51 ARTIGO ORIGINAL/ORIGINAL ARTICLE Percussão da coluna lombossacra – método diagnóstico para a detecção do nível anatômico intra-operatório Lumbosacral spine percussion – an intra-operative technique for anatomical level determination Jair Ortiz1 Ricardo Hõfling2 RESUMO ABSTRACT Objetivo: avaliar a diferença do ruído à percussão entre a primeira vértebra sacral (S1) e a quarta (L4) e quinta (L5) vértebras lombares, caracterizando essa diferença como parâmetro diagnóstico intraoperatório de identificação do nível que se deseja abordar. Métodos: o estudo envolveu 18 pacientes que foram submetidos a procedimento cirúrgico na coluna lombossacra, usando-se o acesso posterior (16 laminotomias e duas artrodeses in situ), entre março a julho de 2002, no Centro Médico de Campinas – Campinas - SP. Os ruídos foram causados pela percussão das lâminas de L4, L5 e S1, com o descolador de periósteo do tipo Cobb e registrada em gravador comum de fita cassete. Em seguida, foi realizada a confirmação radiográfica do nível com o uso do intensificador de imagens. A gravação foi digitalizada e encaminhada a um perito de análise de sons que procedeu à análise espectral. O parâmetro da “média espectral” foi utilizado na análise estatística. Resultados: a análise de variância pareada e o teste de Student Newman Kills mostraram haver diferenças entre S1 e L4 e S1 e L5 (p<0,01). Entretanto, não houve diferença estatística entre L4 e L5 (p>0,05). Conclusão: a diferença dos ruídos à percussão pode ser utilizada como método para determinação do nível anatômico nas cirurgias da coluna lombossacra nas abordagens posteriores. Objective: To evaluated the sound differences during percussion between the first sacral vertebra (S1) and the fourth (L4) and the fifth (L5) lumbar vertebras as a criteria for an intra-operative detection for the approach level. Methods: The study comprised, eighteen patients that were submitted to a surgical procedure on the lumbossacral spine, by the posterior approach (16 laminectomies and 2 in situ artrodesis), between March and July 2002, at the Centro Medico de Campinas – Campinas - SP. The sounds were obtained by the percussion of the laminas of L4, L5 and S1 with a Cobb elevator and were recorded in a regular cassete recorder and the levels were confirmed by the use of an image intensifier. The record was digitalized and was analysed by an sound technitian for spectral evaluation. The spectral means were used for the statistical analysis. Results: The Analysis of Variance and the Student Newman Kills test showed that there were differences on sound during percussion between S1 and L4 and between S1 and L5 (p<0,01), however, there was not any difference on sound percussion between L4 and L5 (p>0,05). Conclusion: It is concluded that the differences of the sound during percussion can be used as a method to detect the anatomical level in lumbosacral posterior surgical procedures. DESCRITORES: Região lombossacral; Percussão; Procedimentos cirúrgicos operatórios KEYWORDS: Lombosacral region; Percussion; Surgical procedures, operative Trabalho realizado no Centro Médico de Campinas – Orthos – Ortopedia e Traumatologia - Campinas (SP), Brasil Recebido: 20/02/2005 - Aprovado: 16/08/2005 1 Médico Ortopedista do Centro Médico de Campinas – Orthos – Ortopedia e Traumatologia - Campinas (SP), Brasil. Residente em Ortopedia e Traumatologia do Centro Médico de Campinas – Orthos – Ortopedia e Traumatologia - Campinas (SP), Brasil. 2 COLUNA/COLUMNA. 2006;5(1):51-54 2006;5(1):13-18 Ortiz J, Hõfling R 52 INTRODUÇÃO Em cirurgias envolvendo a coluna lombossacra, a determinação do nível anatômico que se deseja abordar é de importância crucial na obtenção do resultado desejado1. Nos acessos posteriores por mini-incisões, a determinação do nível anatômico pode ser feita a partir da radiografia ou por parâmetros anatômicos clássicos, como: 1) O espaço L4-L5 é localizado na altura das espinhas ilíacas póstero superiores2; 2) A primeira vértebra sacral tem início a partir do último ligamento amarelo; 3) Ao se realizar a palpação de S1, verifica-se a presença da crista sacral mediana, dos foramens sacrais posteriores e de uma massa óssea única, sem os processos transversos; 4) O espaço entre a lâmina de L5 e S1 é amplo e entre L4 e L5 estreito3. Há mais de 20 anos, intuitivamente, um dos autores (Jair Ortiz) tem utilizado mais um recurso na determinação do nível anatômico nesta região da coluna verterbral, qual seja, a diferença do ruído ao se percutir com um descolador periostal, a lâmina de uma vértebra lombar (som grave) e a primeira sacral (som mais agudo)4. Não encontramos nenhuma menção na literatura deste método. O objetivo deste estudo é analisar a eficiência e descrever esse método intra-operatório como um parâmetro adicional para guiar o cirurgião na identificação do nível anatômico nas abordagens posteriores da coluna lombossacra. MÉTODOS Neste estudo, foram utilizados 18 pacientes submetidos a cirurgia da coluna lombossacra no Centro Médico de Campinas, Campinas – SP, no período de março a julho de 2002, sendo 16 laminotomias, das quais 13 no nível L5-S1, 3 no nível L4-L5 para tratamento de hérnias discais e duas artrodeses in situ nos níveis L5-S1 e L3-L4 para espondilolistese. Todos os pacientes eram primários, sem procedimento cirúrgico prévio na coluna lombossacra. Os pacientes apresentavam a média de idade de 40,4 anos (24 a 68 anos), sendo 11 homens e sete mulheres. A abordagem posterior foi utilizada em todos os procedimentos cirúrgicos, com mini-incisões e exposição vertebral somente no lado sintomático nos casos das hérnias discais. Nos casos de artrodese, a percussão foi realizada igualmente por mini-incisão sendo a exposição cirúrgica completada somente após a determinação do nível. Após a realização do acesso e exposição do espaço a ser abordado, foram percutidas as lâminas de L4, L5 e S1 com a ponta de um descolador periostal do tipo Cobb, com três seqüências de três batidas seguidas próximas uma das outras, com o instrumento o mais perpendicular possível à superfície da lâmina. O ruído foi gravado em um gravador portátil (Panasonic RQL30®) e microfone externo (Cássio SHS®). Nas laminectomias do espaço L5-S1, a lâmina de L4 era alcançada projetando-se o descolador por baixo do plano muscular. O mesmo procedimento era realizado na percussão de S1 nas laminectomias L4-L5. Após a gravação do som, o nível era confirmado com o uso do intensificador de imagens. Os resultados das gravações foram digitalizados no aplicativo Sound Forge XP 4.5 (Sonic Foundry Inc.) e COLUNA/COLUMNA. 2006;5(1):51-54 2006;5(1):13-18 encaminhados a um perito em análises de sons. Com o uso do software Mult Speech, procedeu-se à análise espectral (correspondente à “impressão digital” do som). RESULTADOS Diversos parâmetros foram analisados com o objetivo de documentar a diferença dos sons de L4 e L5 de S1, audivelmente distinguíveis com facilidade. O parâmetro “média espectral” mostrou-se confiável na demonstração das diferenças dos ruídos. Foram realizados os testes de Análise de Variância pareada (ANOVA 2 critérios), em que os resultados mostraram homogeneidade equivalente de dados. O teste Student Newman Kills foi aplicado para detectar diferenças estatísticas entre a média espectral das vértebras L4, L5 e S1. A média espectral da percussão das vértebras e os resultados do teste de Student Newman Kills estão mostrados na Tabela 1, onde podemos observar que os sons obtidos da percussão de L4 e L5 não apresentam diferença estatística (p>0,05). Entretanto, o som de S1 mostrou-se estatisticamente diferente de L4 e L5, com uma característica marcantemente mais aguda, enquanto que L4 e L5 apresentaram sons similares, relativamente mais graves que S1. A representação gráfica dos valores das médias espectrais para cada paciente das vértebras L4,L5 e S1 está mostrada na Gráfico 1. Não houve nenhum caso de erro na detecção do nível à percussão, quando realizada a confirmação radiográfica. TABELA 1 - Média espectral (em Hertz) da percussão obtida das vértebras L4, L5 e S1 para cada paciente e o resultado do teste estatístico de Student Newman Kills Paciente/Nível 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 Média* L4 386,28 389,73 230,47 307,97 273,12 237,11 452,87 222,05 299,16 152,07 507,89 503,92 478,23 366,37 537,35 413,71 519,78 308,53 365,92 A * Letras iguais indicam semelhança estatística L5 371,42 422,48 278,84 263,51 377,72 278,82 509,86 283,25 281,8 179,54 547,66 510,96 539,5 422,74 588,63 515,84 598,37 355,62 407,03 A S1 688,87 887,53 1031,02 705,12 698,01 608,47 843,97 585,52 1115,07 986,7 1119,92 1398,39 1138,9 1233,16 1109,8 991,3 1378,81 1259,25 987,77 B Percussão da coluna lombossacra 53 Gráfico 1 Representação gráfica da média espectral (em Hertz) da percussão obtida das vértebras L4 (azul), L5 (vermelho) e S1 (bege) para cada paciente DISCUSSÃO Os resultados obtidos confirmam e documentam o comportamento das vértebras lombares e sacral à percussão. Durante muitos anos este vem sendo um método empiricamente utilizado por um dos autores (J.O.), bastante confiável no auxílio da determinação do nível anatômico intra-operatório, sem a confirmação radiográfica. Não encontramos nenhuma publicação na literatura médica de métodos similares. Na prática, o método se torna útil quando exploramos os espaços L5-S1 e/ou L4-L5. A mudança de som entre uma lâmina e a subseqüente revelará a transição lombossacra (L5-S1). Ao contrário, ao se percutir a lâmina caudal à primeira já percutida e o som não mudar, estaremos diante do espaço L4-L5. Neste caso, em seguida, deve-se percutir por baixo do plano muscular a próxima lâmina, caudal em relação à última percutida e se o som for diferente (agudo-S1), confirma o espaço L4-L5; se igual aos anteriores, estaremos no espaço L3-L4. As batidas devem ser em número de três a quatro, bem próximas uma das outras e repetida continuadamente outras três a quatro vezes após curto espaço de tempo em cada vértebra, com o elevador de Cobb o mais vertical possível, pois assim fica mais fácil perceber a qualidade dos sons. Apesar de termos avaliado 18 pacientes, um número relativamente pequeno, foi suficiente para demonstrar significativamente a eficácia clínica do método, não tendo ocorrido nenhum erro na determinação do nível anatômico. Deve-se estar atento na radiografia simples às variações anatômicas como mega-apófise de L5 e presença de disco entre S1 e S2. Assim, poderemos avaliar o som, pois a fixação de L5 ao sacro por neo-artrose pode levar a um som mais agudo que L4 e o disco S1-S2 pode levar a som mais grave a S1. No entanto, o paciente número 15 apresentava uma discopatia L5-S1, com diminuição de pouco mais de 50% do espaço L5-S1 e os pacientes 3, 8, 9 e 15 possuíam disco sacral. Nesses pacientes, a detecção ocorreu sem falhas. Os valores obtidos das médias espectrais não foram constantes para todos os pacientes, mas a importância está no fato de que para um mesmo paciente, os valores e o som são nitidamente diferentes. Acreditamos que essas variações possam ocorrer em função de diferenças individuais como o tamanho dos ossos, quantidade de tecido gorduroso, volume abdominal e qualidade óssea. Neste estudo, não constaram pacientes que já tivessem se submetido à cirurgia prévia no local, os quais, provavelmente, não seriam bons parâmetros para demonstrar a diferença dos sons, mas mesmo assim o utilizamos. Ebraheim et al. estudaram em 80 pacientes submetidos à artrodese posterior da coluna, a capacidade do cirurgião de terminar o nível anatômico baseando-se na palpação, visão direta e parâmetros anatômicos5. Nessa série, houve erro em quatro pacientes (5%), os quais já tinham se submetido a laminectomias amplas. Stolke et al. estudaram as complicações de 481 cirurgias descompressivas para a coluna lombar, tendo encontrado um índice de erro intraCOLUNA/COLUMNA. 2006;5(1):51-54 2006;5(1):13-18 Ortiz J, Hõfling R 54 operatório na detecção do nível de 2,49%, 12 pacientes, dos quais dois eram re-operações6. Acreditamos que esse método não substitua rotinei-ramente a radiografia na sala de cirurgia, especialmente nos casos de re-operação, onde a anatomia está alterada, mas é um método auxiliar de diagnóstico que, somado à palpação, visão direta e parâmetros anatômicos, levará à identificação do nível anatômico desejável, com bastante segurança, na maioria dos casos. O tempo operatório, os custos e a exposição aos raios-X serão reduzidos com a utilização do método proposto. Até que se tenha experiência com o método sugerimos que se faça uso de radiografias intra-operatórias para a confirmação do nível. CONCLUSÕES Existe uma marcante diferença no som à percussão entre a primeira vértebra sacral e a quarta ou quinta vértebras lombares, sendo estas últimas estatisticamente semelhantes entre si. Estes dados foram confirmados pela análise espectral dos ruídos obtidos intra-operatoriamente. Essa diferença pode ser utilizada como método para detecção do nível anatômico nas cirurgias da coluna lombossacra nas abordagens posteriores. AGRADECIMENTOS Ao Dr. Ricardo Molina, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, que gentilmente realizou a análise dos sons deste trabalho REFERÊNCIAS 1. Pheasant HC. Sources of failure in laminectomies. Orthop Clin North Am. 1975;6(1):319-29. 2. Bontrager KL. Tratado de técnica radiológica e base anatômica. 4a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999. 3. Turek SL. Orthopaedics: principles and their application. 2nd ed. Philadelphia: Lippincott; 1967. 4. Ortiz J, Abreu AD. Tratamento cirúrgico das hérnias discais lombares em regime ambulatorial. Rev Bras Ortop. 2000;35(11/12):440-6. Correspondência Jair Ortiz Rua Camargo Paes, 425 Bairro Guanabara - Campinas (SP), Brasil 13073-350 Tel./Fax: 19 3242-1322 E-mail: [email protected] COLUNA/COLUMNA. 2006;5(1):51-54 2006;5(1):13-18 5. Ebraheim NA, Inzerillo C, Xu R. Are anatomic landmarks reliable in determination of fusion level in posterolateral lumbar fusion? Spine. 1999;24(10):973-4. 6. Stolke D, Sollmann WP, Seifent V. Intra and postoperative complications in lumbar disc surgery. Spine. 1989;14(1):56-9.