NEFROLOGIA PRINCIPAIS TEMAS PARA PROVAS DE RESIDÊNCIA MÉDICA AUTORIA E COLABORAÇÃO Natália Corrêa Vieira de Melo Graduada em medicina pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Especialista em Clínica Médica pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e em Nefrologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Doutoranda em Nefrologia pela FMUSP. Rodrigo Antônio Brandão Neto Graduado pela Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Especialista em Clínica Médica, em Emergências Clínicas e em Endocrinologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), onde é médico assistente da disciplina de Emergências Clínicas. Ana Cristina Martins Del Santo Graduada pela Faculdade de Medicina de Alfenas. Especialista em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ) e em Nefrologia pela Real e Benemérita Sociedade de Beneficência Portuguesa de São Paulo. Mestre em Nefrologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Médica do corpo clínico dos Hospitais A. C. Camargo e São Camilo. Médica nefrologista do Hospital São Luiz. APRESENTAÇÃO Após anos de dedicação intensa, numa árdua rotina de aulas teóricas e plantões nos mais diversos blocos, o estudante de Medicina depara com mais um desafio, o qual determinará toda a sua carreira: a busca por uma especialização bem fundamentada e que lhe traga a garantia de uma preparação a mais abrangente possível. Talvez a maior dificuldade enfrentada pelo futuro médico nessa etapa seja o ingresso nos principais centros e programas de Residência Médica, devido ao número expressivo de formandos, a cada ano, superior ao de vagas disponíveis. Contudo, essa barreira pode ser vencida quando se conta com o apoio de um material didático direcionado e que transmita total confiança ao candidato. Considerando essa realidade, foi desenvolvida a Coleção SIC Principais Temas para Provas de Residência Médica 2013, com capítulos baseados nos temas cobrados nas provas dos principais concursos do Brasil, casos clínicos e questões, dessas mesmas instituições, selecionadas e comentadas de maneira a oferecer uma compreensão mais completa das respostas. São 31 volumes preparados para que o candidato obtenha êxito no processo seletivo e, consequentemente, em sua carreira. Bons estudos! Direção Medcel A medicina evoluiu, sua preparação para residência médica também. ÍNDICE Capítulo 1 - Anatomia e fisiologia renal .........19 1. Introdução ................................................................... 19 2. Néfrons ........................................................................ 20 3. Vascularização ............................................................. 20 4. Glomérulo ................................................................... 21 5. Membrana basal glomerular ....................................... 22 6. Aparelho justaglomerular ............................................ 22 7. Túbulo proximal ........................................................... 23 8. Alça de Henle............................................................... 23 9. Túbulo contorcido distal .............................................. 24 10. Túbulo conector ou segmento conector ................... 24 11. Ducto coletor ............................................................ 24 12. Resumo ...................................................................... 25 Capítulo 2 - Métodos complementares diagnósticos em Nefrologia ............................ 27 1. Introdução ................................................................... 27 2. Análise da urina ........................................................... 27 3. Avaliação da função renal............................................ 30 4. Métodos de imagem ................................................... 31 5. Biópsia renal ................................................................ 35 6. Resumo ........................................................................ 35 Capítulo 3 - Distúrbios hidroeletrolíticos: potássio, sódio e cálcio .................................. 37 1. Introdução ................................................................... 37 2. Distúrbios do potássio ................................................. 37 3. Distúrbios do sódio ...................................................... 47 4. Distúrbios do cálcio ..................................................... 54 5. Resumo ........................................................................ 61 Capítulo 4 - Insuficiência renal aguda ...........63 1. Definição...................................................................... 63 7. Exames de imagem ...................................................... 74 8. Achados de doenças específicas.................................. 74 9. Biópsia renal ................................................................ 78 10. Princípios do tratamento .......................................... 78 11. Diálise ....................................................................... 80 12. Tratamento da doença de base ................................. 81 13. Profilaxia ................................................................... 81 14. Resumo ...................................................................... 81 Capítulo 5 - Complicações graves da IRA e emergências dialíticas ....................................83 1. Introdução ................................................................... 83 2. Hipervolemia ............................................................... 83 3. Hipercalemia ............................................................... 84 4. Acidose metabólica ..................................................... 84 5. Outras complicações graves da IRA ............................. 84 6. Princípios da terapia dialítica na IRA ........................... 85 7. Indicação de diálise na IRA .......................................... 86 8. Escolha da técnica de diálise ....................................... 86 9. Resumo ........................................................................ 86 Capítulo 6 - Doença renal crônica e terapia de substituição renal .....................................89 1. Introdução ................................................................... 89 2. Etiologia ....................................................................... 89 3. Fisiopatologia .............................................................. 89 4. Estágios ....................................................................... 91 5. Manifestações e tratamento não dialítico ................... 93 6. Exames de imagem ..................................................... 98 7. Terapia de substituição renal ....................................... 99 8. Outras medidas importantes no portador de doença renal crônica ................................................. 102 9. Resumo ...................................................................... 103 2. Avaliação do risco ........................................................ 65 Capítulo 7 - Doenças glomerulares .............105 3. Etiologia ....................................................................... 65 1. Introdução ................................................................. 105 4. Achados clínicos .......................................................... 69 2. Definições e nomenclaturas ...................................... 105 5. Diagnóstico .................................................................. 70 3. Alterações sugestivas de que a doença renal é de origem glomerular .................................................... 107 6. Exames complementares............................................. 71 4. Síndrome nefrótica .................................................... 107 5. Síndrome nefrítica .................................................... 115 6. Glomerulonefrite rapidamente progressiva .............. 117 7. Hematúria.................................................................. 120 8. Proteinúria isolada .................................................... 121 9. Microangiopatias trombóticas renais ........................ 122 10. Doenças glomerulares de depósito ......................... 122 11. Doenças sistêmicas associadas a glomerulopatias .. 123 12. Resumo .................................................................... 129 Capítulo 8 - Doenças tubulointersticiais ........................ 198 Capítulo 8 - Doenças tubulointersticiais......131 Capítulo 3 - Distúrbios hidroeletrolíticos: potássio, sódio e cálcio .............................................. 206 1. Introdução ................................................................. 131 2. Etiologia ..................................................................... 131 3. Achados clínicos ........................................................ 132 4. Nefrite tubulointersticial aguda................................. 132 5. Nefrite tubulointersticial crônica .............................. 133 6. Distúrbios tubulares específicos ................................ 135 7. Resumo ...................................................................... 139 Capítulo 9 - Doença renovascular isquêmica ......................................................141 1. Introdução ................................................................. 141 2. Etiologia ..................................................................... 141 3. Diagnóstico clínico .................................................... 142 4. Exames complementares........................................... 142 5. Diagnóstico diferencial .............................................. 143 6. Tratamento ............................................................... 144 7. Resumo ...................................................................... 145 Casos clínicos ................................................147 QUESTÕES Capítulo 1 - Anatomia e fisiologia renal ........................ 163 Capítulo 2 - Métodos complementares diagnósticos em Nefrologia............................................. 163 Capítulo 3 - Distúrbios hidroeletrolíticos: potássio, sódio e cálcio .............................................. 165 Capítulo 4 - Insuficiência renal aguda............................ 172 Capítulo 5 - Complicações graves da IRA e emergências dialíticas ..................................................... 178 Capítulo 6 - Doença renal crônica e terapia de substituição renal ....................................... 181 Capítulo 7 - Doenças glomerulares................................ 186 Capítulo 9 - Doença renovascular isquêmica................. 199 Outros temas ................................................................. 200 COMENTÁRIOS Capítulo 1 - Anatomia e fisiologia renal ........................ 205 Capítulo 2 - Métodos complementares diagnósticos em Nefrologia............................................. 205 Capítulo 4 - Insuficiência renal aguda............................ 212 Capítulo 5 - Complicações graves da IRA e emergências dialíticas ................................ 216 Capítulo 6 - Doença renal crônica e terapia de substituição renal ....................................... 218 Capítulo 7 - Doenças glomerulares................................ 222 Capítulo 8 - Doenças tubulointersticiais ........................ 231 Capítulo 9 - Doença renovascular isquêmica................. 232 Outros temas ................................................................. 233 Referências bibliográficas ........................... 235 NEFROLOGIA CAPÍTULO 1 Anatomia e fisiologia renal Rodrigo Antônio Brandão Neto / Natália Corrêa Vieira de Melo 1. Introdução Normalmente, uma pessoa tem 2 rins. Cada rim adulto tem, em média, de 11 a 12cm e pesa aproximadamente 150g. O parênquima renal, responsável pela formação da urina, é constituído por 2 camadas: a cortical, mais externa, e a medular, mais interna. Após ser formada no parênquima renal, a urina drena para uma rede de cavidades: os cálices renais menores, os cálices renais maiores e a pelve renal (Figura 1). Envolvendo o rim, encontra-se a cápsula renal, a qual é envolvida pela gordura perirrenal denominada fáscia de Gerota. Os rins estão localizados no retroperitônio; o rim direito costuma ser mais caudal e um pouco menor que o esquerdo, devido ao espaço ocupado pelo fígado no hipocôndrio direito (Figura 2). Na porção central do rim, chegam os nervos e vasos renais. Essa área é conhecida como hilo renal. A camada cortical renal contém glomérulos e é responsável pela depuração sanguínea e formação do filtrado, precursor da urina. A camada medular renal é formada macroscopicamente por 10 a 18 estruturas cônicas denominadas pirâmides de Malpighi. Nas regiões laterais, as pirâmides fazem contato com extensões de tecido cortical para a medula, denominadas colunas de Bertin. As bases das pirâmides têm início na junção corticomedular, e os vértices fazem saliência nos cálices renais e são conhecidos como papilas renais. Estas possuem de 10 a 25 aberturas para drenagem da urina formada em um cálice menor. Do cálice renal menor, a urina passa para o cálice renal maior e do cálice renal maior para a pelve renal. Desta, a urina é drenada para o ureter e dos ureteres para a bexiga. Da bexiga, a urina é drenada através da uretra e eliminada do organismo (através do pênis nos homens e da vulva nas mulheres). Figura 1 - Anatomia renal Figura 2 - Rins in situ (vista anterior) 19 ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL A função primordial dos rins é filtrar os produtos da degradação metabólica e o excesso de sódio e de água do sangue e auxiliar na sua eliminação do organismo. Os rins também exercem papel na regulação da pressão arterial e na produção de eritrócitos (glóbulos vermelhos). A complexa composição multicelular do rim reflete a imensa importância desse órgão para a homeostase. Isso inclui: - Manutenção da volemia e da osmolalidade do fluido extracelular; - Regulação das concentrações de Na+, K+, Ca++, Mg++, Cl -, HCO3-, fosfato e outros íons; - Excreção de produtos derivados do metabolismo: ureia, creatinina, ácido úrico; - Manutenção do equilíbrio acidobásico; - Eliminação de drogas e toxinas exógenas; - Participação no sistema endócrino: produção de renina, eritropoetina, 1,25-diidroxicolecalciferol (vitamina D3 ativa), prostaglandinas e cininas. 2. Néfrons Tabela 1 - Segmentos do néfron e principais funções Segmentos Funções principais Glomérulo - Forma o ultrafiltrado do plasma. - 60 a 70% do filtrado absorvidos; Túbulo pro- - Produção de amônia; ximal - Secreção de drogas e toxinas; - Reabsorção de sódio e 90% de bicarbonato. - Reabsorção de 25 a 35% do NaCl filtrado; Alça de - Importância na manutenção do sistema de conHenle tracorrente (essencial para concentrar a urina). - Reabsorção de 5% do NaCl filtrado; Túbulo distal - Impermeabilidade à água; - Importância na regulação do Ca++. - Reabsorção de Na+ e excreção de K+ sob influência da aldosterona; - Importância no equilíbrio acidobásico (pode Ducto cosecretar H+ ou bicarbonato); letor - Reabsorção de água na presença da vasopressina (ADH); - Local final de modificação da urina. Tabela 2 - Sumário de reabsorção renal em 24 horas Substâncias Filtrações/dia Excreções/dia Reabsorção Água Sódio Cloro Bicarbonato Potássio Ureia 180L 26.000mEq 21.000mEq 4.500mEq 800mEq 54g Cada rim possui cerca de 1.000.000 de néfrons (Figura 3). O néfron é a unidade funcional do rim, e a estrutura de cada néfron é constituída pelo glomérulo (contendo o tufo glomerular), o túbulo proximal, a alça de Henle e o túbulo distal, o último com continuidade com os túbulos coletores, formando o sistema coletor. O néfron responde pelos 2 principais processos que envolvem a formação da urina: a produção do filtrado glomerular e o processamento desse filtrado em seu sistema tubular. As principais funções de cada segmento do néfron estão resumidas na Tabela 1. A Tabela 2 sumariza a quantidade filtrada e reabsorvida de diversas substâncias pelos rins, em 24 horas. 3. Vascularização Figura 3 - Néfron Figura 4 - Vasculatura renal 20 0,5 a 3L 100 a 250mEq 100 a 250mEq zero 40 a 120mEq 27 a 32g 98 a 99% >99% 99% ≈100% 80 a 95% 40 a 50% Os rins recebem cerca de 20 a 25% do débito cardíaco através das artérias renais (ramos da aorta); o córtex renal recebe cerca de 85 a 90% do fluxo total. Uma sequência de subdivisões se segue a partir das artérias renais (artérias segmentares – interlobares – arqueadas – interlobulares) até formar as arteríolas aferentes, que suprirão cada glomérulo (Figura 4). As arteríolas eferentes saem do glomérulo e formarão uma complexa rede microvascular peritubular. NEFROLOGIA CAPÍTULO 9 Doença renovascular isquêmica 1. Introdução A doença renovascular isquêmica é uma causa potencialmente reversível de doença renal crônica (nefropatia isquêmica) e de hipertensão renovascular. Dessa forma, o reconhecimento e o tratamento apropriados dessa patologia são imprescindíveis. Estima-se que essa doença seja responsável por 5 a 22% dos casos de insuficiência renal avançada acima dos 50 anos. No entanto, a patologia ainda é subdiagnosticada em nosso meio, não só por desconhecimento quanto aos critérios de suspeição clínica, mas também pela indisponibilidade de exames complementares adequados para o diagnóstico. A hipertensão renovascular é causada pela hiperestimulação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, ocasionada pela redução do fluxo sanguíneo renal e, por conseguinte, da pressão de perfusão capilar glomerular, que é determinada pela estenose da artéria renal (Figura 1). Essa hiperestimulação leva ao desenvolvimento do hiperaldosteronismo secundário, com consequente hipertensão arterial e hipocalemia, com altos níveis de renina. Figura 1 - Mecanismo de hiperestimulação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e consequente hipertensão arterial secundária à estenose unilateral de artéria renal – hipertensão renovascular Natália Corrêa Vieira de Melo A nefropatia isquêmica é causada por estenose significativa das artérias renais bilaterais ou por estenose significativa da artéria renal de rim único. A isquemia renal crônica leva à redução da taxa de filtração glomerular, após o esgotamento dos mecanismos de autorregulação do fluxo sanguíneo renal, mediados pelo sistema renina-angiotensina-aldosterona. Deve-se suspeitar de estenose renal bilateral em portadores de hipertensão aguda, grave e/ou refratária associada à insuficiência renal, sem outra causa aparente; ou em pacientes que desenvolvam insuficiência renal aguda após tratamento com Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (IECA) ou Antagonista do Receptor da Angiotensina II (ARA-II). Quando a estenose da artéria renal é unilateral, geralmente há apenas hipertensão renovascular por isquemia do rim acometido. Como o rim contralateral é poupado, não há insuficiência renal. A seguir, serão discutidas as causas, bem como os métodos diagnósticos e o tratamento da estenose da artéria renal. 2. Etiologia A principal causa de estenose da artéria renal é a aterosclerose, responsável por aproximadamente 2/3 dos casos. A aterosclerose, por sua vez, predomina em pacientes com mais de 50 anos e é mais comum no sexo masculino. O acometimento se dá basicamente na porção proximal da artéria renal, podendo comprometer o óstio desta. É comum a presença de lesões ateroscleróticas em outros vasos além das artérias renais, incluindo as artérias coronárias, cerebrais, periféricas, até a aorta (Figura 2A). É bilateral em 20 a 30% dos casos e pode progredir com o passar do tempo. A 2ª causa mais frequente de estenose da artéria renal é a displasia fibromuscular, responsável pela quase totalidade dos casos restantes de estenose (30%). A displasia fibromuscular é uma doença não inflamatória e não aterosclerótica, que se caracteriza pelo espessamento fibromuscular 141 DOENÇA RENOVASCULAR ISQUÊMICA de 1 ou mais camadas da artéria renal ou de seus ramos. Pode ser classificada em 3 tipos: fibroplasias média (mais comum, 95% dos casos), íntima e adventícia. A fibroplasia média é a causa mais comum de estenose da artéria renal em jovens (15 a 40 anos), com predomínio no sexo feminino (5:1). As artérias renais são as mais comumente afetadas, embora possam estar envolvidas artérias intracranianas, hepáticas, carótidas, basilares, ilíacas e axilares. Ao contrário da aterosclerose, o acometimento da artéria renal pela fibrodisplasia se dá, principalmente, na porção distal da artéria renal ou de seus ramos. O aspecto de “colar de contas”, nos exames de imagem, é o achado mais comum e mais sugestivo de displasia fibromuscular média (Figura 2B). Esse aspecto decorre da presença de áreas de estenose alternadas com pequenos aneurismas. A estenose progride em apenas 30% dos casos, e a oclusão total da artéria é um evento raro. Pode haver bilateralidade em 20 a 30% dos casos. Uma causa rara, porém digna de nota, é a arterite de Takayasu, uma vasculite crônica, de etiologia desconhecida, que ocorre preferencialmente em mulheres jovens, de 10 a 40 anos. Acomete preferencialmente a aorta e seus ramos principais (entre eles, as artérias renais). A inflamação pode estar localizada em uma porção da aorta abdominal ou torácica e seus ramos ou envolver todo o vaso (Figura 2C). Pode haver estreitamento, dilatação ou oclusão dos vasos acometidos pelo processo inflamatório, e os sintomas dependerão da topografia e da extensão da lesão vascular. Se a artéria renal for acometida, poderá surgir hipertensão renovascular (unilateral) ou nefropatia isquêmica (bilateral). Exames laboratoriais refletem o estado inflamatório de maneira inespecífica, com aumento da velocidade de hemossedimentação e da proteína C reativa e hipoalbuminemia. Outras causas raras de doença renovascular são as colagenoses, a dissecção aórtica com envolvimento das artérias renais, a neurofibromatose, o trauma abdominal, a radiação (estenose actínica) e o pós-transplante renal. Figura 2 - Aspecto angiotomográfico das diversas etiologias da doença renovascular: (A) acometimento da aorta abdominal (seta longa) e do óstio da artéria renal esquerda (seta curta) por placas ateroscleróticas calcificadas; (B) aspecto de “colar de contas” em ambas as artérias renais (setas) secundário à displasia fibromuscular média e (C) oclusão total da aorta abdominal (seta) secundária à arterite de Takayasu 142 3. Diagnóstico clínico Suspeita-se do diagnóstico de doença renovascular pela história clínica. Algumas alterações que sugerem a presença dessa doença: - Hipertensão grave e/ou refratária ao tratamento; - Elevação aguda da pressão arterial; - Assimetria renal; - Episódios recorrentes e abruptos de edema pulmonar; - Aumento na concentração de creatinina após a administração de IECA ou ARA-II (estenose renal bilateral). No entanto, alguns pacientes com doença renovascular isquêmica crônica têm apenas poucos ou nenhum dos achados anteriores, porém tendem a apresentar um conjunto de achados característicos (mas não diagnósticos): - Hipertensão, geralmente de difícil controle; - Raça branca, história de tabagismo e idade abaixo de 30 ou acima de 55 anos; - Hipocalemia devida ao hiperaldosteronismo secundário; - Insuficiência renal progressiva inexplicada, com deterioração aguda ocasional, ou até anúria, se uma artéria funcional única progride para oclusão total; - Sedimento urinário com poucas alterações, apenas algumas células ou cilindros e proteinúria leve a moderada. Alguns pacientes com doença renovascular isquêmica crônica são normotensos, o que pode dever-se, em parte, a uma redução do débito cardíaco. 4. Exames complementares Os exames não invasivos têm seu valor principal em seu poder preditivo negativo, ou seja, um exame negativo permite a finalização da investigação diagnóstica, enquanto um exame positivo não permite o diagnóstico definitivo, mas indica a progressão da investigação. Os exames não invasivos propostos para avaliação inicial são a ultrassonografia com Doppler (se o serviço dispuser de profissional habilitado e experiente) associada à angiotomografia de artérias renais. A necessidade de outros exames não invasivos deve ser avaliada caso a caso. Na Figura 3 está o algoritmo proposto para investigação e seguimento de portadores de doença renovascular isquêmica. Figura 3 - Investigação e seguimento NEFROLOGIA CASOS CLÍNICOS 2012 - UNICAMP 1. Você atende um menino de 10 anos na Unidade Básica de Saúde e faz a hipótese diagnóstica de glomerulonefrite difusa aguda. a) Cite 3 dados de história, exame físico e/ou laboratorial que possibilitaram a formulação da hipótese diagnóstica sindrômica: b) Cite 2 classes de medicações anti-hipertensivas que poderiam desencadear o quadro: b) Ao final da consulta, o paciente apresenta crise convulsiva tônico-clônica generalizada. Você muda a hipótese diagnóstica? Explique: MEDCEL 3. 2010 - UNICAMP 2. Um homem de 72 anos, tabagista há 50 anos, iniciou há 4 tratamento com medicação anti-hipertensiva e, desde então, refere diminuição abrupta e significativa de volume urinário associado a edema dos membros inferiores, progressivo e vespertino. Exame físico: PA = 172x88mmHg; sopro sistólico em flancos. O eletrocardiograma mostra: D.M.J., 4 anos, sexo masculino, apresenta história de início súbito de dor abdominal e náuseas, seguida de edema generalizado (anasarca) e urina “cor de coca-cola” há 2 dias, além de redução do volume urinário. Nega dor lombar, artrite ou outros sintomas associados, e não apresenta história familiar de doenças renais, hipertensão ou diabetes mellitus. Além disso, não apresenta antecedentes patológicos relevantes. Ao exame, encontra-se em bom estado geral, eupneico, corado, anictérico, edema (++/4+) nos membros inferiores e na face. E mais: orofaringe sem alterações; PA = 150x90mmHg; FC = 88bpm; aparelhos cardiovascular e respiratório sem alterações ao exame; abdome sem alterações; pulsos periféricos distais palpáveis e simétricos; à inspeção da pele, apresenta a seguinte alteração: 149 CASOS CLÍNICOS a) Qual a etiologia dos achados eletrocardiográficos? d) Esses resultados reforçam a hipótese de doença ateroembólica, pela presença de eosinofilúria, dislipidemia e consumo de complemento. Embora existam casos de vasculites pauci-imunes com ANCA negativo, não consomem complemento, e também não há consumo de complemento em casos de nefrite intersticial aguda. Para a confirmação diagnóstica, a próxima conduta seria solicitar biópsia renal. Microscopia óptica de tecido de biópsia renal mostrando luz arteriolar obstruída por material fendiforme, com características de cristais de colesterol, compatível com o diagnóstico de doença renal ateroembólica por cristais de colesterol. - Necrose tubular aguda: esta hipótese é pouco provável, uma vez que a paciente não apresentou qualquer instabilidade hemodinâmica ou sepse, e ainda apresentou sedimento urinário com leucocitúria e hipocomplementemia, achados incompatíveis com o diagnóstico de necrose tubular aguda; - Embolia por colesterol: foi a principal hipótese diagnóstica, pois a paciente apresentava antecedente de manipulação vascular (cateterismo) que, assim como o uso de anticoagulantes, é um importante fator de risco para o desenvolvimento da Embolia por Colesterol (EC). Associadas a esse fato, a paciente apresentou manifestações clínicas e laboratoriais presentes na EC (livedo reticular, manifestações gastrintestinais, eosinófilos na urina e hipocomplementenemia). a) A principal alteração observada no ultrassom é um aumento de ecogenicidade da medula renal (a medula é geralmente hipoecoica em relação ao córtex). Essa aparência é típica da nefrocalcinose, uma deposição difusa de cálcio no tecido renal e, geralmente, secundária a acidoses tubulares renais, hiperparatireoidismo, glomerulonefrite crônica, entre outras. - Tratamento: não existe tratamento específico para doença ateroembólica. Assim, a paciente deve receber suporte clínico e dialítico conforme necessário. Pacientes com hipertensão de longa data e com insuficiência renal crônica prévia evoluem com maior frequência para insuficiência renal crônica terminal. O uso de estatinas parece ter um efeito protetor; - Discussão: a Nefrite Intersticial Aguda (NIA) é uma patologia mais frequentemente desencadeada por drogas. Outras causas, menos comuns, podem estar relacionadas a doenças autoimunes e infecções variadas (Legionella, leptospirose ou estreptococos). Neste caso, a paciente não apresentava antecedente de uso de medicações que estão frequentemente relacionadas à NIA (anti-inflamatório não hormonal, cefalosporinas ou penicilinas, rifampicina, cimetidina, alopurinol, entre outras). Associado a isso, a paciente ainda não apresentava os sinais e sintomas comumente vistos nestes casos, como febre, rash cutâneo e eosinofilia; - Vasculite pauci-imune: foi o principal diagnóstico diferencial, justificando a biópsia renal para avaliar a extensão da lesão e, consequentemente, o risco de iniciar tratamento imunossupressor em uma paciente idosa com comorbidades. Seu quadro clínico era bastante compatível com a hipótese de glomerulonefrite rapidamente progressiva pauci-imune com ANCA negativo, que pode ocorrer em até 20% dos casos, mas que não cursa com hipocomplementenemia; b) Para a investigação diagnóstica inicial deste paciente, devem ser solicitados hemograma, ureia, creatinina, sódio, potássio, cálcio, fósforo, cloro, gasometria, glicemia de jejum, urina I, urocultura, sódio urinário, potássio urinário e cloro urinário. c) - Ânion-gap plasmático = Na - (Cl + HCO3) = 135 - (115 + 15) = 135 - 130 = 5 (normal); - Ânion-gap urinário = NaU + KU - ClU = 160 + 58 - 210 = 218 - 210 = 8 (positivo). d) O caso é de um paciente jovem, com nefrocalcinose ao ultrassom, poliúria, acidose hiperclorêmica e hipocalêmica, pH urinário alcalino, com ânion-gap urinário positivo e ânion-gap plasmático normal. O diagnóstico mais provável é acidose tubular renal tipo I ou distal. A acidose tubular renal tipo I caracteriza-se pela incapacidade do túbulo coletor em secretar íons hidrogênio (devido a um defeito na H+-ATPase das células intercaladas), com consequente prejuízo da acidificação urinária. Desse modo, o pH urinário não consegue atingir níveis menores de 5,3, mesmo na vigência de acidose metabólica grave, o caso do paciente em questão. A acidose crônica reduz a absorção tubular de cálcio, causando hipercalciúria. A excreção urinária de citrato é baixa, pois a acidose e a hipocalemia estimulam a reabsorção tubular de citrato. A hipercalciúria, a urina alcalina e os baixos níveis urinários de citrato predispõem à formação de cálculos de fosfato de cálcio e à nefrocalcinose. 157 CASOS CLÍNICOS Caso 6 NEFROLOGIA QUESTÕES Anatomia e fisiologia renal 2010 - UNIFESP 1. O Gráfico mostra 4 situações de excreção renal de sódio em relação à pressão arterial renal: 2003 - PM-MG 4. Os anti-inflamatórios não esteroidais causam disfunção renal por inibirem: a) prostaglandinas vasoconstritoras b) prostaglandinas vasodilatadoras c) angiotensina II d) eritropoetina Tenho domínio do assunto Refazer essa questão Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder Métodos complementares diagnósticos em Nefrologia Tenho domínio do assunto Refazer essa questão Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder 2005 - HSPE-SP 2. A poliúria noturna no idoso apresenta vários componentes fisiopatológicos, exceto: a) redução da secreção renina-angiotensina-aldosterona b) redução da secreção do hormônio antidiurético c) diminuição da habilidade em conservar o sódio d) perda da capacidade de concentração renal e) perda do ritmo circadiano de secreção do hormônio antidiurético Tenho domínio do assunto Refazer essa questão Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder 2005 - HSPE-SP 3. Em relação à ação renal dos seguintes hormônios, assinale a alternativa incorreta: a) endotelinas levam à vasoconstrição b) cininas aumentam a natriurese c) o óxido nítrico leva à vasodilatação d) a 1,25-diidroxivitamina D aumenta a reabsorção de cálcio e) a angiotensina II dilata a célula mesangial Tenho domínio do assunto Refazer essa questão Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder Tenho domínio do assunto Refazer essa questão Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder 2012 - HC-ICC 6. Um homem de 40 anos, de 72kg, apresenta volume urinário total de 100mL nas últimas 24 horas, e a creatinina sérica atual é de 2mg/dL. Considerando que a função renal era normal até há 2 dias, qual é o clearance de creatinina (em mL/min/1,73m2) desse paciente? a) <30 b) 42,5 c) 50 d) 75 e) 100 Tenho domínio do assunto Refazer essa questão Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder 2011 - HSPE-SP (BASEADA NA PROVA) 7. Uma mulher negra, de 63 anos, 68kg e 1,62m, hipertensa e diabética de longa data, dá entrada no pronto-socorro de Ximboquinha da Serra com quadro de dispneia franca, edema dos membros inferiores, PA = 230x120mmHg, confusão mental, náuseas e vômitos incoercíveis. Foram coletados exames com os seguintes resultados: hemoglobina = 9,1g/dL, ureia = 215mg/dL, creatinina = 4,5mg/dL, K = 3,8mEq/L e Na = 135mEq/L, gasometria arterial com pH = 7,18 e Bic Na = 16. Por sorte, o nefrologista estava de plantão no pronto-socorro e calculou o clearance de creatinina, que estava >15. Para estimá-lo, segundo a fórmula de Cockcroft-Gault, quais são os parâmetros usados? 163 QUESTÕES As curvas que representam uma expansão de volume extracelular e uma baixa ingestão de sódio são, respectivamente: a) 2 e 3 b) 1 e 4 c) 1 e 3 d) 2 e 4 e) 3 e 4 2013 - UFF 5. A presença de gás na urina sugere uma fístula entre os tratos urinário e gastrintestinal, situação em que a estrutura do trato urinário mais acometida é a seguinte: a) pelve renal b) bexiga c) ureter proximal d) ureter médio e) ureter distal NEFROLOGIA COMENTÁRIOS NEFROLOGIA - COMENTÁRIOS Questão 226. Trata-se de um quadro clássico de síndrome de Alport, com história familiar e demais comemorativos. Para responder corretamente à questão, é preciso conhecer a doença. A síndrome de Alport é uma doença genética caracterizada por provocar a perda progressiva da função renal e auditiva e ter a possibilidade de afetar o sistema visual. Sangue na urina (hematúria) é quase sempre encontrado nessa condição. Identificada pela 1ª vez numa família inglesa, por Cecil Alport, em 1927, geralmente é mais agressiva em homens, levando à IRC. A síndrome é causada por mutações nos genes COL4A3, COL4A4 e COL4A5, responsáveis pela síntese do colágeno. Mutações em quaisquer desses genes impedem que a rede de colágeno tipo IV seja produzida. As membranas basais são finas estruturas laminares que separam e suportam as células. Quando mutações prejudicam a formação das fibras de colágeno tipo IV, as membranas basais das células renais não são capazes de filtrar corretamente o sangue, permitindo que ele e as proteínas passem para a urina. Gabarito = B Questão 227. Trata-se de um quadro de síndrome nefrótica em paciente jovem, em que a incidência de glomerulopatia por lesões mínimas é baixa (30%), diferentemente de pacientes <15 anos, em que esse padrão de lesão glomerular é muito frequente (80%). O curso dessa lesão em jovens é benigno e responde de forma sustentada a corticoides e diuréticos, o que não acontece no caso, sugerindo outro perfil histológico de lesão renal. Na faixa etária do paciente, a possibilidade de glomerulopatia membranosa é baixa (5%); a proliferação endovascular, a glomeruloesclerose focal e segmentar e a mesangial apresentam praticamente a mesma incidência (20% cada). Assim, a biópsia renal é necessária para melhor caracterização do tipo da lesão. A possibilidade de lesões crescênticas é muito baixa em decorrência do quadro clínico leve e da melhora clínica ao 1º tratamento. Gabarito = B Questão 228. Hipocomplementenemia é um achado relativamente comum em casos de glomerulonefrite difusa, incluindo glomerulonefrite pós-infecciosa (caso do rapaz de 19 anos), nefrite lúpica (caso da paciente de 25 anos e possível SAAF), glomerulonefrite membranoproliferativa, crioglobulinemia e doença do soro. Gabarito = A Questão 229. Esta é uma questão muito interessante e inteligente, que cobra conhecimentos mais aprofundados do aluno, excelente para provas de candidatos à residência de especialidades clínicas. O paciente apresenta manifestações de síndrome nefrítica (hipertensão e hematúria), mas também proteinúria em níveis próximos dos observados em pacientes com síndrome nefrótica, caracterizando uma síndrome mista nefrítico-nefrótica. Em paciente já com 35 anos, a principal hipótese é a glomerulonefrite membrano- 230 proliferativa. Outra síndrome que pode cursar com essas manifestações é a glomeruloesclerose segmentar e focal, mas um achado cardinal para o diagnóstico é a presença de hipocomplementenemia que acompanha os pacientes com glomerulonefrite membranoproliferativa. A nefrite aguda pós-estreptocócica não costuma ocorrer nessa faixa etária e não apresenta níveis tão altos de proteinúria. A nefrite por lesões mínimas não costuma cursar com hematúria e hipertensão, e a nefropatia por IgA mais comumente cursa com hematúria macroscópica e não evolui com diminuição do complemento. Por fim, a glomerulopatia mesangial também não cursa com hipocomplementenemia. Gabarito = C Questão 230. Todos os pacientes devem receber drogas anti-hipertensivas quando são indicadas e drogas protetoras de proteinúria (IECA, ARA II) e estatinas quando é necessário estabelecer controle lipídico. Doença mesangial (I e II) não precisa de tratamento específico. Doença membranosa (V) recebe prednisona e ciclosporina se há síndrome nefrótica ou só prednisona, se há proteinúria não nefrótica. Doença proliferativa leve pode receber corticosteroides, se os sintomas extrarrenais são importantes. Nas doenças proliferativas severas, usar imunossupressão na ordem de preferência (segundo efetividade): ciclofosfamida, azatioprina e prednisona. Gabarito = D Questão 231. O quadro é de uma IRA em um doente jovem, sem comorbidades e de evolução de 1 semana. Laboratorialmente, há hematúria de origem glomerular (devido à presença de cilindros hemáticos), insuficiência renal e ultrassonografia de rins normais (fala contra obstrução). IRC é improvável (alternativas “a” e “e” incorretas). Se houvesse um item IRA, glomerulonefrite pós-estreptocócica seria o mais correto. A glomerulonefrite membranosa não costuma evoluir tão rápido, sendo improvável. A resposta é a alternativa “b”, embora glomerulonefrite rapidamente progressiva se caracterize por evolução em semanas a poucos meses. Gabarito = B Questão 232. O diagnóstico de glomerulonefrite difusa aguda é sugerido pela presença de edema, hipertensão, oligúria, proteinúria de início agudo (dias a poucas semanas). Em laboratório, há aumento de ureia e creatinina, consumo do complemento sérico e presença de anticorpos contra o Streptococcus (antiestreptolisina O, anti-DNAse, anti-hialuronidase etc.). Entretanto, o que é característico de acometimento glomerular é a presença de hematúria com dismorfismo e/ou cilindros hemáticos. Gabarito = E Questão 233. A ultrassonografia de rins é essencial não só para delinear a anatomia do rim, mas também para mensurar, a ele e suas camadas cortical e medular, se realmente está presente (há pessoas normais com rim único), e, sobre-