Insper Instituto de Ensino e Pesquisa Faculdade de Economia e Administração Daniel Rubinich Costa ANÁLISE DA DÍVIDA PÚBLICA ESPANHOLA E SUA RELAÇÃO COM AS RECENTES POLÍTICAS MACROECONÔMICAS São Paulo 2013 Daniel Rubinich Costa Análise da dívida pública espanhola e sua relação com as recentes políticas macroeconômicas Monografia apresentada ao curso de Ciências Econômicas, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Vitoria Cristina Cardoso Saddi – Insper São Paulo 2013 Rubinich, Daniel Análise da dívida pública espanhola e sua relação com as recentes políticas macroeconômicas / Daniel Rubinich Costa. – São Paulo: Insper, 2013. 48 f. Monografia: Faculdade de Economia e Administração. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. Orientador: Prof.ª Dr.ª Vitoria Cristina Cardoso Saddi 1.Euro 2. Dívida Pública 3. Políticas Macroeconômicas Daniel Rubinich Costa Análise da dívida pública espanhola e sua relação com as recentes políticas macroeconômicas Monografia apresentada à Faculdade de Economia do Insper, como parte dos requisitos para conclusão do curso de graduação em Economia. Aprovado em Dezembro 2013 EXAMINADORES ___________________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Vitoria Cristina Cardoso Saddi Orientadora ___________________________________________________________________________ Prof. Dr. João Luis Mascolo Examinador Prof.ª Dr.ª Roberta Muramatsu Examinadora Resumo RUBINICH, Daniel. Análise da dívida pública espanhola e sua relação com as recentes políticas macroeconômicas. São Paulo, 2013. 43p. Monografia – Faculdade de Economia e Administração. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. O objetivo da monografia foi de investigar a relação entre a dívida pública espanhola, as políticas fiscais do governo espanhol e sua relação com a crise econômica e financeira do país, que se iniciou em 2008. Através do modelo de decomposição da dívida pública e da subsequente análise ecônomica do período de 2002 a 2012 da economia espanhola, foi possível mostrar que o aumento da dívida pública espanhola e dos yields dos títulos governamentais espanhóis não é consequência das políticas fiscais do governo espanhol mas sim do estouro da bolha imobiliária e creditícia que ocorreu no périodo de 2002 a 2007, que gerou os desequilíbrios e problemas econômicos e financeiros do país, como a alta alavancagem das famílias espanholas, um sistema financeiro quase insolvente, baixíssimo crescimento econômico e problemas de desalinhamento de custos com o restante do bloco. O programa de compra de títulos soberanos por parte do BCE ajudou a ganhar tempo para os ajustes ecônomicos necessários, entretanto a atual política de austeridade fiscal pouco contribui para sanar os problemas ecônomicos e sociais do país e tem se mostrado pouco eficiente na redução da dívida pública espanhola. Palavras-chave: Euro, Crise, Dívida Pública, Políticas Macroeconômicas, Espanha. Abstract RUBINICH, Daniel. Analysis of the Spanish public debt and its relation to the recent macroeconomic policies. São Paulo, 2013. 43p. Monograph – Faculdade de Economia e Administração. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. The aim of this monograph was to investigate the relationship between the Spanish public debt, the Spanish fiscal policies and its relationship with the current Spanish economic and financial crises. Through the public debt decomposition model and the subsequent economic analysis of the Spanish economy, between 2002 and 2012, it was possible to show that the increase in the Spanish public debt and yields on government bonds are not the consequences of the Spanish fiscal policies, but the consequences of a housing and credit bubble burst, that occurred from 2002 to 2007, and generated the current economic and financial imbalances of the country, such as as the high leverage of the Spanish families, a nearly insolvent financial system, very low economic growth and costs misalignments with the rest of the block. The ECB sovereign bond purchase program bought time for the necessary economic adjustments, however, the current fiscal austerity policies does little to address the social and economic problems of the country and is being inefficient so far in reducing the Spanish public debt and its yields. Keywords: Euro, Crises, Public Debt, Macroeconomic Policies, Spain. Sumário 1 Introdução .............................................................................................................................. 7 2 Revisão de Literatura ............................................................................................................ 9 2.1 Teorias sobre a Crise da Dívida Pública ........................................................................ 9 2.2 Múltiplos Equilíbrios no Mercado de Títulos Públicos .............................................. 11 3 Metodologia .......................................................................................................................... 15 4 Análise e Modelo da Dívida Pública .................................................................................. 18 4.1 Tendências e Análise Descritiva da Dívida Pública Espanhola .................................. 18 4.2 Modelo de Decomposição da Dívida Pública ............................................................. 24 4.3 Análise Ecônomica e Histórica da Espanha entre 2002 e 2012 .................................. 26 4.3.1 Atividade Ecônomica ......................................................................................... 26 4.3.2 Situação Fiscal do Governo Espanhol ................................................................ 34 4.3.3 Juros da Dívida Pública Espanhola .................................................................... 35 5 Impacto das Políticas Macroeconômicas sobre a Dívida Pública Espanhola ................ 37 5.1 Austeridade Fiscal ....................................................................................................... 37 5.2 Políticas do Banco Central Europeu............................................................................ 39 6 Conclusão ............................................................................................................................. 42 7 Referências ........................................................................................................................... 43 8 Anexo .................................................................................................................................... 45 7 1 INTRODUÇÃO A dívida pública de um país é um dos elementos centrais na determinação do ambiente macroeconômico e nas decisões de investimentos privados. Com a atual crise da Zona do Euro, a pior desde a sua criação em 2002, se desenrolando nos mercados de títulos públicos de diversos países da periferia Europeia, o estudo da dívida pública se tornou ainda mais importante para podermos explicar a situação vivenciada pela Europa e conseguirmos fazer previsões a respeito do futuro da economia Europeia e mundial. A crise europeia se iniciou no fim de 2009 com a disparada dos juros das dívidas públicas Gregas devido ao medo de que a Grécia não seria capaz de quitar suas dívidas e poderia ser forçada a uma moratória. Os problemas que a inicio pareciam isolados a Grécia se espalharam rapidamente para outros países da periferia europeia que também estavam passando por dificuldades econômicas, como Portugal, Irlanda, Itália e Espanha. Existem algumas teorias para o motivo da crise1, e sabe-se também que apesar da crise estar se desenrolando nos mercados de títulos públicos desses países e existirem fatores em comum entre eles que levaram a crise, existem também peculiaridades e especificidades nos problemas econômicos de cada país que os fizeram suscetíveis a essa crise e, portanto se faz necessário uma análise individual de cada país com o intuito de entender melhor a relação entre as causas da crise, os problemas no mercado de títulos públicos e como as políticas econômicas implementadas afetam as variáveis que impactam a dívida pública. Os custos sociais dessa crise também têm se mostrado cada vez mais elevados, de acordo com a Eurostat, o site de estatísticas oficial da União Europeia, a Espanha tem hoje desemprego geral superior a 25% e de 50% entre a população jovem, contra 15% de desemprego geral e 37.8% entre a população jovem no ano de 2009. Passado três anos do início das medidas macroeconômicas de austeridade fiscal, não houve melhora nesses indicadores. Caso as politicas atuais não sejam suficientes para impedir a disparada dos juros dos títulos espanhóis e a uma diminuição dos custos sociais da crise a Espanha poderia ser levada a uma saída da zona do Euro e a reintrodução da Peseta, o que causaria crise financeira e bancária não só na Espanha, como em toda a região da união monetária (EICHENGREEN, 2007), isso pode levar a um efeito manada, onde outros membros da Zona do Euro, também 1 As duas teorias mais difundidas a respeito do motive da crise são: i) Orçamento público desequilibrados de forma generalizada no periodo anterior a crise (2002-2007) e ii) Welfare State muito grande, como percentual da economia, ou seja, gastos governamentais com objetivos sociais demasiadamente grande. 8 insatisfeitos com a situação econômica atual façam o mesmo, levando a uma eventual quebra da Zona do Euro, causando enormes custos políticos e econômicos para a região. (EICHENGREEN, 2007) Dessa forma, estudar a dívida espanhola e sua relação com as políticas macroeconômicas atuais se torna imprescindível para tentar prever os possíveis cenários e o desenrolar da crise Europeia, que pode ter efeitos econômicos negativos em todo o mundo. 9 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Teorias sobre a Crise da Dívida Pública As teorias a respeito da atual crise da dívida Europeia são várias, sendo uma das principais a ideia de que os governos periféricos da Europa estão com problemas pois não tiverem disciplina para manter um orçamento equilibrado conforme o tratado de ‘Crescimento e Estabilidade’ de 1998. (WEIDMANN,2011). Em outras palavras os governos periféricos gastaram demasiadamente no período pré-crise, e agora o único remédio disponível é implementar reformas fiscais para consolidar o orçamento público através de corte de gastos, em uma tentativa de restaurar a confiança do mercado financeiro nos títulos desses países (ISSING, 2009). Entretanto, uma análise preliminar das dívidas públicas e déficits fiscais dos países europeus mostram que países como a Espanha possuíam dívida pública baixa e superávit fiscal até o começo da crise, em 2007, mas os mercados continuavam a precificar um risco de moratória maior a cada dia, com as disparadas das taxas de juros dos títulos de 10 anos espanhóis. Esse aparente paradoxo identificado por (DE GRAUWE, 2011) e (STEFAN COLLIGNON, 2012), contrapõe a ideia de Weidman, uma vez que países como Inglaterra, Estados Unidos e Japão, que possuem relação dívida PIB e déficits fiscais superiores ao da Espanha possuem uma das menores taxas de juros de sua história em títulos de 10 anos, enquanto os juros dos títulos espanhóis aumentam a cada dia. Outra teoria a respeito da crise é de que ela é resultado de um choque de liquidez (CHACKO et al. 2011) em uma classe de ativos, impactando o balanço dos bancos negativamente, que ficam sob estresse e cortam ainda mais a liquidez dos mercados, dessa forma, existe a possibilidade de múltiplos equilíbrios no mercado de títulos de um país que está em uma união monetária, uma vez que ele emite dívida em uma moeda que não tem controle (DE GRAUWE, 2011). Isso significa que o principal problema da Espanha está no seu sistema financeiro, que além ter problemas com a alta inadimplência de empréstimos imobiliários, tem sofrido estresse também nos ativos que eram considerados de baixo risco, como os títulos públicos da Espanha e de outros países periféricos. Se a crise Grega já teve um forte impacto negativo na economia mundial, uma eventual explosão da crise espanhola ameaçaria a continuidade do próprio Euro e poderia gerar crises financeiras não só na Europa como em todo o mundo, devido ao tamanho e 10 relevância da economia Espanhola. É consenso que um dos problemas dessa crise é o contágio para o resto dos países do bloco Europeu devido a alta integração financeira entre bancos da Zona do Euro. Essa integração faz com que o aumento nos yields dos títulos gregos e espanhóis se espalhe para os demais títulos públicos dos países da Zona do Euro. O problema é que os bancos Europeus são os maiores detentores de títulos dos países periféricos. Assim a alta dos yields desses países geram uma queda significativa nos ativos dos bancos de toda a região, e não apenas dos bancos dos países periféricos. Dessa forma, caso a disparada dos yields governamentais continuem, haveria poucas soluções para os problemas bancários, uma delas seria uma repetição da crise de 2008, só que dessa vez com os bancos Europeus se tornando insolventes como aconteceu com os bancos Americanos em 2008, uma solução indesejada devido aos graves impactos negativos que gerariam na economia mundial. Outra solução seria o Banco Central Europeu comprar, no mercado secundário, os títulos soberanos dos países com problemas, o que evitaria que os bancos se tornassem insolventes ao mesmo tempo que também ajudaria os Governos Centrais a terem maior espaço para manejar suas políticas públicas. O ECB anunciou as tecnicalidades do programa de compra de títulos públicos no mercado secundário (OMT – Outright Monetary Transactions) em setembro de 2012: As announced on 2 August 2012, the Governing Council of the European Central Bank (ECB) has today taken decisions on a number of technical features regarding the Eurosystem’s outright transactions in secondary sovereign bond markets that aim at safeguarding an appropriate monetary policy transmission and the singleness of the monetary policy. These will be known as Outright Monetary Transactions (OMTs) [...]. (EUROPEAN CENTRAL BANK, Press Release 06/09/2013) Após o anúncio do programa ilimitado de compras de títulos governamentais por parte do ECB, compras essas que serão 100% esterilizadas em outras partes do sistema financeiro com o intuito de evitar um aumento da base monetária e pressões inflacionárias em outras partes do bloco, a pressão nos mercados de títulos governamentais diminuiu, trazendo os yields para patamares anteriores a crise. Entretanto os problemas econômicos por trás da crise continuam, o programa do ECB apenas reduziu a possibilidade de ocorrência do múltiplo equilíbrio nos mercados secundários de títulos governamentais de países que fazem parte de uma união monetária. 11 2.2 Múltiplos Equilíbrios no Mercado de Títulos Públicos Paul De Grauwe2 em seu paper de 2011, The Governance of a Fragile Eurozone, estuda e analisa a crise da dívida pública de alguns países europeus com o intuito de formular uma nova estrutura de governança para as instituições da Zona do Euro. Em seu estudo da crise da dívida pública o autor identificou e analisou a possibilidade de múltiplos equilíbrios no mercado de títulos soberanos de países que fazem parte de uma união monetária, de forma que esses países ao emitir dívida em uma moeda que não possuem mais controle ficam vulneráveis as mudanças e variações dos mercados financeiros e a possibilidade de múltiplos equilíbrios auto realizáveis (self-fulfilling multiple equilibria). De Grauwe inicia a discussão de seu paper identificando um paradoxo existente entre o Reino Unido e a Espanha, onde, o Reino Unido apesar de ter uma dívida pública, como percentual do PIB, superior ao da Espanha, e com trajetória ascendente maior que da Espanha, desfrutava de baixas taxas de juros nos títulos governamentais enquanto a Espanha possuía as taxas de juros em seus maiores patamares desde a criação do Euro. Para o autor, esse paradoxo é resultante do fato de que a Espanha faz parte de uma união monetária, e não possui controle sobre a moeda que emite dívida, enquanto o Reino Unido, ao não fazer parte de uma união monetária, tem total controle sobre a moeda que emite suas dívidas públicas. Para explicitar esse argumento, o autor apresenta um modelo teórico simples e descreve também os mecanismos de ajustes do Reino Unido e Espanha quando investidores começam a ter expectativas de que os governos desses países podem ficar insolventes e começam a vender os títulos governamentais desses países. Em ambos os países a venda de títulos governamentais levam a um aumento das taxas de juros, entretanto a partir daí, os mecanismos de ajustes são diferentes. No Reino Unido, que possui moeda própria e câmbio flutuante, a venda dos títulos normalmente levará a uma desvalorização da libra, com a fuga dos investidores do país, entretanto o dinheiro permanece dentro da economia para ser reinvestido, ao menos em parte, em títulos governamentais, de forma que o estoque de moeda da economia britânica não se altera. Mesmo que o dinheiro não voltasse para os títulos governamentais e o governo do Reino Unido não conseguisse os fundos necessários para rolar sua dívida, ele pode forçar o Banco da Inglaterra (BoE) a comprar os títulos governamentais, garantido que exista a liquidez necessária para financiar suas dívidas e evitando assim que 2 Paul de Grauwe é economista da universidade de Leuven, na Bélgica, e do Centro de Estudos de Políticas Europeias (The Centre for European Policy Studies – CEPS). 12 investidores possam precipitar uma crise de liquidez e o eventual calote do governo do Reino Unido. No caso da Espanha, ou de um país em uma união monetária, após a venda dos títulos governamentais por parte dos investidores grande parte desses euros migrarão para os países centrais do bloco econômico, como a Alemanha. Como resultado os euros saem do sistema bancários local pois não existe moeda própria e câmbio para evitar o processo, dessa forma o estoque de moeda e a liquidez na economia espanhola diminui, fazendo com que o governo espanhol tenha dificuldades em conseguir fundos para rolar suas dívidas, aumentando as taxas de juros e iniciando uma crise de liquidez. Além disso, o governo espanhol não pode obrigar o Banco Central Europeu (ECB) a comprar os títulos governamentais e prover a liquidez necessária, uma vez que não tem controle direto sob essa instituição. Caso a crise de liquidez seja forte o suficiente, ela pode levar o país a ficar insolvente, uma vez que a falta de liquidez leva a um aumento das taxas de juros, o que por sua vez faz com que a probabilidade de insolvência do país aumente devido ao maior custo que irá incorrer em seus financiamentos. Members of monetary union are very susceptible to liquidity moviments. When investors fear some payment difficulty (e.g. triggered by a recession that leads to an increase in the government budget deficit), liquidity is withdrawn from the national market (a “sudden stop”). This can set in motion a devilish interaction between liquidity and solvency crises. Once a member country gets entangled in a liquidity crisis, interest rates are pushed up. Thus the liquidity crisis turns into a solvency crisis. Investors can then claim that it was right to pull out the money from a particular market. It is a self-fulfilling prophecy: the country has become insolvent because investors fear insolvency. (De Grauwe, 2011, p.7) A possibilidade de equilíbrios auto realizáveis e múltiplos equilíbrios no mercado de títulos governamentais geram também, de acordo com De Grauwe, outros dois problemas para a economia que faz parte de uma união monetária. A venda dos títulos governamentais faz com que as taxas de juros desses títulos aumentam, e consequentemente que seus preços diminuam. Como os bancos locais são normalmente os maiores detentores desses títulos essa disparada dos juros levam a perdas e prejuízos nos balanços dos bancos, que são reconhecidas imediatamente devido as políticas de marcação a mercado dos ativos (mark-to-market). Além disso, com a diminuição do estoque de moeda da economia os bancos começam a ter dificuldades a captar recursos, e começam a ter que pagar altas taxas de juros para rolar seus depósitos. Dessa forma, a crise de liquidez iniciada no mercado de títulos governamentais de um país pode levar a uma crise bancária, devido a queda nos preços de ativos e dificuldades de se obter financiamentos. 13 Outro problema que é gerado devido à existência de equilíbrios auto realizáveis no mercado de títulos governamentais é de que os países membros de uma união monetária não conseguem utilizar estabilizadores automáticos da política fiscal (automatic budget stabilizers), como auxilio desemprego ou pacotes de estimulo fiscal, e ficam sem espaço para utilizar-se de manobras fiscais para incentivar suas economias no curto prazo, uma vez que a crise de liquidez e a disparada dos juros faz com que esses países sejam forçados a implementar austeridade fiscal e cortes em seus orçamentos durante uma recessão, exacerbando a crise econômica. Em países que possuem moeda própria e câmbio flutuante essa interação entre vendas de títulos e fuga do país ativa um mecanismo estabilizador, a desvalorização do câmbio, o que ajuda a incentivar a economia local e a gerar um pouco de inflação. This interaction between liquidity and solvency is avoided in the “stand-alone” country, where the liquidity is bottled up in the national money markets (there is no “sudden stop”), and where attempts to export it to other markets sets in motion and equilibrating mechanism, produced by the depreciation of the currency. Thus, paradoxically, distrust leads to and equilibrating mechanism in the UK, and to a potentially disequilibrating mechanism in Spain. (De Grauwe, 2011, p.8) Uma das principais críticas as ideias de De Grauwe, são de que a compra de títulos por parte dos bancos centrais de países que possuem moeda própria e a desvalorização da moeda poderia levar a altas taxas de inflação, gerando enormes custos para a economia. Enquanto isso é uma possibilidade, essas ideias podem não ser diretamente aplicáveis a países que passaram por estouro de crises imobiliárias e estão no que é conhecido como liquidity trap. Diferentes estudos a cerca de países sob liquidity trap, realizados por economistas como Richard Koo, Paul Krugman e Gauti Eggertson, tem mostrado que países nessas condições fizeram aumentos improcedentes em suas bases monetárias, sem gerar inflação, como é o caso do Japão na década de 90 e atualmente nos Estados Unidos, que aumentou sua base monetária em quase quatro vezes, desde 2009, mas a inflação americana continua abaixo do centro da meta de 2%. Além disso, o estudo de Eggertson e Krugman, “Debt, Deleveraging and the Liquidity Trap: A Fisher-Minsky-Koo approach” de 2010, demonstra através de modelos microeconômicos formais que uma inflação moderada por alguns anos ajuda os países que sofreram bolhas imobiliárias a desalavancar, enquanto uma baixa inflação ou deflação faz com que seja extremamente custoso e difícil o processo de desalavancagem dos agentes econômicos do país. Dessa forma, enquanto a crítica a ideia de compras de títulos 14 governamentais por parte de bancos centrais é válida, ela não parece se aplicar a países que recentemente passaram por bolhas imobiliárias e financeiras e se encontram e um processo de desalavancagem, como é o caso de grande parte das economias desenvolvidas atualmente e da Espanha. 15 3 METODOLOGIA Para analisar a dívida pública espanhola no período citado será usado o mesmo modelo de decomposição de dívida pública utilizado pelo relatório do World Bank, “Public Debt and Its Determinants in Market Access Countries” (2005). Esse modelo considera que a que a variação da dívida pública, em relação ao PIB, de um período para o outro pode ser atribuído a 5 fatores: i) Resultado fiscal primário do governo ii) Crescimento real da economia iii) taxa de juros média real sobre os títulos do governo iv) Taxa de câmbio real v) Outros fatores (obtido pela variação da dívida em relação ao PIB menos a soma dos fatores de i a iv) Dessa forma, a equação básica do modelo de decomposição da dívida pública espanhola será: ∆𝑑𝑡 = 𝑝𝑑𝑡 𝑔 𝑑 (1 + 𝑔) 𝑡 𝑑𝑡 1 𝑖 𝜋 𝛼(𝜋 𝜋) (1 + 𝑔) 1 + 𝜋 1 + 𝜋 (1 + 𝜋)(1 + 𝜋 ) 𝑅𝑋𝑅 𝑑𝑡 1 𝛼 + 𝑜𝑡ℎ𝑒𝑟𝑓𝑎𝑐𝑡𝑜𝑟𝑠 (1 + 𝜋 )(1 + 𝑅𝑋𝑅) (1 + 𝑔) 1 + onde: ⁄ ⁄ ⁄ ⁄ ( ) ⁄ g – Crescimento real do PIB (descontado a inflação do período) π – taxa de inflação doméstica π 16 RXR – mudança na taxa de câmbio real, com RXR > 0 indicando uma apreciação real da ( taxa de câmbio, definida como: ( α= ) ( )( ) ( ( ) ) ) A equação final de decomposição da dívida pública vem da equação básica abaixo, e sua derivação, que foi transcrita no Anexo I, foi retirada do Apêndice um, página 124, do relatório do World Bank (2005). ( ) ( 𝑖 ) 𝑒 ( 𝑖 ) Segundo essa equação, a divida pública total é uma composição de 3 fatores , o déficit primário fiscal do governo, descontado outras formas de financiamento como privatizações, a dívida denominada em moeda local, que evolui de acordo com a taxa de juros nominal média local e a dívida denominada em moeda estrangeira que evolui de acordo com a taxa de câmbio e a taxa de juros nominal sobre a divida estrangeira. Esse modelo pode ainda ser alterado para levar em conta possíveis indexações da dívida pública a outras variáveis como câmbio, inflação e juros. Dessa forma o modelo mais geral seria: ∆𝑑 (𝑝𝑑 𝑑𝑓𝑠 ) 𝛼 ( 𝑔 ( 𝑔) 𝑑 𝑑 ( 𝑔) 𝑅𝑋𝑅 𝑑 𝜋 )( 𝑅𝑋𝑅) ( 𝑔) ( 𝜋 [ 𝜋 𝜋 ( 𝜋) 𝛼(𝜋 𝜋) ] ( 𝜋)( 𝜋 ) 𝜋 𝑑 𝜋) 𝑔 Onde: 𝑖 𝑖 ( ) 𝑖 ( 𝜋) 𝑖 ( ) 𝑖 ( ) Definindo “w” e “α” como a fração das varias categorias de dívida pública em relação a dívida pública total: 𝑑 𝑑 ⁄ 𝑑 ⁄ 𝑑 ⁄ 𝑑 ⁄ ⁄ 𝑑 𝑑 𝑑 𝑑 𝛼 𝑑 𝛼 17 dFX = dívida pública indexada a moeda estrangeira, em relação ao PIB dπ = dívida pública indexada a inflação, em relação ao PIB dINT = dívida pública indexada a taxa de juros a em relação ao PIB dREG = dívida pública não indexada em relação ao PIB iFX = taxa de juros nominal de dívidas indexadas a Moeda estrangeira iπ = taxa de juros nominal de dívidas indexadas a inflação iINT = taxa de juros nominal de dívidas indexadas a taxas de juros (Juros pós iREG = taxa de juros nominal de dívidas regular. (juros pré fixados) fxados) 18 4 ANÁLISE E MODELO DA DÍVIDA PÚBLICA 4.1 Tendências e Análise Descritiva da Dívida Pública Espanhola Dentre as cinco maiores economias da Europa (Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Espanha) a Espanha foi o país que possuía os melhores indicadores dos resultados fiscais do governo durante o período antecedente a crise financeira mundial (2002-2007). O País possuía o menor déficit fiscal como proporção do PIB, e chegou a ter superávit nominal superior a 2% do PIB entre 2004 e 2007 e relação dívida pública como percentual do PIB declinante, chegando atingir o nível de 36.3% do PIB em 2007, o menor nível entre as cinco principais economias europeias e uma das menores do mundo. Devido a esses números a Espanha era considerada um exemplo de responsabilidade fiscal para outros países até o inicio da crise financeira. Figura 1 – Evolução da Dívida Pública (% do PIB) 130% 120% 110% 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 2002 2003 Alemanha Fonte: Eurostats 2004 2005 2006 Reino Unido 2007 2008 França 2009 2010 Itália 2011 2012 Espanha 19 Figura 2 – Superávit Nominal (% do PIB) 3% 2% 1% 0% -1% -2% -3% -4% -5% -6% -7% -8% -9% -10% -11% -12% 2002 2003 2004 Alemanha 2005 2006 Reino Unido 2007 2008 França 2009 Itália 2010 2011 Espanha Fonte: Eurostats Em 2008, com o estouro da crise econômica e a quebra do Banco de Investimentos americano Lehman Brohters, a situação fiscal da Espanha se inverteu abruptamente. O governo espanhol que antes possuía um superávit fiscal passou a rodar fortes déficits fiscais nominais, chegando a máxima de 11.2% do PIB em 2009. Essa inversão do resultado fiscal fez com que a dívida pública de espanhol aumentasse de 36.3% do PIB em 2007 para atuais 84.2% (132% de crescimento em 5 anos). Apesar da forte disparada da dívida pública em relação ao PIB, a Espanha ainda possui uma das menores relações dívida/PIB dentro as economias citadas. Essa inversão de resultado fiscal fez com que a Espanha tivesse um déficit público médio em relação ao PIB, no período de 2002 a 2012, de 3.7%, superior a média da Zona do Euro de 3.2%. Entretanto, quando se analisa a relação Dívida Pública/PIB médio do período a Espanha possui o menor valor, em 52.4%. Figura 3 – Dívida Pública e Déficit Públicos Médios (% do PIB) 5.3% 110.7% 4.2% 68.5% 71.5% 70.8% 56.6% 52.4% Dívida Pública/PIB (Média 2002 - 2012) Fonte: Eurostats 3.6% 3.2% 2.2% Déficit Público/PIB (Média 2002-2012) 3.7% 20 Entre 2002 e 2007, a dívida pública espanhola em relação ao PIB declinou a uma taxa média composta anual de 7.15% (CAGR00-07 = -7.15) e o superávit fiscal primário médio do mesmo período ficou em 2.8% ao ano. Após a crise financeira essas duas tendências se inverteram drasticamente. A dívida pública espanhola passou a aumentar a um CAGR07-12 de 18.3% e o resultado fiscal primário do governo se inverteu passando apresentando um déficit primário médio para o período pós crise financeira de 6.9% ao ano. Figura 4 – Evolução da Dívida Pública Espanhola 100% -3.8% -2.5% -3.1% -3.5% -3.4% 3.9% 13.7% 7.6% 7.8% 14.9% 90% 0 84.2% -1000 80% 69.3% 70% -2000 61.5% 60% 52.6% 50% 53.9% 48.8% 46.3% -3000 43.2% 40% 39.7% 36.3% 40.2% -4000 30% 20% -5000 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Dívida Publica/PIB 2008 2009 2010 2011 2012 Variação Anual da Dívida Pública Fonte: Eurostats Figura 5 – Evolução do Resultado Fiscal Primário do Governo Espanhol 4% 4.0% 2.5% 2% 3.1% 2.0% 3.5% 1.9% 0% -2% -2.9% -4% -6% -8% -7.7% -10% -7.0% -7.7% -9.4% -12% 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Superávit (Déficit) Fiscal Primario/PIB Fonte: Eurostats 2010 2011 2012 21 Junto com o aumento do déficit fiscal e da dívida pública houve também uma ligeira deterioração no prazo médio da dívida espanhola, que foi de 6.85 anos em 2007 para 6.35 anos em 2012 (redução de 7.3%). O perfil de amortização da dívida do governo central espanhol está concentrada no curto para médio prazo, até 2016 cerca de 48% da dívida existente deverá ser amortizada, o que significa que o governo espanhol terá que quitar cerca de 350 bilhões de Euros nos próximos 4 anos, ou rolar a dívida com a emissão de novos títulos, a estratégia mais comum para governos, fazendo com que o acesso ao mercado de capitais internacionais e locais seja essencial para o governo central espanhol manter sua estabilidade fiscal. Figura 6 – Prazo Média da Dívida Pública do Governo Central Espanhol 7.50 1.7% 1.8% 7.1% 1.2% 7.00 2.1% -3.8% 2.8% -1.7% -2.5% 6.62 6.59 6.44 6.50 5.98 6.08 0 -100 6.85 6.71 6.63 6.00 -2.3% 6.51 6.35 -200 6.19 -300 5.50 -400 5.00 -500 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Prazo Média da Dívida Pública do Governo Central (Anos) Fonte: Tesoro Público – Gobierno de España 2010 2011 2012 Variação Anual 22 Figura 7 – Perfil de Amortização da Dívida do Governo Central Espanhol 900 15% 11% 12% 10% 6% 5% 5% 5% 3% 24% 3% 800.0 800 0 100% 120% 177.1 739.9 -100 100% 700.0 700 600.0 600 500.0 500 45.8 400 400.0 - 25.7 80% -200 60% -300 90.7 40% 108.2 200 200.0 0 38.9 24.1 73.0 300 300.0 100 100.0 37.6 38.0 -400 20% 80.9 2013 1 2014 2015 2016 2017 2018 2 3 4 5 6 2019 7 Amortização (Bilhões de Euros) 2020 8 2021 9 2022 10 -500 0% 2023 Total 11 12 a 2041 Percentual da Dívida Total Fonte: Tesoro Público – Gobierno de España A dívida do Governo central espanhol tem quase que sua totalidade concentrada em moeda local (Euros). Utilizando-se a proporção entre dívidas em moeda local e estrangeira do governo central, e extrapolando essa mesma proporção para dívidas de governos estaduais e municipais, tem-se, que atualmente menos de 0.3% da dívida espanhola (em relação ao PIB) está atrelada a outras moedas. Figura 8 – Dívida Pública Espanhola por Moeda Local e Estrangeira (% do PIB) 90% 0.3% 80% 0.6% 70% 60% 0.7% 1.8% 50% 0.7% 1.4% 1.0% 0.8% 40% 30% 52.6% 20% 48.8% 46.2% 0.5% 0.4% 0.6% 84.1% 53.9% 43.2% 39.7% 36.3% 40.2% 2005 2006 2007 2008 61.3% 69.1% 10% 0% 2002 2003 2004 Dívida em Moeda Local (% do PIB) Fonte: Tesoro Público – Gobierno de España 2009 2010 2011 Dívida em Moeda Estrangeira (% do PIB) 2012 23 Além da baixa exposição a moedas estrangeiras da dívida governamental, o Tesouro Espanhol tem como política utilizar-se de derivativos cambiais (Swap Agreements) com instituições financeiras para eliminar completamente sua exposição a moedas estrangeiras, que se concentram atualmente, em Dólares, Yen e Libras. Figura 9 – Exposição da Dívida Pública a Moedas Estrangeiras Pré and Pós Swap Agreements (% da dívida em moeda estrangeira - 30/06/2013) Exposição Pré-Swap Agreements Exposição Pós-Swap Agreements 10.5% 20.8% 68.7% 100.0% Dólar Yen Libra Fonte: Tesoro Público – Gobierno de España Euro 24 4.2 Modelo de Decomposição da Dívida Pública O modelo original para a análise de decomposição da dívida pública é: ∆𝑑𝑡 = 𝑝𝑑𝑡 𝑔 𝑑 (1 + 𝑔) 𝑡 𝑑𝑡 1 𝑖 𝜋 𝛼(𝜋 𝜋) (1 + 𝑔) 1 + 𝜋 1 + 𝜋 (1 + 𝜋)(1 + 𝜋 ) 𝑅𝑋𝑅 𝑑𝑡 1 𝛼 + 𝑜𝑡ℎ𝑒𝑟𝑓𝑎𝑐𝑡𝑜𝑟𝑠 (1 + 𝜋 )(1 + 𝑅𝑋𝑅) (1 + 𝑔) 1 + Devido ao baixo percentual de dívidas atreladas a moeda estrangeira e a política do Tesouro espanhol de utilizar-se de derivativos para zerar suas exposições cambiais, o modelo de decomposição da dívida foi calibrado de forma a retirar o impacto de variação cambial sobre a dívida pública. Os títulos públicos espanhóis possuem taxas fixas, e portanto a dívida também não apresenta indexação a juros ou outros índices. Dessa forma, o valor de α (proporção entre dívidas em moeda estrangeira e moeda local) na equação acima é igual a zero, de forma que o modelo final de decomposição da dívida pública se reduz a seguinte equação: ∆𝑑 𝑝𝑑 𝑔 ( 𝑔) 𝑑 𝑑 ( 𝜋 𝑔) 𝜋 𝜋 𝑜𝑡ℎ𝑒𝑟𝑓𝑎𝑐𝑡𝑜𝑟𝑠 Os resultados da decomposição da dívida pública foram divididos em dois subperíodos. O período de 2002 a 2007, que foi marcado por um forte crescimento da economia espanhola e redução da dívida pública/PIB , e o período que vai de 2008 a 2012, após o estouro da crise financeira e imobiliária nos países desenvolvidos, que foi marcado por um aumento do déficit e dívida pública e baixo crescimento econômico. Entre 2002 e 2012, o déficit primário acumulado do período foi o principal responsável pelo aumento da dívida pública espanhola, seguido pela taxa de juros, segundo o modelo de decomposição da dívida pública abaixo. O crescimento real do PIB teve um efeito mitigante e ajudou na diminuição da dívida pública. No subperíodo de 2002 a 2007, nota-se que os fortes superávits primários e crescimento econômicos pujante da Espanha contribuíram para uma forte queda da dívida pública. No período pós-crise financeira a relação se inverteu baixo crescimento da economia e os fortes déficits primários do governo contribuíram significativamente para o aumento da dívida pública. 25 Outros Fatores foram de baixa relevância no período 2002-2007, mostrando um bom ajuste para o modelo de decomposição da dívida pública. No período de 2008 a 2012 esse campo se tornou importante, mostrando um pior ajuste do modelo, e se deve provavelmente a repasses da União Europeia para salvamento dos bancos e ajuda financeira (Bail-out). Tabela 1 – Decomposição da Dívida Pública Espanhola (Percentual do PIB) Variação da Dívida Pública Déficit Primário (Superávit) Crescimento Real do PIB Taxa de Juros Média Outros Fatores 2002-2012 2002-2007 2008-2012 32% 20% -5% 7% 10% -16% -15% -8% 3% 3% 48% 35% 2% 4% 7% Fontes: Eurostats, BCE, Tesoro Público – Gobierno de España Figura 10 – Dinâmica da dívida pública espanhola entre 2002 e 200123 16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% -2% -4% -6% -8% 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Déficit Primário Crescimento Real do PIB Taxa de Juros Média Outros Fatores 2011 2012 Variação Anual da Dívida Pública Fontes: Eurostats, BCE, Tesoro Público – Gobierno de España 3 Cada coluna no gráfico representa a contribuição de cada fator na variação da dívida pública anual em percentual do PIB. Valores acima de zero indicam uma contribuição positiva ao crescimento da dívida pública e vice-versa. 26 4.3 Análises Econômica e Histórica da Espanha entre 2002 e 2012 A análise histórica e econômica da Espanha foi dividida entre três sub grupos, (i) atividade econômica, (ii) Situação Fiscal do Governo Espanhol, (iii) Juros da Dívida Pública Espanhola, de forma a melhorar a organização do estudo e melhorar a relação com o modelo de decomposição da dívida pública espanhola. 4.3.1 Atividade Econômica Durante o período de 2002 a 2007 a economia espanhola apresentou um forte crescimento real do PIB (média de 3.5% ao ano), e consequentemente da renda interna da população. O PIB per capita foi de aproximadamente 22 mil euros para 24 mil euros, um crescimento de 9% no período. Figura 11 – PIB per Capita da Espanha 25,000 1.4% 1.6% 1.9% 2.5% 1.6% -0.7% -4.4% -0.6% 0.3% -1.5% 0 24,500 24,000 -100 23,500 23,000 -200 22,500 22,000 -300 21,500 21,000 -400 20,500 20,000 -500 2002 2003 2004 2005 2006 2007 PIB per Capita (Euros) 2008 2009 2010 2011 2012 Variação Percentual Fonte: FMI O crescimento econômico do período foi fruto em grande parte da criação do Euro, que gerou uma maior confiança do restante da Europa para os países periféricos e consequentemente um maior influxo de dinheiro vindo dos países centrais, principalmente da Alemanha, para países periféricos como a Espanha, ajudando a expandir o crédito e baixar a taxa de juros locais, impulsionando a economia e os investimentos. Essa relação pode ser 27 visto através das altas taxas de investimento em relação a poupança nacional e no déficit em conta corrente resultante desse movimento de capitais (média espanhola de 2002 a 2007 do déficit em conta corrente como percentual do PIB de 6.4%). Figura 12 – Evolução da Taxa de Investimento e Poupança da Espanha 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Investimentos Totais (% do PIB) 2008 2009 2010 2011 2012 Poupança Nacional (% do PIB) Fonte: FMI Figura 13 – Evolução da Conta Corrente (% do PIB) 8% 6% 4% 2% 0% -2% 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 -4% -6% -8% -10% Conta Corrente - Espanhola Fonte: FMI Conta Corrente - Alemã 2011 2012 28 A forte expansão do crédito e investimentos foi direcionada em sua maioria para o setor imobiliário espanhol, tanto na construção de imóveis como no financiamento da família espanhola para aquisição de imóveis residenciais. Essa forte expansão do crédito fez com que a alavancagem da família espanhola fosse de 60% do PIB para aproximadamente 90% do PIB. Figura 14 – Evolução do Endividamento da Família Espanhola 100% 95% 90% 85% 80% 75% 70% 65% 60% 55% 50% 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Dívida da Família Espanhola (% do PIB) Fonte: FRED – Federal Reserve Economic Data O estoque de crédito para consumo mais do que dobrou no período de 2002 a 2008, indo de aproximadamente 50 bilhões de euros para quase 110 bilhões de euros, aumentando a demanda interna e contribuindo para o forte crescimento da economia. Figura 15 – Evolução do Estoque Espanhol de Crédito para Consumo 110 100 90 80 70 60 50 40 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Estoque de Crédito para Consumo (Bilhões de Euros) Fonte: Banco Central Europeu 2012 2013 29 Nesse mesmo período, enquanto o estoque de crédito para consumo aumentou um pouco mais de 100%, o estoque de crédito imobiliário saiu de aproximadamente 250 bilhões de euros para mais de 650 bilhões de euros , um aumento superior a 160% em apenas 5 anos. Figura 16 – Evolução do Estoque Espanhol de Crédito Imobiliário 700 650 600 550 500 450 400 350 300 250 200 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Estoque de Crédito Imobiliário (Bilhões de Euros) Fonte: Banco Central Europeu - BCE Com a grande disponibilidade de crédito para compra de imóveis, os investimentos em construção aumentaram 57% de 2002 a 2007, indo de 140 milhões de metros quadrados construídos por ano, para mais de 220 milhões de metros quadrados construídos por ano. Figura 17 – Evolução da Construção Imobiliária Espanhola 240 220 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Construção Total ( Milhões de M2) Fonte: Instituto Nacional de Estadistica 2010 2011 2012 30 O forte aumento na oferta de imóveis não foi suficiente para fazer frente a grande demanda e especulação por imóveis na Espanha, de forma que os preços nominais do metro quadrada saíram de aproximadamente mil euros para mais de 2000 euros, um aumento de aproximadamente 100% em cinco anos. Figura 18 – Evolução do Preço Nominal do M2 na Espanha 2,200 2,100 2,000 1,900 1,800 1,700 1,600 1,500 1,400 1,300 1,200 1,100 1,000 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Preço Nominal do M2 (Euros) Fonte: Instituto Nacional de Estadistica O preço real de imóveis teve um aumento superior a 170% no período antecedente a crise financeira mundial. Quando se analisa a proporção entre preço de imóveis e renda média da população e preço de imóveis em relação ao preço de aluguéis, e se compara com a média histórica (1975-2013 = 100) desses índices, pode-se notar que os preços dos imóveis na Espanha destoaram dos fundamentos econômicos, e eram frutos de uma alta especulação no setor imobiliário, fomentado pela expansão do crédito, baixas taxas de juros e forte crescimento econômico. 31 Figura 19 – Evolução de Índices do Setor Imobiliário 170 150 130 110 90 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Preço Real de Imóveis (2002 = 100) Preço Real de Imóveis / Aluguéis (Média 1975-2013 = 100) Fontes: Instituto Nacional de Estadistica, The Economist Esse conjunto de alto fluxo de divisas para a Espanha, forte expansão do crédito e baixa taxas de juros em conjunto com os altos investimentos e consumo da população fez com que a economia operasse acima de seu PIB potencial por vários anos 4, entre 2002 e 2007, ajudando a gerar uma inflação acima do bloco econômico, e principalmente da Alemanha, o que a desalinhou os custos internos espanhóis em relação aos do restante da zona do euro, fazendo com que o crescimento dos custos reais de trabalho na Espanha fosse muito superior ao da Alemanha e da Zona do Euro. Figura 20 – Evolução do Gap entre PIB Potencial e Corrente e Crescimento do PIB (%) 5% 4% 3% 2% 1% 0% -1% 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 -2% -3% -4% -5% Output Gap (Percentual do PIB Potencial) Fonte: FMI 4 Estimativas do FMI Crescimento Real do PIB 2012 32 Figura 21 – Evolução das Taxas de Inflação (% a.a.) 5% 4% 3% 2% 1% 0% 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2011 2012 -1% Inflação Espanhola Inflação Alemã Diferencial de Inflação Espanha - Alemanha Fonte: FMI Figura 22 – Crescimento Real do Custo de Trabalho (% a.a.) 5% 4% 3% 2% 1% 0% -1% 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 -2% -3% Real Labor Cost Unit Growth (Zona do Euro) Real Labor Cost Unit Growth (Espanha) Fonte: FMI Real Labor Cost Unit Growth (Alemanha) 33 Com o estouro da bolha imobiliária Americana e a crise financeira que se sucedeu nos países desenvolvidos em 2008, o fluxo de capitais dos países centrais da Europa para a periferia se reverteram. A bolha imobiliária espanhola não sofreu o mesmo estouro que a bolha americana, entretanto a forte reversão dos fluxos de capitais e das expectativas econômicas gerou uma retração no crédito para consumo, uma vez que esse tipo de crédito costuma ser de menor prazo, e uma paralização na concessão de crédito para o setor imobiliário mas não uma redução no estoque de crédito imobiliário, uma vez que são instrumentos de crédito de prazos longos, de forma que a bolha imobiliária espanhola desinflou, ainda que sem o mesmo caos financeiro gerado no estouro da bolha americana, e é em grande parte, a causa dos problemas econômicos do país e da alta dívida pública. Com a diminuição do consumo na economia, devido a menor crédito e expectativa econômica, os investimentos no país também diminuíram, levando a Espanha a uma recessão econômica após 2008, e apesar da queda do PIB em termos anuais ter diminuído o país ainda está com um gap entre o PIB atual e o potencial da ordem de 4.5%. A queda na demanda por imóveis fez com que os seus preços caíssem em torno de 35% de 2008 a 2013, deixando diversas famílias essencialmente em falência, uma vez que o preço de seus imóveis ficou inferior a valor de suas dívidas. Com o aumento do desemprego e a queda na renda, a família espanhola começou a ter dificuldades em pagar suas dívidas, causando severos problemas financeiros nos bancos espanhóis. Apesar dos imóveis servirem como garantia para os empréstimos realizados, em sua grande maioria, o valor dos imóveis é inferior ao valor da dívida, de forma que os bancos possuem grande exposição ao setor imobiliário e sem garantias reais suficientes para protegerse contra perdas, fazendo com que o setor bancário espanhol ficasse basicamente insolvente, e o governo tivesse que realizar um bail-out. Entretanto, enquanto os bancos não executarem as dívidas e colocarem os imóveis a venda, as perdas não são reconhecidas nos balanços dos bancos, de forma que uma grande parte dos empréstimos imobiliários ainda existentes são considerados de qualidade duvidosa e dificilmente serão repagos em sua totalidade, e os bancos possuem poucos incentivos a limparem seus balanços, pois uma forte liquidação de imóveis diminuirá ainda mais os preços dos imóveis, aumentando suas perdas. Dessa forma os bancos espanhóis podem estar como são conhecidos em termo coloquial de “zumbis”, não foram à falência em sua totalidade, mas sabem que existem enormes perdas a serem reconhecidas e com isso diminuem ainda mais sua concessão de crédito, exacerbando a contração econômica e postergando um eventual, mas necessário, ajuste, a espera de que a economia volte a crescer para saírem da “falência”. 34 4.3.2 Situação Fiscal do Governo Espanhol Até o estouro da crise imobiliária e financeira em 2007/08 o governo espanhol possuía os melhores indicadores fiscais dentre as cinco maiores economias do continente europeu, rodando superávits primários e nominais e tendo uma das mais baixas relação dívida/PIB da zona do euro. Com a forte contração da atividade econômica no pós crise, as medidas de redução de tributos para estimular a economia local e com a queda nos preços dos ativos locais, as receitas do governo declinaram fortemente, indo de 41% do PIB em 2007 para aproximadamente 36% em 2011 e 2012. Em conjunto com a queda na arrecadação, o governo central se viu obrigado a aumentar seus gastos para auxiliar a economia, aumentando de 39% para quase 47% do PIB, o que fez com que o governo tivesse um déficit nominal superior a 10% ao ano em 2009. Figura 23 – Evolução das Contas do Governo Espanhol 50% 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% -5% 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 -10% -15% Gasto Total (% do PIB) Receita Total (% do PIB) Déficit Nominal (% do PIB) Fonte: Eurostats Grande parte dos aumentos de gastos do governo central espanhol se deveu a aumento nos benefícios de seguridade social, como seguro desemprego, que tiveram elevação superior a 30% no período. Auxílio a estados e municípios, que não possuem a mesma capacidade de financiamento que o governo central aumentou em mais de 25%. Os gastos com funcionários, apesar de terem aumentado em 2009 e 2010 devido a pacotes de investimentos para estimular 35 a economia, estão se retraindo e voltando aos níveis originais por causa das atuais políticas de austeridade fiscal. 4.3.3 Juros da Dívida Pública Espanhola Durante o período de 2010 a 2012, a crise da zona do euro começou a se desenrolando nos mercados secundários de títulos públicos de diversos países, iniciando-se na Grécia, e depois contagiando diversos outros países como a Espanha, causando uma forte elevação dos yields dos títulos desses países e do Credit Default Swap (CDS) uns instrumento derivativo utilizado como seguro contra inadimplência de títulos, e que também serve como medida da percepção da probabilidade de moratório do governo por parte dos mercados. Figura 24 – Evolução dos Yields e CDS dos Títulos do Governo Espanhol 8.0% 7.5% 7.0% 6.5% 6.0% 5.5% 5.0% 4.5% 4.0% 3.5% 3.0% 2.5% 2.0% 1.5% 1.0% 0.5% 0.0% 2010 2011 Yield dos Títulos de 3 Meses - Espanha 2012 Yield dos Títulos de 10 Anos - Espanha CDS de Títulos de 5 anos - Espanha Fonte: Bloomberg Apesar da disparada dos juros no período citado, no modelo de decomposição da dívida os juros não tiveram um grande impacto no aumento da dívida pública espanhola, isso se deve ao fato de que os títulos espanhóis são pré-fixados, e as disparadas do yields aconteceram nos mercados secundários, de forma que o aumento desses juros apenas impactam a dívida do governo espanhol e seu custo de financiamento à medida que os títulos governamentais maturem e o governo central tenha que emitir novas dívidas. Como o prazo médio da dívida espanhola está em torno de seis anos, apenas se os juros disparassem e se mantivessem elevados por quase seis anos, o governo espanhol começaria a pagar 36 efetivamente os altos yields que foram observados entre 2010 e 2012 na totalidade de sua dívida. Isso não quer dizer que a disparada dos yields dos títulos governamentais não tenham impacto econômico na região. Como os bancos europeus são os maiores detentores dos títulos dos governos periféricos, a disparada dos yields faz com que os títulos percam valor, impactando negativamente os balanços dos bancos europeus e gerando adicionais prejuízos. Como as instituições financeiras locais são normalmente os maiores detentores dos títulos governamentais, no caso espanhol essa disparada dos títulos começou a deixar os bancos em situação ainda mais problemática, uma vez que grande parte de suas classes de ativos (crédito imobiliário) já geraram prejuízos ou irão gerar prejuízos quando os bancos reconheceram as perdas. Diferentemente do crédito imobiliário, os títulos governamentais possuem mercado secundário com alta liquidez e esses títulos são marcados nos balanços dos Bancos a valor de mercado (mark-to-market) de forma que a disparada dos yields causa perdas para os bancos que devem ser reconhecidas imediatamente, dificultando ainda mais a situação das instituições financeiras europeias e espanholas e as deixando em situação ainda mais delicada. Figura 25 – Principais Detentores de Títulos do Governo Espanhol 45% 40% 36.2% 36.4% 34.8% 35% 35.5% 30% 25% 20% 15% 14.8% 14.2% 14.0% 14.0% 10% 5% 0% 2011 2012 Instituições Bancárias Locais Outras Instuitções Financeiras Locais Não Residentes da Espanha Outros Fonte: Tesoro Público – Gobierno de España 37 5 IMPACTO DAS POLÍTICAS MACROECÔNOMICAS SOBRE A DÍVIDA PÚBLICA ESPANHOLA 5.1 Austeridade Fiscal A principal política macroeconômica que está sendo implementada na Espanha e nos países periféricos com problemas no mercado secundário de dívida governamental é a austeridade fiscal, que tinha como objetivo reduzir o déficit público e aumentar a confiança nas economias locais, o que deveria acabar com a crise e fomentar o crescimento econômico. Entretanto, na situação atual da Espanha, essa política não tem ajudado a reduzir o déficit público e a especulação no mercado de títulos, e o crescimento econômico também não se acelerou como era previsto por defensores dessa política. A diminuição dos gastos governamentais tem impacto negativo no crescimento econômico do país, diminuindo os investimentos, a renda disponível para a população e aumentando o desemprego que já se encontra em níveis recordes, além de aumentar a quantidade de pessoas em situação miséria do país devido aos cortes em programas sociais. Figura 26 – Evolução de Indicadores Sociais 32% 30% 28% 26% 24% 22% 20% 18% 16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Taxa de Desemprego Taxa de Desemprego de Longo Prazo Percentual da População em Situação de Miséria Fonte: Eurostats 2011 2012 38 Com a queda na atividade econômica e na renda do país, torna-se mais difícil para as famílias espanholas quitarem suas dívidas e diminuírem sua alavancagem, o que por consequência gera maior impacto negativo no sistema financeiro, que são os principais problemas da economia espanhola (EGGERTSSON; KRUGMAN, 2010). A menor atividade econômica faz também com que a arrecadação do governo diminua (KOO, 2009), o que faz com que a cada euro que o governo central espanhol corte em gastos, menos de um euro será diminuído da dívida governamental. Essa política também não é eficiente para resolver o problema do desalinhamento de custos espanhóis em relação à Alemanha e o restante dos países centrais, resultante do período de boom da economia espanhola entre 2002 e 2007. Para realinhar os custos da Espanha com o restante do bloco deve haver um diferencial de inflação entre Espanha e Alemanha negativo, de forma que a Espanha tenha taxas de inflação inferior a da Alemanha. Entretanto como a Alemanha se nega a ter inflações mais altas a alternativa é a Espanha ter deflação, o que demora anos para acontecer devido à rigidez na queda de preços, ao mesmo tempo em que agrava os problemas sociais, devido à necessidade de forte queda na atividade econômica e aumento do desemprego, ao mesmo tempo em que piora a situação de alavancagem da população espanhola, uma vez que a queda de preços significará um menor salário disponível para a população e menor preço de imóveis enquanto a dívida é determinada em termos nominais, de forma que a família espanhola terá ativos e rendas menores para pagar a mesma dívida (EGGERTSSON; KRUGMAN, 2010), exacerbando novamente os problemas do mercado financeiro espanhol. Os defensores das políticas de austeridade fiscal, por parte da Espanha e países periféricos, argumentam que o estímulo ao crescimento econômico poderia não ser utilizado para reduzir a dívida dos países, e com isso, tornar a trajetória da dívida pública dos países explosiva, o que poderia gerar outros problemas econômicos e financeiros graves. Entretanto, a política de austeridade fiscal não está sendo efetiva na diminuição da dívida pública e já gera hoje fortes problemas sociais e econômicos nos países periféricos. Uma forma de evitar esse problema seria de estimular o crescimento econômico em todo o bloco (que atualmente se encontra estagnado), de forma a evitar que apenas algum países se endividem para estimular crescimento ao mesmo tempo em que ajudará a aumentar o comércio entre os países e gerar benefícios econômicos em todo o bloco. 39 4.2 Políticas do Banco Central Europeu Após o estouro da crise financeira, o Banco Central Europeu (BCE), reduziu as taxas básicas de juros da economia para 0,5% ao ano, com o intuito de estimular as economia da região do Euro e ajudar o sistema financeiro local. Apesar disso, em abril de 2011, o BCE começou novamente um processo de aperto monetário devido a pressões dos países centrais, principalmente da Alemanha, que não haviam tido problemas financeiros e bolhas imobiliárias no começo da década e estavam com suas economias aquecidas e inflação se acelerando. Entretanto, os países periféricos ainda necessitavam do forte afrouxamento monetário, e o diferencial de inflação entre Alemanha e a periferia ajudaria em um dos ajustes do continente europeu, que é o alto déficit em conta corrente dos países periféricos e forte superávit em conta corrente alemão. Após essa ação do BCE, começou o aumento nos títulos de longo prazo das economias periféricas, uma vez que o aumento dos juros básicos deveria normalmente levar a um aumento dos yields de longo prazo e em conjunto com os problemas econômicos desses países começou-se uma especulação nos mercados de títulos secundários, com investidores vendendo os títulos desses países e fugindo para as nações centrais, como a Alemanha. Isso fez com que os spreads entre títulos espanhóis e alemães disparassem, bem como o CDS de 5 anos dos títulos espanhóis, gerando o impacto negativo já descrito anteriormente no sistema financeiro europeu. Figura 27 – Evolução do CDS e Spread entre Títulos Governamentais Espanhóis e Alemães 6.5% 6.0% 5.5% 5.0% 4.5% 4.0% 3.5% 3.0% 2.5% 2.0% 1.5% 1.0% 0.5% 0.0% -0.5%2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Spread nas Taxas de Juros entre Titulos Espanhóis e Alemães de 3 Meses Spread nas Taxas de Juros entre Titulos Espanhóis e Alemães de 10 Anos CDS de Títulos de 5 anos - Espanha Fonte: Bloomberg 2013 40 Em novembro de 2011 o então presidente do BCE Jean-Claude Trichet saiu do comando do BCE e foi substituído por Mario Draghi. Com a troca no comando do BCE houve também uma troca na política monetária do Banco Central Europeu. Draghi voltou a baixar as taxas de juros básicas para 0,5% a.a. com o intuito de fomentar o crescimento das economias e tentar reverter a dispara dos títulos dos países periféricos. Entretanto apenas a diminuição dos juros não foi suficiente para evitar a disparada dos yields, devido à possibilidade de múltiplos equilíbrios no mercado de títulos de um país que faz parte de uma união monetária (DE GRAUWE, 2011), fazendo-se necessário a intervenção direta do BCE nos mercados secundários de dívidas para acabar com a disparada dos yields. Após anúncios de pequenos pacotes de compra de títulos soberanos no mercado secundário de alguns países, em 06 de setembro de 2012, Mario Draghi anuncio que o BCE iria introduzir um programa ilimitado de compras de títulos de dívidas públicas (“Outright monetary transctions - OMT”) de países com estresse no mercado de títulos, com o intuito de evitar a fragmentação da zona do euro e normalizar a conduta da política monetária por toda a região do Euro e a normalizar os mercados de títulos Espanhóis e Italianos. Após o anúncio de compras ilimitados dos títulos dos países, os juros, o CDS e os spreads nos juros entre Espanha e Alemanha declinaram consideravelmente e estão praticamente no mesmo nível de antes da disparada dos yields no fim de 2011. Figura 27 – Evolução dos Yields dos Títulos Governamentais Espanhóis 7.5% 7.0% 6.5% 6.0% 5.5% 5.0% 4.5% 4.0% 3.5% 3.0% 2.5% 2.0% 1.5% 1.0% 0.5% 0.0% 2002 Anúncio do OMT 2003 2004 2005 2006 2007 Yield dos Títulos de 3 Meses - Espanha Yield dos Títulos de 5 Anos - Espanha Fonte: Bloomberg 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Yield dos Títulos de 10 Anos - Espanha 41 Figura 28 – Evolução do CDS e Spread entre Títulos Governamentais Espanhóis e Alemães 6.5% 6.0% 5.5% 5.0% 4.5% 4.0% 3.5% 3.0% 2.5% 2.0% 1.5% 1.0% 0.5% 0.0% -0.5%2002 Anúncio do OMT 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Spread nas Taxas de Juros entre Titulos Espanhóis e Alemães de 3 Meses Spread nas Taxas de Juros entre Titulos Espanhóis e Alemães de 10 Anos CDS de Títulos de 5 anos - Espanha Fonte: Bloomberg Apesar do OMT ter diminuído consideravelmente os yields dos títulos governamentais, o CDS e os spreads entre juros da Espanha e da Alemanha, o programa do BCE não resolve os principais problemas econômicos da Espanha, como a alta alavancagem dos consumidores, o baixo crescimento econômico, alto desemprego, o desalinhamento de custos em relação aos países centrais e principalmente um sistema financeiro praticamente insolvente. Entretanto o BCE não possui espaço para políticas que impactem esses problemas, cabe agora aos líderes governamentais utilizar o tempo que lhes foi dado pelo BCE para realizar os ajustes econômicos necessários ao bloco, como uma maior integração da supervisão bancária, realinhamento dos custos e relancear as contas correntes, deslavancagem dos países periféricos e estímulos ao crescimento. 42 6 CONCLUSÃO O aumento da dívida espanhola em relação ao PIB, no período de 2008 a 2012 é decorrente em grande parte do aumento do déficit governamental e do baixo crescimento econômico. Entretanto, o aumento do déficit e o baixo crescimento, e por consequência o aumento da dívida, são decorrentes do estouro da bolha imobiliária e creditícia que a Espanha sofreu no período imediatamente anterior (2002-2007), e não a causa da crise. O Governo espanhol não foi irresponsável financeiramente, como foi alegada por alguns estudiosos (WEIDMANN, 2011), pois o governo Espanhol possuía uma baixa alavancagem e superávit nominal no período imediatamente anterior ao estouro da bolha imobiliária. Após o início da crise o governo se viu obrigado a implementar gastos para suportar a economia ao mesmo tempo em que viu suas receitas declinarem drasticamente, gerando um forte déficit fiscal. A queda do PIB ajudou ainda a aumentar drasticamente a relação dívida/PIB entre 2008 e 2012. Dessa forma, a dívida pública espanhola é uma consequência de outros problemas macroeconômicos, principalmente da bolha imobiliária, que gerou alta alavancagem das famílias espanholas e um excesso do estoque de imóveis, e ao desinflar gerou um sistema financeiro insolvente, e outros problemas estruturais, como o déficit em conta corrente oriundo do desalinhamento de preços entre o país e o restante do bloco, o que por sua vez impactam negativamente a atividade econômica do país, gerando aumento de desemprego e da dívida pública. Dessa forma, apenas focar no corte de gastos não resolverá a situação e pode inclusive piorar a crise espanhola, uma vez que o corte de gastos tem impacto negativo sobre as variáveis que estão causando os problemas econômicos da Espanha e o aumento da dívida. O programa de compra de títulos soberanos introduzido pelo BCE ajudou a reduzir as tensões financeiras e a ganhar tempo para que a Espanha e outros países da zona do euro possam implementar os ajustes necessários em suas economias. Uma volta a políticas de incentivo ao crescimento e a redução da austeridade fiscal no bloco econômico faria com que os ajustes macroeconômicos necessários gerassem menos problemas e tensões sociais na Zona do Euro, fazendo com que os ajustes econômicos sejam mais suaves e de menor impacto na qualidade de vida da população europeia. 43 7 REFERÊNCIAS BALDWIN, R.; WYPLOSZ, C.; The Economics of European Integration. 3rd edition 2009 WORLD BANK, T. ; Public Debt and Its Determinants in Market Access Countries. 2005 BLANCHARD, O. J.; KATZ, L. F.; Regional Evolutions. Brookings paper on Economic activity, 1:1992. BBC NEWS; ECB’s Mario Draghi unveils bond-buying euro debt plan, 06/09/2012. Disponível em: < http://www.bbc.co.uk/news/business-19499950> Acesso em:22/11/2012. COLLIGNON, S. Europe’s Debt Crisis, Coordination Failure, and International Effects. ADBI Working Paper Series No. 370. 2012 CHACKO, G.; C. L. EVANS; H. GUNAWAN; A. SJÖMAN.; The Global Economic System - How Liquidity Shocks Affect Financial Institutions and Lead to Economic Crises. Pearson FT Press. 2011 DE GRAUWE, P. ; The Governance of a Fragile Eurozone. CEPS working Document No.346. 2011 DELONG, J. B.; SUMMERS, L. H.; Fiscal Policy in a Depressed Economy. 2012 DELONG, J. B.; Spending cuts to improve confidence? No, the arithmetic goes the wrong way. VoxEU. (2012) Disponível em <http://www.voxeu.org/article/spending-cuts-improveconfidence-no-arithmetic-goes-wrong-way>. Acesso em: 27 Set. 2012. EICHENGREEN, B.; The Breakup of the Euro Area. NBER WORKING PAPER 13393. 2007 EGGERTSSON, G. B.; KRUGMAN, P ; Debt, Deleveraging and the Liquidity Trap: A Fisher-Minsky-Koo approach. 2010 44 EUROPEAN CENTRAL BANK; Technical features of Outright Monetary Transactions, 06/09/2012. Disponível em: <http://www.ecb.europa.eu/press/pr/date/2012/html/pr120906_1 .en.html > Acesso em: 16/09/2013 FISCAL MONITOR; As Downside Risks Rise, Fiscal Policy Has To Walk a Narrow Path. FMI. (2012) Disponível em <http://www.imf.org/external/pubs/ft/fm/2012/update/01/pdf/0112.pdf> Acesso em: Acesso em: 25 Set. 2012. ISSING, O.; Why a Common Eurozone Bond Isn’t Such a Good Idea. Europe’s World. Summer 2009. KRUGMAN; OBSTFELD; MELITZ; International Economics. 9th edition. 2012 KOO, R. C.; The Holy Grail of Macroeconomics: Lessons from Japan's Great Recession. Wiley, 1 edition. 2009 KRUGMAN, P.; Europe’s Austerity Madness. New York Times. (2012) Disponível em <http://www.nytimes.com/2012/09/28/opinion/krugman-europes-austerity-madness.html>. Acesso em:27 Set. 2012. WEIDMANN, J.; Managing Macroprudential and Monetary Policy—A Challenge for Central Banks. Speech in Berlin on 8 November 2011. Deutsche Bundesbank. 2011 45 8 ANEXO A seção abaixo foi retirada e transcrita do Appendix 1: Derivation of Debt Decomposition Dynamics, do relatório do World Bank, “Public Debt and Its Determinants in Market Access Countries” (2005), páginas 124 a 127, que possui o intuito de demonstrar a derivação e detalhar o modelo de decomposição da dívida pública utilizada neste estudo. 16. Appendix 1: Derivation of Debt Decompositon Dynamics The following section provides a detailed description of the methodology used for decomposing debt dynamics. Section 17.1 lists the variables and their definitions used in the debt decomposition. Section 17.2 outlines the basic debt decomposition equation and Section 17.2 augments the basic equation to account for the debt indexation. 16.1 Set of variables: 16.2 Basic Framework for Decomposition of Debt Dynamics: The underlying equation for the evolution of public debt is: 46 where Dt-1 is the total stock of debt at time t-1, and PB is the primary deficit. The debt stock is composed of debts denominated in both domestic as well as foreign currencies. Domesticcurrency debt (Dd,t-1) evolves according to the interest rate in the market (id), while the evolution of the foreign-currency debt (Df,t-1), expressed in domestic currency, is affected not just by the foreign interest rate (𝑖 ) but also by changes in the exchange rate (et). Dividing both sides by ( 𝑔)( 𝜋) and defining lower case variables as upper-case variables expressed as a proportion of GDP, we get: 47 Substituting (5) into (4) gives the basic accounting framework for public debt decomposition: Equation (6) provides the decomposition of the dynamics of debt to GDP ratio. The equation separates different channels that contribute to the evolution of the debt to GDP ratio: (i) primary deficit; (ii) non-debt financing sources; (iii) real growth effect; (iv) interest rate effect; (v) and real exchange rate effect. 16.3 Debt Dynamics with Domestic Debt Indexation Consider three categories of indexed domestic debt: foreign currency-, inflation-, or interest rate – indexed. Denote 𝑑 the regular non-indexed domestic debt, and 𝑑 , 𝑑 , and 𝑑 the indexed domestic debt in percent of GDP, respectively. Denote 𝑖 ,𝑖 , 𝑖 , 𝑖 as the interest rates on the non-indexed and indexed domestic debts, respectively. Equation (1) can then be modified to incorporate the domestic debt indexation as follows. Define w’s and α as the shares of various categories of debt in total debt, that is, Now redefine the implicit average interest rate on public debt as follows 48 Practically, iˆ is calculated as the ratio of interest payment divided by previous period stock of public debt. Subtracting 𝑑 from both sides of equation (7) yields Applying equation (5) again, with some rearrangement of the terms, yields the following accounting framework for debt decomposition with the domestic debt indexation. Obviously, without domestic debt indexation, equation (9) reduces to equation (6). Equation (9) provides a more detailed decomposition of the dynamics of debt to GDP ratio into different channels: (i) primary deficit; (ii) non-debt financing sources; (iii) real GDP growth effect; (iv) real interest rate effect; (v) real exchange rate effect, and (vi)debt indexation. (WORLD BANK, 2005, p.124-127).