SUBJETIVIDADE: UMA ANÁLISE PAUTADA NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL Elis Bertozzi Aita – UEM – [email protected] Marilda Gonçalves Dias Facci – UEM – [email protected] Financiamento: CNPQ 1. Introdução Este trabalho é resultado do desenvolvimento do projeto PIBIC O conceito de subjetividade na atualidade: uma análise a partir da Psicologia Histórico-Cultural. O objetivo de tal pesquisa foi analisar como o conceito de subjetividade está sendo discutido atualmente e como as produções intelectuais atuais estão compreendendo a relação existente entre desenvolvimento da subjetividade e processos educativos, tomando como fundamento teórico para a análise os pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural. A realização deste projeto de pesquisa ocorreu por meio de pesquisa bibliográfica sobre a concepção de subjetividade na perspectiva da Psicologia HistóricoCultural, em fontes primárias e secundárias, e pela leitura e análise de artigos que tratavam da subjetividade e da educação selecionados na biblioteca eletrônica scielo (2008). O desenvolvimento do psiquismo humano foi objeto de interesse de investigadores da perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural . L. S. Vigotski (18961934) foi quem deu início à Psicologia Histórico-Cultural, que está assentada no materialismo histórico-dialético. Essa perspectiva parte da noção de que as leis do desenvolvimento psíquico do homem estão socialmente condicionadas nas e pelas relações sociais de produção. O processo de desenvolvimento é determinado por um complexo conjunto de condições de vida e educação da criança. Dessa forma, o psiquismo é constituído por influência da cultura, tem relação com o tempo histórico, com as condições materiais na qual o indivíduo se desenvolve. A partir desta concepção de constituição social do homem, nota-se a importância da escola no processo de humanização. Se o homem não nasce já dotado de todas as características que o faz homem, a educação é destacada enquanto meio pelo qual este homem apropria-se da cultura e se desenvolve enquanto ser humano. 2 A psicologia tradicional tem compreendido o processo de desenvolvimento da subjetividade de forma naturalista, como se este ocorresse desvinculado das condições históricas. As teorias pautam-se, muitas vezes, apenas na maturação biológica, postulando etapas universalizadas de desenvolvimento. Desta forma, a psicologia tradicional não dá conta de explicar o homem concreto, síntese das relações sociais. Shuare (1990) ressalta, ao analisar as obras de Vigotski, que a chave para entender todos os fatos e fenômenos presentes na individualidade é a origem históricosocial da psique humana; é o historicismo que engendra a teoria de Vigotski. O materialismo histórico-dialético concebe a sociedade como aquela que tem sido criada pelo homem e tem criado o próprio homem, mas não como uma força externa, à qual o homem deva se adaptar por imposição das circunstâncias. O homem é ao mesmo tempo sujeito e objeto das relações sociais; é produto e produtor da sociedade. A Psicologia Histórico-Cultural parte de uma visão marxista que compreende o homem como a síntese das relações sociais. Por meio da lógica dialética, Saviani (2004) procura compreender o conceito de subjetividade segundo Marx. O autor evidencia que Marx considera que “[...] o conteúdo da essência humana reside no trabalho. [...] o ser do homem, a sua existência, não é dada pela natureza, mas é produzida pelos próprios homens” (Saviani, 2004, p. 28). O homem constrói, assim, sua essência em sua existência, em sua atividade prática chamada trabalho. O homem difere dos outros animais neste sentido, visto que os animais em geral, para garantirem sua existência, precisam apenas adaptar-se à natureza. Já, para o homem, não basta adaptarse a natureza, é preciso transformá-la. O homem “[...] precisa agir sobre a natureza transformando-a e ajustando-a as suas necessidades. Em lugar de adaptar-se à natureza, tem de adaptar a natureza a si. E esse ato de agir sobre a natureza transformando-a é o que se chama trabalho” (Saviani, 2004, p. 28). O trabalho é, portanto, a essência humana. Saviani (2004), a partir dos estudos das obras de Marx, afirma que a essência humana não é abstrata e nem algo interior de cada indivíduo isolado, e sim consiste no conjunto de relações sociais. Marx, segundo Saviani (2004), coloca a essência humana não como algo universal e desligado da existência, e sim como, fundamentalmente, um produto das relações sociais de produção, uma essência construída a partir de uma existência prática. 3 É de fundamental importância para a Psicologia compreender como se dá o processo de constituição do indivíduo e da subjetividade, analisando o momento histórico e social no qual este indivíduo está inserido, bem como as condições de educação e de transmissão de conhecimentos, ou seja, a maneira pela qual este sujeito se apropria da cultura desenvolvida pela humanidade. O psicólogo, no desempenho de sua profissão precisa ter clareza das condições histórico-sociais que produzem a subjetividade dos indivíduos e, quando se trata de uma intervenção na área educacional, cabe à Psicologia oferecer explicações acerca da influência da escolarização na constituição do indivíduo. Visto que o homem se constitui através das relações sociais, e que são estas relações que o tornam homem, a escola torna-se um importante instrumento de humanização. Por isso, é imprescindível para a Psicologia compreender este movimento e poder assim auxiliar os professores, na prática pedagógica, destacando o quanto os mesmos, por meio do ensino, influenciam a constituição dos sujeitos. 2. O desenvolvimento do psiquismo e da subjetividade na Psicologia HistóricoCultural O conceito de subjetividade, apesar de ser amplamente utilizado pela Psicologia e por outras ciências, possui diversas definições, que variam de acordo com o autor, com a interpretação, etc. Pode-se observar que, atém mesmo no interior de uma mesma perspectiva, como a Psicologia Histórico-Cultural, existem diferentes interpretações e formulações teóricas acerca da constituição da subjetividade. Molon (2003) realizou um estudo acerca da constituição do sujeito e da subjetividade na concepção de diferentes autores e na leitura que esses autores fazem sobre a constituição do sujeito na obra de Vigotski. Identificou que os autores analisados por ela têm por pressuposto a origem social do homem, mas diferem entre si com relação à maneira como vêem esta relação entre indivíduo e sociedade e na maneira como vêem a relação entre a constituição da subjetividade no meio social e individual. Alguns autores priorizam o funcionamento intrapsicológico – como, por exemplo, Jaan Valsiner - e alguns dão ênfase ao funcionamento interpsicológico – como, por exemplo, James V. Wertsch. Outros, ainda, vêem de forma dialética a relação entre ambos os aspectos. Cada uma dessas formas de pensar a constituição da subjetividade traz consigo, portanto, diferentes formas de se analisar a constituição do sujeito. A autora destaca que a constituição do sujeito e da subjetividade não é esclarecida nem entre os 4 autores que dão ênfase ao aspecto intrapsicológico, nem entre os autores que se preocupam com o interpsicológico, e que a análise do tema subjetividade é feita com reduções de ambas as partes, não se pautando no caráter dialético das produções de Vigotski. Diante do exposto, vemos a necessidade de discutir o desenvolvimento do psiquismo e a constituição da subjetividade que se fundamentem em uma visão marxista dos autores que compõem a Escola de Vigotski, tais como o próprio L. S. Vigotski, A. N. Leontiev, A. R. Luria, entre outros. Leontiev (1978/2004) discorre acerca da constituição psíquica do homem e seu desenvolvimento. Para Leontiev (1978/2004, p.279, grifos do autor), o desenvolvimento do homem é um processo histórico e social, visto que “o homem é um ser de natureza social, que tudo o que tem de humano nele provém de sua vida em sociedade, no seio da cultura criada pela humanidade”. Apenas o aparato biológico não é suficiente para que o homem se torne homem, pois “[...] cada indivíduo aprende a ser homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana” (Leontiev 1978/2004, p.285, grifo do autor). Portanto, o homem só se torna homem ao apropriar-se do mundo, quando se transmite, às novas gerações, o legado da humanidade. É o processo de apropriação e objetivação dos bens materiais e culturais que propiciam o desenvolvimento de novas gerações de seres humanos. A constituição da subjetividade humana caminha desse ir e vir do mundo interno para o mundo externo, numa relação dialética entre objetividade e subjetividade. Martins (2007), a partir das idéias defendidas por Leontiev, afirma que compreender a “[...] a essência humana como conjunto das relações sociais implica reconhecer que estas relações são produzidas pelos homens por meio da atividade consciente, encontrando-se na base destas relações as relações sociais de produção” (Martins, 2007, p.141). Isto mostra a conexão entre subjetividade e atividade vital do homem – o trabalho, pois é pela atividade que este homem constrói a si mesmo e ao mundo. Desta forma, a compreensão da subjetividade deve considerar que o homem pertence a uma forma determinada de sociedade, e que as particularidades desta sociedade condicionam a construção dos indivíduos que dela fazem parte. Para analisar o indivíduo devemos nos fundamentar na análise do momento histórico e social enfocando a relação dialética homem-sociedade. E para viver em sociedade o homem 5 precisa controlar o seu comportamento e isso é possível com o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Para Vigotski (1931/2000), o desenvolvimento do psiquismo é o resultado, por um lado, de um processo biológico de evolução das espécies animais que conduziu à aparição do Homo Sapiens; por outro lado, é resultado do processo histórico, graças ao qual o homem primitivo se converteu em um ser culturalizado. A filogênese, a ontogênese e as condições histórico-sociais seriam responsáveis pelo homem cultural. Vigotski (1931/2000) descreve que as transformações nos planos natural e cultural promovem o processo de formação biológico-social da personalidade da criança. Conforme a criança vai se apropriando da cultura, vai aprendendo a utilizar os recursos mediadores que o ambiente dispõe para realizar determinados comportamentos. Ocorre uma superação dos aspectos biológicos pela apropriação da cultura. O comportamento passa a ser mediado por instrumentos e signos. O comportamento da criança, pela mediação de outras pessoas, vai se modificando. Ocorre a “[...] a criação e o emprego de estímulos artificiais em qualidade de meios auxiliares para dominar as reações próprias” 1 (Vigotski, 1931/2000, p.82). A criança passa a se utilizar de signos para controlar seu comportamento. Vigotski (1931/2000, p.83) denomina de signo os “[...] estímulosmediadores artificiais introduzidos pelo homem na situação psicológica, que cumprem a função de auto-estimulação; [...] estímulo condicional criado pelo homem artificialmente e que se utiliza como meio para dominar a conduta [...]”. Afirma que, do ponto de vista psicológico, a significação, a criação e a utilização de signos é que diferencia o homem do animal. Quando Vigotski (1931/2000, p. 146) analisa a gênese das funções psicológicas superiores destaca que o signo “[...] a princípio, é sempre um meio de relação social, um meio de influência sobre os demais e tão somente depois se transforma em um meio de influencia sobre si mesmo”. Os signos externos tornam-se internos e, desta forma, o homem passa a ser ele mesmo através do outro. É importante destacar que Vigotski (1931/2000) está se referindo não apenas a personalidade em seu conjunto, mas também a cada função psicológica superior. Segundo o autor, cada função superior é primeiramente externa, interpsíquica, para depois se tornar interna, intrapsíquica. Toda função psicológica é primeiramente social. 1 Essa citação e as demais, traduzidas do espanhol para o português, são de nossa responsabilidade. 6 Vigotski (1931/2000) afirma que, quando ele se refere a algo “externo”, está querendo afirmar que é algo “social”. Ou seja, o que sustenta as funções superiores são as relações sociais. Todo aspecto cultural é social, uma vez que a cultura é produto da atividade humana social. Nesta mesma linha de pesquisa, Vigotski e Luria (1030/1996) afirmam que no início de seu desenvolvimento, a criança utiliza-se de suas funções psicológicas naturais para se adaptar ao meio. Quando ela passa do estágio primitivo e natural para o estágio cultural, passa a utilizar-se de signos externos como auxílio para, por exemplo, memorizar algo. Com o passar do tempo, estes signos tornam-se internos, são internalizados pela criança, e esta passa a utilizar-se de suas funções psicológicas superiores para realizar suas tarefas, não necessitando mais de auxiliares externos. A formação da subjetividade, nesta linha de raciocínio, é condicionada tanto por fatores internos, como fatores externos; ou seja, tanto fatores culturais como o próprio desenvolvimento das funções psicológicas superiores formam a personalidade da criança. No que se refere ao termo subjetividade, Silva (2007) pontua que o conceito é amplamente utilizado hoje, porém possui as mais diferentes definições. A autora procura compreender o significado deste termo a partir de Leontiev, afirmando que, para este autor, “[...] a palavra subjetividade se refere ao processo pelo qual algo se torna constitutivo e pertencente ao indivíduo; ocorrendo de tal forma que esse pertencimento se torna único, singular” (Silva, 2007, p.75). O fato da subjetividade se referir àquilo que é único e singular do sujeito não significa que sua gênese esteja no interior do indivíduo. A gênese dessa parcialidade está justamente nas relações sociais do indivíduo, em que ele se apropria (ou subjetiva) de tais relações de forma única (da mesma maneira ocorre o processo de objetivação). Ou seja, o desenvolvimento da subjetividade ocorre pelo intercâmbio contínuo entre o interno e o externo, relação essa tal qual Vigotski (1995, 1931) descreve quando se refere a gênese das funções psicológicas superiores. Em síntese, é o processo de tornar o que é universal em singular, único, isto é, de tornar o indivíduo pertencente ao gênero humano (Silva, 2007, p.76). 7 Considera-se que o contexto histórico e cultural no qual o indivíduo está inserido é que vai constituir o mesmo como sujeito, por meio de uma relação dialética entre objetividade e subjetividade, conforme destacam Cambaúva e Tuleski (2007). Segundo Bock (2001): [...] o fenômeno psicológico deve ser entendido como construção no nível individual do mundo simbólico que é social. O fenômeno deve ser visto como subjetividade, concebida como algo que se constitui na relação com o mundo material e social, mundo este que só existe pela atividade humana. Subjetividade e objetividade se constituem uma à outra sem se confundir. A linguagem é mediação para a internalização da objetividade, permitindo a construção de sentidos pessoais que constituem a subjetividade. O mundo psicológico é um mundo em relação dialética com o mundo social. Conhecer o fenômeno psicológico significa conhecer a expressão subjetiva de um mundo objetivo/coletivo; um fenômeno que se constitui em um processo de conversão do social em individual; de construção interna dos elementos e atividades do mundo externo. Conhecê-lo desta forma significa retirá-lo de um campo abstrato e idealista e dar a ele uma base material vigorosa (Bock, 2001, p.23). A subjetividade, portanto, é constituída por fatores internos e externos, na qual a forma do indivíduo se perceber está relacionada com a forma como os homens estabelecem as relações sociais em um contexto específico, decorrente de condições histórico-sociais. A seguir veremos como o termo subjetividade é compreendido em artigos publicados na área de Psicologia e áreas afins. 3. A compreensão da subjetividade em produções atuais A seleção dos artigos para a análise do termo subjetividade nas produções biográficas atuais, em nossa pesquisa, deu-se a partir da utilização de duas palavraschaves: subjetividade e educação, na base de pesquisa Scielo, no ano de 2008. Foram encontrados e analisados 51 artigos, sendo que se deu ênfase à compreensão da subjetividade naqueles artigos que a abordavam a partir dos pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural. 8 A partir da análise dos artigos, pode-se perceber que, dos 51 artigos selecionados, 11 (22%) traziam o termo subjetividade, porém não faziam uma discussão acerca desta temática. A partir disto, os resultados discutidos a seguir serão baseados nos 41 artigos restantes, que traziam, em algum momento do texto, considerações acerca da subjetividade e/ou da forma como ela se constitui. Vale destacar que a temática explorada nesses artigos partia de referenciais teóricos bem variados e que o termo subjetividade não é utilizado com exclusividade na área de Ciências Humanas, sendo utilizado por várias áreas, entendido como algo específico do sujeito. Constatamos que quatro (9,75%), dos 41 artigos analisados, discutiam a subjetividade a partir de Michel Foucault, destacando, principalmente, as relações de poder. Pode-se examinar também que os autores da Escola de Frankfurt foram citados freqüentemente nos artigos lidos: quatro (9,75%) deles citavam ao menos um dos autores de tal escola, tais como Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno, Hebert Marcuse, Walter Benedix Schönflies Benjamin e Jürgen Habermas. Outros autores também frequentemente mencionados nos artigos analisados foram Gilles Deleuze e Félix Guatarri, visto que quatro artigos (9,75%) utilizaram-se de conceitos destes autores para compreender a constituição do sujeito. Observou-se também que três artigos (7,31%) entrelaçaram a visão foucaultiana de subjetividade com as formulações teóricas de Deleuze e Guatarri. Além disso, um (2,43%) artigo citou amplamente tanto Deleuze e Guatarri, quanto Adorno e Foucault. A corrente psicanalítica também fundamentou os artigos pesquisados. Quatro (9,75%) artigos contemplaram, de alguma forma, autores desta vertente, tais como Sigmund Freud, Jacques Marie Émile Lacan, Donald Woods Winnicott e Erik Homburge Erikson, utilizando-os para compreender a subjetividade. Finalmente, a concepção teórica da Psicologia Histórico-Cultural também foi utilizada pelos autores dos artigos analisados. Nove (21,95%) artigos discutiam a questão da subjetividade a partir de autores desta visão teórica. O restante dos artigos, a saber, 11 (26,82%), ou analisavam a subjetividade a partir de outras perspectivas diversas ou não apresentaram uma visão clara acerca dos autores que estavam sendo utilizados para tratar desta temática. Dentre os autores dos artigos que afirmavam se pautar na Psicologia Histórico-Cultural, pode-ser considerar, mediante a análise mais detalhada de tais artigos, que não houve um consenso sobre o que é subjetividade e como ela se constitui. 9 Ou seja, até mesmo no interior de uma mesma linha teórica houve diferentes interpretações e formulações teóricas acerca da constituição da subjetividade, conforme vimos em Molon (2003). Nos artigos analisados, alguns autores, amparados pela Psicologia HistóricoCultural, entendem a subjetividade a partir do contexto cultural e simbólico do sujeito, afirmando que ela é construída a partir deste contexto. Tais autores preocupam-se, particularmente, com a questão da linguagem e da semiótica, destacando a formação da linguagem como um processo constitutivo da subjetividade. A subjetividade, segundo eles, é formada na relação do sujeito com o outro, processo este mediado pela linguagem e pelo contexto histórico-cultural. O psiquismo dos indivíduos se desenvolve pela apreensão de signos e significados, que, por usa vez, são construídos socialmente nas relações entre os homens. Os artigos desta categoria citam, em sua maioria, Vigotski e Mikhail Bakhtin. Já outros autores, também amparados pela Psicologia Histórico-Cultural, entendem a subjetividade como resultante das relações sociais de produção da vida material. Ao analisarem a formação da subjetividade na sociedade de classes, destacam o processo de alienação, compreendendo que o homem é síntese dessas relações sociais, e que a subjetividade se forma por intermédio delas, tal como apregoa Saviani (2004). Estes autores citam, notadamente, Vigotski e Leontiev, como é o caso de Martins (2004). A autora afirma que o processo de personalização ocorre em interação com as condições sociais objetivas da existência do individuo e que só é possível compreender a construção da subjetividade na sociedade atual se analisarmos as relações sociais de alienação no capitalismo, tal como discorrem Saviani (2004) e Leontiev (1978/2004). Desta forma, as relações sociais desempenham fundamental papel na formação da personalidade. 4. Considerações finais Pode-se compreender que o termo subjetividade é amplamente utilizado pelos autores contemporâneos, e que eles empregam este termo para se referir a diversos fenômenos e muito raramente tratam do conceito a partir do método históricocultural. Cambaúva e Tuleski (2007) afirmam que é necessário superar a lógica formal, que separa mundo objetivo de mundo subjetivo. Entendem que objetividade e subjetividade não podem ser excludentes, uma vez que ambas estão interrelacionadas. 10 Nesta forma de compreensão da subjetividade, não se pode partir nem do mundo interno do indivíduo, nem do mundo externo. A análise supera a lógica formal e encaminha para o entendimento da unidade dialética entre indivíduo e sociedade. Para Saviani (2004), a solução do impasse entre individualidade e universalidade está na dialética. Segundo ele, a Psicologia não deveria ter como objeto de estudo o indivíduo empírico, e sim o indivíduo concreto. Defende esta idéia, pois para Marx: “[...] o concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade” (Marx, 1845/1973, apud Saviani, 2004, p.44). Assim, apreender o indivíduo em termos concretos significa considerá-lo síntese de múltiplas determinações, síntese de relações sociais, o que coincide com a definição de homem enunciada por Marx na sexta tese sobre Feuerbach: o homem é o conjunto das relações sociais (Saviani, 2004. p.44). O ser humano se faz homem na relação com os outros homens. Precisa, portanto, ser educado. E é aí que a escola entra como papel primordial. Como é na escola que o homem atual apreende as formas socialmente construídas de transformação da natureza, é esta escola que se constitui como fonte de humanização deste homem. Saviani (2004) afirma que “[...] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (Savinai, 2003, apud Savinai, 2004, p.46). A escola, nesse sentido, contribui para o processo de humanização dos alunos. Ela pode transformar a consciência dos indivíduos. Para Leontiev (1978/2004) quanto maior é o progresso da humanidade, mais rica é a prática sócio-histórica acumulada por ela, mais cresce o papel específico da educação e mais complexo é a sua tarefa. Esta é a razão, segundo esse autor, pela qual toda etapa nova de desenvolvimento da humanidade traz em seu bojo uma nova forma de educação. A educação é, assim, colocada em destaque, visto que se parte do pressuposto de que os seres humanos apropriam-se da cultura para se desenvolver e para que ocorra o desenvolvimento da sociedade como um todo. Sem a transmissão dos resultados do desenvolvimento sócio-histórico da humanidade para as gerações seguintes, seria impossível a continuidade do processo histórico. Facci (2004), nesse caminho, destaca que a apropriação da cultura humana é que dá origem a formas especiais de conduta, modifica a atividade das funções 11 psíquicas e cria novos níveis no desenvolvimento humano. As características da espécie são transmitidas por herança genética, mas as características do gênero humano não, pois este possui uma objetividade histórica e social. O trabalho educativo posiciona-se, portanto, em primeiro lugar, em relação a objetivações produzidas historicamente; e, em segundo lugar, sobre a humanização dos indivíduos. Para se humanizar os indivíduos precisam desenvolver as funções psicológicas superiores, tais como raciocínio lógico, pensamento abstrato, capacidade de planejamento, entre outras funções. O desenvolvimento das funções psicológicas superiores, é o fundamento de toda existência consciente do ser humano; é esse desenvolvimento que permite o homem superar o reino do biológico pela apropriação da cultura. A escola, o trabalho do professor, cria na criança, possibilidades de avanço no desenvolvimento, uma vez que, como afirma Vigotski (1931/2000), a aprendizagem provoca desenvolvimento. Na escola, é a apropriação do conhecimento científico que promoverá o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Facci (2004) destaca o quanto a educação escolar e o trabalho educativo realizado pelo professor é fundamental no processo de transmissão e apropriação dos conhecimentos científicos, ao promover o desenvolvimento psicológico dos alunos. Nessa perspectiva, os conteúdos curriculares e a própria atividade pedagógica são imprescindíveis para o processo de humanização. Desta forma, entendemos que a compreensão do desenvolvimento da subjetividade, pautada na Psicologia HistóricoCultural, encaminha o psicólogo escolar para uma proposta de atuação que considera que o homem está inserido em uma forma determinada de sociedade e que as características específicas desta organização social determinam a construção do psiquismo dos indivíduos que dela fazem parte. No processo de apropriação dos conteúdos escolares ocorre o encontro entre a subjetividade e educação e o psicólogo deve estar atento as condições histórico-sociais que permeiam esse encontro, procurando explicar o homem concreto, síntese das relações sociais, como propõe uma visão marxista. Referências 12 BOCK, A. M. B. (2001). A psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. In: Bock, A. M. B; Gonçalves, M. G. G.; Furtado, O. (Orgs.). Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, p. 15-35. CAMBAÚVA, L. G. & TULESKI, S. C. (2007). A pseudo-concreticidade do conceito de subjetividade na Psicologia. Revista de Educação, (23), 79-90. FACCI, M. G. D. (2004). Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor? Um estudo crítico-comparativo da Teoria do Professor Reflexivo, do Construtivismo e da Psicologia Vigotskiana. Campinas, SP: Autores Associados. LEONTIEV, (2004). A. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Centauro (Trabalho original publicado em 1978). MARTINS, L. M. (2007). A formação social da personalidade do professor: um enfoque vigotskiano. Campinas, SP: Autores Associados. MOLON, S. I. (2003). Subjetividade e constituição do sujeito em Vygotski. Petrópolis, RJ: Vozes. SAVIANI, D. (2004). Perspectiva marxiana do problema subjetividadeintersubjetividade. In: Duarte, N. (Org.). Crítica ao fetichismo da individualidade. Campinas, SP: Autores Associados, p. 21-52. SciELO. (2008). Scientific Electronic Library Online. Recuperado em 15 de abril de 2008 de http://www.scielo.br. SHUARE, M. (1990). La picología soviética tal como yo la veo. Moscou: Editorial Progresso. SILVA, F. G. (2007). O professor e a educação: entre o prazer, o sofrimento e o adoecimento. 2007. Tese de doutorado, Programas de Pós-graduação em Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. VYGOTSKI, L. S. & LURIA, A. R. (1996). Estudos sobre a história do comportamento: o macaco, o primitivo e a criança. Porto Alegre: Artmed (Trabalho original publicado em 1930). VYGOTSKI, L. S. (2000). Obras escogidas III. Madri: Visor. (Trabalho original publicado em 1931).