A eutanásia, a morte e o morrer Douglas Blanco “ ‘A contínua obra de nossa vida é construir a morte’, diz Montaigne. (...) Essa trágica ambivalência pela qual o animal e a planta apenas passam, o homem a conhece, ele a pensa.” (Simone de Beauvoir, 2005) Introdução A Bioética vem se debruçando sobre um amplo leque de problemas relativos ao processo vida-morte. O que importa para a Bioética é o que se passa entre o estar vivo e o estar morto; a passagem entre a vida e a morte delineados pela tecnologia. Dentre as questões cruciais que se inserem nesse panorama mais amplo da bioética do fim da vida, está a eutanásia, em seu sentido literal: boa morte (um passamento sem dor e sem sofrimento). Para a bioética importa pensar a vida; o processo de morrer, suas implicações, a autonomia do sujeito no final da vida, a dignidade nesta etapa. Introdução A morte não é apenas um acontecimento possível, é um acontecimento necessário; não é apenas um acontecimento com alguma gravidade, tem para o homem a gravidade absoluta. A partir da atualização da morte em nossa vida, lançamos uma certa forma de olhar que sobre nós mesmos. “Não é da morte que temos medo, mas de pensar nela.” (Sêneca) A morte foi e continua sendo um tópos da filosofia; encontramos a meditação (meléte thanátou) sobre a morte em Platão e nos pitagóricos. O fim da vida Michael Foucault Cultura antiga - Meléte thanátou – meditação ou exercício da morte: ela não consiste em uma simples evocação de que estamos destinados a morrer. É uma maneira de tornar a morte atual na vida. Sêneca: o exercício da morte consiste em viver a longa duração da vida como se fosse tão curta como um dia e viver cada dia como se a vida inteira nele coubesse. A meditação sobre a morte permite ao indivíduo que perceba a si mesmo, e se perceba de duas maneiras: 1ª) Uma espécie de visão do alto e, instantânea sobre o presente, um corte na duração da vida.... e a partir dessa interrupção da morte, serão revelados o valor do que estou fazendo, o valor do meu pensamento, o valor da minha atividade. Michael Foucault O fim da vida 2ª) O olhar de retrospecção sobre o conjunto da vida; podemos lançar um olhar rápido sobre o conjunto do que foi nossa própria vida – o valor desta vida poderá aparecer. O momento da morte se poderá ser juiz de si mesmo: “É na morte que me darei conta do progresso moral que terei podido fazer [no decurso de minha vida]...espero o dia em que serei juiz de mim mesmo e saberei se minha virtude está nos lábios ou no coração.” (Sêneca, 2008) Portanto, o pensamento sobre a morte é que permite a retrospecção e a memorização valorativa da vida. O fim da vida Os antigos entendiam a Filosofia como uma longa meditação sobre a morte; na Antiguidade greco-romana, a morte aparece imbricada à vida. O cristianismo introduziu a noção de sacralidade da vida; se passou a concebê-la como um dom de Deus a ser preservado. Pondo-se no lugar da Filosofia a Religião aparece agora como aquilo que traz reconforto e consolo. Somente nos tempos modernos é que se passa a pensar a vida e morte como nitidamente opostas. Com a modernidade aprofundam-se velhos dualismos e novos se instalam. Evolução histórica da representação da morte Philippe Ariès (1975) Lugar de morrer O hospital converte-se num centro médico com função curativa e num local privilegiado da morte. Doentes da modernidade morrem no hospital porque se tornou inconveniente morrer em casa. A morte no hospital é um fenômeno técnico, obtido pela paragem dos sentidos; por uma decisão do médico e da equipe hospitalar. (podemos pensar de que era considerada morte a parada cardíaca, para agora-morte encefálica – quem decidiu?). Eutanásia: etimologia Eutanásia (do grego ευθανασία - ευ "bom", θάνατος “morte") é a prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de maneira controlada e assistida por um especialista, significando também boa morte ou morte digna. Foi usado pela primeira vez pelo historiador latino Suetônio, no século II d.C., ao descrever a morte “suave” do imperador Augusto: A morte que o destino lhe concedeu foi suave, tal qual sempre desejara: pois todas as vezes que ouvia dizer que alguém morrera rápido e sem dor, desejava para si e para os seus igual eutanásia (conforme a palavra que costumava empregar) (Suetônio, 2002). Séculos depois, Francis Bacon, em 1623, utilizou eutanásia em sua Historia vitae et mortis, como sendo o “tratamento adequado às doenças incuráveis”(apud Jiménez de Asúa, 1942). Existem dois elementos básicos na caracterização da eutanásia: a intenção e o efeito da ação Eutanásia: tipos e definições Atualmente a eutanásia pode ser classificada de várias formas, de acordo com o critério considerado. Quanto ao tipo de ação: Eutanásia ativa: o ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins misericordiosos. Eutanásia passiva ou indireta: a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou pela interrupção de uma medida extraordinária, com o objetivo de minorar o sofrimento. Eutanásia de duplo efeito: quando a morte é acelerada como uma consequência indireta das ações médicas que são executadas visando o alívio do sofrimento de um paciente terminal. Eutanásia: tipos e definições Quanto ao consentimento do paciente: Eutanásia voluntária: quando a morte é provocada atendendo a uma vontade do paciente. Eutanásia involuntária: quando a morte é provocada contra a vontade do paciente. Eutanásia não voluntária: quando a morte é provocada sem que o paciente tivesse manifestado sua posição em relação a ela. Esta classificação, quanto ao consentimento, visa estabelecer, em última análise, a responsabilidade do agente, no caso o médico. Esta discussão foi proposta por Neukamp, em 1937. Neukamp F. Zum Problem der Euthanasie. Der Gerichtssaal 1937;109:403 Vale lembrar que inúmeros autores utilizam de forma indevida o termo voluntária e involuntária no sentido do agente, isto é, do profissional que executa uma ação em uma eutanásia ativa. Voluntária como sendo intencional e involuntária como a de duplo-efeito. Estas definições são inadequadas, pois a voluntariedade neste tipo de procedimento refere-se sempre ao paciente e nunca ao profissional, este deve ser caracterizado pelo tipo de ação que desempenha (ativa, passiva ou de duplo-efeito). Polissemia A delimitação lexical está longe de ser ideal. Há uma intensa polissemia (muitos significados) do termo eutanásia, gerando inúmeros equívocos (e sentidos figurados). Um exemplo é a confusão de conceitos como eutanásia e ortotanásia, este último termo significando a morte no seu tempo certo, sem os tratamentos desproporcionais (distanásia) e sem abreviação do processo de morrer (eutanásia) Distanásia DISTANÁSIA: Morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento. Alguns autores assumem a distanásia como sendo o antônimo de eutanásia. Novamente surge a possibilidade de confusão e ambigüidade. A qual eutanásia estão se referindo? Se for tomado apenas o significado literal das palavras quanto a sua origem grega, certamente são antônimos. Se o significado de distanásia for entendido como prolongar o sofrimento ele se opõe ao de eutanásia que é utilizado para abreviar esta situação. Porém se for assumido o seu conteúdo moral, ambas convergem. Tanto a eutanásia quanto a distanásia podem ser consideradas eticamente inadequadas. “Dentro de um sistema de valores capitalistas, onde o lucro é o valor primordial, esta exploração da fragilidade do doente terminal e dos seus amigos e familiares tem sua própria lógica. Uma lógica sedutora porque, além de garantir lucro para a empresa, parece defender um dos grandes valores da ética humanitária, o valor da vida humana. Porém, a precariedade do compromisso com o valor da vida humana, nesta perspectiva, se manifesta logo que comecem a faltar recursos para pagar as contas”. Leonard M. Martin Ortotanásia ORTOTANÁSIA: é a atuação correta frente a morte. É a morte natural, sem interferência da ciência (excessos). É a abordagem adequada diante de um paciente que está morrendo. A ortotanásia pode, desta forma, ser confundida com o significado inicialmente atribuído à palavra eutanásia. A ortotanásia poderia ser associada, caso fosse um termo amplamente adotado, aos cuidados paliativos adequados prestados aos pacientes nos momentos finais de suas vidas. Mistanásia MISTANÁSIA: também chamada de eutanásia social. Leonard Martin sugeriu o termo mistanásia para denominar a morte miserável, fora e antes da hora. Este autor focaliza três situações: 1) a grande massa de doentes e deficientes que, por motivos políticos, sociais e econômicos, não chegam a ser pacientes, pois não conseguem ingressar efetivamente no sistema de atendimento médico; 2) os doentes que conseguem ser pacientes para, em seguida, se tornar vítimas de erro médico e, 3) os pacientes que acabam sendo vítimas de má-prática por motivos econômicos, científicos ou sociopolíticos. “A mistanásia é uma categoria que nos permite levar a sério o fenômeno da maldade humana". Quem define? Qual é o momento certo da morte? Rodrigo Siqueira-Batista Fermin Roland Schramm (2004) Conceitos de morte 1) a morte clínica, caracterizada por parada cardíaca (com ausência de pulso), respiratória e midríase paralítica (que surge cerca de 30 segundos após a suspensão dos batimentos cardíacos), podendo ser reversível, desde que sejam implementadas adequadas medidas de reanimação; 2) a morte biológica, que surge como uma “progressão” da morte clínica, diferindo desta por seu caráter irreversível; 3) a morte óbvia, na qual o diagnóstico é inequívoco (evidente estado de decomposição corpórea, decaptação, esfacelamento ou carbonização craniana, se há sinais como rigor mortis e livor mortis, dentre outros); 4) a morte encefálica, que é compreendida como um sinônimo para a morte biológica (resolução no 1.480/97 do Conselho Federal de Medicina), sendo caracterizada por uma série de parâmetros que atestam a lesão encefálica irreversível; Conceitos de morte Rodrigo Siqueira-Batista Fermin Roland Schramm (2004) 5) a morte cerebral, que não deve ser confundida com a morte encefálica, uma vez que pode ser feita a distinção entre ambas pela análise da respiração; 6) a morte jurídica, estipulando-se, no artigo 10 do Código Civil, que a morte termina a existência da pessoa natural; entretanto, a lei não estabelece o conceito de vida e de morte – apenas se ocupando do seu momento –, cabendo à medicina, em especial à medicina legal, estabelecer os critérios válidos (Gogliano, 1998); 7) a morte psíquica, na qual a percepção psicológica da morte antecede, em um tempo variável, a morte biológica; aqui o enfermo toma consciência do escoamento progressivo e inexorável de sua vida, habitualmente após receber a notícia de ser portador de uma enfermidade incurável – por exemplo, um câncer disseminado (Kastenbaum, 1981); neste caso, a maior dificuldade do conceito de morte psíquica é a identidade estabelecida entre a morte e o processo de morrer. Eutanásia no mundo Eutanásia legalizada (com restrições): Bélgica (2002), Holanda (2002) Eutanásia voluntária ou suicídio assistido: Suíça (1942) (paciente toma o remédio e ONG Dignitas). Mediante consentimento: Alemanha, Áustria, Albânia (1999), Colômbia (1997), EUA (Oregon 1995 e Washington 2009), Israel (2005), Noruega Direito de recusar tratamento: Itália, Grã-Bretanha, Espanha (2002), Hungria, República Checa, França (2004), Noruega, Eslováquia, Brasil (São Paulo) Proposta de legalização: Luxemburgo, Uruguai (legislativo 2009), Espanha, Portugal (referendo 2009) Testamento Médico: Dinamarca (1992) Homicídio atenuado: Uruguai (1934) Direito à vida Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (ONU): Artigo 3° - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 (ONU) : Artigo 6° - “ O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado da vida”. Constituição Federal Brasileira 1988: Artigo 5º - “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.” Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos de 2005 (Unesco): Artigo 2° - (iii) promover o respeito pela dignidade humana e proteger os direitos humanos, assegurando o respeito pela vida dos seres humanos e pelas liberdades fundamentais, de forma consistente com a legislação internacional de direitos humanos. Artigo 14° - (i) o acesso a cuidados de saúde de qualidade e a medicamentos essenciais, incluindo especialmente aqueles para a saúde de mulheres e crianças, uma vez que a saúde é essencial à vida em si e deve ser considerada como um bem social e humano. Código Penal Brasileiro O atual Código Penal (1940) não cuida explicitamente da conduta por piedade. As alterações introduzidas pelas Leis 6.416/77 e 7.209/84 não trataram do assunto em questão. Não fala em eutanásia explicitamente, mas em "homicídio privilegiado". No caso de um médico realizar eutanásia (ativa), o profissional pode ser condenado por crime de homicídio (art. 121) – com pena de prisão de 12 a 30 anos – ou auxílio ao suicídio – prisão de dois a seis anos. (art. 122). A eutanásia passiva está atualmente tipificada como crime previsto no artigo 135, intitulado omissão de socorro. Art. 135. “Deixar de prestar assistência, quando possível faze-lo sem risco, à criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparado ou em grave e eminente perigo; ou não pedir, nesses casos socorro da autoridade pública: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se da omissão resultar lesão corporal de natureza grave, e triplica, se resulta a morte." Conselho Federal de Medicina Resolução 1805/2006 do Conselho Federal de Medicina (CFM) em seu art. 1º estabelece que: "é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal". Ou seja, deixar de recomendar tratamentos paliativos que, ainda que permitam uma sobrevida ao paciente terminal, não são capazes de minimizar a dor e o sofrimento. Polêmica: diferenciar a ortotanásia, defendida pelo CFM, da eutanásia voluntária. A resolução determina que o médico será obrigado a esclarecer ao doente ou ao seu representante legal os tipos de terapia apropriados a cada situação. Se houver consentimento de todos, a decisão de limitar ou suspender os procedimentos e tratamentos deve ser registrada no prontuário médico do paciente. Doutrina dominante •Embora, o Código Penal não explicite o crime por piedade, a doutrina acolhe o entendimento de que, nessas circunstâncias, este foi praticado por motivo de relevante valor moral. •Heleno Cláudio Fragoso cita o homicídio piedoso como exemplo de relevante valor social ou moral e ensina que os Códigos anteriores não tratavam do homicídio privilegiado, exceção feita ao infanticídio. •Os doutrinadores apontam três hipóteses de eutanásia: eliminação da vida indigna de ser vivida (portador de doença mental incurável), a morte de enfermo (incurável) que está sofrendo demais e a ortotanásia (o doente está incurso em processo irremediável que o levará à morte). (SZKLAROWSKY, 2002) Entendimento Bem próximo da eutanásia está o suicídio assistido, mas não se confundem. Nem o suicídio assistido se confunde com a indução, instigação ou auxílio ao suicídio, crime tipificado no artigo 122 do Código Penal. Na eutanásia, o médico age ou omite-se. Dessa ação ou omissão surge diretamente a morte. No suicídio assistido, a morte não depende diretamente da ação de terceiro. Ela é consequência de uma ação do próprio paciente, que pode ter sido orientado ou auxiliado por esse terceiro. Anteprojeto do Código Penal – Brasil O Anteprojeto do Código Penal altera dispositivos da Parte Especial do Código Penal. O ministro Luiz Vicente Cernicchiaro assinala que o Anteprojeto distingue dois tipos eutanásia – a ativa e a passiva. Art. 121. § 4º."Não constitui crime deixar manter a vida alguém, por meio artificial, se previamente atestada, por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do doente ou, na sua impossibilidade, ascendente, descendente, cônjuge ou irmão". Tipificada está a eutanásia passiva, também chamada eutanásia indireta, eutanásia por omissão, ortotanásia ou paraeutanásia. Neste dispositivo, há expressa exclusão ilicitude. A eutanásia ativa está estipulada no § 3º do mesmo artigo, dispondo : Art. 121. § 3º. "Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados: Pena - reclusão, dois a cinco anos". Projeto de lei 125/96 Senado Federal: projeto de lei 125/96 (autoria do senador Gilvam Borges, do PMDB do Amapá) estabelece critérios para a legalização da "morte sem dor". •Prevê a possibilidade de que pessoas com sofrimento físico ou psíquico possam solicitar que sejam realizados procedimentos que visem a sua própria morte. •A autorização para estes procedimentos será dada por uma junta médica de cinco membros, sendo dois especialistas no problema do solicitante. •Caso o paciente esteja impossibilitado de expressar a sua vontade, um familiar ou amigo poderá solicitar à Justiça tal autorização. No Estado de São Paulo, a Lei 10241, de 1999, permite ao usuário dos serviços da saúde recusar tratamento doloroso ou extraordinário para tentar prolongar a vida. Princípio da Autonomia Pode-se definir como autônomo o indivíduo que “(...) age livremente de acordo com um plano escolhido por ele mesmo”. Rodrigo Siqueira-Batista Fermin Roland Schramm Com base neste pressuposto, os autores que “defendem” a eutanásia apontam para a necessidade de que seja respeitada a liberdade de escolha do homem que padece. Isto é, sua competência em decidir, autonomamente, aquilo que considera importante para viver sua vida, incluindo nesta vivência o processo de morrer, de acordo com seus valores e interesses legítimos. “A autonomia pressupõe que cada indivíduo tem o direito de dispor de sua vida da maneira que melhor lhe aprouver, optando pela morte no exaurir de suas forças, ou seja, quando sua própria existência se tornar subjetivamente insuportável”. Na esteira da herança kantiana – segundo a qual um ato genuinamente moral deve ser concebido no pleno exercício da liberdade do sujeito ético – cabe sempre admitir que o principal interessado em viver deve ter a preeminência, ou prioridade léxica, em decidir sobre sua vida e sua morte. Princípio da Autonomia Demétrio Neri (1994) • • • “Enquanto (e se) autônomo, o indivíduo tem direito (prima facie): a que sejam respeitadas as decisões livres e competentes que sua autonomia o intitula a tomar para governar a própria vida de acordo com os valores de que participa, e segundo sua concepção pessoal do bem. Assim, “tudo isso deveria valer também no caso em que um indivíduo decide usar o direito de autodeterminação para escolher o momento e a forma de sua morte.” Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos: Artigo 5° – Autonomia e Responsabilidade Individual “deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões, quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia dos demais. Devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos e interesses dos indivíduos não capazes de exercer autonomia”. (vulnerabilidade) Caso Karen Ann Quinlan • Em 15/04/1975: Karen, de 22 anos, entrou na emergência do Newton Memorial Hospital, de New Jersey, em estado de coma (suspeita-se de drogas). Direito à morte Comitês de ética • Em 01/08/1975: os pais adotivos sabendo a irreversibilidade do caso, e após conversarem o Pe. Trapasso, solicitaram a retirada do respirador. • Dr. Morse, o médico assistente se negou alegando problemas morais e profissionais. A família foi à justiça. • Em 10/11/1975: justiça não autorizou a retirada dos aparelhos. O juiz baseou a sua negativa no fato da paciente ter dado a declaração fora do contexto real, ora vigente. • A família apelou para a Suprema Corte de New Jersey, que designou o Comitê de Ética do Hospital St. Clair como responsável para estabelecer o prognóstico da paciente e assegurar que a mesma nunca seria capaz de retornar a um "estado cognitivo sapiente“. • O Comitê não existia, até então e foi criado um que deu o parecer de irreversibilidade. Controvérsias se é ou não eutanásia • Em 31/03/1976: a Suprema Corte de New Jersey concedeu, por sete votos a zero, o direito da família em solicitar o desligamento dos equipamentos de suporte extraordinários. (Princípio do Duplo Efeito) • Em 11/06/1985: após 9 anos sem o uso de respirador e com alimentação artificial e sem qualquer melhora no seu estado neurológico, faleceu aos 31 anos (pneumonia). Caso Terri Schiavo Em 1990, Terri Schiavo, em fase de separação conjugal, teve uma parada cardíaca ficando em estado vegetativo. Morte com sofrimento Os pais de Terri alegaram uma possível agressão do marido como causa da lesão (estrangulamento). Foram 15 anos de longa disputa familiar, judicial e política. Em 19 de março de 2005 foi retirada a sonda (pela 3ª. vez) que a alimentava e hidratava levando a morte 27 dias após, em 31 de março de 2005 (aos 41 anos). O caso teve grande repercussão nos Estados Unidos (e no mundo) face a discordância entre seus familiares na condução do problema. O esposo desejava que a sonda de alimentação fosse retirada, enquanto os pais da paciente e irmãos lutaram para que a alimentação e hidratação fossem mantidas. Discussão política Disputa familiar Por três vezes o marido ganhou na justiça o direito de retirar a sonda. Nas duas primeiras vezes a autorização foi revertida. Ocorreram inúmeros componentes de litígio dos familiares, entre si, com a sociedade, com a classe médica, com o sistema judiciário, com a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos e com o governo do estado da Flórida, mostrando a complexidade que este caso assumiu. Caso Terri Schiavo Questionamentos • O direito de uma outra pessoa poder tomar esta decisão tão importante, por representação, em nome de outra. •recursos já gastos na manutenção de uma paciente sem possibilidade de alterar o seu quadro neurológico. •conflitos de interesse: de profissionais, familiares, políticos, advogados e juízes •privacidade, auto-determinação, veracidade, justiça, beneficência. Um novo documentário (2009) sobre vida e morte de Terry Schiavo apresenta fatos que a “mídia distorceu”. Documentário “Nossa esperança é que as pessoas saibam a verdade sobre o que aconteceu com a Terri e percebam que atrocidade isso foi e que todos que reivindiquem que a morte dela foi pacífica e indolor estão mentindo. Isto é por causa da verdadeira natureza desumana da morte pela desidratação que quando as pessoas são assassinadas dessa maneira isto é sempre feito a portas fechadas e estritamente secreto”, disse o irmão de Terri, Bobby Schindler. Caso Diane Pretty Autonomia Direitos humanos LONDRES, 12 mai 2002 (AFP) - Diane Pretty foi uma britânica que tinha uma doença incurável e travou em vão uma longa batalha judicial para controlar a hora de sua morte. Pretty morreu em um centro de cuidados paliativos em Londres. "Ela teve que sofrer o que havia previsto e temia, e não pude fazer nada para ajudá-la", lamentou o marido, Brian Pretty. Diane começou a ter dificuldade para respirar 10 dias após de perder uma batalha jurídica pelo direito de morrer, numa decisão da Corte Européia de Direitos Humanos. Direito de morrer Por ter uma doença neurodegenerativa que a mantinha paralisada do pescoço para baixo, Diane não podia se suicidar. Queria pôr fim à própria vida para evitar o sofrimento que a doença produz em sua fase terminal. Mas a Justiça britânica, e posteriormente a européia, não lhe deram esse direito. Caso Diane Pretty Qualidade de vida Diane alegava que queria cometer suicídio, mas, por causa das limitações físicas, não conseguia. O motivo era que sua qualidade de vida se tornara tão sofrível, que negá-la o direito à morte seria um atentado contra os direitos humanos. Esse foi o primeiro caso do gênero na Grã-Bretanha. O médico perito que analisou o caso não concordou com o pedido da paciente. Casada há 25 anos, ela queria que o marido Brian, a ajudasse a cometer suicídio. Direito de morrer Três juízes da Alta Corte negaram-lhe a ação. Eles disseram que "lamentavam desesperadamente" pelo casal, mas entenderam que ninguém tem o direito "de tirar a própria vida". Eles disseram que autorizar Brian Pretty a ajudar um eventual suicídio de Diane seria o equivalente a dar "uma licença para cometer crime". Direitos humanos Sociedade BIOÉTIC A Religião Família Ciência Leis Profissionais Tecnologias Cultura Custos Sofrimento Indivíduo Século XXI: discussões paralelas “Depois que eu envelhecer Ninguém precisa mais me dizer Como é estranho ser humano Nessas horas de partida É o fim da picada Depois da estrada começa Uma grande avenida No fim da avenida [...] Qual é a moral? Qual vai ser o final Dessa história?” Rita Lee (Trecho da música “Coisas da vida”) Eutanásia na imprensa 2009 Tela: Lectores de prensa (2003) Antonio Abellán (espanha) Sul-coreana submetida à eutanásia continua em estado estável Seul, 24 de junho de 2009 Uma paciente sul-coreana em coma irreversível continua em estado estável, depois de os aparelhos que a mantinham com vida terem sido desligados nesta terça-feira. O Hospital Yonsei Severance, de Seul, desligou ontem os aparelhos de respiração artificial que mantinham com vida a paciente, no primeiro caso de eutanásia da Coreia do Sul. A paciente, uma mulher de 77 anos identificada pelo sobrenome Kim, se encontra em estado vegetativo desde fevereiro do ano passado. Em princípio, acreditava-se que Kim morreria aproximadamente três horas após o desligamento do suporte vital artificial. No entanto, a paciente continua viva mais de 24 horas depois de os aparelhos terem sido desligados, e especialistas não descartam que ela continue assim durante um longo tempo, informou a agência local "Yonhap". O hospital disse hoje que Kim se mantém em um estado quase igual ao anterior ao desligamento, e que continuará fornecendo os alimentos necessários para mantê-la viva. Kim entrou em coma devido a um problema pulmonar quando realizava exames para determinar se sofria de câncer, e em seguida os médicos determinaram que ela não tinha nenhuma possibilidade de se recuperar. A Justiça sul-coreana autorizou em 21 de maio o direito da paciente de morrer, ao aceitar a reivindicação apresentada por seus filhos para que os aparelhos respiratórios fossem desligados. Essa foi a primeira sentença a favor de uma "morte digna" na Coreia do Sul, onde não existe uma lei que reconheça a eutanásia. Fonte: Agência EFE / Portal G1 http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1205512-5602,00-SULCOREANA+SUBMETIDA+A+EUTANASIA+CONTINUA+EM+ESTADO+ESTAVEL.html Eutanásia Alemão cria máquina de suicídio 4 de abril de 2008 O ex-ministro da Justiça alemão Roger Kusch apresentou nesta sexta-feira sua "máquina do suicídio" - invenção que permitiria aos pacientes terminais aplicar em si mesmos uma dose letal de anestésicos e cloreto de potássio. A máquina, segundo Kusch, ajudaria os pacientes a pôr um ponto final em sua dor, mas não colocaria em risco a carreira dos médicos, que não precisariam aplicar a droga. O aparelho é variação de uma máquina já utilizada em hospitais para aplicar medicamentos em pacientes por um longo tempo. Kusch adaptou o sistema para que possa ser utilizado pelos próprios doentes, de forma a aplicar de uma só vez a mistura que leva à morte em poucos minutos. Fonte: Veja http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia-saude/alemao-cria-maquina-suicidio-344629.shtml Eutanásia no cinema Sinopse Ramón Sampedro (Javier Bardem) é um homem que luta para ter o direito de pôr fim à sua própria vida. Na juventude ele sofreu um acidente, que o deixou tetraplégico e preso a uma cama por 28 anos. Lúcido e extremamente inteligente, Ramón decide lutar na justiça pelo direito de decidir sobre sua própria vida, o que lhe gera problemas com a igreja, a sociedade e até mesmo seus familiares. _______________ O filme conta a história real do espanhol Ramón (tetraplégico na juventude após sofrer um acidente) que durante 28 anos lutou na justiça pelo direito à eutanásia. Gênero: Drama Tempo de Duração: 125 minutos Ano de Lançamento (Espanha): 2004 Oscar de Melhor Filme Estrangeiro Eutanásia no cinema Gênero: Drama Tempo de Duração: 137 minutos Ano de Lançamento (EUA): 2004 Gênero: Drama Tempo de Duração: 99 minutos Ano de Lançamento (Canadá): 2003 Gênero: Comédia Dramática Tempo de Duração: 97 minutos Ano de Lançamento (EUA): 2007 Conclusão “Todo ponto de vista é a vista de um ponto” Leonardo Boff Referências bibliográficas Bibliografia Áries, P. (1975). Sobre a história da morte no ocidente: desde a Idade Média. Lisboa: Teorema. Foucault, M. (2006). A Hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes Horta, MP. (1999). Eutanásia – Problemas éticos da morte e do morrer. Bioética (CFM): São Paulo, 7 (1): 27-33. Pessini, L. (1996). Distanásia: até quando investir sem agredir? Bioética (CFM): São Paulo, 4(1), 31-43. Siqueira-Batista, R. Schramm, F. R. (2005). Conversação sobre a “boa morte”: o debate bioético acerca da eutanásia. 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