Ritalina Deu Errado (“Ritalin Gone Wrong”) Por L

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 Ritalina Deu Errado (“Ritalin Gone Wrong”) Por L. Alan Sroufe, do New York Times, em 28 de janeiro de 2012 Três milhões de crianças nos EUA tomam medicamentos para problemas de déficit de atenção. Até o final do ano passado, muitos dos seus pais estavam profundamente alarmados por haver um desabastecimento de medicamentos como Ritalina e Adderall, os quais eles consideravam absolutamente essenciais para o bom funcionamento dos seus filhos. Mas será que essas drogas estão realmente ajudando as crianças? Será que deveríamos manter a expansão do número de prescrições preenchidas? Em trinta anos o consumo de drogas para desordem de déficit de atenção aumentou em vinte vezes. Como um psicólogo que tem estudado o desenvolvimento de crianças com esse tipo de problema por mais de 40 anos, acredito que deveríamos estar nos questionando porque estamos dependendo tão pesadamente dessas drogas. Drogas para tratar déficit de atenção aumentam a concentração no curto prazo, razão pela qual elas funcionam tão bem para estudantes de faculdade preparando-­‐se intensamente para os exames. Mas, quando dadas a crianças durante longos períodos de tempo, elas nem melhoram o desempenho escolar, nem tampouco reduzem problemas de comportamento. Essas drogas também podem ter sérios efeitos colaterais, incluindo o comprometimento do crescimento. Lamentavelmente, apenas alguns médicos e pais parecem estar cientes daquilo que temos aprendido sobre a falta de eficácia dessas drogas. O que acaba sendo propagandeado são os resultados em curto prazo e também os estudos de diferenças cerebrais entre as crianças. De fato, existem várias ocorrências irrefutáveis que parecem, à primeira vista, apoiar esse tipo de medicação. E é por conta dessa parcial fundamentação na realidade que o problema com a recorrente abordagem de tratar crianças tem sido tão difícil de se enxergar. Nos idos de 1960, eu, como a maior parte dos psicólogos, acreditava que as crianças com dificuldade de se concentrar sofriam de um problema cerebral de origem genética ou inata. Assim como os diabéticos do tipo I precisam de insulina para corrigir problemas com sua bioquímica congênita, acreditava-­‐se que essas crianças necessitavam de drogas de déficit de atenção para corrigir-­‐se. Ocorre entretanto que há pouca ou nenhuma evidência para apoiar essa teoria. Em 1973 eu revisei a literatura sobre tratamento de crianças com drogas para o New England Journal of Medicine. Dúzias de estudos bem controlados mostraram que essas drogas 1 imediatamente melhoravam o desempenho das crianças em tarefas repetitivas que exigissem concentração e diligência. Eu mesmo havia conduzido um desses estudos. Professores e pais também relataram uma melhora de comportamento em quase todos os estudos de curto prazo. Isso impulsionou um aumento no tratamento com drogas, e levou muitos a concluírem que a hipótese do “déficit cerebral” havia sido confirmada. Mas, perguntas continuaram a ser feitas, especialmente no tocante ao mecanismo de ação dessas drogas, e à durabilidade dos seus efeitos. Ritalina e Adderall, uma combinação de dextroanfetamina e anfetamina, são estimulantes. Mas, por que então elas parecem acalmar as crianças? Alguns especialistas argumentavam que isso se dava pelo fato de que os cérebros das crianças com problemas de atenção eram diferentes, e que então essas drogas teriam um misterioso e paradoxal efeito nas mesmas. Contudo, na realidade não havia tal paradoxo. Antigas versões dessas drogas haviam sido ministradas a operadores de radar durante a 2a Guerra Mundial, para ajudá-­‐los a manterem-­‐se despertos e focados durante tarefas monótonas e repetitivas. E, quando novamente em 1990 revisamos a literatura sobre drogas para déficit de atenção, verificamos que todas as crianças, independentemente de terem problemas de atenção ou não, respondiam às drogas estimulantes do mesmo modo. Mas, além disso, enquanto as drogas ajudavam as crianças a sossegarem nas salas de aula, elas na verdade aumentavam sua atividade no playground. Estimulantes em geral têm os mesmos efeitos para todas as crianças e todos os adultos. Elas melhoram a capacidade de concentração, especialmente em tarefas que não sejam inerentemente interessantes, ou quando se está fatigado ou entediado, mas elas não melhoram competências de aprendizagem mais amplas. Logo, do mesmo modo como muitos daqueles que se submetem a dietas usam e abandonam drogas similares para perder peso, o efeito dos estimulantes nas crianças com problemas de atenção se dissipa depois de um uso prolongado. Alguns especialistas têm argumentado que crianças com TDHA não desenvolveriam tal tolerância, pois seus cérebros seriam de alguma forma diferentes. Mas, na verdade, a perda de apetite e insônia nas primeiras crianças para as quais foram prescritas drogas de déficit de atenção acabou desaparecendo depois, e, como sabemos agora, também desapareceram os efeitos no seu comportamento. Essas crianças aparentemente desenvolveram uma tolerância à droga, cuja eficácia, por conseguinte, desapareceu. Muitos pais que retiram seus filhos dessas drogas dão-­‐se conta de que o comportamento imediato piora, o que muito provavelmente confirma sua crença de que a droga funcionava. Mas o comportamento se agrava porque a bioquímica dessas crianças havia se adaptado à droga. Adultos podem ter reações similares caso cortem subitamente o cafezinho ou parem de fumar. Até agora nenhum estudo encontrou qualquer benefício de longo prazo no uso de medicação de déficit de atenção em desempenho acadêmico, relacionamento com colegas ou problemas de comportamento, exatamente as coisas que mais gostaríamos de melhorar. Até recentemente a 2 maior parte dos estudos sobre essas drogas ainda não havia sido aleatoriamente controlados de forma apropriada, e alguns deles tinham outras falhas metodológicas. Mas, em 2009, algumas descobertas foram publicadas a partir de um estudo bem controlado, que estava sendo conduzido por mais de uma década, e os resultados foram muito claros. Esse estudo designou de forma aleatória quase que 600 crianças com problemas de atenção para quatro condições de tratamento. Algumas receberam somente medicação, algumas somente terapia comportamental-­‐cognitiva, algumas medicações com terapia, e outras foram mantidas num grupo de controle, de cuidado comunitário, que não recebia qualquer tratamento sistemático. Num primeiro momento, esse estudo sugeriu que a medicação, ou a medicação mais terapia, produzia os melhores resultados. Contudo, depois de três anos, esses efeitos desapareceram, e depois de oito anos não havia nenhuma evidência de que a medicação produzia quaisquer benefícios acadêmicos ou comportamentais. De fato, todos os sucessos dos tratamentos desapareceram com o tempo, embora o estudo continue. Ficou claro, portanto, que essas crianças precisam de uma base de apoio mais ampla do que aquela oferecida por esse estudo sobre medicação – apoio esse que deve começar mais cedo e durar mais tempo. Não obstante, descobertas na neurociência estão sendo usadas para respaldar o argumento a favor de drogas que tratam desse “defeito inato” hipotético. Esses estudos mostram que crianças diagnosticadas como portadoras de TDAH têm diferentes padrões de neurotransmissores em seus cérebros, e outras anomalias. Todavia, se por um lado a sofisticação tecnológica desses estudos pode impressionar pais e leigos, eles podem ser enganosos. É óbvio que os cérebros das crianças com problemas de comportamento demonstrarão anomalias em tomografias cerebrais, e não poderia ser de outro modo. Comportamento e cérebro são entrelaçados. A depressão também se acentua e diminui em muitas pessoas, e à medida que isso acontece, mudanças no funcionamento do cérebro acontecem em paralelo, independentes da medicação. Muitos dos estudos cerebrais em crianças com TDAH envolvem examinar os participantes enquanto estão engajados em tarefas que demandam atenção. Caso essas crianças não estejam prestando atenção por uma falta de motivação, ou então por uma subdesenvolvida capacidade de regular seu comportamento, seus mapeamentos cerebrais certamente serão anômalos. Independentemente de como foi feita a mensuração do funcionamento cerebral, esses estudos nada nos falam sobre a possibilidade dessas anomalias serem inatas ou resultantes de trauma, estresse crônico ou outras experiências que tenham ocorrido na tenra infância. Uma das mais profundas descobertas na neurociência comportamental nos anos recentes tem sido a clara evidência de que o cérebro em desenvolvimento é formatado pela experiência. 3 É certamente verdadeiro que um grande número de crianças tem problemas com atenção, autorregulação e comportamento. Mas será que esses problemas existem por conta de algum aspecto inato? Ou será que foram causados por experiências na tenra infância? Essas perguntas podem ser respondidas somente estudando-­‐se as crianças e seus ambientes desde antes do nascimento, através da infância e adolescência, como meus colegas da Universidade de Minnesota e eu temos feito por décadas. Desde 1975, temos acompanhado 200 crianças que nasceram na pobreza e eram, portanto, mais vulneráveis a problemas de comportamento. Selecionamos suas respectivas mães durante a gravidez, e, ao longo do curso das suas vidas, estudamos seus relacionamentos com cuidadores, professores e colegas. Acompanhamos seu progresso através da escola e suas experiências durante o início da fase adulta. Em intervalos regulares avaliamos sua saúde, comportamento, desempenho em testes de inteligência e outras características. Ao final da adolescência, 50% de nossa amostra estavam qualificados para algum tipo de diagnóstico psiquiátrico. Quase a metade exibia problemas de comportamento na escola em pelo menos uma ocasião, e 24% abandonaram os estudos na 12a série; 14% se encaixavam no critério para TDAH, tanto na 1a quanto na 6a série. Outros estudos epidemiológicos de larga escala confirmam tais tendências na população em geral de crianças menos favorecidas. Dentre todas as crianças, incluindo todos os grupos socioeconômicos, a incidência de TDAH é de 8%. O que descobrimos foi que o ambiente da criança era um previsor do desenvolvimento de problemas com TDAH. Num flagrante contraste, avaliações de anomalias neurológicas no nascimento, de Q.I. e de temperamento infantil – incluindo nível de atividade da criança – não previam TDAH. Muitas das crianças de famílias mais abastadas também são diagnosticadas com TDAH. Problemas de comportamento em crianças têm muitas fontes possíveis. Dentre elas temos estresses familiares como violência doméstica, falta de apoio social de amigos ou parentes, situações caóticas de vida, incluindo mudanças frequentes, e, especialmente, padrões de intrusividade parental, que envolvem um tipo de estimulação para a qual o bebê não está preparado. Por exemplo, um bebê de seis meses está brincando, e a mãe o pega bruscamente por trás e o mergulha no banho. Ou então uma criança de três anos está se sentindo frustrada ao tentar resolver um problema, e o pai ou a mãe lhe faz uma gozação o a ridiculariza. Tais práticas estimulam excessivamente, e também comprometem a capacidade de desenvolvimento da criança para autorregulação. Ministrar drogas às crianças não faz nada para mudar as condições que as fizeram descarrilar seu desenvolvimento em primeiro lugar. Mas, dessa forma, tais condições primordiais estão recebendo atenção insuficiente. Formuladores de políticas de saúde estão tão convencidos de que crianças com déficit de atenção possuem alguma anomalia orgânica que eles já fizeram aparentemente de tudo, exceto buscar um entendimento compreensível da condição. O Instituto Nacional de Saúde 4 Mental financia pesquisas que tenham como objeto em maior parte os componentes fisiológicos e cerebrais da TDAH. E se por um lado há alguma pesquisa sobre outras abordagens de tratamento, por outro, muito pouco é estudado quanto ao papel da experiência. Os cientistas, conscientes dessa orientação, tendem a submeter pedidos de verbas apenas para estudos voltados à elucidação da bioquímica. Logo, somente uma pergunta é feita: será que existem aspectos do funcionamento cerebral associados com problemas de atenção na infância? A resposta é sempre “sim”. Mas o que se negligencia é a muito real possibilidade de que tanto as anomalias cerebrais quanto o TDAH resultem de alguma experiência de vida. Nosso atual curso de ação apresenta numerosos riscos. Em primeiro lugar, jamais haverá uma única solução para todas as crianças com problemas de aprendizado e comportamento. Enquanto um número menor pode se beneficiar de tratamentos de curto prazo com drogas, tratamentos de larga escala e longo prazo para milhões de crianças não é a resposta. Em segundo lugar, medicação em larga escala de crianças alimenta a visão da sociedade de que todos os problemas da vida podem ser resolvidos com uma pílula, e isso dá a milhões de crianças a impressão de que há algo inerentemente defeituoso nelas. E, finalmente, a ilusão de que os problemas de comportamento das crianças podem ser curados com drogas nos impede, como sociedade, de buscar soluções mais complexas que serão necessárias. As drogas livram todos – políticos, cientistas, professores e pais – do anzol. Todos, menos as crianças – estas, não. Se as drogas, cujos estudos mostram que funcionam por quatro a oito semanas, não são a resposta, qual é a solução então? Muitas dessas crianças têm ansiedade ou depressão; outras estão mostrando estresses familiares. Precisamos tratá-­‐las como indivíduos. Quanto ao desabastecimento dessas drogas, isso continuará a aumentar e diminuir. Mas, pelo fato dessas drogas serem formadoras de hábito, o Congresso Americano é que decide o quanto devem ser produzidas. Contudo, o número aprovado não acompanha o tsunami de prescrições. Até o final deste ano tudo indica que haverá outro desabastecimento, uma vez que continuamos a depender de drogas que não estão fazendo aquilo que tantos pais, terapeutas e professores bem-­‐
intencionados acreditam que estejam fazendo. L. Alan Sroufe é Professor Emérito de Psicologia no Instituto de Desenvolvimento da Criança, da Universidade de Minnesota. Fonte: http://www.nytimes.com/2012/01/29/opinion/sunday/childrens-­‐add-­‐drugs-­‐dont-­‐work-­‐long-­‐
term.html?_r=1&ref=sunday 5 
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