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Insper Instituto de Ensino e Pesquisa
Faculdade de Economia e Administração
Daniel Rubinich Costa
ANÁLISE DA DÍVIDA PÚBLICA ESPANHOLA E SUA
RELAÇÃO COM AS RECENTES POLÍTICAS
MACROECONÔMICAS
São Paulo
2013
Daniel Rubinich Costa
Análise da dívida pública espanhola e sua relação com as recentes
políticas macroeconômicas
Monografia apresentada ao curso de Ciências
Econômicas, como requisito parcial para obtenção
do grau de Bacharel do Insper Instituto de Ensino e
Pesquisa.
Orientadora:
Prof.ª Dr.ª Vitoria Cristina Cardoso Saddi – Insper
São Paulo
2013
Rubinich, Daniel
Análise da dívida pública espanhola e sua relação com as
recentes políticas macroeconômicas / Daniel Rubinich Costa. –
São Paulo: Insper, 2013.
48 f.
Monografia: Faculdade de Economia e Administração. Insper
Instituto de Ensino e Pesquisa.
Orientador: Prof.ª Dr.ª Vitoria Cristina Cardoso Saddi
1.Euro 2. Dívida Pública 3. Políticas Macroeconômicas
Daniel Rubinich Costa
Análise da dívida pública espanhola e sua relação com as recentes políticas
macroeconômicas
Monografia apresentada à Faculdade de
Economia do Insper, como parte dos requisitos
para conclusão do curso de graduação em
Economia.
Aprovado em Dezembro 2013
EXAMINADORES
___________________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Vitoria Cristina Cardoso Saddi
Orientadora
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. João Luis Mascolo
Examinador
Prof.ª Dr.ª Roberta Muramatsu
Examinadora
Resumo
RUBINICH, Daniel. Análise da dívida pública espanhola e sua relação com as recentes
políticas macroeconômicas. São Paulo, 2013. 43p. Monografia – Faculdade de Economia e
Administração. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa.
O objetivo da monografia foi de investigar a relação entre a dívida pública espanhola, as
políticas fiscais do governo espanhol e sua relação com a crise econômica e financeira do
país, que se iniciou em 2008. Através do modelo de decomposição da dívida pública e da
subsequente análise ecônomica do período de 2002 a 2012 da economia espanhola, foi
possível mostrar que o aumento da dívida pública espanhola e dos yields dos títulos
governamentais espanhóis não é consequência das políticas fiscais do governo espanhol mas
sim do estouro da bolha imobiliária e creditícia que ocorreu no périodo de 2002 a 2007, que
gerou os desequilíbrios e problemas econômicos e financeiros do país, como a alta
alavancagem das famílias espanholas, um sistema financeiro quase insolvente, baixíssimo
crescimento econômico e problemas de desalinhamento de custos com o restante do bloco. O
programa de compra de títulos soberanos por parte do BCE ajudou a ganhar tempo para os
ajustes ecônomicos necessários, entretanto a atual política de austeridade fiscal pouco
contribui para sanar os problemas ecônomicos e sociais do país e tem se mostrado pouco
eficiente na redução da dívida pública espanhola.
Palavras-chave: Euro, Crise, Dívida Pública, Políticas Macroeconômicas, Espanha.
Abstract
RUBINICH, Daniel. Analysis of the Spanish public debt and its relation to the recent
macroeconomic policies. São Paulo, 2013. 43p. Monograph – Faculdade de Economia e
Administração. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa.
The aim of this monograph was to investigate the relationship between the Spanish public
debt, the Spanish fiscal policies and its relationship with the current Spanish economic and
financial crises. Through the public debt decomposition model and the subsequent economic
analysis of the Spanish economy, between 2002 and 2012, it was possible to show that the
increase in the Spanish public debt and yields on government bonds are not the consequences
of the Spanish fiscal policies, but the consequences of a housing and credit bubble burst, that
occurred from 2002 to 2007, and generated the current economic and financial imbalances of
the country, such as as the high leverage of the Spanish families, a nearly insolvent financial
system, very low economic growth and costs misalignments with the rest of the block. The
ECB sovereign bond purchase program bought time for the necessary economic adjustments,
however, the current fiscal austerity policies does little to address the social and economic
problems of the country and is being inefficient so far in reducing the Spanish public debt
and its yields.
Keywords: Euro, Crises, Public Debt, Macroeconomic Policies, Spain.
Sumário
1 Introdução .............................................................................................................................. 7
2 Revisão de Literatura ............................................................................................................ 9
2.1 Teorias sobre a Crise da Dívida Pública ........................................................................ 9
2.2 Múltiplos Equilíbrios no Mercado de Títulos Públicos .............................................. 11
3 Metodologia .......................................................................................................................... 15
4 Análise e Modelo da Dívida Pública .................................................................................. 18
4.1 Tendências e Análise Descritiva da Dívida Pública Espanhola .................................. 18
4.2 Modelo de Decomposição da Dívida Pública ............................................................. 24
4.3 Análise Ecônomica e Histórica da Espanha entre 2002 e 2012 .................................. 26
4.3.1 Atividade Ecônomica ......................................................................................... 26
4.3.2 Situação Fiscal do Governo Espanhol ................................................................ 34
4.3.3 Juros da Dívida Pública Espanhola .................................................................... 35
5 Impacto das Políticas Macroeconômicas sobre a Dívida Pública Espanhola ................ 37
5.1 Austeridade Fiscal ....................................................................................................... 37
5.2 Políticas do Banco Central Europeu............................................................................ 39
6 Conclusão ............................................................................................................................. 42
7 Referências ........................................................................................................................... 43
8 Anexo .................................................................................................................................... 45
7
1 INTRODUÇÃO
A dívida pública de um país é um dos elementos centrais na determinação do
ambiente macroeconômico e nas decisões de investimentos privados. Com a atual crise da
Zona do Euro, a pior desde a sua criação em 2002, se desenrolando nos mercados de títulos
públicos de diversos países da periferia Europeia, o estudo da dívida pública se tornou ainda
mais importante para podermos explicar a situação vivenciada pela Europa e conseguirmos
fazer previsões a respeito do futuro da economia Europeia e mundial.
A crise europeia se iniciou no fim de 2009 com a disparada dos juros das dívidas
públicas Gregas devido ao medo de que a Grécia não seria capaz de quitar suas dívidas e
poderia ser forçada a uma moratória. Os problemas que a inicio pareciam isolados a Grécia
se espalharam rapidamente para outros países da periferia europeia que também estavam
passando por dificuldades econômicas, como Portugal, Irlanda, Itália e Espanha.
Existem algumas teorias para o motivo da crise1, e sabe-se também que apesar da
crise estar se desenrolando nos mercados de títulos públicos desses países e existirem fatores
em comum entre eles que levaram a crise, existem também peculiaridades e especificidades
nos problemas econômicos de cada país que os fizeram suscetíveis a essa crise e, portanto se
faz necessário uma análise individual de cada país com o intuito de entender melhor a relação
entre as causas da crise, os problemas no mercado de títulos públicos e como as políticas
econômicas implementadas afetam as variáveis que impactam a dívida pública.
Os custos sociais dessa crise também têm se mostrado cada vez mais elevados, de
acordo com a Eurostat, o site de estatísticas oficial da União Europeia, a Espanha tem hoje
desemprego geral superior a 25% e de 50% entre a população jovem, contra 15% de
desemprego geral e 37.8% entre a população jovem no ano de 2009. Passado três anos do
início das medidas macroeconômicas de austeridade fiscal, não houve melhora nesses
indicadores.
Caso as politicas atuais não sejam suficientes para impedir a disparada dos juros dos
títulos espanhóis e a uma diminuição dos custos sociais da crise a Espanha poderia ser levada
a uma saída da zona do Euro e a reintrodução da Peseta, o que causaria crise financeira e
bancária não só na Espanha, como em toda a região da união monetária (EICHENGREEN,
2007), isso pode levar a um efeito manada, onde outros membros da Zona do Euro, também
1
As duas teorias mais difundidas a respeito do motive da crise são: i) Orçamento público desequilibrados de
forma generalizada no periodo anterior a crise (2002-2007) e ii) Welfare State muito grande, como percentual da
economia, ou seja, gastos governamentais com objetivos sociais demasiadamente grande.
8
insatisfeitos com a situação econômica atual façam o mesmo, levando a uma eventual quebra
da Zona do Euro, causando enormes custos políticos e econômicos para a região.
(EICHENGREEN, 2007)
Dessa forma, estudar a dívida espanhola e sua relação com as políticas
macroeconômicas atuais se torna imprescindível para tentar prever os possíveis cenários e o
desenrolar da crise Europeia, que pode ter efeitos econômicos negativos em todo o mundo.
9
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Teorias sobre a Crise da Dívida Pública
As teorias a respeito da atual crise da dívida Europeia são várias, sendo uma das
principais a ideia de que os governos periféricos da Europa estão com problemas pois não
tiverem disciplina para manter um orçamento equilibrado conforme o tratado de
‘Crescimento e Estabilidade’ de 1998. (WEIDMANN,2011). Em outras palavras os
governos periféricos gastaram demasiadamente no período pré-crise, e agora o único
remédio disponível é implementar reformas fiscais para consolidar o orçamento público
através de corte de gastos, em uma tentativa de restaurar a confiança do mercado financeiro
nos títulos desses países (ISSING, 2009).
Entretanto, uma análise preliminar das dívidas públicas e déficits fiscais dos países
europeus mostram que países como a Espanha possuíam dívida pública baixa e superávit
fiscal até o começo da crise, em 2007, mas os mercados continuavam a precificar um risco
de moratória maior a cada dia, com as disparadas das taxas de juros dos títulos de 10 anos
espanhóis. Esse aparente paradoxo identificado por (DE GRAUWE, 2011) e (STEFAN
COLLIGNON, 2012), contrapõe a ideia de Weidman, uma vez que países como Inglaterra,
Estados Unidos e Japão, que possuem relação dívida PIB e déficits fiscais superiores ao da
Espanha possuem uma das menores taxas de juros de sua história em títulos de 10 anos,
enquanto os juros dos títulos espanhóis aumentam a cada dia.
Outra teoria a respeito da crise é de que ela é resultado de um choque de liquidez
(CHACKO et al. 2011) em uma classe de ativos, impactando o balanço dos bancos
negativamente, que ficam sob estresse e cortam ainda mais a liquidez dos mercados, dessa
forma, existe a possibilidade de múltiplos equilíbrios no mercado de títulos de um país que
está em uma união monetária, uma vez que ele emite dívida em uma moeda que não tem
controle (DE GRAUWE, 2011). Isso significa que o principal problema da Espanha está no
seu sistema financeiro, que além ter problemas com a alta inadimplência de empréstimos
imobiliários, tem sofrido estresse também nos ativos que eram considerados de baixo risco,
como os títulos públicos da Espanha e de outros países periféricos.
Se a crise Grega já teve um forte impacto negativo na economia mundial, uma
eventual explosão da crise espanhola ameaçaria a continuidade do próprio Euro e poderia
gerar crises financeiras não só na Europa como em todo o mundo, devido ao tamanho e
10
relevância da economia Espanhola. É consenso que um dos problemas dessa crise é o
contágio para o resto dos países do bloco Europeu devido a alta integração financeira entre
bancos da Zona do Euro. Essa integração faz com que o aumento nos yields dos títulos
gregos e espanhóis se espalhe para os demais títulos públicos dos países da Zona do Euro.
O problema é que os bancos Europeus são os maiores detentores de títulos dos países
periféricos. Assim a alta dos yields desses países geram uma queda significativa nos ativos
dos bancos de toda a região, e não apenas dos bancos dos países periféricos. Dessa forma,
caso a disparada dos yields governamentais continuem, haveria poucas soluções para os
problemas bancários, uma delas seria uma repetição da crise de 2008, só que dessa vez com
os bancos Europeus se tornando insolventes como aconteceu com os bancos Americanos em
2008, uma solução indesejada devido aos graves impactos negativos que gerariam na
economia mundial. Outra solução seria o Banco Central Europeu comprar, no mercado
secundário, os títulos soberanos dos países com problemas, o que evitaria que os bancos se
tornassem insolventes ao mesmo tempo que também ajudaria os Governos Centrais a terem
maior espaço para manejar suas políticas públicas. O ECB anunciou as tecnicalidades do
programa de compra de títulos públicos no mercado secundário (OMT – Outright Monetary
Transactions) em setembro de 2012:
As announced on 2 August 2012, the Governing Council of the European Central Bank (ECB)
has today taken decisions on a number of technical features regarding the Eurosystem’s
outright transactions in secondary sovereign bond markets that aim at safeguarding an
appropriate monetary policy transmission and the singleness of the monetary policy. These will
be known as Outright Monetary Transactions (OMTs) [...]. (EUROPEAN CENTRAL BANK,
Press Release 06/09/2013)
Após o anúncio do programa ilimitado de compras de títulos governamentais por parte
do ECB, compras essas que serão 100% esterilizadas em outras partes do sistema financeiro
com o intuito de evitar um aumento da base monetária e pressões inflacionárias em outras
partes do bloco, a pressão nos mercados de títulos governamentais diminuiu, trazendo os
yields para patamares anteriores a crise. Entretanto os problemas econômicos por trás da crise
continuam, o programa do ECB apenas reduziu a possibilidade de ocorrência do múltiplo
equilíbrio nos mercados secundários de títulos governamentais de países que fazem parte de
uma união monetária.
11
2.2 Múltiplos Equilíbrios no Mercado de Títulos Públicos
Paul De Grauwe2 em seu paper de 2011, The Governance of a Fragile Eurozone,
estuda e analisa a crise da dívida pública de alguns países europeus com o intuito de formular
uma nova estrutura de governança para as instituições da Zona do Euro. Em seu estudo da
crise da dívida pública o autor identificou e analisou a possibilidade de múltiplos equilíbrios
no mercado de títulos soberanos de países que fazem parte de uma união monetária, de forma
que esses países ao emitir dívida em uma moeda que não possuem mais controle ficam
vulneráveis as mudanças e variações dos mercados financeiros e a possibilidade de múltiplos
equilíbrios auto realizáveis (self-fulfilling multiple equilibria).
De Grauwe inicia a discussão de seu paper identificando um paradoxo existente entre
o Reino Unido e a Espanha, onde, o Reino Unido apesar de ter uma dívida pública, como
percentual do PIB, superior ao da Espanha, e com trajetória ascendente maior que da Espanha,
desfrutava de baixas taxas de juros nos títulos governamentais enquanto a Espanha possuía as
taxas de juros em seus maiores patamares desde a criação do Euro. Para o autor, esse
paradoxo é resultante do fato de que a Espanha faz parte de uma união monetária, e não
possui controle sobre a moeda que emite dívida, enquanto o Reino Unido, ao não fazer parte
de uma união monetária, tem total controle sobre a moeda que emite suas dívidas públicas.
Para explicitar esse argumento, o autor
apresenta um modelo teórico simples e
descreve também os mecanismos de ajustes do Reino Unido e Espanha quando investidores
começam a ter expectativas de que os governos desses países podem ficar insolventes e
começam a vender os títulos governamentais desses países. Em ambos os países a venda de
títulos governamentais levam a um aumento das taxas de juros, entretanto a partir daí, os
mecanismos de ajustes são diferentes. No Reino Unido, que possui moeda própria e câmbio
flutuante, a venda dos títulos normalmente levará a uma desvalorização da libra, com a fuga
dos investidores do país, entretanto o dinheiro permanece dentro da economia para ser
reinvestido, ao menos em parte, em títulos governamentais, de forma que o estoque de moeda
da economia britânica não se altera. Mesmo que o dinheiro não voltasse para os títulos
governamentais e o governo do Reino Unido não conseguisse os fundos necessários para rolar
sua dívida, ele pode forçar o Banco da Inglaterra (BoE) a comprar os títulos governamentais,
garantido que exista a liquidez necessária para financiar suas dívidas e evitando assim que
2
Paul de Grauwe é economista da universidade de Leuven, na Bélgica, e do Centro de Estudos de Políticas
Europeias (The Centre for European Policy Studies – CEPS).
12
investidores possam precipitar uma crise de liquidez e o eventual calote do governo do Reino
Unido. No caso da Espanha, ou de um país em uma união monetária, após a venda dos títulos
governamentais por parte dos investidores grande parte desses euros migrarão para os países
centrais do bloco econômico, como a Alemanha. Como resultado os euros saem do sistema
bancários local pois não existe moeda própria e câmbio para evitar o processo, dessa forma o
estoque de moeda e a liquidez na economia espanhola diminui, fazendo com que o governo
espanhol tenha dificuldades em conseguir fundos para rolar suas dívidas, aumentando as taxas
de juros e iniciando uma crise de liquidez. Além disso, o governo espanhol não pode obrigar o
Banco Central Europeu (ECB) a comprar os títulos governamentais e prover a liquidez
necessária, uma vez que não tem controle direto sob essa instituição. Caso a crise de liquidez
seja forte o suficiente, ela pode levar o país a ficar insolvente, uma vez que a falta de liquidez
leva a um aumento das taxas de juros, o que por sua vez faz com que a probabilidade de
insolvência do país aumente devido ao maior custo que irá incorrer em seus financiamentos.
Members of monetary union are very susceptible to liquidity moviments. When investors fear
some payment difficulty (e.g. triggered by a recession that leads to an increase in the
government budget deficit), liquidity is withdrawn from the national market (a “sudden stop”).
This can set in motion a devilish interaction between liquidity and solvency crises. Once a
member country gets entangled in a liquidity crisis, interest rates are pushed up. Thus the
liquidity crisis turns into a solvency crisis. Investors can then claim that it was right to pull out
the money from a particular market. It is a self-fulfilling prophecy: the country has become
insolvent because investors fear insolvency. (De Grauwe, 2011, p.7)
A possibilidade de equilíbrios auto realizáveis e múltiplos equilíbrios no mercado de
títulos governamentais geram também, de acordo com De Grauwe, outros dois problemas
para a economia que faz parte de uma união monetária.
A venda dos títulos governamentais faz com que as taxas de juros desses títulos
aumentam, e consequentemente que seus preços diminuam. Como os bancos locais são
normalmente os maiores detentores desses títulos essa disparada dos juros levam a perdas e
prejuízos nos balanços dos bancos, que são reconhecidas imediatamente devido as políticas de
marcação a mercado dos ativos (mark-to-market). Além disso, com a diminuição do estoque
de moeda da economia os bancos começam a ter dificuldades a captar recursos, e começam a
ter que pagar altas taxas de juros para rolar seus depósitos. Dessa forma, a crise de liquidez
iniciada no mercado de títulos governamentais de um país pode levar a uma crise bancária,
devido a queda nos preços de ativos e dificuldades de se obter financiamentos.
13
Outro problema que é gerado devido à existência de equilíbrios auto realizáveis no
mercado de títulos governamentais é de que os países membros de uma união monetária não
conseguem utilizar estabilizadores automáticos da política fiscal (automatic budget
stabilizers), como auxilio desemprego ou pacotes de estimulo fiscal, e ficam sem espaço para
utilizar-se de manobras fiscais para incentivar suas economias no curto prazo, uma vez que a
crise de liquidez e a disparada dos juros faz com que esses países sejam forçados a
implementar austeridade fiscal e cortes em seus orçamentos durante uma recessão,
exacerbando a crise econômica.
Em países que possuem moeda própria e câmbio flutuante essa interação entre vendas
de títulos e fuga do país ativa um mecanismo estabilizador, a desvalorização do câmbio, o que
ajuda a incentivar a economia local e a gerar um pouco de inflação.
This interaction between liquidity and solvency is avoided in the “stand-alone” country, where
the liquidity is bottled up in the national money markets (there is no “sudden stop”), and where
attempts to export it to other markets sets in motion and equilibrating mechanism, produced by
the depreciation of the currency. Thus, paradoxically, distrust leads to and equilibrating
mechanism in the UK, and to a potentially disequilibrating mechanism in Spain. (De Grauwe,
2011, p.8)
Uma das principais críticas as ideias de De Grauwe, são de que a compra de títulos por
parte dos bancos centrais de países que possuem moeda própria e a desvalorização da moeda
poderia levar a altas taxas de inflação, gerando enormes custos para a economia. Enquanto
isso é uma possibilidade, essas ideias podem não ser diretamente aplicáveis a países que
passaram por estouro de crises imobiliárias e estão no que é conhecido como liquidity trap.
Diferentes estudos a cerca de países sob liquidity trap, realizados por economistas como
Richard Koo, Paul Krugman e Gauti Eggertson, tem mostrado que países nessas condições
fizeram aumentos improcedentes em suas bases monetárias, sem gerar inflação, como é o caso
do Japão na década de 90 e atualmente nos Estados Unidos, que aumentou sua base monetária
em quase quatro vezes, desde 2009, mas a inflação americana continua abaixo do centro da
meta de 2%. Além disso, o estudo de Eggertson e Krugman, “Debt, Deleveraging and the
Liquidity Trap: A Fisher-Minsky-Koo approach” de 2010, demonstra através de modelos
microeconômicos formais que uma inflação moderada por alguns anos ajuda os países que
sofreram bolhas imobiliárias a desalavancar, enquanto uma baixa inflação ou deflação faz
com que seja extremamente custoso e difícil o processo de desalavancagem dos agentes
econômicos do país. Dessa forma, enquanto a crítica a ideia de compras de títulos
14
governamentais por parte de bancos centrais é válida, ela não parece se aplicar a países que
recentemente passaram por bolhas imobiliárias e financeiras e se encontram e um processo de
desalavancagem, como é o caso de grande parte das economias desenvolvidas atualmente e da
Espanha.
15
3 METODOLOGIA
Para analisar a dívida pública espanhola no período citado será usado o mesmo
modelo de decomposição de dívida pública utilizado pelo relatório do World Bank, “Public
Debt and Its Determinants in Market Access Countries” (2005). Esse modelo considera que a
que a variação da dívida pública, em relação ao PIB, de um período para o outro pode ser
atribuído a 5 fatores:
i)
Resultado fiscal primário do governo
ii)
Crescimento real da economia
iii)
taxa de juros média real sobre os títulos do governo
iv)
Taxa de câmbio real
v)
Outros fatores (obtido pela variação da dívida em relação ao PIB menos a soma
dos fatores de i a iv)
Dessa forma, a equação básica do modelo de decomposição da dívida pública
espanhola será:
∆𝑑𝑡 = 𝑝𝑑𝑡
𝑔
𝑑
(1 + 𝑔) 𝑡
𝑑𝑡 1
𝑖
𝜋
𝛼(𝜋
𝜋)
(1 + 𝑔) 1 + 𝜋 1 + 𝜋 (1 + 𝜋)(1 + 𝜋 )
𝑅𝑋𝑅
𝑑𝑡 1
𝛼
+ 𝑜𝑡ℎ𝑒𝑟𝑓𝑎𝑐𝑡𝑜𝑟𝑠
(1 + 𝜋 )(1 + 𝑅𝑋𝑅) (1 + 𝑔)
1
+
onde:
⁄
⁄
⁄
⁄
(
)
⁄
g – Crescimento real do PIB (descontado a inflação do período)
π – taxa de inflação doméstica
π
16
RXR – mudança na taxa de câmbio real, com RXR > 0 indicando uma apreciação real da
(
taxa de câmbio, definida como:
(
α=
)
(
)(
)
(
(
)
)
)
A equação final de decomposição da dívida pública vem da equação básica abaixo, e
sua derivação, que foi transcrita no Anexo I, foi retirada do Apêndice um, página 124, do
relatório do World Bank (2005).
(
)
(
𝑖 )
𝑒
(
𝑖 )
Segundo essa equação, a divida pública total é uma composição de 3 fatores , o déficit
primário fiscal do governo, descontado outras formas de financiamento como privatizações, a
dívida denominada em moeda local, que evolui de acordo com a taxa de juros nominal média
local e a dívida denominada em moeda estrangeira que evolui de acordo com a taxa de
câmbio e a taxa de juros nominal sobre a divida estrangeira.
Esse modelo pode ainda ser alterado para levar em conta possíveis indexações da
dívida pública a outras variáveis como câmbio, inflação e juros. Dessa forma o modelo mais
geral seria:
∆𝑑
(𝑝𝑑
𝑑𝑓𝑠 )
𝛼
(
𝑔
(
𝑔)
𝑑
𝑑
(
𝑔)
𝑅𝑋𝑅
𝑑
𝜋 )(
𝑅𝑋𝑅) (
𝑔)
(
𝜋
[
𝜋
𝜋
(
𝜋)
𝛼(𝜋
𝜋)
]
(
𝜋)(
𝜋 )
𝜋 𝑑
𝜋)
𝑔
Onde:
𝑖
𝑖 (
)
𝑖 (
𝜋)
𝑖
(
)
𝑖 (
)
Definindo “w” e “α” como a fração das varias categorias de dívida pública em relação a
dívida pública total:
𝑑
𝑑 ⁄
𝑑 ⁄
𝑑 ⁄
𝑑 ⁄
⁄
𝑑
𝑑
𝑑
𝑑 𝛼
𝑑
𝛼
17
dFX = dívida pública indexada a moeda estrangeira, em relação ao PIB
dπ = dívida pública indexada a inflação, em relação ao PIB
dINT = dívida pública indexada a taxa de juros a em relação ao PIB
dREG = dívida pública não indexada em relação ao PIB
iFX = taxa de juros nominal de dívidas indexadas a Moeda estrangeira
iπ = taxa de juros nominal de dívidas indexadas a inflação
iINT = taxa de juros nominal de dívidas indexadas a taxas de juros (Juros pós
iREG = taxa de juros nominal de dívidas regular. (juros pré
fixados)
fxados)
18
4 ANÁLISE E MODELO DA DÍVIDA PÚBLICA
4.1 Tendências e Análise Descritiva da Dívida Pública Espanhola
Dentre as cinco maiores economias da Europa (Alemanha, Reino Unido, França, Itália
e Espanha) a Espanha foi o país que possuía os melhores indicadores dos resultados fiscais do
governo durante o período antecedente a crise financeira mundial (2002-2007). O País
possuía o menor déficit fiscal como proporção do PIB, e chegou a ter superávit nominal
superior a 2% do PIB entre 2004 e 2007 e relação dívida pública como percentual do PIB
declinante, chegando atingir o nível de 36.3% do PIB em 2007, o menor nível entre as cinco
principais economias europeias e uma das menores do mundo. Devido a esses números a
Espanha era considerada um exemplo de responsabilidade fiscal para outros países até o
inicio da crise financeira.
Figura 1 – Evolução da Dívida Pública (% do PIB)
130%
120%
110%
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
2002
2003
Alemanha
Fonte: Eurostats
2004
2005
2006
Reino Unido
2007
2008
França
2009
2010
Itália
2011
2012
Espanha
19
Figura 2 – Superávit Nominal (% do PIB)
3%
2%
1%
0%
-1%
-2%
-3%
-4%
-5%
-6%
-7%
-8%
-9%
-10%
-11%
-12%
2002
2003
2004
Alemanha
2005
2006
Reino Unido
2007
2008
França
2009
Itália
2010
2011
Espanha
Fonte: Eurostats
Em 2008, com o estouro da crise econômica e a quebra do Banco de Investimentos
americano Lehman Brohters, a situação fiscal da Espanha se inverteu abruptamente. O
governo espanhol que antes possuía um superávit fiscal passou a rodar fortes déficits fiscais
nominais, chegando a máxima de 11.2% do PIB em 2009. Essa inversão do resultado fiscal
fez com que a dívida pública de espanhol aumentasse de 36.3% do PIB em 2007 para atuais
84.2% (132% de crescimento em 5 anos). Apesar da forte disparada da dívida pública em
relação ao PIB, a Espanha ainda possui uma das menores relações dívida/PIB dentro as
economias citadas. Essa inversão de resultado fiscal fez com que a Espanha tivesse um déficit
público médio em relação ao PIB, no período de 2002 a 2012, de 3.7%, superior a média da
Zona do Euro de 3.2%. Entretanto, quando se analisa a relação Dívida Pública/PIB médio do
período a Espanha possui o menor valor, em 52.4%.
Figura 3 – Dívida Pública e Déficit Públicos Médios (% do PIB)
5.3%
110.7%
4.2%
68.5%
71.5%
70.8%
56.6%
52.4%
Dívida Pública/PIB (Média 2002 - 2012)
Fonte: Eurostats
3.6%
3.2%
2.2%
Déficit Público/PIB (Média 2002-2012)
3.7%
20
Entre 2002 e 2007, a dívida pública espanhola em relação ao PIB declinou a uma taxa
média composta anual de 7.15% (CAGR00-07 = -7.15) e o superávit fiscal primário médio do
mesmo período ficou em 2.8% ao ano.
Após a crise financeira essas duas tendências se inverteram drasticamente. A dívida
pública espanhola passou a aumentar a um CAGR07-12 de 18.3% e o resultado fiscal primário
do governo se inverteu passando apresentando um déficit primário médio para o período pós
crise financeira de 6.9% ao ano.
Figura 4 – Evolução da Dívida Pública Espanhola
100%
-3.8% -2.5% -3.1% -3.5% -3.4%
3.9% 13.7% 7.6%
7.8% 14.9%
90%
0
84.2%
-1000
80%
69.3%
70%
-2000
61.5%
60%
52.6%
50%
53.9%
48.8%
46.3%
-3000
43.2%
40%
39.7%
36.3%
40.2%
-4000
30%
20%
-5000
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Dívida Publica/PIB
2008
2009
2010
2011
2012
Variação Anual da Dívida Pública
Fonte: Eurostats
Figura 5 – Evolução do Resultado Fiscal Primário do Governo Espanhol
4%
4.0%
2.5%
2%
3.1%
2.0%
3.5%
1.9%
0%
-2%
-2.9%
-4%
-6%
-8%
-7.7%
-10%
-7.0%
-7.7%
-9.4%
-12%
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Superávit (Déficit) Fiscal Primario/PIB
Fonte: Eurostats
2010
2011
2012
21
Junto com o aumento do déficit fiscal e da dívida pública houve também uma ligeira
deterioração no prazo médio da dívida espanhola, que foi de 6.85 anos em 2007 para 6.35
anos em 2012 (redução de 7.3%). O perfil de amortização da dívida do governo central
espanhol está concentrada no curto para médio prazo, até 2016 cerca de 48% da dívida
existente deverá ser amortizada, o que significa que o governo espanhol terá que quitar cerca
de 350 bilhões de Euros nos próximos 4 anos, ou rolar a dívida com a emissão de novos
títulos, a estratégia mais comum para governos, fazendo com que o acesso ao mercado de
capitais internacionais e locais seja essencial para o governo central espanhol manter sua
estabilidade fiscal.
Figura 6 – Prazo Média da Dívida Pública do Governo Central Espanhol
7.50
1.7%
1.8%
7.1%
1.2%
7.00
2.1%
-3.8%
2.8%
-1.7%
-2.5%
6.62
6.59
6.44
6.50
5.98
6.08
0
-100
6.85
6.71
6.63
6.00
-2.3%
6.51
6.35
-200
6.19
-300
5.50
-400
5.00
-500
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Prazo Média da Dívida Pública do Governo Central (Anos)
Fonte: Tesoro Público – Gobierno de España
2010
2011
2012
Variação Anual
22
Figura 7 – Perfil de Amortização da Dívida do Governo Central Espanhol
900
15%
11%
12%
10%
6%
5%
5%
5%
3%
24%
3%
800.0
800
0
100%
120%
177.1 739.9
-100
100%
700.0
700
600.0
600
500.0
500
45.8
400
400.0
-
25.7
80%
-200
60%
-300
90.7
40%
108.2
200
200.0
0
38.9
24.1
73.0
300
300.0
100
100.0
37.6
38.0
-400
20%
80.9
2013
1
2014
2015 2016 2017 2018
2
3
4
5
6
2019
7
Amortização (Bilhões de Euros)
2020
8
2021
9
2022
10
-500
0%
2023 Total
11
12
a 2041
Percentual da Dívida Total
Fonte: Tesoro Público – Gobierno de España
A dívida do Governo central espanhol tem quase que sua totalidade concentrada em
moeda local (Euros). Utilizando-se a proporção entre dívidas em moeda local e estrangeira do
governo central, e extrapolando essa mesma proporção para dívidas de governos estaduais e
municipais, tem-se, que atualmente menos de 0.3% da dívida espanhola (em relação ao PIB)
está atrelada a outras moedas.
Figura 8 – Dívida Pública Espanhola por Moeda Local e Estrangeira (% do PIB)
90%
0.3%
80%
0.6%
70%
60%
0.7%
1.8%
50%
0.7%
1.4%
1.0%
0.8%
40%
30%
52.6%
20%
48.8%
46.2%
0.5%
0.4%
0.6%
84.1%
53.9%
43.2%
39.7%
36.3%
40.2%
2005
2006
2007
2008
61.3%
69.1%
10%
0%
2002
2003
2004
Dívida em Moeda Local (% do PIB)
Fonte: Tesoro Público – Gobierno de España
2009
2010
2011
Dívida em Moeda Estrangeira (% do PIB)
2012
23
Além da baixa exposição a moedas estrangeiras da dívida governamental, o Tesouro
Espanhol tem como política utilizar-se de derivativos cambiais (Swap Agreements) com
instituições financeiras para eliminar completamente sua exposição a moedas estrangeiras,
que se concentram atualmente, em Dólares, Yen e Libras.
Figura 9 – Exposição da Dívida Pública a Moedas Estrangeiras Pré and Pós Swap
Agreements (% da dívida em moeda estrangeira - 30/06/2013)
Exposição Pré-Swap
Agreements
Exposição Pós-Swap
Agreements
10.5%
20.8%
68.7%
100.0%
Dólar
Yen
Libra
Fonte: Tesoro Público – Gobierno de España
Euro
24
4.2 Modelo de Decomposição da Dívida Pública
O modelo original para a análise de decomposição da dívida pública é:
∆𝑑𝑡 = 𝑝𝑑𝑡
𝑔
𝑑
(1 + 𝑔) 𝑡
𝑑𝑡 1
𝑖
𝜋
𝛼(𝜋
𝜋)
(1 + 𝑔) 1 + 𝜋 1 + 𝜋 (1 + 𝜋)(1 + 𝜋 )
𝑅𝑋𝑅
𝑑𝑡 1
𝛼
+ 𝑜𝑡ℎ𝑒𝑟𝑓𝑎𝑐𝑡𝑜𝑟𝑠
(1 + 𝜋 )(1 + 𝑅𝑋𝑅) (1 + 𝑔)
1
+
Devido ao baixo percentual de dívidas atreladas a moeda estrangeira e a política do
Tesouro espanhol de utilizar-se de derivativos para zerar suas exposições cambiais, o modelo
de decomposição da dívida foi calibrado de forma a retirar o impacto de variação cambial
sobre a dívida pública. Os títulos públicos espanhóis possuem taxas fixas, e portanto a dívida
também não apresenta indexação a juros ou outros índices.
Dessa forma, o valor de α (proporção entre dívidas em moeda estrangeira e moeda local) na
equação acima é igual a zero, de forma que o modelo final de decomposição da dívida pública
se reduz a seguinte equação:
∆𝑑
𝑝𝑑
𝑔
(
𝑔)
𝑑
𝑑
(
𝜋
𝑔)
𝜋
𝜋
𝑜𝑡ℎ𝑒𝑟𝑓𝑎𝑐𝑡𝑜𝑟𝑠
Os resultados da decomposição da dívida pública foram divididos em dois
subperíodos. O período de 2002 a 2007, que foi marcado por um forte crescimento da
economia espanhola e redução da dívida pública/PIB , e o período que vai de 2008 a 2012,
após o estouro da crise financeira e imobiliária nos países desenvolvidos, que foi marcado por
um aumento do déficit e dívida pública e baixo crescimento econômico.
Entre 2002 e 2012, o déficit primário acumulado do período foi o principal
responsável pelo aumento da dívida pública espanhola, seguido pela taxa de juros, segundo o
modelo de decomposição da dívida pública abaixo. O crescimento real do PIB teve um efeito
mitigante e ajudou na diminuição da dívida pública. No subperíodo de 2002 a 2007, nota-se
que os fortes superávits primários e crescimento econômicos pujante da Espanha contribuíram
para uma forte queda da dívida pública.
No período pós-crise financeira a relação se inverteu baixo crescimento da economia e
os fortes déficits primários do governo contribuíram significativamente para o aumento da
dívida pública.
25
Outros Fatores foram de baixa relevância no período 2002-2007, mostrando um bom
ajuste para o modelo de decomposição da dívida pública. No período de 2008 a 2012 esse
campo se tornou importante, mostrando um pior ajuste do modelo, e se deve provavelmente a
repasses da União Europeia para salvamento dos bancos e ajuda financeira (Bail-out).
Tabela 1 – Decomposição da Dívida Pública Espanhola
(Percentual do PIB)
Variação da Dívida Pública
Déficit Primário (Superávit)
Crescimento Real do PIB
Taxa de Juros Média
Outros Fatores
2002-2012
2002-2007
2008-2012
32%
20%
-5%
7%
10%
-16%
-15%
-8%
3%
3%
48%
35%
2%
4%
7%
Fontes: Eurostats, BCE, Tesoro Público – Gobierno de España
Figura 10 – Dinâmica da dívida pública espanhola entre 2002 e 200123
16%
14%
12%
10%
8%
6%
4%
2%
0%
-2%
-4%
-6%
-8%
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Déficit Primário
Crescimento Real do PIB
Taxa de Juros Média
Outros Fatores
2011
2012
Variação Anual da Dívida Pública
Fontes: Eurostats, BCE, Tesoro Público – Gobierno de España
3
Cada coluna no gráfico representa a contribuição de cada fator na variação da dívida pública anual em
percentual do PIB. Valores acima de zero indicam uma contribuição positiva ao crescimento da dívida pública e
vice-versa.
26
4.3 Análises Econômica e Histórica da Espanha entre 2002 e 2012
A análise histórica e econômica da Espanha foi dividida entre três sub grupos, (i)
atividade econômica, (ii) Situação Fiscal do Governo Espanhol, (iii) Juros da Dívida Pública
Espanhola, de forma a melhorar a organização do estudo e melhorar a relação com o modelo
de decomposição da dívida pública espanhola.
4.3.1 Atividade Econômica
Durante o período de 2002 a 2007 a economia espanhola apresentou um forte
crescimento real do PIB (média de 3.5% ao ano), e consequentemente da renda interna da
população. O PIB per capita foi de aproximadamente 22 mil euros para 24 mil euros, um
crescimento de 9% no período.
Figura 11 – PIB per Capita da Espanha
25,000
1.4%
1.6%
1.9%
2.5%
1.6%
-0.7%
-4.4%
-0.6%
0.3%
-1.5%
0
24,500
24,000
-100
23,500
23,000
-200
22,500
22,000
-300
21,500
21,000
-400
20,500
20,000
-500
2002
2003
2004
2005
2006
2007
PIB per Capita (Euros)
2008
2009
2010
2011
2012
Variação Percentual
Fonte: FMI
O crescimento econômico do período foi fruto em grande parte da criação do Euro,
que gerou uma maior confiança do restante da Europa para os países periféricos e
consequentemente um maior influxo de dinheiro vindo dos países centrais, principalmente da
Alemanha, para países periféricos como a Espanha, ajudando a expandir o crédito e baixar a
taxa de juros locais, impulsionando a economia e os investimentos. Essa relação pode ser
27
visto através das altas taxas de investimento em relação a poupança nacional e no déficit em
conta corrente resultante desse movimento de capitais (média espanhola de 2002 a 2007 do
déficit em conta corrente como percentual do PIB de 6.4%).
Figura 12 – Evolução da Taxa de Investimento e Poupança da Espanha
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Investimentos Totais (% do PIB)
2008
2009
2010
2011
2012
Poupança Nacional (% do PIB)
Fonte: FMI
Figura 13 – Evolução da Conta Corrente (% do PIB)
8%
6%
4%
2%
0%
-2%
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
-4%
-6%
-8%
-10%
Conta Corrente - Espanhola
Fonte: FMI
Conta Corrente - Alemã
2011
2012
28
A forte expansão do crédito e investimentos foi direcionada em sua maioria para o
setor imobiliário espanhol, tanto na construção de imóveis como no financiamento da família
espanhola para aquisição de imóveis residenciais. Essa forte expansão do crédito fez com que
a alavancagem da família espanhola fosse de 60% do PIB para aproximadamente 90% do
PIB.
Figura 14 – Evolução do Endividamento da Família Espanhola
100%
95%
90%
85%
80%
75%
70%
65%
60%
55%
50%
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Dívida da Família Espanhola (% do PIB)
Fonte: FRED – Federal Reserve Economic Data
O estoque de crédito para consumo mais do que dobrou no período de 2002 a 2008,
indo de aproximadamente 50 bilhões de euros para quase 110 bilhões de euros, aumentando a
demanda interna e contribuindo para o forte crescimento da economia.
Figura 15 – Evolução do Estoque Espanhol de Crédito para Consumo
110
100
90
80
70
60
50
40
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Estoque de Crédito para Consumo (Bilhões de Euros)
Fonte: Banco Central Europeu
2012
2013
29
Nesse mesmo período, enquanto o estoque de crédito para consumo aumentou um
pouco mais de 100%, o estoque de crédito imobiliário saiu de aproximadamente 250 bilhões
de euros para mais de 650 bilhões de euros , um aumento superior a 160% em apenas 5 anos.
Figura 16 – Evolução do Estoque Espanhol de Crédito Imobiliário
700
650
600
550
500
450
400
350
300
250
200
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
Estoque de Crédito Imobiliário (Bilhões de Euros)
Fonte: Banco Central Europeu - BCE
Com a grande disponibilidade de crédito para compra de imóveis, os investimentos em
construção aumentaram 57% de 2002 a 2007, indo de 140 milhões de metros quadrados
construídos por ano, para mais de 220 milhões de metros quadrados construídos por ano.
Figura 17 – Evolução da Construção Imobiliária Espanhola
240
220
200
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Construção Total ( Milhões de M2)
Fonte: Instituto Nacional de Estadistica
2010
2011
2012
30
O forte aumento na oferta de imóveis não foi suficiente para fazer frente a grande
demanda e especulação por imóveis na Espanha, de forma que os preços nominais do metro
quadrada saíram de aproximadamente mil euros para mais de 2000 euros, um aumento de
aproximadamente 100% em cinco anos.
Figura 18 – Evolução do Preço Nominal do M2 na Espanha
2,200
2,100
2,000
1,900
1,800
1,700
1,600
1,500
1,400
1,300
1,200
1,100
1,000
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
Preço Nominal do M2 (Euros)
Fonte: Instituto Nacional de Estadistica
O preço real de imóveis teve um aumento superior a 170% no período antecedente a
crise financeira mundial. Quando se analisa a proporção entre preço de imóveis e renda média
da população e preço de imóveis em relação ao preço de aluguéis, e se compara com a média
histórica (1975-2013 = 100) desses índices, pode-se notar que os preços dos imóveis na
Espanha destoaram dos fundamentos econômicos, e eram frutos de uma alta especulação no
setor imobiliário, fomentado pela expansão do crédito, baixas taxas de juros e forte
crescimento econômico.
31
Figura 19 – Evolução de Índices do Setor Imobiliário
170
150
130
110
90
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Preço Real de Imóveis
(2002 = 100)
Preço Real de Imóveis / Aluguéis
(Média 1975-2013 = 100)
Fontes: Instituto Nacional de Estadistica, The Economist
Esse conjunto de alto fluxo de divisas para a Espanha, forte expansão do crédito e
baixa taxas de juros em conjunto com os altos investimentos e consumo da população fez com
que a economia operasse acima de seu PIB potencial por vários anos 4, entre 2002 e 2007,
ajudando a gerar uma inflação acima do bloco econômico, e principalmente da Alemanha, o
que a desalinhou os custos internos espanhóis em relação aos do restante da zona do euro,
fazendo com que o crescimento dos custos reais de trabalho na Espanha fosse muito superior
ao da Alemanha e da Zona do Euro.
Figura 20 – Evolução do Gap entre PIB Potencial e Corrente e Crescimento do PIB (%)
5%
4%
3%
2%
1%
0%
-1%
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
-2%
-3%
-4%
-5%
Output Gap (Percentual do PIB Potencial)
Fonte: FMI
4
Estimativas do FMI
Crescimento Real do PIB
2012
32
Figura 21 – Evolução das Taxas de Inflação (% a.a.)
5%
4%
3%
2%
1%
0%
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2011
2012
-1%
Inflação
Espanhola
Inflação
Alemã
Diferencial de Inflação
Espanha - Alemanha
Fonte: FMI
Figura 22 – Crescimento Real do Custo de Trabalho (% a.a.)
5%
4%
3%
2%
1%
0%
-1%
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
-2%
-3%
Real Labor Cost Unit Growth
(Zona do Euro)
Real Labor Cost Unit Growth
(Espanha)
Fonte: FMI
Real Labor Cost Unit Growth
(Alemanha)
33
Com o estouro da bolha imobiliária Americana e a crise financeira que se sucedeu nos
países desenvolvidos em 2008, o fluxo de capitais dos países centrais da Europa para a
periferia se reverteram. A bolha imobiliária espanhola não sofreu o mesmo estouro que a
bolha americana, entretanto a forte reversão dos fluxos de capitais e das expectativas
econômicas gerou uma retração no crédito para consumo, uma vez que esse tipo de crédito
costuma ser de menor prazo, e uma paralização na concessão de crédito para o setor
imobiliário mas não uma redução no estoque de crédito imobiliário, uma vez que são
instrumentos de crédito de prazos longos, de forma que a bolha imobiliária espanhola
desinflou, ainda que sem o mesmo caos financeiro gerado no estouro da bolha americana, e é
em grande parte, a causa dos problemas econômicos do país e da alta dívida pública.
Com a diminuição do consumo na economia, devido a menor crédito e expectativa
econômica, os investimentos no país também diminuíram, levando a Espanha a uma recessão
econômica após 2008, e apesar da queda do PIB em termos anuais ter diminuído o país ainda
está com um gap entre o PIB atual e o potencial da ordem de 4.5%.
A queda na demanda por imóveis fez com que os seus preços caíssem em torno de 35% de
2008 a 2013, deixando diversas famílias essencialmente em falência, uma vez que o preço de
seus imóveis ficou inferior a valor de suas dívidas.
Com o aumento do desemprego e a queda na renda, a família espanhola começou a ter
dificuldades em pagar suas dívidas, causando severos problemas financeiros nos bancos
espanhóis. Apesar dos imóveis servirem como garantia para os empréstimos realizados, em
sua grande maioria, o valor dos imóveis é inferior ao valor da dívida, de forma que os bancos
possuem grande exposição ao setor imobiliário e sem garantias reais suficientes para protegerse contra perdas, fazendo com que o setor bancário espanhol ficasse basicamente insolvente, e
o governo tivesse que realizar um bail-out. Entretanto, enquanto os bancos não executarem as
dívidas e colocarem os imóveis a venda, as perdas não são reconhecidas nos balanços dos
bancos, de forma que uma grande parte dos empréstimos imobiliários ainda existentes são
considerados de qualidade duvidosa e dificilmente serão repagos em sua totalidade, e os
bancos possuem poucos incentivos a limparem seus balanços, pois uma forte liquidação de
imóveis diminuirá ainda mais os preços dos imóveis, aumentando suas perdas. Dessa forma
os bancos espanhóis podem estar como são conhecidos em termo coloquial de “zumbis”, não
foram à falência em sua totalidade, mas sabem que existem enormes perdas a serem
reconhecidas e com isso diminuem ainda mais sua concessão de crédito, exacerbando a
contração econômica e postergando um eventual, mas necessário, ajuste, a espera de que a
economia volte a crescer para saírem da “falência”.
34
4.3.2 Situação Fiscal do Governo Espanhol
Até o estouro da crise imobiliária e financeira em 2007/08 o governo espanhol possuía
os melhores indicadores fiscais dentre as cinco maiores economias do continente europeu,
rodando superávits primários e nominais e tendo uma das mais baixas relação dívida/PIB da
zona do euro.
Com a forte contração da atividade econômica no pós crise, as medidas de redução de
tributos para estimular a economia local e com a queda nos preços dos ativos locais, as
receitas do governo declinaram fortemente, indo de 41% do PIB em 2007 para
aproximadamente 36% em 2011 e 2012.
Em conjunto com a queda na arrecadação, o governo central se viu obrigado a
aumentar seus gastos para auxiliar a economia, aumentando de 39% para quase 47% do PIB,
o que fez com que o governo tivesse um déficit nominal superior a 10% ao ano em 2009.
Figura 23 – Evolução das Contas do Governo Espanhol
50%
45%
40%
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
-5%
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
-10%
-15%
Gasto Total (% do PIB)
Receita Total (% do PIB)
Déficit Nominal (% do PIB)
Fonte: Eurostats
Grande parte dos aumentos de gastos do governo central espanhol se deveu a aumento
nos benefícios de seguridade social, como seguro desemprego, que tiveram elevação superior
a 30% no período. Auxílio a estados e municípios, que não possuem a mesma capacidade de
financiamento que o governo central aumentou em mais de 25%. Os gastos com funcionários,
apesar de terem aumentado em 2009 e 2010 devido a pacotes de investimentos para estimular
35
a economia, estão se retraindo e voltando aos níveis originais por causa das atuais políticas de
austeridade fiscal.
4.3.3 Juros da Dívida Pública Espanhola
Durante o período de 2010 a 2012, a crise da zona do euro começou a se desenrolando
nos mercados secundários de títulos públicos de diversos países, iniciando-se na Grécia, e
depois contagiando diversos outros países como a Espanha, causando uma forte elevação dos
yields dos títulos desses países e do Credit Default Swap (CDS) uns instrumento derivativo
utilizado como seguro contra inadimplência de títulos, e que também serve como medida da
percepção da probabilidade de moratório do governo por parte dos mercados.
Figura 24 – Evolução dos Yields e CDS dos Títulos do Governo Espanhol
8.0%
7.5%
7.0%
6.5%
6.0%
5.5%
5.0%
4.5%
4.0%
3.5%
3.0%
2.5%
2.0%
1.5%
1.0%
0.5%
0.0%
2010
2011
Yield dos Títulos de 3 Meses - Espanha
2012
Yield dos Títulos de 10 Anos - Espanha
CDS de Títulos de 5 anos - Espanha
Fonte: Bloomberg
Apesar da disparada dos juros no período citado, no modelo de decomposição da
dívida os juros não tiveram um grande impacto no aumento da dívida pública espanhola, isso
se deve ao fato de que os títulos espanhóis são pré-fixados, e as disparadas do yields
aconteceram nos mercados secundários, de forma que o aumento desses juros apenas
impactam a dívida do governo espanhol e seu custo de financiamento à medida que os títulos
governamentais maturem e o governo central tenha que emitir novas dívidas. Como o prazo
médio da dívida espanhola está em torno de seis anos, apenas se os juros disparassem e se
mantivessem elevados por quase seis anos, o governo espanhol começaria a pagar
36
efetivamente os altos yields que foram observados entre 2010 e 2012 na totalidade de sua
dívida.
Isso não quer dizer que a disparada dos yields dos títulos governamentais não tenham
impacto econômico na região. Como os bancos europeus são os maiores detentores dos títulos
dos governos periféricos, a disparada dos yields faz com que os títulos percam valor,
impactando negativamente os balanços dos bancos europeus e gerando adicionais prejuízos.
Como as instituições financeiras locais são normalmente os maiores detentores dos títulos
governamentais, no caso espanhol essa disparada dos títulos começou a deixar os bancos em
situação ainda mais problemática, uma vez que grande parte de suas classes de ativos (crédito
imobiliário) já geraram prejuízos ou irão gerar prejuízos quando os bancos reconheceram as
perdas. Diferentemente do crédito imobiliário, os títulos governamentais possuem mercado
secundário com alta liquidez e esses títulos são marcados nos balanços dos Bancos a valor de
mercado (mark-to-market) de forma que a disparada dos yields causa perdas para os bancos
que devem ser reconhecidas imediatamente, dificultando ainda mais a situação das
instituições financeiras europeias e espanholas e as deixando em situação ainda mais delicada.
Figura 25 – Principais Detentores de Títulos do Governo Espanhol
45%
40%
36.2%
36.4%
34.8%
35%
35.5%
30%
25%
20%
15%
14.8%
14.2%
14.0%
14.0%
10%
5%
0%
2011
2012
Instituições Bancárias Locais
Outras Instuitções Financeiras Locais
Não Residentes da Espanha
Outros
Fonte: Tesoro Público – Gobierno de España
37
5 IMPACTO DAS POLÍTICAS MACROECÔNOMICAS SOBRE A
DÍVIDA PÚBLICA ESPANHOLA
5.1 Austeridade Fiscal
A principal política macroeconômica que está sendo implementada na Espanha e nos
países periféricos com problemas no mercado secundário de dívida governamental é a
austeridade fiscal, que tinha como objetivo reduzir o déficit público e aumentar a confiança
nas economias locais, o que deveria acabar com a crise e fomentar o crescimento econômico.
Entretanto, na situação atual da Espanha, essa política não tem ajudado a reduzir o déficit
público e a especulação no mercado de títulos, e o crescimento econômico também não se
acelerou como era previsto por defensores dessa política.
A diminuição dos gastos governamentais tem impacto negativo no crescimento
econômico do país, diminuindo os investimentos, a renda disponível para a população e
aumentando o desemprego que já se encontra em níveis recordes, além de aumentar a
quantidade de pessoas em situação miséria do país devido aos cortes em programas sociais.
Figura 26 – Evolução de Indicadores Sociais
32%
30%
28%
26%
24%
22%
20%
18%
16%
14%
12%
10%
8%
6%
4%
2%
0%
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Taxa de Desemprego
Taxa de Desemprego de Longo Prazo
Percentual da População em Situação de Miséria
Fonte: Eurostats
2011
2012
38
Com a queda na atividade econômica e na renda do país, torna-se mais difícil para as
famílias espanholas quitarem suas dívidas e diminuírem sua alavancagem, o que por
consequência gera maior impacto negativo no sistema financeiro, que são os principais
problemas da economia espanhola (EGGERTSSON; KRUGMAN, 2010). A menor atividade
econômica faz também com que a arrecadação do governo diminua (KOO, 2009), o que faz
com que a cada euro que o governo central espanhol corte em gastos, menos de um euro será
diminuído da dívida governamental.
Essa política também não é eficiente para resolver o problema do desalinhamento de
custos espanhóis em relação à Alemanha e o restante dos países centrais, resultante do
período de boom da economia espanhola entre 2002 e 2007. Para realinhar os custos da
Espanha com o restante do bloco deve haver um diferencial de inflação entre Espanha e
Alemanha negativo, de forma que a Espanha tenha taxas de inflação inferior a da Alemanha.
Entretanto como a Alemanha se nega a ter inflações mais altas a alternativa é a Espanha ter
deflação, o que demora anos para acontecer devido à rigidez na queda de preços, ao mesmo
tempo em que agrava os problemas sociais, devido à necessidade de forte queda na atividade
econômica e aumento do desemprego, ao mesmo tempo em que piora a situação de
alavancagem da população espanhola, uma vez que a queda de preços significará um menor
salário disponível para a população e menor preço de imóveis enquanto a dívida é
determinada em termos nominais, de forma que a família espanhola terá ativos e rendas
menores para pagar a mesma dívida (EGGERTSSON; KRUGMAN, 2010), exacerbando
novamente os problemas do mercado financeiro espanhol.
Os defensores das políticas de austeridade fiscal, por parte da Espanha e países
periféricos, argumentam que o estímulo ao crescimento econômico poderia não ser utilizado
para reduzir a dívida dos países, e com isso, tornar a trajetória da dívida pública dos países
explosiva, o que poderia gerar outros problemas econômicos e financeiros graves. Entretanto,
a política de austeridade fiscal não está sendo efetiva na diminuição da dívida pública e já
gera hoje fortes problemas sociais e econômicos nos países periféricos. Uma forma de evitar
esse problema seria de estimular o crescimento econômico em todo o bloco (que atualmente
se encontra estagnado), de forma a evitar que apenas algum países se endividem para
estimular crescimento ao mesmo tempo em que ajudará a aumentar o comércio entre os países
e gerar benefícios econômicos em todo o bloco.
39
4.2 Políticas do Banco Central Europeu
Após o estouro da crise financeira, o Banco Central Europeu (BCE), reduziu as taxas
básicas de juros da economia para 0,5% ao ano, com o intuito de estimular as economia da
região do Euro e ajudar o sistema financeiro local.
Apesar disso, em abril de 2011, o BCE começou novamente um processo de aperto
monetário devido a pressões dos países centrais, principalmente da Alemanha, que não
haviam tido problemas financeiros e bolhas imobiliárias no começo da década e estavam com
suas economias aquecidas e inflação se acelerando. Entretanto, os países periféricos ainda
necessitavam do forte afrouxamento monetário, e o diferencial de inflação entre Alemanha e a
periferia ajudaria em um dos ajustes do continente europeu, que é o alto déficit em conta
corrente dos países periféricos e forte superávit em conta corrente alemão. Após essa ação do
BCE, começou o aumento nos títulos de longo prazo das economias periféricas, uma vez que
o aumento dos juros básicos deveria normalmente levar a um aumento dos yields de longo
prazo e em conjunto com os problemas econômicos desses países começou-se uma
especulação nos mercados de títulos secundários, com investidores vendendo os títulos desses
países e fugindo para as nações centrais, como a Alemanha.
Isso fez com que os spreads entre títulos espanhóis e alemães disparassem, bem como
o CDS de 5 anos dos títulos espanhóis, gerando o impacto negativo já descrito anteriormente
no sistema financeiro europeu.
Figura 27 – Evolução do CDS e Spread entre Títulos Governamentais Espanhóis e Alemães
6.5%
6.0%
5.5%
5.0%
4.5%
4.0%
3.5%
3.0%
2.5%
2.0%
1.5%
1.0%
0.5%
0.0%
-0.5%2002 2003
2004
2005 2006
2007 2008
2009
2010 2011
2012
Spread nas Taxas de Juros entre Titulos Espanhóis e Alemães de 3 Meses
Spread nas Taxas de Juros entre Titulos Espanhóis e Alemães de 10 Anos
CDS de Títulos de 5 anos - Espanha
Fonte: Bloomberg
2013
40
Em novembro de 2011 o então presidente do BCE Jean-Claude Trichet saiu do
comando do BCE e foi substituído por Mario Draghi. Com a troca no comando do BCE
houve também uma troca na política monetária do Banco Central Europeu. Draghi voltou a
baixar as taxas de juros básicas para 0,5% a.a. com o intuito de fomentar o crescimento das
economias e tentar reverter a dispara dos títulos dos países periféricos. Entretanto apenas a
diminuição dos juros não foi suficiente para evitar a disparada dos yields, devido à
possibilidade de múltiplos equilíbrios no mercado de títulos de um país que faz parte de uma
união monetária (DE GRAUWE, 2011), fazendo-se necessário a intervenção direta do BCE
nos mercados secundários de dívidas para acabar com a disparada dos yields.
Após anúncios de pequenos pacotes de compra de títulos soberanos no mercado
secundário de alguns países, em 06 de setembro de 2012, Mario Draghi anuncio que o BCE
iria introduzir um programa ilimitado de compras de títulos de dívidas públicas (“Outright
monetary transctions - OMT”) de países com estresse no mercado de títulos, com o intuito de
evitar a fragmentação da zona do euro e normalizar a conduta da política monetária por toda a
região do Euro e a normalizar os mercados de títulos Espanhóis e Italianos. Após o anúncio
de compras ilimitados dos títulos dos países, os juros, o CDS e os spreads nos juros entre
Espanha e Alemanha declinaram consideravelmente e estão praticamente no mesmo nível de
antes da disparada dos yields no fim de 2011.
Figura 27 – Evolução dos Yields dos Títulos Governamentais Espanhóis
7.5%
7.0%
6.5%
6.0%
5.5%
5.0%
4.5%
4.0%
3.5%
3.0%
2.5%
2.0%
1.5%
1.0%
0.5%
0.0%
2002
Anúncio do OMT
2003
2004
2005
2006
2007
Yield dos Títulos de 3 Meses - Espanha
Yield dos Títulos de 5 Anos - Espanha
Fonte: Bloomberg
2008
2009
2010
2011
2012
2013
Yield dos Títulos de 10 Anos - Espanha
41
Figura 28 – Evolução do CDS e Spread entre Títulos Governamentais Espanhóis e Alemães
6.5%
6.0%
5.5%
5.0%
4.5%
4.0%
3.5%
3.0%
2.5%
2.0%
1.5%
1.0%
0.5%
0.0%
-0.5%2002
Anúncio do OMT
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
Spread nas Taxas de Juros entre Titulos Espanhóis e Alemães de 3 Meses
Spread nas Taxas de Juros entre Titulos Espanhóis e Alemães de 10 Anos
CDS de Títulos de 5 anos - Espanha
Fonte: Bloomberg
Apesar do OMT ter diminuído consideravelmente os
yields dos títulos
governamentais, o CDS e os spreads entre juros da Espanha e da Alemanha, o programa do
BCE não resolve os principais problemas econômicos da Espanha, como a alta alavancagem
dos consumidores, o baixo crescimento econômico, alto desemprego, o desalinhamento de
custos em relação aos países centrais e principalmente um sistema financeiro praticamente
insolvente. Entretanto o BCE não possui espaço para políticas que impactem esses problemas,
cabe agora aos líderes governamentais utilizar o tempo que lhes foi dado pelo BCE para
realizar os ajustes econômicos necessários ao bloco, como uma maior integração da
supervisão bancária, realinhamento dos custos e relancear as contas correntes, deslavancagem
dos países periféricos e estímulos ao crescimento.
42
6 CONCLUSÃO
O aumento da dívida espanhola em relação ao PIB, no período de 2008 a 2012 é
decorrente em grande parte do aumento do déficit governamental e do baixo crescimento
econômico. Entretanto, o aumento do déficit e o baixo crescimento, e por consequência o
aumento da dívida, são decorrentes do estouro da bolha imobiliária e creditícia que a Espanha
sofreu no período imediatamente anterior (2002-2007), e não a causa da crise.
O Governo espanhol não foi irresponsável financeiramente, como foi alegada por
alguns estudiosos (WEIDMANN, 2011), pois o governo Espanhol possuía uma baixa
alavancagem e superávit nominal no período imediatamente anterior ao estouro da bolha
imobiliária. Após o início da crise o governo se viu obrigado a implementar gastos para
suportar a economia ao mesmo tempo em que viu suas receitas declinarem drasticamente,
gerando um forte déficit fiscal. A queda do PIB ajudou ainda a aumentar drasticamente a
relação dívida/PIB entre 2008 e 2012. Dessa forma, a dívida pública espanhola é uma
consequência de outros problemas macroeconômicos, principalmente da bolha imobiliária,
que gerou alta alavancagem das famílias espanholas e um excesso do estoque de imóveis, e ao
desinflar gerou um sistema financeiro insolvente, e outros problemas estruturais, como o
déficit em conta corrente oriundo do desalinhamento de preços entre o país e o restante do
bloco, o que por sua vez impactam negativamente a atividade econômica do país, gerando
aumento de desemprego e da dívida pública.
Dessa forma, apenas focar no corte de gastos não resolverá a situação e pode inclusive
piorar a crise espanhola, uma vez que o corte de gastos tem impacto negativo sobre as
variáveis que estão causando os problemas econômicos da Espanha e o aumento da dívida.
O programa de compra de títulos soberanos introduzido pelo BCE ajudou a reduzir as tensões
financeiras e a ganhar tempo para que a Espanha e outros países da zona do euro possam
implementar os ajustes necessários em suas economias. Uma volta a políticas de incentivo ao
crescimento e a redução da austeridade fiscal no bloco econômico faria com que os ajustes
macroeconômicos necessários gerassem menos problemas e tensões sociais na Zona do Euro,
fazendo com que os ajustes econômicos sejam mais suaves e de menor impacto na qualidade
de vida da população europeia.
43
7 REFERÊNCIAS
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WORLD BANK, T. ; Public Debt and Its Determinants in Market Access Countries.
2005
BLANCHARD, O. J.; KATZ, L. F.; Regional Evolutions. Brookings paper on Economic
activity, 1:1992.
BBC NEWS; ECB’s Mario Draghi unveils bond-buying euro debt plan, 06/09/2012.
Disponível em: < http://www.bbc.co.uk/news/business-19499950> Acesso em:22/11/2012.
COLLIGNON, S. Europe’s Debt Crisis, Coordination Failure, and International Effects.
ADBI Working Paper Series No. 370. 2012
CHACKO, G.; C. L. EVANS; H. GUNAWAN; A. SJÖMAN.; The Global Economic
System - How Liquidity Shocks Affect Financial Institutions and Lead to Economic Crises.
Pearson FT Press. 2011
DE GRAUWE, P. ; The Governance of a Fragile Eurozone. CEPS working Document
No.346. 2011
DELONG, J. B.; SUMMERS, L. H.; Fiscal Policy in a Depressed Economy. 2012
DELONG, J. B.; Spending cuts to improve confidence? No, the arithmetic goes the wrong
way. VoxEU. (2012) Disponível em <http://www.voxeu.org/article/spending-cuts-improveconfidence-no-arithmetic-goes-wrong-way>. Acesso em: 27 Set. 2012.
EICHENGREEN, B.; The Breakup of the Euro Area. NBER WORKING PAPER 13393.
2007
EGGERTSSON, G. B.; KRUGMAN, P ; Debt, Deleveraging and the Liquidity Trap: A
Fisher-Minsky-Koo approach. 2010
44
EUROPEAN CENTRAL BANK; Technical features of Outright Monetary Transactions,
06/09/2012. Disponível em: <http://www.ecb.europa.eu/press/pr/date/2012/html/pr120906_1
.en.html > Acesso em: 16/09/2013
FISCAL MONITOR; As Downside Risks Rise, Fiscal Policy Has To Walk a Narrow Path.
FMI.
(2012)
Disponível
em
<http://www.imf.org/external/pubs/ft/fm/2012/update/01/pdf/0112.pdf> Acesso em: Acesso
em: 25 Set. 2012.
ISSING, O.; Why a Common Eurozone Bond Isn’t Such a Good Idea. Europe’s World.
Summer 2009.
KRUGMAN; OBSTFELD; MELITZ; International Economics. 9th edition. 2012
KOO, R. C.; The Holy Grail of Macroeconomics: Lessons from Japan's Great Recession.
Wiley, 1 edition. 2009
KRUGMAN, P.; Europe’s Austerity Madness. New York Times. (2012) Disponível em
<http://www.nytimes.com/2012/09/28/opinion/krugman-europes-austerity-madness.html>.
Acesso em:27 Set. 2012.
WEIDMANN, J.; Managing Macroprudential and Monetary Policy—A Challenge for
Central Banks. Speech in Berlin on 8 November 2011. Deutsche Bundesbank. 2011
45
8 ANEXO
A seção abaixo foi retirada e transcrita do Appendix 1: Derivation of Debt Decomposition
Dynamics, do relatório do World Bank, “Public Debt and Its Determinants in Market Access
Countries” (2005), páginas 124 a 127, que possui o intuito de demonstrar a derivação e
detalhar o modelo de decomposição da dívida pública utilizada neste estudo.
16. Appendix 1: Derivation of Debt Decompositon Dynamics
The following section provides a detailed description of the methodology used for
decomposing debt dynamics. Section 17.1 lists the variables and their definitions used in the
debt decomposition. Section 17.2 outlines the basic debt decomposition equation and Section
17.2 augments the basic equation to account for the debt indexation.
16.1 Set of variables:
16.2 Basic Framework for Decomposition of Debt Dynamics:
The underlying equation for the evolution of public debt is:
46
where Dt-1 is the total stock of debt at time t-1, and PB is the primary deficit. The debt stock is
composed of debts denominated in both domestic as well as foreign currencies. Domesticcurrency debt (Dd,t-1) evolves according to the interest rate in the market (id), while the
evolution of the foreign-currency debt (Df,t-1), expressed in domestic currency, is affected not
just by the foreign interest rate (𝑖 ) but also by changes in the exchange rate (et).
Dividing both sides by
(
𝑔)(
𝜋) and defining lower case variables as
upper-case variables expressed as a proportion of GDP, we get:
47
Substituting (5) into (4) gives the basic accounting framework for public debt decomposition:
Equation (6) provides the decomposition of the dynamics of debt to GDP ratio. The equation
separates different channels that contribute to the evolution of the debt to GDP ratio: (i)
primary deficit; (ii) non-debt financing sources; (iii) real growth effect; (iv) interest rate
effect; (v) and real exchange rate effect.
16.3 Debt Dynamics with Domestic Debt Indexation
Consider three categories of indexed domestic debt: foreign currency-, inflation-, or interest
rate – indexed. Denote 𝑑
the regular non-indexed domestic debt, and 𝑑 , 𝑑 , and 𝑑
the indexed domestic debt in percent of GDP, respectively. Denote 𝑖
,𝑖 , 𝑖 , 𝑖
as the
interest rates on the non-indexed and indexed domestic debts, respectively. Equation (1) can
then be modified to incorporate the domestic debt indexation as follows.
Define w’s and α as the shares of various categories of debt in total debt, that is,
Now redefine the implicit average interest rate on public debt as follows
48
Practically, iˆ is calculated as the ratio of interest payment divided by previous period stock of
public debt. Subtracting 𝑑
from both sides of equation (7) yields
Applying equation (5) again, with some rearrangement of the terms, yields the following
accounting framework for debt decomposition with the domestic debt indexation.
Obviously, without domestic debt indexation, equation (9) reduces to equation (6). Equation
(9) provides a more detailed decomposition of the dynamics of debt to GDP ratio into
different channels: (i) primary deficit; (ii) non-debt financing sources; (iii) real GDP growth
effect; (iv) real interest rate effect; (v) real exchange rate effect, and (vi)debt indexation.
(WORLD BANK, 2005, p.124-127).
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