ISTOÉ - Independente - Projeto Andar de Novo

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A Semana > Entrevista
| N° Edição: 2257 | 15.Fev.13 - 21:00 | Atualizado em 10.Abr.13 - 14:19
Miguel Nicolelis
"Estamos a caminho de curar a cegueira"
Neurocientista brasileiro desenvolve uma tecnologia
que abre a possibilidade de recuperar a visão e a
audição em humanos
por Juliana Tiraboschi
FAÇANHAS
Depois de fazer um macaco acionar um braço robótico
com o cérebro, neurocientista transforma ratos nos únicos
mamíferos capazes de “sentir” a luz infravermelha
http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhePrint.htm?idEntrevista=275968&t... 10/04/2013
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O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis não se cansa de surpreender. Em 2011, fez um
macaco controlar um braço robótico apenas com o pensamento, feito inédito na história da
ciência e que entrou na lista das tecnologias que irão mudar o mundo, elaborada pelo Instituto
de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Nesta semana, uma das ramificações da revista britânica
“Nature” publicou a nova e surpreendente pesquisa de Nicolelis: ele e seus colegas Eric
Thomson e Rafael Carra fizeram ratos “sentir” a luz infravermelha, invisível para os mamíferos.
Dessa forma, criaram um novo sentido além dos cinco naturais: visão, audição, paladar, tato e
olfato. Tão importante quanto a descoberta são os novos caminhos abertos por ela. Fazer com
que uma parte do cérebro aprenda um novo sentido indica que é possível recuperar
capacidades perdidas, utilizando a mesma técnica. Para curar determinados tipos de cegueira,
bastaria religar os nervos ópticos em uma parte do córtex cerebral que não estivesse avariada.
O mesmo poderia ser feito com os demais sentidos.
Professor de neurobiologia, engenharia biomédica, psicologia e neurociência e codiretor do
Centro de Neuroengenharia da Universidade de Duke, nos EUA, e pesquisador do Instituto
Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra (INN), Nicolelis fala na entrevista a
seguir sobre esse estudo e projetos como o Andar de Novo, que engloba uma série de pesquisas
relacionadas à ligação entre cérebro e máquina e ao uso da atividade elétrica produzida pelos
neurônios para controlar dispositivos robóticos como braços e pernas artificiais. Por trás desse
plano está o grande sonho do cientista: fazer um tetraplégico brasileiro voltar a andar com a
ajuda de um exoesqueleto e dar o pontapé inicial na Copa de 2014.
“Está mantido o plano de fazer um tetraplégico dar o pontapé
inicial na Copa. Para a neurociência, é como um pouso em Marte"
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"A Cidade do Cérebro está atrasada. O governo do Rio Grande do Norte não dá relevância para investimento em educação científica"
Fotos: Murillo Constantino/AG. ISTOé; HERTON ESCOBAR/ESTADão
Istoé - Nessa nova pesquisa, vocês fizeram com que os ratos sentissem a luz
infravermelha como uma informação táctil?
MIGUEL NICOLELIS -
Miguel Nicolelis
Exatamente. Por isso dizemos que é como se eles “tocassem” a luz. Induzimos os animais a
reconhecer uma luz invisível como se fosse uma sensação do tato.
Istoé - E os animais demoraram quanto tempo para aprender esse novo sentido?
Cerca de 30 dias. E nós notamos que os ratos mudaram seu comportamento. Eles
começaram a fazer gestos com a cabeça que se parecem com movimentos de morcego,
“escaneando” o ambiente em busca da luz. Eles estavam em uma sala escura, não enxergavam a
luz, mas, toda vez que chegavam próximo dela, sentiam mais a sua intensidade táctil. Assim,
percebemos que eles desenvolveram uma nova sensação e uma estratégia para processar esse
estímulo.
MIGUEL NICOLELIS -
Istoé - Vocês esperavam esse resultado ou foi uma surpresa?
MIGUEL NICOLELIS - Foi surpreendente. Primeiro pela rapidez com que aconteceu a mudança e depois
pela forma como o animal usa esse sentido de uma maneira eficiente. Os ratos passaram de
movimentos aleatórios em busca de comida a quase 100% de acerto.
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Esse
Istoé
- resultado mostra que o cérebro pode ser bem mais plástico do que se
imagina?
Sim, sem dúvida. Ninguém esperaria que um pedaço de córtex táctil fosse capaz
de criar uma codificação de uma luz invisível. Essa foi uma grande demonstração de que, mesmo
durante a fase adulta da vida, o cérebro é capaz de criar um novo modelo interno do mundo
exterior, mesmo que seja de um sinal que o corpo nunca experimentou.
MIGUEL NICOLELIS -
Istoé - E esse novo modelo seria um novo sentido?
Isso mesmo. Não temos um nome para isso, mas é como se tivéssemos criado
uma mistura de visão e tato, parecido com um fenômeno raro chamado sinestesia. Ele acontece
com pessoas que ouvem um tipo de som e enxergam determinadas cores, uma mistura de duas
modalidades de sentido.
MIGUEL NICOLELIS -
Istoé - E vocês pretendem dar continuidade a essa pesquisa?
Sim, já temos um macaco que consegue sentir luz infravermelha. Podíamos ter
testado qualquer outro tipo de onda eletromagnética: de rádio, raio X ou magnética propriamente
dita. Escolhemos a infravermelha porque ela não interfere com os registros cerebrais. Agora
estamos pensando em iniciar testes com ondas de rádio.
MIGUEL NICOLELIS -
Istoé - O sr. acha que essa técnica poderá ser aplicada na criação de novos sentidos em
humanos?
Acho que sim. Com os métodos não invasivos para estimular o cérebro que estão
começando a aparecer, é possível. Imagine poder aumentar os canais sensoriais dos seres humanos.
Iria ampliar bastante nossa capacidade de ver o mundo. Imagine poder ter visão de raio X, sentir
ondas de rádio, infravermelhas, campo magnético. Teríamos uma capacidade de interpretar o
mundo além dos limites do corpo.
MIGUEL NICOLELIS -
Istoé - Como a aplicação dessa técnica pode ajudar na recuperação de visão e audição
em pessoas cegas e surdas? Há um potencial de cura dessas deficiências?
Em pessoas que tiveram lesões no córtex e ficaram cegas, por exemplo, sim,
seria possível reverter o quadro, porque você pode usar o córtex para outras coisas. Em teoria,
poderíamos tratar qualquer déficit sensorial com esse tipo de abordagem. É outra linha de pesquisa
que vai se abrir.
MIGUEL NICOLELIS -
Istoé - O sr. acha que a ciência está próxima disso?
Esses trabalhos começam a colocá-la próxima disso. É uma outra porta que
ninguém tinha pensado em usar até esse momento. Ainda não dá para estimar quão próximos
MIGUEL NICOLELIS -
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estamos da cura da cegueira ou da surdez por meio dessa técnica, mas as coisas estão acontecendo
muito rapidamente. E é um incentivo muito grande para os pesquisadores saber que um pedaço de
córtex não visual pode ser usado para se transformar nesse estímulo. Agora temos outra alternativa
de pesquisa.
Istoé - Em que estágio está o projeto Andar de Novo?
Estamos trabalhando dia e noite, aqui na Universidade de Duke, no Instituto de
Neurociências em Natal (RN) e na Universidade Técnica de Munique. Recebemos pedidos de
adesão de diversas instituições do Brasil e do resto do mundo que querem colaborar. Agora estamos
combinando todos os registros cerebrais que criamos e construindo o exoesqueleto. Já temos um
protótipo para macacos, vamos testá-lo nos próximos quatro meses. O plano é simular uma lesão
medular no animal com uma anestesia que fará com que ele fique paralisado da cintura para baixo
por seis horas para testar o equipamento.
MIGUEL NICOLELIS -
Istoé - Está mantido seu plano de levar um tetraplégico a dar o pontapé inicial na Copa
de 2014?
MIGUEL NICOLELIS - Sim, cientificamente estamos em dia com a pesquisa. Estamos começando o
processo de selecionar pacientes no Brasil e montar a equipe clínica. O projeto já é conhecido no
mundo inteiro. Para a área de neurociências é como ir para a Lua, como um pouso em Marte.
Istoé - E como anda o projeto da Cidade do Cérebro, que vai abrigar o Instituto de
Neurociências e uma escola de ciências?
MIGUEL NICOLELIS - Estamos esperando a Universidade Federal do Rio Grande do Norte cumprir a
promessa de terminar o campus no prazo. O projeto está atrasado em vários anos. É uma obra
muito grande. A parte de alvenaria dos dois prédios está pronta, agora faltam as obras de
infraestrutura. Esperamos que eles sejam entregues no ano que vem para podermos iniciar a nossa
escola em período integral para três mil alunos e levar o Instituto de Neurociências para lá.
Gostaríamos de inaugurá-lo antes da Copa.
Istoé - Como vai funcionar essa escola?
Será a primeira instituição de ensino que vai começar no pré-natal da mãe. Nós já
temos um programa de pré-natal há cinco anos na cidade de Macaíba (RN), onde a mortalidade
materna era de 90 óbitos a cada 100 mil partos. Estamos avaliando os números, mas reduzimos
dramaticamente esse índice, e nosso trabalho virou referência para o Ministério da Saúde. Essas são
as mães dos nossos futuros alunos. A fase crucial de formação do cérebro é no período pré-natal.
Ao longo desses anos fomos introduzindo técnicas para que os bebês nasçam com seu potencial
neurobiológico intacto. Quando a escola abrir, essas crianças terão um período de currículo oficial e
um dedicado à educação científica. Isso acontecerá desde o berçário até o final do ensino médio.
MIGUEL NICOLELIS -
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Istoé - Há três anos o sr. deu uma entrevista criticando a falta de incentivo oficial a
esses projetos. A situação continua a mesma?
Continua muito parecida. O governo do Rio Grande do Norte não dá muita
relevância para esse tipo de investimento em educação científica. Mas já nos conformamos com
isso, e os recursos do governo federal estão sendo suficientes.
MIGUEL NICOLELIS -
Istoé - Em 2011, o sr. rompeu com o cofundador do Instituto de Neurociências Sidarta
Ribeiro, que deixou o projeto junto com outros pesquisadores da UFRN. Como
está a situação hoje?
MIGUEL NICOLELIS - O que aconteceu é que essas dez pessoas que saíram do INN não aceitavam as
normas impostas pelo instituto e pelo governo federal. Em qualquer lugar, você tem que seguir
regras. Por exemplo, você tem que esperar o fabricante vir instalar um equipamento – se abrir
antes, perde a garantia –, tem que aprovar protocolos, as pessoas que acessam o instituto têm de ser
identificadas e existem questões de segurança em relação à propriedade intelectual.
Istoé - Uma das reclamações do grupo que se desligou girava em torno da dificuldade
de acesso de pessoal da UFRN ao instituto.
Imagina... Eles tinham uma lista de 90 nomes que nunca se materializou. A
média de presença de gente da universidade era de apenas 12 pessoas por dia. Quando percebemos
que o conceito deles não batia com o nosso, para nós foi muito tranquilo que eles saíssem. Ficamos
surpresos com o estardalhaço que isso gerou. E agora, quase dois anos depois, todas as
reivindicações que eles fizeram, como a retirada de equipamentos, foram negadas pelas agências
reguladoras. A atitude deles demonstrou imaturidade e falta de seriedade. Essas coisas acontecem
em todo lugar e não viram notícia de jornal.
MIGUEL NICOLELIS -
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