HEILBRUNN, Jacob. O efeito bumerangue nas relações EUA-Japão. São Paulo: OESP, 26 de novembro de 1998. O Japão está em crise. Medidas dramáticas são necessárias para curar a economia enferma. O remédio é o capitalismo no estilo americano: mercados abertos e um corte radical nas empresas ineficientes. Essa é a tecla em que o presidente Bill Clinton, assessorado pelo secretário do Tesouro, Robert Rubin, bateu durante sua visita ao Japão na semana passada. Na véspera da viagem, Clinton enviou uma dura carta ao primeiro-ministro do Japão, Keizo Obuchi, exigindo reformas mais rápidas. Nem o novo plano japonês para estimular a economia, com gastos de US$ 197 bilhões, foi suficiente para satisfazer Washington. Em vez disso, o governo Clinton está pressionando cada vez mais para que o Japão adote o modelo anglo-saxão de livre mercado. Nada podia ser mais equivocado. O Japão não está preparado para transformar seu sistema social e econômico. Longe de uma depressão, o Japão passa por uma recessão normal. A panacéia do livre mercado recomendada pelos EUA agravaria os problemas do Japão, pois causaria agitação social. Não foi por acaso que na última reunião da Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico, na Malásia, no início do mês, seus membros consideraram a possibilidade de denunciar os efeitos da galopante globalização sobre as economias e o meio ambiente da Ásia. O anti-americanismo e o nacionalismo estão em alta, em resposta ao triunfalismo norteamericano. Em nenhum outro lugar isso é mais evidente que no Japão. Diferentemente dos EUA e da Grã-Bretanha, o Japão nunca adotou uma economia de livre mercado. Apesar de sua derrota na 2ª Guerra Mundial, o país manteve o velho sistema econômico: desenvolvimento industrial maciço, dirigido pelos ministérios do governo. Em vez da abordagem ocidental de privilegiar o lucro no curto prazo, o governo japonês cuidadosamente deu crédito à indústria. O lado negativo é evidente hoje: este sistema entrelaçado não tinha proteções contra a corrupção. Por isso ocorreu a enxurrada de bancos falidos que haviam fornecido créditos sem critério. Mas foi o lado positivo que criou o milagre japonês. Após algumas décadas, o Japão tornou-se uma potência econômica. Apesar dos problemas do Japão, esses benefícios ainda são aparentes e a maioria dos japoneses acredita que não há necessidade de transformar fundamentalmente seu sistema econômico. Por que deveriam? Shunji Taoka, um importante analista, disse que a idéia da crise japonesa é exagerada: "O Japão é a potência número 1 do status quo, gozando de mais de US$ 1 trilhão em poupanças pessoais - mais da metade do total mundial - e cerca de US$ 700 bilhões em bens fora do país". Glen S. Fukushima, presidente da Câmara Americana de Comércio em Tóquio, também diz que seus colegas americanos estão errados ao ignorar os pontos fortes do Japão. Ele observa que o país tem um excedente de US$ 130 bilhões em conta corrente e sua indústria está em ótima forma. E os efeitos da recessão sobre a sociedade japonesa? A criminalidade, o desemprego e o número de sem-teto ainda estão muito abaixo dos níveis dos Estados Unidos e de outros países ocidentais. Ao caminhar por Tóquio ou outras cidades, é quase impossível ver sinais de queda econômica, muito menos de depressão. Sim, há mais táxis parados em frente do Hotel Imperial, a prostituição adolescente está aumentando, assim com o crime juvenil, mas esses indicadores de fermento social não chegam nem perto dos verificados nos EUA. Em geral, a sociedade japonesa parece estar agüentando as dificuldades bastante bem. O surpreendente não é quão dificil tem sido gerir a economia, mas os poucos problemas sociais que surgiram. No entanto, a abordagem que os Estados Unidos estão tentando impor sobre o Japão para que o país saia da recessão levaria a um aumento radical desses problemas. A sociedade de consenso japonesa seria destruída com a adoção do modelo americano. No Japão, a economia funciona como proteção contra os movimentos sócio-econômicos que os Estados Unidos consideram inevitáveis. A última coisa que a maioria dos japoneses quer é demissões em massa ou grandes bolsões urbanos de pobreza. Enquanto nos Estados Unidos a distância entre ricos e pobres é cada vez maior, o Japão permanece uma sociedade igualitária, mesmo que etnicamente exclusiva. O salário mais alto de um executivo de primeira linha é de cerca de US$ 600 mil por ano - as somas que alguém como o presidente da Disney, Michael D. Eisner, pode movimentar deixam os japoneses estupefatos. A economia neoliberal pregada pelo governo americano aumentaria a distância entre os ricos e pobres do Japão, algo que nenhum governo pode considerar. De fato, a pressão do governo Clinton sobre o Japão está funcionando como um bumerangue. O famoso escritor e parlamentar Shintaro Ishihara acaba de publicar um livro declarando que o Japão se está tornando "um escravo financeiro da América". Membros pró-americanos do Parlamento japonês, como Shingo Nishimura, têm dito que as tentativas dos Estados Unidos de dizer ao Japão como administrar sua economia estão ficando mais difíceis de engolir. Eles também perceberam que os Estados Unidos estão prestando mais atenção à China que ao Japão. Nishimura chama o governo Clinton de "gabinete de corretores da bolsa". Como resultado, membros do Partido Democrata, liderado pelo parlamentar Yukio Hatoyama, estão pedindo um Japão mais livre, que dispense os militares americanos e procure diminuir sua dependência econômica dos Estados Unidos.