08 APCD Jornal // Dezembro 2014 Cuidados bucais em pacientes internados na UTI Atuação do Cirurgião-Dentista deve estar de acordo com a integralidade e interdisciplinaridade do atendimento hospitalar A Cirurgiã-Dentista, Wanessa Teixeira em atendimento a paciente de UTI // Texto Swellyn França // // Foto Wanessa T. Bellissimo-Rodrigues // A presença de um Cirurgião-Dentista na equipe de profissionais de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pode reduzir em 56% as chances de desenvolvimento de infecções respiratórias nos pacientes ali internados. Isso foi o que mostrou uma pesquisa realizada com 254 pacientes adultos internados na UTI do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HC-FMRP/USP). O trabalho foi objeto do estudo de pós-doutorado da Cirurgiã-Dentista Wanessa Teixeira Bellissimo-Rodrigues, orientado pelos professores Roberto Martinez e Fernando Bellissimo-Rodrigues. No estudo realizado no HC-FMRP, além da higiene básica promovida diariamente pela equipe de enfermagem da UTI, a Cirurgiã-Dentista realizou, de quatro e cinco vezes por semana, tratamen- Jornal_APCD_Dez_692.indd 8 tos odontológicos como remoção de tártaro, restauração de cárie, raspagem da língua, escovação dos dentes e até extração dentária, em metade dos pacientes. A outra metade, o chamado grupo controle, recebeu apenas a higiene básica. Os cuidados foram prestados durante todo o tempo de internação na UTI, que variou de 48 horas a até 49 dias. Aqueles que receberam tratamento odontológico apresentaram uma incidência de infecção respiratória de 8,7%, contra 18,1% no grupo controle. De acordo com o professor do Departamento de Medicina Social da FMRP e presidente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HC-FMRP/USP, Fernando Bellissimo-Rodrigues, pela primeira vez, foi demonstrado cientificamente que o tratamento odontológico pode trazer benefício significativo ao paciente de UTI. “Já, há muito tempo, suspeitávamos disso, e muita gente já vinha implementando essa atuação. Cito aqui o trabalho da Cirurgiã-Dentista, Teresa Márcia de Morais, uma das pioneiras no Brasil, atuando na Santa Casa de Barretos/SP. Ela foi uma inspiração para o presente trabalho, porque tínhamos a impressão que o tratamento era benéfico, mas não havia prova científica disso”. A Cirurgiã-Dentista, Wanessa Rodrigues, explica que o tratamento odontológico de pacientes hospitalizados, especialmente daqueles internados em UTIs, realizado por um Cirurgião-Dentista e em concordância com a equipe multiprofissional que o assiste pode contribuir evitando o agravamento de uma condição sistêmica já instalada assim como o aparecimento de novas doenças. “Contudo, a inserção do Cirurgião-Dentista neste ambiente deve ocorrer somente após sua capacitação e de forma consciente para que seu trabalho seja desenvolvido com base no princípio de Hipócrates ‘Primum, non nocere’ ou ‘Primeiramente, não fazer o mal’, garantindo que a atenção à saúde de seus pacientes traga benefícios e não agravos à sua condição clínica. E, para que isso ocorra, é extremamente importante que o Cirurgião-Dentista busque aprimoramento científico e técnico em cursos de capacitação e/ou pós-graduação, uma vez que o nível de complexidade e a gravidade destes pacientes vão exigir preparo de toda a equipe”. A profissional salienta que a necessidade deste aprimoramento profissional surge em decorrência do fato de que a grande maioria dos cursos de graduação em Odontologia do país visa à capacitação do Cirurgião-Dentista para um atendimento odonto- lógico ambulatorial e realizado de forma isolada em seus próprios consultórios, visão esta distante daquela de integralidade e interdisciplinaridade do atendimento hospitalar. “Mas, acredito que esta realidade deva sofrer mudanças a médio e longo prazo”. Cirurgião-Dentista pode atuar em nível preventivo e curativo na UTI De acordo com o periodontista, implantodontista e mestre em Ciências Odontológicas (área de concentração em Clínica Integrada) pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp), professor do curso de capacitação de Toxina Botulínica em Odontologia em diversas instituições, Irineu Gregnanin Pedron, a visita diária de um Cirurgião-Dentista ao paciente em UTI, avaliando a cavidade bucal, permite a observação e tratamento da incidência de doenças e infecções oportunistas em situação crítica (e transitória) que, na maioria das vezes, depende de terceiros (pessoal de enfermagem) para a realização de sua higiene bucal. “São observadas, na maioria das vezes, a xerostomia, e suas consequências deletérias à cavidade bucal, como aumento da incidência de cáries, doenças periodontais, mucosite, candidíase, ferimentos e lesões bucais decorrentes do ressecamento e distensão da mucosa, causando sangramentos bucais. Quando possível, pela resposta cognitiva e pela coordenação motora, é interessante que o paciente desenvolva a própria higiene bucal. O profissional pode ainda realizar procedimentos odontológicos curativos, como pequenas cirurgias ou exodontias em dentes que apresentam mobilidade, dificultando o processo de intubação orotraqueal, pequenos procedimentos restauradores, cimentação e reparo de próteses etc. Nesta perspectiva, a atuação do Cirurgião-Dentista na UTI pode favorecer a saúde sistêmica e o restabelecimento do paciente”, enfatiza. O especialista ainda menciona outra possibilidade de tratamento bucal em pacientes de UTI: o uso da toxina botulínica. “Alguns pacientes internados podem apresentar a sialorreia ou hipersalivação. Quando ocorre a aspiração destes fluidos, geralmente contaminados pelo aumento da incidência de microrganismos na cavidade bucal, há a possibilidade da incidência de pneumopatias. Neste sentido, uma das possibilidades de tratamento, dentre as opções farmacológicas, seria a aplicação da toxina botulínica no interior do parênquima glandular, causando a redução da salivação. Os protocolos de aplicação da toxina botulínica para sialorreia são bastante especulativos e dependem de vários fatores, individuais, farmacológicos e referentes ao quadro clínico do paciente. Além disso, a aplicação da toxina botulínica ainda não é uma realidade em nível hospitalar”, conta Irineu. 28/11/14 20:02