“Infecção urinária por Escherichia coli resistente a ciprofloxacino em

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE FARMÁCIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS APLICADAS A
PRODUTOS PARA SAÚDE
“Infecção urinária por Escherichia coli resistente a
ciprofloxacino em pacientes com câncer ginecológico”
Fernanda Miranda de Araujo
Niterói, Brasil
2011
Infecção urinária por Escherichia coli resistente a
ciprofloxacino em pacientes com câncer ginecológico
Fernanda Miranda de Araujo
Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de
Farmácia da Universidade Federal Fluminense como parte
dos requisitos necessários à obtenção do titulo de Mestre em
Ciências Aplicadas a Produtos para Saúde.
Orientadoras: Dra. Lenise Arneiro Teixeira
Dra. Ianick Souto Martins
Niterói, Brasil
2011
A663 Araujo, Fernanda Miranda de
Infecção urinária por Escherichia coli resistente a ciprofloxacino em
pacientes com câncer ginecológico / Fernanda Miranda de Araujo;
orientadoras: Lenise Arneiro Teixeira, Ianick Souto Martins – Niterói, 2011.
58 f.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, 2011.
1. Neoplasia ginecológica 2. Escherichia coli 3. Ciprofloxacino 4.
Infecção urinária I. Teixeira, Lenise Arneiro II. Martins, Ianick Souto III.
Infecção urinária por Escherichia coli resistente a ciprofloxacino em
pacientes com câncer ginecológico.
CDD 616.99466
ii
Infecção urinária por Escherichia coli resistente a
ciprofloxacino em pacientes com câncer ginecológico
Fernanda Miranda de Araujo
Orientadoras: Dra. Lenise Arneiro Teixeira
Dra. Ianick Souto Martins
Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Aplicadas a Produtos para Saúde da Universidade Federal Fluminense como parte dos
requisitos necessários à obtenção do titulo de Mestre.
Aprovada em 31 de agosto de 2011
Banca Examinadora:
Profa. Dra. Lenise Arneiro Teixeira - Orientadora
Universidade Federal Fluminense - UFF
Profa. Dra. Solange Artimos de Oliveira - Membro Titular
Universidade Federal Fluminense - UFF
Profa. Dra. Denise Vantil Marangoni - Membro Titular
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Profa. Dra. Selma Rodrigues de Castilho – Revisora e Membro Suplente
Universidade Federal Fluminense - UFF
Dra. Márcia Garnica - Membro Suplente
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Niterói, Brasil
2011
iii
AGRADECIMENTOS
Com todo o meu amor, ao meu filho Miguel,
simplesmente por ele existir.
Ao meu marido, Bruno, pelo seu amor, dedicação e compreensão.
Obrigada pelo carinho e apoio permanente.
Aos meus pais e ao meu irmão, que além de morar no meu coração,
sempre me mostraram que é possível realizar qualquer desejo.
Aos meus familiares, por sua incrível capacidade de, às vezes
mesmo sem saber, dar-me incentivo e de não me deixar desistir nunca!
À Deus, por me dar forças para cumprir mais essa jornada.
iv
À orientadora Lenise Arneiro Teixeira pela dedicação, carinho, presteza
e confiança durante todo este período.
À orientadora Ianick Souto Martins, primeiro pelo carinho, amizade e dedicação,
em seguida pelo incentivo e pela orientação sempre presentes.
Ao Professor Geraldo Renato pela paciência e
sabedoria, sempre disposto a me ajudar na realização deste trabalho.
Aos amigos Maria Emilia, Lívia e Wilmar do Laboratório de Controle
Microbiológico, pela amizade e auxílio sempre que precisei.
À Muniqui pelo carinho e ajuda imprescindíveis para que este estudo prosseguisse.
Às amigas Débora, Juliana e Patrícia da CCIH do HCII/INCA,
pela amizade, apoio e colaboração.
Às amigas Vera, Rosana, Gloria e Verônica do Laboratório de Patologia Clínica do
HCII/INCA, pelo companheirismo e boa vontade.
À Coordenação do Curso de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas a
Produtos para Saúde da Faculdade de Farmácia – UFF.
A todos os amigos que, de forma direta ou indireta,
colaboraram para a realização deste trabalho.
v
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................................................... VII
ABSTRACT ........................................................................................................................ VIII
1.
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA............................................................................. 1
2.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ........................................................................................ 2
3.
OBJETIVOS ................................................................................................................... 10
4.
MÉTODOS...................................................................................................................... 11
4.1.
4.2.
4.3.
4.4.
4.5.
4.6.
4.7.
4.8.
4.9.
4.10.
4.11.
DESENHO DE ESTUDO......................................................................................... 11
POPULAÇÃO E PERÍODO DE ESTUDO .............................................................. 11
AMBIENTE DO ESTUDO ...................................................................................... 11
DETECÇÃO DOS CASOS ...................................................................................... 12
COLETA DOS DADOS ........................................................................................... 12
LISTA DE DEFINIÇÕES......................................................................................... 13
CRITÉRIOS DE INCLUSÃO .................................................................................. 14
CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO ................................................................................. 14
ANÁLISES ESTATISTICAS .................................................................................. 14
COLETA DAS AMOSTRAS ................................................................................... 15
ANÁLISE MICROBIOLÓGICA ............................................................................. 16
5.
ASPECTOS ÉTICOS..................................................................................................... 19
6.
RESULTADOS ............................................................................................................... 20
7.
DISCUSSÃO ................................................................................................................... 38
8.
CONCLUSÕES............................................................................................................... 43
9.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 44
10.
ANEXOS ..................................................................................................................... 50
vi
LISTA DE FIGURAS E TABELAS
FIGURAS
Figura 1. Episódios de infecção do trato urinário por E. coli avaliados para elegibilidade e
inclusão no estudo. ................................................................................................................... 21
Figura 2. Prevalência de resistência aos antimicrobianos nas 275 amostras de E. coli isoladas
dos casos de infecção urinária. ................................................................................................. 28
Figura 3. Distribuição das 221 amostras de E. coli resistentes ao ciprofloxacino conforme a
concentração mínima inibitória ao longo do período de estudo............................................... 31
Figura 4. Distribuição temporal e espacial das admissões dos 11 pacientes com amostras de
E. coli com concentração mínima inibitória (CMI) igual a 64µg/mL...................................... 32
Figura 5. Distribuição temporal e espacial das admissões dos 23 pacientes com amostras de
E. coli com concentração mínima inibitória (CMI) igual a 128µg/mL.................................... 33
Figura 6. Distribuição geográfica e prevalência das amostras de E. coli resistentes a
ciprofloxacino........................................................................................................................... 34
TABELAS
Tabela 1. Frequência de microrganismos isolados em 545 episódios de infecção do trato
urinário detectados em 382 pacientes....................................................................................... 20
Tabela 2. Descrição de características demográficas das 275 pacientes com infecção do trato
urinário por E. coli.................................................................................................................... 22
Tabela 3. Descrição de características clínicas das 275 pacientes com infecção do trato
urinário por E. coli.................................................................................................................... 23
Tabela 4. Descrição de características clínicas nos três meses anteriores à infecção do trato
urinário por E. coli nas 275 pacientes....................................................................................... 24
Tabela 5. Frequência de microrganismos detectados em 19 casos de infecção polimicrobiana
do trato urinário por E. coli. ..................................................................................................... 25
Tabela 6. Frequência de antimicrobianos usados para o tratamento de 202 pacientes com
infecção do trato urinário por E. coli........................................................................................ 26
Tabela 7. Distribuição por motivo de admissão dos 66 casos de infecção urinária (ITU)
diagnosticados no momento da admissão ou durante a internação. ......................................... 27
Tabela 8. Prevalência de resistência aos antimicrobianos nas amostras de E. coli
uropatogênicas, estratificada por período da coleta da urina.................................................... 29
Tabela 9. Frequência da concentração mínima inibitória (CMI) para o ciprofloxacino das 221
amostras de E. coli uropatogênicas. ......................................................................................... 30
Tabela 10. Análise univariada para variáveis associadas à resistência a ciprofloxacino em
infecção urinária por E. coli nos 275 pacientes. ....................................................................... 36
Tabela 11. Modelo final da análise multivariada das variáveis associadas à infecção do trato
urinário por E. coli resistente a ciprofloxacino......................................................................... 37
vii
RESUMO
Infecção urinária por Escherichia coli resistente a ciprofloxacino em pacientes com
câncer ginecológico
Fernanda Miranda de Araujo
Orientadoras: Dra. Lenise Arneiro Teixeira e Dra. Ianick Souto Martins
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Ciências
Aplicadas a Produtos para Saúde, Faculdade de Farmácia da Universidade Federal
Fluminense, como parte dos requisitos necessários à obtenção do titulo de Mestre.
Objetivo. Descrever a prevalência de resistência a ciprofloxacino e analisar as variáveis
potencialmente associadas a esta resistência em amostras de Escherichia coli isoladas de
pacientes com câncer ginecológico e infecção do trato urinário (ITU). Métodos. Trata-se de
uma série de casos de pacientes com ITU por E. coli assistidas no Hospital do Câncer II do
Instituto Nacional do Câncer (INCA/HCII) de março de 2009 a fevereiro de 2010. Os casos
foram detectados através de vigilância microbiológica no laboratório de bacteriologia clínica
do INCA/HCII. As análises microbiológicas foram realizadas conforme recomendado pelo
Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI). Os dados clínicos e epidemiológicos
foram coletados através de revisão de prontuários. Para a avaliação das variáveis
potencialmente associadas à resistência a ciprofloxacino foi feita análise multivariada por
regressão logística. Resultados. Entre os 275 casos de ITU por E. coli em pacientes com
câncer ginecológico incluídas no estudo, a prevalência de resistência das amostras a
ciprofloxacino foi 31%. A prevalência de resistência das amostras a outros antimicrobianos
como cefazolina, ceftazidima, fosfomicina, gentamicina e nitrofurantoína aumentou
significativamente (p≤0,05) ao longo do período. Não foi detectada resistência a amicacina e
carbapenemas. Duas amostras foram produtoras de β-lactamases de espectro ampliado
(ESBL). As variáveis independentemente associadas à resistência a ciprofloxacino entre as
amostras de E. coli foram: presença de nefrostomia (OR: 4,83; IC95%: 1,15-20,23; p: 0,031),
internação (OR: 4,00; IC95%: 1,35-11,85; p: 0,012) e uso de fluoroquinolona (OR: 3,02;
IC95%: 1,28-7,91; p: 0,015) nos 3 meses anteriores ao episódio de ITU. Conclusão. A
resistência ao ciprofloxacino foi elevada. Os fatores de risco para esta resistência foram
aqueles relacionados à manipulação de vias urinárias, sugerindo a possibilidade de
transmissão cruzada de amostras resistentes a ciprofloxacino, e o uso prévio de
fluoroquinolonas.
Palavras-chave: Escherichia coli, infecção do trato urinário, câncer ginecológico, resistência
aos antimicrobianos, ciprofloxacino, fatores de risco.
viii
ABSTRACT
Urinary infections caused by Escherichia coli resistant to ciprofloxacin in gynecological
cancer patients
Fernanda Miranda de Araujo
Orientadoras: Dra. Lenise Arneiro Teixeira e Dra. Ianick Souto Martins
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Ciências
Aplicadas a Produtos para Saúde, Faculdade de Farmácia da Universidade Federal
Fluminense, como parte dos requisitos necessários à obtenção do titulo de Mestre.
Objective. To describe the prevalence of resistance to ciprofloxacin and analyze variables
potentially associated with this resistance in samples of Escherichia coli isolated from
patients with gynecological cancer and urinary tract infection (UTI). Methods. A case-series
was conducted between March 2009 and February 2010 at the Cancer Hospital II part of the
National Cancer Institute (INCA/HCII) with patients aged over 18 years with gynecological
cancer presenting UTI caused by E. coli. Cases were detected through microbiological
surveillance in the laboratory of clinical bacteriology in INCA/HCII. Microbiological
analyses were performed as recommended by Clinical and Laboratory Standards Institute
(CLSI). Clinical and epidemiological data were collected through charts review. For the
evaluation of variables potentially associated with resistance to ciprofloxacin the multivariate
analysis were performed by logistic regression. Results. Among 275 cases of UTI caused by
E. coli in patients with gynecological cancer included in the study, the prevalence of samples
resistant to ciprofloxacin was 31%. The prevalence of samples resistant to other
antimicrobials such as cefazolin, ceftazidima, fosfomycin, gentamicin and nitrofurantoína
increased significantly (p≤0,05) during the period. It was not detected resistance to amikacin
and carbapenems. Two samples were producers of extended spectrum β-lactamase (ESBL).
The variables independently associated with resistance to ciprofloxacin between samples of E.
coli were: undergone nephrostomy (OR: 4.83; IC95%: 1.15-20.23; p: 0.031), hospitalization
(OR: 4.00; IC95%: 1.35-11.85; p: 0.012) and use of fluoroquinolone (OR: 3.02; IC95%: 1.287.91; p: 0.015) in the 3 months preceding the episode of UTI. Conclusion. Resistance to
ciprofloxacin was high. Risk factors for this resistance were those related to urinary tract
manipulation suggesting the possibility of cross transmission of samples resistant to
ciprofloxacin, and previous use of fluoroquinolones.
Keywords: Escherichia coli, urinary tract infection, gynecological cancer, antimicrobial
resistance, risk factors.
1
1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
As infecções do trato urinário (ITU) são morbidades frequentes nas pacientes com
câncer ginecológico. Estas pacientes são particularmente susceptíveis às ITU, pois
frequentemente apresentam alterações anatômicas das vias urinárias por invasão tumoral ou
devido à radioterapia. Além disto, a elevada frequência de uso de dispositivos invasivos como
cateter de nefrostomia e duplo J para o tratamento de obstrução tumoral das vias urinárias
aumenta o risco das ITU relacionadas à assistência em saúde nesta população.
Escherichia coli é o principal agente etiológico de ITU na população em geral. Em
2008, o sistema de vigilância da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital do
Câncer II do Instituto Nacional do Câncer detectou 383 culturas de urina consecutivas com
crescimento bacteriano maior que 105 UFC/mL em pacientes com câncer ginecológico. E. coli
foi o patógeno mais frequentemente isolado (n: 230; 60%) nestes espécimes clínicos,
sugerindo que este é um importante agente etiológico de ITU também nesta população.
As fluoroquinolonas são frequentemente utilizadas para o tratamento das ITU. O
conhecimento da ocorrência e dos fatores determinantes de resistência a estes antimicrobianos
em E. coli uropatogênicas é fundamental para a otimização da terapia das ITU e da prevenção
de resistência. Contudo, estudos epidemiológicos que avaliem ITU em pacientes com câncer
ginecológico são escassos. Neste contexto, duas perguntas epidemiológicas motivaram o
presente estudo: i) Qual a prevalência de resistência a ciprofloxacino em amostras de E. coli
uropatogênicas isoladas de pacientes com câncer ginecológico? ii) Quais as variáveis
potencialmente associadas a resistência ao ciprofloxacino em amostras de E. coli
uropatogênicas isoladas de pacientes com câncer ginecológico?
2
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
O câncer é a terceira causa de morte no mundo (WHO, 2008). Sua incidência vem
aumentando em países economicamente em desenvolvimento, em grande parte devido ao
envelhecimento e crescimento da população mundial ao lado uma crescente adoção de
comportamentos e estilos de vida associados ao desenvolvimento do câncer, incluindo
tabagismo e sedentarismo (Jemal et al., 2011). O câncer de colo de útero é uma das principais
neoplasias, sendo o terceiro em incidência e a quarta maior causa de morte em mulheres no
mundo, respondendo por 9% do total de novos casos de câncer nessa população, em 2008
(Ferlay et al., 2010; Jemal et al., 2011). Outros tipos de câncer do sistema reprodutivo
feminino são a oitava (ovário) e décima terceira (endométrio) causas de mortes por câncer no
mundo (WHO, 2008). Nos países em desenvolvimento, a neoplasia mais frequentemente
diagnosticada entre as mulheres é o câncer de mama, seguida de câncer de colo do útero,
pulmão, estômago, cólon e reto, fígado, endométrio, esôfago e ovário. Por outro lado, em
países desenvolvidos o câncer de endométrio ocupa o quarto lugar, ovário o sexto e colo de
útero é somente o décimo mais diagnosticado (Ferlay et al., 2010; Jemal et al., 2011).
No Brasil, as neoplasias malignas representam quase 17% dos óbitos de causa
conhecida, notificados em 2007 no Sistema de Informações sobre Mortalidade (INCA, 2009).
Na população feminina de nosso país, o câncer de colo uterino é um grande problema de
saúde pública, correspondendo à segunda causa de morte por neoplasias nessa população. De
acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), as estimativas, para o ano de 2011
apontam para a ocorrência de 489.270 novos casos. Para o sexo feminino, os tipos mais
incidentes são os tumores de pele não melanoma (60 mil casos novos) seguidos dos tumores
de mama (49 mil), de colo do útero (18 mil), de cólon e reto (15 mil) e de pulmão (10 mil)
(INCA, 2009).
3
De uma forma geral, o câncer do colo do útero afeta principalmente mulheres entre 30 e
54 anos com dificuldades de acesso à rede de saúde e com baixo nível de escolaridade. A
incidência desse tipo de tumor nas pacientes abaixo dos 30 anos é maior para a doença préinvasora. O risco de casos invasores aumenta rapidamente com o envelhecimento (Carmo e
Luiz, 2011; Calazan et al., 2008). Ao mesmo tempo, com exceção do câncer de pele, é o
câncer que apresenta maior potencial de prevenção e cura quando diagnosticado
precocemente (INCA, 2009). Vários fatores de risco encontram-se associados ao
desenvolvimento do câncer de colo uterino como o início precoce de vida sexual, a
multiplicidade de parceiros sexuais, o uso prolongado de anticoncepcional oral, as múltiplas
gestações, as infecções genitais de repetição e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde
(ICESCC, 2007; ICESCC, 2009). Essas condições estão fortemente associadas à infecção
pelo papilomavírus humano (HPV), cuja via de transmissão é sexual. Outros fatores
relacionados incluem a imunossupressão, o tabagismo e as deficiências nutricionais (ICESCC,
2006; Reid, 2001).
Prevenir a infecção por HPV pode reduzir o número de pacientes que venham a
desenvolver câncer de colo de útero. Atualmente são comercializadas no Brasil duas vacinas
contra os tipos mais presentes no câncer de colo do útero (HPV-16 e HPV-18). Uma delas é
quadrivalente, ou seja, previne contra os tipos 16 e 18, presentes em 70% dos casos de câncer
de colo do útero e contra os tipos 6 e 11, presentes em 90% dos casos de verrugas genitais. A
outra é bivalente sendo específica para os subtipos 16 e 18 (Armstrong, 2010;
Sankaranarayanan, 2009; Weinstein et al., 2009).
A partir do diagnóstico de câncer, o paciente poderá necessitar de cuidados
especializados durante meses e muitas vezes por anos. As principais formas de tratamento da
doença invasora são cirurgia, radioterapia (teleradioterapia, aplicação externa e braquiterapia,
via intracavitária) e quimioterapia (WHO, 2003).
A infecção do trato urinário (ITU) não é uma doença infecciosa de notificação
compulsória, podendo ocorrer de forma assintomática, e muitas vezes quando sintomática é
tratada pelo próprio paciente, desta maneira, sendo difícil estabelecer sua incidência real.
Foxman, revisando sobre o assunto, verificou o elevado impacto econômico das ITU. Os
custos diretos incluem as despesas com consultas médicas ambulatoriais, receitas de
antimicrobianos, internação e morbidade (Foxman, 2002). Os dados do sistema de vigilância
4
do International Nosocomial Infection Control Consortium (INICC) sugerem que as ITU
relacionadas à assistência em saúde em pacientes internados em unidades de terapia intensiva
acrescentam 1,59 dias no tempo de internação. Esse discreto aumento representa uma
importante conseqüência nos custos relacionados a essas infecções (Rosenthal et al., 2011).
Os indivíduos do sexo feminino são mais vulneráveis à ITU do que os do sexo masculino,
exceto na população pediátrica até os 6 anos de idade (Foxman, 2002). Acredita-se que pelo
menos 30% das mulheres apresentem uma ITU sintomática na sua vida (Masson et al., 2009).
As ITU que ocorrem em um trato geniturinário normal, sem uso de dispositivo urinário
prévio, são consideradas não complicadas, enquanto as infecções complicadas são
diagnosticadas em trato geniturinário que tem anormalidades estruturais ou funcionais,
incluindo o uso de dispositivos urinários, tais como cateteres uretrais (Foxman, 2010). A ITU
é uma complicação frequente nas pacientes com câncer ginecológico, submetidas à
intervenção cirurgica, radioterapia, ou apresentando obstrução uretral com necessidade de uso
de dispositivos urinários (Behtash et al., 2005; McNeeley et al., 1990; Plesinac-Karapandzic
et al., 2010; Prasad et al., 1995). Deste modo, estas infecções são classificadas como ITU
complicadas.
Existem poucos trabalhos científicos disponíveis relativos à morbidade infecciosa em
mulheres com neoplasia ginecológica. Estudo realizado por McNeeley e colaboradores, em
um Serviço de Ginecologia e Obstetrícia americano, no ano de 1986, avaliou a ocorrência de
infecção adquirida durante internação. No estudo, ocorreram 510 admissões de pacientes com
câncer ginecológico, onde 109 apresentaram algum tipo de infecção, sendo ITU a mais
frequente (n: 54; 49%) (McNeeley et al., 1990). Em estudo retrospectivo realizado no período
de 1996 a 2006 com 117 pacientes apresentando obstrução uretral devido a estágios
avançados de câncer ginecológico que realizaram nefrostomia percutânea, PlesinacKarapandzic e colaboradores verificaram que 54% das pacientes apresentaram complicações,
sendo 38% referente à perda do cateter de nefrostomia, seguido de 20% apresentando
episódio de ITU. Outras complicações como abcesso perirenal e urinoma foram mais raros e
ocorreram em 6,8% dos pacientes (Plesinac-Karapandzic et al., 2010).
A frequência dos agentes etiológicos da ITU pode variar geograficamente. Porém, E.
coli é o microrganismo mais encontrado em todas as amostras de diversas partes do mundo,
tanto em ITU complicadas quanto não-complicadas (Araujo et al., 2011; Cornejo-Juarez et
5
al., 2007; McNeeley et al., 1990). Em alguns locais, esta bactéria pode estar relacionada a
85% das ITU de origem comunitária e 40% das ITU relacionadas à assistência em saúde
(Araujo et al., 2011; Cornejo-Juarez et al., 2007; Hidron et al., 2009; Kiffer et al., 2007;
McNeeley et al, 1990; Naber et al., 2008; Wagenlehner et al., 2008). Estudo de vigilância
epidemiológica realizado nos EUA demonstrou que a E. coli é o agente mais frequente das
ITU relacionadas ao uso de cateter vesical em unidades de terapia intensiva, e o quinto
patógeno mais envolvido nas infecções adquiridas neste setor (Hidron et al., 2009). Em um
hospital oncológico mexicano, entre 1998 a 2005, o perfil microbiológico das infecções
comunitárias e hospitalares detectou E. coli como o microrganismo mais isolado, responsável
por 42% e 29% dos casos respectivamente (Cornejo-Juarez et al., 2007). Em estudo publicado
em 2009, o perfil microbiológico de bactérias Gram negativas encontradas na urina de
pacientes com leucemia ou tumores sólidos hospitalizados na cidade do Cairo, Egito,
apresentou E. coli com prevalência de 37,8%, seguido de Klebsiella pneumoniae (31,6%)
(Ashour e El-Sharif, 2009).
A colonização do intróito vaginal por E. coli parece ser um dos pontos críticos iniciais
na patogênese das ITU agudas e recorrentes (Stapleton, 1999). Nos indivíduos saudáveis, a
maioria dos uropatógenos tem origem na microbiota intestinal que atinge a bexiga através da
uretra, por via ascendente, com uma fase de colonização transitória do epitélio periuretral e
uretral distal. Uma vez nas vias urinárias, a E. coli uropatogênica coloniza, preferencialmente,
a bexiga causando cistite, mas também pode ascender através dos ureteres atingindo os rins e
causando pielonefrite (Bower et al., 2005). A fisiopatogenia da ITU por via ascendente
justificaria o risco aumentado destas infecções nas mulheres, devido a uretra feminina ser
mais curta que a masculina (Masson et al., 2009). Os episódios de cistite superam os de
pielonefrite (Ikaheimo et al., 1996; Stamm et al., 1991; Marangoni, 2010). Por outro lado, os
casos de pielonefrite são a manifestação de ITU mais grave, sendo responsáveis pela maior
parte das internações hospitalares por estas infecções (Ki et al., 2004; Czaja et al., 2007).
Bacteriúria assintomática (BA) é muito freqüente entre o sexo feminino. Entretanto,
independente do sexo, a prevalência da BA é muito elevada entre as pessoas com micção
alterada ou em uso de dispositivos urinários. Para pacientes usuários de cateter uretral
permanente, a BA e a colonização do dispositivo são encontradas em 100% dos casos. Para
pacientes cateterizados temporariamente, quase 70% apresentam BA. Profilaxia antibiótica
não impediu a colonização dos dispositivos e não deve ser administrada rotineiramente (Riedl
et al., 1999).
6
Nos indivíduos admitidos em enfermarias ou unidades de terapia intensiva, o uso dos
dispositivos invasivos de vias urinárias e seu tempo de permanência são fatores de risco para a
aquisição de ITU relacionada à assistência em saúde. O uso de cateter urinário ultrapassa as
defesas normais do paciente e permite a entrada do uropatógeno na bexiga. Os dispositivos
como os cateteres vesicais, cateteres de nefrostomia e duplo J são propensos à contaminação
por bactérias, permitindo a formação de biofilme, sendo muitas vezes a causa de infecções
recorrentes. A formação de biofilme dificulta a erradicação bacteriana, e é particularmente
problemática porque protege as bactérias dos mecanismos de defesa imunológica do
hospedeiro e da ação dos antimicrobianos (Hancock et al., 2007; Costerton et al., 1999).
No decorrer da década de 90 a resistência dos uropatógenos a ciprofloxacino,
gentamicina e nitrofurantoína permaneceu baixa, enquanto mais de 20% das amostras de E.
coli isoladas eram resistentes a ampicilina, cefalotina e sulfametoxazol. Em estudo realizado
com pacientes ambulatoriais em Seattle (EUA), até 2% das amostras de E. coli, e menos de
10% de todas as amostras isoladas, eram resistentes ao ciprofloxacino (Gupta et al., 1999). Ao
longo da última década, a prevalência de E. coli resistente às diversas classes de
antimicrobianos vem aumentando drasticamente, dificultando o tratamento da ITU. É
preocupante o aumento progressivo de amostras resistentes a fluoroquinolonas, classe de
antimicrobianos frequentemente utilizada no tratamento dessas infecções (Karlowsky et al.,
2002). Tal fato tem demonstrado a necessidade do monitoramento do perfil de resistência
periodicamente (Araujo et al., 2011; Naber et al., 2008). Em unidades de terapia intensiva, as
E. coli isoladas de ITU associada a cateter alcançam aproximadamente 25% de resistência a
fluoroquinolonas (Hidron et al., 2009). Em pacientes com câncer ginecológico, os dados
sobre susceptibilidade aos antimicrobianos entre E. coli responsáveis pelas ITU é
desconhecida. No período de 1994 a 2005 o espectro bacteriano presente nas amostras de
urina coletadas de pacientes urológicos internados em um hospital na Alemanha se manteve
constante durante 12 anos. E. coli representou aproximadamente 1/3 das bactérias isoladas, as
demais Gram negativas outro 1/3 e as Gram positivas a terça parte final. No entanto, a taxa de
E. coli aumentou de 30% em 1994 para 40% em 2005. A resistência de E. coli a
ciprofloxacino neste período mostrou acréscimo de 4% em 1994 para 15% em 2005
(Wagenlehner et al., 2008).
7
No Brasil, estudo realizado por Kiffer e colaboradores, em São Paulo, no período de
2000 a 2003, mostrou que a prevalência mais elevada nas ITU de pacientes ambulatoriais foi
de E. coli (71,6%) (Kiffer et al., 2007). Nesse mesmo trabalho, também foi observado que
entre as amostras de E. coli a resistência à sulfametoxazol/trimetoprim se manteve estável
entre 33-34%. Por outro lado, no mesmo período, a resistência bacteriana a ciprofloxacino
apresentou um aumento gradativo de 9 para 14%, sendo que nas pacientes com idade superior
a 60 anos a resistência alcançou 24%. Resultados semelhantes foram descritos por outros
estudos realizados no Brasil e em outros países (Araujo et al., 2011; Koch, et al., 2008;
Omigie et al., 2009; Pires et al., 2007). Considerando a resistência a ciprofloxacino nas
amostras de E. coli de origem hospitalar e comunitária de um hospital oncológico mexicano,
houve aumento gradativo, atingindo níveis alarmantes de 54% e 41%, respectivamente
(Cornejo-Juarez et al., 2007). Estudo de vigilância realizado com mulheres apresentando
cistite em nove países da Europa e no Brasil entre 2003 e 2006, encontrou E. coli como o
patógeno mais prevalente (em média 76,7%), variando de 74% na Áustria a 85% na França. A
proporção de E. coli variou não só entre países, mas também por fatores de risco, como idade,
gravidez, diabetes mellitus e ITU de repetição. Em média 92% das amostras de E. coli foram
sensíveis a ciprofloxacino, com uma variação significativa entre os diferentes países. No
Brasil, Hungria, Itália, Rússia e Espanha as taxas de resistência a ciprofloxacino foram
superiores a 10% (Naber et al., 2008). Estudo realizado pelo SENTRY Antimicrobial
Surveillance Program, com países da América Latina, incluindo o Brasil, apresentou
resultados semelhantes aos descritos por Naber e colaboradores (Andrade et al., 2006). Estudo
realizado pelo programa Study for Monitoring Antimicrobial Resistance Trends (SMART),
entre 2009 e 2010, com pacientes internados em 88 hospitais distribuídos pelo mundo,
encontrou somente 62% de amostras de E. coli uropatogênicas sensíveis a ciprofloxacino
(Hoban et al., 2011).
Tem sido sugerido pela Sociedade de Doenças Infecciosas da América e Sociedade
Européia de Microbiologia e Doenças Infecciosas que o ponto de corte para tratamento
empírico seja de até 20% de resistência ao antimicrobiano (Gupta et al., 2011; Wagenlehner
et al., 2011). Isso tem levado a mudanças na escolha do tratamento empírico. Um exemplo
disso é o fato do sulfametoxazol/trimetoprim não ser mais preconizado como primeira linha
para o tratamento de ITU não complicada por E. coli, devido ao aumento da taxa de
resistência (Gupta et al., 2011;Wagenlehner et al., 2011). Por outro lado, a média de
8
sensibilidade à fosfomicina nas amostras de E. coli entre os países envolvidos no estudo
realizado por Naber e colaboradores foi 98% (Naber et al., 2008).
O ciprofloxacino é um antibiótico sintético da classe das fluoroquinolonas de segunda
geração, que foi patenteado em 1983 pela Bayer AG e posteriormente aprovado pelo Food
and Drug Administration (FDA), EUA em 1987. As fluoroquinolonas inibem a síntese de
DNA, atuando na DNA-girase e na topoisomerase IV bacteriana, enzimas que participam das
reações envolvidas no processo de replicação do DNA (Hooper, 2001b). A DNA girase é uma
enzima tetramérica, composta de duas subunidades GyrA e duas GyrB. Ela catalisa a
formação de superhélices negativas do DNA e é essencial para manutenção de sua topologia.
A topoisomerase IV é também uma enzima tetramérica, composta de duas subunidades ParC
e duas ParE estando envolvida na segregação dos cromossomos durante a replicação do DNA.
As fluoroquinolonas estabilizam a quebra no DNA feitas pela DNA girase e topoisomerase IV
e o complexo resultante fármaco-enzima-DNA inibe a síntese do DNA (Hooper, 2001a).
Atualmente, os antibióticos da classe das fluoroquinolonas são frequentemente
utilizados para o tratamento das ITU. No entanto, em pacientes com um ou mais fatores de
risco associados a ITU, o uso empírico desses antibióticos deve ser reavaliado devido ao
aumento da taxa de resistência ao mesmo. Este aumento na resistência é atribuído ao próprio
consumo de fluoroquinolonas ao longo dos anos, portanto é preciso reavaliar a sua utilização
(Christiansen et al., 2011; Gupta et al., 2011; Kern et al., 2005; Marangoni, 2010). Esse fato
pode ser evidenciado em estudo realizado em 2009 com 785 pacientes apresentando ITU
aguda não complicada, onde foi relatado que as fluoroquinolonas (ciprofloxacino e
norfloxacino) foram responsáveis por 10% dos tratamentos realizados empiricamente e que
somente 3% das amostras de E. coli foram resistentes a essa classe de antimicrobianos nessa
população (den Heijer et al., 2010) Estudo realizado por Smithson e colaboradores com
pacientes do sexo masculino apresentado ITU por E. coli encontrou que o uso de
fluoroquinolonas no mês anterior ao episódio de ITU e infecção relacionada a assistência em
saúde foram fatores de risco para E. coli resistente a ciprofloxacino (Smithson et al., 2011).
Estudos realizados por Colodner e colaboradores e também por Killgore e colaboradores
apresentaram resultados semelhantes aos descritos por Smithson e colaboradores (Colodner et
al., 2008; Killgore et al., 2004).
9
O mecanismo de resistência às fluoroquinolonas ocorre devido a mutações
cromossômicas dos genes que codificam as enzimas alvo: DNA girase e topoisomerase IV.
Foi observada correlação entre os valores de concentração mínima inibitória (CMI) para
ciprofloxacino e diferenças no sequenciamento do gene gyrA indicando que o principal
mecanismo de resistência a ciprofloxacino nas cepas de E. coli é o acúmulo de mutações no
gene gyrA (van Hees et al., 2011). Mutações no gene gyrB são consideradas raras, enquanto
mutações nos genes parC e parE geralmente estão combinadas com mutações no gyrA,
sugerindo que a DNA girase é o alvo principal para as fluoroquinolonas (Christiansen et al.,
2011). Outro mecanismo de resistência à quinolonas é a atividade de bomba de efluxo, que se
traduz como a principal causa da diminuição no acúmulo desses agentes nas bactérias. A
presença de proteínas de resistência a fluoroquinolonas (QNR), codificadas por genes
transmissíveis por meio de plasmídeos, especialmente em Enterobacter spp., E. coli e
Klebsiella pneumoniae, tem sido evidenciada. Proteinas QNR determinam um ligeiro
aumento nos valores da CMI, que muitas vezes fica abaixo do ponto de susceptibilidade
(Hopkins et al., 2005).
A escolha empírica do antibiótico para o tratamento das ITU deve estar de acordo com
cinco premissas principais: risco individual do paciente e pré-tratamento com antibióticos;
espectro bacteriano e susceptibilidade a antibióticos; efetividade do agente antimicrobiano
demonstrada em estudos clínicos; efeitos epidemiológicos e efeitos adversos (Wagenlehner et
al., 2011). Outros fatores, tais como, o custo, a disponibilidade e a farmacocinética e
farmacodinâmica são extremamente importantes para alcançar o sucesso no tratamento dessas
infecções, além de prevenir o surgimento de multirresistência.
Apesar da E. coli ser uma das bactérias mais estudadas e da importância do uso de
ciprofloxacino para tratamento de ITU, esta dissertação de mestrado mostra-se original e
significante uma vez que estudos sobre os aspectos clínicos, epidemiológicos e
microbiológicos da ocorrência de E. coli uropatogênica em pacientes com câncer
ginecológico são raros.
10
3. OBJETIVOS
3.1 GERAL
Estudar aspectos epidemiológicos, clínicos e microbiológicos da ocorrência de ITU
por E. coli resistente a ciprofloxacino em pacientes com câncer ginecológico assistidas no
Hospital do Câncer II do Instituto Nacional do Câncer (HCII/INCA).
3.2 ESPECIFICOS
Descrever a prevalência de resistência a ciprofloxacino, nas amostras de E. coli
detectadas nas ITU ocorridas nas pacientes com câncer ginecológico assistidas
no HCII/INCA.
Analisar as variáveis potencialmente associadas à resistência a ciprofloxacino
em pacientes com ITU por E. coli e câncer ginecológico assistidas no
HCII/INCA.
11
4. MÉTODOS
4.1. DESENHO DE ESTUDO
Trata-se de uma série de casos de pacientes com ITU por E. coli.
4.2. POPULAÇÃO E PERÍODO DE ESTUDO
Pacientes com câncer ginecológico assistidas no HCII/INCA de março de 2009 a
fevereiro de 2010.
4.3. AMBIENTE DO ESTUDO
O Hospital do Câncer II (HCII) do Instituto Nacional do Câncer (INCA) é a unidade
hospitalar de referência para o diagnóstico e tratamento das pacientes com neoplasia
ginecológica. O HCII/INCA assiste a adultos matriculados nos serviços de ginecologia e
oncologia clínica dispondo de 80 leitos distribuídos entre: três enfermarias (65 leitos),
emergência (6 leitos), um centro de terapia intensiva (6 leitos) e uma unidade de pósoperatório (3 leitos). Possui ainda, hospital dia, ambulatórios e centro cirúrgico. Apresenta
uma média de 215 internações mensais, sendo realizadas em torno de 100 cirurgias
ginecológicas ao mês.
12
4.4. DETECÇÃO DOS CASOS
Os potenciais casos de ITU por E. coli foram detectados através de vigilância diária
dos registros de cultura de urina do Laboratório de Patologia Clínica (LPC) do
HCII/INCA.
4.5. COLETA DOS DADOS
Os seguintes dados clínicos, epidemiológicos e microbiológicos foram coletados
através de revisão de prontuários manuscritos e eletrônicos e registros do LPC do
HCII/INCA:
Dados referentes ao paciente: nome; registro no INCA; data de nascimento; local de
residência; renda; ocupação; nível de instrução; escores de comorbidade de Charlson
(Charlson et al., 1987) e Performance Status (Oken et al., 1982); presença de insuficiência
renal, diabetes, neutropenia, doença hepática, alteração de vias urinárias (nefrolitíase,
obstrução por tumor, lesão actínica ou anormalidade anatômica outra) e hemodiálise;
diagnóstico e tipo de tratamento do câncer ginecológico; apresentação clínica (cistite,
pielonefrite ou bacteriúria assintomática) e origem (comunitária ou relacionada à
assistência em saúde) da infecção urinária; realização de tratamento para a infecção
urinária (antimicrobiano e data); local de detecção da infecção urinária e de tratamento
(ambulatorial ou durante internação); motivo e data de admissão para os pacientes
internados; antimicrobianos e motivo para o uso nos últimos 3 meses; internação e local
nos últimos 3 meses; uso de dispositivo urinário invasivo (cateter vesical, nefrostomia,
duplo J ou cistoscopia) nos últimos 3 meses; realização de hemotransfusão nos últimos 3
meses; história de infecção urinária no último ano.
Dados microbiológicos: data da cultura de urina com crescimento de E. coli; perfil
de susceptibilidade aos antimicrobianos (ácido nalidíxico, amicacina, amoxicilina,
cefazolina, ceftazidima, ciprofloxacino, gentamicina, imipenem, nitrofurantoína e
sulfametoxazol/ trimetoprim); presença de infecção polimicrobiana.
Estes dados foram registrados de forma sigilosa em formulário padronizado (Anexo
1) e armazenados no programa Microsoft Access [Access 2000].
13
4.6. LISTA DE DEFINIÇÕES
Cistite: paciente com pelo menos um dos seguintes sinais ou sintomas, sem outra
causa reconhecida: febre, urgência, frequência, disúria, ou hipersensibilidade suprapúbica
associados à urinocultura positiva para E. coli (≥105UFC/mL) (Horan et al., 2008).
Bacteriúria assintomática: é a presença de urinocultura positiva para E. coli
5
(≥10 UFC/mL) em urina coletada de maneira apropriada, não acompanhada de sinais ou
sintomas referentes a ITU (Nicolle et al., 2005; Horan et al., 2008).
Pielonefrite: paciente com febre e dor lombar ou no flanco associados à
urinocultura positiva para E. coli (≥105UFC/mL). Náusea, vômito e cefaléia podem
acompanhar o quadro (Nicolle et al., 2005).
Infecção comunitária: é definida como aquela adquirida na comunidade, em que o
início dos sintomas ocorre antes da internação do paciente ou dentro de 48 horas da
admissão no hospital e quando não está relacionada à assistência à saúde (Jaureguy et al.,
2007).
Infecção relacionada à assistência em saúde: é definida como aquela em que o
aparecimento dos sintomas ocorre 48 horas após a admissão hospitalar ou quando o
paciente possui dispositivo urinário, tais como cateter vesical, duplo J ou nefrostomia
(Horan et al., 2008; Jaureguy et al., 2007).
Infecção polimicrobiana: episódio de ITU com detecção de E. coli concomitante a
um outro agente etiológico, na mesma amostra de urina.
Imunossupressão medicamentosa: uso crônico de esteróides com dose ≥ 10mg nos
últimos sete dias ou quimioterapia no último mês.
Paciente imunocomprometido: portador do vírus da imunodeficiência humana
(HIV); a realização de terapia com imunossupressores (corticoterapia >1mg/kg/dia para
14
>30 dias, agentes imunomoduladores e quimioterapia anti-neoplásica) ou a presença de
um tumor sólido ou malignidade hematológica (Jaureguy et al., 2007).
Insuficiência renal: é definida como uma depuração da creatinina de <30mL/min
(Jaureguy et al., 2007).
Alfabetizado: alfabetização não formal, sabe decodificar minimamente a escrita.
4.7. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Mulheres maiores de 18 anos com ITU por E. coli e câncer ginecológico assistidas
no HCII/INCA no período do estudo. Apenas o primeiro episódio de ITU por E. coli
detectado em cada paciente foi incluído no estudo.
4.8. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Pacientes exclusivamente com câncer de mama.
4.9. ANÁLISES ESTATISTICAS
A descrição das variáveis categóricas e contínuas foi feita através do cálculo das
frequências, medianas e intervalos interquartis, respectivamente. Para análise das
variáveis categóricas foi utilizado o teste χ2 e para as variáveis contínuas foi utilizado o
teste de Mann-Whithney. Para a identificação das variáveis potencialmente associadas à
resistência a ciprofloxacino foi realizada análise univariada com cálculo da odds ratio
(OR), intervalo de confiança de 95% (IC95%) e p valor. Para esta análise foram
selecionadas variáveis exploratórias com potencial plausibilidade epidemiológica e
biológica para associação com a ocorrência de resistência ao ciprofloxacino em amostras
de E. coli uropatogênicas. As variáveis com p≤0,25 na análise univariada foram incluídas
para análise multivariada por regressão logística. Foi utilizada a estratégia de backwards
(retirada sucessiva das covariáveis) acompanhada da avaliação do valor do 2-log
15
likelihood do modelo gerado. Aquelas variáveis que quando retiradas do modelo estavam
relacionadas à diferença dos 2-log likelihood entre os modelos intermediário e final maior
ou igual à 3,84 (p≤0,05), foram mantidas no modelo final ajustado. Foram considerados
com significância estatística aqueles valores de p≤0,05. Os dados foram analisados no
programa STATA 11.0 software (STATA Corp., College Station, Texas).
4.10.
COLETA DAS AMOSTRAS
As amostras de urina foram solicitadas e coletadas conforme rotina pré-estabelecida
pela equipe de assistência do HCII. Todas as amostras de E. coli referentes às infecções
urinárias dos pacientes incluídos no estudo foram reservadas para análises adicionais
àquelas realizadas no LPC do HCII/INCA.
A identificação bacteriana e os testes de susceptibilidade aos antimicrobianos foram
realizados pelo LPC do HCII/INCA utilizando o sistema API 20 E e ATB UR 5
(BioMérieux, Brasil), respectivamente. O teste de susceptibilidade aos antimicrobianos:
ácido nalidíxico, amicacina, amoxicilina, cefazolina, ceftazidima, ciprofloxacino,
gentamicina, imipenem, nitrofurantoína e sulfametoxazol/trimetoprim e a detecção para
produção de β-lactamases de espectro estendido (ESBL) foram realizados seguindo as
recomendações do Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI, 2010). Após estas
análises, as amostras foram encaminhadas ao Laboratório de Controle Microbiológico da
Faculdade de Farmácia da Universidade Federal Fluminense para as análises posteriores
conforme descrito no item 4.11.
16
4.11.
ANÁLISE MICROBIOLÓGICA
4.11.1. Manutenção das amostras bacterianas
Todos os isolados foram mantidos a -20ºC, em meio crioprotetor composto por
tryptose soy broth (TSB, HiMedia, Índia) e glicerol 20% v/v (Vetec, Brasil). Para tal, as
amostras foram transferidas do meio MacConkey (meio seletivo/indicador para bactérias
Gram negativas) para placa contendo meio trypticase soy agar (TSA, HiMedia, Índia).
Em seguida, foram incubadas overnight a 35 ± 2 ºC. Após esse período, uma colônia
escolhida de maneira aleatória, foi transferida para tubo contendo TSB e a suspensão foi
incubada por 8 horas a 37ºC. Posteriormente, 800µL de TSB cultivado foi adicionado a
microtubos, contendo 200µL de glicerol 20% v/v e as amostras foram estocadas em
freezer a -20°C.
4.11.2. Teste de susceptibilidade aos antimicrobianos
O teste de susceptibilidade à fosfomicina e a concentração mínima inibitória (CMI)
para ciprofloxacino foram realizados conforme descrito a seguir:
4.11.2.1. Susceptibilidade à fosfomicina
O perfil de susceptibilidade das amostras de E. coli à fosfomicina foi determinado
pela técnica de difusão em disco, seguindo as recomendações do CLSI 2010. O inóculo
bacteriano foi preparado a partir de colônias isoladas de uma placa contendo meio TSA
suspensas diretamente em solução salina, de modo a obter uma turvação semelhante a
solução 0,5 Mc Farland. Em seguida, um swab estéril foi mergulhado na suspensão
ajustada; o excesso de inóculo foi retirado e o material foi semeado na superfície seca da
placa de agar Mueller-Hinton (MHA, HiMedia, India) de maneira confluente. Após 3 a 10
minutos da inoculação, o disco de fosfomicina 200µg (CECON, Brasil) foi aplicado de
encontro à placa, de maneira a assegurar contato completo com a superfície de agar. Logo
após, as placas foram incubadas a 35 ± 2 ºC, por um período de 16 a 18 horas. A leitura do
17
teste foi realizada pela medida do diâmetro do halo de inibição completa do crescimento
bacteriano, em milímetros usando uma régua.
As amostras foram classificadas quanto à susceptibilidade aos antimicrobianos
conforme critério adotado pelo CLSI 2010. Assim, foram consideradas amostras sensíveis
aquelas que apresentaram halo de inibição ≥ 16 mm, intermediárias aquelas com halos
entre 13 e 15 mm e resistentes com halo ≤ 12 mm. As amostras que apresentaram
susceptibilidade intermediária foram interpretadas como resistentes.
As cepas Escherichia coli ATCC 25922 e Staphylococcus aureus ATCC 25923
foram usadas como controle dos testes.
4.11.2.2. Concentração mínima inibitória para ciprofloxacino
A CMI para ciprofloxacino das amostras de E. coli foi determinada pela técnica de
diluição em agar, seguindo as recomendações do CLSI 2010. O inóculo bacteriano foi
preparado a partir de colônias isoladas de uma placa contendo meio TSA suspensas
diretamente em solução salina, de modo a obter uma turvação semelhante à solução 0,5
Mc Farland.
A suspensão bacteriana foi diluída 1:10 e em seguida, aplicada às placas de MHA
com concentrações seriadas de ciprofloxacino (Sigma-Aldrich, China) através de um
aplicador de inóculo, de maneira a assegurar contato completo com a superfície de agar.
Logo após, as placas foram incubadas a 35 ± 2 ºC, por um período de 16 a 18 horas. O
resultado do teste foi considerado pela menor concentração de ciprofloxacino que inibiu
completamente o crescimento bacteriano a olho nu.
As amostras foram classificadas quanto à susceptibilidade aos antimicrobianos de
acordo com critérios adotados pelo CLSI 2010 e European Committee on Antimicrobial
Susceptibility Testing (EUCAST, 2009) (Quadro 1).
O teste foi realizado em replicata e as cepas Escherichia coli ATCC 25922 e
Staphylococcus aureus ATCC 25923 foram usadas como controle dos testes.
18
Quadro1. Critérios de pontos de corte recomendados para o teste de concentração mínima
inibitória para o ciprofloxacino.
Pontos de corte
CLSI 2010
EUCAST 2009
Sensível
Intermediário
Resistente
Sensível
Resistente
≤ 1 µg/mL
2 µg/mL
≥ 4 µg/mL
≤ 0,5 µg/mL
> 4 µg/mL
Legenda. CLSI: Clinical and Laboratory Standards Institute; EUCAST:
Committee on Antimicrobial Susceptibility Testing.
European
19
5. ASPECTOS ÉTICOS
O estudo “Infecção urinária por Escherichia coli resistente a ciprofloxacino em
pacientes com câncer ginecológico” faz parte do projeto intitulado: “Infecções causadas por
Escherichia coli uropatogênicas em pacientes com câncer ginecológico assistidas no Hospital
do Câncer II do Instituto Nacional do Câncer”. Esse projeto foi registrado e submetido à
avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional do Câncer em sua reunião do
dia 25 de janeiro de 2010, sendo aprovado em 05 de abril de 2010. O mesmo foi isento de
termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo 2).
20
6. RESULTADOS
De março de 2009 a fevereiro de 2010 foram detectados 545 episódios consecutivos de
ITU em 382 pacientes. Os quatro microrganismos mais frequentemente detectados foram E.
coli (n: 346; 63%), Klebsiella pneumoniae (n: 60; 11%), Proteus mirabilis (n: 30; 5%),
Morganella morganii (n: 22; 4%) e Pseudomonas aeruginosa (n: 17; 3%) (Tabela 1).
Tabela 1. Frequência de microrganismos isolados em 545 episódios de infecção do trato
urinário detectados em 382 pacientes.
Microrganismo
Escherichia coli
Klebsiella pneumoniae
Proteus mirabilis
Morganella morganii
Pseudomonas aeruginosa
Enterobacter cloacae
Citrobacter freundii
Staphylococcus aureus
Klebsiella oxytoca
Streptococcus não-hemolítico
Acinetobacter baumannii
Enterococcus faecalis
Klebsiella terrigena
Serratia marcescens
Serratia liquefaciens
Staphylococcus epidermidis
Enterobacter aerogenes
Citrobacter koseri
Serratia fonticola
Total
Número
346
60
30
22
17
12
11
8
7
6
5
5
4
4
2
2
2
1
1
545
Frequência (%)
63,49
11,01
5,50
4,04
3,12
2,20
2,02
1,47
1,28
1,10
0,92
0,92
0,73
0,73
0,37
0,37
0,37
0,18
0,18
100,00
21
Episódios de ITU por E. coli avaliadas para inclusão no estudo
Os 346 episódios de ITU por E. coli ocorreram em 275 pacientes. Porém, 42 pacientes
apresentaram mais de um episódio de infecção, totalizando 71 casos de ITU de repetição
(Figura 1).
Figura 1. Episódios de infecção do trato urinário por E. coli avaliados para elegibilidade e
inclusão no estudo.
Características demográficas e clínicas das pacientes com ITU por E. coli
Entre as 275 pacientes com ITU, 44% (n: 121) apresentavam idade maior que 60 anos;
88% (n: 241) pertenciam à região metropolitana; apenas 3% (n: 8) tinham renda acima de
quatro salários mínimos; 20% (n: 55) cursaram o 2º grau completo (Tabela 2). A maioria (n:
187; 68%) tinha tumor de colo de útero; e a mediana do escore de comorbidade de Charlson
foi 3 (Variação: 2 – 11) (Tabela 3).
Nos três meses anteriores ao diagnóstico de ITU; 88 (32%) pacientes usaram
antimicrobianos; 75 (27%) pacientes foram internadas, totalizando 102 admissões; e 75 (27%)
fizeram uso de algum dispositivo invasivo urinário (Tabela 4).
22
Tabela 2. Descrição de características demográficas das 275 pacientes com infecção do trato
urinário por E. coli.
Características
Número: 275
Frequência (%)
Demográficas
Idade, mediana em anos (variação)
57 (22-89)
Região de origem dos pacientes
Metropolitana
241
87,64
Rio de Janeiro capital
139
50,55
Duque de Caxias
28
10,18
São Gonçalo
20
7,27
Nova Iguaçu
12
4,36
Outras
42
15,27
Lagos
12
4,36
Médio Paraíba
7
2,55
Centro Sul
5
1,82
Serrana
5
1,82
Noroeste
2
0,73
Não relatado
2
0,73
Outro estado - Minas Gerais
1
0,36
Renda
Sem renda
88
32,00
0 - 1 salário
97
35,27
2 - 3 salários
37
13,45
4 - 5 salários
4
1,45
Acima 5 salários
4
1,45
Não relatado
45
16,36
Grau de instrução
Não alfabetizado
26
9,45
Alfabetizado*
21
7,64
1º Grau incompleto
103
37,45
1º Grau
48
17,45
2º Grau incompleto
9
3,27
2º Grau
38
13,82
Superior incompleto
3
1,09
Superior
13
4,73
Pós-graduação
1
0,36
Não relatado
13
4,73
Legenda: *Alfabetizado: alfabetização não formal, sabe decodificar minimamente a escrita.
23
Tabela 3. Descrição de características clínicas das 275 pacientes com infecção do trato
urinário por E. coli.
Características
Número: 275
Clínicas
Localização anatômica do tumor
Colo do útero
Endométrio
Ovário
Colo do útero e endométrio
Vagina
Vulva
Endométrio e ovário
Indefinido
Escore de Charlson, mediana (variação)
Qualquer tumor
Diabetes
Doença renal grave ou moderada
Tumor de órgão sólido metastático
Doença hepática leve
Doença hepática grave ou moderada
Insuficiência cardíaca congestiva
DPOC
AIDS
Diabetes com dano de órgãos
Linfomas
Doença vascular periférica
Hemiplegia
Em terapia de hemodiálise
Insuficiência renal crônica
Frequência (%)
187
68,00
38
13,82
33
12,00
5
1,82
5
1,82
4
1,45
1
0,36
2
0,73
3 (2-11)
239
86,91
89
32,36
46
16,73
36
13,09
10
3,64
5
1,81
5
1,81
4
1,45
4
1,45
2
0,73
2
0,73
1
0,36
1
0,36
13
4,73
12
4,36
3
2
0,73
Neutropenia (neutrófilos <500 células/mm )
Imunossupressão medicamentosa*
21
7,64
Performance Status, mediana (variação)
1 (0-4)
Alteração de vias urinárias
95
34,55
Anatômica
67
24,36
Actinica
25
9,09
Obstrução por tumor
8
2,91
Nefrolitíase
6
2,18
Realização de tratamento para câncer
247
89,82
Cirurgia
163
59,27
Radioterapia
144
52,36
Braquiterapia
92
33,45
Quimioterapia
92
33,45
Legenda: *Imunossupressão medicamentosa: uso crônico de esteróides com dose ≥ 10mg nos
últimos 7 dias ou quimioterapia no último mês; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica;
AIDS: síndrome da imunodeficiência adquirida.
24
Tabela 4. Descrição de características clínicas nos três meses anteriores à infecção do trato
urinário por E. coli nas 275 pacientes.
Características
Número: 275
Frequência (%)
Paciente com internação prévia
75
27,27
Internação em CTI do HCII
11
4,00
Motivo de admissão*
102
37,09
Pre-cirúrgico
29
10,55
Insuficiência renal
15
5,45
Suporte clínico
13
4,73
Metrorragia
11
4,00
Doença infecciosa
11
4,00
Infecção urinária
6
2,18
Indefinida
3
1,09
Pneumonia
2
0,73
Sub-oclusão intestinal
4
1,45
Alteração metabólica
1
0,36
Insuficiência respiratória
1
0,36
Indefinido
7
2,55
Uso de dispositivo urinário
75
27,27
Cateter vesical
49
17,82
Nefrostomia
18
6,55
Duplo J
11
4,00
Cistoscopia
13
4,73
Hemotransfusão
42
15,27
Uso de antimicrobiano
88
32,00
Tratamentos
121
Fluoroquinolonas
69
25,09
Ciprofloxacino
52
18,91
Norfloxacino
16
5,82
Moxifloxacino
1
0,36
Cefalosporinas
19
6,91
Cefazolina
14
5,09
Cefalexina
3
1,09
Cefepime
2
0,73
13
4,73
β-lactâmico/inibidor β-lactamase
Amoxicilina/clavulanato
9
3,27
Piperacilina/tazobactam
4
1,45
Sulfametoxazol/trimetoprim
10
3,64
Penicilinas de espectro ampliado
3
1,09
Amoxicilina
2
0,73
Ampicilina
1
0,36
Meropenem
3
1,09
Claritromicina
2
0,73
Clindamicina
1
0,36
Linezolida
1
0,36
Legenda. *Considerada todas as admissões nos últimos três meses de cada uma das 75
pacientes com internação prévia no período.
Cento e sessenta pacientes apresentaram ITU prévia, 11 (4%) com pelo menos um
episódio de ITU nos últimos 30 dias que antecederam o episódio atual de infecção por E. coli.
25
Descrição dos 275 episódios de infecção urinária atual por E. coli
Quanto à apresentação clínica, a maioria (n: 220; 80%) dos casos foi classificado como
cistite, seguido de bacteriúria assintomática (n: 27; 10%) e pielonefrite (n: 26; 9%). Em dois
casos não foi possível definir o tipo de infecção. No momento da ITU, 33 (12%) pacientes
apresentavam insuficiência renal aguda.
Sessenta e quatro (23%) infecções foram relacionadas à assistência em saúde. Entre
estas, 41 (15%) foram adquiridas durante internação no HCII; 21 (7%) adquiridas na
comunidade por pacientes em uso de dispositivo urinário invasivo como cateter vesical,
nefrostomia ou duplo J; e 2 relacionadas à assistência em outros hospitais. Oitenta e seis
(31%) pacientes apresentaram ITU por E. coli resistente ao ciprofloxacino.
Ocorreram 19 (7%) casos de ITU polimicrobiana. Os agentes detectados
concomitantemente com a E. coli estão descritos na Tabela 5.
Tabela 5. Frequência de microrganismos detectados em 19 casos de infecção polimicrobiana
do trato urinário por E. coli.
Microrganismo
Gram negativo entérico
Klebsiella pneumoniae
Proteus mirabilis
Morganella morganii
Citrobacter freundii
Enterobacter aerogenes
Klebsiella oxytoca
Não fermentador
Pseudomonas aeruginosa
Acinetobacter baumannii
Total
Número
17
6
4
3
2
1
1
2
1
1
19
Frequência (%)
89,47
31,58
21,05
15,79
10,53
5,26
5,26
10,52
5,26
5,26
100,00
Dentre as 275 pacientes que apresentaram ITU por E. coli, 202 (73%) receberam
antimicrobianos ou antissépticos, totalizando 251 tratamentos (Tabela 6). A maioria das
pacientes (n: 156; 62%) foi tratada com fluoroquinolonas. Cento e vinte e dois pacientes
(60%) receberam terapia empírica, 9 (4%) iniciaram a terapia antes da coleta da urina e 113
(56%) iniciaram o tratamento depois da coleta da urina, porém antes do resultado do
26
antibiograma; e 75 (37%) receberam terapia guiada por cultura. O antimicrobiano mais
utilizado foi o ciprofloxacino (n: 88; 35%). Em 59 (67%) pacientes, o tratamento foi iniciado
empiricamente. Em 3 (2%) pacientes não foi possível avaliar o momento de inicio da
antibioticoterapia. Cento e cinquenta (74%) pacientes realizaram tratamento ambulatorial para
ITU.
Dentre os 202 pacientes que receberam tratamento, 193 (96%) tiveram as amostras de
E. coli avaliadas quanto a susceptibilidade ao antimicrobiano utilizado para o tratamento.
Dentre estes, 80% (n: 154) foram tratados com antimicrobiano ao qual este microrganismo foi
susceptível.
Tabela 6. Frequência de antimicrobianos usados para o tratamento de 202 pacientes com
infecção do trato urinário por E. coli.
Antimicrobiano
Número
Frequência* (%)
Fluoroquinolonas
156
62,15
Ciprofloxacino
88
35,06
Norfloxacino
67
26,69
Moxifloxacino
1
0,40
Sulfametoxazol/trimetoprim
33
13,15
19
7,57
β−lactâmico/inibidor β-lactamase
Amoxicilina/clavulanato
10
3,98
Piperacilina/tazobactam
9
3,59
Cefalosporinas
17
6,77
1ª geração
9
3,59
Cefalexina
6
2,39
Cefazolina
3
1,20
Ceftriaxona
4
1,59
Cefepime
4
1,59
Aminoglicosideo
8
3,19
Amicacina
7
2,79
Gentamicina
1
0,40
Carbapenemas
7
2,79
Meropenem
3
1,20
Imipenem
2
0,80
Ertapenem
2
0,80
Antissépticos urinários
7
2,79
Nitrofurantoína
6
2,39
Fenazopiridina
1
0,40
Penicilinas de espectro ampliado
4
1,59
Amoxicilina
2
0,80
Ampicilina
2
0,80
Total
251
100,00
Legenda. *Frequência calculada sobre os 251 tratamentos realizados nas 202 pacientes.
27
Sessenta e seis pacientes (24%) receberam o diagnóstico de ITU no momento da
admissão ou durante admissão no HCII, 22 (8%) pacientes internaram para tratamento do
episódio de infecção urinária (Tabela 7).
Tabela 7. Distribuição por motivo de admissão dos 66 casos de infecção urinária (ITU)
diagnosticados no momento da admissão ou durante a internação.
Frequência** (%)
Motivo
Número
Frequência* (%)
Doença infecciosa
25
37,88
9,09
Infecção urinária
22
33,33
8,00
Partes moles
1
1,52
0,36
Pneumonia
1
1,52
0,36
Indefinida
1
1,52
0,36
Suporte clínico
11
16,67
4,00
Insuficiência renal
8
12,12
2,91
Metrorragia
8
12,12
2,91
Pre-cirúrgico
7
10,61
2,55
Sub-oclusão intestinal
5
7,58
1,82
Insuficiência respiratória
1
1,52
0,36
Alteração metabólica
1
1,52
0,36
Total
66
100,00
24,00
Legenda. *Frequência calculada sobre os 66 casos de ITU diagnosticados no momento da
admissão ou durante a internação. **Frequência calculada sobre os 275 pacientes com ITU
por E. coli.
Características fenotípicas das 275 amostras de E. coli uropatogênicas
Dentre as 275 amostras de E. coli, 221 (80%) estiveram disponíveis para a realização do
teste de susceptibilidade à fosfomicina e da CMI para ciprofloxacino no Laboratório de
Controle Microbiológico da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal Fluminense.
A maioria das amostras de E. coli foi resistente a amoxicilina (n:146; 53%), seguida de
cefazolina (n:141; 51%) e sulfametoxazol/trimetoprim (n:105; 38%). Não foi detectada
resistência à amicacina e carbapenemas. No último trimestre do estudo houve aumento
significativo (p≤0,05) de prevalência de resistência a cefazolina, gentamicina, nitrofurantoína,
fosfomicina e ceftazidima. Foi observada elevação significativa na corresistência entre
ciprofloxacino com os antibióticos acima, mais a amoxicilina (Figura 2 e Tabela 8). Duas
(<1%) amostras de E. coli foram positivas para produção de ESBL.
28
Legenda. A prevalência de resistência foi calculada considerando como denominador o
número de amostras testadas para determinado antimicrobiano.
Figura 2. Prevalência de resistência aos antimicrobianos nas 275 amostras de E. coli isoladas
dos casos de infecção urinária.
29
Tabela 8. Prevalência de resistência aos antimicrobianos nas amostras de E. coli uropatogênicas, estratificada por período da coleta da urina.
Período
Total
1º março - 30 novembro 1º dezembro - 28 fevereiro
Antimicrobiano
Nº R Nº testadas
% Nº R Nº testadas
% Nº R Nº testadas
%
p
Amoxicilina
146
275
53,09 108
213
50,70 38
62
61,29 0,141
Cefazolina
141
275
51,27 87
213
40,85 54
62
87,10 <0,001
Sulfametoxazol/trimetoprim
105
274
38,32 79
212
37,26 26
62
41,94 0,505
Ácido nalidíxico
98
275
35,64 71
213
33,33 27
62
43,55 0,139
Ciprofloxacino
86
275
31,27 62
213
29,11 24
62
38,71 0,391
Gentamicina
24
275
8,73
12
213
5,63 12
62
19,35 0,001
Nitrofurantoína
13
275
4,73
7
213
3,29
6
62
9,68
0,037
Fosfomicina
13
221
5,88
3
159
1,89 10
62
16,13 <0,001
Ceftazidima
2
275
0,73
0
213
0,00
2
62
3,23
0,008
Corresistência
Ciprofloxacino, amoxicilina
61
275
22,18 40
213
18,78 21
62
33,87 0,012
Ciprofloxacino, cefazolina
58
275
21,09 38
213
17,84 20
62
32,26 0,014
Ciprofloxacino, sulfametoxazol/trimetoprim 56
274
20,44 39
212
18,40 17
62
27,42 0,121
Ciprofloxacino, gentamicina
21
275
7,64 11
213
5,16 10
62
16,13 0,004
Ciprofloxacino, fosfomicina
9
221
4,07
3
159
1,89
6
62
9,68
0,008
Ciprofloxacino, nitrofurantoína
7
275
2,55
2
213
0,94
5
62
8,06
0,002
Ciprofloxacino, ceftazidima
2
275
0,73
0
213
0,00
2
62
3,23
0,008
Legenda. Nº: número; R: resistência
30
A determinação da CMI para o ciprofloxacino foi realizada para 221 amostras de E.
coli. Em 68 (31%) amostras, a CMI variou de 128 µg/mL a 8 µg/mL, sendo classificadas
como resistentes (Tabela 9). Não houve discordância quanto à classificação em amostras
sensíveis ou resistentes quando adotados os critérios do CLSI 2010 ou EUCAST 2009. As 2
amostras de E. coli positivas para produção de ESBL apresentaram CMI: 128 µg/mL.
Tabela 9. Frequência da concentração mínima inibitória (CMI) para o ciprofloxacino das 221
amostras de E. coli uropatogênicas.
CMI
256 µg/mL
128 µg/mL
64 µg/mL
32 µg/mL
16 µg/mL
8 µg/mL
4 µg/mL
2 µg/mL
1 µg/mL
0,5 µg/mL
0,25 µg/mL
< 0,125 µg/mL
Total
Número
0
38
28
1
0
1
0
0
0
2
7
144
221
Frequência (%)
0,00
17,19
12,67
0,45
0,00
0,45
0,00
0,00
0,00
0,90
3,17
65,16
100,00
31
A distribuição temporal das amostras conforme a CMI demonstrou agrupamentos de E.
coli com CMI de 64 µg/mL e 128 µg/mL (Figura 3).
Legenda. CMI: concentração mínima inibitória; ♦: cada amostra de E. coli incluída no estudo.
Figura 3. Distribuição das 221 amostras de E. coli resistentes ao ciprofloxacino conforme a
concentração mínima inibitória ao longo do período de estudo.
32
A distribuição temporal e espacial dos casos de ITU por E. coli com CMI: 64µg/mL e
CMI: 128µg/mL demonstra que 39% (n: 11) e 61% (n: 23), respectivamente, destes pacientes
apresentaram sobreposição de períodos de internação no HCII, sendo contactantes (Figura 4 e
5).
♦
♦
♦
28
27
26
25
24
23
22
21
20
19
18
17
16
15
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
50
100
150
200
250
300
350
Dias a partir do inicio do estudo
Legenda.
Período de internação sem detecção de E. coli;
Período de internação a
partir da detecção de E. coli com CMI:64µg/mL para ciprofloxacino, ♦ Paciente com infecção
urinária por E. coli com CMI: 64µg/mL após alta hospitalar.
Figura 4. Distribuição temporal e espacial das admissões dos 11 pacientes com amostras de
E. coli com concentração mínima inibitória (CMI) igual a 64µg/mL.
33
38
37
36
35
34
33
32
31
30
29
♦ 28
27
26
♦ 25
24
23
22
21
20
19
18
17
16
♦ 15
14
13
12
♦ 11
10
9
8
7
6
5
4
♦3
2
1
0
50
100
150
200
250
300
350
Dias a partir do inicio do estudo
Legenda.
Período de internação sem detecção de E. coli;
Período de internação a
partir da detecção de E. coli com CMI:128µg/mL para ciprofloxacino, ♦ Paciente com
infecção urinária por E. coli com CMI:128µg/mL após alta hospitalar.
Figura 5. Distribuição temporal e espacial das admissões dos 23 pacientes com amostras de
E. coli com concentração mínima inibitória (CMI) igual a 128µg/mL.
34
Quanto à distribuição geográfica, foram detectados casos de ITU por E. coli resistentes
a ciprofloxacino com CMI:128µg/mL em pacientes oriundos de todas as regiões
administrativas do estado do Rio de Janeiro com casos de infecção, exceto na noroeste. A
prevalência de amostras de E. coli resistentes a ciprofloxacino por região está apresentada na
Figura 6.
Legenda. A classificação da área geográfica foi realizada conforme Grupo Gestor Estadual RJ.
Figura 6. Distribuição geográfica e prevalência das amostras de E. coli resistentes a
ciprofloxacino.
35
Análise das variáveis associadas à aquisição de ITU por E. coli resistente ao
ciprofloxacino
Na análise univariada as seguintes variáveis estiveram associadas a ITU por E. coli
resistente a ciprofloxacino: alteração anatômica de vias urinárias, insuficiência renal crônica,
hemodiálise, escore de morbidade de Charlson e Performance Status > 2, infecção urinária
relacionada a assistência em saúde; histórico nos últimos 3 meses de hospitalização, uso de
antimicrobianos, uso de fluoroquinolonas, uso de metronidazol; presença de dispositivo
invasivo urinário, cateter vesical, nefrostomia; realização de cistoscopia; e hemotransfusão.
Estes dados estão apresentados na Tabela 10.
Para a análise multivariada, além das variáveis acima descritas foram incluídas: história
de infecção urinária prévia e presença de duplo J, por apresentarem p<0,25 em análise
univariada. No modelo final, permaneceram independentemente associadas a ITU por E. coli
resistente a ciprofloxacino: uso de fluoroquinolonas, hospitalização nos últimos 3 meses e
presença de nefrostomia (Tabela 11). A variável história de infecção urinária prévia foi
mantida no modelo final, pois sua ausência esteve relacionada à uma diferença significativa
(p≤0,05) entre o modelo intermediário e o final, sendo sua presença importante para o ajuste
do modelo.
36
Tabela 10. Análise univariada para variáveis associadas à resistência a ciprofloxacino em infecção urinária por E. coli nos 275 pacientes.
Variável, N (%)*
Idade em anos, mediana (variação)
Idade > 60 anos
Ausência de 2º grau completo
Alteração de vias urinárias**
Insuficiência renal crônica
Em terapia de hemodiálise
Ciprofloxacino S
(N= 189)
57,45 (22-89)
82 (43,39)
152 (80,42)
53 (28,04)
5 (2,65)
5 (2,65)
1 (0,53)
15 (7,94)
2 (2-11)
22 (11,64)
100 (52,91)
33 (17,46)
Ciprofloxacino R
(N= 86)
56,75 (22-88)
39 (45,35)
68 (79,07)
42 (48,84)
7 (8,14)
8 (9,30)
1 (1,16)
6 (6,98)
3 (2-11)
20 (23,26)
60 (69,77)
31 (36,05)
OR
IC95%
p
1,08
0,92
2,45
3,26
3,77
2,11
0,87
2,30
3,00
2,66
0,65-1,81
0,49-1,73
1,44-4,15
1,00-10,58
1,20-11,90
0,14-35,78
0,32-2,32
1,18-4,49
0,63-14,16
1,49-4,75
0,850
0,761
0,795
0,001
0,049
0,023
0,576
0,781
0,004
0,015
0,165
0,001
Neutropenia (neutrófilos <500 células/mm3)
Imunossupressão medicamentosa***
Escore de morbidade de Charlson
Performace Status > 2****
Infecção urinária prévia
Infecção relacionada à assistência em saúde
Uso ou presença nos últimos 3 meses
Antimicrobiano
44 (23,28)
44 (51,16)
3,45
2,01-5,93
<0,001
Fluoroquinolona
19 (10,05)
36 (41,86)
6,44
3,40-12,20
<0,001
Cefalosporinas 1º geração
12 (6,35)
5 (5,81)
0,91
0,81-2,67
0,864
Sulfametoxazol/trimetoprim
6 (3,17)
4 (4,65)
1,49
0,41-5,41
0,547
Metronidazol
6 (3,17)
11 (12,79)
4,47
1,60-12,53
0,004
β-lactâmico/inibidor de β-lactamase
4 (2,12)
3 (3,49)
1,67
0,36-7,64
0,507
Dispositivo urinário
36 (19,05)
39 (45,35)
3,53
2,01-6,17
<0,001
Cateter vesical
27 (14,29)
22 (25,58)
2,06
1,09-3,88
0,025
Nefrostomia
6 (3,17)
12 (13,95)
4,95
1,79-13,67
0,002
Cistoscopia
5 (2,65)
8 (9,30)
3,77
1,20-11,90
0,023
Duplo J
5 (2,65)
6 (6,98)
2,76
0,82-9,31
0,102
Hospitalização
38 (20,11)
37 (43,02)
3,00
1,72-5,23
<0,001
Em centro de terapia intensiva
6 (3,17)
5 (5,81)
1,88
0,56-6,35
0,308
Hemotransfusão
20 (10,58)
22 (25,58)
2,90
1,48-5,68
0,002
Legenda. N (%)*: número e percentual, exceto quando especificado de outra forma ao lado da variável; **Alteração de vias urinárias consideradas: lesões
actinica e anatômica, obstrução por tumor ou nefrolitíase; ***Imunossupressão medicamentosa: uso crônico de esteróides com dose ≥ 10mg nos últimos 7 dias
ou quimioterapia no último mês; **** Paciente restrito ao leito mais de 50% do tempo, carente de cuidados intensivos ou totalmente restrito ao leito; S:
sensível; R: resistente; OR: odds ratio; IC95%: intervalo de confiança de 95%.
37
Tabela 11. Modelo final da análise multivariada das variáveis associadas à infecção do trato
urinário por E. coli resistente a ciprofloxacino.
Variável
OR
IC95%
História de infecção urinária prévia
3,12
0,57-17,10
Presença de nefrostomia nos últimos 3 meses
4,83
1,15-20,23
Internação nos últimos 3 meses
4,00
1,35-11,85
Uso de fluoroquinolona nos últimos 3 meses
3,02
1,23-7,37
Legenda. OR: odds ratio; IC95%: intervalos de confiança de 95%.
p
0,188
0,031
0,012
0,015
O modelo acima demonstra que as variáveis nefrostomia, internação e uso de
fluoroquinolonas nos últimos 3 meses elevaram as chances de ITU por E. coli resistente a
ciprofloxacino em aproximadamente 5, 4 e 3 vezes, respectivamente.
38
7. DISCUSSÃO
A ITU é descrita como importante complicação entre pacientes com câncer
ginecológico (Behtash et al., 2005; Plesinac-Karapandzic et al., 2010; Prasad et al., 1995).
Contudo, estudos sobre o perfil microbiológico destas infecções e variáveis associadas à
resistência aos antimicrobianos entre as amostras de E. coli responsáveis pela ITU nas
pacientes com câncer ginecológico são escassos.
E. coli é o agente etiológico mais frequente das ITU, não-complicadas e complicadas, e
responsável por 40% até 85% das infecções urinárias em pacientes imunocompetentes
(Araujo et al., 2011; Kiffer et al., 2007; Naber et al., 2008; Wagenlehner et al., 2008). No
presente estudo, a maioria (63%) das ITU em pacientes com câncer ginecológico foi causada
por E. coli. Este dado é semelhante aos encontrados em outros estudos brasileiros incluindo
pacientes sem câncer ginecológico, acompanhados ambulatorialmente ou detectados em
serviços de emergência, nos quais este valor variou de 62% a 72% (Araujo et al., 2011; Kiffer
et al., 2007; Koch et al., 2008; Pires et al., 2007; Marangoni, 2010). Porém, este valor é maior
do que o descrito para estudos realizados em outros países. Observamos que a frequência de
E. coli como agente etiológico das ITU foi maior do que a detectada por McNeeley e
colaboradores em um Serviço de Ginecologia/Obstetrícia norte-americano ao longo de um
ano, que observou que 109 pacientes com câncer ginecológico tiveram algum tipo de infecção
no momento da admissão, sendo ITU a infecção mais frequente (n: 54; 49%) e E. coli (n: 18;
33%) o principal agente destes episódios (McNeeley et al., 1990). Da mesma forma, quando
comparamos os resultados observados no presente estudo com dados incluindo pacientes com
ITU e outros tipos de câncer, observamos maior frequência de E. coli na população incluída
no atual estudo (Cornejo-Juarez et al., 2007; McNeeley et al., 1990). Em um estudo que
avaliou a frequência de ITU por Gram negativos em pacientes hospitalizados com câncer de
órgão sólido e leucemia, E. coli foi detectado como o agente etiológico mais frequente, sendo
responsável por 38% das infecções (Ashour e El-Sharif, 2009). Outro estudo realizado em
hospital oncológico no México entre 1998 a 2005, incluindo 9.232 episódios de ITU verificou
39
que E. coli foi responsável por 42% e 29% das infecções comunitárias e hospitalares,
respectivamente (Cornejo-Juarez et al., 2007). Infelizmente, não foi possível comparar as
taxas obtidas no presente estudo com dados brasileiros sobre ITU em pacientes com câncer
ginecológico devido à ausência de estudos prévios ou sistemas de vigilância para ITU nesta
população.
No grupo de pacientes estudado, a apresentação clínica mais encontrada foi cistite, este
predomínio está em concordância com estudos prévios de ITU (Ikaheimo et al., 1996; Stamm
et al., 1991; Marangoni, 2010). A razão entre pielonefrite e cistite em nosso estudo foi 1:8. Da
mesma forma, outros estudos demonstraram predomínio de cistite, porém com razão
pielonefrite:cistite maior, 1:18 (Stamm et al., 1991) e 1:28 (Ikaheimo et al., 1996). Esta
diferença pode ser explicada pelo fato das pacientes com câncer ginecológico geralmente
apresentarem alterações anatômicas e funcionais de vias urinárias que facilitam a ascensão da
E. coli até os rins. Contudo, esta razão pielonefrite:cistite foi menor do que a descrita em
estudo prévio realizado em hospitais de emergência do Rio de Janeiro que encontrou um valor
1:2 (Marangoni, 2010). Esta diferença pode estar relacionada à origem dos casos incluídos no
segundo estudo terem sido Serviços de Emergência, levando à seleção de pacientes com
infecções mais graves, as pielonefrites.
Quanto à origem, 23% das ITU por E. coli foram relacionadas à assistência em saúde.
Dados do sistema de vigilância INICC de 2011 sugerem que as ITU relacionadas à assistência
em saúde em pacientes internados em unidades de terapia intensiva estão associadas ao
aumento no tempo de internação (Rosenthal et al., 2011). Além disto, 8% das pacientes com
ITU por E. coli incluídas no presente estudo foram internadas para tratamento desta infecção.
Estes dados destacam a possibilidade das ITU nesta população causarem impacto em
morbidade e em custo para o sistema de saúde devido à elevação no número e tempo de
internação. Estudos adicionais são necessários para confirmar essas hipóteses.
As amostras de E. coli uropatogênicas isoladas neste estudo apresentaram prevalência
de resistência à amoxicilina, cefazolina, sulfametoxazol/trimetoprim e ciprofloxacino maiores
que 20%, valor sugerido como ponto de corte para escolha do tratamento empírico das ITU
(Gupta et al., 2011). Porém, estes antibióticos são comumente utilizados como terapia para
estas infecções, conforme ocorrido no presente estudo, onde o ciprofloxacino foi o
antimicrobiano mais utilizado para este fim, sendo 67% das vezes feito empiricamente. Este
40
fato aponta para necessidade de adequação na terapêutica empírica para ITU na população
incluída neste estudo.
Comparando os valores de prevalência de resistência a ciprofloxacino (31%)
encontrados neste estudo com dados de outros estudos brasileiros, observamos taxas mais
elevadas em nossa população (Araujo et al., 2011; Kiffer et al., 2007; Koch et al., 2008; Pires
et al., 2007; Marangoni, 2010). O sistema de vigilância microbiológico SENTRY encontrou
22% de resistência a ciprofloxacino entre 403 amostras de E. coli uropatogênicas
comunitárias isoladas em países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, no ano de 2003
(Andrade et al., 2006). Estudos realizados em pacientes imunocompetentes com ITU de
origem comunitária do Rio de Janeiro, Brasília, Ceará, São Paulo e Rio Grande do Sul
encontraram as prevalências de 6%, 9%, 9%, 12% e 13% de bactérias resistentes a
ciprofloxacino, respectivamente (Araujo et al., 2011; Kiffer et al., 2007; Koch et al., 2008;
Pires et al., 2007; Marangoni, 2010). Estes valores são menores do que os encontrados entre
as amostras de E. coli uropatogênicas isoladas dos pacientes incluídos no presente estudo. No
entanto, estudo realizado em pacientes adultos com câncer e ITU demonstrou prevalência de
resistência a ciprofloxacino entre amostras de E. coli de 41%, valor mais elevado do que o
encontrado na população incluída nesse estudo (Cornejo-Juarez et al., 2007). Da mesma
forma, quando comparamos os resultados observados no presente estudo com dados de
prevalência de resistência a ciprofloxacino do programa SMART, realizado com pacientes
hospitalizados, observamos taxas menores em nosso estudo (Hoban et al., 2011). Trabalhos
realizados em Brasília (2001 a 2005), São Paulo (2000 a 2003) e Rio Grande do Sul (2000 a
2004) demonstraram aumento da prevalência de resistência a ciprofloxacino ao longo dos
anos (Pires et al., 2007; Kiffer, et al., 2007; Koch et al., 2008). No presente estudo, este
aumento não foi significante, apesar de ter sido evidenciado no último trimestre. Porém, um
ano de estudo pode não ter sido suficiente para detectar aumento significativo na resistência a
este antimicrobiano entre as amostras de E. coli incluídas no nosso estudo.
No presente estudo, foram detectados agrupamentos temporais sucessivos de amostras
de E. coli resistentes a ciprofloxacino com CMI de 64µg/mL e 128µg/mL. Esses aumentos
graduais na CMI são geralmente sugeridos como MIC creep e embora já tenham sido
previamente relatados para amostras de Staphylococcus aureus resistente à meticilina
(MSRA) em relação à susceptibilidade à vancomicina (Kehrmann et al., 2011), Acinetobacter
spp. em relação à tigeciclina (Wang and Dowzicky, 2010), Neisseria gonorrhoeae em relação
41
à cefalosporinas (Chisholm et al., 2010; Mehta et al., 2011) e à quinolonas (Mehta et al.,
2011), não há registros desse fenômeno para amostras de E. coli resistente a ciprofloxacino.
Este achado pode estar associado ao surgimento de cepas de E. coli distintas, com CMI
diferenciadas ou as mesmas cepas apresentado aumento de CMI. Estas amostras com CMI
elevadas estiveram agrupadas temporalmente e espacialmente, sugerindo a ocorrência de um
surto. Além disto, a maioria das pacientes com ITU por E. coli com padrões elevados de CMI
apresentaram sobreposição de períodos de internação sugerindo a ocorrência de transmissão
cruzada ou fonte comum intra-hospitalar. Este dado demonstra a importância do sítio urinário
como reservatório para a disseminação de microrganismos resistentes a antimicrobianos
relevantes na prática clínica, como as fluoroquinolonas. Através da tipificação destas amostras
de E. coli por técnicas moleculares será possível esclarecer melhor a dinâmica da ocorrência
destes agrupamentos de amostras com CMI elevadas.
As variáveis associadas a maior chance de presença de resistência ao ciprofloxacino
entre as amostras de E. coli isoladas das ITU por este agente foram nefrostomia, internação e
uso de fluoroquinolonas nos últimos 3 meses.
A ITU já foi descrita como uma complicação frequente entre pacientes com câncer
ginecológico e nefrostomia (Plesinac-Karapandzic et al., 2010). Porém, esta é a primeira vez
que este dispositivo é detectado como associado a uma maior chance de resistência ao
ciprofloxacino em pacientes com ITU por E. coli. Este achado poderia ser explicado pela
maior manipulação de vias urinárias a que estas pacientes são submetidas e a consequente
transmissão cruzada de amostras de E. coli resistentes a ciprofloxacino. A avaliação da
transmissão cruzada das cepas de E. coli deverá ser investigada através da tipificação
molecular destas amostras. Da mesma forma, a internação prévia já foi descrita como fator de
risco para a ocorrência de ITU por E. coli resistente a ciprofloxaciono (Smithson et al., 2011).
Este achado sugere ainda que esses pacientes funcionam como um reservatório para
disseminação intra-hospitalar de cepas de E. coli resistentes a ciprofloxacino. Estes dados
demonstram a necessidade de adequação nas técnicas de manipulação das vias urinárias para
prevenir a disseminação de E. coli resistentes a ciprofloxacino.
O uso prévio de fluoroquinolonas esteve associado a maior chance de ocorrência de
resistência a ciprofloxacino entre as pacientes com ITU por E. coli. Esta associação também
foi descrita em estudos prévios (Eom et al., 2002; den Heijer et al., 2010; Smithson et al.,
42
2011). Além disso, as fluoroquinolonas foram os antimicrobianos mais utilizados na
população incluída neste estudo, dados que demonstram a necessidade de desenvolvimento de
protocolos que orientem o uso destes medicamentos.
Diferentemente do descrito por Kiffer e colaboradores, (Kiffer et al., 2007) a idade
maior que 60 anos não esteve associada a uma maior chance de infecção por E. coli resistente
a ciprofloxacino. Este achado pode ser explicado pelo fato da faixa etária mediana (57 anos)
encontrada na nossa população ter sido próxima a 60 anos.
Finalmente, somente duas amostras de E. coli foram positivas para produção de ESBL;
e não foi detectada resistência à amicacina ou presença de carbapenemases nestas amostras.
Estes dados demonstram que os aminoglicosídeos e as cefalosporinas de 2ª e 3ª geração
seriam boas opções para terapêutica empírica nas pacientes com ITU grave e necessidade de
terapia intravenosa. A nitrofurantoína e a cefalosporina de 2ª geração oral seriam excelentes
alternativas para o tratamento empírico ambulatorial das infecções não graves. Apesar da
prevalência de resistência aos carbapenemas e fosfomicina terem sido ausentes e baixas,
respectivamente, acreditamos que estas drogas não devam ser utilizadas como terapêutica
empírica. Sugerimos que as mesmas sejam reservadas para o tratamento de infecções
causadas por bactérias multirresistentes como as produtoras de ESBL e carbapenemases.
Além disso, o ciprofloxacino deve ser evitado como terapêutica empírica para as ITU em
paciente com câncer ginecológico em uso de nefrostomia, presença de internação e uso de
fluoroquinolonas nos últimos 3 meses.
43
8. CONCLUSÕES
A prevalência de resistência a ciprofloxacino nas E. coli uropatogênicas
detectadas nas pacientes com câncer ginecológico foi elevada (31%).
Houve agrupamentos temporais sucessivos de amostras de E. coli resistentes a
ciprofloxacino com CMI elevados (64µg/mL e 128µg/mL).
A prevalência de resistência para cefazolina, gentamicina, nitrofurantoína,
fosfomicina e ceftazidima aumentou significativamente entre as E. coli
uropatogênicas avaliadas no último trimestre de estudo.
Os fatores de risco para E. coli resistente a ciprofloxacino em pacientes com ITU
por este agente e câncer ginecológico foram: presença nos últimos 3 meses de
nefrostomia, internação e uso de fluoroquinolonas.
44
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50
10. ANEXOS
51
Anexo 1. Formulário: Pacientes Portadores de Câncer Ginecológico com
Infecção Urinária por Escherichia coli.
52
Anexo 1. Formulário: Pacientes Portadores de Câncer Ginecológico com
Infecção Urinária por Escherichia coli (continuação).
53
Anexo 1. Formulário: Pacientes Portadores de Câncer Ginecológico com
Infecção Urinária por Escherichia coli (continuação).
54
Anexo 1. Formulário: Pacientes Portadores de Câncer Ginecológico com
Infecção Urinária por Escherichia coli (continuação).
55
Anexo 1. Formulário: Pacientes Portadores de Câncer Ginecológico com
Infecção Urinária por Escherichia coli (continuação).
56
Anexo 1. Formulário: Pacientes Portadores de Câncer Ginecológico com
Infecção Urinária por Escherichia coli (continuação).
57
Anexo 1. Formulário: Pacientes Portadores de Câncer Ginecológico com
Infecção Urinária por Escherichia coli (continuação).
58
Anexo 2. Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional
do Câncer.
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