sem a devida utilização causará aumento na alíquota a cada ano (função extrafiscal). Embora vislumbre um objetivo extrafiscal, ou melhor, não estabelece a progressividade com o objetivo de arrecadação e, sim, para fazer com que a função social da propriedade seja cumprida. Dessa forma, a progressividade tem sido interpretada como uma forma instrumental da capacidade contributiva, que está presente na Constituição – função fiscal. 3.4. Princípio da seletividade Esse princípio é nada mais, nada menos, do que utilizar as alíquotas dos impostos de forma seletiva, ou seja, em função de uma necessidade ou essencialidade do produto, mercadoria ou serviço. Quando o ente federado destina a quem faz opção por consumir produtos, mercadoria ou serviços supérfluos alíquotas maiores, certamente cobrará mais de quem pode pagar mais. Assim, vemos previsão expressa da natureza seletiva do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) previsto no artigo 153, § 3º, I da CF, deixa a certeza de que a seletividade é impositiva e não facultativa, já no Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) previsto no artigo 155, § 2º, III da CF, revela uma faculdade ou possibilidade, através da palavra “poderá”. Porém para ambos o critério de seletividade é a essencialidade, dos produtos industrializados, para o IPI, das mercadorias e serviços, para o ICMS. Também está presente no Imposto sobre Propriedade Predial Urbana (IPTU), quando considerado a localização e/ou o uso do imóvel (residencial, não-residencial, etc.), conforme artigo 156,§ 1º, inciso II da CF. O tributo em análise, ICMS, trata-se do imposto que mais arrecada na Federação, tendo como fato gerador as operações relativas à circulação de mercadoria, as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e os serviços de comunicação, a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior e os serviços prestados no exterior. Destaca-se que a expressão „poderá‟, do § 3º, III, desobriga o legislador infraconstitucional de tornar o ICMS seletivo, como ocorre com o IPI. Dessa forma, produtos considerados essenciais, como os que compõem a cesta básica, poderão não ter suas alíquotas diferenciadas. Machado (2007, p. 134) apresenta sua posição acerca da obrigatoriedade de ter alíquotas diferentes atendendo a essencialidade dos produtos, no caso do IPI, ou das mercadorias, no caso do ICMS. Veja-se: Na verdade o ICMS poderá ser seletivo. Se o for, porém, essa seletividade deverá ocorrer de acordo com a essencialidade das mercadorias e serviços, e não de acordo com critérios outros, principalmente se inteiramente contrários ao preconizado pela Constituição. Em outros termos, a Constituição facultou aos Estados a criação de um imposto proporcional, que representaria ônus de percentual idêntico para todos os produtos e serviços por ele alcançados, ou a criação desse mesmo imposto como caráter seletivo, opção que, se adotada, deverá guiar-se obrigatoriamente pela essencialidade dos produtos e serviços tributados. A seletividade é facultativa. O critério é obrigatório. Dessa forma, constata-se que, quando a Constituição estabelece que é possível alíquotas diferenciadas pelo uso dado ao imóvel ou pelo valor do mesmo, está fazendo seleção, pois não é progressividade. Tem-se no texto constitucional a afirmação de que compete aos Municípios instituir impostos sobre propriedade predial e territorial urbana; sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4°, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo em razão do valor do imóvel; e ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel (art. 156, I, § 1º, I, II, CF). Assim sendo, verifica-se que a inteligência da seletividade está presente em muitos tributos, como a exemplo o IPTU. Veja-se o que diz o seguinte julgado: IPTU. Não se admite a progressividade fiscal decorrente da capacidade econômica do contribuinte, dada a natureza real do imposto. A progressividade da alíquota do IPTU, com base no valor venal do imóvel, só é admissível para o fim extrafiscal de assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana (art. 156, I, § 1º e art. 182, § 4º, II, CF). (AI 468.801-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 21-9-2004, Primeira Turma, DJ de 15-10-2004.) Aqui revela-se mais um aspecto da seletividade: a de dar um ar de extrafiscalidade ao tributo, ou melhor, de conceder uma prerrogativa ao IPTU, no caso, de cobrar mais em função do uso comercial, por exemplo, do que em razão do uso residencial, ou seja, implica na aplicação de diferentes alíquotas sobre diferentes objetos. CONCLUSÃO O Estado possui suas funções definidas na Constituição e pode realizá-las prestando serviço público, administrando o patrimônio público, regulando atividade privada na forma da lei, entre outros. Para tanto, necessita de angariar recursos uma vez que tais funções acarretam despesas, e, logicamente, precisa de receitas. A receita tributária é, sem dúvida, a principal receita do Estado. O tributo possui como função primária a garantia de o Estado possuir recursos necessários para seu funcionamento. Tal função denomina-se “função fiscal” que, basicamente, é a função arrecadatória. O tributo também possui “função extrafiscal”, visto que o tributo é utilizado como instrumento de intervenção estatal no mercado. A supremacia do interesse público sobre o privado é facilmente visto pelo fato de a obrigação de pagar tributo decorrer diretamente da lei, sem manifestação de vontade autônoma do contribuinte, ou seja, é aquele proprietário de um imóvel na área urbana que tem de pagar IPTU, querendo ou não; e pelas diversas prerrogativas estatais que colocam o particular num degrau abaixo do ente público nas relações jurídicas, como, por exemplo, o poder de fiscalizar, de aplicar unilateralmente punições e apreender mercadorias, entre tantos outros. Depreende-se que alguns tributos possuem finalidade meramente fiscal, ou seja, arrecadar, angariar recursos para os cofres públicos, como o ISS, ICMS, IR, entre outros. Da mesma forma há aqueles que possuem finalidade extrafiscal, que intervém na situação social ou econômica, são eles o IOF, IE, ITR, entre outros. Contudo, o Estado, percebendo a necessidade de intervir no domínio econômico e social, assume a posição de Estado do bem-estar social. Percebendo, também, que nenhum tributo é completamente neutro, mesmo objetivando exclusivamente a arrecadação, acaba por gerar impacto sobre o funcionamento da economia, dessa forma, o Estado passa a utilizar-se dos tributos como instrumento de intervenção no domínio econômico e na ordem social. A exigência de tributos se dá através de imposição legal. A lei tributária prevê a ocorrência de um tributo, descrevendo uma situação da vida (fato gerador), dispondo que quando existir a ocorrência surgirá a obrigação (obrigação tributária) pela qual alguém (sujeito passivo) deverá pagar (prestação = tributo) determinado montante em dinheiro ao Estado (sujeito ativo). Este montante a ser pago pelo sujeito passivo (contribuinte ou responsável) é, geralmente, calculado pela multiplicação de uma unidade percentual (alíquota) por uma base de cálculo definida em lei. Enfim, pode-se concluir que o Estado atual tem o dever jurídico de atuar positivamente para atingir os fins a que se propõe por meio da Constituição Federal. No ramo do direito tributário, esta intervenção na economia para satisfação de valores constitucionais se denomina extrafiscalidade, que se realiza pela disciplina de condutas de eventuais contribuintes para a efetivação dos demais valores constitucionais, ou seja, a extrafiscalidade é a forma que o Estado utiliza para induzir, incentivar ou inibir determinadas atividades. Ressalta-se, ainda, a importância do legislador constituinte iniciar o título destinado ao Sistema Tributário Nacional pelos princípios gerais que o compõem, uma vez que estes têm a função de harmonizar e orientar o sistema constitucional. 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