cirurgia de reconstrução de orelha média

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Medicina, Ribeirão Preto,
38 (3/4): 253-256, jul./dez. 2005
Simpósio: SURDEZ: IMPLICAÇÕES CLÍNICAS E POSSIBILIDADES TERAPÊUTICAS
Capítulo IV
CIRURGIA DE RECONSTRUÇÃO DE ORELHA MÉDIA
MIDDLE EAR RECONSTRUCTION
Eduardo T. Massuda
Médico Assistente. Divisão de Otorrinolaringologia. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP.
Correspondência: Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Divisão de Otorrinolaringologia. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP.
Avenida Bandeirantes, 3.900 – Campus Universitário da USP. 14.048-900 Ribeirão Preto – SP.
Fone (16) 3602-2863 – Fax (16) 3602-2860 - Email: [email protected]
Massuda ET.
Cirurgia de reconstrução de orelha média. Medicina (Ribeirão Preto) 2005; 38 (3/4): 253-256.
RESUMO: A orelha média funciona como um amplificador sonoro. Utiliza para isso três
mecanismos: o hidráulico, a alavanca dos ossículos e o jogo das janelas, sendo o mais importante o fato da energia mecânica captada pela membrana timpânica ser concentrada na área da
janela oval, que é muitas vezes menor (mecanismo hidráulico).
Podemos dividir o não funcionamento da cadeia ossicular em duas categorias: com diminuição da vibração da cadeia e com interrupção da cadeia. Neste artigo, o autor discorre sobre os
problemas da cirurgia de reconstrução.
Descritores: Ossículos da Orelha. Orelha Média. Reconstrução. Cirurgia.
1- INTRODUÇÃO
A orelha média desenvolveu-se graças a mutações subseqüentes na escala filogenética. A saída do
meio aquático, durante o desenvolvimento das espécies, fez com que houvesse a necessidade da formação de um sistema em que não ocorresse dissipação
de energia sonora na interface entre meio aéreo (orelha externa) e líquido (orelha interna). Assim, a membrana timpânica e os ossículos, se formaram para a
otimização desta transmissão.
Existem três mecanismos na anatomofisiologia
da orelha média, que são fundamentais para que não
haja dissipação da energia sonora:
a- Hidráulico: a membrana timpânica tem uma área
20 vezes maior do que a janela oval. Desta forma,
ocorre uma grande concentração da energia sonora captada pela área total da membrana timpânica,
quando transmitida por uma área muito menor.
b- Alavanca ossicular: o martelo articula-se com a
bigorna. O cabo do martelo fica mais anteriorizado
e mais inferior (aproximadamente 1,4mm) do que
a apófise longa da bigorna, produzindo assim um
mecanismo de alavanca que amplifica a energia
transmitida.
c- Jogo de janelas: quando a platina da janela oval
empurra a perilinfa da orelha interna, devido à vibração em pistão do estribo, a janela redonda faz o
trajeto oposto, liberando sua energia em direção à
orelha média.
O mais importante destes três mecanismos é o
mecanismo hidráulico, o qual produz um ganho de 27
a 30 dB (decibéls). Assim, a integridade dos ossículos
é de fundamental importância para que não haja perda da capacidade auditiva.
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2- PATOGÊNESE DA DISFUNÇÃO
CADEIA OSSICULAR
DA
Podemos dividir o mau funcionamento dos ossículos em duas categorias: a primeira com diminuição
da vibração da cadeia ossicular, como ocorre na timpanoesclerose e na otospongiose, e a segunda com
interrupção da cadeia ossicular, como nos casos de
desarticulação. Neste último caso, a principal causa é
a otite crônica, seja ela colesteatomatosa ou não, sendo outra causa muito freqüente os traumatismos de
osso temporal.
A otospongiose, ou otosclerose fenetral, é uma
doença genética onde ocorre um foco otosclerótico
que invade o ligamento anular na ante-fenestra da janela oval causando assim a diminuição de sua vibração e conseqüentemente dos líquidos no interior da
cóclea. Assim, temos a transmissão óssea da audição
normal e a transmissão área diminuída, caracterizando uma surdez de condução. Se o gap aéreo-ósseo
for maior ou igual a 30 dB a correção pode ser feita
cirurgicamente, através de um procedimento denominado estapedotomia, o qual costuma ter ótimos resultados auditivos.
3- TIPOS DE RECONSTRUÇÃO OSSICULAR
A estapedomia corresponde à retirada do estribo e colocação de uma prótese em seu lugar, através
de uma pequena perfuração na janela oval, a prótese
colocada fica, assim, em contato com a perilinfa da
orelha interna (Figura 1).
A
B
Figura 1: Prótese de estapedotomia posicionada. A) Nota-se o
anel metálico envolvendo o ramo longo da bigorna. B) Porção de
teflon da prótese de estapedotomia.
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A timpanosclerose corresponde a hialinização
da mucosa da orelha média, ou mesmo da membrana
timpânica, devido a alterações crônicas, seja por otorréia crônica, por otites médias de repetição, ou por
alteração imunológica da mucosa da orelha média. Esta
hialinização, por sua vez, evolui para uma calcificação,
o que leva a uma diminuição da capacidade vibratil
da cadeia ossicular (Figura 2).
B
A
Figura 2: Coloração esbranquiçada característica da
timpanosclerose. A) Miringosclerose, B) Timpanosclerose
envolvendo a bigorna.
As desarticulações da cadeia ossicular causam
perda auditiva condutiva superior a 40 dB, normalmente.
Existem várias combinações de desarticulações
possíveis:
• martelo e estribo presentes, ausência de bigorna ou
corrosão do ramo longo da bigorna, o que corresponde a 40% dos casos;
• martelo presente, estribo e bigorna ausentes, platina do estribo móvel, correspondendo a 20% dos casos;
• martelo e bigorna ausente e estribo presente, platina móvel, correspondendo a 30% dos casos;
• martelo, bigorna e estribo ausentes, platina móvel,
em 8 a 2% dos casos;
• martelo e estribo ausentes e bigorna presente, menos de 1% dos casos;
• martelo, bigorna e estribo ausente e com platina fixa
correspondem a 1% dos casos.
Cirurgia de reconstrução de orelha média
Na prática o que devemos observar, do ponto
de vista da correção cirúrgica, é se há estribo e se sua
mobilidade está preservada. Quando temos a supraestrutura do estribo intacta, as reconstruções têm melhores chances de bom funcionamento. Os melhores
resultados estão nos casos com martelo e estribo presentes e os piores são aqueles onde temos platina fixada por timpanoesclerose e sem cadeia ossicular.
Neste último caso, é necessário sempre realizar ossiculoplastia em 2 tempos cirúrgicos, se houver membrana timpânica perfurada. No primeiro tempo, fechase a membrana e, no segundo tempo, faz-se uma estapedotomia na área de timpanosclerose que está bloqueando a platina.
As reconstruções podem ser realizadas com
enxertos autólogos ou com próteses bioativas e biocompatíveis. Elas são denominadas TORP – Total
Ossicular Reconstruction Prosthesis (Figura 3) se
fizerem efeito columelar total, ou seja, da platina até
membrana timpânica ou PORP – Partial Ossicular
Reconstruction Prosthesis (Figura 4) se for parcial
como nos casos onde ainda temos o estribo intacto.
Vários materiais são utilizados como enxerto:
cerâmica (bioglass), plastipore, proplast, titânio, cartilagem (Figura 5), a própria bigorna do paciente remodelada (Figura 6) ou córtex da mastóide remodelada. No
nosso serviço o que mais utilizamos é a cartilagem e a
bigorna ou córtex da mastóide remodelada. Na literatura, muitos trabalhos demonstram que pode haver
extrusão do material enxertado; mesmo a bigorna remodelada pode ser extruída. Assim, recomendamos a
colocação de um pequeno fragmento de cartilagem
quando colocamos o enxerto diretamente sob a membrana timpânica, para impedir o contato entre os dois
e a expulsão do material.
B
A
C
Figura 5: Enxerto de cartilagem posicionado. A) Vascularização
do B) Enxerto de cartilagem, C) Membrana timpânica remanescente.
Figura 3: Prótese tipo TORP.
Figura 6: Esquema de remodelação da bigorna para
posicionamento entre martelo e estribo.
Figura 4: Prótese tipo PORP.
Quando o martelo está presente, deve-se tentar posicionar o enxerto fixando-se a ele, quanto mais
pontos de fixação forem produzidos na ossiculoplastia, melhor o resultado, porém se o martelo estiver posicionado de forma muito anteriorizada, deverá ser realizada a liberação do tendão do músculo tensor
timpanal, para melhor mobilização deste ossículo.
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4- RESULTADOS DAS OSSICULOPLASTIAS
O fechamento do gap aéreo-ósseo constitui o
melhor indicador do êxito da reconstrução ossicular.
Na estapedotomia, este fechamento é provável em
cerca de 90% dos nossos casos, pois a técnica cirúrgica
é realizada em orelha média normal, apenas com calcificação na platina do estribo; em 1% os casos ocorre morte coclear com perda total da audição da orelha
operada. Em ossiculoplastias o fechamento total do
gap só é possível em 10 a 20% dos casos. A maioria
(60% dos casos, em média) ficará com gap de 25 dB.
Como se pode perceber, a cronicidade da doença é o maior fator de insucesso das ossiculoplastias.
Assim, em otites médias crônicas com colesteatoma,
as ossiculoplastia devem ser realizadas em segundo
tempo, geralmente após 12 meses da primeira cirurgia, ou seja, após remoção com sucesso da patologia
de base, nos casos de cirurgia com técnica fechada.
Na técnica aberta, tenta-se realizar em um só tempo
cirúrgico.
Os melhores resultados de reconstrução da cadeia ossicular são encontrados nos casos de trauma
de osso temporal com desarticulação de cadeia, pois
a orelha média não apresenta doença crônica.
Em casos onde a mucosa da orelha média en-
Massuda ET.
Middle ear reconstruction.
contra-se muito espessada, em virtude da inflamação
crônica, pode-se optar pela colocação de um fragmento
de silastic na orelha média, fundamental para melhor
controle da infecção.
Devem-se observar sempre as condições da
ventilação atical (área da membrana de Schrapnell);
muitas vezes faz-se necessária a secção do tendão do
tensor timpânico, porém este procedimento causará
menor estabilidade da ossiculoplastia. Este procedimento será necessário também em casos de martelo
muito anteriorizado e medializado.
Outra causa de falha no resultado cirúrgico é a
manutenção da tuba auditiva impermeável, o que leva
as retrações timpanais após alguns anos de cirurgia.
Temos por conduta utilizar enxerto duplo nestes casos, utilizando fáscia do músculo temporal e cartilagem do tragus para refazer a membrana timpânica.
5- CONCLUSÕES
A estapedotomia apresenta ótimos resultados
quando comparada a ossiculoplastia, pois não existe
doença crônica na orelha média, o tímpano está intacto,
a mucosa é normal e sua tuba auditiva funciona bem.
A cronicidade da doença da orelha média é o principal
fator de falha na ossiculoplastia.
Medicina (Ribeirão Preto) 2005; 38 (3/4): 253-256.
ABSTRACT: Middle ear works as a sound amplifier. Three kinds of mechanism are used for
this purpose: the hydraulic, the ossicular lever and the windows set. The most important of them
is concentration of vibratory energy in the oval windows. (hydraulic mechanism).
We can divide the disfunctions of the ossicular chain in two categories: with reduction of the
chain vibration and with interruption of the ossicular chain. In this article we will report the problems that may occur in the surgery of the reconstruction of the ossicular chain.
Keywords: Ear Ossicles. Ear, Middle. Reconstruction. Surgery
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