COMPORTAMENTO DE OVIPOSIÇÃO E SOBREVIVÊNCIA DE LARVAS DE Phyllophaga capillata (BLANCHARD) (COLEOPTERA: MELOLONTHIDAE) INFLUENCIADOS PELA TEXTURA, CONTEÚDO DE ÁGUA NO SOLO E PRESENÇA DA PLANTA HOSPEDEIRA Charles Martins de Oliveira1, Marcos Aurélio Carolino de Sá1, João de Deus Gomes dos Santos Junior1 (1Embrapa Cerrados, BR 020, Km 18, Caixa Postal 08223, 73010-970 Planaltina, DF. e-mail: [email protected]) Termos para indexação: coró-da-soja-do-cerrado, fatores bióticos e abióticos, bioecologia. Introdução O solo é o principal substrato para o desenvolvimento de grande parte das espécies de Scarabaeoidea (Coleoptera), principalmente aquelas consideradas como pragas-de-solo. Exerce um papel decisivo na ecologia e biogeografia das espécies desse grupo (Morón, 1997), destacando-se como um dos fatores abióticos que mais afetam os insetos edafícolas (Ávila & Parra, 2004). Atributos como textura e o conteúdo de água no solo podem influenciar muitas das características comportamentais das espécies edafícolas, como por exemplo, a preferência para oviposição (Ward e Rogers, 2007) e a distribuição horizontal e vertical de adultos e imaturos no solo (Doube, 1983). Além do solo, alguns outros fatores parecem influenciar o comportamento de cópula, oviposição e desenvolvimento das fases larvais, como por exemplo, a presença da planta hospedeira ou de outras plantas durante a revoada de muitos besouros pertencentes à família Melolonthidae (Coleoptera) (Oliveira e Garcia, 2003). Na família Melolonthidae encontram-se as espécies conhecidas vulgarmente como corós, cujas larvas se alimentam das raízes das plantas levando-as a morte ou reduzindo a produtividade das culturas (Morón, 1997). O gênero Phyllophaga Harris, com cerca de 861 espécies no continente americano (Evans e Smith, 2007), é considerado o mais importante no México e América Central pelos prejuízos que diversas de suas espécies são capazes de causar em culturas de grande importância econômica (Morón et al., 1996). No Brasil ocorrem 31 espécies das quais P. capillata (Blanchard), P. cuyabana (Moser) e P. triticophaga Morón & Salvadori são consideradas pragas importantes em sistemas de produção de grãos (Oliveira et al. 2004, Salvadori e Silva, 2004; Oliveira et al, 2007). O objetivo desse estudo foi avaliar o efeito da textura, conteúdo de água no solo e a presença da planta hospedeira no comportamento de oviposição e sobrevivência de larvas de P. capillata em laboratório. Material e Métodos Os estudos foram conduzidos no laboratório de Entomologia da Embrapa Cerrados (Planaltina/DF) em câmaras climatizadas a 25ºC e fotofase de 12 h. Foram realizados dois experimentos, um para preferência de oviposição (experimento 1) e outro para a sobrevivência de larvas (experimento 2) de P. capillata. Foram coletadas amostras de Latossolos pertencentes às classes texturais muito argilosa e, argilosa (respectivamente 780 g/kg e 370 g/kg de argila) e Neossolo Quartzarênico, textura arenosa (80 g/kg de argila). Os solos foram esterilizados e acondicionados em vasos plásticos de 2 kg de capacidade. No experimento 1 utilizou-se um delineamento inteiramente ao acaso em esquema fatorial 3 x 2 x 2, com 10 repetições, totalizando 120 parcelas experimentais (vasos). O primeiro fator correspondeu às classes texturais (muito argilosa, argilosa e arenosa), o segundo fator ao conteúdo de água no solo na capacidade de campo (equivalente à tensão 0,06 atm) e 70% da capacidade de campo (tensão aproximada de 0,33 atm) e o terceiro fator a presença da planta hospedeira (vasos com plantas de soja e vasos sem plantas de soja). No experimento 2 utilizou-se um esquema fatorial 3 x 2, com delineamento inteiramente ao acaso, com 10 repetições, 60 parcelas experimentais (vasos). O primeiro fator correspondeu às classes texturais (muito argilosa, argilosa e arenosa) e o segundo fator ao conteúdo de água no solo (capacidade de campo e 70% da capacidade de campo). Nesse experimento não utilizou-se vasos com plantas de soja pois a larvas que foram colocadas nos vasos já estavam em fase de diapausa e não mais se alimentavam. No experimento 1, adultos de P. capillata foram coletados em campo (Fazenda Sementes Primavera – Planaltina/DF) em outubro de 2007, por ocasião das revoadas, transportados ao laboratório de Entomologia da Embrapa Cerrados e sexados. Foram confinados 3 casais de P. capillata em cada vaso, sendo estes cobertos com uma gaiola cilindrica de acrílico com abertura superior fechada com tecido “voil”para ventilação. Os vasos que receberam plantas de soja foram semeados 15 dias antes da coleta dos adultos. Diariamente o conteúdo de água do solo nos vasos foi corrigido por meio do método gravimétrico. A avaliação foi realizada 14 dias após a colocação dos adultos, sendo os vasos inspecionados e o número de ovos anotados. No experimento 2, larvas de terceiro estádio de P. capillata em início de diapausa foram coletadas em campo (Fazenda Sementes Primavera – Planaltina/DF) em abril de 2008. As larvas foram acondicionadas nos vasos sendo uma larva por vaso. Diariamente o conteúdo de água do solo foi corrigido por meio do método gravimétrico. A avaliação foi realizada 30dias após a colocação das larvas nos vasos, anotando-se a mortalidade das larvas e a formação da câmara pupal, que consiste em uma pequena câmara construida pelas larvas de P. capillata utilizando saliva, no início da fase de diapausa e onde o inseto se transformará posteriormente em pupa (Oliveira, 2007). Os dados de número de ovos, sobrevivência de larvas e número de câmaras pupais dos tratamentos foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Scott-Knott a 5% de probabilidade, utilizando-se o aplicativo SISVAR 4.3 (Ferreira, 2000). Resultados e Discussão No experimento 1 observou-se que não houve interação significativa entre os fatores classe textural, conteúdo de água no solo e presença da planta hospedeira para a variável número de ovos colocados por P. capillata. Não se observou diferenças estatísticas significativas para o fator textura do solo, havendo, entretanto, para os fatores conteúdo de água no solo e presença da planta hospedeira (Tabela 1). Verificou-se maior preferência de fêmeas de P. capillata em ovipositar em solos na capacidade de campo e na presença da planta hospedeira. Para uma espécie congênere, P. cuyabana (Moser), observou-se também que as fêmeas preferem copular e ovipositar em áreas onde existam plantas (Oliveira e Garcia, 2003). Essa preferência por áreas vegetadas e conteúdo de água elevado no solo para oviposição, provavelmente está relacionado com a tentativa da fêmea de encontrar um local adequado para o desenvolvimento das fases imaturas, já que as larvas se alimentam de raízes de plantas, e tanto os ovos como as larvas são negativamente influenciados por baixos conteúdos de água no solo, que poderiam levá-los à morte por desidratação. Tabela 1. Número médio de ovos colocados por Phyllophaga capillata em função da classe textural, conteúdo de água no solo e presença da planta hospedeira em condições de laboratório em Planaltina/DF, 2008 (Experimento 1). 1 Classe Textural Ovos Muito argilosa Argilosa Arenosa 4,6 a1 2,2 a 2,5 a Conteúdo de Água CC2 70% da CC Ovos Planta Hospedeira3 Ovos 4,7 a 1,5 b Com Planta Sem Planta 4,8 a 1,4 b Médias seguidas de mesma letra nas colunas não diferem entre si pelo teste de Scott-Knott a 5% de probabilidade. 2 CC – capacidade de campo. 3 Plantas de soja. No experimento 2, não foram observadas interações significativas entre os fatores classe textural e conteúdo de água no solo em relação à sobrevivência de larvas e capacidade de formação da câmara pupal em P. capillata (Tabela 2). Observou-se maior sobrevivência de larvas e maior número de câmaras pupais nos solos com textura muito argilosa e textura argilosa e conteúdo de água na capacidade de campo. Como discutido anteriormente, conteúdos mais elevados de água no solo parecem favorecer a sobrevivência de P. capillata. Teor de argila mais elevado, que proporciona maior coesão entre as partículas, provavelmente favorece a formação da câmara pupal, que é um mecanismo essencial para que P. capillata consiga sobreviver durante a estação seca no Cerrado (Oliveira, 2007), já que nesse estudo não se observou a formação de câmaras pupais em solo arenoso. A observação da preferência de P. capillata em ovipositar em áreas vegetadas sugere que o manejo de plantas daninhas durante as revoadas da praga, para cópula e oviposição, pode contribuir para a redução da população de larvas. A menor sobrevivência das larvas durante a formação das câmaras pupais em solos arenosos sugere que textura do solo pode ser um fator que influencia fortemente as preferências ecológicas dessa espécie, ou seja, a sua distribuição geográfica. Tabela 2. Número médio de larvas vivas e de câmaras pupais de Phyllophaga capillata em função da classe textural e conteúdo de água no solo em condições de laboratório em Planaltina/DF, 2008 (Experimento 2). Textura Muito argilosa Argilosa Arenosa Média Muito argilosa Argilosa Arenosa Média 1 Larvas Capacidade de Campo 70% da Capacidade de Campo 0,70 0,20 0,50 0,10 0,20 0,00 0,47a1 0,10b Câmaras pupais Capacidade de Campo 70% da Capacidade de Campo 0,70 0,20 0,50 0,10 0,00 0,00 0,40a 0,10b Média 0,45ª1 0,30ª 0,10B Média 0,45ª 0,30ª 0,00B Médias seguidas de mesma letra minúscula na linha e maiúscula na coluna não diferem entre si pelo teste de Scott-Knott a 5% de probabilidade. Conclusões Phyllophaga capillata (Blanchard) prefere ovipositar em solos com presença de plantas e conteúdo de água na capacidade de campo. A sobrevivência das larvas de P. capillata e a formação da câmara pupal é menor em solos arenosos. Referências bibliográficas ÁVILA, C. J.; PARRA, J. R. P. 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