Psicodiagnóstico Definição: “Processo científico, limitado no tempo, que utiliza técnicas e testes psicológicos, em nível individual ou não, seja para entender problemas à luz de pressupostos teóricos, identificar e avaliar aspectos específicos, seja para classificar o caso e prever seu curso possível, comunicando os resultados, na base dos quais são propostas soluções, se for o caso” Objetivos: a) Classificação simples: o exame compara a amostra do comportamento do examinando com os resultados de outros sujeitos da população geral ou de grupos específicos, com condições demográficas equivalentes; esses resultados são fornecidos em dados quantitativos, classificados sumariamente, como em uma avaliação de nível intelectual. b) Descrição: ultrapassa a classificação simples, interpretando diferenças de escores, identificando forças e fraquezas e descrevendo o desempenho do paciente, como em uma avaliação de déficits neuropsicológicos c) classificação nosológica: Hipóteses iniciais são testadas, tomando como referência critérios diagnósticos d) Diagnóstico diferencial: São investigadas irregularidades ou inconsistências do quadro sintomático para diferenciar alternativas diagnósticas, níveis de funcionamento ou a natureza da patologia. e) Avaliação compreensiva: é determinado o nível de funcionamento da personalidade, com indicações de recursos terapêuticos e previsão da possível resposta ao tratamento f) Entendimento dinâmico: ultrapassa o objetivo anterior, por pressupor um nível mais elevado de inferência clínica, havendo uma integração de dados com base teórica. Permite chegar a explicações de aspectos comportamentais nem sempre acessíveis na entrevista, à antecipação de fontes de dificuldades na terapia e à definição de focos terapêuticos, etc. g) Prevenção: procura identificar problemas precocemente, avaliar riscos, fazer uma estimativa de forças e fraquezas do sujeito, de sua capacidade para enfrentar situações novas, difíceis, estressantes h) Prognóstico: determina o curso provável do caso i) Perícia forense: fornece subsídios para questões relacionadas com “insanidade”, competência para o exercício das funções de cidadão, avaliação de incapacidades ou patologias que podem se associar com infrações da lei, etc. Fundamentos e passos de um psicodiagnóstico A) Formulação das perguntas básicas ou hipóteses A avaliação psicológica pode ser considerada um processo científico e como tal parte de perguntas específicas, cujas respostas prováveis se estruturam na forma de hipóteses, que serão confirmadas ou não. É quase sempre um encaminhamento que desencadeia o processo de avaliação, mesmo que esse encaminhamento não tenha sido feito especificamente para isso. É comum pacientes serem encaminhados para atendimentos psicoterápicos e a avaliação de personalidade fazer parte deste trabalho, por exemplo, nas avaliações iniciais de um processo de psicoterapia breve. Quando os motivos do encaminhamento não estão claros, cabe ao psicólogo estabelecer um canal de comunicação com a fonte de encaminhamento, esclarecendo o que se espera da avaliação. O motivo que é explicitado ao psicólogo pelo paciente ou seu responsável é o menos ansiogênico e o mais tolerável e, em geral, não é o mais verdadeiro. Cabe ao psicólogo analisar a existência dos motivos implícitos, avaliando o grau de percepção que o paciente ou responsável tem desses motivos e verificar a coerência ou discrepância com o motivo explícito. O esclarecimento dos motivos permite a determinação dos objetivos da avaliação. Entrevista – História Pessoal e Clínica A entrevista fundamenta o processo de avaliação. Um modelo básico de orientação para coleta da história clínica e pessoal é o seguinte: Identificação do paciente Informante Motivo da consulta (queixa principal) História da doença atual Início, desenvolvimento, piora e melhora do quadro Eventos desencadeadores Queixas pregressas (história anterior de dificuldades psicológicas) História da criança Pré-natal e perinatal Resposta emocional frente à gravidez (criança planejada ou não) Problemas na gravidez e condições do parto Estado físico e emocional da mãe na época do parto Problemas de saúde da mãe durante a gravidez Primeira infância (até os 3 anos) Amamentação (como era a relação da mãe com a criança?) Hábitos alimentares (incluir época do desmame) Desenvolvimento inicial (primeiros passos, fala, dentição, desenvolvimento da linguagem, sinais de necessidades não atendidas, desenvolvimento motor, sono, ansiedade a estranhos) Treinamento de esfíncteres Afastamento dos cuidadores Outros cuidadores Personalidade da criança Sintomas de problemas comportamentais (chupar o dedo, ataques de raiva, tiques, golpes com a cabeça, balanços do corpo, terrores noturnos, medos, enurese, encoprese, roer as unhas, masturbação excessiva, etc.) Brinquedos e brincadeiras favoritos Infância Intermediária (dos 3 aos 11 anos) Identificação de gênero Punições usadas em casa Quem proporcionava a disciplina Primeiras experiências escolares (tolerância à separação da mãe) Primeiras amizades e relação com os amiguinhos (grau de intimidade, papel de líder ou seguidor, popularidade social e participação em atividades em grupo, brinquedos e brincadeiras preferidos) História do aprendizado da leitura e de outras habilidades intelectuais e motoras Personalidade da criança Sintomas de problemas comportamentais Conduta expressa (higiene corporal, alimentação, sono, sexualidade, manipulação corporal – onicofagia, tricotilomania, chupar dedos, tiques, movimentos estereotipados) Infância tardia (da puberdade até a adolescência) Definição dos valores do grupo social e as figuras idealizadas História escolar Uso de álcool e drogas Relacionamentos sociais Problemas emocionais e físicos na adolescência Sexualidade Idade adulta História ocupacional História conjugal e de relacionamentos História Educacional Religião Atividade Social Situação atual de vida História familiar Doenças psiquiátricas na família Uso de álcool e drogas Antecedentes psiquiátricos / psicológicos Adaptado de: KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. J.; GREBB, J. A. Compêndio de Psiquiatria: Ciências do Comportamento e Psiquiatria Clínica. Trad. Deyse Batista. 7ª Ed. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997. B) Contrato de trabalho Após o psicólogo tomar conhecimento do caso por meio dos primeiros contatos iniciais e das entrevistas, deve realizar o contrato de trabalho com o paciente e/ou responsável. Segundo CUNHA et. al. (2000) “O psicólogo se compromete a realizar um exame, durante um certo número de sessões, cada uma com duração prevista, em horário predeterminado, definindo com o paciente ou responsável os tipos de informes necessários e quem terá acesso aos dados do exame (...) Com base na estimativa do tempo, são estabelecidos os honorários, sendo definidas também a data e as formas de pagamento” (p. 107). C) Estabelecer um plano de avaliação (escolha dos instrumentos) Plano de avaliação é a escolha de recursos, ou seja, de instrumentos de avaliação, cujos dados gerados sejam adequados para responder as perguntas iniciais e refutar ou não as hipóteses levantadas. A escolha dos instrumentos deve levar em conta a idade, sexo, nível sócio-cultural, bem como as condições específicas do sujeito (comprometimentos permanentes ou temporários de ordem sensorial, motora, cognitiva, entre outros). Também é importante saber se o sujeito faz uso de medicações que podem interferir nos resultados do teste e também o idioma do sujeito, se é destro ou canhoto, se habitualmente usa óculos ou aparelho auditivo, se tem dificuldades na discriminação de cores ou cegueira para cores. Usualmente escolhem-se mais de um teste para responder a questões semelhantes. Nenhum teste usado isoladamente é capaz de proporcionar uma avaliação do “indivíduo total”. Também o emprego de uma série de testes permite uma validação inter-testes dos dados obtidos, minimizando a margem de erro e fornecendo melhor fundamento para se chegar a inferências clínicas. Um teste psicológico é um instrumento de medida em psicologia e como instrumento de medida deve apresentar certas características que justifiquem a confiança nos dados produzidos por ele. No caso dos testes psicológicos, são as qualidades psicométricas do teste que atestam sua legitimidade e confiança, que são a validade e a precisão (ou fidedignidade). A validade diz respeito à capacidade do teste medir realmente aquilo que se propõe. A precisão é a qualidade do instrumento em medir bem, com acurácia, o que se propõe. A padronização de um teste também é uma questão importante a ser observada. Ela inclui desde os cuidados a serem tomados na aplicação do teste (uniformidade nas condições da testagem) até o desenvolvimento de parâmetros ou critérios para a interpretação dos resultados obtidos em uma determinada culturas. O ideal é cada cultura desenvolva normas de interpretação dos resultados dos testes, não sendo adequado o uso de normas de uma cultura diferente daquela em que foi realizada a testagem. Para regulamentar estes e outros assuntos referentes a avaliação psicológica, foi formado um Comitê Internacional de Testes (International Test Commission – ITC). Maiores informações sobre esse grupo de trabalho, bem como o texto traduzido para o português, que trata das diretrizes para o uso de teste (INTERNATIONAL TEST COMISSION, 2003) podem ser encontradas no site do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (www.ibapnet.org.br). No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia, através da resolução CFP no. 002/2003, define e regulamenta o uso, a elaboração e a comercialização de testes psicológicos, sendo considerados adequados ao uso apenas os testes cujas qualidades psicométricas foram demonstradas. D) Administração de testes e técnicas: particularidades as situação da interação com o examinando e do manejo clínico O profissional não deve perder de vista que o foco da avaliação é o sujeito e não o instrumento. Por isso, deve estar bem familiarizado com os procedimentos necessários para a utilização de cada instrumento escolhido, bem como estabelecer um bom rapport antes de sua administração. Entende-se por rapport o estabelecimento do contato, da interação, criando um clima propício para a aplicação das técnicas. CUNHA et al. (op. cit.) afirmam que não se deve iniciar a administração de testes e técnicas psicológicas sem o estabelecimento deste rapport. Segundo a autora, é necessário um clima de confiança e entendimento, assegurando o desempenho adequado do paciente e eliciando um material projetivo genuíno. Dessa forma, diminui-se a ansiedade natural do paciente, levando-o a uma atitude de cooperação. O psicólogo deve tomar o cuidado de organizar todo o material antes da entrada do sujeito na sala. As instruções dos testes devem ser seguidas à risca. No entanto, segundo CUNHA et al. (op. cit,). “existe uma situação padronizada de testagem, mas sempre é importante que o psicólogo lide com ela não meramente como um testólogo, mas de uma maneira clínica, atento a um sujeito que reage de forma personalizada e única ao aqui e agora da interação” (p. 116) E) Levantamento, análise, interpretação e integração dos dados Os dados são amostras do comportamento do indivíduo. Em geral, o profissional fica perdido entre tantos dados. Procedimentos que podem facilitar o processo de interpretação dos dados: Entrevista: significação dos dados obtidos com os testes As hipóteses que foram levantadas no início do processo servirão de critérios para a análise e seleção dos dados relevantes. Os objetivos fornecerão um enquadre para a avaliação F) Diagnóstico e Prognóstico Diagnóstico (quando este for um dos objetivos da avaliação): exame dos dados (sintomas, história clínica, observação do comportamento do sujeito durante a avaliação, dados gerados pelos testes) em função de critérios diagnósticos, classificando o caso dentro de uma categoria diagnóstica vigente (DSM-IV; CID-10). Com isso, poderá predizer o curso provável do transtorno (prognóstico), bem como planejar e indicar a intervenção terapêutica mais adequada ao caso. G) Comunicação dos resultados O tipo de comunicação dos resultados ou do informe é definido basicamente pelos objetivos do exame. Dependendo dos objetivos, podem ser necessários vários tipos de comunicação, como, por exemplo, entrevista de devolução com os pais e com o sujeito, laudo encaminhado ao pediatra, laudo encaminhado à escola especial, entre outros. O conteúdo da comunicação é definido tanto pelas questões específicas, formuladas no início do processo, como pela identidade do receptor. Existem questões cuja resposta é do interesse de um receptor, mas não de outro. A forma é definida pela identidade e qualidade do receptor. A terminologia e a linguagem, de modo geral, devem ser adequadas às do receptor. Dessa maneira, o informe preserva a comunicação necessária, se estiver de acordo com a profissão, o nível sócio cultural e intelectual e com as condições emocionais do receptor.