O SOCIAL NO CONTEXTO DA REFORMA DO ESTADO: UM

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1 O SOCIAL NO CONTEXTO DA REFORMA DO ESTADO: UM ESTUDO SOBRE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL Rejane Cleide.Medeiros de Almeida PPGE/UFG [email protected] INTRODUÇÃO A reforma administrativa do Estado brasileiro é uma lógica que se constituiu nos anos de 1990 para justificar a crise que segundo os dirigentes políticos brasileiros assolava o país e impedia­o de prosperar. Mas o que a história nos mostra é que era preciso reconstruir o Estado como uma exigência imposta pela globalização da economia internacional. A reforma ou o que chamaria de reconstrução do Estado era uma tarefa política inadiável dos anos de 1990. E designa como problemas cruciais a serem resolvidos: a delimitação do tamanho do Estado, redefinição do papel regulador do Estado, recuperação da governança e aumento da governabilidade (PEREIRA, 1998). Por crise de Estado o autor entende como crise fiscal. O discurso sobre o ajuste estrutural e sua tendência orientada para o mercado desde 1980 se constituiu – isto é consenso entre os autores que estudam a temática – em movimento hegemônico em todos os países do mundo. Desenvolveu­se com isso, um plano estratégico de ajuste das economias periféricas coordenadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Desenvolvimento (BIRD), como ações que buscavam a homogeneização das políticas econômicas nacionais sob a operacionalização destes organismos internacionais. E no caso do Brasil a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) desenvolveu essa função. Mas o que se estabeleceu, com efeito, fora uma crise do emprego e de sociabilidade nas sociedades modernas e os grupos e classes dominantes no Brasil compõem este quadro e, contudo, desistiram de promover a integração e operam na lógica das ações excludentes por mecanismos de segregação socialmente construída. A exacerbada diferença entre as classes sociais se caracteriza: [...] pela criação de um campo semântico em que os significados dos direitos e conquistas civilizatórias, plasmados em direitos sociais, trabalhistas, civis e
2 políticos são transformados em obstáculos ao desenvolvimento econômico, e mais, são transformados em fatores causais da miséria, pobreza, exclusão e ausência de cidadania [...] (OLIVEIRA, 1998, p.216). Assim, utilizando­se das palavras do autor a “vanguarda do atraso” brasileiro consiste em mais uma vez atingir o capitalismo desenvolvido sem se quer ter alcançado seus processos internos de desenvolvimento e se recria mais uma vez na dinâmica ditada pela agenda política mundial numa posição subalterna nos processos da expansão capitalista. Neste cenário de constante aviltamento e embargo de ações deliberadamente controladas pelos organismos internacionais, o Brasil se vê diante de uma realidade inegavelmente irreversível de reformas. E isso se dá, mas uma vez, via exclusão social dos grupos menos favorecidos da sociedade. Com isso, o neoliberalismo se entrelaça num movimento avassalador e não se constitui apenas como retórica e sim como busca de aprofundamento e de criação de raízes em todas as sociedades modernas. Porém, as reformas que se estabelecem como agenda obrigatória para a modernização dos países em desenvolvimento distinguem­se umas das outras, isso significa dizer que cada nação desenvolve seu tipo de reforma em consonância com suas formas institucionais, mas sempre seguindo os parâmetros internacionais. Esta é a característica fundante da contradição brasileira posta em marcha pelas políticas econômicas neoliberais, o que merece dizer, a política de exclusão (OLIVEIRA, 1998). O programa de estratégia do capital internacional apresenta no entender de Fiori (1997) três fases, sendo que a primeira tem como princípio à estabilização do superávit fiscal, a segunda a liberação a desregulamentação dos mercados, e privatização das empresas públicas, e a terceira fase têm como elemento chave a retomada do crescimento econômico. O que corresponde à redução de cobertura das políticas sociais, que estão à disposição para quem puder pagar pelos serviços. O Consenso de Washington deliberadamente ataca o modelo do Estado de Bem­Estar nos países em que foi constituído historicamente e atua pela redução dos serviços nos países da Europa e Estados Unidos acumulando demandas e carências sociais. O Estado de Bem­Estar foi constituído a partir da crise econômica de 1929 e segunda guerra, sendo o resultado histórico das lutas sociais construído no século XIX e início do século XX. Tendo representado um compromisso entre as forças do capital e as forças do trabalho, possibilitando um ganho aos trabalhadores. Apresentando uma redução das desigualdades de renda entre a população e, concomitantemente, uma
3 mudança na qualidade de vida da população. O Estado de Bem­Estar arregimentou um tipo de naturalização das conquistas dos direitos que no limite é possível, afirmar, que se tornaram universais (OLIVEIRA, 2000). Contudo, o Estado de Bem­Estar social recebeu críticas contundentes, devido a sua forma de operacionalização de recursos; acusado de incompetência para enfrentar o déficit público, de intervir na economia e de ineficiência para operar programas sociais. O que se seguirá como proposta para superação deste modelo de Estado é a defesa do Estado mínimo. Mínimo no que diz respeito à defesa dos interesses coletivos, dos trabalhadores em geral. Mas máximo no que favoreça o desenvolvimento do mercado. Essa idéia de Estado mínimo se estabelece enquanto discurso e ganhou materialidade enquanto prática, no encontro do já referido, Consenso de Washington, pois este Estado favoreceria a estratégia de acumulação do capital financeiro e teria como função principal gerir e legitimar no espaço nacional as exigências do capital global. Nesse sentido, a globalização é uma característica inerente do capital, uma condição para seu desenvolvimento. Neste cenário de contradições a questão social é transferida para os governos locais e para a sociedade civil. E o social se inscreve com maior intensidade na agenda de diversos setores da sociedade civil. E com o discurso de que cada indivíduo deve ocupar­se com seu serviço de cooperação e solidariedade aos mais pobres, devendo, combater a pobreza e evitar a exclusão social, assim estaria colaborando para um Brasil melhor e mais justo. Com um suposto discurso de uma sociedade solidária escondendo uma opacidade quanto à forma de operar a questão social. E nos países em desenvolvimento a modernização opera, sobretudo, como um discurso. Pensar o desenvolvimento como problema isolado é incorrer em erro que pode esconder o real significado de dominação de países ricos sobre os pobres. Em termos sociológicos, ele deve ser entendido como pertencendo a um mesmo padrão de civilização e as variadas formas que este modelo de civilização oferece às sociedades que comungam entre si, a fim de realizar um destino social e historicamente comum. Com as modernas sociedades industriais as mudanças que operaram constituem o meio fundamental de preservação do equilíbrio social, o que será diferente é a variação quanto à forma e a dinâmica que esta sociedade se integra na ordem social. As sociedades nacionais subordinadas se marginalizam por meio da dominação num processo de caráter supranacional, assumem uma posição de
4 submissão já que não podem determinar seus próprios interesses nacionais e são guiados por outras nações que comandam a economia dando, nesse sentido, o tom para o projeto de desenvolvimento e elaborando regras para a modernização dos países em desenvolvimento. Este é o caso do Brasil que tem seu projeto civilizatório ditado pelos países desenvolvidos. Assim sendo, fica subordinado a um crescimento sociocultural controlado de fora e em função de interesses nacionais externos, incompatíveis com seus próprios interesses nacionais. Na tentativa de modernização o Brasil se reafirma como nação subdesenvolvida, enquanto que as transformações ocorridas internamente foram de ordem estrutural, apresentando implicações externas da economia internacional. Assim, não é de interesse dos países desenvolvidos proporcionarem e/ ou fomentarem um desenvolvimento econômico de caráter autônomo, para a realidade da América Latina. E na fase de acumulação do capitalismo, a realidade brasileira não se fundava simplesmente nas relações comerciais e financeiras. Constituía, outrossim, no desenvolvimento do primado dos ciclos do capitalismo gestando fortes relações de dependência econômica, uma espécie de simbiose entre países ricos e pobres, com perda significativa para os subdesenvolvidos. Por outro lado para a compreensão da formação da sociedade no Brasil se faz necessário conhecer como se deu a sua formação, que para algumas interpretações sociológicas fora, contudo, uma invenção burguesa. Com sua particularidade convencionada pelo apoderamento do corpo do outro, do patrimonialismo, da invenção burguesa no Brasil que se quer revolucionou enquanto classe de direção. Pois não rompendo com o poder latifundiário, sendo comandada pela burguesia internacional não gestou seu projeto interno, ou seja, não revolucionou e tudo ocorreu num processo de complexidade, permeado de violência quanto à proibição da fala, e privatização do público. No que se pode resumir em anulação da fala, da participação política, do dissenso e do desentendimento (OLIVEIRA, 2000). Nesse sentido, “ essa grande operação de silêncio, de roubo da fala, que sintetiza na busca da ‘harmonia social’ é bem o signo da anulação da política (Ibid. p, 61). E diminuição dos espaços públicos e da redução da organização dos trabalhadores.
5 Elites empresariais no Brasil e a questão social O que tem ocorrido na história do Brasil a partir dos anos de 1990, com a reforma do Estado, é o deslocamento da função do Estado de operar o social, passando a responsabilidade para a sociedade civil, que por sua vez se tornou o grande lócus de poder e de operação da questão social. Esta tem como característica o autoritarismo, sua principal atuação, devido à experiência desenvolvida no período militar. Porém, a primeira década de 1980, fez emergir uma nova realidade: a de lutas pelo fim da ditadura. O ressurgimento da sociedade civil tem como centralidade a oposição a este Estado, período considerado por alguns cientistas políticos como a fundação da sociedade civil no Brasil, pois era grande a emergência das mobilizações populares e dos movimentos sociais. A luta destes movimentos e organizações foi fundamental para a transição democrática. Como resultado desse processo, foi possível construir uma cultura política com ideais democráticos, sendo impulsionada pelos movimentos sociais. Assim, emergiram as idéias de cidadania, democracia e fortalecimento da sociedade civil. Traziam como atores e protagonistas os movimentos sociais. Por essa razão, o conceito de cidadania ocupa um dos centros do pensamento político brasileiro. Sua relevância é resultante da forma como intervém no debate sobre as questões da exclusão social e política que acomete o país e é parte constituinte deste. Se de um lado a noção ampliada de cidadania trouxe como desafio a superação histórica das formas autoritárias de governo para uma democracia também ampliada, do outro define a tragédia do processo neoliberal em curso, que busca operar a desregulamentação público­estatal da economia de mercado, cujo funcionamento está afastado dos controles públicos. Assim, aprofundam­se os mecanismos de pobreza e a exclusão social, que são características da modernização no Brasil (PAOLI, 2002). A palavra cidadania foi ganhando visibilidade e surgiu como elemento de uma nova noção de civilidade, se revelando como possibilidade de “[...] uma alternativa de segurança e ordem incapaz de ser fornecida pelos tradicionais modos autoritários e policiais de agir e de pensar sobre estes problemas, gerou na opinião pública uma demanda por responsabilidade apenas secundariamente dirigida ao governo” (Ibid. 377). Em decorrência da nova utilização do termo cidadania, buscam­se as implicações do conceito com a questão social, democracia, e educação, a partir dos anos de 1990 no âmbito da reforma do Estado.
6 Para operar essa nova lógica de dominação dos processos produtivos, nos anos de 1990, a reforma do aparelho administrativo apresentou uma conotação importante quanto à implementação de políticas sociais e efetivação dos espaços públicos. Foi função primordial do Estado a desresponsabilização pelo desenvolvimento econômico e social, desempenhando papel de promotor e regulador dos processos de privatização e terceirização e de parceria público­privada (CRUZ, 2005). O objetivo primeiro seria alcançado por meio das privatizações e da terceirização, como também pela transferência de serviços públicos para as organizações não­governamentais, a chamada publicização. Para aumentar a governança ou, de outra forma, para aumentar a capacidade do Estado de tomar decisões, seria prudente e recomendável pelas orientações da cartilha neoliberal realizar o ajuste fiscal, efetivar a política da administração gerencial e separar a formulação da implementação de políticas públicas. O aumento da governabilidade que significa capacidade política do governo de intermediar interesses seria realizado pela melhoria da democracia representativa e pelo controle social. Mas, para que estes objetivos possam ser alcançados, o Estado deve superar sua crise econômica, uma vez que seus defensores não concebem a crise como do capitalismo, e sim como do Estado (PEREIRA, 1998). No plano da reforma do aparelho do Estado, a publicização evidenciava o modelo pelo qual os programas não­exclusivos do Estado foram repassados para organizações não­estatais sem significar privatizações. Esta publicização simbolizava, também, a transferência dos serviços não­exclusivos do Estado para o terceiro setor, com um caráter de organizações sociais (BRASIL, MARE, 1995). Como questão emblemática sobre as reduções das desigualdades, o que se observa são ambivalências no tocante a projetos distintos de sociedade para o combate às diferenças sociais. Os caminhos escolhidos para reduzir a pobreza no Brasil são tortuosos e diferentes dos pretendidos pelos movimentos sociais, que defendiam uma nova noção de cidadania como estratégia de transformação política e social, buscando um conceito de justiça e de direitos, imbricados às práticas democráticas. Ao invés disso, o que se vê é a defesa da filantropia empresarial, que visa atender a questão social, buscando substituir as políticas universais da cidadania, de responsabilidade do Estado, com o discurso de que este Estado não apresenta condições para operar tais serviços, devido aos históricos fracassos e à ineficiência que se agregou no aparelho de Estado.
7 Por outro lado, os conflitos publicizados nos espaços públicos pelos diferentes agentes sociais, pelas organizações e pelos movimentos sociais que geraram demandas sociais operaram no sentido de trazer elementos para formulação de políticas de Estado, como foi o caso da Constituição de 1988. Entende­se que as políticas de Estado refletem um regime regulatório, agências e estruturas, institucionalização forte de processos e procedimentos. Neste caso, o Estado de direito democrático é uma base segura de sustentação da lealdade social. Portanto, diferem de políticas de governo, que se fundamentam em marcos regulatórios circunstanciais, agentes e princípios de institucionalização, como também de pessoal provisório, comissões e princípios de institucionalização politicamente orientados, com formação discursiva ideologicamente orientada, voltada para a ampliação do consenso social e o domínio. Nesse sentido, o desenho que vem se configurado no cenário de legitimação das reformas do Estado e, por conseqüência, da educação, vem justificando as políticas como sendo de governo. E tem nas elites empresariais um projeto de ajuste e contenção de riscos sociais como modelo hegemônico para o social. Os anos de 1980 e 1990 no Brasil significaram um período de adaptação aos novos contornos da ordem econômica mundial. O retorno a democracia foi marcado pela coalizão de interesses com evidências heterogêneas como expressão de forças políticas que representou a aglutinação na transição do regime militar ao democrático. Porém, a tensão entre rupturas e continuidades no processo de democratização malogrou no processo velhas figuras da política do regime militar e novos atores surgiam para compor as forças no gradual processo de democratização. O compromisso que se seguia era de estabilização da economia, combate a pobreza e a desigualdade social e se constituía como consenso entre as diversas frações que compunham o poder. A agenda pública era composta prioritariamente, de ações que visavam reduzir a inflação, e o fortalecimento da democracia. O modelo de Estado desenvolvimentista era forte no âmbito do governo e das forças que o sustentavam. As empresas públicas ainda não sofriam fortes críticas quanto a sua importância e a política voltada para o fortalecimento das indústrias era fundante neste cenário de transição. Contudo, a meta do desmonte do Estado desenvolvimentista ganharia força no governo Color de Melo nos anos de 1990. Mas um grande diferencial veio compor e agregar forças populares na história da política brasileira, a Constituição de 1988 que foi fruto de mobilizações populares e da participação da sociedade civil como um
8 todo, correspondendo a um período de intensas lutas políticas no interior do Estado e da sociedade. O que para Diniz expressou: A heterogeneidade da correlação de forças típica daquele momento, em que ainda não se constituíra um novo pacto de dominação, a nova Carta teria um conteúdo híbrido, contendo inúmeros dispositivos que forçavam o legado do antigo modelo, notadamente ao que se refere à distinção entre empresas nacionais e estrangeiras, ao papel do capital externo, ao monopólio estatal de recursos minerais estratégicos e a vários aspectos da legislação sindical e trabalhista (DINIZ, 2000, 75). No embate que se estabeleceu na esfera pública no primeiro momento da Nova República, o que se visualizava era a participação dos empresários numa força que simbolizou um marco importante na construção de um evento que marcaria a força política dos empresários na política brasileira: as elites empresariais do comércio e da indústria continuariam conduzindo a campanha contra a estatização da economia e por meio de suas representações como A FIESP e outras associações comerciais dos principais Estados brasileiros ocuparam funções de destaque no governo e assumiriam cargos no poder legislativo e executivo através das eleições de 1986, pós­ abertura democrática. Com isso o que se viu foi uma alta representação de empresários na Constituição, esse índice chegou ao patamar de 23,43% (DINIZ,2000). Desenvolveram ações para fortalecer o mercado e provocar refluxo no Estado e fundamentalmente participaram ativamente para impedir que os dispositivos constitucionais referentes aos direitos trabalhistas e sociais fossem aprovados, mesmo não sendo vitoriosas nas ações. Houve um notável consenso entre os empresários em torno das idéias neoliberais sobre privatizar as empresas públicas, uma vez que para eles estas não contribuíam para o avanço do progresso. Uma proliferação de associações em favor dos interesses dos empresários industriais aparece no novo contexto político do Brasil. Foram criadas inúmeras entidades representativas de interesses do empresariado alcançando uma complexidade quanto a sua estrutura ideológica. Para que o empresariado brasileiro compusesse a política participando de partidos políticos e das eleições gerais no país. A força e a participação no legislativo faziam com que os empresários desenvolvessem uma prática lobista e coorporativa de embargo a leis que fossem contrárias aos seus negócios e se revelava como um forte instrumento de pressão nas votações de seus interesses.
9 Como resultado do pacto em torno de forças políticas que administrariam o país o que se vislumbrou foram ações que denominavam de revisão constitucional, que assumiam um caráter de desmonte dos direitos trabalhistas e sociais conquistados pela mobilização das forças populares e dos movimentos sociais na Constituinte. “Aumentam as pressões por um processo de desconstrução legal e institucional, que abriria caminho para a refundação do Estado e da sociedade de acordo com os novos parâmetros consagrados internacionalmente (DINIZ, 2000. p.86). Entretanto a partir de 1990 as mudanças advindas da política internacional que convergiam para um aumento de capitais e da conjuntura nacional que trazia implicações quanto a desestruturação do modelo nacional­desenvolvimentista e para uma adesão ao modelo neoliberal. Deu­se a formação de uma coalizão entre novas e velhas forças políticas que se estabeleceu para dar sustentabilidade às idéias neoliberais que entravam no país. Compreender porque os empresários aderiram ao projeto de responsabilidade social e quais as implicações econômicas e políticas desse projeto na sociedade brasileira é a grande questão que se põe no momento. Nessa lógica os empresários, lançam­se “[...] ativamente no campo social, chamando seus pares à responsabilidade para com o contexto no qual desenvolvem seus negócios, e nesse movimento redefine o sentido e o modo de operar da velha filantropia [...]” (PAOLI, 2002). O empresariado brasileiro ocupa o ‘espaço público não­estatal’ de ação social possibilitado pelo encolhimento do Estado e das garantias e direitos legais. Isso ocorre pelo aumento das desigualdades sociais num quadro acentuado de miséria e pobreza que vive grande parcela da sociedade brasileira (Ibid.). Assim o modelo de social que se impõe está voltado para a solidariedade entre cidadãos e foi restringida às formas de voluntariado e de solidariedade mediadas pelas empresas nas quais prestam seus serviços. A complexidade histórica das ações de parcerias empreendidas por empresas privadas na perspectiva de atendimento à filantropia e como implemento desta, busca­ se conhecer como se efetiva a adesão do voluntariado ao programa elaborado pelas empresas, que geralmente é a mesma em que o voluntário trabalha. E a dedicação do trabalho voluntário não tem pagamento pelas horas trabalhadas. Nesta nova articulação regulatória, o potencial caótico do mercado, que se manifestava sob a forma da questão social, diga­se de exclusão social, violência e desfiliação é mantido sob controle na medida em que a questão social entra na agenda
10 política pelo viés da democracia e da cidadania. Politizar a questão social significou submetê­la a critérios não capitalistas, não para eliminá­la, mas tão só para minorá­la e, nesse sentido, manter sob controle a questão social. O Estado foi à arena política onde o capitalismo procurou realizar todas as suas potencialidades por via do reconhecimento dos seus limites. Educação, inclusão social e política: a lógica da reforma do Estado No que se refere à educação, esta ganha centralidade na sociedade globalizada por pretender formar o indivíduo para a competitividade, ampliando a demanda por conhecimento e informação. A idéia de progresso destitui a fragmentação das fronteiras entre as nações e sugere como modelo ideológico a redefinição da questão da cultura. A educação ganha contornos e visibilidade nos discursos e políticas sociais por servir como instrumento de democratização e comportar o discurso da equidade, ou seja, de oportunidades. Nessa lógica, a escola torna­se um lócus “[...] para o exercício da democracia, de conquistas de direitos. Mas o modelo atual [...] está centrado nos indivíduos como atores sociais, e não apenas como trabalhadores/produtores ou consumidores de bens e mercadorias” (GOHN, 1999, p. 2). Diferentemente dessa lógica, entende­se a educação como promotora de mecanismos de inclusão social, que possibilitará no limite o acesso aos direitos de cidadania, como forma ampliada de educação que visa promover práticas humanas de civilidade. Porém, o que se vê são reformas educacionais do sistema de ensino tornarem­se centrais nas agendas públicas do governo como imperativo da racionalidade de modernização do Estado. Entra em cena o discurso da inclusão social. O conceito de inclusão social não revela o aumento das desigualdades sociais, ofuscada e ocultada nos entremeios da razão social da racionalidade instrumental. Contudo, “[...] enfrentar a questão da pobreza requer que uma parcela da sociedade deixe de se apropriar do produto social como o faz hoje, não identifica a pobreza como uma construção histórica, o produto de políticas públicas [...]” (BAVA, 2003, p. 30). Desse modo, o que se observa é que o conceito gestado nas tramas do desenvolvimento econômico é um mito que se anuncia na direção contrária dos processos sociais concretos. O que se estabelece, entretanto, na opacidade da realidade, é o invólucro da questão social imbuído de um caráter ideológico, que tem como centralidade e
11 legitimidade a implementação de políticas públicas compensatórias. O mito da inclusão social se subscreve na incompletude de uma razão revestida de caráter provisório quanto à decisão de substituir um programa político que possa contribuir para a substituição de práticas liberais conservadoras, que em última instância pretende evitar que o tecido social se rompa e provoque um colapso institucional. O objetivo principal das políticas compensatórias “[...] é ocultar a natureza do processo societário que gera a pobreza e aprofunda a desigualdade social e sujeitar os grupos subalternos a buscarem a solução dos seus problemas pela via individual” (Ibid. p, 31). A dimensão política que pretende alcançar o conceito de inclusão social se subscreve na dinâmica dos indivíduos, ou seja, é preciso incluir os indivíduos como estratégias que propõem soluções individuais como superação das desigualdades sociais. Essas medidas buscam atender os indivíduos quanto à educação, saúde e ao trabalho. As políticas são de atendimentos a grupos considerados historicamente excluídos, com o objetivo de buscar adesão da sociedade civil ao movimento de inclusão. Porém, a dimensão do coletivo, da sociedade, das políticas públicas, do fortalecimento do espaço público e da política se dirime no discurso da inclusão social. E o que se vê é o predomínio das questões macro­econômicas, com seus efeitos perversos diluídos neste discurso. As estratégias de combate à pobreza que são concebidas pelos organismos internacionais sequer tocam na questão das variáveis macro­econômicas, pois elas buscam somente promover o crescimento econômico, contribuindo para o enriquecimento dos grupos que estão no poder. Para que tenha sucesso, é necessário um monitoramento dos programas “sociais e políticos”, a fim de assegurar a eficácia das estratégias de combate à pobreza. Para tanto, o sentido que se busca com o conceito de inclusão social é estabelecido pelo modelo de organização social que se vislumbra construir, tem a ver com a disputa em torno do projeto de sociedade que se quer constituir como modelo hegemônico. Como entendimento do conceito de exclusão, é pertinente compreender a questão social na sociedade moderna. Para Castel (1998), o termo “exclusão” surge para denominar os grupos que estão no quadro de risco social e de pobreza. Com relação ao uso do termo, o autor faz críticas acreditando que o mesmo não apresenta um sentido dialético, donde “[...] a exclusão é estanque. Designa um estado [...] de privação” (Id. ibid. p.26). Nesse sentido, compreende­se que não existe uma cultura comum para a diversidade de grupos excluídos.
12 Entretanto, optar pelo termo desfiliado é reconstruir o percurso realizado pelos diferentes grupos sociais. Concomitante à discussão de pobreza, o mesmo atribui como elemento importante a zona de vulnerabilidade enquanto posição estratégica: “[...] permite a estabilidade da estrutura social [...] alimenta a turbulência que fragilizam as situações conquistadas e desfazem os estatutos assegurados [...] a vulnerabilidade é um vagalhão secular que marcou a condição popular com o selo da incerteza e, mais amiúde, com o do infortúnio. (CASTEL, 1998, p. 27). O processo dialético da questão social e suas transformações históricas ganham um caráter de metamorfoses, destacando suas principais nuances do novo e do permanente nas condições sociais do homem moderno. No discurso do Estado, as associações locais se formalizam para atender a filantropia, configurando­se como política de responsabilidade social e assumindo características que possibilitam gestar uma nova forma de gerir a questão social (PAOLI, 2002). Nessa lógica, trata­se – na visão dos empresários – de despertar no empresariado brasileiro a consciência ética de cidadão para operar como ator e protagonista da construção de uma nova sociedade para que esta se torne mais humana, mais justa e que venha celebrar a redução da pobreza e das desigualdades sociais. Nesse sentido, é preciso ressaltar um elemento importante agregado a esse contexto político para a consolidação de novas práticas políticas no Brasil: o deslocamento do ativismo político pela cidadania e justiça social para o ativismo civil voltado para a solidariedade social. Se de um lado os movimentos sociais politizados implicavam a demanda direta da população organizada por bens públicos, do outro têm­ se as ONGs que desenvolvem como opção a representatividade das demandas populares em negociações, tecnicamente reformuladas com o governo, não contando com a participação do povo e com o aval e a operação dos empresários (PAOLI,2002). Diferentes práticas foram se inscrevendo no quadro da cultura política no Brasil, desenvolvendo uma noção de responsabilidade social, envolvendo cidadãos, governo e organizações, num contexto de reestruturação produtiva da economia e assim, os empresários vão “[...] colaborando com o governo, ou com o terceiro setor, legitimando­os e transferindo­lhes a credibilidade que conquistaram a partir da crítica da racionalidade burguesa instrumental” (OLIVEIRA, 2000). O núcleo da discussão é: deve­se compactuar com uma sociedade que se subordina totalmente ao poder econômico ou implementar um Estado social que possa construir um novo percurso para a sociedade salarial com redes de proteção social para
13 o trabalhador? Porém, as redes de solidariedade que ganham visibilidade com a reforma do Estado não apresentam esse caráter, pois a sua lógica “[...] amplia e complexifica o universo da filantropia ou as formas de ação social privada no Brasil” (CRUZ, 2005, p.149). Em consonância com este discurso de solidariedade aos desfiliados, a questão social­assistencial que se caracteriza pela assistência social significa atender uma população carente com um conjunto de ações sociais, circunscrevendo­se em oposição à organização coletiva (CASTEL, 1998). Mas, para contrapor a ordem estabelecida é que os movimentos sociais representam no limite a possibilidade de transformação das condições de vida do homem, desfiliado, que é fruto das ações homogeinizadoras das políticas predatórias do Estado. Para tanto, a possibilidade de publicizar conflitos no espaço público não representa uma resposta a uma crise específica, mas simboliza forças sociais e políticas com contradições que são geradas a partir das lutas contra a opressão e o estado de dominação da sociedade capitalista, operando num vai e vem das ilusões de sociabilidade (CRUZ, 2004). Constituem­se, portanto, num campo de força para reafirmar sua identidade como estratégia de transformação desta sociedade. Como propostas para o enfrentamento a este estado de desigualdade existem as redes de intercâmbios, que aumentam a capacidade de mobilização e organização, na perspectiva de elevar a resistência e transformar a sociedade em sujeitos coletivos que busquem construir uma nova forma de sociabilidade. Eles devem se basear em princípios democráticos e na cidadania como resposta a essa desventura social que ora se emprega na sociedade brasileira. Buscam, assim, ser protagonistas de uma história que visa modificar seus rumos (Ibid.). Portanto, concebe­se a modernidade como uma época histórica marcada pela promessa de emancipação do homem, vislumbrada a partir do fim das opressões e da alienação que sofrem as classes subalternas. A modernidade possibilitou à humanidade promessas de liberdade que até hoje não se efetivaram. O grande projeto humanístico precisa urgente se estabelecer como paradigma, e há na política possibilidades de debate social, de publicização de demandas e a mais importante esfera na vida de uma coletividade.
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