ISBN: 978-85-237-1159-7

Propaganda
3
CAPA
ISBN: 978-85-237-1159-7
9 788523 711597
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS,
EXATAS E DA SAÚDE:
Dialogicidade e perspectivas
transdisciplinares
Reitora
Vice-Reitor
UNIVERSIDADE
FEDERAL DA PARAÍBA
MARGARETH DE FÁTIMA FORMIGA MELO DINIZ
EDUARDO RAMALHO RABENHORST
EDITORA DA UFPB
Diretora IZABEL FRANÇA DE LIMA
Supervisão de Editoração ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JÚNIOR
Supervisão de Produção JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO
CONSELHO EDITORIAL
Ítalo de Souza Aquino (Ciências Agrárias)
Ilda Antonieta Salata Toscano (Ciências Exatas e da Natureza)
Maria Regina de Vasconcelos Barbosa (Ciências Biológicas)
Maria Patrícia Lopes Goldfard (Ciências Humanas)
Eliana Vasconcelos da Silva Esvael (Linguística e Letras)
Maria de Lourdes Barreto Gomes (Engenharias)
Fabiana Sena da Silva (Multidisciplinar)
Bernardina Maria Juvenal Freire de Oliveira (Ciências Sociais Aplicadas)
Francisco José Pegado Abílio
José Antônio Novaes
Pierre Normando Gomes-da-Silva
Rogéria Gaudencio do Rêgo
(organizadores)
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS,
EXATAS E DA SAÚDE:
Dialogicidade e perspectivas
transdisciplinares
Copyright © 2014 EDITORA UFPB
Efetuado o Depósito Legal na Biblioteca Nacional,
conforme a Lei nº 10.994, de 14 de dezembro de 2004.
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À EDITORA DA UFPB
De acordo com a Lei n. 9.610, de 19/2/1998, nenhuma
parte deste livro pode ser fotocopiada, gravada,
reproduzida ou armazenada num sistema de recuperação
de informações ou transmitida sob qualquer forma ou
por qualquer meio eletrônico ou mecânico sem o prévio
consentimento do detentor dos direitos autorais.
O conteúdo desta publicação é de inteira responsabilidade
dos autores.
Projeto Gráfico EDITORA DA UFPB
Editoração Eletrônica AMANDA PONTES
Design de Capa AMANDA PONTES
Catalogação na fonte:
Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba
E59 Ensino de ciências naturais, exatas e da saúde: dialogicidade e
perspectivas transdisciplinares [recurso eletrônico] /
Organizador: Francisco José Pegado Abílio.- João Pessoa:
Editora da UFPB, 2016.
1CD-ROM; 43/4pol.(3.478kb)
ISBN: 978-85-237-1159-7
1. Ciências - estudo e ensino. 2. Ensino - ciências e biologia.
3. Atividades didáticas. 4. Ensino - ciências - sociedade digital.
I. Abílio, Francisco José Pegado.
Editora da UFPB
João Pessoa
2016
EDITORA DA UFPB Cidade Universitária, Campus I –­­ s/n
João Pessoa – PB
CEP 58.051-970
editora.ufpb.br
[email protected]
Fone: (83) 3216.7147
CDU: 5/6:37
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS............................................................................10
APRESENTAÇÃO................................................................................11
SEÇÃO I: ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA .................13
CAPÍTULO 07 - JOGO TRADICIONAL/POPULAR NA ESCOLA:
DISCUTINDO O MODO DE AGIR DOS JOGADORES NA PERSPECTIVA
DA COMUNICAÇÃO E COGNIÇÃO .............................................182
CAPÍTULO 08 - CORPOREIDADE MESTIÇA: NOTAS SÓCIO-CULTURAIS
E EDUCATIVAS DA MISCIGENAÇÃO BRASILEIRA.............................209
CAPÍTULO 01 - METODOLOGIAS APLICADAS NO PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM NA DISCIPLINA DE CIÊNCIAS EM UMA
ESCOLA PÚBLICA......................................................................14
CAPÍTULO 09
- BEBENDO NAS FONTES DA PEDAGOGIA
ECOVIVENCIAL: UMA RELEITURA DO PAPEL DA ECOVIVENCIALIDADE
E DA AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL..............................225
CAPÍTULO 02 - EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA E CONVIVÊNCIA
COM O SEMIÁRIDO BRASILEIRO: UM NOVO OLHAR A PARTIR DO
ENSINO DE CIÊNCIAS................................................................41
CAPÍTULO 10 - EDUCAÇÃO AMBIENTAL E AS TRAMAS CONCEITUAIS
FREIREANAS: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA AO/A EDUCADOR/
EDUCADORA.................................................................................254
CAPÍTULO 03 - ENSINO DE BIOLOGIA: MÉTODOS, MODALIDADES
E TÉCNICAS COMO ALTERNATIVAS PARA UMA NOVA PRÁTICA
PEDAGÓGICA ...........................................................................76
CAPÍTULO 11 - SEXUALIDADE, PARENTALIDADE JUVENIL E SAÚDE
SEXUAL E REPROTUVIA: CONCEITOS E DISCURSOS EM UMA COLEÇÃO
DIDÁTICA DE CIÊNCIAS NATURAIS.................................................277
CAPÍTULO 04 - RELATO DE EXPERIÊNCIA: ATIVIDADES DIDÁTICAS
NO LABORATÓRIO DE ENSINO DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DA PARAÍBA...............................................................98
CAPÍTULO 12 - INICIAÇÃO SEXUAL DE ADOLESCENTES E JOVENS DE
UMA ESCOLA PÚBLICA DE JOÃO PESSOA/PB: ROTEIROS, PERCURSOS
E DIFERENÇAS...............................................................................307
CAPÍTULO 05 - O ENSINO DE CIÊNCIAS NA SOCIEDADE DIGITAL: A UTILIZAÇÃO DA METODOLOGIA WEBQUEST E OS SEUS DESAFIOS
NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM............................129
SEÇÃO III: ENSINO DE MATEMÁTICA 335
SEÇÃO II: SAÚDE, SEXUALIDADE, CORPOREIDADE E
EDUCAÇÃO AMBIENTAL..........................................149
CAPÍTULO 06- CONSCIÊNCIA DO CORPO À CONSCIÊNCIA DO
MUNDO: ALEXANDER LOWEN E PAULO FREIRE........................150
CAPÍTULO 13 - ENSINO E APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA: OS
JOGOS FAZEM A DIFERENÇA...................................................336
CAPÍTULO 14 - A PESQUISA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE
MATEMÁTICA: UMA COMPETÊNCIA ATUAL EM QUESTÃO..........360
CAPÍTULO 15- O ENSINO DE MATEMÁTICA NO BRASIL............385
11
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
AGRADECIMENTOS
A todos que fazem a Linha de Pesquisa do PPGE-CE-UFPB
“Processos de Ensino e Aprendizagem”;
À Profa. Dra. Maria de Fátima Camarotti,
que gentilmente fez uma leitura geral na obra e
apontou várias correções de formatação e ABNT;
Aos orientandos do Prof. Dr. Francisco Pegado,
Ian Ataíde Fontenelle, Myller Machado, Thiago Ruffo,
por ter auxiliado em questões de formatação geral no livro e
mantido contado com os autores via e-mail;
À Profa. Dra. Izabel França de Lima,
Diretora da Editora Universitária,
por sempre nos apoiar e nos receber de forma tão gentil e prestativa;
A todos os autores desta obra, muito obrigado.
Capa
Sumário
APRESENTAÇÃO
Os desafios do mundo contemporâneo, com a rapidez das
transformações por que passa as sociedades humanas, indicam a necessidade de mudanças em nossas práticas cotidianas nos processos
educativos, na nossa forma de ser e estar no mundo. Estas demandas incidem diretamente sobre os processos de formação humana.
Ao buscar este objetivo, a Educação, através de seus processos pedagógicos, concebe o ser humano como uma unidade complexa, a um só tempo, plenamente biológico e socio-cultural.
Os processos educativos devem contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver)
e ensinar como se tornar cidadão. O notável avanço da ciência e da
tecnologia não foi nem está sendo seguido de avanços no plano existencial e ético.
A constituição de um cidadão que se caracterize capaz de conviver, comunicar e dialogar reconhecendo a relação de autonomia/
dependência e que dinamiza os sistemas funcionais para a manutenção da vida só é possível caso os processos educativos a ele oferecidos transcendam os modelos pedagógicos tradicionais e orientem
reações fora dos reflexos antigos, para sair dos paradigmas pautados
na fragmentação, na competitividade e no isolamento.
O presente Livro está dividido em Três Seções que se interconectam, “Ensino de Ciências e Biologia”; “Saúde, Sexualidade,
Corporeidade e Educação Ambiental” e “Ensino de Matemática”. Muitos dos resultados aqui apresentados são referentes aos
trabalhos de dissertação e tese dos orientandos dos professores
da Linha de Processos de Ensino de Aprendizagem do PPGE-CE-UFPB. Ao longo dos 15 capítulos contidos da obra são discutidos
13
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
temáticas atuais e de importância para o processo formativo dos
diferentes atores sociais, desde a educação formal ate textos teóricos, considerando este como múltiplo e multidimensional. E neste
sentido Mizukami (20131) afirma:
SEÇÃO I:
ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA
Há várias formas de se conceber o fenômeno educativo. Por sua prórpia natureza, não é uma
realidade acabada que se dá a conhecer de forma
única e precisa em seus múltiplos aspectos. É um fenômeno humano, histórico e muldimensional. Nele
estão presentes tanto a dimensão humana quanto
a técnica, a congnitiva, a emocional, a sociopolítica
e cultural. Não se trata de mera justaposição das referidas dimensões, mas, sim, da aceitação de suas
múltiplas implicações e relações (p. 1).
Os organizadores da obra fazem questão de ressaltar que
os capítulos aqui inseridos são de inteira responsabilidade dos
mesmo, e estes não se responsabilizam por quaisquer informações contidas nos capitulos. Acreditamos que esta obra possa contribuir para a formação geral de pesquisadores (as) e estudantes
na área de Educação.
Boa leitura.
(2)
1
2013.
Capa
MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo, SP: E.P.U,
Sumário
2 Fonte: xilogravura Disponível em: http://1.bp.blogspot.com/-jZm41oi2R64/
UJk3x-fMPWI/AAAAAAAAA6U/uFqK4UE1v2A/s1600/Cobra-cor.jpg> Aacesso em 10 out. 2014
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
CAPÍTULO 01
METODOLOGIAS APLICADAS NO PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM NA DISCIPLINA
DE CIÊNCIAS EM UMA ESCOLA PÚBLICA
Eduardo Beltrão De Lucena Córdula3
Glória Cristina Cornélio Do Nascimento4
Francisco José Pegado Abílio5
INTRODUÇÃO
O ato de ensinar exige do professor o domínio de metodologias didático-pedagógicas, para que durante o processo de
ensino a aprendizagem ocorra. Naturalmente, as necessidades e
adversidades externalizadas pelos atores envolvidos diretamente
no processo, devido a vários fatores sociais, psíquicos, cognitivos,
logísticos, entre tantos outros ligados a condição humana e a sociedade, e que acabam se refletindo na sala de aula, nas aulas e na
própria comunidade escolar.
3
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente - PRODEMA/UFPB; Diretor de Educação Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente, Pesca e Aquicultura de Cabedelo-PB; Professor de Educação Básica de Biologia/Ciências. E-mail: [email protected];
4
Doutoranda e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
e Meio Ambiente - PRDOEMA/UFPB; Tutora Presencial UFPB Polo de LUCENA-PB. E-mail:
[email protected];
5
Professor Dr., Associado II do Departamento de Metodologia da Educação, CE/
UFPB. E-mail: [email protected]
Capa
Sumário
15
Ensinar é alcançar resultados a curto, médio e longo prazo, reflexos de uma aprendizagem contínua e contextualizada dos
conteúdos curriculares das disciplinas. Este processo visa o desenvolvimento cognitivo, social, físico e afetivo do alunado, preparando-o para exercer plenamente sua cidadania, de forma consciente
e produtiva para o desenvolvimento sociopolítico e econômico da
sociedade (CÓRDULA, 2010a).
A educação básica, em especial, o Ensino Fundamental, passa por um momento de extrema transformação (SÁTYRO; SOARES,
2007). As mudanças não só ocorrem nos métodos e nas técnicas de
ensino, e também, a formação humana contextualizada, estimulando a criticidade e o pensamento sistêmico, para que o alunado perceba e esteja sensível aos novos paradigmas que surgem na sociedade contemporânea e estão ligados as questões socioambientais
(MORIN, 2010). Na pedagogia, outros elementos interdisciplinares
contribuem para entender a complexa relação do ato de educar
para que se tenha uma plena formação cidadã do alunado (CAMÊLO
et al., 2007). Esta ruptura de barreiras se faz necessária, pela permanência do tradicionalismo no ato de ensinar, e que em no magistério, para alguns, se reveste de uma “pedagogia renovada”, mas que
de novo não há elemento algum, e sim, mantendo o arcabouço da
Educação Tradicional Autoritária (FLEURI, 1997).
Estes professores(as) se iludem ou tentam iludir os que estão a volta da própria realidade e relutam na conversão para uma
nova ideologia pedagógica, o que traria como reflexo educativo a
gênese de novos rumos sócio-educativos na sociedade (LIBÂNEO,
1994). E grandes são as dificuldades enfrentadas no campo da educação, em virtude das heterogeneidade sociocultural do alunado,
que as externalizam no ambiente escolar (VASCONCELOS, 2007).
Além destas, alguns trazem distúrbios, transtornos e problemas
de diversas ordens, cujas origens também são diversificadas, mas
a mias observada é de origem familiar (CÓRDULA, 2011). Categorizando estas adversidades, podem ser classificadas como de ca-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
rência afetiva, desestrutura da formação da família, baixa renda
per capta e moradias em locais de situação de risco, que acabam
expondo a vida destas crianças e moldando negativamente sua
formação pessoal (BANCO MUNDIAL, 2009;).
Com tantas interferências externas ao universo interior da
formação cognitiva e psicossocial do público infanto-juvenil, as
crianças e adolescentes do ensino básico acabam externalizando
estes distúrbios sociais na própria sala de aula (SÁTYRO; SOARES,
2007; CÓRDULA, 2009). Uma pedagogia e uma formação continuada para preparar o docente as adversidades de situações impactantes encontradas durante a sua prática, garantindo meios para
conseguir lidar da melhor forma possível na reversão destes paradigmas ao longo do ano letivo e o processo de ensino-aprendizagem na formação do educando (ANDRÉ; MEDIANO, 1988).
Objetivando incorporar novo arcabouço metodológico,
para superar as dificuldades encontradas no processo de ensino-aprendizagem e reverter as dificuldades encontradas no exercício
do magistério, foi acompanhado o desenvolvimento escolar dos
alunos nas turmas de educação básica do Ensino Fundamental II
durante o ano letivo de 2012, com base nas pontuações adquiridas
na disciplina de Ciências.
DESCRIÇÃO DO AMBIENTE DA PESQUISA
E ATORES ENVOLVIDOS
O presente estudo foi desenvolvido com as turmas de educação básica do 6° ao 9° ano do Ensino Fundamental II, durante o
ano letivo de 2012, do turno da tarde, da Escola Municipal de Ensino Fundamental (E.M.E.F.) Major Adolfo Pereira Maia em Cabedelo
- PB, na disciplina de Ciências.
O município de Cabedelo possui 33Km² de área, sendo
12Km de comprimento 3Km de largura, latitude 6°58’21”S e longi-
Capa
Sumário
17
tude 34°50’18”W. O nome do município deriva do Tupi e significa
pequeno cabo, sendo uma península localizada no litoral Paraibano, com limítrofes ao Norte e Leste com o Oceano Atlântico, ao
Sul com o Rio Jaguaribe e a Oeste com o Rio Paraíba (RODRIGUEZ,
1991). Possui diversos recursos naturais, além de ser uma região
portuária, com fluxo de navios de importação e exportação de produtos, região tradicionalmente pesqueira e de grande atividade na
construção civil, além do fluxo turístico anual por ser uma região
de praias, o que em conjunto, promovem a economia local e fonte
de renda de muitas famílias (CÓRDULA, 2010a).
A E.M.E.F. Major Adolfo Pereira Maia (Figura 1), está localizada no centro da cidade do município de Cabedelo, Paraíba, no
bairro de Monte Castelo. Funciona nos três turnos, mas apenas no
diurno com Ensino Fundamental II regular. O referido turno foi escolhido devido ao método de Observação Participante Direta (ABÍLIO; SATO, 2012), fazendo parte do processo de ensino-aprendizagem junto ao alunado na disciplina de Ciências.
A escola dispõe de seis salas de aula, uma sala de vídeo, uma
sala de artes, duas salas para laboratórios (informática e ciências)
e uma biblioteca. Porém, ela não dispõe de espaço para atividades
físicas ou recreativas no seu interior. O quadro profissional é formado por um Gestor Escolar e um Gestor Adjunto, um Coordenador e
um Supervisor Pedagógico, além de auxiliares administrativos e de
serviços gerais. O corpo docente era composto por 8 professores,
sendo um de cada disciplina (Ciências, Geografia, Matemática, Português, História, Inglês, Artes e Educação Física), todos adotam preferencialmente em suas aulas e no desenvolvimento dos conteúdos
curriculares de suas disciplinas, o método Expositivo.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Figura 1 – Foto da Entrada da E.M.E.F. Major Adolfo Pereira Maia,
Cabedelo - PB.
19
Quadro 1 – Quantidade total de alunos e por turma, da E.M.E.F.
Major Adolfo Pereira Maia no ano de 2012, turno vespertino.
Anos/Turmas
N° de Alunos
6° ano B
7° Ano B
8° ano C
9° ano C
24
21
21
13
Total
79
Fonte: Dados obtidos no Diário de Classe da Disciplina de Ciências,
no 1° Bimestre 2012.
MATERIAL E MÉTODOS
Fonte: Fotografia cedida pela Escola (Foto: Prof. Elton Bruno), 2012.
Os alunos matriculados na escola são oriundos de bairros
circunvinhos e de outros bairros mais afastados. Em informações
obtidas em entrevistas com a Gestão Escolar, foi colocado que os
alunos, em sua maioria, pertence a famílias que possuem baixa renda (assalariados do comércio ou no mercado de trabalho informal)
e muitos possuem famílias desestruturadas (moram com o pai ou
a mãe ou outro familiar). Há ainda, alguns alunos em situação de
risco, em virtude dos familiares estarem desempregados ou envolvidos com o tráfico de drogas, segundo Córdula e Fonsêca (2009) em
pesquisas anteriores na mesma escola. No turno vespertino a escola
possuía 04 turmas (Quadro 1), sendo composta por 68 alunos, sendo 56,7% do sexo feminino e 43,3% do sexo masculino, com faixa
etária entre 11 e 15 anos no 6° ano B; de 12 a 15 anos no 7° ano C; de
12 a 16 anos no 8° ano C e de 14 a 17 anos no 9°ano C.
Capa
Sumário
A pesquisa se caracteriza por ser Quali-Quantitativa (ABÍLIO; SATO, 2012; GIL, 1989; MARCONI; LAKATOS, 2002), com metodologia Documental, Entrevista Não Diretiva e Observação Participante Direta.
O Método da Observação Participante Direta é uma modalidade de investigação que tem como base a observação e a descrição, a partir do qual pretende descrever, explicar e interpretar os a
cultura e outros aspectos presentes em um determinado grupo social (SEVERINO, 2007). Outro ponto importante é o de seguir certas
normas básicas, como deixar de lado preconceitos e estereótipos e
agir como participante, assim como questionar sobre o que parece
comum o observar o tipo de relações encontradas no meio (MARCONI; LAKATOS, 2004; 2002). Sendo também caracterizada como
pesquisa Documental (ABÍLIO; SATO, 2012), por adotar os diários de
Classe (Cadernetas) como meios de comprovação do desempenho
do alunado ao longo do ano letivo (ZABALA, 2004), considerando a
porcentagem da frequência de notas abaixo de 07 (sete) e, igual ou
superior a este nota, como parâmetro desejado para o aluno bimestralmente. A Entrevista Não Diretiva, que ocorre quando são colhi-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
das as informações dos sujeitos a partir do discurso livre (SEVERINO,
2007) do corpo docente, gestão e técnico da escola.
As metodologias pedagógicas de ensino selecionadas para
o período de análise do estudo foram: 1° Bimestre – Método Dialógico: se apresenta com a relação horizontal entre o professor(a) e o
aluno(a), de forma a manter o diálogo no decorrer do processo de
ensino-aprendizagem, respeitando o nível de cognição, de processamento e de resposta de cada aluno(a),onde ambos aprendem
constantemente (PASCHOALINO, 2009). Atividades de avaliação
planejadas (SANT’ANNA et al., 1993): quantitativa - com prova escrita com questões objetivas e subjetivas, trabalhos escolares sobre temas específicos da matriz curricular desenvolvidos em sala
de aula; qualitativa – aptidões desejáveis para o pleno desenvolvimento educacional do alunado longo do bimestre.
Do 2° ao 4° bimestre, foram acrescentados ao método
Dialógico as seguintes metodologias pedagógicas de ensino: 2°
Bimestre – Método Sociocultural: trabalha considerando o universo do aluno e da sociedade, nas relações entre os indivíduos,
investigando o desenvolvimento humano dentro destas práticas
culturais sociais, onde o professor(a) interage com o alunado de
forma individual e coletiva como mediador do processo de ensino-aprendizagem (MIZUKAMI, 1986). Atividades de avaliação planejadas (SANT’ANNA et al., 1993): quantitativa - prova escrita contendo
questões objetivas e subjetivas contextualizadas, pesquisas e produção de relatórios sobre temas transversais; e qualitativa buscando desenvolver novas aptidões socioafetivas no alunado (BRASIL,
1998a); 3° Bimestre – Método Crítico-Social: leva o aluno a buscar
sua autonomia de pensamento para buscar suas próprias respostas sobre o mundo a sua volta, de forma a questionadora o que
eleva sua aprendizagem e sua postura perante fatos, fenômenos
e acontecimentos da sociedade. O professor é o mediador do processo que estimula os alunos a pensarem sobre os problemas de
forma reflexiva e a buscar o seu entendimento e as respostas para
Capa
Sumário
21
solucionar as situações do cotidiano (LIBÂNEO, 2002). Atividades
de avaliação planejadas (SANT’ANNA et al., 1993): quantitativa prova escrita com questões múltiplas (objetivas e subjetivas) contextualizadas, aulas de campo no entorno da escola, e produção
de material e participação do desfile cívico temático em setembro; na qualitativa – desenvolvimento da criticidade no alunado
e problematização de questões socioambientais do seu cotidiano;
4° Bimestre – Método Lúdico: é a aplicação de um repertório de
atividades prazerosas que envolvam não só o emocional, mas a
aprendizagem de conteúdos de forma contextualizada, considerando as aptidões motoras e psíquicas do alunado, pois amplia a
capacidade dos alunos de abstraírem sua realidade e a partir daí,
transformar o mundo a sua volta (CÓRDULA, 2012). Atividades de
avaliação planejadas (SANT’ANNA et al., 1993): quantitativa - prova escrita com questões objetivas e subjetivas contextualizadas e
produção de trabalhos escolares em sala de aula; na qualitativa
(CÓRDULA, 2012) – aptidões desenvolvidas nas atividades lúdicas:
dinâmicas, jogos e oficinas de estímulo à criatividade.
Todo o desenvolvimento da presente pesquisa e suas ações
tiveram plena autorização da Gestão Escolar, que por sua vez comunicou aos responsáveis legais dos alunos. Todos os procedimentos
respeitaram a ética para pesquisas com seres humanos, conforme a
Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Processo Educativo na Disciplina de Ciências
durante o ano letivo de 2012
No decorrer do 1° Bimestre, as aulas da disciplina de Ciências transcorreram com utilização do método Dialógico (VASCONCELOS, 2007), que consiste na utilização do diálogo constante entre o
professor (locutor/interlocutor) com o aluno (ouvinte), a partir do
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
conteúdo do matriz curricular da disciplina, gerando assim, aprendizagem. Este método foi escolhido por conter como base elementos associados do método Tradicional Expositivo onde o professor é
o locutor do ensino e o aluno o ouvinte da aprendizagem (MIZUKAMI, 1986), mas, com o diferencial que coloca o aluno no centro do
processo de ensino-aprendizagem (PASCHOALINO, 2009).
Como a escola ainda não dispõe de laboratório equipado
e nem uma sala de multimeios, recurso didático mais utilizado é
o quadro branco para anotações e produzir ilustrações para complementar o uso do livro didático. Quanto à avaliação, ocorreu
de forma contínua, pela realização das atividades diversificadas
propostas em sala de aula e por uma prova com questões múltiplas discursivas e objetivas, que fazem a avaliação quantitativa da
disciplina, além da avaliação qualitativa em conformidade com a
LDBE (BRASIL, 1996). Ao longo do bimestre foi realizada a avaliação qualitativa, tomando por base o desenvolvimento de aptidões
pelo aluno em sala de aula, como a criatividade, o desempenho na
resolução de problemas, a percepção e assimilação das aulas, atitudes e comportamentos positivos desenvolvidos, além da união
e cooperativismo no trabalho em equipe, bem como, a socialização com os demais alunos da sala. Os alunos foram avaliados individualmente e todo o grupo.
Na avaliação Quantitativa analisando os Diários de Classe como meios de investigação do universo pedagógico do ensino, do professor e do alunado (SILVA et al., 2009; ALVES, 2014),
do total de alunos das turmas investigadas (n=79), 60,3% obtiveram notas igual ou acima de sete e 39,7% abaixo deste valor
(Quadro 2) (Figura 02).
Capa
Sumário
23
Quadro 2 – Percentual das médias totais dos alunos de todas as séries do
turno da tarde da E.M.E.F. Major Adolfo Pereira Maia,
ao longo do ano letivo de 2012.
1° Bimestre
2° Bimestre
3° Bimestre
4° Bimestre
% ≥ 7,0
60,3
67,1
79,7
75
% < 7,0
39,7
32,9
20,3
25
Fonte: Diários de Classe de Ciências. Legenda: % < 7,0 = porcentagem menor
que sete; % ≥ 7,0 = porcentagem igual ou maior que sete.
Figura 2 - Percentual das médias por ano/turma, da E.M.E.F. Major Adolfo
Pereira Maia, na soma dos bimestres do ano letivo de 2012.
Fonte: Diário de Classe de Ciências. (Legenda: = 7,0 - porcentagem igual ou
maior que 7; < 7,0 - porcentagem menor que 7,0)
Especificamente neste bimestre, as notas iguais ou acima
de sete nas turmas foram: 6°B – 57,1%, 7°B – 52,6%, 8°C – 63,2% e
9°C – 71,4% (Quadro 3) (Figura 03).
25
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Quadro 3 – Percentual do rendimento escolar das turmas do ensino
fundamental, turno da tarde, da E.M.E.F. Major Adolfo Pereira Maia,
em Ciências (Médias), ao longo do ano letivo.
1° Bimestre
Série
% ≥ 7,0
%<
7,0
2° Bimestre
%≥
7,0
%<
7,0
3° Bimestre
% ≥ 7,0
% < 7,0
Figura 3 - Percentual das médias iguais ou acima de sete das notas aos longo
dos bimestre durante o ano letivo de 2012, dos alunos dos anos/turmas
vespertinas da E.M.E.F. Major Adolfo Pereira Maia.
4° Bimestre
% ≥ 7,0
% < 7,0
6° B
57,1
42,9
85,7
14,3
70
30
75
25
7° B
52,6
47,4
42,1
57,9
88,8
11,2
44,4
55,6
8° C
63,2
36,8
55
45
78,9
11,1
94,7
5,3
9° C
71,4
28,6
92,3
7,7
83,3
16,7
90,9
9,1
Fonte: Dados da avaliação da disciplina, 2012. Legenda: % < 7,0 = porcentagem menor que sete; % ≥ 7,0 = porcentagem igual ou maior que sete.
Os dados mostram que o Método Dialógico se tornou mais
adequado aos alunos nas séries finais do Ensino Fundamental II,
que possuem maior maturidade cognitiva em relação os das séries
iniciais. Este fator se deve ao fato de observar que conseguem se
concentrar e focar mais a tenção nas aulas.
Nas séries iniciais do EF-II, especificamente no caso do 6°
ano, por estarem ingressando nesta série e ainda não se adaptaram a organização curricular de um professor por disciplina e pela
tenra idade, esta metodologia não conseguem reter sua atenção
para que foquem na forma individua de cada professor ministrar
suas aulas, além do que, no caso de Ciências, não conter elementos atrativos e incitadores da atenção do alunado.
Capa
Sumário
Fonte: Diário de Classe de Ciências, 2012..
Nos dados obtidos com o 7° ano, como ainda estão em fase
adaptativa e na pré-adolescência, são mias eufóricos e energéticos
em seus comportamentos e não conseguem reter a atenção e a
desviam com facilidade durante as aulas e do conteúdo minitrado, necessitando de outras abordagens que captem sua atenção e
ao conteúdo ministrado (CORTEZ; FARIA, 2011). Estes alunos possuem distúrbios de conduta, que são representados por excesso
de conversas paralelas, agressões físicas e verbais de vários níveis,
alguns sentem a necessidade de sair de suas cadeiras e andar pela
sala, indo de encontro a outros alunos para dialogar ou pegar objetivos que compõe seu material educativo (lápis, caneta, borracha,
apontador, corretivo, etc.), fazem ironias do conteúdo das aulas,
jogam pedaços de papel uns nos outros, entre outras manifestações que não são aparentemente problemas de saúde, que segundo Bordin e Offord (2000), seriam os Transtornos de Conduta que
são representações psicopatológicas apresentadas por crianças e
adolescentes, que são mais graves, continuamente reincidentes e
27
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
que levam a atos ilegais e criminosos.
Segundo Batista (2013), estes comportamentos inadequados em sala de aula, trazem reflexos negativos no seu desenvolvimento educacional, com reflexos no desempenho das avaliações
quali-quantitativas e no convívio social na comunidade escolar.
Nos bimestres subsequentes, foi incorporado a metodologia Dialógica uma outra abordagem pedagógica a cada bimestre.
E, os resultados das avaliações dos alunos nos Diários de classe,
continuaram sendo os parâmetros para verificação do impacto
das metodologias no desenvolvimento dos alunos no processo de
ensino-aprendizagem. O estudo levou em consideração que cada
turma possui um perfil diferenciado e, portanto, obtiveram-se resultados convergentes ou divergentes ao longo do ano letivo.
No 2° Bimestre, adotando-se ainda o método dialógico,
foi acrescido o método Sociocultural. Este método se caracteriza
pela busca conhecer o universo do aluno e sua vivência cotidiana, para ter o professor como o mediador do processo de ensino-aprendizagem (MIZUKAMI, 1986). Além do conteúdo didático do
semestre, foram acrescidos os temas transversais (BRASIL, 1998b).
O número de alunos diminui devido a desistência ou transferência
de 05 alunos(as), reduzindo o “n” da população em estudo para 74
alunos nas 04 turmas (Quadro 4).
Quadro 4 – Quantidades de alunos por turma ao final do 2° Bimestre da
E.M.E.F. Major Adolfo Pereira Maia.
Série/Turmas
N° de Alunos
6° ano B
7° Ano B
8° ano C
9° ano C
21
20
21
12
Total
74
Fonte: Dados obtidos no Diário de Classe da Disciplina de Ciências, 2012
Capa
Sumário
Neste período foram utilizados além do quadro branco e do
livro didático, outros recursos como o datashow para apresentação de algumas das aulas e vídeos documentários, além de músicas como meio de estimulo aos debates. No processo de avaliação
qualitativa, foram levados em consideração diversos aspectos já
mencionados na formação do educando e, quantitativos na realização de atividades pelos alunos que buscaram investigar e trazer
a contextualização dos conteúdos, através de pesquisas temáticas
com: produção de relatórios e recursos didáticos visuais, além da
interligação de conteúdos com suas práticas cotidianas. Do total
de alunos (n=74), 67,1% obtiveram notas igual ou acima de sete e
32,97% abaixo deste valor (Quadro 2) (Figura 01).
Os resultados obtidos após o término do bimestre é refletido no desempenho escolar do alunado, com notas iguais ou acima
de 7, por turma, foram: 6°B – 85,7%, 7°B – 42,1%, 8°C – 55% e 9°C
– 92,3% (Quadro 3) (Figura 02).
Os dados analisados mostraram aumento no desempenho do 6° B e 9°C, onde os dois métodos combinados foram bem
aceitos pelos alunos o que repercutiu no desempenho escolar aprendizagem, com uma maior assimilação dos conteúdos durante este bimestre. Porém, o mesmo não ocorreu com 7°B, havendo
um decréscimo das médias iguais ou acima de 7, provavelmente,
a explicação está no alunado desta turma, que recorre continuamente em conflitos entre eles mesmos, o que é evidenciado não
só nas aulas, mas também, nos debates e nos momentos de atividades coletivas, onde as divergências entre eles (culturais, sociais, étnicas, religiosas, de orientação sexual) e de rivalidades por
pertencerem a bairros diferentes (divergência intercomundiade),
foram externalizadas verbalmente pelos alunos, necessitando intervenções constantes para apaziguar os conflitos e rivalidades.
Apesar de contemplar esta problemática como tema um dos temas transversais e na abordagem em sala, poucos resultados foram visualizados na reversão desta situação, mesmo somando-se
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
esforços com todo o corpo docente que leciona nesta turma, conjuntamente com o corpo gestor e técnico-pedagógico da escola.
Os responsáveis por estes alunos foram convidados para reuniões
frequentes ao logo dos bimestres, mas a frequência era em media
25%, mostrando o desinteresse dos mesmos no desenvolvimento
educacional e na qualidade de vida do alunado.
Já no 8°C, a maioria dos alunos mostraram certo grau de
dificuldade em conectar conteúdos curriculares da disciplina com
sua vida cotidiana, mesmo que o ensino se desse de forma contextualizada, o que acabou se refletindo nas notas. Outros fatores
como o abandono e desistência que ocorreram durante o ano letivo e a distorção idade/série (Quadro 5) refletiram também nos
resultados.
Quadro 5 – Percentual por série, da distorção idade/anos, dos alunos do turno
da tarde em 2012.
Ano/Turma
Percentual dentro
da faixa etária
Percentual fora
da faixa etária
Faixa Etária ideal máxima para a série*
6° B
50
50
11 anos
7° B
29,4
70,6
12 anos
8° C
36,8
63,2
13 anos
9° C
9,1
90,9
14 anos
Fonte: Dados da escola (matrículas), 2012; *Ordem de Serviço da Secretaria
Municipal de Educação (2011).
No 3° Bimestre, houve uma combinação dos Métodos Dialógico com o Crítico-Social, para construir junto ao alunado sua
autonomia de pensamento sobre o mundo a sua volta, sendo o
professor o mediador do processo de estímulo e reflexão sobre os
problemas de seu entorno, na buscar do seu entendimento para
encontrar as respostas na resolução das situações do cotidiano
(FREIRE, 1996; LIBÂNEO, 2002). Aos conteúdos curriculares da dis-
Capa
Sumário
29
ciplina, foram acrescidos aos Temas Transversais (BRASIL, 1998b).
Novamente o problema da desistência ou transferência de
alunos voltou a ocorrer, com uma redução do número de total do
universo do estudo, para 71 alunos (Quadro 6).
Quadro 6 – Quantidades de alunos por turma , ao final do 3° Bimestre da
E.M.E.F. Major Adolfo Pereira Maia.
Ano/Turmas
N° de Alunos
Total
6° ano B
7° Ano B
8° ano C
9° ano C
20
19
21
11
71
Fonte: Dados obtidos no Diário de Classe da Disciplina de Ciências, 2012.
Foram utilizados recursos didáticos nas aulas, além do quadro branco, como o datashow para apresentação de vídeos de longa metragem com cunho educativo (6°B - Dinossauros; 7°B - Avatar, 8°C e 9° - O Homem Bicentenário) em virtude das mensagens
centrais que passavam ligadas aos temas transversais (cidadania,
biodiversidade, direitos e deveres, consciência ambiental); aulas
de campo no entorno da escola, visitando o ambiente das praias
próximas, e oficina temática de elaboração de recursos visuais
para utilização no pelotão durante o desfile das comemorações do
7 de Setembro (Dia Nacional da Independência) no município (Figura 2), cujo tema central foi “Viver com Responsabilidade”.
As atividades de avaliação adotadas foram: prova escrita
com perguntas objetivas e subjetivas contextualizadas, jogos e
seminários sobre temas transversais e oficinas com produção de
recursos audiovisuais com pontuação do material produzido. No
processo de avaliação Qualitativa foi levado em consideração os
aspectos da criatividade nos trabalhos e no desenvolvimento da
problematização como recurso de desenvolvimento de aptidões
(POZZO, 1998), além das atitudes e valores demonstrados e o nível
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
de socialização entre eles.
Já na avaliação quantitativa, foram consideradas as notas
obtidas e mensuradas às atividades dos alunos além da interligação/contextualização de conteúdos com suas práticas cotidianas.
Os resultados mostraram que no total (n=71), 79,7% ficaram com
notas iguais ou superiores a 7, enquanto 20,3% abaixo deste valor
(Quadro 2) (Gráfico 1). Especificamente por turma, os dados obtidos mostraram que o desempenho dos alunos igual ou acima de 7
foram: 6°B – 70%, 7°B – 88,8%, 8°C – 78,9% e 9°C – 83,3% (Quadro
3) (Gráfico 2).
Os dados mostram um contínuo aumento no aprendizado
refletido no desempenho escolar quantitativo do alunado, e com
destaque para o 7°B, que no bimestre anterior havia tido um decréscimo, mas ao se trabalhar os conflitos internos que ocorriam
na turma em questão, os resultados positivos aumentaram com
reflexos diretos nas avaliações.
No 4° Bimestre, o quarto método acrescido ao Dialógico
foi o método Lúdico, em virtude dos alunos estarem neste período
de final do ano, expressivamente exaustos cognitivamente, o que
pode se refletir em suas notas (CÓRDULA, 2012). A população do
estudo novamente reduziu para 68 alunos (Quadro 7).
31
Figura 2 – Participação dos alunos da E.M.E.F. Major Adolfo Pereira Maia no
desfile Cívico em 7 de setembro de 2012, com o tema
“Conviver com Responsabilidade”.
Fonte: Prof. Eduardo B. de L. Córdula, 07/09/2012.
Quadro 7 – Quantidades de alunos por turma, ao final do 4° Bimestre da EMEF
Major Adolfo Pereira Maia.
Série/Turmas
N° de Alunos
6° ano B
7° Ano B
8° ano C
9° ano C
19
18
20
11
Total
68
Fonte: Dados obtidos no Diário de Classe da Disciplina de Ciências, 2012.
A ludicidade traz um repertório de atividades prazerosas
que envolvem o emocional, o físico e a aprendizagem contextualizada, ampliando sua capacidade de abstração para a realidade
(CÓRDULA, 2012). Os conteúdos da disciplina foram ministrados
com utilização do quadro branco, acrescido de jogos, oficinas temáticas e dinâmicas de grupo (Figura 3). Portanto, a cada novo
conteúdo ministrado, era selecionada uma atividade lúdica que
melhor complementasse a aprendizagem do alunado, uma por
Capa
Sumário
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
semana, e, ao mesmo tempo, avaliasse o desempenho escolar. A
prova escrita não foi descartada, apesar do caráter formal e tradicional a pedido da própria Gestão escolar. E, manteve-se também,
o uso do livro didático ao longo do bimestre.
Os resultados mostraram que no total de alunos das 4 séries (n=68), 84% obtiveram rendimento escolar igual ao cima de 7,
enquanto que 16% ficaram abaixo deste valor (Quadro 2) (Gráfico
1). Especificando por série, o desempenho escolar dos alunos com
notas iguais ou acima de 7 foram: 6°B – 75%, 7°B – 44,4%, 8°C –
94,7% e 9°C – 90,9% (Quadro 3) (Gráfico 2).
Mais uma vez ocorreu um resultado não esperado no 7°B,
que teve como provável motivo a desistência/abandono de alguns
dos alunos (11%) e o número de faltas que aumentaram neste período, especificamente verificada nos alunos que estavam fora de
faixa etária por série (70,6%) (Quadro 4). O excesso de faltas que
acarretou no não acompanhamento do conteúdo e suas atividades ao longo do bimestre, levou-os a fragmentação do conhecimento e portanto, ruptura do processo de ensino-aprendizagem, o
que se refletiu imediatamente no resultado das avaliações. Apesar
deste período a Gestão escolar ter novamente solicitado por vários
comunicados via alunos e por telefonema aos responsáveis, não
foi satisfatória a presença dos mesmos na escola.
A presença da família na escola é de caráter essencial para
o pleno desenvolvimento sócio-cognitivo do alunado (CÓRDULA,
2011), fortalecendo a rede de proteção a infância e juventude, atuando conjuntamente para garantir uma formação cidadã ampla,
fortalecendo as relações sociais e a função da escola na comunidade (BRASIL, 2008).
Capa
Sumário
33
Figura 3 – Dinâmica dos balões desenvolvida com alunos do 8°C da E.M.E.F.
Major Adolfo Pereira Maia em novembro de 2012.
Fonte: Prof. Eduardo B. de L. Córdula, 07/09/2012.
Os aspectos Qualitativos obtidos com a avaliação ao longo do ano letivo, através da sensibilização dos alunos, mostraram
uma evolução atititudinal, comportamental e de mudanças de
valores que foram externalizadas por eles no ambiente escolar,
tanto na sala de aula durante o desenvolvimento da disciplina de
Ciências, quanto com o convívio coletivo entre eles. Esta constatação foi ratificada pelo diálogo informal com os demais professores
durante os períodos de intervalo do turno, destinado a todos na
escola, que ocorriam as 15:30h, e também, quando aconteciam os
compartilhamentos das atividades do presente estudo, divulgação das atividades e dos resultados alcançados.
Dentre os aspectos qualitativos desenvolvidos pelos alunos, destacaram-se: (1) o aumento da autoestima, da tolerância,
da concentração e participação nas aulas, no respeito ao próximo;
(2) diminuição dos aspectos preconceituosos externalizados pelos
alunos, do bullying e da agressividade verbal e física.
Ao termino do ano letivo, na disciplina de Ciências, do total
de alunos do turno da tarde das quatro séries (n=68) 86,8% foram
35
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
aprovados ao final do 4° bimestre ou na Avaliação Final e 13,23%
não foram aprovados, mesmo após a Avaliação Final, por não terem atingindo a média síntese mínima (5,0) (Quadro 8).
Quadro 8 – Porcentagem dos alunos aprovados na disciplina de Ciência, da
EMEF Major Adolfo Pereira Maia ao final do ano letivo e após avaliação final.
Série
Aprovados
Não Aprovados
6° ano B
76,2
23,8
7° ano B
77,8
22,2
8° ano C
100
--
9° ano C
90,9
9,1
Fonte: Diários de Classe da disciplina, 2012.
PROBLEMAS DETECTADOS
Dificuldade na Assimilação dos
Conteúdos (Aula de Revisão)
Para tentar solucionar o problema da fragmentação na assimilação dos conteúdos, pelo excesso de faltas e pela própria dificuldade mnemônica do alunado, em reter os conteúdos ao longo
da semana, foi proporcionado durante o ano letivo de 2012, dois
turnos para atendimento do alunado, sendo um pela manhã e o
outro à tarde. Esta decisão também foi tomada, para que alunos
que não se adequaram as novas abordagens metodológicas, não
fossem prejudicados no seu desempenho escolar, caso sentissem
algum tipo de impacto no processo de ensino-aprendizagem. Porém, não houve procura por parte dos alunos, apesar dos avisos
que foram dados durante todo o ano pela Gestão Escolar e Corpo
Técnico-Pedagógico aos alunos e aos seus responsáveis.
Capa
Sumário
Abandono e Distorção idade/série
Do total de alunos matriculados no inicio do ano letivo (79
alunos) no turno da tarde, no início do 4° bimestre permaneceram
68 alunos. Do total inicial, 13,9% dos alunos abandonaram a escola sem motivo aparente ou foram transferidos a pedido dos responsáveis. Isto foi um fator negativo, que interferiu nos resultados,
pela quebra da continuidade da avaliação do mesmo público alvo,
e que, também influenciou nos índices divergentes dos esperados
no 7°C, já que, especificamente, houve um abandono/transferência de 18% dos alunos desta turma ao longo do ano letivo.
No total de alunos do turno da tarde da escola no 4° bimestre (68 alunos), 34,3% deles estavam dentro da faixa etária máxima
para a série que cursavam. Porém, 65,7% estavam com idades acima da esperada para a série que cursavam (Parâmetro estimulado
pela Ordem de Serviço da Secretaria Municipal de Educação em
2011), ocorrendo a distorção idade/série (Quadro 4). Este fator foi
observado nos alunos como um desmotivador para o mesmo permanecer e cursar a série em que estava, refletindo-se diretamente
e negativamente nas atitudes dos alunos perante a escola e, como
consequência, em suas avaliações.
Todos os resultados obtidos foram repassados a Gestão
Escolar e ao longo do ano letivo dialogados com todo o corpo
profissional da escola (Coordenação e Supervisão Pedagógicas,
docentes, demais funcionários), para que promovessem em seu
planejamento e no seu Plano Político Pedagógico, subsídios para
traçar metas, objetivos e ações na reversão dos problemas encontrados e continuidade na adoção de novas abordagens metodológicas pelos demais professores da escola.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES
Conseguir desenvolver as aptidões e saberes necessários à
vida futura do educando na sociedade, é dever da sociedade, da família e da escola, para que o compromisso se desenvolva numa educação de qualidade e que consiga transformar e preparar o futuro
cidadão. Neste caminho, os professores almejam em suas atividades magisteriais repassar não só conhecimentos, mas, valores atitudinais no alunado, para ir além da aprendizagem de conteúdos e gênese de sua criticidade e poder de decisão para o desenvolvimento
de sua comunidade, com reflexos progressivos em esferas maiores.
Com o abandono do método tradicional expositivo, sendo
substituído por novas metodologias de ensino mais voltadas as reais necessidades da sociedade contemporânea e, do alunado frente
às novas tecnologias e modelos sociais vigentes, foi notadamente
visível uma evolução do desempenho escolar do alunado, comparativamente ao longo dos bimestres, evidenciando a necessidade do
docente, em possuir e dominar um repertório amplo de metodologias para o pleno processo de ensino-aprendizagem.
Dentre as dificuldades encontradas e que se refletiram negativamente nos resultados esperados, verificou-se que há uma necessidade de se atuar diretamente focando os alunos que estão com
distorção de faixa etária/série para que sejam motivados e se engajem nas aulas e nos processos de avaliação, visando a recuperação
da autoestima valorização dentro da comunidade escolar.
Os dados obtidos foram repassados a Gestão Escolar, Coordenação e Supervisão Pedagógicas, e aos docentes da escola ainda
no ano de 2012. Com isto, espera-se que os profissionais da comunidade escolar reflitam sobre seus planejamentos e práticas didático-pedagógicas, para que ao longo dos próximos anos letivos, tentem
adotar novas metodologias no intuito de trazer melhorias ao processo de ensino-aprendizagem em suas disciplinas, visando à plena
formação social, cultural, educativa e cidadão do alunado.
Capa
Sumário
37
REFERÊNCIAS
ABÍLIO, F. J. P.; SATO, M.. Métodos Qualitativos e Técnicas de Coletas
de Dados em Pesquisas com Educação Ambiental. In: ABÍLIO, F. J. P.;
SATO, M. Educação Ambiental: do currículo da educação básica às
experiências educativas no contexto do Semiárido Paraibano. João
Pessoa, PB: Ed. Universitária da UFPB, 2012, p.19-76.
ALVES, F. C. Diário - um contributo para o desenvolvimento profissional
dos professores e estudo dos seus dilemas. Educação, Ciência e
Tecnologia, Instituto Politécnico de Viseu, Portugal. Disponível em:
<http://www.ipv.pt/millenium/Millenium29/30.pdf>. Acesso em: 25 abr.
2014.
ANDRÉ, M. E. D.; MEDIANO, Z. D. O cotidiano na escola: elementos para
a construção de uma didática fundamental. In: CANDAU, V. M. (Org.).
Rumo a uma nova didática. 8. ed. Petrópolis, RJ: Cortez, 1988.
BANCO MUNDIAL. Jovens em Situação de Risco no Brasil. Volume II,
Relatório Técnico - Relatório Nº 32310-BR. Disponível em: <http://www.
soperj.org.br/download/Jovens%20em%20situa%C3%A7%C3%A3o%20
de%20risco%20no%20Brasil%20Vol%20II.pdf>. Acesso em: 24 set. 2009.
BATISTA, A. P. Comportamento antissocial em crianças e adolescentes:
uma revisão de estudos teóricos.in: Anais do Congresso Internacional
de Saúde Mental, 1., 2013, Irati-PR. Anais... Irati-PR: UNICENTRO, 2013.
Disponível em: <http://anais.unicentro.br/cis/pdf/iv1n1/4.pdf>. Acesso
em: 25 abr. 2014.
BOCK, A. M. B. [Org.]. Psicologias: uma introdução ao estudo de
psicologia. São Paulo: Saraiva, 1988.
BORDIN, I. A. S.; OFFORD, D. R. Transtorno da conduta e comportamento
anti-social. Rev. Bras. Psiquiatria, v.22, s.2, São Paulo, dec. 2000.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S151644462000000600004&script=sci_arttext>. Acesso em: 25 abr. 2014.
BRASIL. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Envolvendo Seres Humanos. Brasília: CNS/MS, 1996. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/bioetica/res19696.htm>. Acesso em: 21 fev. 2009.
_______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira - n° 9.394 de
20 de dezembro de 1996. Brasília, DF: Senado Federal, 1996. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em:
25 abr. 2014.
_______. Parâmetros Curriculares Nacionais – terceiro e quarto
ciclos: introdução. Brasília: MEC/SEF, 1998a.
_______. Parâmetros Curriculares Nacionais – terceiro e quarto
ciclos: temas transversais. Brasília: MEC/SEF, 1998b.
_______. Vigilância Sanitária na Escola: parceiros na construção da
cidadania. Brasília: Anvisa, 2008.
CAMÊLO, I. A.; SILVA, J. V.; MANHÃES, E. V. S. Educar para a cidadania. In:
SEMINÁRIO REGIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA O SEMI-ÁRIDO
NORDESTINO E ENCONTRO PARAIBANO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL, 1.,
João Pessoa-PB, 2007. Anais... João Pessoa, PB: UFPB/REAPB, 2007.
CÓRDULA, E. B. L. Novos Rumos da Educação Sócio-Ambiental.
Revista Educação Ambiental em Ação, n° 100, Ano VIII, set./
Nov. 2009. Disponível em: <http://www.revistaea.org/artigo.
php?idartigo=732&class=04>. Acesso em: 24 set. 2009.
________. Educação Ambiental Integradora (EAI). Cabedelo, PB:
EBLC, CD-ROM, 2010a.
________. Mudanças de Paradigmas na Metodologia do Ensino de
Ciências em Turmas do Ensino Fundamental de uma Escola Pública,
Cabedelo-PB. In: III CONGRESSO DE BIÓLOGOS DA PARAÍBA (III
CONGREBIO), Campina Grande-PB, 2010, Anais..., João Pessoa, PB:
Rebibio, 2010b.
________. As Crianças e a Violência na Escola: espelhos da sociedade.
Revista Eletrônica de Educação, São Carlos-SP, UFSCar, v. 5, n. 2,
nov. 2011, p. 256-266. Disponível em: <http://www.reveduc.ufscar.br>.
Acesso em: 24 abr. 2014.
Capa
Sumário
39
________. Brincar e Aprender: a ludicidade na formação do educando.
In: CANANÉA, Fernando A. Embarc(ações) de Arte e Educação. João
Pessoa-PB: IMPRELL, 2012, p.42-60.
CÓRDULA, E. B. L.; FONSÊCA, P. N. Desenvolvendo Atitudes PróAmbientais em Alunos do 6° Ano em uma Escola Pública. In:
CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL, 1., João Pessoa-PB,
2009. Anais... João Pessoa, PB: Ed. Universitária de UFPB, CD-ROM, p.
650-656 (Volume 3), 2009.
CORTEZ, R. V. M.; FARIA, M. A. Distúrbios de Aprendizagem e os Desafios
da Educação Escolar. Revista Eletrônica Saberes da Educação, São
Roque-SP, v. 2, n. 1, 2011. Disponível em: <http://www.facsaoroque.
br/novo/publicacoes/pdf/v2-n1-2011/Renata.pdf>. Acesso em: 25 abr.
2014.
FLEURI, R. M. Educar para quê? Contra o autoritarismo da relação
pedagógica na escola. 9. ed. São Paulo: Cortez, (Biblioteca de Educação,
série I. Escola; v. 12 ). 1997.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 5. ed. São Paulo:
Atlas, 1999.
LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
________. Democratização da Escola Pública - A Pedagogia CríticoSocial dos Conteúdos. 18. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Metodologia Científica. São Paulo:
Atlas, 2004.
MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU,
1986.
PASCHOALINO, R. Relações dialógicas entre professor e aluno na sala
de aula a partir das contribuições de Paulo Freire. Disponível em:
<http://www.processoseducativos.ufscar.br/tcc1.pdf>. Acesso em: 12
jan. 2013.
41
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
POZZO, I. J. Aprender a resolver problemas e resolver problemas para
aprender. In: POZZO, I. J. (Org.). A solução de problemas: aprender
a resolver, resolver para aprender. Tris Affnso Neves. Porto Alegre:
Artmed, 1998, 13-42p.
MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de Pesquisa. 5. ed. São Paulo:
Atlas, 2002.
RODRIGUEZ, J. L. (Coord.). Cartilha Paraibana: aspectos geo-históricos
e folclóricos. João Pessoa: GRAFSET, 1991.
CAPÍTULO 02
EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA E CONVIVÊNCIA
COM O SEMIÁRIDO BRASILEIRO: UM NOVO
OLHAR A PARTIR DO ENSINO DE CIÊNCIAS
Gustavo de Alencar Figueiredo6
José Antônio Novaes da Silva7
SANT’ANNA, F. M.; ENRICONE, D., ANDRÉ, L. C.; TURRA, C. M. G.
Planejamento de Ensino e Avaliação. 11. ed. Porto Alegre: Sagra,
1993.
SÁTYRO, N.; SOARES, S. A Infra-Estrutura das Escolas Brasileiras de
Ensino Fundamental: um estudo com base nos censos escolares de
1997 a 2005. Brasília, 2007. Textos para Discussão, n. 1267, IPEA, abr.
2007. Disponível em: <http://www.cipedya.com/web/FileDownload.
aspx?IDFile=101542>. Acesso em: 27 set. 2009.
CONHECENDO O SEMIÁRIDO E A PROPOSTA
DE UMA EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA
SEVERINO, A. J. Metodologia do Trabalho Científico. 23. ed. São Paulo:
Cortez, 2007.
O Brasil está dividido em cinco macro-regiões. Nordeste,
Sudeste, Sul, Norte e Centro Oeste. Cada qual possuindo características peculiares ao clima, à população, a biodiversidade da flora
e da fauna, à história, à política, à cultura; elementos que estão
inter-relacionados para dar significado à existência dos homens e
mulheres que viveram (e vivem) nesses ambientes. Quando comparadas quanto aos aspectos sociais, econômicos, científicos e
culturais podemos encontrar grandes contrastes, principalmente,
no que diz respeito ao aspecto sócio-cultural. Esse ponto é fundamental para entender como os saberes historicamente construí-
SILVA, D.; LEITE, C.; FERNANDES, P. Diários de Aula como Procedimentos
de Investigação no Domínio da Biologia e Geologia: uma ilustração. In:
FERREIRA, H.; BERGANO, S.; SANTOS, G.; LIMA, C. Actas do X Congresso
da SPCE. Bragança, Portugal: SPCE e ESE/IPB, 2009.
VASCONCELOS, C. S. Para onde vai o professor? Resgate do Professor
como Sujeito da Transformação. 12. ed. São Paulo: Libertad, 2007.
ZABALZA, M. A. Diários de Aula: um instrumento de pesquisa e
desenvolvimento profissional. Porto Alegre: Artmed, 2004.
Capa
Sumário
O Semiárido Brasileiro
6
Prof. da Universidade Federal de Campina Grande - Campus Cajazeiras; Centro
de Formação de Professores (CFP); Unidade Acadêmica de Ciências Exatas e da Natureza
- UACEN; E-mail: [email protected]
7
Prof. Assosicado III, do Departamento de Biologia Molecular (DBM) do Centro
de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN); E-mail: [email protected];
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
dos pelas comunidades ali existentes contribuíram no surgimento
e no desenvolvimento dessas regiões.
O Semiárido Brasileiro, segundo dados do INSA8, “abrange
uma área correspondente a quase 90% da região Nordeste”, mais
de 970 mil quilômetros de extensão, envolvendo 1.135 municípios
em nove Estados Brasileiros e com uma população de 22 milhões
de habitantes apresentando um crescimento urbano muito superior a população campesina. O Mapa 01 abaixo indica a extensão
territorial do Semiárido Brasileiro de acordo com a portaria nº 89
do Ministério da Integração Nacional de maio de 2005.
De acordo com o Silva, R. (2010, p. 17), a região em destaque no Figura 01, bem como as demais regiões semiáridas da
Terra, é caracterizada, “pela aridez do clima, pela deficiência hídrica com imprevisibilidade das precipitações pluviométricas e pela
presença de solos pobres em matéria orgânica”.
43
Figura 01 - Nova delimitação do Semiárido Brasileiro
Fonte: IBGE/Ministério da Integração Nacional (2005)
8
Instituto Nacional do Semiárido. Os dados foram referentes ao Censo Demográfico realizados pelo IBGE no ano de 2010.
Capa
Sumário
O longo período de seca nessas regiões acarreta no aumento da temperatura local, caracterizando a aridez sazonal. O
índice de aridez de uma região depende da quantidade de água
proveniente da chuva (precipitação) e da temperatura que influencia a perda de água por meio da evapotranspiração potencial. (ALENCAR, 2010, p.15).
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
De acordo com Ab’Saber (1992, p. 10),
Os aspectos que dão similitude as regiões semiáridas são sempre de origem climática, hídrica e fitogeográfica, baixos níveis de umidade, escassez de
chuvas anuais, irregularidade no ritmo de precipitações ao longo dos anos, prolongamento dos períodos de carência hídrica, solos problemáticos tanto
do ponto de vista físico quanto do geoquímico (solos salinos, solos carbonáticos) e ausência de rios
perenes, sobretudo no que se refere às drenagens
autóctones.
No caso do Semiárido Brasileiro, a delimitação na sua área
de abrangência (Figura 02) deve-se a três critérios técnicos estabelecidos pela Portaria Ministerial nº 89/2005, do Ministério da Integração Nacional, que considera a pluviosidade média anual, da
referida região, inferior a 800 mm; o índice de aridez de até 0,5, no
período entre 1961 e 1990 e o risco de seca maior que 60% no período entre as décadas de 1970 e 1990. (SILVA, R., 2010).
No entanto, o Semiárido, possui características peculiares
que o diferencia das demais regiões semiáridas do planeta por
possuir uma pluviosidade maior (média de 750 mm/ano); por ser o
mais populoso e por apresentar, segundo Ab’Sáber (2003 apud SILVA, R., 2010, p. 17), “ uma a área de domínio mais homogênea, do
ponto de vista fisiográfico, ecológico e social”, quando comparado
com as áreas de semiaridez na América do Sul. Porém, essa homogeneidade depende da localização geográfica (latitude e longitude) das áreas de abrangência do Semiárido Brasileiro, o que pode
ocasionar alterações no clima, na vegetação e no modelamento
das paisagens.
De acordo com Ab’Sáber (2003 apud ALENCAR, 2010, p. 15),
destaca “a existência de faixas regionais no interior do Semiárido
Brasileiro: 1) as faixas semiáridas rústicas ou semiáridas típicas (os
“altos sertões”); 2) as faixas semimoderadas (caatingas agresta-
Capa
Sumário
45
das); e 3) as subáreas de transição ou faixas subúmidas (os agrestes)”. Essa diversidade de ambientes traz vantagens comparativas
para a região, mas o seu aproveitamento exige diferentes formas
de intervenção. O investimento em tecnologias sustentáveis para
adaptação ao comportamento climático seria a maneira mais adequada de explorar essa diversidade e proporcionar diversas possibilidades que facilitem a vida das pessoas que vivem nessa região.
Figura 02 - Área de incidência de secas
Fonte: (MONTEIRO, 2007, p. 107)
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Um dos elementos marcantes, presente nas paisagens dessas faixas regionais do Semiárido Brasileiro, é a sua vegetação que
forma o bioma3 característico da região: a caatinga, que significa,
na linguagem indígena, “mata branca”. A caatinga é um bioma com
alta biodiversidade de espécies vegetais e animais, que possuem
características especiais de adaptação às condições climáticas. Destaque para “a formação vegetal xerófila, com folhas pequenas que
reduzem a transpiração, caules suculentos para armazenar água
e raízes espalhadas para capturar o máximo de água durante as
chuvas” (SILVA, R., 2010, p.19). Muitas espécies são próprias
da região (endêmicas) não sendo encontradas em nenhum lugar do
mundo, mesmo nas demais regiões semiáridas existentes. Algumas
dessas espécies de plantas, adaptadas ao comportamento climático da região, podem, segundo Braga (2004, p. 28), “ser exploradas
economicamente na produção de óleo (catolé, faveleira, marmeleiro e oiticica); de látex (pinhão e maniçoba); de cera (carnaúba);
de fibras (bromeliáceas); medicinais (babosa, juazeiro); frutíferas
(umbuzeiro)”. No entanto, essas e outras riquezas (mineral e animal)
ainda estão por ser conhecidas e valorizadas na região.
Apesar de o Semiárido Brasileiro possuir toda essa biodiversidade e ser considerado o mais úmido do planeta, a seca é um
fenômeno característico em determinadas áreas da região. Sua
ocorrência9 deve-se “tanto pela escassez quanto pela alta variabilidade espacial e temporal das chuvas” (SILVA, 2007, p.19).
Fatores como, as elevadas temperaturas, as fortes taxas de
evapotranspiração, a reduzida capacidade de absorção de água
da chuva no solo, que em alguns lugares é raso e pedregoso, a exis9
O conjunto das áreas de ocorrência de secas foi denominado, em 1936, através
da Lei nº 175, de 01 de janeiro de 1936, de Polígono das Secas, que abrangia quase a
totalidade da região semiárida Nordestina e parte do norte do Estado de Minas Gerais
correspondendo a uma área de 950.000 km2 no Nordeste. Com a publicação da Portaria
Ministerial nº 89, do Ministério da Integração Nacional, em setembro de 2005, apresenta
a nova delimitação do Semiárido Brasileiro integrando ao Semiárido Brasileiro mais 57
municípios, incluindo alguns municípios do Norte de Minas Gerais, totalizando, assim,
uma área de 980.089, 26 km2 e 1.135 municípios. (MONTEIRO, 2007, p. 107).
Capa
Sumário
47
tência de uma corrente marinha fria, circulação geral da atmosfera
(massas de ar), a topografia da região e a existência de um centro
permanente de alta pressão atmosférica, são fatores que influenciam, diretamente, na dinâmica climática, e, consequentemente,
no surgimento desse período de estiagem na região.
Além do clima, outros fatores, segundo Monteiro (2007),
afetam o ciclo hidrológico da região semiárida.
A geologia, representada por rochas cristalinas
(praticamente impermeáveis), com capacidade de
acumulação de águas restrita às zonas fraturadas,
que afloram em grandes extensões de terra, aumenta a taxa de evaporação e de escoamento superficial
da região. Conseqüentemente, a maioria dos rios do
semiárido tem regime intermitente, permanecendo secos nos períodos de estiagem (CAMPOS, 1995
apud MONTEIRO, 2007, p. 106).
Nessa região, apenas os rios Parnaíba e São Francisco apresentam um significativo volume perenizado sem reservatórios/
barragens. “Os solos são na maioria areno - argilosos, rasos, com
embasamento rochoso aflorante, o que impede a infiltração, restringe a descarga para o aqüífero subterrâneo e limita o crescimento da vegetação.” (FREITAS, 1999 apud MONTEIRO, 2007, p. 106). É
importante enfatizar que essas características não são verificadas
em todo o Semiárido Brasileiro, há lugares em que o solo é fértil e
o cristalino10 encontra-se a vários metros de profundidade.
Fenômenos atmosféricos globais11 como o El Niño e La Niña
10
O conjunto das áreas de ocorrência de secas foi denominado, em 1936, através
da Lei nº 175, de 01 de janeiro de 1936, de Polígono das Secas, que abrangia quase a
totalidade da região semiárida Nordestina e parte do norte do Estado de Minas Gerais
correspondendo a uma área de 950.000 km2 no Nordeste. Com a publicação da Portaria
Ministerial nº 89, do Ministério da Integração Nacional, em setembro de 2005, apresenta
a nova delimitação do Semiárido Brasileiro integrando ao Semiárido Brasileiro mais 57
municípios, incluindo alguns municípios do Norte de Minas Gerais, totalizando, assim,
uma área de 980.089, 26 km2 e 1.135 municípios. (MONTEIRO, 2007, p. 107).
11
Esses processos (El Niño e La Ninã) agem na atmosfera que, por sua vez, age
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
são um dos fatores que, também, exercem influencia nesta
variabilidade climática existente no Semiárido Brasileiro. O El
Niño é um fenômeno cíclico, que não possui um período regular,
dura em média de 12 a 18 meses e ocorre em intervalos de 2 a 7
anos, com diferentes intensidades, enquanto o La Niña possui
maior variabilidade, ocorrendo com menor freqüência do que os
do El Niño (MONTEIRO, 2007, p. 52).
De acordo com Freitas (1999 apud MONTEIRO, 2007, p.106),
o El Niño, historicamente, associado à seca no Nordeste, “causa a
predominância de um ramo de ar descendente que inibe a formação de nuvens e este efeito está associado a chuvas abaixo do normal na região semiárida nordestina, o efeito contrário do La Niña,
está relacionado a chuvas acima da média sobre a região”. Porém,
é importante ressaltar que é o conjunto de todos esses aspectos
citados acima, e não um fator isolado em si, como o El Niño, por
exemplo, que ocasiona essa variabilidade climática no Semiárido
Brasileiro.
Esses fatores são cruciais para entender a dinâmica do clima da região, porém, é preciso desmistificar a ideia de que um dos
principais problemas do Semiárido Brasileiro é a escassez de água.
Malvezi (2007), ao comparar o Semiárido Brasileiro com outras regiões do país no que diz respeito às águas, o autor afirma que,
O Brasil como um todo, cujos rios abrigam aproximadamente 13,8% da água doce do planeta, detém parte das águas
internacionais da Amazônia, tem abundancia de águas no subsolo e muita chuva. As águas são desigualmente distribuídas no
território. O Norte tem cerca de 70% delas; o Centro-Oeste, 15%;
o Sul, 6%; o Sudeste, 6%; o Nordeste, 3%. Mas, nem mesmo o estado com menos água por pessoa – Pernambuco – está na faixa
mecanicamente sobre os oceanos tropicais, redistribuindo as anomalias da TSM (Temperatura da Superfície do Mar) através de fluxo de calor (evaporação, convecção, formação
de nuvens), que age novamente na atmosfera e provocam modificações no campo de
vento em baixos níveis (ventos alísios), gerando instabilidade no sistema acoplado oceano-atmosfera (FREITAS, 1999 apud MONTEIRO, 2007, p 52).
Capa
Sumário
49
da escassez. Segundo os padrões da Organização das Nações Unidas (ONU): Pernambuco tem uma disponibilidade anual de água
por pessoa na ordem de 1.270 m3, em média; o índice da ONU para
caracterizar escassez é abaixo de 1.000 m3/pessoa/ano (MALVEZZI,
2007, p. 11).
Analisando os dados acima, pode-se concluir, portanto,
que o problema não se configura na falta de água para a população, mas no acesso a ela. Existe um déficit hídrico, mas isso não
significa falta de chuva para a região. “O grande problema é que
a chuva que cai é menor do que a água que evapora” (MALVEZZI,
2007, p. 10).
Dessa forma, Araújo (2010) destaca que não basta investir,
somente, em técnicas de armazenamentos das águas das chuvas,
é preciso que se façam investimentos em tecnologias adaptadas à
realidade do Semiárido Brasileiro que garantam o armazenamento com mínimas perdas por evaporação.
Nesse sentido, para minimizar o problema, já estão em andamento propostas de convivência com a região, elaboradas por
ONGs12, com a participação da Sociedade Civil Organizada, tais
como, por exemplo, a ASA Brasil13 e o IRPAA14, (conforme mostra a
Tabela 1) onde são apresentadas tecnologias simples e viáveis para
que as águas provenientes das chuvas sejam captadas e aproveitadas adequadamente no cotidiano das comunidades locais. Essa
seria uma, das muitas, alternativas sustentáveis que existem para
se conviver com as adversidades climáticas do Semiárido Brasileiro.
A Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido
Brasileiro
Por ser, o Semiárido, uma região marcada, historicamen12
13
14
Organizações Não – Governamentais.
Articulação no Semiárido Brasileiro.
Instituto da Pequena Agropecuária Apropriada.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
te, por problemáticas sociais, econômicas, ecológicas, e, também,
por apresentar uma variabilidade climática, agravada pelo fenômeno da seca e suas implicações na vida dos povos que habitaram
(e habitam), esta região sofre com o estigma de ser considerado,
como uma “região-problema”, isto é, uma região com graves indicadores sociais, tais como a pobreza, o analfabetismo, que interferem diretamente um número no baixo Índice de Desenvolvimento
Humano – IDH dessa região.
Essa concepção é fruto de um discurso hegemônico, que
tem suas bases no sistema capitalista e que dissemina a dicotomia do superior-inferior, do civilizado/desenvolvido-primitivo/
subdesenvolvido. Discurso esse, que faz desaparecer a “visibilidade e relevância dos contextos institucionais locais, históricos, materiais, culturais” (SILVA, 2010, p.05)
Para mostrar como esse discurso não valoriza a cultura
popular e os saberes, historicamente, construídos pelas comunidades sertanejas do Semiárido Brasileiro, o citado autor,
apresenta a narrativa de um professor da USP (Universidade de
São Paulo), que mostra uma região que não condiz com a realidade da região.
Se você viajar de avião, de Salvador para as terras
do interior da Bahia, e observar a paisagem, irá deparar com uma brusca mudança. O ambiente úmido
da orla marinha, povoado de graciosos coqueiros, e
a extensa planície de densa vegetação são, repentinamente, substituídos, a menos de 90 quilômetros
do mar, por uma plataforma imensa, de solo pedregoso, de coloração amarelo-avermelhada onde vegetam apenas os cactos e arbustos espinhosos e retorcidos. Uma paisagem seca e pobre, contrastando
tristemente com o panorama vivo e alegre do mar
e das matas que ficaram para trás. É a paisagem do
sertão. Sua vegetação é a caatinga. O que caracteriza, realmente, essa vegetação, que se estende a perder de vista sobre as chapadas nordestinas, é a sua
Capa
Sumário
51
aparência ressequida, tortuosa e agressiva, como
que torturada pelo sol calcinante e pela ausência
de chuvas. O caboclo é o único ser humano capaz
de sobreviver nessas terras. O sertanejo é apenas
contratado pelo fazendeiro, um rico proprietário,
que vive no litoral e que, muitas vezes, nem sequer
conhece suas próprias terras. De aparência indolente e tostado pelo sol, com a pele esturricada como
as próprias plantas espinhentas e retorcidas que o
cercam. O principal meio de transporte no sertão
nordestino é o jegue. Como não possui automóvel, o
sertanejo leva um dia inteiro transportando, sobre a
cabeça ou no lombo do jegue, uma lata d’água que
mal dá para saciar a sede da família. A riqueza cultural do sertanejo, responsável pela sua regionalidade
e baseada em tradições, observações e costumes
milenares, deve ser objeto de estudo para oferecer-lhe explicações racionais e objetivas sobre a natureza da caatinga, em substituição às suas crendices
e atitudes incoerentes e nocivas. A jacarezada é prato típico das regiões situadas às margens do Velho
Chico e, segundo dizem, muito saboroso. Porque, o
solo do Sertão não produz quase nada11 (BRANCO,
2003, p.26).
Observa-se, claramente, que na narrativa, a palavra sertão
possui um laço tão forte com a descrição feita por Branco (2003)
que se tornou uma verdade para aqueles que se quer pisaram no
chão do sertão, inclusive, para os próprios sertanejos, que acabaram por aceitar esse determinismo histórico. Óbvio que se apresentaram (e se apresentam) discurso em contraposição ao analisado acima, porém, esses foram ofuscados por essa visão de sertão
que se tornou hegemônica e fez funcionar esse discurso de terra
improdutiva, região inóspita e aculturada, como verdadeiro, pois
segundo Foucault (1979, p. 12)
Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade, isto é, os tipos de discurso
que aceita e faz funcionar como verdadeiros..., os
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
meios pelo qual cada um deles é sancionado, as técnicas e procedimentos valorizados na aquisição da
verdade; o status daqueles que estão encarregados
de dizer o que conta como verdadeiro.
Essa visão estereotipada do sertão, também pode ser encontrada em diversas obras literárias escritas por autores nordestinos renomados tais como, por exemplo, João Cabral de Melo
Neto15 e Graciliano Ramos16. A visão de esquerda sobre o Nordeste, construída pelos referidos autores, embora fosse uma tentativa
de denunciar a miséria, a pobreza, a exploração de que seria vítima o homem do povo da região, terminou por reforçar uma série
de estereótipos sobre este espaço, que já apareciam formulados
nos discursos dos regionalistas e tradicionalistas. Sendo obras de
grande qualidade estética e de grande repercussão no país. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2009)
Nessa perspectiva, a visão dos sertão e do sertanejo apresentada acima, é, também, fruto de um violento processo de alienação
provocado, historicamente, por uma educação colonizadora, dirigida
hegemonicamente a uma determinada realidade e/ou classe social,
Esta realidade é a do sudeste urbano e – a partir
desta “sua realidade” e de uma narrativa pronunciada por um tal sujeito universal denominado “nós
brasileiros” ela toma todas as outras realidades
que compõe a imensa diversidade brasileira, como
sendo seus “outros”, “eles”, “aqueles” que estão “lá”
e devem ser integrados à sua narrativa (MARTINS,
2006, p.38).
Nesse sentido, segundo Foucaut (1996), mesmo sendo descontextualizado, esse tipo de discurso educa, pois a nossa sociedade tem acesso aos diferentes discursos através da educação.
15
MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida Severina. In: Obras completas. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
16
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 23. ed. São Paulo: Martins, 1969.
Capa
Sumário
53
A escola em toda e qualquer sociedade, é a via que possibilita as
condições de existência dessa sociedade e, tem por função, formar pessoas de modo que se tornem aptas a ocupar os lugares
que a estrutura social oferece. Ela também é a responsável pela
produção de determinados saberes e discursos sobre o indivíduo
a partir da extração de certos conhecimentos sobre os sujeitos que
se inserem no espaço escolar (MOURA, 2010).
Na contramão dessa visão está o sentido de educar para Moraes (2010, p. 41) é “enriquecer a capacidade de ação e de reflexão
do ser aprendente; é desenvolver-se em parceria com outros seres”
Esta educação, presente na colocação de Branco (2003)
configura-se, pois, no que denominamos de Educação descontextualizada que, conforme Silva J. (2010, p.39), “instituiu uma visão
mecânica de mundo que homogeneíza histórias e saberes ao universalizar e matematizar a existência, eclipsando a complexidade,
diversidade, diferenças e contradições das realidades locais”. .
Essa “educação universal” que sempre existiu, tem suas bases no paradigma clássico da Ciência Moderna que se fundamenta
numa perspectiva positivista de mundo onde os saberes advindos
da experiência dos povos do Semiárido Brasileiro, bem como suas
visões de mundo, são destituídos de valor científico, e por isso,
não podem ser relevantes para a formação dos sujeitos.
Para Silva Júnior (2010), a visão de mundo dominante nasceu durante a Revolução Científica dos séculos XVI e XVII, na Europa ocidental, e foi fundamental para consolidação do modelo
atual de educação que se reproduz no Brasil, pois,
A partir daí, leis universais homogeneizaram – descontextualizaram – as realidades locais. Com a matematização do universo e da vida, o que não pode
ser quantificado não existe, não é verdade ou não
é relevante. Os saberes, paixões, experiências, desafios, aspirações, frustrações, desejos, histórias,
significados, sonhos e potencialidades locais eclip-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
saram sob o efeito homogeneizador/descontextualizador de modelos globais dominantes em todos os
campos do conhecimento, inclusive no da educação
(SILVA JÚNIOR, 2010, p.05).
Diante desse contexto, nos últimos anos, com o crescimento
das discussões em torno das experiências realizadas (e que deram
certo) no Semiárido Brasileiro, baseada na lógica da convivência,
mencionadas anteriormente, emergiu a proposta de uma Educação
Contextualizada para convivência com o Semiárido Brasileiro, que
propõe um trabalho de descolonização dessa educação que vem
sendo reproduzida no Brasil, favorecendo o diálogo, que deve acontecer entre o conhecimento científico e os saberes, historicamente,
aí produzido por homens e mulheres na produção da sua existência.
Neste caso, não há somente uma forma específica de Educação Contextualizada, mas em cada ambiente educativo esta
concepção de educação deverá ser formatada em consonância
com as demandas de cada realidade (FEITOSA, 2011).
Até porque entendemos que qualquer forma de educação que
se sobreponha a outra pode vir a reproduzir as práticas desenvolvidas
e criticadas, em nosso trabalho. Por isso, a Educação Contextualizada
no qual estamos discutindo, seria um ato de resistência, uma proposta contrária aos ideais de uma sociedade injusta, desigual, individualista, Isso porque a política que conduziu às escolas até o século XXI
tem sempre um caráter disciplinar, ou seja, uma distribuição espacial
dos indivíduos em horários pré-determinados, a obediência a uma
escala hierárquica e um currículo pré-estabelecido por Diretrizes Curriculares Nacionais. Esse é um dos maiores desafios que a educação
teria que enfrentar, que seria a superação desse determinismo histórico imposto pelo o modelo de educação formal reproduziu mundialmente, e, portanto, no Semiárido Brasileiro.
É nesse sentido que a educação e, portanto, a escola, passa a
ser pensada em nosso trabalho, pois entendemos, conforme a ótica
Capa
Sumário
55
foucaultiana, que refletir sobre o papel da educação e da escola,
Significa analisar o processo de constituição da escola disciplinar a partir das disposições epistemológicas e do poder que se instituíram na sociedade
moderna, fabricando formas de vida e individualidades. Significa sobretudo, pensar as possibilidades
de se constituir uma escola e uma educação capazes de criar uma atitude de modernidade (TERNES,
2006), capazes de tonificar o pensamento e constituir sujeitos capazes de romper com as estratégias
do poder disciplinar e inventar uma nova realidade
(MOURA, 2010, p.19).
A Educação Contextualizada traz nas suas práticas
educativas significativas, o desafio de exercitar a contextualização
e a interdisciplinaridade como estratégia para contrapor-se aos
males da pedagogia tradicional moderna que se pauta pelos princípios da neutralidade, da formalidade abstrata e da universalidade dos saberes e das práticas (MARTINS, 2006).
A Educação contextualizada, então, aponta para uma educação humanizadora, adotando uma prática pedagógica que possibilita segundo Feitosa (2011, p. 172), “pelo empoderamento17, a
práxis social dos educandos e educandas, e não perpetue a visão
de conhecimento como algo a ser transferido”, mas construído.
Sendo uma das protagonistas dessa proposta de educação,
a RESAB18, (como uma Organização da Sociedade Civil), reúne instituições governamentais e não-governamentais que atuam em
educação escolar e/ou não escolar no Semiárido Brasileiro, para
17
Feitosa (2011, p. 172) cita a definição desse termo segundo (VILLACORTA; RODRIGUES, 2002, p. 48) quando os autores destacam que é um processo através do qual,
grupos que têm sido excluídos e marginalizados por causas econômicas, sociais, políticas, de Gênero, etc., buscam mudar essa situação e se incorporar na determinação do
rumo que suas localidades, países, regiões e o mundo devem tomar. Por isso, as estratégias de empoderamento são caminhos para sociedades locais ou nacionais mais democráticas, via pela qual grupos, atores e setores mais excluídos entram nos processos onde
decide o rumo daquelas.
18
Rede de Educação do Semiárido Brasileiro.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
contribuir na formulação de políticas públicas de educação para
convivência com essa região. Tendo como perspectiva a reorientação dos currículos escolares e o redimensionamento das ações
educativas escolares mediante a produção de materiais didáticos
contextualizados, referenciais teóricos e formação continuada
tendo como centralidade à convivência a partir do reconhecimento de suas especificidades e potencialidades (SILVA; BUENO, 2008).
Uma proposta de Educação Contextualizada partindo da
Escola, como lugar privilegiado da produção do conhecimento, só
faz sentido a partir do momento em que conhecemos a realidade
na qual vivemos, e refletimos acerca da produção da nossa existência, dentro desse contexto. Por isso, nosso trabalho congrega
com o trabalho desenvolvido pela RESAB, e elege, como cenário
para desenvolver essa proposta, o Semiárido Brasileiro.
Dessa forma, teremos a oportunidade de conhecer, primeiramente, as características do bioma típico dessa região, que neste caso, é a caatinga, suas potencialidades, seus problemas e a forma de conviver com as limitações que o próprio ambiente impõe
sendo que depois desse movimento, segundo Silva e Bueno (2008,
p.69) “fazer as interconexões com o global para compreender o
mundo se situando neste de maneira crítica”.
Tais características fazem dessa região ambiente favorável
à construção de práticas pedagógicas contextualizadas na escola,
subsidiando o trabalho dos/as educadores/as da Educação Básica
desta região, e produzindo aprendizagens significativas, no momento em que são abordadas questões relevantes para a compreensão das realidades vividas, no cotidiano, dos/as estudantes nessa etapa da escolarização.
Para essa perspectiva de mudança, o (a) educador (a) é
concebido (a) como agente de transformação social, um dos protagonistas dessa educação, que desempenha a função de buscar
desenvolver (não manipulando) a criticidade dos outros protagonistas que fazem parte desse processo, que são seus estudantes.
Capa
Sumário
57
É nessa relação recíproca de protagonismo entre educadores (as)
e estudantes que é possível conduzir, por parte dos primeiros, novas práticas pedagógicas na promoção de um currículo flexível.
Currículo esse, que perceba o espaço escolar como um espaço de
dialógico, em que os conteúdos por eles/elas ensinados, estejam
articulados com à realidade, possibilitando aos sujeitos, portanto,
uma visão mais ampla de seu contexto local e global, como nos
ensina Edgar Morin.
Neste sentido, Jezine (2008, p.109) ressalta que, “compete aos/às educadores/as conhecerem as diferenças de contextos,
analisando as diversidades e buscando procedimentos didático-metodológicos que possibilitem as suas ações praxeológicas”.
É importante, também, que os/as educadores/as, compreendam que não se pode restringir a Educação Contextualizada às dicotomias de saberes e/ou de relações teoria/prática, pois se assim o fizerem, correram o risco de isolar os meninos e meninas em seu próprio
habitat. O desafio consiste em manter o diálogo entre os saberes para
que estes se complementem e se ampliem. De acordo, Jezine (2008),
Uma Educação contextualizada para convivência
com o Semi-árido, significa considerar a dinâmica
de seus fluxos, as intempéries da natureza, a relação
social e cultural dos sujeitos e as necessidades econômicas e tecnológicas. Para tanto, o saber popular
deve estar a serviço dos saberes científicos, e estes a
serviço da melhoria de vida dos sujeitos que ali residem. Daí se defender a ampliação dos saberes e não
os processos de dualidade (JEZINE, 2008. p.106).
Percebe-se, então, que os/as educadores/as não estão
qualificados o suficiente para produzir esse diálogo de saberes
pelo fato da sua formação inicial também ter sido descontextualizada e fragmentada.
Sendo assim, Silva e Bueno (2008) ressaltam que para
eles/as construírem uma prática pedagógica na perspectiva da
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
contextualização, é necessário que estes/as profissionais invistam em sua qualificação mediante a formação continuada,
pois para promover uma educação contextualizada na lógica da
convivência com o Semiárido Brasileiro é preciso compreender
a complexidade do fazer educativo, não de forma compartimentada. A desconstrução da cultura da fragmentação é o ponto
de partida para se implementar uma reforma do pensamento,
como nos propõe Edgar Morim. Reforma essa, em que a Educação Contextualizada surge como condição sine qua non para se
construir uma política educacional que respeite a pluralidade e
a diversidade de culturas, credos, raças, ideias e opções teórico-metodológicas no processo de ensino e de aprendizagem a qual
nós propomos defender em nosso trabalho.
O ENSINO DECIÊNCIAS NATURAIS E A
PROPOSTA DE UMA EDUCAÇÃO
CONTEXTUALIZADA PARA O
SEMIÁRIDO BRASILEIRO
Como educadores (as) de Ciências Naturais temos nos preocupado com a forma como essa Ciência vem sendo apresentada
aos/as estudantes do Ensino Fundamental (6º ao 9º Ano) nos espaços formais de ensino. Pode-se verificar, como prática constante, a
ênfase na memorização de conceitos e conteúdos, reforçada aplicações de exercícios reiterados presentes em livros didáticos e/
ou apostilas previamente elaboradas pelos/as educadores/as que
lecionam esse Componente Curricular. As pesquisas em Ensino de
Ciências mostram que esse quadro repete-se em todas as regiões
do Brasil e, portanto, no Semiárido Brasileiro.
(Re) pensar o Ensino de Ciências no Semiárido Brasileiro
remete-nos a necessidade de se (re) pensar a estrutura dos currículos escolares, no que tange o Ensino das Ciências Naturais no
Ensino Fundamental, bem como, a forma como vem sendo de-
Capa
Sumário
59
senvolvida a prática pedagógica do/a educador/a nessa etapa
de escolarização. Esse (re) pensar deve estabelecer uma ruptura
com a educação “livresca” que se consolidou nessa sociedade,
que deforma a necessária criatividade dos (as) estudantes, bem
como dos (as) educador (as). Uma educação que condiciona; que
aprisiona o sujeito em si mesmo, podando qualquer tentativa de
sua libertação, pois está fortemente imbricada nas relações de
poder que dela emanam. Relações essas que não surgem somente na educação, mas em todas as formas de relações humanas
em que há uma relação de sujeição entre sujeitos, como Foucault
(2001, p. 1538) nos apresenta:
Quando fala-se de poder, as pessoas pensam imediatamente a uma estrutura política, um governo, uma
classe social dominante, o mestre frente ao escravo,
etc. isto não é de nenhum modo aquilo que eu penso
quando falo de relações de poder. Eu quero dizer que,
nas relações humanas, qualquer que sejam - que trate de comunicar verbalmente, como fazemo-lo agora,
ou que trate-se de relações amorosas, institucionais
ou econômicas -, o poder continua presente : eu quero dizer a relação na qual um quer tentar de dirigir a
conduta do outro. estas são, por conseguinte, relações que pode-se encontrar em diversos níveis, sob
diferentes formas; estas relações de poder são relações móveis, ou seja elas podem alterar-se, elas não
são dadas de uma vez para sempre.
Dessa forma, na perspectiva de Michel Foucault, podemos
considerar que existem diferentes tipos de relação de poder na
educação brasileira, que pode ser observado na imposição do currículo a ser considerado; nos Componentes Curriculares que historicamente são denominados “disciplinas”, termo, inclusive, encontrado nos documentos oficiais do Ministério da Educação; nas
relações educadores (as) – estudantes e gestores (as) – educadores
(as); na dimensão da avaliação, dentre outras dimensões.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
É no campo das resistências, na inversão desses assujeitamentos em que vive a educação no Semiárido Brasileiro, que se
alicerça a proposta de um Ensino de Ciências Naturais numa concepção de educação contextualizada para essa região, pois acreditamos que,
[...] nas relações de poder há necessariamente a
possibilidade de resistência, pois se não houvesse
possibilidade de resistência – de resistência violenta, de fuga, de subterfúgios, de estratégias que invertam a situação -, não haveria de forma alguma
relações de poder (FOUCAULT, p.277).
É nessa perspectiva que surge, de encontro à proposta de “Educação Colonizadora”, a proposta de educação anteriormente mencionada, visando uma educação crítica a serviço
da transformação social, sugerindo, assim, um novo olhar para a
educação como meio de promover a libertação de quem na verdade foram historicamente assujeitados e afastados da condição de
protagonistas da sua própria vida.
Nesse sentido, Japiassu (1991) nos apresenta as características do (a) educador (a) que congrega com essa educação colonizadora, quando nos afirma que:
O educador que se limita a transmitir um programa
de ensino ou que procura adaptar a inteligência do
educando aos códigos ou modelos preestabelecidos
do saber e não faz de seu ensino um meio de favorecer e desenvolver a reflexão do educando, só é educador por eufemismo (JAPIASSU, 1991, p.45).
Essa realidade apresentada se confirma atualmente no Ensino de Ciências, na Educação Básica e a proposta de Educação
Contextualizada, aqui defendida, se configura como a engrenagem que falta para mudar esse quadro. Diferentemente do que
está sendo observado hoje, se espera dos (as) educadores (as) que
Capa
Sumário
61
eles (as) tenham coerência ao explorar os conteúdos, considerando o contexto em que os/as estudantes produzem suas existências, pois, ao fazerem isso, estarão dando significado as suas práticas pedagógicas desenvolvidas nas situações de ensino. Situações
essas que levem-nos (as) a refletirem sobre o verdadeiro papel da
Ciência em suas vidas, entendendo-a como parte de uma cultura
produzida por homens e mulheres, bem como a sua relevância na
compreensão dos fenômenos naturais por eles (as) observados no
mundo que os (as) cerca. Nesse sentido, Souza (2005) corrobora
com nossa argumentação quando nos afirma que:
A gestão do currículo pautado na realidade, a partir das questões advindas do contexto dos alunos,
aponta-nos um movimento maior – de inclusão – de
“aposta” nas pessoas, de crença no potencial transformador que cada sujeito traz consigo, ratificando
a concepção humanizante da escola, por meio das
suas práticas curriculares (SOUZA, 2005, p. 109).
Diante dessa constatação, os (as) educadores (as) do Componente Curricular de Ciências Naturais, responsáveis pela gestão
desse currículo no Semiárido Brasileiro, ao realizarem suas transposições didáticas, devem incluir, nas discussões, elementos que
fazem parte desse cotidiano dos (as) estudantes, que são subsídios para a realização de uma prática pedagógica contextualizada.
Para o Ensino de Ciências seria muito importante que fosse
discutido com os (as) estudantes conteúdos de forma contextualizada, tais como: O estudo dos componentes naturais dos ecossistemas que formam o bioma caatinga; a biodiversidade da caatinga, o clima (temperatura, luminosidade e pluviosidade, ventos);
a produção de energia solar e o desenvolvimento de tecnologias
sustentáveis para produção de energia, a dinâmica atmosférica; os
intemperismos químico e físico; os mecanismos aquáticos (bacias
hidrográficas, nascentes, volumes de água, potencialidades para o
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
consumo e geração de energia), o manejo adequado do solo, bem
como as alternativas de desenvolvimento sustentável para essa
região e as formas de convivência da população com o fenômeno
da seca; todos esses fatores representam uma maneira de problematizar, através do Ensino de Ciências na escola, os conteúdos sobre as realidades dos sujeitos que integram essa região.
Sendo assim, Silva (2010), apresenta a Convivência com o
Semiárido como,
Uma nova cultura, construída a partir de uma relação de proximidade entre ser humano e natureza.
É por meio da observação dos fenômenos naturais,
dos comportamentos das plantas e dos animais, em
distintos momentos ou ciclos climáticos na região,
que os agricultores ampliam seus conhecimentos e
formulam experimentações. A combinação desses
saberes locais com os conhecimentos universais acumulados pela humanidade complementa o processo
de educação para a convivência (SILVA, 2010, p. 215).
A Ciência ensinada na Educação Básica também faz parte dessa “nova cultura”, e deve está a serviço da formação sócio
– científico - cultural desses sujeitos. Não se pode conceber uma
prática educativa que não procura dialogar com os saberes, historicamente, construídos por esses homens e mulheres do Semiárido. Assim como também não se concebe que não haja espaço para
conhecer a realidade vivida por esses povos.
É possível, no contexto dessa região, conhecer os mais variados problemas enfrentados pela população empobrecida: a fome, o
analfabetismo, a real dependência pelos programas assistencialistas
dos governos, que, tem a seca como a principal responsável por desencadear todo esse processo de miserabilidade. Sendo que, como
fora discutida no capítulo anterior, essa foi uma das maiores inverdades já difundidas ao longo da história do Semiárido Brasileiro.
Capa
Sumário
63
Conviver com esse fenômeno natural no Semiárido Brasileiro
já é uma nova realidade, pois muitas instituições não – governamentais e governamentais estão desenvolvendo estratégias sustentáveis
e tecnologias disponíveis para minimizar as intempéries associadas à
dinâmica climática da região. Essa solução se encontra em andamento, conforme já expusemos anteriormente, na busca por desmistificar
a ideia de combate à seca impregnada, historicamente, no Semiárido Brasileiro, por um discurso que aponta para a constatação de que
onde não existe água não pode haver desenvolvimento. Esse determinismo histórico no discurso da seca, segundo Ribeiro (1999, p. 71),
“qualifica a seca como a principal causa da pobreza e da miséria no
Semiárido Brasileiro, através do mecanismo da dedução; expressando claramente, a relação causal entre a característica física da região
e o seu desenvolvimento”.
Sobre essa ótica, acreditamos que os/as educadores/as de
Ciências no Ensino Fundamental, do Semiárido Brasileiro, podem
(e devem) contribuir, através de suas práticas pedagógicas, utilizando-se da contextualização, no desvelamento desse discurso
que se tornou, historicamente, hegemônico através da Educação
descontextualizada direcionada aos/às estudantes, não somente
dessa região, mas de todo o país.
Nessa perspectiva, considera-se importante compreender a
influência do contexto na prática pedagógica dos/as educadores/
as dessa região, para que se possa implementar, com eficácia, uma
proposta de Educação Contextualizada. Segundo Martins (2006),
Contextos não se fixam apenas ao local, à sala de
aula, à comunidade local, a um território determinado. Ele se estende até um sistema de valores, que
extrapolam qualquer fronteira geofísica descuidadamente traçada, uma vez que se tecem em redes de
conteúdos que fundem o passado e o futuro; o local e
o global; o pessoal e o coletivo; as objetividades e as
subjetividades fugazes. (...) o contexto fornece “algoritmos”, ou seja, os padrões, as regularidades e cons-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
tâncias que permitem a leitura do mundo, porque fornece o sistema de códigos lingüísticos que organizam
qualquer comunicação (MARTINS, 2006, p. 45).
65
te, pois se espera que os conhecimentos apreendidos por ele/ela
sejam mobilizados em outros contextos para além dos espaços escolares, onde se manifestará a necessidade de conhecer. A contextualização, segundo Bueno (2006), exige também,
No entanto, o que percebemos é a pouca compreensão,
por parte dos/as educadores/as, acerca do significado da contextualização, sendo ela reduzida à simples relação do conteúdo com
o cotidiano, como simples aplicações de exercícios que apresentam tais situações. É fundamental que eles/as compreendam que
a contextualização dos conteúdos deve ser vista como uma possibilidade para a aprendizagem significativa dos/as estudantes.
Essa aprendizagem significativa, de acordo com Ricardo (2005,
p.124) “está relacionada ao sentido que se dá àquilo que se ensina
no contexto do aluno”.
Princípios metodológicos19 como a problematização, sistematização e objetivação são imprescindíveis para realizar a contextualização dos conteúdos abordados em Ciências Naturais no
Ensino Fundamental, sendo que existe uma relação de interdependência entre ambos. Isto é, não se pode contextualizar uma determinada situação sem que se apresente um problema para ser resolvido. A resolução deste problema passa pela sistematização, que é o
momento de organizar as concepções dos/as estudantes levantadas
através da problematização e, por último, pela objetivação, que o
momento em que o/a educador/a realiza a transposição didática da
situação, ou do conteúdo, que está sendo analisado.
A contextualização, de acordo com Ricardo (2005, p. 221),
portanto, exige que as escolhas didáticas feitas pelos/as educadores/as, sejam significativas aos/às estudantes, no sentido de estarem relacionadas com situações-problema social e historicamente
localizadas. Ou seja, que tenham sentido para esse/essa estudan-
Dessa forma, o Ensino de Ciências, na perspectiva Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro,
deve considerar, portanto, o contexto no qual a escola está localizada, seja ela estando no campo ou na cidade, observando as especificidades desses espaços e fazendo, ao mesmo tempo, a relação do local com o global de forma que os/as estudantes possam,
a partir do conhecimento desse lugar, como ensina Bueno (2006),
19
Para um discussão mais abalizada sobre a questão sugerimos as leituras:
HOLLIDAY, Oscar Jará. Para sistematizar experiências. João Pessoa: UFPB, 1995/ VASCONCELOS, Maura Maria Morita. Aspectos pedagógicos e filosóficos da metodologia da
Problematização. In: BERBEL, Neusi Aparecida Navas (Orga.). Metodologia da Problematização: Fundamentos e aplicações. Londrina: UEL/INEP, 1999.
O que justifica mostrar o Semiárido Brasileiro como um dos
ambientes potencialmente favoráveis no qual se planeje um En-
Capa
Sumário
Que os/as estudantes comecem a enxergar o mundo
a partir do seu lugar e é esta construção do conhecimento sobre o mundo; a partir das circunstancias
imediatas, do seu cotidiano. É este aspecto que
consideramos que os livros didáticos negam. A educação contextualizada não tem apenas o aspecto
metodológico, ela transcende as praticas escolares
e assume um caráter político de transformação social. (BUENO, 2010, p.35).
[...] construir um movimento de objetivação, ou
seja, a partir do lugar ele enxergue o mundo e dele
retorne com um novo olhar sobre o local onde está
vivendo. Então este movimento de objetivação que
é característico da ciência, tem a ver com o currículo
e com a proposta de Educação pra convivência com
o Semiárido. Uma educação que tenha significado
para os meninos e meninas do Semiárido. É importante que agente diga que a construção do conhecimento, também, não é privilégio só da escola (SILVA;
BUENO, 2008, p.76).
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
sino de Ciências que valorize essa dimensão no currículo da escola. Ao analisarmos documentos e/ou trabalhos produzidos pela
Pesquisa em Ensino de Ciências observamos que pouco se tem
discutido sobre a importância do ensino dessa área do conhecimento na produção de práticas pedagógicas contextualizadas no
Semiárido Brasileiro. Ao discutir sobre uma proposta de Educação
Contextualizada para a Convivência com essa região, Silva e Bueno
(2008), enfatizam que,
O currículo das escolas, localizadas no Semiárido Brasileiro, é um currículo desvinculado da vida dos sujeitos, ignorando os saberes aí produzidos; no cotidiano
de homens e mulheres na produção da sua existência,
a cultura, o modo ou modos de viver e conviver com
as condições climáticas, os enfrentamentos desse fenômeno com o qual aprendem a conviver criando e
/ou redescobrindo formas alternativas de produção
da vida (SILVA; BUENO, 2008, p.74).
Pensar o currículo nessa perspectiva é compreendê-lo
como elemento facilitador de práticas contextualizadas, constituindo-se um desafio a ser enfrentado pelos/as educadores/
as que ensinam Ciências Naturais nessa região. É importante
salientar que: “O que está por traz da idéia de “educação para
convivência com o Semiárido” é, antes de qualquer coisa, a defesa de uma contextualização da educação, do ensino, das metodologias, dos processos” (MARTINS, 2006, p. 40).
O Ensino de Ciências pode tornar-se mais significativo nas
escolas de Ensino Fundamental no Semiárido Brasileiro ao promover essa contextualização nas dimensões mencionadas, principalmente, no campo das metodologias adotadas pelos/as educadores/as, pois é nesse momento que se pode pensar em construir
um currículo que contemple essa proposta de educação. Muito
embora se deva tomar cuidado ao se propor o desenvolvimento
de um trabalho para o qual o/a educador/a não esteja preparado/a
Capa
Sumário
67
para realizá-lo, e muitas vezes é o que ocorre. O/A educador/a na
maioria das vezes não tem formação específica na área, ficando,
assim refém, de livros didáticos, que ao invés de instigá-lo/a a refletir sobre a melhor maneira de atuar em sua prática, obriga-o/a a
reproduzir práticas conservadoras.
As escolas, em suas “disciplinas escolares”, vêm apresentando essa realidade, e o Ensino de Ciências também está inserido nesse cenário mostrando-se descontextualizado e com valoração média
para os/as estudantes da Ensino Fundamental, por não apresentar
nenhuma motivação que promova a curiosidade desses sujeitos,
pois, essa curiosidade não é aquela ligada ao cotidiano, desarmada, espontânea, mas, sim, aquela ligada à rigorosidade metódica,
indagadora, crítica. Logo, o educador que possibilita a seu aluno ser
cada vez mais criador e mais crítico em seu aprendizado poderá desenvolver nesse a sua “curiosidade epistemológica”.
O trabalho do/a Educador/a, nesse sentido, é de garantir
que esse espaço de construção do conhecimento aconteça, possibilitando o diálogo entre os saberes que foram produzidos pela
experiência cotidiana desses meninos e meninas que moram no
Semiárido Brasileiro, de acordo com suas visões de mundo, e os
conhecimentos que a Ciência produziu através do tempo.
Entretanto, esse trabalho surge como um espaço para essa
discussão, apontando caminhos para um Ensino de Ciências que
valorize tais práticas, e contribuindo para que estudantes e educadores/as percebam essa região como um espaço complexo, de
múltiplas dimensões e que pode ser utilizado como contexto facilitador para produzir aprendizagens significativas através das ciências. Valorizar o currículo contextualizado, respeitando a história
desses sujeitos, seus saberes, suas lutas, constitui-se elemento
central para estabelecer um Ensino de Ciências que seja significativo para suas vidas.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
É preciso começar partindo do local, do
conhecimento concreto. As crianças precisam
saber da viabilidade política, econômica e social do
Semiárido, [...] da capacidade de desenvolvimento,
bem como da sua complexidade, da diversidade,
da realidade constituída de diversas formas de ver,
sentir e viver. [...] como o calor, as chuvas escassas,
a vegetação comum ao Semiárido vão intervir na
cultura do povo que aqui vive? Percebendo também
que há diferenças regionais em seus micro-climas e
compreendendo que o SA está no Brasil e no mundo
[...] (LINS e SOUZA, 2002 apud SOUZA, 2005, p. 6-7).
Partindo desses pressupostos, acredita-se que explorar o
Ensino Contextualizado do Componente Curricular de Ciências
Naturais no Ensino Fundamental, pautado na lógica da Convivência com o Semiárido Brasileiro, pode contribuir, no sentido de que
os/às estudantes compreendam os fenômenos naturais observados nessa região, como, por exemplo, a seca, suas causas e consequências ou as possíveis explicações físicas para esse fenômeno.
Assim, poderiam entender, bem como apontar, possíveis formas
sustentáveis de conviver com esse fenômeno, surgindo, assim,
discussões pertinentes ao contexto estudado, pois conforme expusemos anteriormente, fenômenos como o El Niño e La Niña são
exemplos de fenômenos globais que, juntos com outros fatores (o
relevo, as localizações geográficas, a altitude, as altas taxas evapotranspiração, as elevadas temperaturas) exercem influência nas
variações climáticas que percebemos no Semiárido Brasileiro, tanto no período da estiagem quanto na quadra chuvosa.
Esses fenômenos assim como outros que observamos no
Semiárido Brasileiro relacionam-se com os conteúdos abordados
no Ensino Fundamental, como, por exemplo, a Termodinâmica;
quando estudamos os processos de transferência de energia na
forma de calor (condução, convecção, radiação), as mudanças de
fase da matéria, o comportamentos dos gases, dentre muitos ou-
Capa
Sumário
69
tros conteúdos da Física que fazem parte do currículo no Ensino
Fundamental, bem como da Biologia através do estudo da biodiversidade do Planeta Terra e das regiões brasileiras, como o Semiárido Brasileiro.
Porém, é através da transposição didática realizada pelo/a
educador/a que se pode estreitar essa relação entre o contexto no
qual os/as estudantes fazem parte e os saberes, historicamente,
construídos pela Ciência. Outrossim, os/as educadores/as terão a
possibilidade de saber o que ensinar e para que ensinar, procurando dar um novo sentido ao Ensino de Ciências nas escolas de Ensino Fundamental no Semiárido Brasileiro. A Transposição didática
representa a escolha, o caminho que eles/elas deverão percorrer
para facilitar a compreensão do conhecimento físico que está sendo
apresentado. Os/As educadores/as, então, devem estar conscientes
que a interdisciplinaridade e a contextualização são indispensáveis
para que a transposição didática se realize satisfatoriamente.
O Ensino de Ciências como componente curricular nas escolas do Semiárido Brasileiro, nessa perspectiva, também deve contribuir para que ocorram discussões importantes acerca das relações
entre Ciência, Tecnologia e Sociedade. Até porque o Ensino de Ciências, nessa etapa da Educação, tem como objetivo deverá promover a interação do conhecimento produzido pela Ciência através
dos tempos com todas as dimensões da sociedade, considerando
as suas relações recíprocas, oferecendo aos/às estudantes oportunidades para que eles/elas construam uma concepção ampla e humanista da tecnologia. Entender como as tecnologias influenciaram
(e influenciam) estudos para alternativas sustentáveis de Convivência nessa região, e como as Ciências estão comprometidas nesse
processo é uma forma de mostrar aos/às estudantes do Semiárido
Brasileiro, que homens e mulheres que aqui habitaram (e habitam),
foram (e são) capazes de transformar esse espaço apropriando-se
do desenvolvimento dessa área do saber. Portanto, é possível construir uma visão da Ciência voltada para a formação de um cidadão
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
contemporâneo, atuante e solidário, com instrumentos para compreender, intervir e participar na realidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todas as afirmações descritas ao longo desse ensaio teórico,
principalmente as últimas, demonstram que a escola no Semiárido
Brasileiro aponta para não ter referenciais consistentes que orientem a construção do currículo do ensino de ciências, para torná-la
mais significativa para os (as) estudantes do Ensino Fundamental.
Entendemos que as dificuldades apresentadas por eles/
elas, são a prova de que a contextualização no ensino de ciências
tendo o Semiárido como cenário para realizá-la, não está acontecendo nas escolas dessa região, e que documentos importantes
como os PCN e DCNEF, que são subsídios para a prática pedagógica dos (as) educadores (as) estão sendo, portanto, negligenciados
por parte deles/as e, também, da gestão da escola.
A nossa análise levam-nos a um movimento em busca da
construção do currículo e de práticas pedagógicas contextualizadas nas escolas do Semiárido Brasileiro, deve ser iniciado partindo
do que já se tem produzido acerca das experiências de Educação
Contextualizada para convivência com essa região que surgiram a
partir de um processo de reflexão que vem crescendo a cada dia.
A construção de um currículo contextualizado no semiárido perpassa também pela revisão no modelo
de gestão estabelecido nas escolas, pois torna-se difícil implementar um projeto de educação que visa
a construção de novas relações sociais baseados
nos princípios da convivência, da solidariedade, do
companheirismo, da cooperação e interação conjunta, quando se vê, constantemente, no cotidiano
das escolas formas veladas de autoritarismo que
impedem a construção de experiências inovadoras.
Capa
Sumário
71
Essas ações desenvolvidas por alguns gestores e
professores de escolas, baseado no democratismo,
acabam criando barreiras e resistência que impedem que essas novas experiências sejam implementadas nas escolas, criando um ambiente pedagógico
criativo, crítico e reflexivo, capaz de formar jovens
com competência para atuar de forma autônoma e
tomar decisões com criatividade e responsabilidade
social (RESENDE, 1998 apud LIMA, 2006, p. 57).
Verificamos, a partir dessa concepção, que a educação desenvolvida no Semiárido, na cidade paraibana de Cajazeiras, por
estar alicerçada na lógica da sociedade capitalista e adotar referenciais político-pedagógicos que influenciam na construção do
currículo e nas práticas pedagógicas dos (as) educadores (as), é
uma proposta de educação que, da forma como vem sendo reproduzida nas escolas, estabelece uma relação política e pedagógica
com as comunidades, no sentido da desconstrução do significado
do contexto em que elas estão inseridas.
Nesse sentido, entendemos que há uma necessidade dos
(as) educadores (as) que ensinam ciências no Ensino Fundamental rever a forma como estão desenvolvendo suas práticas, para
torná-la mais significativa sendo um elemento de motivação para
construir novos conhecimentos. Porém, o desafio para construção
dessas práticas passa, não somente, pelo interesse dos/as educadores em entender que é preciso mudar, mas da escola perceber
que a educação descontextualizada que ela atualmente está oferecendo aos (as) nossos (as) estudantes, precisa ser transformada
em uma nova forma de educação que atenda a sua proposta pedagógica no sentido da valorização do Semiárido Brasileiro como
elemento central dessa proposta.
Neste caso, a proposta Educação Contextualizada para
Convivência com o Semiárido Brasileiro, para as Escolas dessa região, deve ser construída a partir dos princípios de uma educação
transformadora, que busque resgatar e fortalecer os valores cultu-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
73
rais do Semiárido espaço para produção de novos saberes, como
forma de garantir a autonomia e a independência dos habitantes
que vivem nessa região.
__________. A ordem do discurso, 21. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2011.
REFERÊNCIAS
INSA – Instituto Nacional do Semiárido. Disponível em: < http://www.
insa.gov.br/wp-content/themes/insa_theme/acervo/sinopse.pdf >.
Acesso em: 10 ago. 2014.
AB´SABER, Aziz Nacib. Os sertões: a originalidade da terra. Ciência Hoje.
Volume especial Eco - Brasil. Rio de Janeiro: SBPC, maio de 1992, p. 4-14.
AB’SÁBER. A. N.Os Domínios da natureza no Brasil: potencialidades
paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
ALBUQUERQUE Jr., D. M. A Invenção do Nordeste e Outras Artes. São
Paulo: Cortez, 2009.
ALENCAR, M. T. de. Caracterização da macrorregião do Semiárido
Piauiense. In: SILVA, C.M.S. et al (Orgs.). Semiárido piauiense:
educação e contexto. Campina Grande: Triunfal Gráfica e Editora, 2010.
BRAGA, O. R. Educação e convivência com o semi-árido: introdução aos
fundamentos do trabalho político-educativo no semi-árido Brasileiro.
In: KÜSTER, A.; MATTOS, B. H. O. de M. (Orgs.). Educação no contexto
do semi-árido brasileiro. Fortaleza: Fundação.
BRANCO, S. M. Caatinga: A paisagem e o homem sertanejo. São Paulo:
Moderna, 2003.
FEITOSA, A. A. F. M. A. Educação para convivência no Contexto do
Semiárido. In: ABÍLIO, Francisco José Pegado, (Org). Educação
Ambiental para o Semiárido. João Pessoa: Editora Universitária da
UFPB, 2011. p.
FOUCAULT, M. Dits et écrits. Édition Établie sous la direction de Daniel
Defert t François Ewald. Collaboration de Jacques Lagrange, v. I et II.
Paris. Quarto allimard, 2001.
__________. A Ética do Cuidado de Si como Prática da Liberdade.
v. V. 1984.
Capa
Sumário
HOLLIDAY, O. J. Para sistematizar experiências. João Pessoa: UFPB,
1995.
JEZINE, E. Formação de educadores e flexibilização curricular na
universidade. A educação contextualizada uma alternativa para o
Semiárido Brasileiro. In: BATISTA, M. do S. X.; MOREIRA, O. de L, JEZINE,
E. (Orgs). Educação Popular e Movimentos Sociais: dimensões
educativas na sociedade globalizada. João Pessoa: Editora
Universitária da UFPB, 2008.
MALVEZZI, R. Semi-Árido: Uma visão holística. (Pensar Brasil) Brasília:
Confea, 2007.
MARTINS, J. da S. Anotações em torno do conceito de Educação para
a Convivência com o Semi-Árido. In: RESAB (Org.). Educação para
convivência com o Semi-Árido: Reflexões teórico – práticas. 2. ed.
Juazeiro/BA: Secretaria Executiva da Rede de Educação do Semi-Árido
Braseiro, Selo Editorial – RESAB, 2006.
MATTOS, B.; KUSTER, A. (Orgs). Educação no contexto do semi-árido
brasileiro. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2004.
MCT/INSA/RESAB. Relatório do Seminário Nacional sobre Educação
Contextualizada para Convivência com o Semiárido Brasileiro, p.
1-64, Campina Grande - PB, 2010.
MONTEIRO, J. M. G. Plantio de Oleaginosas por
AgricultoresFamiliares do Semi-Árido Nordestino para Produção
de Biodiesel como uma Estratégia de Mitigação e Adaptação às
Mudanças Climáticas. 2007. 302 f. Tese (Doutorado em Ciências em
Planejamento Energético) - Universidade Federal do Rio de Janeiro –
COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, 2007.
MOURA, T. M. de. Foucault e a escola: disciplinar, examinar, fabricar.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
2010. 92 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal
de Goiás, Faculdade de Educação, Goiânia, 2010.
MORAES, M. C. Ambientes de aprendizagem como expressão de
convivência e transformação. In: MORAES, M. C.; NAVAS, J. M.
Complexidade e transdisciplinaridade em educação: teoria e prática
docente. Rio de Janeiro, Wak, 2010, p. 227-245.
MORIN, E. A Cabeça Bem-Feita: repensar a reforma, reformar o
pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
______. Ciência com consciência. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1998.
______. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo
– SP: Cortez, UNESCO, 2000.
RICARDO, E. C. Competências, interdisciplinaridade e
contextualização: dos parâmetros curriculares nacionais a uma
compreensão para o ensino das ciências. 2005. 257 f. Tese (Doutorado
em Educação Científica e Tecnológica) – Universidade Federal de Santa
Catarina – UFSC, Florianópolis, 2005.
SILVA, A. P. da, BUENO, R. J. Educação para Convivência com o SemiÁrido Brasileiro. In: BATISTA, M. do S. X.; MOREIRA, O. de L.; JEZINE,
E. (Orgs). Educação Popular e Movimentos Sociais: dimensões
educativas na sociedade globalizada. João Pessoa: Editora Universitária
da UFPB, 2008.
SILVA, J. de S. Aridez mental, problema maior: contextualizar a
educação para construir o ‘dia depois do desenvolvimento’ no SemiÁrido Brasileiro. Campina Grande: EMBRAPA/INSA, 2010.
SILVA, R. M. A. da. Entre o combate à seca e a Convivência com o
Semi-Árido: Transposições paradigmáticas e sustentabilidade do
desenvolvimento. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2010.
SOUZA, I. P. F. de. A gestão do currículo escolar para o
desenvolvimento humano sustentável do Semi-Árido brasileiro. São
Paulo: Peirópolis, 2005.
Capa
Sumário
75
VASCONCELOS, M. M. M. Aspectos pedagógicos e filosóficos da
metodologia da Problematização. In: BERBEL, N. A. N. (Orga.).
Metodologia da Problematização: Fundamentos e aplicações.
Londrina: UEL/INEP, 1999.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
CAPÍTULO 03
ENSINO DE BIOLOGIA: MÉTODOS, MODALIDADES E
TÉCNICAS COMO ALTERNATIVAS PARA UMA NOVA
PRÁTICA PEDAGÓGICA
Ravi Cajú Duré20
Maria José Dias de Andrade21
Francisco José Pegado Abílio22
DIÁLOGO INICIAL
O ensino de Biologia na educação básica vem apresentando constantes modificações em seus conteúdos e objetivos. Essas
mudanças trazem novos desafios aos professores, exigindo avanços na Formação Docente Inicial e na Continuada/Permanente.
A tendência de ensino tradicional, fundamentalmente enciclopedista, que se baseia na memorização de informações e
na modalidade expositiva de aula, não corresponde ao que atualmente se espera de um ensino de qualidade. Segundo Moran
(2000), muitas das formas de se ensinar não se justificam mais na
contemporaneidade, estamos perdendo tempo demais, aprendendo pouco demais, e assim, acabando por desmotivar não só os
alunos como também a nós mesmos e por consequência a socie20
Bacharel em Biologia; Licenciando em Biologia pela UFPB; E-mail: ravicdure@
gmail.com
21
Licenciada em Biologia pela UFPB; E-mail: [email protected]
22
Professor Associado II do DME/CE/UFPB - Programa de Pós-Graduação em
Educação – PPGE – UFPB. E-mail: [email protected]
Capa
Sumário
77
dade que passa a cada vez acreditar menos na educação por não
ver sua interferência no progresso social.
Algumas das grandes carências quanto ao ensino de Biologia nas escolas de nível básico diz respeito à pouca diversificação
das estratégias de ensino. Para Delizoicov e Angotti (2000) e Carneiro (2013), é evidente a existência de um consenso entre pesquisadores, professores e educandos no que se refere à necessidade
de adoção de novas formas de se ensinar Biologia, mostrando que
utilizar diferentes recursos, instrumentos, técnicas e modalidades
didáticas vêm sendo uma demanda clara e direta de todos os sujeitos que fazem a Escola.
Krasilchick (2004), reforça esse pensamento colocando
que cada conteúdo apresenta uma melhor forma de ser ensinado
e cada estudante uma melhor forma de aprender. Assim, a diversificação das estratégias de ensino adotadas pelo professor é crucial
para o desenvolvimento da aprendizagem, aumentando o interesse dos educandos por passar a falar o “idioma” de cada estudante,
e construindo também processos avaliativos mais justos, inclusivos e eficazes nas aulas de Biologia.
Para Pinheiro e Guimarães (2007, p. 18), há uma forte relação entre a crise educacional e as técnicas de ensino utilizadas pelos professores:
Uma forma de minimizar os efeitos decorrentes da
crise educacional é a adoção, por parte da escola, de
metodologias que complementem o que é ensinado
de forma tradicional, apenas na sala de aula, estimulando os alunos na busca pelo aprendizado. Tais
metodologias possibilitam ao educador, transmitir
o conhecimento aos alunos de maneira mais dinâmica e prazerosa, além de permitir a descoberta
de habilidades, anseios e necessidades dos alunos,
além de ser uma ferramenta de avaliação.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
No que se refere aos documentos nacionais para o ensino,
o Plano Curricular Nacional para o Ensino Médio (BRASIL, 1999, p.
219), coloca que é objeto do do Ensino de Biologia o fenômeno da
vida em toda sua diversidade de manifestações. Sendo competências e habilidades a serem desenvolvidas por essa área a “representação e comunicação; investigação e compreensão; contextualização sociocultural”. As Orientações Curriculares para o Ensino
Médio seguem um caminho parecido, estabelecendo que:
O processo ensino-aprendizagem é bilateral, dinâmico e coletivo, portanto é necessário que se estabeleçam parcerias entre o professor e os alunos e
dos alunos entre si. Diversas são as estratégias que
propiciam instalação de uma relação dialógica em
sala de aula e, entre elas, podemos destacar algumas que, pelas características, podem ser privilegiadas no ensino de biologia: Experimentação; Estudos
do Meio; desenvolvimento de projetos; Jogos; seminários; debates e Simulações (BRASIL, 2008, p. 26).
Nessa perspectiva, o ensino por meio de estratégias alternativas surge como uma forma de complementar a prática
cotidiana, proporcionando aos professores mais opções para
atingir os resultados desejados. Segundo Pereira (2009), no âmbito das Ciências Naturais, as estratégias de ensino devem oferecer novas direções que favoreçam a realização de atividades
práticas e teóricas que estimulem a aprendizagem.
Com essa reflexão critica-se, sobretudo, a monotonia da
Escola Tradicional de Ensino, prática essa que exclui vários estudantes do processo de ensino aprendizagem por privilegiar
um único tipo de inteligência em detrimento das outras; A inteligência lógica, a qual tem como uma de suas características a
excessiva importância da memória e do estudo individual. Tal
privilégio encontrava razão nas antigas concepções de inteligência que atribuíam grande valor à capacidade de memoriza-
Capa
Sumário
79
ção de conceitos e resolução de problemas matemáticos. Entretanto, Nunes e Silveira (2009) mostram que desde o século XIX,
os pesquisadores começaram a apontar a existência de mais de
um tipo de inteligência e que estas também deveriam ser trabalhadas e desenvolvidas pela Escola. Tal constatação revela
que existe uma estreita relação entre a organização da sociedade num dado momento histórico e o modelo de educação que
prevalece neste mesmo momento (modelo caracterizado por
conceitos, objetivos, conteúdos e métodos). Sendo assim, não
podemos falar de metodologia de ensino sem que atrelemos
suas características ao contexto social, histórico e econômico
da época em que esta se situa.
Dessa forma, embora se reconheça as dificuldades do
estabelecimento de uma síntese das diferentes escolas pedagógicas, visto que vários autores trazem concepções variadas
sobre o tema, realizaremos uma pequena descrição das Escolas Pedagógicas (chamadas também por Teorias ou Tendências
pedagógicas) que mais influenciaram o ensino de Biologia no
Brasil, realizando uma breve descrição dos ideais, das técnicas
e da influência para o ensino de Biologia (Quadro 01).
81
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Influência no Ensino de Biologia
- Os professores são, exclusivamente, o centro do processo de ensino aprendizagem e buscam transmitir o
máximo de informação possível. Lançam foco sobre a
memorização sem significado ou contextualização para
o estudante. Além disso o
aluno não tem oportunidade de argumentar ou discutir sobre nenhuma informação ou conceito, recebendo
o conhecimento de forma
passiva.
- A modalidade de ensino preponderante
nessa escola é a expositiva, onde o professor prepara e discursa sobre os conteúdos. Às vezes é usada a apresentação de
objetos, ilustrações, exemplos, mas toda
a apresentação é centrada no professor,
inexistindo diálogo interativo. No ensino
de Biologia essa escola atribui grande
importância à memorização de conceitos
e mecanismos dos seres vivos, por exemplo, assemelhando-se às antigas enciclopédias.
ESCOLA NOVA
Quadro 1, continuação:
- Iniciada por volta do início do
Século XX através de pensadores como John Dewey, Rui Barbosa e Anísio Teixeira. Incorpora
os princípios da individualidade, respeito às diferenças, existência de ritmos diferenciais de
aprendizagem e a importância
da liberdade no processo educativo. Assim, o professor não é
mais o único agente do ensino,
nem uma figura perfeita e inquestionável.
Capa
- As estratégias de ensino empregadas centram-se no processo de aquisição de atitudes, tais como empatia
e coletividade; Utiliza modalidades
que trazem o diálogo como forma de
construção do conhecimento. As técnicas mais usadas são o trabalho em
grupo, atividades cooperativas, estudo individual com posterior debate
e etc. No ensino de Biologia a Escola
Nova inseriu a importância da contextualização entre conteúdo e realidade
do estudante, mostrando a importância do educando entender a realidade
ambiental em que está inserido.
Sumário
TECNICISTA
Escola Pedagógica
CONSTRUTIVISTA
TRADICIONAL
Quadro 01 – Escolas Pedagógicas que influenciam o ensino
de Biologia no Brasil.
- O tecnicismo foi introduzido no
Brasil nos anos de 1960, durante
o regime militar; O foco principal
desta tendência pedagógica é
produzir estudantes capacitados e eficientes para desempenhar as funções demandadas
pelo mercado de trabalho, valorizando as informações científicas presentes nos manuais
técnicos e de instrução.
- A prática pedagógica encontra-se
voltada para a aplicação sistemática
de princípios científicos e comportamentais, cujo papel do professor é
administrar as condições de transmissão de conteúdos. O ensino de Biologia nessa escola é focado na transmissão de conceitos de utilidade técnica
e desenvolvimento de habilidades
aplicáveis. Os conteúdos servem apenas para memorizar e pôr em prática
sem refletir sobre a ação e a teoria.
- Pauta-se na concepção de
que o conhecimento e a inteligência são determinados pelas
ações mútuas entre o indivíduo
e o meio. Nessa escola o aluno
é tido como autor da sua própria aprendizagem e o professor
como mediador desse processo,
tentando delimitar um percurso
pra esse aluno transcorrer.
- Os métodos desta escola buscam
favorecer a correspondência entre os
conteúdos e os interesses dos alunos.
Utilizando técnicas de ensino que estimulam o desenvolvimento espontâneo da aprendizagem, a contextualização do conteúdo curricular com
o conteúdo de interesse do estudante. Sob esta perspectiva o ensino de
Biologia deve sempre tentar atribuir
significado ao novo conteúdo (Aprendizagem significativa), exigindo que
o professor tenha competência para
motivar os estudantes a valorizarem
os novos conhecimentos biológicos.
SOCIOINTERACIONISTA
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
- Aborda a formação dos alunos
de uma maneira mais ampla
(aprendizagem cognitiva, atitudinal, comportamental), tendo
como objetivo formar jovens
que atuem com respeito, solidariedade, criticidade e criatividade perante sua realidade. O
aprendizado significativo se enraíza e ganha força, sendo considerado como objetivo principal
da educação. Os conhecimentos
prévios, tanto de alunos como
de professores, são de fundamental importância porque vão
edificar e dar sentido ao conhecimento adquirido pelos alunos
na escola.
- Não existe um método de ensino
único, capaz de servir a todos os conteúdos. Todavia, essa escola lança
mão de estratégias que estimulem a
ludicidade, a cooperação e o desenvolvimento psicomotor do educando.
O ensino de Biologia passa a preocupar-se com a relação entre conteúdo,
realidade e sociedade. O papel do
estudante não é mais memorizar e
repetir, e sim, refletir, dialogar, entender e compreender os processos que
o rodeia.
Fonte: Baseado em Luckesi (2003); Calluf (2005); Azevedo et al. (2013).
Sobre a influência das tendências pedagógicas no processo de ensino, Libâneo (2006, p.21) lembra que “tais tendências se
manifestam, concretamente, nas práticas escolares e no ideário
pedagógico de muitos professores, ainda que estes não se deem
conta dessa influência”, nos mostrando que essas diferentes escolas influenciam a prática de ensino atual. Essas influências se expressam tanto no Currículo Teórico (ou Currículo Declarado), isto é,
no currículo pensado e planejado coletivamente pelos gestores e
professores da escola e explicitado em instrumentos organizacionais como o PPP (Plano Político Pedagógico), quanto no Currículo
Latente (ou Currículo Oculto), isto é, na ação pedagógica que nem
sempre é congruente com as intenções expressas no Currículo
Teórico e dizem respeito às concepções e opiniões individuais de
cada membro do corpo docente.
Diante disso, é urgente a luta pela concretização de um ensino que priorize o educando e suas reais necessidades enquanto
Capa
Sumário
83
ser humano, e que essa mentalidade esteja explícita tanto no currículo como na prática cotidiana. Isso exige uma profunda reflexão
a respeito dos reais objetivos de nossa prática docente. O que queremos desenvolver no ensino de Biologia? Que cidadãos queremos
formar? Quais tipos de conhecimentos biológicos devemos transmitir no Ensino Básico? Como é uma boa aula de Biologia? Esses
e outros questionamentos são o alicerce de uma metodologia de
ensino eficiente, que atinja nossos anseios enquanto educadores
de Biologia.
OS OBJETIVOS DO ENSINO DE BIOLOGIA:
ESTABELECENDO METAS E TRAÇANDO CAMINHOS
Muito se discute sobre os objetivos do ensino contemporâneo, quais competências e conhecimentos básicos devem ser trabalhados na Escola? Sobre esses atuais objetivos, Libâneo (2013)
fala que a escola ideal é a que tem como objetivo promover uma
formação cultural e científica, onde os alunos possam entrar em
contato com a cultura que inclui, que trabalha contra a exclusão
econômica, política, cultural e pedagógica, pois segundo o autor:
É na escola que, pelos conhecimentos e pelo
desenvolvimento das competências cognitivas,
torna-se possível analisar e criticar as informações.
Os alunos vão aprendendo a buscar a informação,
mas também, os instrumentos conceituais para
analisarem essa informação criticamente e daremlhe um significado pessoal e social. A escola
fará, assim, a síntese entre a cultura formal e a
cultura experiênciada. Por isso, é necessário que
proporcione não só o domínio de linguagens para
a busca da informação, mas também para a criação
da informação (LIBÂNEO, 2013, p.50).
Para Bloom (1972), essa gama de objetivos pode ser organizada em três grandes domínios da aprendizagem humana: O
85
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
PSICOMOTOR
AFETIVO
COGNITIVO
Quadro 02. – Categorias e etapas dos domínios da aprendizagem.
DOMÍNIOS DA APRENDIZAGEM
Cognitivo, o Afetivo e o Psicomotor. Esses domínios são subdivididos em etapas de desenvolvimento (Quadro 02), que devem ser
atingidas consecutivamente e de forma gradual, partindo da mais
básica para a mais complexa. Cada uma dessas etapas será melhor
desenvolvida se contar com a utilização da estratégia de ensino
mais apropriada para cada uma, sendo por isso de suma importância a discussão, a reflexão e a aplicação de diversos métodos,
modalidades e técnicas durante as aulas.
Em se tratando do ensino de Biologia, o professor pode utilizar a taxonomia de Bloom de várias formas: Exercitando questões
que trabalhem gradativamente as etapas propostas; Desenvolvendo o conteúdo de acordo com a gradação cognitiva, isto é, primeiramente trazendo as informações, os processos e as imagens do
novo conteúdo para que os estudantes as conheçam e seguir as
etapas até que os estudantes consigam tomar decisões pautando-se nos conhecimentos adquiridos.
De acordo com estudo realizado por Carneiro (2013), os
docentes de Biologia acreditam que uma boa aula diz respeito ao alcance dos objetivos cognitivos, constituindo um espaço de aprendizagem de conceitos que se efetiva com o uso de
imagens, ilustrações e exemplos do cotidiano. Enquanto que,
os estudantes valorizam o alcance dos objetivos afetivos, enxergando uma boa aula como sendo um espaço de convivência
no qual se aprende. Esse descompasso entre o que professor e
aluno esperam de uma boa aula mostra um dos “porquês” de
sofrermos com tanto desinteresse por parte dos alunos, ressaltando a demanda de entender melhor as características e os
anseios de cada estudante, a fim de saber selecionar os melhores caminhos para atingir nossos objetivos.
Avaliação
Envolve atos de decisão ou julgamento baseados em critérios e pela razão baseada em informação.
Síntese
Combina elementos para formar entidade nova.
Análise
Divide o todo em partes até que as relações
sejam claras.
Aplicação
Usa informação em situação diferente do contexto original do aprendizado.
Compreensão
Interpreta, traduz ou resume a informação.
Conhecimento
Reconhece e lembra da informação.
Caracterização
por valor
Comportamento em total consistência com os
valores internalizados.
Organização
Comprometimento com o conjunto de valores
em situação que não é forçado a obedecer.
Valorização
O comportamento condiz com um único valor
internalizado.
Resposta
Responde com expectativas os estímulos afetivos.
Receptividade
Consciência dos estímulos afetivos recebidos.
Naturalização
Completa uma ou mais habilidade com facilidade e torna-se automático
Articulação
Articulação entre uma ou mais habilidades em
sequência. Realizada com harmonia e consistência.
Precisão
Reproduz habilidade com precisão, proporção e
exatidão.
Manipulação
Executa habilidade de acordo com a instrução
ao invés da observação.
Imitação
Observa a habilidade e tenta repetir
Fonte: adaptado e modificado de Bloom (1972).
Capa
Sumário
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
No que refere ao ensino de Biologia propriamente dito, Krasilchik (2004), descreve quatro níveis de alfabetização biológica,
ou seja, quatro objetivos a serem atingidos com o ensino de Biologia que seguem o mesmo raciocínio das etapas do domínio cognitivo de Bloom (Quadro 2):
1º - Nominal - quando os estudantes reconhecem
os termos, mas não sabe seu significado biológico.
2º - Funcional - quando os termos memorizados são
definidos corretamente, sem que os estudantes compreendam seu significado. 3º - Estrutural - quando os
estudantes são capazes de explicar adequadamente,
em suas próprias palavras e baseando-se em experiências pessoais, os conceitos biológicos. 4º -Multidimensional - quando os estudantes aplicam o conhecimento e habilidades adquiridas, relacionando-as com
o conhecimento de outras áreas, para resolver problemas reais (grifo nosso) (KRASILCHIK, 2004 p.12).
Ao concluírem o Ensino Médio, os alunos devem atingir o
entendimento multidimensional da Biologia. Desenvolvendo a
compreensão dos conceitos básicos, a capacidade de articular seu
pensamento de forma autônoma e aplicar esse conhecimento no
seu cotidiano, intervindo para resolver os problemas. Para saber a
melhor maneira de atingir esses níveis de conhecimento, devemos
refletir sobre as formas de ensinar: A Metodologia de Ensino.
METODOLOGIA DE ENSINO: MÉTODOS, TÉCNICAS
E MODALIDADES DIDÁTICAS APLICADAS
AO ENSINO DE BIOLOGIA
O termo Metodologia de Ensino diz respeito ao estudo das
formas que um educador desenvolve para a organização de um
momento educativo, momento este que, possui um objetivo/finalidade pedagógica. Assim, o método, as modalidades, as técnicas
e os recursos pedagógicos constituem etapas do caminho esco-
Capa
Sumário
87
lhido para atingir as finalidades do ensino previamente determinadas (KRASILCHICK, 2004; ROSA, 2010). Dessa forma, entender a
maneira ideal de atingir determinado objetivo em cada situação
é um ponto importante a ser refletido, pois demanda o conhecimento do comportamento dos educandos (caracterização do público alvo), das características do conteúdo, dos limites impostos
pelo tempo da aula, da utilização de uma linguagem apropriada,
das possibilidades estruturais da escola e, sobretudo, dos valores
e convicções de cada professor.
O Método é o “caminho” para atingir um objetivo, trata-se
de qual percurso iremos escolher tendo em vista o alcance de uma
meta, objetivo ou finalidade pedagógica (RANGEL, 2005). Assim, entendem-se como Método, as diferentes trajetórias planejadas pelos
educadores para orientar um determinado processo educativo em
função de certos objetivos, finalidades e ideais previamente estabelecidas, de tal forma que possa ser repetido por outros educadores.
O Método imprime ideais, princípios que tendem a determinar quais
modalidades, técnicas e recursos devem ser utilizados.
Libâneo (2013) ressalta que os métodos de ensino devem
estar diretamente relacionados com os métodos de aprendizagem
(ou métodos de assimilação), ou seja, para escolher o melhor “caminho” didático, é crucial que o professor perceba ou investigue
qual o “caminho” que cada educando, cada turma e cada escola
usam para atingir a aprendizagem. Apesar de ser extremamente difícil, dada a subjetividade dessas relações, o simples fato de
refletir sobre isso e tentar realizar essa recomendação já surtirá
enorme efeito no planejamento metodológico do professor.
De acordo com Sant’anna e Menegolla (2002), podemos
constatar três bases para os Métodos de Ensino: A Oralidade (o
uso das palavras); A Intuitividade (o uso das conjecturas, das dúvidas, das suposições, do conhecimento filosófico); A Atividade
(baseada nas práticas, no fazer como forma de aprender). Sendo
assim, cada método que será explanado a seguir pode ser desen-
Capa
Sumário
Quadro 03 - Exemplos de Métodos de Ensino que podem ser utilizados no
ensino de Biologia.
Descrição do Método
MÉTODO EXPOSITIVO TRADICIONAL
Método
- Todo o processo de ensino aprendizagem é centrado no
professor; os conhecimentos e até mesmo as habilidades
são apresentadas pelo professor e espera-se que assim o
aluno consiga repeti-las por memorização dos conteúdos e
imitação das habilidades; mesmo que em alguns momentos o aluno tenha abertura para alguma fala, essa fala estará totalmente inserida na explanação do professor; apesar de bastante criticado por não deixar o aluno construir
autonomamente seu conhecimento, esse método pode ter
seu lugar na prática educativa, desde que o professor siga
alguns procedimentos, tais como: selecionar informações
que sejam compatíveis aos estudantes; explicar detalhadamente ideias, conceitos e princípios; esclarecer todas
as dúvidas a respeito do conteúdo; destacar informações
relevantes e elencar leituras complementares.
MÉTODO EXPOSITIVO DIALOGADO
volvido na forma oral, intuitiva ou ativa. No Quadro 03 estão listados alguns dos métodos de ensino mais utilizados para o Ensino
de Biologia.
Podemos definir as Modalidades Didáticas como estratégias de ensino aprendizagem que se baseiam na forma pela qual o
professor desenvolve o conhecimento que propõe transmitir, diferenciando dos métodos por não se atrelar a um determinado fundamento teórico, isto é, uma modalidade didática pode ser utilizada para o alcance de diversos objetivos diferentes. De acordo com
Krasilchik (2004) a escolha da modalidade vai depender do conteúdo e dos objetivos do professor, o que deve guiar sua escolha a
partir de características da Escola, da região, da turma, do tempo,
dos recursos didáticos disponíveis e até mesmo dos valores e das
convicções do professor. Visto que cada situação beneficia uma
determinada modalidade em detrimento de outra e a variação de
modalidades didáticas tende a atrair a atenção dos alunos ao passo que atende às diferenças individuais de cada estudante. É importante salientar que as Modalidades Didáticas podem ser entendidas de uma forma híbrida e unificada, situando a modalidade
numa interface entre duas habilidades por vezes distintas.
89
- O aluno deixa de ser um agente passivo no processo de
ensino aprendizagem e são convidados ao raciocínio, à
participação ativa na aula onde sua imaginação não vai
ser mais utilizada para dar forma às estruturas descritas,
mas sim para refletir sobre o que se está debatendo, fazendo parte de um processo de construção do conhecimento,
e não do “imaginar por imaginar”; É imprescindível que o
professor se coloque como mediador e facilitador de interações, estando atento à utilização de uma linguagem mais
próxima aos estudantes, quais colocações utilizará para
gerar reflexão e qual postura irá adotar, pois muitas vezes
os alunos são inibidos pelas palavras ou até mesmo pela
expressão corporal do professor.
MÉTODO SOCIALIZADOR
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
- O método socializador é sustentado por três premissas:
tanto educador quanto educandos são constituídos e
aprendem a partir das relações que estabelecem mutuamente, ou seja, nem educador nem educando podem ser
pensados independentemente, ambos se fazem existir
no instante da prática educativa; os objetivos do ensino
devem ser estabelecidos no diálogo, aceitos por quem
ensina e quem aprende. Nesse método cabe ao professor:
provocar questões, reflexões, iluminar os caminhos, junto
com o aluno, em direção a uma prática pedagógica mais
dinâmica e real; contribuir para a autonomia do educando,
através de um trabalho dialético; orientar o educando na
aquisição do conhecimento de forma cooperativa.
- Tem como ponto de partida o interesse e o esforço; as
disciplinas não são o objeto de estudo, mas sim, um meio
para entender a realidade; o papel da Escola é educar os
estudantes para viverem melhor no mundo real, e as disciplinas devem ser ferramentas desse processo. Nesse sentido os componentes curriculares estão todas interligadas
de maneira interdisciplinar. Esse método apresenta as seguintes fases: Intenção: momento em que os estudantes,
coordenados pelo professor, dialogam sobre diferentes
propostas, escolhem o que querem realizar; Preparação:
momento de definir o projeto se pretende realizar; Execução: momento de pôr em prática o que foi previamente
planejado; Avaliação: momento de expor aos colegas os
resultados do projeto e avaliar o trabalho;
(Método de Projetos)
MÉTODO DA DESCOBERTA
- Baseia-se na força que a curiosidade e o ato de descobrir
algo podem ter na apropriação dos saberes pelos educandos; visa despertar o interesse, tendo como fundamento a
ideia de que quando o estudante descobre o conteúdo por
si mesmo ele tende a aprender melhor, além de desenvolver autonomia na construção de seu próprio conhecimento
(aprender a aprender). Para ser melhor aplicado, o professor deve seguir alguns procedimentos: identificar em que
patamar cognitivo e psicomotor os alunos estão e quais
informações ou habilidades básicas ele precisa ter antes
de investigar de forma independente; escolher e reestruturar o conteúdo a ser ensinado; orientar e acompanhar o
processo de investigação de cada estudante; organizar um
espaço de socialização entre os alunos para a divulgação e
debate sobre suas descobertas.
GLOBALIZADOR
MÉTODO
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Fonte: Pereira (2002; 2009); Zabala (2002).
No Quadro 04 estão apresentados de forma sucinta algumas Modalidades Didáticas e suas respectivas características.
91
Quadro 04 - Exemplos de Modalidades (procedimentos) Didáticas abordados
no Ensino de Biologia.
Modalidades
Didáticas
Características Gerais
Exposição
Consiste numa exposição oral, manual e/ou escrita,
utilizada pelos professores com o intuito de transmitir
informações sobre um determinado conteúdo específico,
com a ajuda ou não de suportes tecnológicos. Nesse tipo
de modalidade os alunos precisam estar profundamente
atentos às explicações do professor, interagindo o mínimo possível com os demais colegas. O mais importante
será ouvir e memorizar o que está sendo exposto, acompanhando o raciocínio que o professor apresenta.
Dialogicidade
Consiste na transição entre um tipo de aula onde só o
professor fala para um diálogo, uma interação entre ensinante e aprendente e aprendente e aprendente. Ao utilizar o diálogo, o professor torna os conceitos mais fáceis
de serem entendidos e a aula torna menos entediante ao
estimular o raciocínio dos estudantes para responder as
indagações e/ou realizar seus questionamentos. É uma
modalidade dialética, que visa construir o conhecimento
através do debate entre posições similares e/ou opostas.
São atividades em que os alunos estão em contato direto
com o objeto de estudo, podendo manusear materiais
e equipamentos, observar fenômenos e organismos em
Aula Prática e ou tempo real. O professor tem a oportunidade de despertar
Experimental
o espírito analítico dos alunos, através da interpretação
dos resultados obtidos e o aprendizado vai ser construído
pelo aluno conforme ele for realizando a prática/experimento.
Pedagogia do
Lúdico
Capa
Sumário
Tem como objetivo despertar o interesse do educando,
motivando-o para a investigação através de atividades
lúdicas, sem desconsiderar os aspectos afetivos que estão envolvidos no processo de ensino aprendizagem (tais
como autoestima, respeito e coletividade); deve sempre
ser desenvolvida atrelada a diálogos que levem os alunos
a refletirem sobre os aspectos subjetivos envolvidos na
aula e na relação com os demais colegas de sala.
93
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Capa
Sumário
TÉCNICA
Exposição
oralização - leitura dirigida
Exposição Prática
demonstração
Exposição Dialogada
debate - seminário - discussão 66 explosão de ideais - júri simulado
Estudo do Meio
excursão de campo - roda de debates
em campo
Estudo do Meio
aula de campo - excursão - trilhas
interpretativas - aula passeio - leitura
da paisagem
Exposição Científica
demonstração - socialização do
aprendizado
Prática Dialogada
investigação - socialização do
aprendizado
Exposição Dialogada
aprendizagem baseada em
problemas – seminário
Estudo do Meio
excursão - trilha interpretativa - aula
de campo
Exposição Científica
demonstração - socialização do
aprendizado - experimentos simples
Prática / Experimentação
experimentos simples ou complexos investigação laboratorial
Dialogado
MODALIDADE
Expositivo
Para cada Método e Modalidade Didática o professor pode
lançar mão de várias Técnicas de Ensino. Etimologicamente, a
palavra tem origem no grego Technicu e no latim Technicus, tendo
seu significado como “arte”, “processo” de se fazer algo. Entendemos com isso que as Técnicas de Ensino são as formas de realizar
o que foi planejado com a escolha do Método e das Modalidades
de Ensino. Assim, está diretamente subordinada às modalidades
didáticas. É imprescindível que o professor tenha domínio e clareza
sobre o que quer desenvolver em cada atividade e partir sempre
das interpretações prévias que os educandos apresentam sobre o
fenômeno em estudo, viabilizando a união dessas interpretações
com os novos conhecimentos apresentados (SONCINI; CASTINHO
JÚNIOR, 1992). Diante dessa série de categorias e definições
metodológicas, a organização das atividades a serem utilizadas
no Método escolhido precisam ser percebidas e desenvolvidas em
consonância com os fundamentos e objetivos do mesmo.
Para o melhor entendimento dessa relação entre método,
modalidades e técnicas, no Quadro 05 estão exemplificados a conexão entre estas categorias.
MÉTODO
Socializador
Fonte: Baseado em Gil (1994); Pereira (2003; 2009); Krasilchik (2004); Leite,
Silva e Vaz (2005); Rossasi e Polinarski (2007).
Quadro 05 – Inter-relações entre os Métodos, Modalidades e Técnicas que
podem ser aplicadas para o Ensino de Biologia.
Descoberta
Estudos do Meio
O professor leva os alunos para um ambiente externo
à sala de aula na busca por vivências, experiências,
observações em ambientes naturais; permite que o aluno
observe e vivencie fenômenos, espécies, processos, realidades, em pleno contato com o Meio Ambiente; caracteriza-se assim como uma experiência única para o aluno
que constrói saberes a partir de suas próprias percepções, além da orientação do professor e do diálogo com
os colegas. Os ambientes externos à sala de aula, mas
próximos à Escola, constituem um ótimo campo de trabalho para o professor, ficando assim ainda mais viável,
tendo em vista que não existirão gastos com transporte
nem será necessário pedir autorização aos pais.
Globalizado
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Exposição Dialogada
debate – seminário
Pedagogia de Projetos
Demonstração - simulação – experimentação
Prática / Experimentação
experimento simples ou complexos
Exposição Científica
demonstração - socialização do
aprendizado
Estudo do Meio
exploração do meio - aulas passeio leitura da paisagem
Fonte: elaborado pelos autores.
TECENDOS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos cada vez mais como o despertar para a percepção da Metodologia e Instrumentação para o Ensino de Biologia é o despertar para o aprofundamento da práxis pedagógica, do
refletir sobre a prática. Ao pensar no “quê” vai ensinar, no “como”
vai ensinar e no “por quê” vai ensinar Biologia, o professor inicia
o processo de apropriação de sua identidade docente, de sua auto
construção como sujeito de sua profissão. Traçando caminhos, desenvolvendo seu poder para contornar os obstáculos que o separam de seus objetivos.
Ao pensar sobre Metodologias Alternativas para o Ensino
de Biologia, o professor passa a se questionar, se provocar:
• Será que a forma que eu transmito determinado conteúdo é a
melhor para atingir meus objetivos?
• Será que as técnicas de ensino que utilizo são as mais apropriadas para esse conteúdo?
Por que os alunos não aprendem tão bem quanto eu gostaria?
O processo de auto-avaliação da prática pedagógica do
professor, bem como a hetero-avaliação feita pelos alunos, é de
fundamental importância para a construção de uma educação
Capa
Sumário
95
centrada na aprendizagem e não apenas no ensino.
Aqui foram elencados métodos, modalidades didáticas e
técnicas que poderão servir como exemplos para os professores
em suas aulas, sempre em busca de um melhor aprendizado pelos
alunos. Um aprendizado que seja significativo e que os tornem sujeitos ativos e reflexivos, fugindo da passividade e monotonia da
sala de aula como eles conhecem.
Diversificar no contexto da sala de aula torna o ensino mais
motivador não só para os alunos como também para o professor,
o qual começa a trabalhar em conjunto com os alunos e não isolado, quando era o centro das atenções (ou desatenções) durante
as aulas. Assim, trabalhando em um ambiente onde todos se encontram integrados, o ensino se torna um verdadeiro emancipador dos cidadãos que ele forma, daí a importância de se utilizar e/
ou de o professor se apropriar de vários métodos, modalidades e
ou técnicas de ensino que venha a contribuir para um ensino de
Biologia emancipatório, dialético, crítico e reflexivo.
Diante de tudo que refletimos neste texto, verificamos a diversidade de atividades e recursos didáticos existentes, dos quais
os professores podem fazer uso em suas aulas, possibilitando
atender a distintas necessidades e interesses de cada educando.
Pois quanto mais variado e rico for a bagagem intelectual, metodológica e didática fornecida pelo professor, maiores serão as condições deste desenvolver a aprendizagem significativa da maioria
de seus alunos.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, A.J.; BONADIMAN, C.; GUTIERRES, I.R.M.; SOUZA, A.A.A
influencia da pedagogia tecnicista na prática docente de uma escola
de educação básica. Revista científica eletrônica de pedagogia, São
Paulo, v. 1, n. 21, Jan. 2013. < www.revista.inf.br> Acesso em: 12 de Set.
2014.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
BLOOM, B. S. Innocence in education. The School Review, v. 80, n. 3, p.
333-352, 1972.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
Brasília: INEP, Ministério da Educação, 1999.
_______. Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias.
Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Brasília: MEC,
Secretaria de Educação Básica, 2008.
97
LUCKESI, C. C. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 2003.
MORAN, J. M. Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias
audiovisuais e telemáticas. IN: MORAN, J. M.; MASETTO, M. T.; BEHRENS,
M. A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. São Paulo: Papirus,
2000. p. 11.
NUNES, A. I. B. L.; SILVEIRA, R. N. Psicologia da Aprendizagem:
processos, teorias e contextos. Brasília: Libertad, 2009, 192p.
CALLUF, C. C. H. Didática e avaliação em biologia. Curitiba: Ibpex,
2007. p. 42. Campinas: Papirus, 2005.
PEREIRA, M. L. Sugestões Metodológicas para o Ensino de Ciências
Naturais. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009.
CARNEIRO, M. H. S. Significados atribuídos a uma boa aula de biologia:
Estudo das representações de alunos e professores. In: CARNEIRO, C. C.
B.; LEITE, R. C. M. Ensino de ciências: Abordagens múltiplas. Curitiba,
PR: CRV, 2013. 184p.
PEREIRA, M. L. Inovação Para o Ensino de Ciências Naturais. João
Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2003.
DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A. Metodologia do Ensino de Ciências.
São Paulo: Cortez, 2000.
GIL, A. C. Metodologia do Ensino Superior. São Paulo: Atlas, 1994.
HERNÁNDEZ, F.; VENTURA, M. A organização do currículo por projetos
de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. Porto Alegre: ArtMed,
1998.
KRASILCHIK, M. Prática de ensino de biologia. 4. ed. São Paulo: Edusp,
2004.
LEITE, A. C. S.; SILVA, P. A. B.; VAZ, A. C. R. A importância das aulas
práticas para alunos jovens e adultos: uma abordagem investigativa
sobre a percepção dos alunos do PROEF II. Revista Ensaio, Minas
Gerais, v. 7, n. especial, dez. 2005.
LIBÂNEO, J. C. Democratização da Escola Pública: a pedagogia críticosocial dos conteúdos. 21. ed. São Paulo: Loyola, 2006.
_____________. Organização da escola: teoria e prática. São Paulo:
Herccus, 2013.
Capa
Sumário
PINHEIRO, L.; GUIMARÃES, R. M. Introdução. In: BONETTI, A. M. (Org.)
Práticas alternativas de ensino: relato de experiências do PET/
Biologia. Uberlândia: EDUFU, 2007. p. 17- 19.
RANGEL, M. Métodos de Ensino para a Aprendizagem e a
Dinamização das Aulas. Campinas, SP: Papirus, 2005.
ROSA, P. R. S. Instrumentação para o ensino de Ciências. Campo
Grande: Editora da UFMS, 2010.
ROSSASI, L.B.; POLINARSKI, C. A. Reflexões sobre metodologias para
o ensino de Biologia: uma perspectiva a partir da prática docente.
2007. 25 f. (Monografia) Programa de Desenvolvimento Educacional.
Unioeste, Paraná, 2007.
SANT`ANNA, I. M.; MENEGOLLA, M. Didática: aprender a ensinar. São
Paulo: Edições Loyola, 2002.
SONCINI, M. I.; CASTILHO JUNIOR, M. Biologia. 2. ed. São Paulo: Cortez,
1992.
ZABALA, A. Enfoque Globalizador e Pensamento Complexo: uma
proposta para o currículo escolar. Porto Alegre: Artmed, 2002.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
CAPÍTULO 04
RELATO DE EXPERIÊNCIA: ATIVIDADES DIDÁTICAS
NO LABORATÓRIO DE ENSINO DE CIÊNCIAS DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
Maria De Fátima Camarotti23
Sonia Regina Costa Cruvinel24
Anielly Thaiany de Lacerda25
Thamara Christinne Lira Correia26
Diogenes Silva de Medeiros Santana27
INTRODUÇÃO
Este artigo traz um relato de experiência de três anos de
atividades didáticas no Laboratório de Ensino de Ciências (LABEC)
do Centro de Educação (CE), executando um projeto de extensão
(PROBEX1) com o objetivo principal de realizar modalidades didáticas diferenciadas para alunos do Ensino Fundamental II, do sexto
ao nono anos em um laboratório de ciências.
O professor de Ciências trabalha com uma representação
muito abrangente do universo científico, ou seja, com os princí23
Profa. Dra. do DME/CE/UFPB; Coordenadora do Projeto de Extensão “Os Alunos
do Ensino Fundamental vão ao Laboratório de Ciências” PROBEX da UFPB (2011, 2012,
2013) que originou o artigo. E-mail: [email protected]
24
Biólª Colaboradora - Centro de Educação. E-mail: [email protected]
25
Graduandos de Ciências Biológicas - Bolsista do PROBEX.
26
Estagiária Voluntária - Graduada em Biologia
27
Graduando de Ciências Biológicas – - PROBEX
Capa
Sumário
99
pios e os processos da Ciência. Dessa forma, espera-se que ele seja
capaz de focalizar, com propriedade, os conceitos básicos e suas
inter-relações com os aspectos essenciais metodológicos da efetiva aplicação do método científico (HENNIG, 1998).
O papel da escola constitui-se em preparar o aluno para as
diversas situações da vida. Para isso, se faz necessário a utilização
de diferentes métodos e estratégias para o desempenho do processo de ensino-aprendizagem, interligando os conteúdos abordados
em sala de aula à vivência cotidiana do aluno. A ausência de práticas relacionadas aos conteúdos teóricos, no ensino de ciências,
muitas vezes promove no aluno a insatisfação e a desmotivação,
gerando consequentemente um bloqueio que inviabiliza a aprendizagem. A construção de novos conhecimentos deve sempre partir do conhecimento prévio dos alunos, levando-se em consideração que o processo de aprendizagem implica na desestruturação e
consequente reformulação dos conhecimentos através do diálogo
e reflexão (MORAES, 1998).
É bem verdade que em função da grande oferta de contatos e de atividades atraentes para os jovens com diversos tipos de
estímulos, e tantos efeitos tecnológicos, o ensino de Ciências não
pode ficar para trás. Faz-se necessário despertar no aluno a curiosidade e o prazer de criar, de construir o seu próprio conhecimento, a partir de sua realidade, sendo a interdisciplinaridade a forma
capaz de tornar os conhecimentos mais abrangentes e atuais.
Segundo Pereira (2010, p. 83) o ensino de Ciências deve vir
juntamente com a vivência da práxis pedagógica inovadora que a
partir da ludicidade criativa, propicia mudanças significativas para
o processo do ensinar e aprender. O lúdico criativo oportuniza espaços no campo da interatividade, da interdisciplinaridade e da
dinamicidade em aula, representando o eixo condutor e interconector entre aprendizagens cognitivas, afetivas e psicomotoras,
que deve ser utilizado por todos que trabalham em Educação.
O ensino de Ciências deve proporcionar aos estudantes a
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
oportunidade de desenvolver competências que despertem inquietação diante do desconhecido, buscando explicações lógicas
e razoáveis, levando os alunos a desenvolverem posturas críticas,
realizar julgamentos e tomar decisões importantes (BIZZO, 1998).
Quando desenvolvido em laboratório, propicia ao estudante a experimentação e a oportunidade de praticar a teoria sobre as Ciências Naturais (HENNIG, 1998).
Alguns especialistas propõem a substituição do verbalismo das aulas expositivas, e da grande maioria dos livros didáticos,
por atividades experimentais (FRACALANZA et al., 1986), uma vez
que as aulas práticas podem ajudar no desenvolvimento de conceitos científicos, além de permitir que os estudantes aprendam
como abordar, objetivamente, o seu mundo e como desenvolver
soluções para problemas complexos (LUNETTA, 1991). Além disso,
servem de estratégias que podem auxiliar o professor a retomar
assuntos já abordados, possibilitando aos alunos uma nova visão
sobre um mesmo tema.
Aula prática não é meramente uma sessão de “fazer coisas”
ou simplesmente uma ocasião para se aplicar o que foi previamente aprendido na aula teórica, uma vez que pode ser ministrada antes ou depois da aula teórica. Pelo fato da mesma oferecer um contato direto com a realidade, ela pode ser utilizada tanto na etapa
de Observação da Realidade (problematização), como na etapa de
Aplicação na Realidade (BORDENAVE; PEREIRA, 2008). Isso implica
dizer que as aulas práticas devem gerar perguntas que são respondidas pelas aulas teóricas. Não deve existir separação alguma entre esses dois tipos de aulas, pois ambas são parte de um mesmo
processo, o processo de ensino-aprendizagem.
Aulas inovacionais e práticas em laboratório permitem a
criação de novos modelos metodológico-educativos, fundamentados na dialogicidade interacionista entre professores e alunos.
Dessa forma, faz-se necessário que os profissionais tenham competência para orientar e estimular a construção do saber e o de-
Capa
Sumário
101
senvolvimento do poder imaginativo-criativo de cada aprendente
(PEREIRA, 2010).
O desenvolvimento de raciocínio científico e de habilidades
experimentais, para a resolução de problemas, requer conteúdos
procedimentais relevantes no ensino das ciências, cujo objetivo
é tornar os alunos participantes da construção do conhecimento
científico e aptos a se apropriarem de tais conhecimentos.
O uso do laboratório requer cuidados necessários ao bom
desempenho das atividades e à segurança dos alunos e dos professores. Segundo Stefani (1993) os alunos devem ouvir atentamente as orientações e recomendações feitas pelo professor antes
do início de qualquer atividade. Quanto às dúvidas, devem ser sanadas no momento em que elas surgirem. É igualmente importante ressaltar que a organização do laboratório é primordial para o
bom andamento dos trabalhos e que todos que nele transitam são
responsáveis pela sua organização.
Krasilchik (2008) afirma que dentre as modalidades didáticas existentes, tais como aulas expositivas, demonstrações, excursões, discussões, aulas práticas e projetos, como forma de vivenciar o método científico, as aulas práticas e projetos são os mais
adequados. Entre as principais funções das aulas práticas, ela cita:
despertar e manter o interesse dos alunos; envolver os estudantes
em investigações científicas; desenvolver a capacidade de resolver
problemas; compreender conceitos básicos; e desenvolver habilidades. Além ser um local de aprendizagem, o laboratório é um local de desenvolvimento do aluno como um todo.
Para Capelleto (1992), as aulas de laboratório podem, assim, funcionar como um contraponto das aulas teóricas, como
um poderoso catalisador no processo de aquisição de novos conhecimentos, pois a vivência de certa experiência facilita a fixação
do conteúdo. Consequentemente, fica descartada a ideia de que
as atividades experimentais devem servir somente para a ilustração da teoria, permitindo que o próprio aluno raciocine e realize
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
as diversas etapas da investigação científica, o que é a finalidade
primordial de uma aula de laboratório. Ressalta ainda que, para a
realização de tais atividades, não se fazem necessários aparelhos
e equipamentos caros e sofisticados. Na falta deles é possível, de
acordo com a realidade de cada escola, que o professor realize
adaptações nas suas aulas práticas, a partir do material existente
e, ainda, utilize materiais de baixo custo e de fácil acesso.
O intuito de despertar, nos alunos do Ensino Fundamental de Escolas Públicas, o interesse pelo aprendizado de Ciências,
através de novas modalidades didáticas, como as laboratoriais,
elaboradas a partir dos eixos temáticos do Ensino de Ciências do
Fundamental II, foi o fator motivador dessa pesquisa.
As atividades foram realizadas para propor aos alunos, vivências em grupo, no laboratório; realizar práticas laboratoriais
que vivenciem o método científico; desenvolver habilidades inerentes às ciências; estimular o fazer pedagógico com os professores do Ensino Fundamental; propiciar aos alunos do Ensino Fundamental, atividades diversas que possibilitem soluções para seus
problemas; preparar material didático teórico-prático de acordo
com os parâmetros curriculares nacionais, para cada ano específico; divulgar e disponibilizar o programa de atividades do LABEC/
CE/UFPB para a comunidade escolar e integrar a comunidade escolar básica à Universidade.
MATERIAL E MÉTODOS
Utilizaram-se como pressupostos teórico-metodológicos a
abordagem qualitativa e elementos da Etnografia Escolar. O Método Etnográfico é uma modalidade de investigação naturalista,
que tem como base a observação e a descrição, visando explicar e
interpretar a cultura de um determinado grupo social. Outro ponto
importante é questionar de forma participativa, as relações encontradas no meio ambiente (MARCONI; LAKATOS, 2004).
Capa
Sumário
103
Os dados foram coletados através de questionários divididos em duas partes, sendo a primeira relacionada à diagnose discente e a outra parte, ao conteúdo específico de cada atividade.
Para a análise dos questionários, considerando a variedade de respostas dos alunos, utilizou-se a técnica desenvolvida por
Vasconcelos (2005), adaptando-a ao trabalho proposto. Adaptação esta, que consiste na criação de três categorias de avaliação
para as respostas: “Satisfatórias”, para aquelas completas, nos
quais os alunos demonstraram ter um conhecimento significativo
do assunto abordado; “Parcialmente satisfatórias”, nas quais os
alunos demonstraram ter um conhecimento mínimo do assunto
abordado; e “Insatisfatórias”, onde os alunos demonstraram ou
declararam não ter conhecimento do assunto, ou que deixaram a
questão em branco.
A divulgação se deu por visitas da equipe às Escolas Municipais de Ensino Fundamental, da cidade de João Pessoa – PB (Quadro 1), ocasião em que cada escola recebeu um comunicado, por
escrito, com cópia do projeto em anexo.
O transporte, nos anos de 2011 e 2012, foi providenciado
pela escola convidada (transporte da prefeitura de João Pessoa).
No ano seguinte, ocorreu uma mudança no traslado, o que ficou
sob a responsabilidade do projeto, através de ônibus disponibilizado pela UFPB, de acordo com agendamento prévio. Por indisponibilidade do veículo adequado, motivos estes, alheios à equipe,
as escolas EMEF Rui Carneiro (2011), EMEF Seráfico da Nóbrega
(2011), EMEF Hugo Moura (2012) e EMEF Padre Pedro Serrão (2013)
não puderam comparecer às atividades no LABEC.
Após acomodação dos visitantes e cumprimentos de “boas
vindas”, a equipe ressaltou a importância do uso de laboratórios
no processo ensino-aprendizagem de Ciências, como também a
necessidade de boa conduta do usuário para eficiência dos trabalhos e segurança de todos.
105
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Quadro 1- Relação das Escolas da rede municipal que participaram do
PROBEX.
ESCOLAS
BAIRRO
Escola Municipal
de Ensino Fundamental Lions
Tambaú
Água Fria
Escola Municipal
de Ensino Fundamental Hugo
Moura
Padre Zé
Escola Municipal
de Ensino FunMangabeira
damental David
Trindade
CICLO ESCOLAR/
TURMA
EIXOS TEMÁTICOS
ANO
Sexto
Água, Solo e Seres
Vivos
2011
Oitavo
Respiração
2013
Sétimo
Reconhecimento
dos Órgãos Reprodutores da Flor
2011
Nono ano
Energia no Ambiente
2011
Água, Solo e Seres
Vivos
2012
Reconhecimento
dos Órgãos Reprodutores da Flor
2012
Água, Solo e Seres
Vivos
2013
Reconhecimento
dos Órgãos Reprodutores da Flor
2013
Escola Municipal de Ensino
Fundamental
General Rodrigo
Otávio
Bairro dos
Estados
Sexto
Escola Municipal de Ensino
Fundamental
Aruanda
Bancários
Sétimo
Escola Municipal de Ensino
Fundamental
Anita Trigueiro
do Vale
Sexto B
Escola Municipal
de Ensino FunMangabeira
damental Zumbi
dos Palmares
Sétimo A
Sétimo B
Fonte: Dados da pesquisa, 2013.
Capa
Detalhamento das atividades didáticas realizadas
Sexto A
Altiplano
Sumário
De acordo com a atividade proposta, seis kits previamente
montados, em grande parte, com material reutilizável, foram colocados nas bancadas de granito, estas com pontos de energia, de gás
e torneiras de água. Cada aluno recebeu uma cópia do roteiro da
atividade prática que foi seguida sob a orientação do bolsista extensionista, voluntários, técnicos e professores. Simultaneamente foi
trabalhada a fundamentação teórica de forma expositivo-dialogada, com o auxílio de quadros, cartazes e slides em data show.
De acordo com cada atividade prevista, os alunos trabalharam sempre em grupos, com material previamente montado e
cada aluno recebeu uma cópia do roteiro da atividade. Anteriormente à atividade, foi realizada a fundamentação teórica de forma expositivo-dialogada. Os registros foram feitos pelos alunos à
medida que as ocorrências eram observadas e discutidas. Sempre
que oportuno, a realidade sócio ambiental foi analisada, de forma
crítico-construtiva, na busca do exercício da cidadania.
6° ano: Água, Solo e Seres Vivos
A aula para os alunos do sexto ano teve início com a exposição de fotos de deslizamentos em morros e outros tipos de erosões, com intuito de conduzir uma discussão sobre as causas desses desequilíbrios ambientais, ressaltando a participação do ser
humano, respondendo à indagação de “para onde vão as águas
das chuvas” e “colhendo” conceitos tais como: assoreamento,
desmatamento, queimada etc. Após a discussão, deu-se início à
primeira atividade prática, onde os alunos puderam compreender
que o solo apresenta camadas, tal qual acontece na acomodação
da mistura de areia, terra e húmus (em meio líquido) após algum
tempo em repouso.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
A segunda atividade foi desenvolvida em três bandejas, uma
contendo terra com cobertura vegetal, outra com solo descoberto
e a última coberta por asfalto (representado por saco plástico preto), todas com presença de lixo, mantidas inclinadas por escoras. Os
alunos jogaram quantidade de água igual em cada uma delas e observaram os respectivos efeitos, inclusive no material escoado.
Essa atividade teve como objetivo, despertar nos alunos a
curiosidade pelo estudo do ambiente em que se vive, preparando-os
para o exercício da cidadania, na busca da melhor qualidade de vida.
7° Ano: Reconhecimento dos Órgãos Reprodutores da Flor
Iniciou-se falando para os alunos sobre as partes constituintes da flor, com explicação sobre os órgãos reprodutores (tanto feminino quanto masculino) e o processo de fecundação e polinização.
Cada grupo de cinco alunos recebeu flores de papoula (Hibiscus sp.) que foram dissecadas sob orientação da equipe, com o
uso de estiletes de agulha, lâminas e lupas. Após observação macroscópica, as partes foram colocadas em cartolinas, identificadas
e quantificadas; outros dados relevantes foram igualmente observados, discutidos e anotados.
Os alunos confeccionaram cartazes sobre plantas ameaçadas de extinção, com fotos identificadas com nome científico e popular, usaram também frases espontâneas e informativas.
Para finalizar, realizou-se um jogo de perguntas e respostas onde os alunos, divididos em dois grandes grupos, responderam às várias perguntas relacionadas ao tema abordado na
atividade prática.
Essa prática teve como objetivo identificar as partes de uma
flor e reconhecer sua importância no processo reprodutivo, além
de informar aos alunos sobre o processo de extinção aos quais algumas plantas estão em risco.
Capa
Sumário
107
8º Ano: Respiração
A atividade realizada com os alunos da turma de 8º ano
abordou o tema “Respiração”, objetivando a identificação dos órgãos do corpo humano que participam desse processo, bem como
o percurso do oxigênio e o processo de inspiração e expiração.
Para a parte prática da atividade, no primeiro momento, foram confeccionados modelos que simulam a respiração, com o uso
de garrafas PET, bexiga de borracha, tubo de caneta esferográfica e
rolha. O experimento simula o processo de inspiração e expiração,
com o movimento da caixa torácica. Após a experimentação, os alunos responderam a um exercício referente ao processo respiratório.
No segundo momento, através do uso de microscópio, foram visualizadas lâminas contendo amostras de pulmão danificado pelo uso do cigarro, a fim de oferecer orientação a respeito
dos danos causados pelo tabagismo e lâminas de pulmões sadios,
para comparação. Após comentários sobre as diferenças nas duas
situações, os alunos puderam, então, desenhar comparativamente o que observaram.
9° Ano: Energia no Ambiente
Deu-se início à aula, explicando o roteiro das atividades
práticas a serem realizadas. Após a explicação, os alunos, colocaram as folhas de plantas picadas (que já se encontravam nas
bancadas), em um recipiente com álcool agitaram, tamparam e
mantiveram o experimento em repouso, o que foi observado após
alguns minutos. Após as observações os alunos fizeram a leitura
e tiraram as conclusões. Simultaneamente, parte da solução de
clorofila foi colocada em Becker para correr em papel de filtro, no
processo chamado “cromatografia de papel”.
Mostrou-se aos alunos, por meio de microscópios, os cloroplastos encontrados na folha, em diferentes objetivas (aumentos).
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Utilizando limões, fios de cobre, moedas de cobre e clipes
de zinco, os alunos montaram uma bateria e puderam acender
uma pequena lâmpada de led.
Os objetivos dessa atividade foram entender a clorofila
como responsável pela entrada da energia solar no meio ambiente
e a transformação desta em energia química ativa disponível para
os seres consumidores.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Água, Solo e Seres Vivos (6º ano)
2011: Escola Municipal de Ensino Fundamental Lions
Tambaú
Dos 43 alunos participantes, apenas 38 responderam ao
questionário, em duplas, pois muitos não levaram lápis nem caneta, resultando assim em 19 questionários respondidos. Por esse
motivo não foi possível realizar uma tabulação específica para
cada um dos alunos em determinados itens pessoais (como por
exemplo, o sexo). Entretanto, de forma mais geral, alguns itens foram tabulados.
As idades dos alunos variavam de 10 a 13 anos. Quanto à
ocupação fora da escola, foi constatado que somente um aluno
trabalha (5,27%), 68,42% praticavam vôlei, futebol, skate ou outra
modalidade, enquanto que 26,31% dos alunos não praticam esportes algum ou não responderam à pergunta.
Visando colher conhecimentos prévios dos alunos em relação ao laboratório, três perguntas foram elaboradas.
Com resposta à pergunta “para que servia o laboratório escolar”, as respostas mais usadas foram: experimentos, pesquisas,
aulas práticas, aprender, estudos de gases, ciência, estudos, trabalhos. Somente um aluno não respondeu a pergunta.
Capa
Sumário
109
Quanto à participação anterior em alguma atividade laboratorial, 42,10% dos alunos já tinham vivido essa oportunidade,
enquanto 57,89% nunca tinham tido alguma prática em laboratório ou não responderam à pergunta. Deccache-Maia et al. (2012)
relatam em seu trabalho que 65% dos alunos, de quatro escolas
estudadas, nunca tiveram aulas práticas em laboratórios, apesar
de biologia ser atrativo para os a jovens gerando novas descobertas e consequentemente o desenvolver do método científico.
Quanto ao que gostariam de ver ou fazer em laboratório
escolar, as respostas variaram entre: experimentos, pesquisas,
aprender Ciências e Biologia, visualização no microscópio e dissecamento.
Após o desenvolvimento das práticas laboratoriais, observou-se que ao desenharem, nomeando e mensurando as camadas
do solo, no experimento sobre composição do solo, 31,2 % foram
consideradas respostas satisfatórias, 18,8% respostas parciais e
50% foram insatisfatórias.
Nas conclusões tiradas pelos alunos, a partir das observações colhidas no experimento com três bandejas simulando três
superfícies diferentes sujeitas à ação das águas, 18,8% das respostas foram consideradas satisfatórias, 50% parciais e 31,2 % insatisfatórias. Demonstrando assim que os alunos tinham entendido,
parcialmente, o que tinha acontecido na expeerimentação.
A aula prática sozinha não transforma o ensino de ciências,
principalmente se o professor conduzir de uma forma mecânica
e só entregar um roteiro e os alunos o executarem sem refexão e
olhar crítico. O aluno deve construir o seu conhecimento ao participar de todas as etapas do processo e colaborando, juntamente
com os colegas, dando sugestões e observando para poder fazer
uma leitura da prática executada (DECCACHE-MAIA et al., 2012).
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Figura 1 – Alunos Escola Municipal de Ensino Fundamental Lions Tambaú em
João Pessoa, do sexto ano desenvolvendo as atividades propostas.
Fonte: Lacerda, 2011.
2012: Escola Municipal de Ensino Fundamental General
Rodrigo Otávio
No total, 15 alunos participaram da atividade prática no LABEC, sendo oito do gênero feminino (53,3%) e sete do masculino
(46,7%).
As idades dos alunos variavam entre 10 e 14 anos. Quanto
à ocupação fora da escola, foi constatado que somente um aluno
trabalhava (6,7%), 80% praticavam esportes como: natação, futebol, vôlei, basquete, baleado, futsal, ginástica, judô e baseball,
Capa
Sumário
111
enquanto que 13,3% dos alunos não praticavam esportes ou não
responderam à pergunta.
Com objetivo de colher conhecimentos prévios, em relação
ao laboratório, foram elaboradas três perguntas.
Com resposta à pergunta “Para que servia o laboratório escolar?”, as mais usadas foram: experimentos, conhecer a biologia
diversa, aprender sobre solo e nutrientes diversos, desvendar coisas, pesquisas, aprender mais sobre ciências. Somente um aluno
não respondeu à pergunta.
Quanto à participação anterior em alguma atividade laboratorial, 26,7% dos alunos já tinham vivido essa oportunidade, enquanto 73,3% nunca tinham tido alguma prática em laboratório
ou não responderam à pergunta.
Quanto ao que gostariam de ver ou fazer em laboratório escolar, as respostas variaram entre: fazer uma hidroelétrica/eólica;
microscópio; criar ventilador portátil; experiência com corantes;
feto de animais; bactérias e microrganismos em animais; muitas
experiências etc.
Após todo o desenvolvimento da aula prática, os alunos
puderam responder a segunda parte do questionário, onde havia
perguntas sobre o tema abordado e os experimentos realizados.
A primeira pergunta era para explicar “como ocorria a formação do solo” e obtiveram-se os seguintes resultados: “O solo
é formado por várias camadas entre elas: nutrientes, restos de
plantas e animais, pequenas e grandes partes de rochas” como
exemplo de resposta satisfatória (26,3%). “Rochas e nutrientes”
como exemplo de resposta parcialmente satisfatórias (53,7 %).
“Húmus, areia e argila” como exemplo de resposta insatisfatória
(20%). Detectou-se que alguns alunos se confundiram em relação
ao enunciado da pergunta, o que resultou na maioria das respostas parcialmente satisfatórias.
Já a segunda indagava sobre as camadas que compõem o
solo. Obteve-se apenas respostas satisfatórias (100%), onde os alu-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
nos responderam corretamente à questão: “Areia, argila e húmus”.
Para finalizar, foi perguntado qual a utilidade do solo. A
partir da análise os alunos responderam: “Para os seres vivos, eles
servem para fornecer seus nutrientes para as plantas e animais”
como exemplo de resposta satisfatória (13,3%). “Para plantar vegetação” como exemplo de resposta parcialmente satisfatória
(86,7%) e nenhuma insatisfatória. Notou-se que a maioria atribuiu
à agricultura, como única utilização do solo, embora boa parte dos
alunos tenha entendido a verdadeira utilização.
A partir das observações colhidas no experimento com três
bandejas, simulando três superfícies diferentes, sujeitas à ação das
águas, elaborou-se mais duas perguntas para os alunos: 1. Qual o
efeito da água na superfície? 26,7% foram respostas satisfatórias,
46,6% parcialmente satisfatórias e 26,7% insatisfatórias; 2. Qual a
aparência da água escorrida? 20% respostas satisfatórias, 46, 6%
parcialmente satisfatórias e 33,4% insatisfatórias.
E para finalizar perguntou-se aos alunos “qual a importância da cobertura vegetal para o solo”. Obtiveram-se 26,7% de respostas satisfatórias, 40% parcialmente satisfatórias e 33,3% insatisfatórias (Figura 2).
113
Figura 2 - Aula prática para alunos do sexto ano: Água, Solo e Seres Vivos da
Escola Municipal de Ensino Fundamental General Rodrigo Otávio,
João Pessoa - PB.
Fonte: Lacerda, 2012.
2013: Escola Municipal de Ensino Fundamental Anita
Trigueiro do Vale
No total, 54 alunos participaram da aula laboratorial. Foram
utilizados argila, areia, solo humificado e água, para a demonstração das camadas de solo. Depois de misturadas as amostras de
solos e homogeneizadas em presença de água, o experimento foi
mantido em repouso. Posteriormente, os alunos observaram e
desenharam o material, identificando as camadas de solo visualizadas nas garrafas A e B (Figura 3A). Dos resultados obtidos,
nas duas turmas do 6º Ano, 70% dos alunos de ambas as turmas
Capa
Sumário
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
desenharam, identificando as camadas do solo corretamente. No
segundo experimento realizado (Figura 3B), a grande maioria dos
alunos respondeu que na Bandeja 01 (solo com cobertura vegetal),
após o escoamento da água, a superfície do solo sofreu pouco, por
causa da proteção da vegetação, e a aparência da água escorrida
foi clara, com pouca areia e não escorreu o lixo que estava sobre
as plantas. Na Bandeja 02 (solo sem cobertura vegetal), houve erosão, pois não havia vegetação e o lixo escorreu todo, e a aparência
da água escorrida foi “suja e com muita terra”. Na Bandeja 03 (solo
asfaltado), a superfície do solo “ficou sem lixo, pois a água levou
tudo”, a água recolhida apresentou bastante lixo e a aparência da
água foram com bastante lixo e o entupimento da suposta galeria
para escoamento de águas pluviais.
Figura 3 - Experimento A e experimento B na aula prática sobre
solos realizada com os alunos do 6º Ano da Escola Municipal de
Ensino Fundamental Anita Trigueiro do Vale.
Fonte: Camarotti, 2013.
Capa
Sumário
115
Reconhecimento dos Órgãos Reprodutores da Flor (7º ano)
Moura
2011: Escola Municipal de Ensino Fundamental Hugo
Participaram 27 alunos na atividade prática, sendo 66,67%
do gênero feminino e 33,33% do masculino, com idades variando
de 11 a 13 anos. Quanto à ocupação fora da escola, foi constatado
que somente um aluno trabalhava, enquanto que 96,29% praticavam algum tipo de esporte. Após a apresentação da equipe os
alunos responderam a três perguntas que exigiam apenas conhecimentos prévios, relacionados ao laboratório.
Indagados sobre a utilidade do laboratório na escola, as
respostas foram variadas, tais como: aprender ciências, praticar o
que aprendeu em sala de aula, estudar plantas e células, ensino
científico, experiências, pesquisas e ensino; apenas dois alunos
não responderam à pergunta.
Para saber se o aluno já teria participado de alguma atividade em laboratório escolar, a maioria dos alunos (92,60%) nunca
tinha visitado um laboratório, e apenas 7,40% já participaram de
alguma prática laboratorial.
Quanto ao que o aluno gostaria de ver ou fazer em laboratório escolar, as respostas mais usadas foram: experiências, remédios, visualização no microscópio, dissecar planta, pesquisas com
animais e plantas, estudar moléculas, ver células, observar corpo
humano. No segundo momento, os alunos dissecaram flores de Hibiscus sp. e identificaram as partes por eles coladas em cartolinas.
Notou-se um aproveitamento bastante satisfatório dessa
atividade, pois os alunos ao dissecarem as partes reprodutoras das
plantas tiveram a oportunidade de observar cada componente. Eles
puderam levar as pranchas montadas para a Escola. Na confecção
dos cartazes, com o tema “plantas ameaçadas de extinção”, a participação dos alunos foi ótima, quando todos empolgados, colaram
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
fotos e escreveram frases espontâneas de cunho informativo-apelativo para fazerem uma campanha de sensibilização.
Para finalizar, a turma foi dividida em dois grupos para a
realização de um jogo de perguntas e respostas, durante o qual se
notou grande entusiasmo por parte dos alunos e, o mais importante, os acertos nas respostas às perguntas foram bastante satisfatórias, o que mostrou um grande aproveitamento do tema abordado
na atividade prática.
Figura 4 - Alunos do sétimo ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental
Hugo Moura, dissecando as flores de Hibiscus sp.
Fonte: Lacerda, 2011
2012: Escola Municipal de Ensino Fundamental Aruanda
Participaram da atividade prática 34 alunos, sendo 19
(55,89 %) do gênero feminino e 15 (44,11 %) masculino.
Quanto à ocupação fora da escola, foi constatado que somente um aluno trabalhava, 23 praticavam algum tipo de esporte,
um fazia curso e o restante dos alunos não responderam à pergunta.
Após a identificação pessoal dos alunos, no roteiro, foram
Capa
Sumário
117
feitas ao mesmos três perguntas que exigiam apenas conhecimentos já existentes, com relação ao laboratório.
Indagados sobre a utilidade do laboratório na escola, as
respostas foram variadas, tais como: aumentar nossos conhecimentos; estudar o desenvolvimento da natureza e das ciências;
aulas práticas; descobrir coisas diferentes; aprendermos mais o
estudo de ciências sobre os animais; estudos; fazer pesquisas etc.
Apenas dois alunos não responderam à pergunta.
Perguntou-se também se o aluno já teria participado de alguma atividade em laboratório escolar, e concluiu-se que a maioria (76,48%) nunca tinha visitado um laboratório, enquanto que
23,52% já teriam participado de alguma prática laboratorial.
O que o aluno gostaria de ver ou fazer em laboratório escolar? As respostas mais usadas foram: micróbios; diferentes espécies de seres vivos; experiências; coisas no microscópio; aprender
mais ciências; estudar corpo humano; mexer com elementos químicos; dissecar algum animal; ver uma bactéria etc. Dois alunos
não responderam à pergunta.
No segundo momento, os alunos dissecaram flores de Hibiscus sp. e identificaram, colando as partes destacadas em cartolinas e em seguida nomeando cada uma.
Percebeu-se um aproveitamento bastante satisfatório nessa
atividade, e como aconteceu com a outra escola, os alunos puderam
levar as pranchas com as flores dissecadas e coladas. Vale salientar
que os monitores e professores estavam todo o tempo com os alunos, auxiliando-os quando necessário para a dissecação.
Com relação à confecção dos cartazes, o tema proposto foi
“plantas ameaçadas de extinção”. A participação dos alunos foi
ótima, todos empolgados e trabalhando em grupo, colaram fotos
e escreveram frases espontâneas de cunho informativo-apelativo
da mesma forma que os alunos da escola anterior.
Para finalizar, a turma foi dividida em dois grandes grupos e
realizado um jogo de perguntas e respostas, no qual se notou gran-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
de participação e entusiasmo por parte dos alunos. O mais importante foi quanto aos acertos das respostas em relação às perguntas que foram bastante satisfatórios, o que mostrou assimilação
do tema abordado na atividade prática aplicada (Figura 5).
Figura 5 - Aula prática para o sétimo ano: Reconhecimento dos Órgãos
Reprodutores da Flor da Escola Municipal de Ensino Fundamental Aruanda,
João Pessoa – PB.
119
na e identificou as principais partes que compõem o gineceu e o androceu (Figura 6). Também foi realizada observação microscópica,
utilizando grãos de pólen de Hibiscus sp., onde os alunos tiveram
a oportunidade de manusear o microscópio e visualizar estruturas
muito pequenas, o que despertou grande interesse em geral. Dos
resultados obtidos nas atividades realizadas nas turmas de 7º Ano,
foi observado, através da análise dos questionários, que grande
número de alunos, em ambas as turmas, gostaria de estudar e/ou
fazer experiências com animais no laboratório de ciências, revelando o conhecimento dos mesmos, com relação ao laboratório,
visto muitas vezes como lugar de experimentos de grande complexidade. Quando também perguntados sobre a funcionalidade
do microscópio (Tabela 01), na percepção da metade dos alunos,
em ambas as turmas, o microscópio tem a função de aumentar as
coisas pequenas (50%).
Figura 6- Flor de Hibiscus sp., dissecada e colada em cartolina por alunos do 7º
Ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Anita Trigueiro do Vale em
João Pessoa-PB.
Fonte: Lacerda, 2012.
2013: Escola Municipal de Ensino Fundamental Zumbi
dos Palmares
As aulas práticas para o 7º Ano tiveram um total de 41 alunos participantes, com atividades de dissecação da flor. Depois de
dissecada, cada aluno colou as partes em uma prancha de cartoli-
Capa
Sumário
Fonte: Camarotti, 2013.
121
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Tabela 01 – Concepção dos alunos das duas turmas de 7º Ano da Escola
Municipal de Ensino Fundamental Zumbi dos Palmares em João Pessoa-PB, a
respeito da pergunta “Para que serve o microscópio?”.
7º Ano A
%
7º Ano B
%
“Para observar objetos
mais de perto”
3
“Aumentar o tamanho das
coisas”
1
“Para ver uma coisa
microscópica”
2
“Para ver coisas pequenas”
12
Para ver melhor as
coisas
5
“Estudar microrganismos”
2
“Aumentar o tamanho
das coisas pequenas”
10
“Para análises”
1
“Para ver as bactérias”
1
Total
20
Na Tabela 02, as respostas dos alunos com relação à pergunta “O que as flores contribuem para o meio ambiente?”, seis
alunos do 7º Ano A colocaram como resposta “beleza”, demonstrando que alguns ainda fazem relação das flores como só importante para enfeite e/ou ornamentação, porém, no 7º ano B, a
maioria das respostas (cerca de 50%) foram que as flores são importantes na reprodução das plantas.
Sumário
7º A
%
7º B
%
“Para a polinização”
4
“Na reprodução das plantas”
8
“Para atribuir com outra
flor”
3
“Para a natureza”
1
“Oxigênio”
4
“Oxigênio”
2
“Beleza”
6
“Frutos e remédios”
2
“Cultivo de frutos”
3
“Para os frutos”
2
Total
20
15
Fonte: Dados da pesquisa, 2013.
17
Fonte: Dados da pesquisa, 2013.
Capa
Tabela 02- Respostas dos alunos das duas turmas do 7º Ano da Escola
Municipal de Ensino Fundamental Zumbi dos Palmares em João Pessoa-PB,
com relação à contribuição das flores ao meio ambiente.
Respiração (8º ano)
2013: Escola Municipal de Ensino Fundamental Lions
Tambaú
Na aula prática do 8º Ano estiveram presentes 20 alunos
(Figura 7A), de apenas uma das turmas pois, por motivos logísticos, a outra turma (Turma B) da Escola Lions Tambaú não pode
comparecer à atividade agendada.
Na atividade desenvolvida, após a experimentação com
o “pulmão construído” (Figura 7B), os alunos responderam um
exercício a respeito da inspiração e expiração, fazendo alusão aos
órgãos do corpo e os objetos utilizados para representá-los, que foi
preenchido em conjunto com a bolsista e toda a turma.
Posteriormente, os alunos puderam desenhar o que observaram nas lâminas de pulmão, em microscópio (Figura 8), nas quais
identificaram algumas das principais diferenças entre um fumante
e outro não fumante (pulmão sadio e não sadio), como as manchas
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
pretas nos alvéolos pulmonares, presentes na lâmina de fumante.
Segundo Pius; Rosa e Primon (2008) não se deve generalizar
e achar que todos os alunos estão desinteressados, pelo contrário,
muitos alunos demonstram estar prontos para aplicar as informações recebidas em conhecimentos úteis para o seu cotidiano. De
acordo com os mesmos autores, a escola não deve sufocar o anseio que os alunos têm de compreender a vida, despejando informações sem significados. É necessário, então, resgatar e preservar
todo o prazer na aprendizagem e a curiosidade em aprender sendo ativo e participante de atividades importantes na construção
do conhecimento.
123
Figura 8 - Visualização de pulmão sadio e de fumante, no microscópio, pelos
alunos do 8º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Lions Tambaú
em João Pessoa-PB.
Figura 7 - Prática sobre respiração realizada com os alunos do 8º ano da Escola
Municipal de Ensino Fundamental Lions Tambaú em João Pessoa-PB.
Fonte: Cruvinel, 2013.
Energia no Ambiente (9º ano)
2011: Escola Municipal de Ensino Fundamental David
Trindade
Fonte: Cruvinel, 2013
Capa
Sumário
Participaram da atividade prática 37 alunos, dos quais
64,87% do gênero feminino e 35,13% do gênero masculino, com
idades que variavam entre 13 e 16 anos.
Quanto à ocupação fora da escola, foi constatado que
5,40% dos alunos trabalhavam (o que equivale a dois alunos),
43,26% praticavam algum tipo de esporte, 8,10% trabalhavam e
praticavam esporte, 35,14% não trabalhavam e nem praticavam
esporte e 8,10% não responderam à pergunta.
A primeira atividade se baseou na extração e separação
(cromatografia) de clorofila e observação de cloroplastos no microscópio. Na segunda atividade, os alunos montaram um “limão
elétrico” (Figura 9) percebendo que a lâmpada de led acendia
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
quando se fechava o circuito.
Após a realização das duas práticas e da visualização ao microscópio, foram feitas algumas perguntas baseadas nos experimentos realizados.
Quanto à extração da clorofila em macerado de folhas verdes,
foram obtidas 37,84% de respostas satisfatórias, 24,32% parcialmente satisfatórias e 37,84% não satisfatórias.
Na segunda pergunta, também relacionada à mesma atividade, procurou-se saber quais as cores estavam aparecendo no papel
de filtro, obtendo-se 94,60% de respostas satisfatórias, demonstrando o reconhecimento, por parte dos alunos, dos pigmentos que foram aparecendo durante a separação e que fazem parte da clorofila,
5,40% parcialmente satisfatórias e nenhuma insatisfatória.
Quanto ao que os alunos observaram na lâmina, ao microscópio, foram obtidos 64,87% de respostas satisfatórias, isto é houve
reconhecimento por parte dos alunos dos cloroplastos, 13,51% parcialmente satisfatórias, não souberam identificar ao certo e 21,62%
insatisfatórias.
Em resposta à indagação do porquê de o limão gerar eletricidade, foram obtidas 36 respostas satisfatórias (97,30%), 2,70% parcialmente satisfatórias e nenhuma insatisfatória. Esses resultados
mostram evidente entendimento dos alunos, pois houve participação
dos mesmos na realização do experimento.
Após essas perguntas, foram feitas outras de cunho diagnóstico. A primeira, para ver se os alunos sabiam para que servia o laboratório na escola. Obtiveram-se respostas variadas, tais como: aprender
ciências, experimento em conjunto, aulas práticas, estudos, contato
com o experimento, conhecimento na prática, adquirir mais conhecimento, desenvolver novas descobertas, estudar química e física e
fazer experiência, ensino avançado.
Na segunda pergunta, para saber se o aluno já teria participado de alguma atividade em laboratório escolar, a maioria (94,60%)
respondeu que já tinha desenvolvido atividades em laboratório; ape-
Capa
Sumário
125
nas um (2,70%) nunca tinha participado de aulas laboratoriais e um
aluno (2,70%) não respondeu à pergunta.
Por fim, na terceira pergunta, para saber o que o aluno gostaria de ver ou fazer em laboratório escolar, as respostas mais citadas
foram: experimento químico e físico, decomposição de animais, experiência com eletricidade, experiência ligada a pigmentos coloridos,
explosões, eletroímã, bactéria mutante, experiências interessantes e
quase impossíveis, máquina do tempo, pilha de limão, bomba atômica, dissecação de animais, células, vacina para AIDS, répteis.
As respostas mostram que os alunos têm espectativas em desenvolver várias aulas práticas e experimentais. Segundo Bevilacqua
e Coutinho-Silva (2007), a experimentação desperta a curiosidade
e o interesse pelas aulas de ciências, sendo a montagem e aconpanhamento dos experimentos a motivação principal. Para os mesmos
autores “as atividades experimentais são ferramentas preciosas para
o ensino de ciências. É fundamental que o aprendiz perceba os fenômenos científicos no seu cotidiano e que o fazer ciência possa fazer
parte do seu pensamento”.
Figura 9 - Alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental David Trindade
em João Pessoa-PB, construindo uma “limão elétrico”.
Fonte: Lacerda, 2013.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observou-se que os alunos apresentaram grande interesse em participar das atividades, uma vez que, a maioria estava
em um laboratório pela primeira vez, e acordando positivamente quanto à importância do uso de laboratório de ciências como
um local propício para a construção do conhecimento através de
atividades práticas experimentais. Foi confirmada também a eficiência das aulas laboratoriais no processo de construção do conhecimento prático a partir do cotidiano dos alunos, propiciando um
elo do senso comum e da Ciência.
Percebe-se que os alunos de todas as escolas participantes
do projeto de extensão, demonstraram interesse nas aulas práticas e um anseio de usar um laboratório nas aulas de ciências. Conclui-se, por fim, que as aulas práticas são de grande importância na construção do conhecimento científico dos alunos,
porém não é a solução para todos os problemas encontrados no
Ensino de Ciências, mas compõem uma importante ferramenta a
ser utilizada pelos professores, levando ao aumento da motivação
e do entusiasmo dos alunos e assim contribuindo para uma melhor formação da cidadania consciente.
REFERÊNCIAS
BEVILACQUA, G. D.; COUTINHO-SILVA, R. O ensino de ciências na 5ª
série através da experimentação. Ciências & Cognição. v.10, p. 8492, mar. 2007. Disponível em: <http://www.cienciecognicao.org >
BIZZO, N. Ciências: fácil ou difícil. São Paulo, SP: Ática, 1998.
BORDENAVE, J. D.; PEREIRA, A. M. Estratégias de ensinoaprendizagem. Petrópolis, RJ:Vozes, 2008.
CAPELETTO, A. Biologia e Educação ambiental: Roteiros de
Capa
Sumário
127
trabalho. Rio de Janeiro: Ática, 1992.
DECCACHE-MAIA, E.; MELO, A. P. C.; ASSIS, P. S. de; JESUS,R. S. de; SILVA,
L.C. da; VANNIER-SANTOS, M. A. Aulas práticas como estímulo ao ensino
de ciências: relato de uma experiência de formação de professores.
Estudos IAT, Salvador, v.2, n.2, p. 24-38, jul./dez., 2012.
FRACALANZA, H.; AMARAL, I. A.; GOUVEIA, M. S. F. O ensino de Ciências
no 1º grau. São Paulo: Atual, 1986.
HENNIG, G. J. Metodologia do ensino de ciências. 3. ed. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1998.
KRASILCHIK, M. Prática de Ensino de Biologia. São Paulo: Edusp, 2008.
LUNETTA, V. N. Atividades práticas no ensino da Ciência. Revista
Portuguesa de
Educação, v.2, p. 81-90, 1991.
MARCONI, M.A.; LAKATOS, E.M. Metodologia Científica. São Paulo:
Atlas, 2004.
MORAES, R. O significado da experimentação numa abordagem
construtivista: O caso do ensino de ciências. In: BORGES, R. M. R.;
MORAES, R. (Org.) Educação em Ciências nas séries iniciais. Porto
Alegre: Sagra Luzzato. 1998. p. 29-45.
PEREIRA, M. L. A Arte de Ensinar/Aprender Ciências Naturais: inovação
lúdico-criativa. In: ABÍLIO, F. J.P. (Org.) Educação Ambiental e Ensino
de Ciências. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2010. p.83101.
PIUS, F. R; ROSA, E. J; PRIMON, C. S. F. Ensino de Biologia. 2008.
Disponível em: <http://www.uniban.br/pesquisa/iniciacao_cientifica/
pdf/ciencias_humanas/educacao/ensino_biologia.pdf>. Acesso em: 29
set. 2014.
STEFANI, A. Montagem e uso de um laboratório interdisciplinar.
Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1993.
129
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
VASCONCELOS, F. A. L. Análise comparativa da percepção ambiental
e conhecimento de alunos da rede pública e particular da Região
Metropolitana do Grande Recife acerca do tema “Ambientes
Recifais”. 70 f. 2005. Monografia (Bacharelado em Ciências Biológicas) Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2005.
CAPÍTULO 05
O ENSINO DE CIÊNCIAS NA SOCIEDADE DIGITAL:
A UTILIZAÇÃO DA METODOLOGIA WEBQUEST
E OS SEUS DESAFIOS NO PROCESSO
DE ENSINO-APRENDIZAGEM
Sidcley Cavalcante da Silva28
Jose Antônio Novaes da Silva29
Introdução
A discussão atual sobre o Ensino de Ciências está atrelada
ao processo de globalização e vem despertando cada vez mais interesse nas áreas de pesquisas e estudos nos programas de Pós-graduação, devido às recomendações para que se utilizem nas
escolas as Tecnologias da Comunicação e Informação (TIC), pois,
apesar de estudantes e professores/as já usá-las nas escolas, sua
presença ainda é pouco expressiva, de certo modo, nas práticas
pedagógicas. O ato de “ensinar” é muitas vezes entendido como
a transferência unidirecional do professor/a para o/a discente de
uma “herança cultural acumulada, que deve ser repassada às gerações mais jovens, sob pena de ser esquecido o passado e a tra28
Licenciado em Ciencias com habilitação em Biologia (FFPG); Especialista em
Educação especial (FAFIRE); Mestre em educação (UFPB); Professor, do Departamento de
Pedagogia da Faculdade de Ciência e Tecnologia Prof Dirson Maciel de Barros – FADIMAB;
Tutor a distância, do Curso de Biologia Virtual – UFPB; E-mail: [email protected]
29
Prof. Assosicado III, do Departamento de Biologia Molecular (DBM) do Centro
de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN); E-mail: [email protected];
Capa
Sumário
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
dição. Essa herança foi sendo transformada em disciplinas e, após
ter passado por um processo de seleção e transposição, foi catalogada como currículo” (TOMAZETTI, 2010, p. 41).
As TIC surgem como um aparato significativo em nossas
práticas cotidianas, nos mais diversos setores, de forma irreversível. Portanto, é fundamental discuti-las diante da realidade do
processo de ensino e aprendizagem, pois muitas escolas do país
ainda estão vivendo a implantação de laboratórios de informática com Internet, enquanto outras cidades já utilizam o tablet e
notebooks. Tudo isso pode constituir recurso extra de pesquisa e
auxiliar na construção tanto cooperativa quanto colaborativa do
conhecimento, levando os/as alunos/as a serem mais atuantes,
participativos/as e autônomos/as.
Precisamos atentar para o fato de estarmos vivenciando
uma recente “crise paradigmática” da Ciência moderna que produz
conhecimentos e desconhecimentos. Para que ocorra uma nova
maneira de ensinar e de produzir conhecimentos necessários para
uma sociedade em crescentes modificações, é preciso que haja uma
“virada epistemológica” por parte dos professores (SANTOS, 2005).
Nesse sentido, entendemos que é necessário um novo
olhar sobre a forma que queremos que nossos/as alunos/as participem do processo ensino aprendizagem sobre Ciências. Com tais
mudanças, os/as docentes podem rever as próprias concepções
acerca da fundamentação de suas ações pedagógico-didáticas,
bem como questionar, discutir e refletir sobre a pertinência de conexões entre Ciência/epistemologia/educação em Ciência, que é
um exercício necessário aos/às professores/as para poderem, fundamentadamente, fazer as suas opções cientifico- educacionais.
Assim de acordo com Tomazetti (2010, p. 42), citando Gallo e Veiga-neto (2007) “Apenas se emancipado, exercitado em si mesmo, o
educador pode estar apto para um processo de subjetivação que
insista em que cada um eduque-se a si mesmo”.
Capa
Sumário
131
Acreditamos também que é através da participação ativa,
em investigações científicas que os alunos desenvolvem melhor
sua compreensão conceptual e aprendem mais sobre a natureza
da Ciência, pois surgem, nesse momento, oportunidades e apoio
para a reflexão (HODSON, 1992, apud CACHAPUZ, et al, 2005). Tendo por base esta constatação é que surge, surge a metodologia
WQ, proposta por Bernie Dodge em fevereiro de 1995, San Diego
State University (SDSU), tem como proposta inovadora que propõe que os professores possam, fundamentalmente, desenvolver
pesquisas orientadas com seus alunos através dos conteúdos online ou offline30, o que possibilita o trabalho em grupo, com ações
de integração entre os seus participantes.
É nesse contexto em que discutimos sobre os novos saberes da tecnociência que soam também como uma possibilidade de
organizar os espaços privados e públicos, que estão em processo
de desagregação e oferecem novas formas de controle (FRANCO,
2000, p. 4). Para Brito e Dandolin (2005), estamos transitando das
sociedades disciplinares para as sociedades de controle, o que
vem sendo apontado como transição paradigmática. E é nesse
ínterim que os corpos humanos podem ser usados como objeto
de saber, uma máquina de fazer experiências, de transformar os
corpos, de treinamento, uma espécie de “laboratório do poder”
(FOUCAULT, 2012).
O ENSINO DE CIÊNCIAS: OS DESAFIOS NECESSÁRIOS
PARA O ENSINO APRENDIZAGEM
Ao refletir sobre o cenário educacional, especificamente o
Ensino de Ciências, percebemos uma grande sensibilização social
30
Os termos “on-line “e” off-line “ (também denominado de “ on-line “e” off-line “) têm significados específicos em relação à informática e às telecomunicações . Embora seja um vernáculo comum, refere-se, especificamente, a uma conexão de Internet, à
definição geral de “online” simplesmente indica um estado de conectividade, enquanto
“offline” indica um estado desconectado. Fonte: http://zip.net/bxpglN.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
face às implicações tecnocientíficas na qual, onde os indivíduos não
podem se desenvolver ou participarem da tomada de decisões sozinhos, e sim, em conjunto, a partir desse intercâmbio que a tecnologia oferece. Para Cachapuz (et al, 2005), essa ação coletiva é um fato
positivo que garante aplicação nos princípios sociais e implicações
para o meio ambiente. Assim, o ensino-aprendizagem pode e deve
ser uma aventura potencializadora dos conhecimentos.
Na contramão dessa necessidade emergente, percebemos,
ainda, que a maioria dos/as professores/as continua seguindo informações prontas e acabadas dos livros didáticos, insistindo na
memorização de informações isoladas e acreditando na importância dos conteúdos tradicionalmente explorados e na exposição
como forma principal e ensino. Segundo Demétrio (2002, p. 293),
Os livros didáticos disponíveis no mercado, além de
apresentarem deficiências já apontadas em vários
trabalhos de pesquisa, estão organizados segundo
sequências rígidas de informações e atividades. Têm
sido usados como único material didático pelos professores, impondo um ritmo uniforme e a memorização como prática rotineira nas escolas. Sobretudo,
servem como verdadeiras ‘muletas’, minimizando a
necessidade do professor de decidir sobre sua pratica na sala de aula e preparar seu material didático.
Dessa forma, entendemos que ensinar Ciências é levar em
consideração as discussões sobre dois aspectos: os sociais e os
tecnológicos, que vêm trazendo modificações contundentes para
a nossa sociedade. Vale ressaltar que “não podemos mais continuar ingênuos sobre como se ensina, pensando que basta conhecer
um pouco o conteúdo e ter jogo de cintura para mantermos os alunos nos olhando e supondo que, enquanto prestam atenção, eles
estejam aprendendo” (CARVALHO, 2004, p. 1).
Capa
Sumário
133
Portanto, estamos vivendo uma verdadeira crise paradigmática, que vem produzindo conhecimentos e desconhecimentos
bem como inclusões e exclusões. Para Moraes (1994, p. 225) o Filosofo Kuhn esclarece sinaliza que esse paradigma emergente que é a
“constelação de crenças, valores e técnicas partilhada pelos membros de uma comunidade científica” e assim o ato de descreditar
nos fatores partilhados leva a um ponto de inflexão e a própria crise
a qual se dá diante do fenômeno do avanço tecnológico (FOUCAULT,
2010). Para Santos (2005), a escola deve acompanhar esse avanço,
desenvolvendo novas maneiras de ensinar e de produzir conhecimentos necessários para uma sociedade em constantes modificações. Contudo, esperamos que essa mudança ocorra no sentido de
“reconhecer que não é apenas o professor que deve modificar a sua
forma de ensinar, mas que uma série de ordenamentos na escola e
na comunidade devem ser considerados, ao mesmo tempo, no sentido da sua transformação”, reforça Bizzo (1998, p. 33).
Para Demétrio (2002, p. 34), “o trabalho docente precisa ser
direcionado para sua apropriação crítica pelos alunos, de modo
que efetivamente se incorpore no universo das representações
sociais e se constitua como cultura”. Nesse processo, o sujeito, ao
aprender sobre Ciências, “envolve-se numa forma diferente de
pensar e de explicar o mundo” (DRIVE, et al, 1994, apud CARVALHO,
2004, p. 54), gera mudanças de atitudes e promove novos valores,
a partir de novos quadros de referência que se constituem (CHAÇAPUZ, et al, 2005). Assim este movimento de aprender, ao se tornar
mais profundo também educa, pois enriquece “a capacidade de
ação e de reflexão do ser aprendente” (MORAES, 2010, p. 41).
Acreditamos que devemos, a partir disso, propor situações
em que os estudantes reflitam sobre seus próprios conhecimentos, que são atributos fundamentais nesse processo (BIZZO, 1998),
porquanto não podemos esquecer que estamos diante de uma sociedade tecnológica, que requer usuários que saibam utilizar esses
aparatos advindos dessa era, que tem como pano de fundo a “visão
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
crítica” para saber utilizá-la com sabedoria (SAMPAIO; LEITE, 2003).
Segundo os mesmos autores (2003, p. 15), “é necessário
também preparar o professor para utilizar também pedagogicamente as tecnologias na formação de cidadãos que deverão produzir e interpretar as novas linguagens do mundo atual e futuro”.
Assim, a escola começará a dispor de professores capazes de captar, entender e utilizar na educação as novas linguagens dos meios
de comunicação eletrônicos e das tecnologias, que, cada vez mais,
tornam-se parte ativa da construção das estruturas de pensamento de seus alunos.
EDUCAR NA SOCIEDADE DIGITAL
Para assegurar sua sobrevivência numa sociedade de constantes mudanças, o ser humano precisa se adaptar a essa nova realidade, pois se percebe atravessando uma época de mudanças
radicais, desde a “Era do Capitalismo e da Nação-Estado, para uma
Sociedade de Conhecimento” (DRUKER, 2002, p. 6). Acreditamos,
portanto, que o primordial para esse momento é a inovação, que
tanto fortalece o espírito de modernidade, que serve como justificativa para o desenvolvimento ilimitado (TAJRA, 2008).
Numa sociedade globalizada, onde “a positividade ou
negatividade desse processo e da universalização são definidos, inequivocamente, pelas relações sociais” (SILVA, 1999, p.
220), a maneira como se globaliza, ou a sua direção, aponta
para a revolução da informação faz promessas sobre maravilhas e oportunidade sociais e culturais, contudo privilegiando a
uns poucos felizardos (KENWAY, 1999).
Para Barbosa (2004), essa nova configuração de sociedade
apoia-se no uso consciente das tecnologias, com aparatos que devem possibilitar que todas as pessoas possam alcançar o seu potencial pleno e, gerando inclusão, criem, recebam e compartilhem
as informações e os conhecimentos adquiridos. Segundo Valente
Capa
Sumário
135
(2002 p, 108), “esse modelo requer indivíduos criativos e com a capacidade para criticar construtivamente, aprender a aprender, trabalhar em grupos, conhecer seus próprios potenciais”, e cujo foco
seja o desejo de promover mudanças, o que perpassa da mera
transmissão da informação e instrução para a criação de ambientes de aprendizagem onde os/as aluno/as realizem atividades e
construam o seu conhecimento.
Por isso, as TIC devem ser aproveitadas pela educação para
transformar esse/a novo/a cidadão/ã em “cibercidadãos” (SILVA,
1999) que, segundo Castells (1999), não são apenas ferramentas a
serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos, “nem simplesmente montar laboratórios de computadores na escola e formar
professores para a utilização dos mesmos” (VALENTE, 2002, p. 4).
Essas ferramentas apresentam-se como meios que possibilitam que a forma de transmitir e o conteúdo transmitido possam
ser agregados e veiculados adequando-se a esta época, em que o
paradigma de espaço-tempo está passando por uma revolução sem
precedentes (BIANCHETI, 2001). Esse processo, que chamamos de
ubiquidade, pode ser compreendido como uma habilidade de comunicação a qualquer tempo e hora, por meio de dispositivos móveis, que podem propiciar práticas pedagógicas, além de desmistificar o uso das tecnologias via laboratório de informática, a imersão
na cultura contemporânea, na cibercultura, transformada por uma
nova relação com o espaço e com o tempo (SANTOS; WEBER, 2013).
Nesse contexto, Costa e Oliveira (2004) dizem que o ciberespaço traduz possibilidades de democratizar a comunicação oferecida pela Internet, já que descentraliza os aparelhos de produção
cultural, promovendo a ação de vários participantes da rede. Diante desta possibilidade emancipadora o ciberespaço apresenta-se
como um conceito em disputa, sendo entendido e conceituado
de diferentes maneiras por diferentes autores. No presente texto
o entendemos de acordo com Lemos (2008) e citado por Nobre
e Moreira (2013) como algo ligado e preso a estruturas arcaicas,
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
imaginárias e simbólicas, definindo-se como poroso e rizomático
e que funciona com uma espécie de inteligência coletiva na qual
passa passará o saber e a cultura, sendo através do mesmo que
nosso valores e padrões serão revistos e noções, tais como a de
real, virtual bem como o entendimento do coletivo passarão a ser
redefinidas. Para Tajra (2008, p. 134),
Estamos diante da Revolução Digital, revolução com
tantos atributos que chega a ser comparada com a
Revolução Industrial. Estamos diante de novos paradigmas, de novas formas de produção, de novos empregos, de novas formas de comunicação e a escola
será atingida por esta revolução binária e digital.
Contudo, é fundamental, todavia, não perder de vista que
o papel primordial da tecnologia é de servir à sociedade. Assim, “a
educação tecnológica deve promover a integração entre tecnologia e humanismo, não no sentido de valorizar a relação educação/
produção econômica, mas, principalmente, visando à formação
integral do individuo” (GRINSPUM, 2001, p. 219).
Nesse contexto, a facilidade do acesso à informação, a
universalização da cultura e a disseminação do conhecimento
colocam a necessidade constante do aprendizado, gerando a sociedade da informação, ou, ainda, do conhecimento, baseado, no
entanto, em mudanças contínuas (idem, 2001). Contudo, vale lembrar que essas estruturas midiáticas da sociedade transfiguraram-se no Panóptico de Michel Foucault, num sistema de vigilância, e
controle (LOPEZ; DITTRICH, 2012, p. 7) podendo criar cada vez, um
sistema de inclusão, ou até mesmo de exclusão de pessoas.
A METODOLOGIA WEBQUEST
A escola tem vivenciado um momento muito importante
atualmente, com o surgimento das tecnologias que, de uma for-
Capa
Sumário
137
ma ou de outra, acabam se fazendo presentes nas salas de aula.
Por isso, muito tem se falado em “inclusão digital” que, segundo
Silveira (2003) pontua, é o acesso universal ao computador interligado à Internet, como o conhecimento da linguagem básica
para poder utilizá-la. O termo inclusão não pode ser simplesmente
entendido como uma inserção, pois o mesmo, além de ser uma
novidade nas agendas das políticas públicas, trás em si “um intrincado conjunto de variáveis sociais e culturais que vão desde
princípios e ideologias até interesses e disputas por significação.”
(VEIGA-NETO; LOPES, 2007, p. 948) as quais contribuem para gerar
um grande debate na sociedade em torno de suas possibilidades
de aplicação. Para Buzato (2007, p. 74) incluir é um “processo contínuo e conflituoso, marcado pela tensão entre a homogeneização
e a proliferação da diferença, da tradição e da modernidade.”
Coutinho e Bottentuit Júnior (2007) enfatizam que o ciberespaço rompeu com a ideia de tempo próprio para a aprendizagem, cujo espaço é aqui, em qualquer lugar; o tempo de aprender
é hoje e sempre. Assim, a Internet, com sua dinamicidade e utilidade diversa, é, para muitos, um caminho contínuo e atraente para
que possam aprender a aprender e a negociar uma necessidade
básica de comunicação e informação (MATOS, 2006).
A primeira geração da Internet (COUTINHO; BOTTENTUIT,
2006), web 1.0, teve como principal atributo a grande quantidade
de informações disponíveis e a que todos podíamos aceder. Contudo, era bastante onerosa para seus utilizadores, cujo papel era o de
meros espectadores da ação. Já na web 2.0, os usuários logo podem
produzir os próprios documentos e publicá-los na rede. Com esse
avanço, seu uso está impulsionando uma nova forma de pensar, agir
e, principalmente, de se comunicar (MATOS, 2006). Percebemos, a
partir daí, uma infinidade de ferramentas, recursos e metodologias
disponíveis que utilizam esse paradigma emergente que serve de
suporte para o uso em sala, como: os Blogs, os Wikis, o Podcast, as
redes sociais (SKYPE; Messenger, Facebook, Whatssap), e a WQ.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Referenciaremos a metodologia WQ, que surgiu em 1995, na
San Diego State University (SDSU), criada pelos Professores Berne
Dodge, e seu colaborador Thomas March (BOTTENTUIT JUNIOR,
2011; BARATO, 2004). Conforme Barros (2005) é uma metodologia
que propõe criar condições para que a aprendizagem ocorra de
forma colaborativa entre os usuários, que podem ou não utilizar
os recursos da interação. A WQ está voltada para o processo educacional, com pesquisas orientadas, estimulando os alunos e seus
pensamentos críticos e a produção de materiais pelos professores
(DODGE, 1995, p. 3 op. cit. HEERDT; BRANDT, 2009).
Diversos autores, como Silva (2006); Mercado; Viana (2004);
Dodge (1999) e Santos (2012), enfatizam que a WQ pode ser uma alternativa de recurso escolar que: a) garante acesso a informações
autênticas e atualizadas; b) rompe as fronteiras da aula; c) promove
aprendizagem colaborativa; d) desenvolve habilidades cognitivas;
e) transforma ativamente as informações; e) incentiva a criatividade; f) favorece o trabalho de autoria dos professores ou dos alunos e
g) favorece o compartilhamento de saberes pedagógicos.
Segundo Dodge (1997) e Santos (2012), ela pode ser “curta” ou “longa”. A primeira pode ser realizada em uma, duas ou três
aulas, e seu objetivo é de fazer com que o aluno entre em contato
com um número grande de informações e tente integrá-las a fim de
compreendê-las. A segunda dura de uma semana a um mês e objetiva refinar e polir o conhecimento dos alunos em relação a um tema
específico. A diferença de tempo de concretização permite criá-la e
demanda menos tempo (WQ curtas) para os alunos resolverem as
tarefas, com o propósito de aperfeiçoar o saber ou de aprofundar os
conhecimentos (WQ longas), na perspectiva de que o aluno colete
muitas informações sobre o tema explorado (RIBEIRO, 2012).
Tom March (2005) argumenta que uma WQ é construída através de andaimes, que ajudarão os alunos a construírem o conhecimento. O que Dodge organizou como “Building Blocks of Webquests”
(DODGE, 1997) descreve com detalhes todos os elementos que com-
Capa
Sumário
139
põem essa metodologia, que se apresenta, em linhas gerais, como
uma página da Internet sobre determinado tema e é estruturada seguindo uma ordem lógica (COSTA; SCHIMIGUEL, 2012, p. 8).
Conforme Dodge (1997), uma WQ é composta de seis partes, consideradas como atributos fundamentais: a introdução,
que fornece informações básicas para despertar o interesse dos
alunos pelo que será vivenciando na WQ; a tarefa, que descreve o que será feito no percurso; o processo, que descreve, com
clareza, os passos a serem seguidos; os recursos, que são necessários para completar a tarefa; a avaliação, que estabelece
os critérios pelos quais o grupo vai ser avaliado, e a conclusão,
que fecha e traz uma síntese da atividade proposta.
Para entender todo o processo dos objetivos educacionais
no uso das WQ, são considerados momentos de avaliação, que
são baseados na “Taxonomia de Bloom” e explicados por Dodge
(BLOOM, 1956; COSTA; SCHIMIGUEL, 2012, p. 8), que assevera que
uma verdadeira WQ deve alcançar um nível de pensamento mais
elevado e que isso acontece a partir do nível de análise, de síntese e de decisão (DODGE, 1999). Já uma Webexercice trabalha apenas com os três primeiros níveis de conhecimento (conhecimento,
compreensão e aplicação), o que demanda repetição e memorização (COSTA; SCHIMIGUEL, 2012, p. 9 -10) (Figura 01).
Para Rocha (2007) e Bottentuit Júnior (2011), toda a WQ bem
elaborada deve explorar os níveis de aprendizagem mais elevados
do domínio cognitivo. Porém são extremamente comuns em WQ
as tarefas que não permitem ultrapassar os níveis do conhecimento e da compreensão materializados em apenas sínteses, resumos
ou simples recolha de dados. Segundo Barato (2004), a tarefa é a
alma da WQ. Para fins das análises, ressaltamos a “relação do estudante com o tema” e o “nível cognitivo da tarefa”. Outro ponto que
merece destaque são os “recursos” disponibilizados pelos professores, que precisam guiar os caminhos, os sites e os links para que
os alunos desenvolvam a atividade.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
141
Fonte: http://migre.me/kVEEv
Sua produção exige tempo, criatividade e paciência. Tempo para se adaptar às ferramentas, criatividade para criar tarefas
motivadoras, e paciência [...] “de iniciar a criação de uma WQ. O
professor deverá ter em mente dois aspectos fundamentais: planejamento e formatação” (SANTOS, 2012, p. 28). A autora (2012)
acrescenta que deve ser construída de forma que o conhecimento
pedagógico e o tecnológico andem juntos. Ela é rica em conteúdo
e pobre em design (figuras e cores), por isso acaba sendo desmotivadora. Do mesmo modo, com um bom design31 visual, mas sem
conteúdo, também deixa a desejar.
Em suma, podemos recorrer a vários suportes existentes:
uma das maneiras seria hospedá-la na Internet. Essa é uma alternativa criada pelo espanhol Antonio Temprano Sanchez, com
um programa educativo chamado PHPWebquest, em que o Personal Home Page (PHP) é uma “Página pessoal” usada para o desenvolvimento de aplicações presentes e atuantes no servidor, capaz
de gerar conteúdo dinâmico na World Wide Web, “Rede de alcance
mundial”, traduzido para o português por Ezequiel Menta, autor
do PHP, disponível no sítio EscolaBr32. Para utilizá-lo, nesse caso,
é necessário realizar um cadastro criando login33 e senha (BARROS, 2005). Os PHP são provedores que consistem na utilização
Convém lembrar que a predefinição das fontes pode trazer,
em parte, sérios prejuízos com questões tendenciosas em determinados assuntos específicos, como, por exemplo, drogas, sexualidade, aborto etc. Por isso, precisamos estar bem atentos a essas situações, que nos remetem à ordem e/ou ao controle. Franco
(2000, p. 4) enuncia que “os novos mecanismos de controle estão
sendo estabelecidos através da junção da ciência e da técnica, que
forma o saber qualificado e dominante do fim do século, a tecnociência”. Para Pimentel (2008), na sociedade onde vivemos a dominação e a representação do poder se encontram muito evidentes
através da mídia.
31
Design visual é o que atua em qualquer mídia ou suporte da comunicação visual. Trata-se de uma terminologia que abrange todas as extensas especializações existentes no design aplicado na comunicação, que se utiliza de canal visual para transmitir
mensagens, justamente porque esse termo se relacionar com o conceito de linguagem
visual de alguns meios de comunicação e não se limitar ao suporte de determinada mídia
envolvida, assim como fazem os termos design gráfico (mídia gráfica - impressos) ou design digital (mídia eletrônica - interface). Fonte: http://migre.me/jPfNp
32
Disponível: < http://migre.me/jKcf0>
33 Login - Em termos informáticos, é derivado do inglês log in. Às vezes, também
é utilizada a alternativa log on, e de forma menos comum, sign in. Define o processo através do qual o acesso a um sistema informático é controlado através da identificação e autenticação do utilizador através de credenciais fornecidas por esse mesmo utilizador.
Essas credenciais são normalmente constituídas por um nome de utilizador ou apenas
utilizador (do inglês username) e uma palavra-passe ou senha (do inglês password) - ocasionalmente, dependendo de sistemas menos complexos, apenas pedida a senha. Fonte:
http://migre.me/lgQgf
Figura 01: Níveis cognitivos da Taxonomia de Bloom
Capa
Sumário
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
de um software, sequência lógica de instruções na manipulação
de dados, que proporciona uma série de modelos pré-elaborados,
conhecidos como Templates, “modelo de documento” sem conteúdo, com apresentação visual, ou WebTemplates, “modelos de páginas”, que podem ser preenchidos com as informações que comporão o corpo da WQ.
Outra forma seria criar seu próprio Desing, esboço com elementos e textos, assim como o Template, com a utilização de editores para criar sites - os mais avançados, como o Microsoft Fronte
Page e o Adobe Dremwever - e os programas de apresentação mais
simples e usuais - Microsoft Power Point, Impress, Flash, Word etc.
Em todos esses casos, os autores criam suas páginas utilizando os
programas específicos, que, depois, podem ser enviadas para ser
disponibilizadas nos servidores (gratuitos ou pagos) que irão publicar nos sites específicos ou, ainda, disponibilizar o acesso às WQ
nos laboratórios de informática na própria escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos, portanto, que, nessa sociedade digitalizada, a
escola e o/a professor/a não estão fora desse processo, em que a
informação se transforma constantemente, e precisamos estar com
um olhar mais atento ao cenário educacional. Nesse sentido, ler e
decodificar as informações que estão dispostas na rede são ações
requeridas nessa nova era digital e de velocidade tanto na troca
quanto no acesso a novas informações, e não podemos continuar
ingênuos quanto ao que queremos e como queremos ensinar.
Nesse sentido, acreditamos que os/as professores/as têm
um papel extraordinário em saber utilizar pedagogicamente essas
ferramentas em favor dos/as novos/as cidadãos/ãs do mundo atual. Eles/as são os/as protagonistas desse processo que se realiza
hoje, tanto dentro quanto fora da escola. Estamos nos referindo às
questões epistemológicas, que exigem quebras de paradigmas e
Capa
Sumário
143
caminham a partir do status quo, promovendo uma educação plural, democrática e tecnologicamente avançada, que vai além dos
recursos e das metodologias.
A noção de que a escola e seus atores - os/as professores/
as - precisam passar pelo crivo das formações e das atualizações
constantes é uma necessidade iminente, pois a demanda é outra,
o público é outro, mas os mecanismos continuam os mesmos. Os/
as estudantes não suportam mais as salas de aula enfileiradas, os
livros didáticos com conteúdos extensos, com atividades descontextualizadas de sua realidade e professores/as despreparados/as
para atender a essa nova clientela, que não aprende mais apenas
na escola, mas que já ingressa nela com suas inquietações e informações adquiridas na rede mundial de informações - a Internet.
Precisamos, no entanto, atentar para o fato de que os/as professores/as ainda sentem muitas dificuldades de produzir material
de autoria para ilustrar suas práticas, pois, para elaborar uma WQ, é
preciso muito tempo e certa dedicação, além de habilidade com as
ferramentas tecnológicas e os programas e disponibilidade de acesso aos laboratórios de informática nas escolas, cuja maioria está sucateada e sem a infraestrutura necessária. Some-se a isso o fato de,
não raras vezes, não receberem apoio da Gestão escolar.
Por fim, entendemos que é preciso criar novas possibilidades de o/a usuário/a colaborar de forma mais autônoma e uma
proposta como a Flexquest, que sugere um novo olhar para essa
metodologia, porque garante que podem ser lançados novos desafios, a partir das WQ já existentes na rede, pois, como sabemos,
tais WQ, muitas vezes, não atingem o nível desejado, e essa é uma
grande oportunidade de avançarmos nessa discussão. Convém
mencionar que esse conceito de reciclagem digital está atrelado
aos conceitos advindos da Web 3.0.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
145
REFERÊNCIAS
2, Novembro, 2005.
BARATO, J. N. A alma da Webquest. Portal Educacional das Webquest
em Língua Portuguesa. 2004. Disponível em: < http://migre.me/jqaE3. >
BUZATO, M. EL K. Multimodalidade e práticas digitais: o papel dos
objetos fronteiriços. 2º Simpósio Hipertexto e Tecnologias na Educação
- Multimodalidade e Ensino. 1. ed. Anais Eletrônicos. Universidade
Federal de Pernambuco. Disponível em < http://migre.me/lgOrR>
Acesso em: 20 ago. 2014.
Acesso em: 24 fev. 2013.
BARROS, G. C. Webquest: Metodologia que ultrapassa os limites do
ciberespaço. Paraná/Brasil. Nov. 2005 Disponível em < http://migre.me/
jqaAY > Acesso em: 22 fev. 2013.
BIANCHETTI, L. Da chave de fenda ao laptop Tecnologia digital e
novas qualificações: desafios à educação. Petrópolis: Vozes, 2001.
BIZZO, N. Ciências: fácil ou difícil? São Paulo/SP: Ática, 1998.
BOTTENTUIT JUNIOR, J. B. Concepção, Avaliação e Dinamização de
um Portal Educacional de Webquest em Língua Portuguesa. Tese
(Doutorado em Ciências da Educação, Área de Conhecimento em
Tecnologia Educativa). Instituto de Educação, Universidade do Minho,
Braga, 2011.
BOTTENTUIT JUNIOR, J. B.; ALEXANDRE, D.; COUTINHO, C. P. M-learning
e Webquests: as novas tecnologias como recurso pedagógico. Revista
Educação & Tecnologia, Belo Horizonte: Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais, v. 11, pp. 55-61. 2006.
BOTTENTUIT JUNIOR, J. B.; COUTINHO, C. P. Indicadores de qualidade
para avaliação de webquest: algumas recomendações. IV ENCONTRO
NACIONAL DE HIPERTEXTO E TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS Universidade de Sorocaba. Set/2011.
BLOOM, B. Taxonomy Of Educational Objectives: The Classification
Of. Educational Goals. Handbook I: Cognitive Domain. New York:
Longman, 1956.
BRITO, E. POVOAS, P.; DANDOLIN, G. A. A metáfora do rizoma:
contribuições para uma educação apoiada em comunicações e
informática. Novas Tecnologias na Educação - CINTED-UFRGS. v.3, n.
Capa
Sumário
CACHAPUZ, A.; et al. A necessária renovação do ensino das ciências.
São Paulo: Cortez. 2005
CARVALHO, A. M. P. (org.) Ensino de Ciências: Unindo a pesquisa e a
prática. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2004.
CASTELLS, M. A sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. (A era
da Informação: economia, sociedade e cultura: v 1).
COUTINHO, C. P.; BOTTENTUIT JUNIOR, J. B. Blog e Wiki: Os futuros
professores e as ferramentas da Web 2.0. 9. SIMPÓSIO INTERNACIONAL
DE INFORMÁTICA EDUCATIVA (SIIE 2007), 2007, Porto. Actas... Porto Portugal: Instituto Politécnico do Porto, 2007. p. 199-204.
COSTA, C. H. J.; SCHIMIGUEL, J. Uso de novas tecnologias na educação
matemática: o professor e a webquest. ENCONTRO DE PRODUÇÃO
DISCENTE PUCSP . Anais... /Cruzeiro do Sul. São Paulo. p. 1-16. 2012.
COSTA. J. W.; OLIVEIRA, M. A. (org.) Novas linguagens e novas
tecnologias: educação e sociabilidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
DODGE, B. “Some Thoughts About Webquests”. 1997. Disponível
em: < http://migre.me/juW1I > Acesso em: 25 de jun. 2013.
_______. Building blocks of a webquest. Disponível em: http://migre.
me/juW41 1997. Acesso em: 20 jun. 2013.
_______. Process Checklist. Disponível em: http://migre.me/juW7f.
1999. Acesso em: 12 jan. 2013.
DELIZOICOV, D. et al. Ensino de Ciências: fundamentos e métodos. São
Paulo: Cortez, 2002. (coleção Docência em Formação).
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
147
DRUKER, P. F. Post-capitalist society. A sociedade pós-capitalista. São
Paulo: Pioneira Thomson Learning. 2002.
MERCADO, L. P. L.; VIANA, M. A. P. Projetos utilizando internet: A
Metodologia Webquest na prática. Maceió: Gráfica Marista, 2004.
DUARTE, A. Foucault e as novas figuras da biopolítica: o fascismo
contemporâneo. In. RAGO, Margareth e VEIGA-NETO, Alfredo. Para uma
vida não-fascista. Belo Horizonte, Autêntica, 2009.
MORAES, M. C. Ambientes de aprendizagem como expressão de
convivência e transformação. In: MORAES, M. C.; NAVAS, J. M. B.
Complexidade e transdiciplinaridade em Educação. Rio de Janeiro,
Wak Editora, 2010
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 40. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes. 2012.
__________. Crise da medicina ou crise da antimedicina. Verve, v. 18,
p. 167-194, 2010.
FRANCO, M. A. Informática e poder: uma leitura de Foucault. Revista
Infotec. Informática na educação n. 09 (junho/2000) Disponível em <
http://migre.me/juWez > Acesso em: 15 jul. 2013.
_________. Paradigma educacional emergente. 6. ed., Campinas, SP:
Papirus, 2000.
NOBRE, M. R.; MOREIRA, J. de O. A fantasia do ciberespaço: a
disponibilização de múltiplos roteiros virtuais para a subjetividade.
Ágora (Rio de Janeiro) v. XVI n. 2 jul/dez 2013 283-298. Disponível em <
http://migre.me/lcsy5> Acesso em: 20 ago. 2014.
GRINSPUN, M. P. S. (Org.). Educação Tecnológica: desafios e
perspectivas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
PIMENTEL, F. P. Discurso e mídia: o poder da ideologia na formação de
identidades. 1. JORNADA INTERNACIONAL DE ESTUDOS DO DISCURSO.
2008, Disponível em < http://migre.me/jqbSM > Acesso em: 20 out. 2013.
HEERDT, B.; BRANDT, C. F. Interações e mediações possibilitadas pelas
Webquests. 9. ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. 3. ENCONTRO SUL
BRASILEIRO DE PSICOPEDAGOGIA. PUCPR. 2009. Disponível em < http://
migre.me/jmkSy > Acesso em: 20 jun. 2013.
RIBEIRO, E. E. .S. S. A webquest no 1º ciclo do Ensino Básico: um
estudo de caso com alunos do 4º ano de escolaridade. Dissertação
(Mestrado em Educação) Universidade do Minho. 2012.
LOPEZ, D. C.; DITTRICH, I. J. A mídia brasileira e a noção de poder em
Foucault. Disponível em <http://migre.me/jmkWI> Acesso em: 24 jan.
2014.
ROCHA, L. R. A concepção de pesquisa no cotidiano escolar:
possibilidades de utilização da Metodologia Webquest na Educação
pela pesquisa. Dissertação (Mestrado em Educação). Curitiba,
Universidade Federal do Paraná. 2007.
KENWAY, J. Educando cibercidadãos que sejam “ligados” e críticos.
In: SILVA, Luiz Heron da (org). A Escola Cidadã no Contexto da
Globalização. Petrópolis, Rj: Vozes, 1999
SAMPAIO, M. N.; LEITE, L. S. Alfabetização tecnológica do professor.
10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
MATOS, M. M. Egressos de inclusão digital: estudo avaliativo 117f.
Dissertação (Mestrado em Educação), Fortaleza: UFC/FACED, 2006.
MARCH, T. Why webquests? An introduction. 1998. Disponível em:
<http://
www.ozline.com/webquests/intro.html >. Acesso em: 20 jun. 2013.
Capa
Sumário
SANTOS, C. G. Webquest no Ensino e aprendizagem do inglês.
Universidade Católica de Pelotas. Dissertação de Mestrado. Pelotas/ RS.
2012.
SANTOS, E.; WEBER, A. Educação e cibercultura: aprendizagem ubíqua
no currículo da disciplina Didática. Ver Diálogo Educ., Curitiba, v. 13, nº
38, p. 285-303, jan/abr. 2013. Disponível em < http://migre.me/jqbYB >
Acesso em: 12 maio 2014.
149
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
SANTOS, G. L. Ciência, tecnologia e formação de professores para o
ensino fundamental. Brasília: Editora Universitária de Brasília. 2005.
108p.
SILVA, L. H. (Org.) A escola cidadã no contexto da globalização. 3. ed.
Petrópolis: Vozes. 1999.
SEÇÃO II
SAÚDE, SEXUALIDADE, CORPOREIDADE
E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
SILVA, M. A. S. M. Sobre a análise do discurso. FATEC. Ourinhos. SP.
Revista de Psicologia da UNESP, v. 4, n. 1, 2005. Disponível em: <
http://migre.me/jqc0T > Acesso em: 14 abr. 2014.
SILVEIRA, S. A. Exclusão digital: a miséria na era da informação. São
Paulo: Fundação Perseu Abrano, 2003.
TOMAZETTI, E. M. Sobre ensino, aprendizagem e resistência na aula
de Filosofia do Ensino Médio. Revista Sul-Americana de Filosofia da
Educação – RESAFE Número 13: novembro/2009 – abril/2010 Disponível
em < http://migre.me/lh8rN> Acesso em: 20 ago. 2014.
VALENTE, J. A. (Org.). O computador na sociedade do conhecimento.
Campinas: Nied, 2002. 156 p.
VEIGA-NETO, A. Inclusão e Governabilidade. Educ. Soc., Campinas, v.
28, n. 100 - Especial, p. 947-963, out. 2007 Disponível em: < http://migre.
me/lgOGa> Acesso em: 01 ago. 2013.
(34)
34 Fonte: xilogravura Disponivel em: <http://www.substantivoplural.com.br/wp-
Capa
Sumário
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
CAPÍTULO 06
CONSCIÊNCIA DO CORPO À CONSCIÊNCIA DO MUNDO:
ALEXANDER LOWEN E PAULO FREIRE
Diane Ferraz Lopes da Rocha35
Djavan Antério36
Luiz Gonzaga Gonçalves37
Pierre Normando Gomes da Silva38
INTRODUÇÃO
Este trabalho analisa as aproximações teórico-metodológicas de Alexander Lowen e de Paulo Freire, no que tange a um conceito tratado por eles em suas obras, a consciência. Esse conceito
será analisado na teoria psicocorporal de Lowen, a bioenergética;
e na teoria pedagógica de Freire, em sua concepção de educação
libertadora, no intuito de responder como a teoria psicocorporal,
de Lowen, no âmbito terapêutico, no que concerne à categoria
consciência, em aproximação à teoria pedagógica de Freire instiga-nos a refletir sobre aspectos da educação que contemplem o
-content/uploads/2012/03/borges.jpg > Acesso em: 09 out. 2014
35
Profª de Educação Física da EMEF Joaquim Braz Pereira, Mestra em Educação
pela UFPB, [email protected]
36
Profº do Departamento de Educação Física (DEF/UFPB), Doutorando em Educação pela UFPB, [email protected]
37
Profº da Universidade Federal da Paraíba, Pós-doutor em Educação pela UNISINOS, [email protected]
38
Profº do Departamento de Educação Física da UFPB e profº no Programa de
Pós-Graduação em Educação Física Associado UPE/UFPB, doutor em Educação pela
UFRN, [email protected]
Capa
Sumário
151
entrecruzamento de homem e sociedade e suas possibilidades de
busca de vida, de movimento e de autocriação de si e de relações
comprometidas, inclusive, com o outro, aqui entendido, holisticamente, elementos essenciais para qualidade educacional.
Inicialmente, listaremos o resultado de uma busca de artigos, dissertações e teses, efetivada a respeito de discussões em
torno da temática sobre diálogos de Paulo Freire com outros teóricos. O recorte usado para a busca foi o acervo das revistas Temas
em Educação da UFPB (1991 a 2007), assim como, o acervo da revista Educação em Questão UFRN (1987 a 2011). As teses e dissertações foram pesquisadas através do banco de dados do PPGE da
UFPB e PPGEd da UFRN. A partir desse procedimento, obtivemos 4
artigos em revista, uma dissertação e uma tese (Quadros 01 e 02).
153
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Quadro 01. Artigos diálogo teórico entre Paulo Freire e outros autores
Autor
ARAGÃO, Ana;
NAVARRO,
Almira
BRENNAND,
Edna;
MEDEIROS,
José.
CAMINHA,
Iraquitan
NASCIMENTO,
Robéria
Ano
Periódico/
Volume/
Número/
Páginas
2004
Educação
em
questão,
volume
19, nº 5, p.
108-118
2005
Temas em
Educação,
volume 14,
nº 01, p.
13-22
2005
2006
Temas em
Educação,
volume 14,
nº 02, p.
11-22
Temas em
Educação,
volume 15,
nº 02, p.
53-66
Universidade
UFRN
UFPB
UFPB
UFPB
Palavras-Chave
Título
Diálogo. Bohm.
Freire e Bakhtin.
Profissionalização
Diálogos
em diálogo:
David Bohm,
Paulo Freire
e Mikhail
Bakhtin
Educação
popular. Diálogo.
Ciberespaço.
Paulo Freire
e Pierre Lévy:
Construindo
nós sobre
a educação
popular e o
ciberespaço.
Educação.
Liberdade.
Moralidade.
Cidadania.
A liberdade
como
princípio
educativo
das reflexões
pedagógicas,
de Immanuel
Kant e Paulo
Freire.
Paulo Freire.
Edgar Morin.
Educação.
Diálogo.
Complexidade.
Da educação
como prática
da liberdade à
inteligência da
complexidade:
Diálogo de
saberes entre
Freire e Morin.
Fonte: Dissertação Mestrado: Diane Ferraz Lopes da Rocha, Grounding em
aulas de Educação Física Escolar: uma análise pela bioenergética,
PPGE, 2014
Capa
Sumário
Quadro 02. Dissertações e Teses
Autor
RUFINO,
Maria
Guedes,
Edson
Ano
1985
2007
Banco de
dados
Palavras-chave
Título
Dissertação/
UFPB
Carl Rogers.
Paulo Freire.
Educação de
adultos.
Carl R. Rogers
e Paulo Freire:
Aspectos
semelhantes e
complementares
que favorecem
a compreensão
da educação de
adultos.
Teses/UFPB
Metaarqueologia.
Alteridade.
Diálogo. Ética.
Filosofia da
Educação.
Emmanuel
Lévinas.
Paulo Freire.
Educação e
Alteridade: Uma
meta-arqueologia
da educação a
partir de Emmanuel
Lévinas e Paulo
Freire.
Fonte: Dissertação Mestrado: Diane Ferraz Lopes da Rocha, Grounding em
aulas de Educação Física Escolar: uma análise pela bioenergética,
PPGE, 2014
Os trabalhos aqui listados evidenciaram que os autores discutiram categorias como diálogo, liberdade, alteridade, respeito,
responsabilidade, complexidade, entre outras.
Nosso trabalho tratará da categoria consciência, entendendo que a mesma perpassa outras muitas que viéssemos a tratar,
sendo elemento essencial para a reflexão na educação e na valorização do desenvolvimento da tomada de consciência e, consequentemente, do desenvolvimento de seres humanos mais livres
e seguros para o diálogo no sentido freireano. Segundo Guedes
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
(2007, p. 31), “o diálogo, na pedagogia freireana, não é simplesmente uma troca de ideias, conhecimentos e projetos, mas, antes
de tudo, um compromisso com o outro e mais especificamente,
com o outro ‘oprimido’, vulnerável humana, sócio e politicamente”. Sendo o diálogo, o caminho para a construção da problematização e da conscientização.
O critério para a escolha das obras em que seria analisada a
categoria em questão foi a que melhor respondesse como os autores concebem a consciência e que caminhos eles estabelecem para
essa tomada de consciência. No caso de Freire, dentro das obras
estudadas na disciplina História da Educação Brasileira, no PPGE
da UFPB, optamos por: Conscientização, Educação como prática
da liberdade, Pedagogia da autonomia e Pedagogia do oprimido.
Quanto às obras de Lowen, decidimos por: Bioenergética, Alegria,
O corpo em depressão, O corpo em Terapia, O corpo traído, Prazer e
Uma vida para o corpo, sendo a última, sua autobiografia.
Antes de nos debruçarmos nos dois autores aqui tratados,
em relação à categoria consciência, faremos uma breve apresentação dos mesmos, no intuito de desvelar um pouco a trajetória dos
autores e proporcionar um entendimento da teia de formação de
suas teorias e práticas.
ALEXANDER LOWEN E PAULO FREIRE: BREVE BIOGRAFIA
De acordo com a autobiografia Uma vida para o corpo
(2007), de Alexander Lowen, o psicanalista nasceu em Nova York,
em 23 de dezembro de 1910 e morreu em 28 de outubro de 2008,
aos 97 anos. Era filho de pais judeus russos, emigrados. Passou a
infância brincando nas ruas do Harlem, EUA, lendo na biblioteca
pública e atravessou a adolescência, jogando handebol e basquete. Segundo ele, movimentar-se fisicamente compensava a ausência de uma vida afetiva familiar satisfatória. No decorrer de sua
vida, costumava praticar tênis, esqui, gostava de dançar e velejar,
Capa
Sumário
155
assim como, realizar os exercícios bioenergéticos criados por ele.
Obteve formação acadêmica como bacharel em Ciências, Economia e Direito. Era doutor em Ciências Jurídicas e Medicina, tendo
cursado o primeiro ano deste último curso nos EUA e se mudado
para a Europa, em 1947, para continuar a formação em Medicina,
na cidade de Genebra, Suíça.
Quando jovem, assumiu diversas funções para sobreviver.
Contudo, nutria o desejo de escrever sobre o valor dos exercícios
para a condição mental e física, mas queria mais subsídios sobre
a dinâmica da cisão mente-corpo. Nesse ínterim, tomou conhecimento sobre um curso de análise de caráter, que tratava da relação corpo-mente como antítese e identidade. Aos trinta e poucos
anos, estudou e fez terapia com o Dr. Wilhelm Reich. Alguns anos
depois, quando desenvolveu a teoria bioenergética, continuou
com os princípios defendidos por Reich de couraças musculares,
energia e as ligações dessas com os distúrbios psicológicos e o caráter; contudo, desenvolveu sua própria classificação de caracteres e os exercícios bioenergéticos.
Durante sua terapia com Reich, sentiu a capacidade do corpo de se mover involuntariamente, liberar tensões e sentir o fluxo
de excitação e alegria. A partir daí, começou a desafiar seu próprio
ser predominantemente mental, entrando em contato com o seu
corpo. Em 1945, Reich encaminhou o primeiro paciente a Lowen e
ele atuou como terapeuta reichiano por dois anos, antes de ir para
Europa estudar Medicina.
Em 1953, Lowen conheceu o Dr. John Pierrakos,, com quem
dividiu um consultório por algum tempo. Foi nessa época que a
bioenergética foi criada e em 1956, em Nova York, foi produzido,
por Lowen e Pierrakos, o Instituto Internacional de Análise Bioenergética, IIAB, no intuito de alicerçar e promover a sua abordagem terapêutica. A parceria dos dois durou quase vinte anos; divulgaram a bioenergética, através do Instituto e dos workshops
e palestras que organizavam pelo mundo. “O Instituto tem hoje
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
mais de 1.500 membros, além de 54 Institutos de treinamento no
mundo todo [...] a análise bioenergética é praticada atualmente
nos Estados Unidos, Canadá, Europa, América Latina, Israel, Nova
Zelândia, Austrália, Japão, entre outros” (LOWEN, 2007, p. 13).
Na década de 70, houve alguns conflitos, uma vez
que Lowen acreditava que os princípios que defendia estavam sendo desvirtuados por alguns terapeutas bioenergéticos. O psicanalista defendeu que a prática dos exercícios bioenergéticos deveria
fazer parte do processo terapêutico; devendo, também, fazer parte da rotina do terapeuta bioenergético. Sempre acreditou “que o
problema psicológico estava subordinado ao problema físico, que
os problemas energéticos determinavam os processos psicológicos, e não o contrário” (LOWEN, 2007, p.244). Em 1996, renunciou
ao cargo de diretor-executivo do Instituto, porém, continuou com
o seu trabalho como terapeuta bioenergético e manteve alguns
workshops no Instituto.
Ao longo de sua vida, Lowen escreveu os seguintes livros: O
corpo em Terapia: a abordagem bioenergética (1958); Amor e orgasmo (1965); O corpo traído (1967); Prazer (1970); O corpo em depressão (1972); Bioenergética (1975); Exercícios de bioenergética
(1977); Medo da vida (1980); O narcisismo (1983); Amor, sexo e seu
coração (1988); A espiritualidade do corpo (1990); Alegria (1995) e
Uma vida para o corpo (2007). Defendeu em todo o seu trabalho, o
desafio de explorar a cisão, a distância entre corpo e mente, tentando diminui-la. Em sua autobiografia, “Uma vida para o corpo”,
Lowen coloca, “sempre acreditei que o conhecimento oferecido
pela bioenergética deveria ser de livre acesso, para ajudar as pessoas a encontrar respostas para seus conflitos” (LOWEN, 2007, p.
143). Foi esse pensamento que o moveu durante sua vida, como
defensor da abordagem desenvolvida por ele. Assim como Lowen,
Freire também acreditou que as pessoas poderiam encontrar respostas para seus conflitos e ultrapassá-los, responsabilizando-se
por uma vida mais justa e feliz.
Capa
Sumário
157
Segundo Beisiegel (1999), Paulo Reglus Neves Freire nasceu em Recife, em 19 de setembro de 1921e faleceu com 75 anos,
em São Paulo, em 02 de maio de 1997. Foi professor de Português
no Colégio Oswaldo Cruz, em Recife. Diplomou-se em Direito em
1946, em Recife, porém, desistiu, logo em seguida, da prática da
advocacia. Em 1947, ingressou como Diretor do setor de Educação
e Cultura do SESI de Pernambuco e em 1954 passou a ser superintendente da instituição até 1957. Foi professor de Filosofia da Educação, na antiga Escola de Serviço Social do Recife e, em 1960, foi
nomeado para o cargo de professor efetivo de Filosofia e História
da Educação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Recife, hoje, Universidade Federal de Pernambuco.
A partir de 1960, Freire participou de alguns movimentos
ligados à Cultura Popular e criou o Método Paulo Freire de alfabetização de adultos, onde a conscientização era o objetivo fundamental do processo. Através do diálogo, utilizava-se da problematização da existência, no intuito da tomada de consciência da
realidade. Entre 1962 e 1963, o Serviço de Extensão Cultural, SEC,
orientou e colaborou na coordenação dos trabalhos de alfabetização realizados na Paraíba, em São Paulo e no Rio Grande do Norte;
nesse último estado, aconteceu a experiência de Angicos, que propiciou a divulgação do método por todo o Brasil e no exterior.
A relação de Freire com a cultura popular foi sendo construída desde o seu ingresso no SESI, em 1947; a partir daí, e depois
com o magistério superior, suas elaborações foram configurando o
método que era vivido nos círculos de cultura, como eram chamadas as classes. O objetivo principal desse trabalho era a conscientização das determinações das condições de vida da população,
para desenvolver a capacidade de leitura do mundo, a fim de que
houvesse a participação política das massas.
Nessa época, a educação popular brasileira caminhava
para o sentido de educação do povo, pelo povo e para o povo, diferenciando-se, assim, da fase anterior em que as elites ditavam
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
a educação para o povo, no sentido de dominá-lo. Na época em
que o trabalho de conscientização se efetivou no Brasil, década de
60, o país vivia internamente a reprodução dos conflitos externos
da guerra fria. Por acreditar que o homem é capaz de transcender
a sua situação pela participação política, a educação e a política
caminhavam juntas no método de Freire.
Beisiegel (1999, p. 895), no Dicionário de Educadores no
Brasil, fala que o mesmo,
Compreendia o homem como um ser de relações,
ontologicamente limitado e ao mesmo tempo aberto para o mundo, e também situado, datado, marcado pela sua circunstância, mas capaz de transcender
os seus condicionamentos e de interferir criadoramente nessas condições de existência [...] Somente
a formação e o desenvolvimento de uma consciência capaz de apreender criticamente as características dessa particular realidade possibilitariam a sua
ação livre e criadora.
Dessa forma, Freire acreditava que o homem, para ser capaz de intervir em sua realidade, precisava ter uma consciência
crítica. E foi em prol do desenvolvimento de tal consciência que
a sua ação educativa se pautou, para, daí, atingir a alfabetização
e a participação nas transformações sociais. Com o golpe militar
de 1964, tanto Freire quanto o método por ele desenvolvido foram
duramente combatidos. Após a prisão, em setembro de 1964, exilou-se do país. Ficou pouco tempo na Bolívia e logo, se radicou no
Chile, onde permaneceu até 1969.
Em Santiago, escreveu seu livro Educação como prática da
Liberdade, em 1965; criou vínculo com o Instituto de Pesquisa e
Treinamento em Reforma Agrária (Icira); trabalhou no Escritório
Especial para a Educação de Adultos; ensinou na Universidade Católica e foi consultor do escritório regional da Unesco. Em 1968,
concluiu seu livro, Pedagogia do Oprimido.
Capa
Sumário
159
Em 1969, tendo sido convidado para ser professor da Universidade de Harvard, transferiu-se para os Estados Unidos. Logo
depois, foi para Genebra e em 1970, assumiu a função de Consultor
Especial do Departamento de Educação do Conselho Mundial das
Igrejas, prestando assistência às atividades educacionais na América, na Ásia e na África. Quando ainda estava em Genebra, colaborou com educadores brasileiros na criação do Instituto de Ação
Cultural (Idac), tornando-se seu presidente.
Em 1979, retornou ao Brasil e em 1980 fixou-se em São Paulo,
lecionando na Pontifícia Universidade Católica e na Unicamp. Ainda
em 1980, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores. Entre 1989 e 1991, foi Secretário de Educação do Município de São Paulo e em 1991, foi professor convidado da Universidade de São Paulo.
Durante a sua vida, Freire escreveu as seguintes obras:
Educação e atualidade brasileira (1959); Educação como prática
da liberdade (1965); Educação e conscientização: extensionismo
rural (1968); Acción cultural para La libertad (1968); Extensión o
comunicación? La concientización em El médio rural (1969); Pedagogia do Oprimido (1968); Las Iglesias, La educación y El processo
de liberación humana em La Historia (1974); Ação cultural para a
liberdade e outros escritos (1976); Educación y cambio (1976); Cartas à Guiné-Bissau (1977); Ideologia e educação: reflexões sobre a
não neutralidade da educação (1981); A importância do ato de ler
(1982); A educação na cidade (1991); Pedagogia da Esperança: Um
reencontro com a Pedagogia do Oprimido (1992); Professora sim,
tia não: Cartas a quem ousa ensinar (1993); Política e Educação:
ensaios (1993); Cartas a Cristina (1994); Pedagogia da Autonomia
(1997) e Pedagogia da Indignação ( 2000), este último livro, Freire
não teve tempo de terminar e foi publicado após a sua morte, tendo sido organizado e publicado por Ana Maria Freire.
Freire despertou nas pessoas a crença de que era possível haver mudanças. Seu fio condutor sempre foi a generosidade, o altruísmo e o respeito. Durante toda a sua vida, dedicou-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
-se à causa da educação e da escola pública, através dos cargos
que exerceu, da postura pessoal que assumiu, de suas falas em
aulas, conversas, entrevistas, palestras, conferências, seminários, congressos, debates e publicações.
O compromisso com um mundo diferente, com mais qualidade, existiu tanto no pensamento e prática de Freire quanto de Lowen.
Ambos foram contemporâneos, viveram em sistemas capitalistas e
cada um, ao seu modo, defendeu um modo de vida mais humano,
mais justo, mais livre e digno, sempre acreditando que as pessoas
podem superar as suas dificuldades e serem donas de seus destinos.
Luta essa, que se dava em várias frentes: Freire na educação, na política, no âmbito sócio-cultural e Lowen, na terapêutica psicocorporal,
na educação através de suas formulações teóricas, suas falas em palestras, cursos, atingindo também a esfera sócio-cultural.
CRÍTICA À SOCIEDADE
Para pensar nas articulações entre o pensamento de Lowen
e de Paulo Freire, é interessante refletirmos antes, em que base estamos apoiados, em que sociedade nos encontramos.
O natural do ser humano seria procurar o prazer, porém em
nossa sociedade capitalista há uma obsessão pela obtenção de
sucesso e poder, no intuito de que o sucesso seja o diferencial da
multidão. Iniciando-se na família e dando continuidade com a entrada na escola, nossa vida gira em torno de sucessos e fracassos
de metas. Segundo Lowen (1984, p. 73),
Desde o momento em que entramos na escola, nossa
vida pública é marcada pela contagem dos sucessos
e dos fracassos. O progresso na escola é representado
pelas sucessivas consecuções de metas, o que mais
tarde se transforma em padrão para a vida adulta.
Capa
Sumário
161
Nossa lógica é valorizar as realizações, não as qualidades
pessoais do indivíduo, e o sucesso acontece, muitas vezes, com a
ausência das virtudes pessoais.
Esses valores são aceitos em nossa sociedade de massa
como naturais. O indivíduo de massa é aquele que aceita tais valores e vai perdendo a noção de si mesmo. Lowen, em seu livro
Prazer, salienta que nesse comportamento neurótico, há uma diminuição do senso de self, o qual, por sua vez, implica numa diminuição da sensação de identidade, numa percepção reduzida
da própria individualidade, numa redução da auto-expressão e
numa capacidade diminuída para o prazer. O sistema, outrossim,
oferece oportunidades para alguns indivíduos subirem ao alto da
hierarquia do poder, estando, assim, em condições de manipular
quem se encontra nas escalas de baixo. Os indivíduos que estão
no poder, na sua grande maioria, usando um termo colocado por
Fromm, são indivíduos necrófilos,
El indivíduo necrófilo ama todo lo que no crece, todo
lo que es mecánico. La persona necrófila es movida
por um deseo de convertir lo orgânico em inorgânico,
de mirar la vida mecánicamente, como si todas las
personas vivientes fuezen cosas. Todos los procesos,
sentimientos y pensamientos de vida se transforman
em cosas (FROMM 1963 apud FREIRE, 1970, p. 74)
Paulo Freire, em seu livro Educação como prática da liberdade, faz uma análise dessas questões em relação a nossa sociedade
brasileira, foi colonizada com o intuito da exploração comercial da
terra. “O Brasil nasceu e cresceu sem experiência de diálogo. De
cabeça baixa, com receio da Coroa. Sem imprensa. Sem relações.
Sem escolas. ‘Doente’. Sem fala autêntica” (FREIRE, 1967, p. 67).
Essas foram as primeiras condições culturológicas em que da formação do homem, dando origem a uma cultura do mandonismo,
da dependência, do protecionismo, do paternalismo e do silêncio.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Assim, toda a nossa vida, privada e pública, está à mercê
do poder externo, que vai desde os senhores das terras, passando
pelo poder político de todas as épocas, pelos fiscais da Coroa, no
Brasil Colônia; pelo poder Central, no Brasil Império; pelo regime
escravocrata; pelo poder capital; pela supremacia da cultura europeia e, posteriormente, da cultura dos EUA; pelos poderes patriarcais que também reinam nos lares; entre outros tantos poderes,
como explicitado por ele: “O que estas circunstâncias propiciavam
ao povo era a introdução desta autoridade externa, dominadora; e
a criação de uma consciência hospedeira da opressão e não uma
consciência livre e criadora” (FREIRE, 1967, p. 67).
E a realidade educacional está inserida nesse contexto: a
problemática da necessidade de se viver a democracia na escola
para podermos pretender que ela seja incorporada, levou Freire a
realizar uma crítica à educação brasileira, ao formalismo mecanicista das práticas de alfabetização de adultos, além disso, ele alertava para o fato do neoliberalismo fazer com que o homem perca
a sua capacidade de sonhar com outras possibilidades. A crítica às
injustiças, ao exercício do poder na sociedade e ao modelo de educação adotado pela mesma, foi um dos pontos em comum entre
Lowen e Freire. Perpassa por toda a produção deles, a insatisfação
em relação ao funcionamento da sociedade e da educação, e que
consequências são advindas desse descontentamento.
Freire destacou-se com sua teoria e prática pedagógica e Lowen, além de sua prática voltada para a área terapêutica, em suas
elaborações teóricas, não perde de vista um conjunto de ideias que
se insere na busca de uma educação com espaço para a autorregulação, posicionando-se avesso a propostas educacionais autoritárias,
com exagero de intervenção e defendendo medidas educacionais/
terapêuticas. Tais medidas visam não só à dimensão cognitiva do
ser humano, mas também a outras dimensões, como por exemplo,
a psicológica e a sociocultural. Enxergar e tratar esses e outros problemas constitui o escopo dos referidos autores, evitando-se, desta
Capa
Sumário
163
forma, ignorá-los, no intuito da libertação do homem de suas limitações, a partir da consciência dessas limitações.
Passemos agora a analisar, acuradamente, o processo de
formação do corpo consciente para Freire e Lowen.
DA CONSCIÊNCIA DO CORPO À CONSCIÊNCIA DO MUNDO
A consciência, para Freire e Lowen, é a capacidade que o
homem tem de compreender e conceituar suas ações, estabelecendo conexões entre tais ações e os dados observados, nele próprio, no outro e no mundo. Tal processo realiza-se de forma mais
apurada, à medida que o homem consegue estar integrado consigo mesmo e com o mundo, através de várias espécies de diálogos,
orais, energéticos, sensitivos, cognitivos etc.
A abordagem humanista Bioenergética de Alexander Lowen trabalha, entre outros aspectos, em prol da ampliação da tomada de consciência de si e do mundo, utilizando-se de técnicas
corporais para a expansão da consciência.
O organismo do homem é representado por um círculo por
Lowen, em suas obras. Os impulsos originados no centro, na qualidade de energia pulsátil, fluem para fora como ondas, no sentido
centro → periferia, em interação com o meio ambiente. Ao mesmo
tempo, os estímulos do mundo exterior incidem sobre o organismo, que responderá a muitos deles.
Na medida em que a pessoa tem a consciência
de sua individualidade, tem igualmente a consciência de que as ações de respostas espontâneas
afetam o mundo e as pessoas que o habitam de
modo causal, podendo então assumir a responsabilidade por seus atos [...] Esta situação normal é
perturbada quando o homem se encouraça¹, segundo a descrição de Reich (LOWEN, 1982, p. 269).
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
A couraça faz com que haja uma divisão na unidade do organismo e na unidade de seu relacionamento com o mundo. O indivíduo tem sentimentos internos e reações externas, um mundo
interior e um mundo exterior, estando impossibilitado de estar nos
dois, ao mesmo tempo. De acordo com Lowen, tanto o mecanicismo quanto o misticismo, são resultantes do encouraçamento. O
mecanicista perdeu o contato com o seu centro. O mundo exterior
determina suas reações e suas energias estão voltadas para a manipulação do meio ambiente, que para ele é alheio à sua natureza.
Por sua vez, o místico está voltado para o mundo interno, e dissociado do mundo externo, importando apenas a tentativa de contato com o centro pulsátil. Na nossa cultura materialista, a história é
vista mais como uma série de acontecimentos desconexos do que
como uma luta contínua dos povos para a realização de seu potencial de vida. Segundo Lowen, (1982, p. 271):
O pensamento que não pode ser rotulado nem de
mecanicista e nem de místico é denominado pensamento funcional. Considero o conceito de pensamento funcional, como o elucidou Reich, como uma
das grandes conquistas da mente humana. É particularmente útil para a compreensão da consciência.
O pensamento funcional é capaz de se adaptar, pois, segundo Reich (1998, p. 466), “não é mecanicista nem místico, suas
opiniões são resultado de um processo de pensamento e o pensamento racional está aberto a argumentos objetivos, porque
tem dificuldade de funcionar sem contra-argumentos objetivos”.
O pensamento funcional poderia transitar entre o eu e o mundo
e agir, superando amarras existentes nas duas dimensões. O pensamento neurótico, contrário do funcional, vai misturar as ideias
de crítica à sociedade, por exemplo, com o medo da liberdade, da
autonomia e da responsabilidade. O indivíduo vai teoricamente
concordar com a crítica ao irracionalismo na sociedade, mas terá
Capa
Sumário
165
dificuldade para mudar de atitude, sendo coerente com essa crítica, por conta de suas defesas, de seus medos de ser livre e, consequentemente, responsável.
A consciência, para Lowen, é uma função, tendo, assim,
conotação de capacidade. O aumento desta, não teria relação só
com a mudança de atenção de uma coisa para outra, apesar de ser
um dos fatores que participa do processo. Para o autor, a função da
consciência depende do grau de vivacidade do indivíduo, da saúde
emocional dele, do teor de energia que tem e do grau de liberdade
que possui. Falamos de liberdade aqui, no sentido de que, quanto
mais defesas se têm, mais iremos agir de acordo com elas e não,
de modo consciente e livre. Nesse entendimento, é o biológico e o
emocional que determinam as bases com as quais o indivíduo terá
a capacidade de expandir sua consciência.
Por defender o exposto acima é que Lowen desenvolveu
uma série de exercícios que agem no sentido de liberar couraças
e fazer com que a energia circule de uma forma mais livre, colaborando, assim, para uma base corporal mais saudável, e, consequentemente, para tomadas de consciência mais eficientes.
Faz-se necessário no momento, uma reflexão em relação
aos níveis de consciência. O nível mais amplo e profundo da consciência, segundo a classificação de Lowen, é a consciência dos
processos corporais, “a respiração rítmica, o estado vibratório da
musculatura, ações involuntárias e espontâneas, nas sensações
de fluxo e vibração, na expansão-contração pulsátil do sistema
cardiovascular” (LOWEN, 1982, p. 275). O próximo nível envolve
a percepção das emoções específicas, sentir-se com raiva, triste,
assustado, feliz etc. Gradualmente, a consciência é desenvolvida
com a participação da memória e das palavras. Junto com o surgimento das palavras nos relacionamentos sociais, nas trocas de
informações, a consciência do mundo social se amplia. Nesse processo, diminui-se o espaço pessoal e o ego vai se definindo.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Lowen fala em duas dimensões de consciência, a consciência da cabeça e a consciência do corpo,
A bioenergética procura expandir a consciência elevando o teor de consciência corporal da pessoa e, ao
fazê-lo, não pode permitir-se (e não se permite de
fato) negligenciar a importância da consciência de
cabeça. Portanto, a consciência pode ser intensificada na bioenergética através do uso da linguagem e
palavras (LOWEN, 1982, p. 277).
Reich, em 1949, começou a dispensar as palavras do processo terapêutico, sendo feito um trabalho sobre os processos
energéticos do corpo. Lowen (1982), observando que só o trabalho
sobre os processos energéticos eram insuficientes, desenvolveu
sua teoria utilizando-se de exercícios bioenergéticos, desenvolvidos por ele e das palavras dos pacientes. Seria um processo de
sentir, experienciar e falar sobre as experiências, tornando-as reais
na consciência, passíveis de análises e superações.
Tanto Lowen, no âmbito da clínica, como Freire, no âmbito
da escola, elegeram a conscientização, como a palavra chave de
seu trabalho. Freire em seu livro Conscientização nos diz:
Ao ouvir pela primeira vez a palavra conscientização, percebi imediatamente a profundidade de seu
significado, porque estou absolutamente convencido de que a educação, como prática da liberdade, é
um ato de conhecimento, uma aproximação crítica
da realidade (FREIRE, 1979, p. 25).
Para Freire (1979), educar é proporcionar meios para que o
homem adquira consciência de situações, a fim de que possa tentar mudá-las. Esse processo envolve examinar, compreender e criticar o mecanismo das coisas que se submete por tradição, saber
sobre a própria vida. Para ele, isso não seria conseguido através
de ideias e conhecimentos distantes, mas do questionamento da
Capa
Sumário
167
tradição e da rotina em que ele próprio está inserido, tendo como
meta sua conscientização e avanço pessoal. Para tanto, utilizava-se das imagens, das palavras e do diálogo em sua metodologia.
A conscientização demanda respostas e, assim, o homem se
recria, refletindo, criticando, decidindo, se organizando e agindo. Dessa forma, sai da fase de mera adaptação à realidade e, pela integração, torna-se sujeito ativo e participante da escrita de sua história.
Freire (1967) nos fala em três tipos de consciência, a consciência intransitiva, a consciência transitiva ingênua e a consciência
transitiva crítica. A primeira, sendo característica do homem simples, esmagado, diminuído e acomodado, onde existe um temor
à convivência autêntica, participativa; as relações são dirigidas
pelo poder dos mitos, que os controla. É uma sociedade reflexa
da dominação, havendo uma limitação da esfera de apreensão de
si mesmo e do mundo. Nas “comunidades preponderantemente
intransitivadas em sua consciência [...] Suas preocupações se cingem mais ao que há nele de vital, biologicamente falando. Falta-lhe teor de vida em plano mais histórico” (FREIRE, 1967, p 58).
Não obstante, Freire diz que qualquer que seja o estado de
consciência do homem, ele é um ser aberto: “O que pretendemos
significar com a consciência ‘intransitiva’ é a limitação de sua esfera de apreensão. É a sua impermeabilidade a desafios situados
fora da órbita vegetativa” (FREIRE, 1967, p. 58).
No segundo tipo de consciência, a transitiva ingênua, já há
um reconhecimento da consciência histórica e uma disponibilidade, porém, sem objetivos autônomos claros, sendo facilmente manipulável. Há uma simplicidade na interpretação dos problemas,
uma supervalorização dos tempos passados e uma subestimação
do homem comum. Há ainda uma impermeabilidade à investigação, presença de explicações mágicas, uma fragilidade na argumentação e a prática da polêmica: “Ampliam-se os horizontes.
Responde-se mais abertamente aos estímulos. Mas se envolvem
as respostas de teor ainda mágico” (FREIRE, 1967, p. 59).
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
No terceiro tipo de consciência, na classificação de Freire,
a consciência transitiva crítica, há um aperfeiçoamento da integração do indivíduo com ele mesmo, com os outros e com o mundo,
um desenvolvimento da capacidade crítica e criadora, transformando o conhecimento em ação. A interpretação dos problemas
já se dá com profundidade, enxergando-se suas causas e com a
presença da responsabilidade, da capacidade de decisão. O homem sabe o que quer, pensa e sente; submete, continuamente,
sua ação à reflexão. Suas relações ocorrem pela “prática do diálogo e não da polêmica. Pela receptividade ao novo, não apenas porque novo e pela não-recusa ao velho, só porque velho, mas pela
aceitação de ambos, enquanto válidos. Por se inclinar sempre a
arguições” (FREIRE, 1967, p. 60). Freire (1970) alerta sobre a dificuldade de se passar do nível da consciência transitivo ingênua para
a consciência crítica, por conta de todo um processo de identificação do oprimido com o opressor, gerando sentimentos de raiva e
medo da autonomia, elementos envolvidos nesse processo.
Assim como Lowen, Paulo Freire compreendia que essa
integração com o mundo através da conscientização, não era
restrita ao nível do intelecto mas concebia esse fenômeno
como parte do ser como um todo que é. Segundo ele, “O suporte veio fazendo-se mundo e a vida, existência, na proporção
que o corpo humano vira corpo consciente, captador, apreendedor, transformador, criador de beleza e não ‘espaço’ vazio a
ser enchido por conteúdos” (FREIRE, 1996, p. 51).
Gonçalves (2009), num estudo minucioso sobre a recorrência do termo corpo consciente nos escritos de Paulo Freire, analisa o
vocábulo, pensando na valorização do sentir humano, nos processos de apropriação inteligente das coisas, nos saberes de experiência, na não transplantação dos saberes de um contexto para o outro,
sem a devida atenção à leitura de mundo dos homens, de suas dificuldades, sonhos e estratégias de intervenção no mundo, na importância do ser reflexivo e da discussão sobre o método, em processos
Capa
Sumário
169
educativos, na não separação do trabalho manual do trabalho intelectual. Freire “entende que a consciência é o ser humano. Com
tudo o que tem disponível para se mover no mundo, para pensar e
se relacionar com os outros [...] e que enquanto corpos conscientes,
nós somos já método” (GONÇALVES, 2010, p. 131, 135).
Tanto Freire quanto Lowen, possuem o entendimento do
homem como possibilidade do corpo consciente. Lowen, quando
nos fala sobre realidade e corpo, salienta que a pessoa experiencia a realidade do mundo através de seu corpo. O meio ambiente
exterior age sobre seu corpo, afetando seus sentidos e a pessoa
reage à estimulação, agindo sobre o meio ambiente através de um
processo. Daí sua preocupação com o corpo, pois, se o mesmo é
relativamente sem vida, as impressões, as reflexões e o diálogo
consigo e com o mundo são diminuídas.
Como colocamos anteriormente, a nível corporal, todo indivíduo é autocentrado e orientado para o prazer e a satisfação de suas
necessidades. Por sua vez, a nível do ego, o indivíduo é um ser racional, criativo e social em busca de poder. O natural seria corpo e ego
agirem em conjunto, o ego procurando prolongar o princípio de prazer do corpo. Porém, no indivíduo emocionalmente perturbado, o ego
tende a dominar o corpo com ares de superioridade, quebrando assim a unidade do organismo e uma relação que seria de cooperação
torna-se conflituosa. Tomando como exemplo, para melhor entendimento dessa relação conflituosa, uma estrutura de caráter psicopática: “A essência da atitude psicopática é a negação do sentimento”
(LOWEN, 1983, p. 139). Nesse tipo de caráter, o ego está numa relação
conflituosa com o corpo e seus sentimentos, negando tais sentimentos e acumulando energia na imagem do ego.
E como conscientizar corpos que estão sofrendo e em conflito? Quando o foco é a sobrevivência, o resto se torna irrelevante. Antes de tudo, temos que tentar fazer com que os indivíduos
se sintam mais integrados em seus corpos e se sintam em melhor
condição para a vida. Isso é relacionado a inúmeros aspectos, den-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
tre eles, o suprimento das necessidades básicas, problema que,
não raro, nos sentimos impotentes para colaborar na mudança;
estímulo à expansão da conscientização do corpo como um todo,
tarefa nada fácil, e a superação dos problemas que surgem, tarefa
constante que tem que se desenvolver ao longo da vida numa luta
consciente e conflituosa, pois “os homens [...] porque são consciência de si e, assim, consciência do mundo, porque são um corpo
consciente, vivem uma relação dialética entre os condicionamentos e sua liberdade” (FREIRE, 1970, p. 105-106).
Para o indivíduo, tornar-se sujeito de sua própria história,
necessita de consciência de si e do mundo, capacidade de pensar
por si próprio, tomar suas decisões e ser capaz de agir de acordo
com seus pensamentos e decisões. Porém, se pensarmos no processo de formação do ser, essa prática vai de encontro às práticas
de dominação. Se a intenção é contribuir para a formação de um
ser consciente de si, do mundo e autônomo, é mister haver uma
coerência entre tal objetivo e as ações postas nas relações.
Caso não haja coerência entre o discurso e a prática, nada
conseguiremos, pois “as palavras a que falta a corporeidade do
exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo”
(FREIRE, 1996, p. 34). Em nossa experiência como docente, uma
das coisas mais evidentes é a importância e o impacto no ensino,
desse princípio acima citado por Freire. O aluno observa e aprende
mais com nossa prática enquanto pessoa coerente com nossa fala
do que com qualquer outro palavreado, que se torna vazio e sem
impacto se não acompanhado de nosso exemplo.
Nesse processo de formação, faz-se necessário falar sobre
a aquisição da identidade, pois não há autonomia sem senso de
identidade. O indivíduo desenvolve a sua identidade à medida
que o seu ego cresce e amadurece, como “uma organização coerente de processos mentais” (LOWEN, 1977, p. 37). “Sem identidade, não há condição de libertação por parte do oprimido”
(NETO, 2011, p.110). Para a identidade existir, é necessário o de-
Capa
Sumário
171
senvolvimento de um ego estável e que funcione bem.
O senso de identidade baseia-se na percepção do
desejo, no reconhecimento da necessidade e na
consciência da sensação corporal. Quando um paciente diz: Eu não sei quem sou, na realidade está
dizendo: Eu não sei o que sinto, o que quero e o que
necessito (LOWEN, 1979, p. 229).
À medida que a percepção, a integração da sensação corporal
e a expressão do sentimento se desenvolvem, o ego cresce. Segundo Lowen (1979), se o indivíduo vivenciar a inibição da expressão do
seu sentimento ou for levado a envergonhar-se de suas sensações
corporais, o seu ego permanecerá imaturo. Para que sua identidade
e seu senso de realidade se desenvolvam, é necessário que o indivíduo descubra suas próprias dimensões e conheça suas forças e suas
fraquezas. Além disso, a autoimagem positiva elimina a necessidade
de aprovação. A identidade ou senso consciente do eu, desenvolve-se
quando a expressão do sentimento se torna dirigida pelo ego.
A essa altura, pode-se falar de auto-afirmação.
Isto quer dizer que surgiu um senso de si próprio
na consciência, ou, nas palavras de R. A. Spitz, que
o sujeito tem consciência de si mesmo como ‘um
ente atuante e sensível’. Segundo Spitz, isso tem lugar pela primeira vez aos dezoito meses de idade.
O comportamento específico, que indica que esta
evolução teve lugar é a expressão de Não, seja por
meio de palavras ou através do gesto específico de
sacudir a cabeça. Spitz escreve: A aquisição do Não
é o indicador de um novo nível de autonomia, da
consciência do outro e da consciência de si próprio.
A expressão do Sim [...] constitui um estágio posterior de evolução (LOWEN, 1979, p.237).
Nesse contexto, a criança vai descobrindo a si própria como
um agente ativo, capaz de fazer escolhas e ter força autônoma. O
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
ideal seria que as instituições sociais, pais e professores tivessem
noção das consequências de seus atos, fazendo assim, um trabalho preventivo no desenvolvimento das crianças. Como o mais comum é o contrário disso, a bioenergética se utiliza, inclusive, de
movimentos expressivos do corpo com uso da palavra, para aliviar
tensões e desenvolver a capacidade de expressão emocional.
O desenvolvimento desse processo acarreta no grau de sugestão que o indivíduo vai possuir. Segundo Lowen, o grau de sugestão é diretamente proporcional à fraqueza do ego. “Enquanto
esta fraqueza nas crianças e nos primitivos representa uma falta de
desenvolvimento egóico, no estado adulto civilizado, ela se deve a
uma dissociação entre ego e corpo” (LOWEN, 1979, p. 249). E, nesse
caso, o indivíduo é incapaz de enxergar a realidade objetivamente.
Lowen (1979) defende que o ego repousa sobre dois fundamentos, a sua identificação com o corpo (sentimento) e a sua
identificação com a mente (conhecimento). O contato com o corpo
leva o ego a compreender a realidade interna e o conhecimento a
compreender a realidade externa. Tais dimensões deverão ser levadas em conta quando pretende-se uma educação de qualidade.
A harmonia dessas duas dimensões é perturbada numa cultura
que valoriza o conhecimento como superior ao sentimento, o poder como superior ao prazer e a mente como superior ao corpo.
A educação deve se preocupar com o corpo da criança, bem como com sua mente, com seus sentimentos da mesma forma que com seu conhecimento.
[...] A escola deveria reconhecer a espontaneidade
e o prazer como tão importantes quanto a produtividade e o empreendimento (LOWEN, 1979, p. 255).
O ego, com seu conhecimento, só é seguro se apoiado na
realidade do corpo e dos seus sentimentos. Quando o ego tem as
suas raízes no corpo, o indivíduo ganha percepção de si próprio.
Para tanto, é necessário uma educação não autoritária. De acordo
Capa
Sumário
173
com Reich (1998), possuímos uma competência espontânea, que
nos possibilita a autorregulação, ou seja, a vida seria capaz de encontrar por si a boa resposta e a educação, a interferência externa,
teria o papel de promover circunstâncias para o exercício desse
funcionamento.
No campo pedagógico, com o surgimento do movimento
de radicalização das ideias renovadoras que tratavam de algumas
dessas questões, podemos citar três desdobramentos:
Pela esquerda, resultou nos movimentos de educação popular e na pedagogia da libertação; [...] pelo
centro, desembocou nas pedagogias não diretivas
que se expressaram na divulgação das ideias de
Karl Rogers, de A. S. Neill com a escola Summerhill
e de alguns ensaios de experimentação baseados na
pedagogia institucional, por inspiração de Lobrot e
Oury; pela direita, será articulada a pedagogia tecnicista (SAVIANI, 2011, p. 339).
Albertini (1994), analisando as várias correntes, observa
que as formulações para a educação de Reich e a pedagogia de
Neill possuem semelhanças quanto à crítica ao autoritarismo na
educação e à crença no ser humano. Enxergamos também, semelhanças entre as formulações para a educação de Lowen e a pedagogia desenvolvida por Paulo Freire; nas duas, pode-se observar
crítica ao autoritarismo, princípio da liberdade, crença no ser humano, princípio do respeito e da responsabilidade para “atender
ao apelo da vida não apenas com o cérebro, mas com toda a personalidade” (NEILL, 1967, p.XX) e de forma criativa.
A educação tradicional concebe a relação superior-inferior. Ao invés de mediar de forma saudável a educação dos alunos e filhos, no caminho do aprendizado e do conhecimento,
usam-se frequentemente ameaças e punições, a fim de motivá-los. Assim sendo, o professor e os pais exercem a posição de
juiz e transforma uma relação que deveria ser de amizade em
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
uma relação de poder. Ao contrário do que se pode supor, o
oposto de disciplina não é permissividade.
Se o disciplinador severo pode ser visto como um
tirano, o pai permissivo é um déspota benevolente
[...] O problema com a permissividade é que não é
uma atitude positiva, mas negativa. Os pais e professores permissivos rejeitaram a conduta da disciplina
severa tanto nas suas vidas pessoais como nas suas
relações com os outros, mas não a substituíram com
uma moralidade interna que forneceria a segurança
e a ordem para a verdadeira liberdade. Adotaram a
filosofia do ‘vale tudo’, que na prática transforma-se
em ‘nada funciona (LOWEN, 1983, p. 131-132).
O que deveria estar em cena seria a responsabilidade. Se a
autodisciplina fosse desenvolvida, a disciplina autoritária não teria sentido. O desenvolvimento da autodisciplina está interligado
ao desenvolvimento da autopercepção e da autoexpressão e essas ferramentas incluem conceitos como autopossessão e autorrestrição. Uma vez incentivados pelos educadores (pais, professores etc), os indivíduos serão mais responsáveis pela satisfação das
próprias necessidades, e das dos outros. Falamos da educação para a autonomia, como necessidade de ser vivenciada e para ser incorporada e do desenvolvimento
da responsabilidade, como essência da autonomia. Porém, como
já esboçamos anteriormente, não podemos esperar de indivíduos
que estão com o contato com a realidade prejudicado, inclusive de
seus corpos, tornem-se adultos responsáveis.
A responsabilidade, como Fritz Perls observou, é a
capacidade de reagir com sentimento. Não equivale ao dever ou à obrigação, pois tem uma qualidade
espontânea, diretamente relacionada com o grau de
vitalidade ou abertura do organismo. É uma função
do corpo porque exige sentimento e nesse respeito
difere do dever, que é uma construção mental inde-
Capa
Sumário
175
pendente do sentimento e que pode frequentemente nos dirigir para uma ação contrária aos nossos
sentimentos (LOWEN, 1983, p. 190).
Para que a responsabilidade se desenvolva, é preciso, por
sua vez, que haja liberdade. Nos processos educativos em busca
da responsabilidade, o equilíbrio tem que estar presente, nem o
extremo de não se ter direitos, nem o outro extremo de ter todos
os direitos. O equilíbrio está em se ter direitos iguais e se usar o
bom senso, até que, espontaneamente, o indivíduo seja capaz de
responder com sentimento, não só por dever.
É ainda um problema presente entre nós, o paradoxo autoridade-liberdade; normalmente confundimos autoridade com autoritarismo e liberdade com licença. O grande desafio, como nos
diz Freire, é que a necessidade do limite seja assumida eticamente
pela liberdade através do respeito mútuo.
A autonomia, enquanto amadurecimento do ser
para si, é processo, é vir a ser [...] É neste sentido que
uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada
em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade (FREIRE, 1996, p. 107).
Podemos observar nessa citação que, assim como Lowen,
Freire defende experiências estimuladoras da responsabilidade e
da decisão, onde o respeito à liberdade esteja presente; esta seria a base de sua pedagogia da autonomia. Vivemos submetidos a
padronizações de todas as espécies, o que dificulta decisões autônomas, e somos avaliados constantemente com parâmetros baseados nessas padronizações.
Um estado refinado de estranheza, de ‘autodemissão’ da mente, do corpo consciente, de conformismo do indivíduo, de acomodação diante de situações consideradas fatalistamente como imutáveis
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
[...] É a posição, por isso mesmo, de quem entende e
vive a História como determinismo e não como possibilidade (FREIRE, 1996, p. 113-114).
Partilhando do que Lowen defende, Freire ressalta que a necessidade do limite deve ser assumida eticamente pela liberdade,
assumindo decisões. Freire salienta ainda que foi isso que marcou
sua experiência de filho, de irmão, de aluno, de professor, de marido, de pai e de cidadão: “É decidindo que se aprende a decidir. Não
posso aprender a ser eu mesmo se não decido nunca porque há
sempre a sabedoria e a sensatez de meu pai e de minha mãe a decidir por mim” (1996, p. 106). Freire chama a atenção também para
o fato de não sermos primeiro autônomos, para depois decidir. Diz
ele que “a autonomia vai se constituindo na experiência de várias,
inúmeras decisões, que vão sendo tomadas” (FREIRE, 1996, p. 107).
Outro ponto fundamental levantado por Freire é que no
respeito às diferenças e na coerência entre o que faço e o que digo
é que me encontro com os outros: “É impossível viver a disponibilidade a realidade sem segurança, mas é impossível também criar a
segurança fora do risco da disponibilidade” (FREIRE, 1996, p. 135).
Para o educador, tais fundamentos que viabilizarão o diálogo, ratificando a fala de Lowen, em relação à integridade do ser humano,
de sua disponibilidade à realidade; ser um fenômeno corporal que
necessita de segurança e que se manifesta através do movimento
e do comportamento. Para os autores, só dessa forma, o ser humano estará em condições de estar em contato com sua realidade e a
realidade do mundo.
A bioenergética chama os indivíduos que mantêm diálogo
com sua realidade, de embasados (grounded). “Estar embasado
(grounded) significa sentir os próprios pés no chão. Para sentir o
chão, a pessoa precisa ter pés e pernas energeticamente carregados” (LOWEN, 1997, p. 36). Grounding é também o nome de um dos
exercícios de bioenergética, que trabalha justamente em prol do
Capa
Sumário
177
desenvolvimento desse contato. Estando embasado no próprio
corpo e no chão, diferente de “andar sempre nas nuvens”, temos
mais condições de entrar em contato com a realidade do mundo e
nos responsabilizar por ela. No trabalho bioenergético, observa-se
que quanto mais o indivíduo sente seu contato com o chão, mais
consegue se colocar na sua realidade física e psicossocial. Esse trabalho inicia-se dirigindo-se para baixo, fazendo com que a pessoa
adentre pernas e pés.
No processo ensino-aprendizagem, o grounding é essencial, é preciso estar no mundo para aprender e para ensinar é preciso se ter conteúdos grounding, ou seja, que surgem da realidade
de quem aprende, como defendeu Freire. Ambos educadores defendem uma formação em prol de um indivíduo íntegro, responsável, consciente, dialógico e autônomo. Um ser humano que tente
ultrapassar seus medos e suas raivas, por vezes, inconscientes e irracionais, numa construção permanente de sua própria vida. Que
leve em conta suas necessidades de corpo consciente, as necessidades do outro, do mundo e que seja capaz de viver de acordo com
seus sentimentos e pensamentos. Quando pensamos em qualidade na educação, especialmente no âmbito da escola básica, um
dos locais onde são construídas as bases do ser humano, as duas
teorias aqui tratadas são um caminho para reflexões.
CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS
Os autores aqui tratados defendem que a história de vida
de um indivíduo está escrita no corpo, incorporada. Pode-se afirmar que toda produção teórica de Lowen e Freire objetivam, em
qualquer campo de aplicação, seja terapêutico, educacional ou
sociocultural, proteger, facilitar e manter a vida (o movimento,
a autocriação). Podemos identificar em suas formulações, as seguintes ideias: A busca do possível, a educação, levando-se em
conta a capacidade de autorregulação do indivíduo e medidas
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
educacionais que incluam a dimensão terapêutica. Para nossa felicidade somos seres contraditórios. Tanto cometemos as maiores
selvagerias, mesmo sabendo o que os outros sentem, como somos
capazes de empreender esforços para ajudar as outras pessoas em
momentos de adversidades.
Assim como também “Somos seres condicionados, mas não
determinados. Reconhecer que a História é tempo de possibilidade
e não de determinismo, que o futuro, permita-se-me reiterar, é problemático e não inexorável” (FREIRE, 1996, p. 19), é primordial. E viver a vida como “um processo constante, um desenrolar contínuo de
possibilidades e potencialidades que estão escondidas no presente”
(LOWEN, 1983, p. 220), faz toda a diferença. Assim como faz diferença também, extirpar da nossa prática esse discurso tão frequente dos
professores: “Não posso fazer nada”, “Não sou nem psicólogo nem assistente social, sou apenas professor”. Pois como nos diz Freire:
Lido com gente e não com coisas. E porque lido
com gente, não posso, por mais que, inclusive, me
dê prazer entregar-me à reflexão teórica e crítica
em torno da própria prática docente e discente, recusar a minha atenção dedicada e amorosa a problemática mais pessoal deste ou daquele aluno ou
aluna [...] Não posso fechar-me a seu sofrimento
ou a sua inquietação porque não sou terapeuta ou
assistente social. Mas sou gente. O que não posso,
por uma questão de ética e de respeito profissional,
é pretender passar por terapeuta. Não posso negar a
minha condição de gente de que se alonga, pela minha abertura humana, uma certa dimensão terápica
(FREIRE, 1996, p. 144).
Além disso, a dimensão terápica, “não é assunto separado,
cujo fim seja solucionar problemas especiais, porém, e simplesmente, o processo que pode demonstrar que a vida ali está a fim
de ser compreendida, e não para que fujamos dela” (NEILL, 1967,
p. XXIII).
Capa
Sumário
179
O movimento nessa perspectiva, “é o reconhecimento
do talento do outro, num misto de formação & autoformação,
conhecimento & autoconhecimento, cuidar de si & cuidar do outro,
e isso nos faz repensar os currículos da escola” (FAZENDA; SOUZA,
2012, p. 115).
São inúmeros os aspectos que podemos analisar em relação à noção de corpo consciente, colocado por Freire e os currículos escolares. Pensemos aqui no aspecto do estímulo à expansão
da conscientização do corpo como um todo, objetivando o combate aos processos defensivos.
As possibilidades para tal estimulação são inúmeras, dos
exercícios bioenergéticos desenvolvidos por Lowen às práticas
educativas psicocorporais realizadas nas escolas, passando pelo
exercício atento da interrelação vivencial, contribuindo para uma
melhor qualidade de vida, num trabalho preventivo, pedagógico e
interventivo com a comunidade escolar.
Em nossa realidade, é necessário um esforço no sentido de
não se dicotomizar a educação em física e mental. Apesar disso,
essa compreensão dicotômica da educação pode ser processada,
se entendermos corpo e mente como uma unidade. Por conseguinte, a educação física deve ser também mental, assim como a
educação mental, deve ser também física.
Notas: ¹ A couraça resulta do conflito entre as
exigências pulsionais e o mundo externo que frustra
essas exigências, ocorre um recalque dos desejos
em virtude do medo consciente ou inconsciente de
ser punido por tais desejos e com o intuito de manter tal recalque, o indivíduo se enrijece e a defesa
assume um caráter cronicamente operante e automático.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
REFERÊNCIAS
ALBERTINI, P. Reich: história das ideias e formulações para a educação.
São Paulo: Ágora. 1994.
BEISIEGEL, C. de . FREIRE, P. R. N. In: FÁVERO, M. L. de A.; BRITTO, J. M.
Dicionário dos educadores no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ. 1999. p.
893-899.
181
GUEDES, E. C. Educação e Alteridade: Uma meta-arqueologia da
educação a partir de Emmanuel Lévinas e Paulo Freire. 2077. 181 folhas.
Tese (Doutorado em Educação). Programa de Pós-Graduação em
Educação, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2007.
LOWEN, A. Bioenergética. São Paulo: Summus, 1982.
________. Alegria: A entrega ao corpo e à vida. São Paulo: Summus,
1997.
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes; SOUZA, Fernando César de. Diálogos
interdisciplinares em saúde e educação: A arte do cuidar. Revista
Educação e Realidade. Porto Alegre, v. 37, n. 1, p. 107-124, jan./abr.
2012. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/edu_realidade> Acesso em:
15 mar. 2013.
________ . O corpo em depressão: as bases biológicas da fé e da
realidade. São Paulo: Summus, 1983.
FREIRE, P. R. N. Conscientização: Teoria e prática da libertação, uma
introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Morais,
1979.
________ . O corpo traído. São Paulo: Summus, 1979.
_________ Educação como prática da liberdade. RJ: Paz e Terra. 1967.
_________ Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura).
_________ Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.
GONÇALVES, Luiz Gonzaga. Conhecimento do Mundo como Sabedoria
de Vida na Cultura Popular: Horizontes a partir da contribuição
de Paulo Freire. In: LUCENA, R. de F. SOARES, S. P. L., CARLOS, E. J.
(Org.).Temas Contemporâneos em Educação. João Pessoa: Editora
Universitária da UFPB, 2009.
_________ A noção de corpo(s) consciente(s) na obra e no
pensamento educacional de Paulo Freire In: (Adriana Valéria Santos
Diniz, Afonso Celso Scocuglia, Emília Trindade Prestes - Organizadores).
A aprendizagem ao longo da vida e a educação de Jovens e Adultos:
Possibilidades e contribuições ao debate. João Pessoa: Editora
Universitária da UFPB, 2010.
Capa
Sumário
________ . O corpo em terapia a abordagem bioenergética. São
Paulo: Summus, 1977.
________. Prazer: Uma abordagem criativa da vida. São Paulo:
Summus, 1984.
________ . Uma vida para o corpo: Autobiografia de Alexander Lowen.
São Paulo: Summus, 2007.
MELO NETO, J. F. de. Diálogo em educação: Platão, Habermas e Freire.
João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2011.
NEILL, A. S. S. Liberdade sem medo. São Paulo: Ibrasa, 1967.
REICH, W. Análise do caráter. 3. ed . Tradução de Ricardo Amaral do
Rego. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas, SP:
Autores Associados, 2011.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
CAPÍTULO 07
JOGO TRADICIONAL/POPULAR NA ESCOLA:
DISCUTINDO O MODO DE AGIR DOS JOGADORES NA
PERSPECTIVA DA COMUNICAÇÃO E COGNIÇÃO
Rodrigo Wanderley de Sousa Cruz39
George de Paiva Farias40
João Francisco Magno Ribas41
Pierre Normando Gomes da Silva42
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A presença do jogo na escola é algo inconteste, em face de
sua capacidade de atrair e envolver os alunos, seja no intervalo
ou nas aulas de Educação Física. Entretanto, ele não foi bem visto
pela pedagogia tradicional: a educação e o jogo não eram conside39
Mestre em Educação - UFPB; Professor Efetivo da Rede Pública Municipal de
João Pessoa - PMJP; Tutor do Curso de Licenciatura em Educação Física - UNOPAR; Membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Corporeidade, Cultura e Educação - LEPEC/CCS/UFPB- [email protected] 40
Professor Especialista em educação física escolar pelo CINTEP, prof. efetivo
da Rede Pública Municipal de João Pessoa - PMJP; Membro do Laboratório de Estudos
e Pesquisas em Corporeidade, Cultura e Educação - LEPEC/CCS/UFPB- gpaivafarias@
gmail.com
41
Doutor em educação física pela UNICAMP, prof. no departamento de Desportos
coletivos do centro de educação física e desportos da UFMG; líder do Grupo de pesquisa
em lazer e formação de professores.- [email protected]
42
Profº do Departamento de Educação Física da UFPB; profº no Programa de
Pós-Graduação em Educação & no Programa Associado em Educação Física UPE/UFPB,
doutor em Educação pela UFRN - [email protected]
Capa
Sumário
183
rados aliados. Sua gratuidade foi classificada como prova de que é
pouco importante, complementar, não séria, improdutiva, muitas
vezes, associada à perda de tempo, em outras, ao vício ou ao pecado, e sempre visto como algo insignificante (ORTIZ, 2005). Mesmo
assim, diante da relutância em reconhecer o caráter pedagógico
do jogo, fundamentada mais na tradição do que na confirmação
científica de que o conhecimento significativo é apenas aquele
que a escola reconhece como tal, hoje a escola já aceita o valor
educativo do jogo, que é apreciado como uma forma de viver e rico
no âmbito da aprendizagem (CERVANTES, 2005).
Estudos clássicos e recentes vêm sendo realizados com o
intuito de defender a relevância do jogo como um elemento indispensável à educação, identificando suas potencialidades e possibilidades de intervenção e de aprendizagem (MARIN; RIBAS, 2013;
RIBAS, 2008; 2005; MARIN et al., 2012; GOMES-DA-SILVA, 2012;2011;
SANTOS, 2012; SOARES et al., 2012; FREIRE, 2005, 2002; PIAGET,
1994;1990; CALLOIS, 1990; CHATEAU, 1987). Esses autores, entre outros, possibilitam discutir essa manifestação cultural tão instigante
e os caminhos que podem culminar em aprendizagem para quem
o vivencia. Ainda assim, somos incapazes de compreender o ato de
jogar. Isso é importante e merece ser reestudado constantemente.
No tocante ao jogo no âmbito escolar, percebemos algumas precipitações tanto na forma como é entendido quanto em
sua pedagogização (FREIRE; SCAGLIA, 2007). Na tentativa de esclarecer esse contexto, Freire (2005, p.77) afirma:
Não esperemos que a escola, em sua estrutura atual,
contemple com boa vontade a ideia de acolher o
jogo, ou como conteúdo de ensino, ou como recurso pedagógico educacional. Talvez não haja consciência clara por parte da escola quanto ao caráter
prático do jogo, mas, certamente há uma intuição,
pelo menos, baseada na observação pura e simples
de crianças ou adolescentes brincando, quanto aos
riscos implicados no ato de jogar.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Segundo Gomez e Samaniego (2005), a finalidade educativa do jogo foi objeto de controvérsias, tanto que se vinculou com
intenções bem diferentes, como o desenvolvimento da psicomotricidade, a integração social, a formação do caráter e a educação
moral, a melhoria da condição física e a iniciação esportiva.
Aproximamo-nos da reflexão de Santos (2012), sob o prisma de que, se a escola é um ambiente onde é possível compreender o âmbito cultural e científico do conhecimento, não podemos
considerar o jogo apenas como um recurso divertido ou prazeroso
para os educandos. Seria simplista pensar que o jogo está presente nas salas de aula para o deleite de alunos que pensam que precisam ser motivados a aprender e incentivados a ir à escola.
Inquietamo-nos com a presença do jogo dentro da escola,
precisamente, o jogo tradicional/popular (explicaremos mais na
frente essa nomenclatura) nas aulas de Educação Física, por acreditar em seu valor educativo, cultural e na aprendizagem de quem
joga. Obviamente, isso depende de vários elementos, como, por
exemplo, a forma como o jogo está sendo vivenciado (regras imutáveis ou variadas); o ambiente do jogo (ginásio, pátio ou terreno);
os objetos utilizados (tamanho, textura e peso) e, principalmente,
as ações dos jogadores durante o jogo (interação com os jogadores, meio e implementos). Essa pluralidade no contexto do jogo só
é possível porque ele “está além de sua caracterização de jogo e
somente poderá ser verificado como manifestação de jogo quando revelado no ato de jogar” (REVERDITO; SCAGLIA, 2009, p. 145).
Não nos interessamos pelo jogo descrito apenas na perspectiva de movimentos corporais como habilidades motoras desempenhadas com vistas à realização de determinada tarefa no
jogo, com gasto calórico ou de rendimento, mas, principalmente,
na experiência do jogar para o qual o jogador é educado, formado
e transformado (GOMES-DA-SILVA, 2012; 2011). Também não enfocamos o jogo simplesmente de maneira utilitária, causando uma
ignorância no que concerne ao caráter educativo do jogo (FREIRE,
Capa
Sumário
185
2005), muito menos reduzi-lo a um simples divertimento (CHATEAU, 1987), mas na forma com que o jogador atua, compreende e se
relaciona com o mundo do jogo.
Entendemos o jogo como uma prática de linguagem que
pode resultar em inúmeras interações, ações, condutas e em uma
compreensão mais aprofundada dele, que pode ajudar o jogador a melhorar sua prática. Isso minimiza “o empobrecimento
da compreensão do movimento, mesmo que se considerem seus
condicionantes físicos, suas propriedades técnicas, suas motivações psicológicas e suas capacidades motoras” (GOMES-DA-SILVA,
2011, p.18). Com isso, tentamos compreender a diferenciação das
condutas que entram no jogo.
Os hábitos realizados durante as ações internas do jogo
(que podem assumir características irrefletidas e/ou criativas), em
termos de gestos e de posturas táticas para avanços cognitivos (tomada de decisão), motivam-nos nesta investigação, pois, segundo
Ribas (2002, p. 10-11), o importante é que,
Em vez de um aluno ou atleta aprender a perfeita
execução de um gesto técnico de uma modalidade
ou jogo para depois aprender a jogar, o profissional
deverá montar um trabalho que facilite a compreensão do jogo, fazendo com que o aluno perceba as
alternativas e possibilidades de participação, assim
como suas limitações técnicas. Na prática, significa
sair da era da programação de corpos (principalmente de atletas) e dar instrumentos a esses participantes para que descubram e tomem decisões,
e mais: compreendam a dinâmica da atividade e
criem suas próprias estratégias.
Na aula de educação física, o jogo deve ter uma ótica diferente no âmbito da educação, em detrimento da aprendizagem do jogo
por ele mesmo. Acreditamos no jogo como um constituinte pedagógico, pois, “depois de tanto jogar, repetindo, mantendo, aperfeiçoando as assimilações, o jogador está pronto para enfrentar novos
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
desafios, ou seja, para ir atrás daquilo que está logo adiante, à sua
espera, convidando-o para ser mais” (FREIRE; SCAGLIA, 2007, p.170).
Entendemos que as ações realizadas no jogo são de extrema importância para as futuras tomadas de decisão no próprio
jogo, haja vista que “cada jogador é observador e observado durante o jogo” (RAMOS et al., 2004, p. 21). Durante o jogo, podemos
fazer algumas “leituras” de nós mesmos e do adversário que está à
nossa frente. Essas “leituras” geram comunicações que resultarão
em estratégias e interações (cooperação-oposição) no contexto do
jogo e favorecem para melhores tomadas de decisão e posicionamentos mais inteligentes, pois, como enuncia Parlebas (1988), as
decisões e as estratégias são provenientes das possíveis leituras
corporais entre os jogadores. Portanto, essas interações partem de
uma lógica. Por essa razão,
Devemos dizer que qualquer classificação que pretenda ser rigorosa deve construir-se a partir das
peculiaridades que caracterizam nossas atividades
motrizes. É necessário fugir das aparências das aparências, das propostas superficiais, e acudir aos critérios fundados naquele que outorga importância a
nossas práticas, que as faz ser distintas e que lhes
concede um funcionamento singular em cada caso
(LAVEGA, 2008, p. 83).
A relevância deste estudo se justifica porque consideramos
importante as ações dos educandos durante os jogos e as possíveis
aprendizagens oriundas dessas ações, tanto sob a ótica interativa
quanto cognitiva. Os alunos precisam aprender a tomar decisões
que os ajudem durante o jogo e a pensar em estratégias que facilitem sua comunicação com os companheiros e os adversários no
contexto em que estão inseridos, sem que se restrinjam aos fundamentos técnicos de um jogo esportivo ou a uma regra estabelecida
e imutável de um jogo tradicional/popular.
Capa
Sumário
187
É preciso que os aprendentes deem respostas para
as situações, em termos de adequação ao jogo, com vistas
às necessidades espaciais, temporais, materiais e pessoais.
Isso se concretiza a partir do momento em que se possibilita
o conhecimento do mundo do jogo que cerca as crianças,
fomentando o diálogo e o consenso entre elas sobre as regras e os
espaços. Isso contribui para melhorar a comunicação entre elas na
tomada de decisão.
UMA FORMA DIFERENTE DE VIVENCIAR
O JOGO NA ESCOLA
Iniciamos nossa problematização sobre o jogo tradicional/
popular através de Santos (2012), que concebe que não basta ter
um entusiasmo ingênuo em sua utilização no âmbito educacional
ou designar ao jogo tradicional/popular um caráter meramente lúdico, sem que os objetivos pedagógicos sejam considerados.
Segundo Parlebas (2013), o domínio é recheado de arapucas que lhe tornam delicado de explorar. O estudo dos jogos apresenta dificuldades temíveis: de um lado, as de coleta de dados em
campo e, do outro, obstáculos conceituais e metodológicos difíceis
de superar. Não obstante, ainda temos que lidar com o abandono
de certos jogos tradicionais/populares ou qualificados de “jogos
inferiores”, capazes – afirma-se – de preparar para os jogos ditos
“superiores”, ou seja, os esportes propriamente ditos.
Acreditamos na relevância dos jogos tradicionais/populares, por serem partícipes da cultura lúdica, com variações de nomenclaturas e de funcionamento. Muitas vezes, são simples de
jogar, porém, complexos nas ações que exigem em relação ao espaço, ao objeto e aos jogadores (companheiros e adversários).
Diante desse cenário, buscamos investigar e analisar as
ações e condutas motrizes dos jogadores nos jogos, suas interações, suas possibilidades de aprendizagem nas relações com os
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
outros jogadores, os espaços e os objetos. As decisões são pensadas a partir das situações que surgem constantemente, que os levam a pensar no que fazer no jogo, como fazer e a perceber melhor
suas ações, bem como as dos outros em prol de atingir os objetivos do jogo partindo da lógica de funcionamento.
Não almejamos que o jogo tradicional/popular permaneça
predominado por ações motrizes “impostas e que não deem lugar
à livre decisão de ação” (MURCIA; GARCÍA, 2005, p. 151). Portanto,
para uma aprendizagem mais significativa do jogo, pelo viés cognitivo e interativo, é necessário ampliar o raciocínio no ato de jogar
pela assimilação recíproca (PIAGET, 1990) e maximizar as relações
interativas de cooperação e oposição no contexto interno do jogo
(PARLEBAS, 2001), na perspectiva de se adquirirem novos hábitos
de movimentos para quem decide jogar, menos repetitivos e mais
inventivos, entendendo assim, o valor cultural no ato de jogar.
Através de Piaget (1990), entendemos que o jogo pode ampliar seu caráter de assimilação para além dos limites da adaptação atual, favorecendo “uma fertilidade muito maior de combinações” (Idem, p. 125). Essas combinações ajudam a minimizar a
repetição e a associação de esquemas já constituídos. Isso pode
resultar na criação de novas ações, devido ao aparecimento de situações-problema durante o jogo, e evitar o erro em prol da aquisição do êxito na ação no jogo.
Pela lógica de Parlebas (2001), o jogo tradicional/popular
se apresenta pelo aspecto interacional de cooperação-oposição.
Pensando nos jogos sociomotrizes, o ato de jogar dos jogadores se
caracteriza por ações comunicativas e contracomunicativas essencialmente. Isso culmina numa interpretação constante das mensagens dirigidas pelos companheiros e/ou adversários.
Percebemos que a noção do jogo ultrapassa o previsível,
até porque o jogo não é implicado na totalidade da previsibilidade. Mas, alerta-nos Ribas (2002, p. 66) que “as informações relativas à lógica interna da atividade irão enriquecer o universo dessa
Capa
Sumário
189
prática, consequentemente, melhorando a possibilidade de prever, antecipar as ações e criar estratégias”.
O ensino de jogos nas aulas de Educação Física pode enveredar por um caminho de múltiplas interações associadas ao pensar
entre os jogadores, aderindo a uma nova linguagem do movimento
humano. Gomes-da-Silva (2011, p.89) assevera que, “continuamente, no mover-se, formam-se novos nós de significação, novas aprendizagens, reorganizações do esquema-corporal”. Com isso, geram-se estratégias, combinações, gestos, movimentações, tomadas de
decisão, sustentadas pela teoria dos jogos/esportes.
Atualmente, a ênfase nos movimentos repetitivos, ao se
jogar por jogar, no cumprimento exacerbado das regras já estabelecidas, e a preocupação com a perfeição da gestualidade técnica
simplificam algo muito maior, que é a linguagem do movimento
humano nos jogos que ocorrem na educação.
A linguagem e o movimentar-se humano (como diálogo com o mundo) são as poucas possibilidades
que ainda nos restam para uma melhor compreensão de quem somos e ter, a partir deles, uma melhor
consciência do mundo em que vivemos. Porém, até
mesmo essas formas de expressão humana, praticamente, só se manifestam em forma da mera repetição, memorização ou cópia (KUNZ, 2004).
Para mudar esse cenário da prática do jogo tradicional/popular, é imprescindível que haja uma interação entre professor e
aluno, no tocante a definições de ações, e que se determinem seus
significados. “Os espaços e os graus de liberdade das definições de
situações e das colocações de significados podem ser bem diferentes para os participantes de uma aula” (HILDEBRANDT-STRAMANN,
2003, p.47). Nessa questão, suscitamos um diálogo mais aprofundado sobre a vivência nos jogos, suas minúcias e suas variantes,
haja vista que eles promovem o contato com o próximo, indepen-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
dentemente de ser companheiro ou adversário na ocasião.
Essas interações também incluem a preocupação com os
processos cognitivos que são esquecidos nos jogos durante as
aulas e que, se forem valorizados na prática, possibilitarão novas
aprendizagens pertinentes ao jogo. Através de Freire (2005), compreendemos que um dos objetivos principais do sistema de ensino, não só da escola, é de promover o desenvolvimento cognitivo
da criança, que não acontece espontaneamente, mas através de
construções trabalhosas, sempre na dependência das interações
que ela estabelece com o meio ambiente.
Ressaltamos, porém, que, em relação aos meios utilizados para cumprir os objetivos da ação e chegar a um resultado,
o mais comum é que as crianças não tenham consciência deles.
Ou seja, o sujeito faz, mas não tem consciência dos meios que
utilizou para realizar a ação (FREIRE, 2005). Nesse sentido, ancoramo-nos em Piaget (1990), que dá uma atribuição mais cognitiva aos jogos e relaciona diretamente o jogo pelo caminho da
inteligência, ajudando-nos a entender que o caminho da aprendizagem tem início com uma dificuldade (situação-problema)
e a necessidade de solucioná-la. A necessidade leva à busca de
soluções, o que desencadeia uma série de operações mentais
voltadas para a solução do problema.
Cada atividade mental dentro do jogo, desde as mais elementares às tendências superiores, ou seja, das mais simples
às mais complexas, precisa se desenvolver e ser alimentada
por uma constante contribuição exterior (PIAGET, 1990). Nesse
caso, referimo-nos aos processos cognitivos no jogo: variações
nas ações e resolução das situações-problema. Para que o jogo
tenha avanços significativos quanto às decisões que se devem
tomar, são necessários novos desafios e novas estratégias a fim
de se atingirem determinados objetivos.
Em virtude disso, pensamos numa pedagogização do
jogo que privilegie a tomada de decisão dos alunos e que os
Capa
Sumário
191
mesmos entendam o funcionamento do jogo em vez de impor
soluções para os problemas surgidos. “Por meio da ação entendemos o caminho que vai da proposta da ação ao resultado”
(FREIRE, 2005, p.129). A adaptabilidade do aluno no jogo se torna importante à medida que ele se adequa à sua peculiaridade.
Lagardera e Lavega (2008) entendem que o próprio jogo
exige que os participantes adaptem suas condutas singulares às
características do jogo. Quando um jogador logra consegui-la,
suas possibilidades de render bem mais nesse jogo aumentam.
Render mais no jogo significa, a partir das regras estabelecidas
no jogo, potencializar as ações para que todos e cada um dos
participantes lhes deem vida, que se coloquem à disposição de
suas condutas motrizes singulares. A ação é constante, e a conduta, flutuante e particular (LAGARDERA; LAVEGA, 2008).
Enfocamos as interações que ocorrem entre os alunos
durante as aulas de Educação Física na medida em que utilizam
com mais frequência determinadas ações, e não, outras, em função dos objetivos do jogador ou jogadores. “É muito distinto o
uso que os jogadores fazem dessas ações. Isso gera dinâmicas
muito diferentes em um mesmo jogo, dependendo de quem sejam os jogadores” (LARGADERA; LAVEGA, 2008, p.71). Por isso,
estamos associando a interação à cognição: a comunicação no
tocante aos hábitos adquiridos, caracterizando-se por um estilo,
uma maneira de realizar uma tarefa no jogo. No aspecto cognitivo, pensamos na análise das tomadas de decisão que estão a serviço da atividade do jogo e o desenvolvimento cognitivo da criança ou das estratégias que ela emprega para resolver problemas.
Delimitando o objeto de estudo, escolhemos os jogos tradicionais/populares para nossa discussão. Primeiro, porque, na
classificação praxiológica de Parlebas (2001), eles se enquadram
nos jogos sociomotrizes, caracterizados pelas situações em que
o participante interage com os demais (LAVEGA, 2008). Segundo,
na classificação de Piaget (1990), estaria no jogo com regras, que
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
supõe, necessariamente, relações sociais ou interindividuais.
Essa aproximação entre interação e cognição é relevante
no que se refere ao jogo tradicional/popular. O conhecimento
praxiológico visa desvendar essa lógica interna do jogo e seus
pormenores internos. Ao considerar a lógica interna do jogo, a
praxiologia motriz “procura tratar das estruturas em funcionamento, das estruturas profundas e distintas que são significativas para compreensão do jogo” (RAMOS et. al., 2004, p. 19).
Já na esfera cognitiva, encontramos uma variedade no jogo
com regras, pois constitui um conjunto de regras e normas “que
cada participante deve conhecer, assumir e respeitar se quer
realizar a atividade sem demasiadas interferências” (FUENTES,
2005, p. 37).
Levando em consideração toda essa lacuna pedagógica no ensino dos jogos na Educação Física escolar e diante da
problemática levantada, utilizamos a Praxiologia Motriz, criada
por Pierre Parlebas, para analisar as interações de cooperação-oposição e as tomadas de decisão dos jogadores (alunos) ao
jogar e a Analítica-Existencial do Movimento, criada por Pierre Gomes-da-Silva, para analisar o modo como os jogadores se
apresentam no jogo no âmbito das interações.
Na seara cognitiva, recorremos aos estudos de Piaget,
que nos possibilita entender o jogo como uma instituição social, detentora de um código, de toda uma jurisprudência e que,
em um complexo de regras, o indivíduo adquire respeito por essas regras, assim como a tomada de consciência no jogo constitui uma conduta em interação com outras condutas.
193
REFERÊNCIA CONCEITUAL: INTERAÇÃO E
COGNIÇÃO NO JOGO TRADICIONAL/POPULAR
“Mas, essa vida é uma peça, é um jogo”43
(Agepê)
O jogo tradicional/popular incorpora aos nossos anseios
sem considerá-lo como um mero entretenimento, mas a um possibilitador constante de novas aprendizagens pelas ações interativas e cognitivas na tomada de decisão durante os jogos. Para isso,
vamos explicar agora a razão da escolha do termo tradicional/popular em detrimento do tradicional ou popular apenas.
Segundo Araújo e Mendes (2007, p. 23), “definir jogo tradicional e popular não é tarefa fácil, visto que muitos autores nem
sequer distinguem jogo popular de jogo tradicional. Contudo, é
importante clarificar as grandes diferenças existentes entre os termos popular e tradicional”.
Kishimoto (2009) detém-se aos jogos tradicionais infantis,
que guardam a produção espiritual de um povo em certo período
histórico. Está sempre em transformação, incorporando criações
anônimas das gerações que vão se sucedendo. Segundo a autora,
o jogo tradicional infantil assume características de anonimato,
tradicionalidade, transmissão oral, conservação, mudança e universalidade. Assim, os jogos tradicionais têm a função de perpetuar a cultura infantil e de desenvolver formas de convivência social.
Para Lavega (2000), o jogo popular pertence ao povo, às
pessoas do lugar, cujas características, crenças e estilos de vida estão incorporados em seu cotidiano. Já o jogo tradicional é aquele
criado em um processo de transmissão e que tem continuidade
durante determinado tempo histórico. O autor finaliza seu raciocínio, depois dessas considerações e chama os jogos conhecidos
43
Trecho da música “Estrada do Coração” de autoria de Mita e Wilson Medeiros
que compôs o álbum Mistura Brasileira (1984) do cantor e compositor Agepê.
Capa
Sumário
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
e representados em um lugar ou época determinada de populares
e/ou tradicionais, em virtude dessa combinação entre representação (muito praticado) e tempo (processos de transmissão entre
diversas gerações e grupos de pessoas). Abaixo o (Quadro 01) para
considerar alguns termos no que concerne ao jogo:
Quadro 01 - Alguns termos sobre os Jogos.
TERMOS A CONSIDERAR
JOGO POPULAR
JOGO TRADICIONAL
Representativo de um local
Quando há um hábito de processo de
transmissão entre várias gerações
Praticado de acordo com o estilo de
vida de determinada cultura
Jogo conhecido e praticado por um
período considerável de tempo
JOGO POPULAR E/OU TRADICIONAL
Fonte: Adaptado de Lavega (2000).
De acordo com Santos (2012), comumente, três termos são
utilizados para classificar o jogo: popular, folclórico e tradicional.
A autora refere que tais expressões acabam por gerar certa dificuldade no entendimento de professores e alunos sobre a essência
de cada um deles. Assim, de acordo com suas pesquisas, os jogos
tradicionais, os populares e os folclóricos são o retrato de uma
época e de um local e, mesmo com as alterações que sofrem com
o passar do tempo, continuam sendo jogados por diferentes populações. A tradição do jogo se reflete nas expressões da cultura
popular e da identidade cultural de uma sociedade. O jogo, como
tradição, ocorre quando o conhecimento sobre ele se perpetua na
memória lúdica de um grupo social.
Segundo Parlebas (2013, p.14), “o jogo tradicional é, então, um jogo motor não institucionalizado que se apoia em três
critérios objetivos específicos precisos: uma situação motriz,
um sistema de regras e uma competição ou uma ritualização.”
Capa
Sumário
195
O autor assevera (idem, p.14) que,
Como todo fenômeno social, o jogo evolui e se
transforma ao longo dos anos. Mesmo já tendo representado um fenômeno socialmente importante nos séculos passados, alguns jogos tradicionais
perderam seu brilho e hoje estão totalmente deixados na sombra. Eles aparecem em defasagem e
não mais percebidos como portadores de valores do
momento. É também por essa razão que os jogos se
revestem de interesse aos olhos dos pesquisadores:
os comportamentos que eles encorajam, a lógica interna que eles ilustram, correspondem às esperas,
às aspirações e às normas da sua época.
Ao irmos ao encontro dos jogos tradicionais/populares,
enaltecemos a importância dos jogos, suas regras, as condutas a
partir das leis de funcionamento, a cultura presente neles e as possíveis aprendizagens, pelo âmbito da interação e da cognição. Isso
implica a existência de regras e de perdedores e ganhadores quando da sua prática. “É uma característica do ser suficientemente socializado, que pode, portanto, compreender uma vida de relações
mais amplas” (FREIRE, 2005).
Dialogando com a teoria praxiológica, o jogo tradicional/popular pode ser um psicomotriz, um jogo individual, sem a interação
com o outro; e sociomotriz, que se caracteriza pela interação com o
outro, através de uma interação de oposição (o movimento do praticante sofre interferência – e interfere – no movimento do adversário), e pode ser uma interação de cooperação (o movimento do
praticante sofre interferência - e interfere – no movimento do companheiro) e práticas de interação que conjugam a oposição e a cooperação (o movimento do praticante sofre interferência – e interfere
– no movimento do adversário e do companheiro) (RIBAS, 2004).
Vemos como imprescindível a análise do jogo tradicional/
popular com regras, pois “a regra é a ordem posta em nossos atos,
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
uma ordem subjetiva, aquela que eu ponho, para facilitar o jogo, nos
meus atos e pensamentos” (CHATEAU, 1987, p. 62). No que concerne
às regras do jogo, Piaget (1994, p. 24) identifica dois fenômenos:
A prática das regras, isto é, a maneira pela qual as
crianças de diferentes idades as aplicam efetivamente e a consciência da regra, isto é, a maneira pela qual
às crianças de diferentes idades apresentam o caráter
obrigatório, sagrado ou decisório, a heteronomia ou
autonomia inerente às regras do jogo.
É na ação diante da regra que está posta que o aluno pode
tomar suas decisões oriundas das situações que acontecem no
jogo. Ou seja, a regra do jogo diz o que pode e o que não pode ser
possível de ser realizado. Largadera e Lavega (2008, p. 57) reforçam
a importância do papel da regra no jogo:
As regras condicionam de tal forma seu modo de
ser, que todos os componentes que lhes outorgam
vida no momento que são colocados em prática,
relacionam-se entre eles de acordo com um modo
bastante peculiar, segundo uma ordem estabelecida na convenção que antecede a sua origem. Essa
especialíssima conjunção determina sua estrutura,
ou seja, a maneira singular de relacionarem-se uns
componentes com os outros.
Largadera e Lavega (2008) acrescentam que essa convenção
do jogo mencionada é explícita mediante a regra, que é a expressão
de como se deve fazer ou como convém realizar determinada ação,
ou seja, o modo com que convém ou está determinada a ação. Toda
convenção ou contrato lúdico implica a enumeração de uma série
de regras que definem as condições em que devem se realizar.
Essa tríade regra-comunicação-ação é que favorecerá
avanços cognitivos, por serem as formas mais avançadas do jogo,
Capa
Sumário
197
por se tratar de uma possibilidade de realizar as formas mais sofisticadas do jogo de regras44(FREIRE, 2005). Conhecendo as regras
do jogo, podemos nos comunicar melhor, e isso resulta em novas
ações com os outros jogadores, independentemente de que ele
seja companheiro ou adversário.
O jogo é, antes de tudo, um sistema de regras; esse
sistema define a estrutura e o modo de funcionamento da atividade, ou seja, sua lógica interna. O
estudo dos jogos motrizes consistirá, em sua grande
maioria, em colocar a descoberto as consequências
acarretadas por essa lógica motriz sobre as representações coletivas ligadas a cada jogo tradicional e
a cada esporte (PARLEBAS, 2013, p. 13).
Isso significa que, no jogo com regra, o sujeito não age
isoladamente, mas se orienta junto com outros. Esses outros
não significam os demais além de mim. Entender nossa ação
dentro do jogo, como o encontro com outros entes, implica
percebê-lo como um modo de existir (GOMES-DA-SILVA, 2012), e
existimos no jogo porque compreendemos seu funcionamento,
nossas ações e as ações dos demais, numa comunicação e tomada de ação constante, principalmente nos jogos de características cooperativas e de oposição.
A partir de Chateau (1987), a regra passou a ser mais
ou menos coisa social. É evidente em relação aos jogos tradicionais, mas, no jogo de competição, a regra que estabelece o
obstáculo a ser vencido também é social quando o participante
lança um desafio. Por meio desses jogos, a criança acaba por se
submeter a uma regra exterior. Essa relação com o jogo tradicional é pertinente, considerando nossa pretensão de analisar
44
Embasado na classificação de jogos em Piaget (1990), o professor João Batista
Freire entende a categoria Jogo de Regras como uma característica do ser suficientemente socializado, que pode, portanto, compreender uma vida de relações mais amplas.
Enquanto jogo, representa as coordenações sociais, as normas a que as pessoas se submetem para viver em sociedade.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
o jogo com regra, cuja tradição é marcada por gerações. “As regras do jogo se transmitem de geração a geração e se mantêm
unicamente graças ao respeito que os indivíduos têm por elas.
Consiste em observar corretamente as normas do jogo, um respeito à regra” (PIAGET, 1994).
Piaget (1994), ao analisar o jogo de bola de gude, identificou três fatores que precisam ser notados por quem quer analisar simultaneamente a prática e a consciência da regra no jogo.
Primeiro é que, entre as crianças de determinada geração e num
território qualquer, por mais restrito que seja, nunca houve só
uma maneira de jogar, mas inúmeras. “Cada criança conhece, assim, diversos jogos, e essa circunstância pode contribuir, segundo as idades, para reforçar ou enfraquecer a crença no caráter
sagrado das regras” (PIAGET, 1994, p. 25). Segundo, um mesmo
jogo comporta variações bastante importantes segundo o local e
o tempo e difere, sob certos aspectos, de uma escola para outra.
“Essas variações no tempo ou no espaço são importantes, porque as crianças frequentemente as conhecem” (Idem, p. 25).
Sobre o jogo tradicional/popular, detentor de regras, Cervantes (2005) caracteriza-o como possível de ser modificado,
precisamente pela necessidade de se adaptarem ao meio ou às
circunstâncias concretas em que serão praticados. O jogo, por ter
regras claras e flexíveis, ao estar integrado ao ambiente, pode ser
recriado constantemente, portanto,surgem, com frequência, novas variantes. O jogo sem regras pré-estabelecidas fica aquém de
tomadas de ação efetiva, a ausência de uma situação – problema, que resulta numa “falta de organização no jogo: o jogo seria
desprovido de estrutura organizada, em contraposição ao pensamento sério, que é sempre regulado” (PIAGET, 1990, p. 191).
O jogo tradicional não é apenas jogo. Quando um
jogo tradicional é realizado, importa tanto o que o
cerca como o jogo em si. Da própria escolha de jogadores, como as atitudes e relação dos mesmos,
Capa
Sumário
199
assim como a linguagem utilizada, tudo faz parte da
encenação, sendo importante para contar e analisar
o próprio jogo (CERVANTES, 2005, p. 112).
O jogo tradicional/popular é importante porque os jogos
são um excelente mecanismo contra uma educação excessivamente técnica, estimulam a criatividade e permitem destacar seus
valores sociomotores, independentemente do jogador que atua.
O mais interessante é a ação do jogador em certa situação e suas
consequências para o funcionamento do jogo, que é um elemento
indispensável para o desenvolvimento das aprendizagens significativas. Nessa perspectiva, o jogo tradicional/popular pode funcionar como um facilitador de procedimentos, habilidades, formas de
relação, valores, atitudes, formas de pensar, gestos, entre outros.
Essa multifacetude do jogo é admirável. Não se limita ao
ato mecanizado e reprodutor do jogador, mas à compreensão da
experiência motriz em assimilar e ressignificar os hábitos culturais
no jogo. O modo como o jogador vive no tempo e no espaço do jogo
é relevante, do ponto de vista da ação, pois o ser-jogador realiza-se
da maneira que vive no tempo de jogo e como se posiciona em seu
espaço, em que dispõe de um sistema de significação adquirido e
o aplica às situações existenciais nas ações.
Segundo Gomes-da-Silva (2011), o mundo do jogo é sempre
mundo vivido, e a ação é sempre um gesto com sentido/significado
para quem, individual ou coletivamente, realizou-a. Assim, as relações que ocorrem no jogo são amplas, em virtude de que, em cada
uma das manifestações dos jogos tradicionais/populares com regras, os jogadores interagem de variadas formas com os seus companheiros e adversários e se relacionam com o espaço e o terreno de
jogo diferentemente. Além disso, cada jogo pode solicitar um objeto
lúdico diferente, como bola, bastões e raquetes. Cada atividade lúdica ostenta um universo único de ações motrizes, produto da singular lógica exigida pelo jogo (RAMOS et al., 2004).
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Essa rede de interação proporciona quatro interações possíveis, em que emerge a ação motriz no jogo a partir de um estatuto sociomotriz, que deve respeitar os jogadores (LARGADERA;
LAVEGA, 2008). As relações ou interações motrizes entre os participantes podem ser do tipo cooperativa, quando se estabelece uma
comunicação motriz de colaboração. Também poderão acontecer
relações de oposição ou antagônicas, denominadas por Parlebas
(2001) de processos de contracomunicação motriz.
As relações com o espaço de jogo. Normalmente está delimitado por linhas que o limitam e condicionam, como as linhas laterais, o
fundo, o centro e o gol, por que se podem passar e em que se podem
pisar ou não, dependendo da circunstância do jogo e da modalidade
que corresponda a um jogador de uma equipe ou de outra.
Nas relações do jogador com os objetos ou implementos que
intermedeiam o enfrentamento, as regras estabelecem, com toda clareza, a forma como os jogadores têm que se relacionar com os objetos
lúdicos e o modo como os jogadores deverão ajustar-se ao tempo de
jogo. Existem jogos/esportes em que os participantes dispõem de determinada limitação temporal para realizar as ações de jogo.
Conhecer o estatuto sociomotriz de todo jogo ou
modalidade esportiva se converte, assim, em um
procedimento básico para desvelar aspectos importantes da lógica do jogo, de sua coerência interna.
Sabemos as condições com que cada participante
pode jogar, visto que nem todos os jogadores podem realizar uma ação motriz da mesma forma.
Cada estatuto define uma determinada maneira de
atuar, de realizar um papel, função ou atividade específica (LARGADERA; LAVEGA, 2008, p. 78).
Ressalte-se, porém, que não basta conhecer as leis que regem um jogo tradicional/popular, suas características e as relações
que emergem uma ação motriz. É preciso, também, agir no jogo
utilizando outras formas de comunicação direta: as ações gestu-
Capa
Sumário
201
ais. Segundo Parlebas (2001), essas ações gestuais são chamadas
de gestemas (atitudes, mímicas, gestos e comportamentos motores, que substituem a palavra, com o objetivo de transmitir uma
demanda, indicação, injunção tática ou relacional) e de praxemas
(leitura/interpretação das ações motrizes).
Os comportamentos do participante ganham sentido na
relação com o ambiente, com seus parceiros e/ou com seus adversários. Segundo Ramos (2004), as condutas motrizes produzem um grande número de comunicações não verbais, que Parlebas considera como gestemas e praxemas, que favorecem as
interpretações dos comportamentos dos sujeitos em situação
de jogo. “Esse sistema de signos impõe a cada jogador decifrar
códigos corporais como: pré-ações, antecipações, os sinais dos
companheiros e adversários, e também os imprevistos, os índices e obstáculos que o meio físico oferece” (Idem, 2004, p. 20).
Os gestemas são atos especificamente motrizes e os praxemas
são representados pelos comportamentos estratégicos dos participantes do jogo.
No jogo, a criança mostra sua inteligência, sua vontade,
seu traço dominante, sua personalidade, enfim. As múltiplas
maneiras de jogar precisam aproximar o movimento no jogo
por meio de um relato do espaço, do tempo e do mundo ‘vividos’ no próprio jogo. Essa tendência dos gestos nos jogos ou
a sucessão dos movimentos que nele acontecem localizam-se
num espaço de ação, dependendo do contexto empregado.
Com isso estamos afirmando que os brincantes ao
se comunicarem corporalmente durante o jogo, participam de uma mesma experiência, compartilham
a mesma visão de mundo, mesmo com aqueles que
se apresentam como adversários. Nas práticas motoras, os jogadores participam de um mesmo circuito
de comunicação e se envolvem num vínculo de convivência. E esse vínculo implica os sujeitos naquilo
que gesticulam entre si, os seus movimentos não es-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
tão apenas dentro do jogo, mas pertencem ao jogo e
constituem o jogo (GOMES-DA-SILVA, 2011, p. 97).
Por que os jogadores utilizam certa ação com frequência,
e não, outras, em função dos objetivos do jogador ou dos jogadores? Por que permanecem com os mesmos hábitos motrizes? Piaget
(1990) refere que o jogador contrai hábitos, ou seja, chega à prática
de regularidades espontâneas (atirar do mesmo lugar, à mesma distância). Mas, além da regularidade, há, na regra, uma ideia de obrigação. É como se o jogador dispusesse do conhecimento das regras
do jogo e realizasse as ações repetidamente porque o jogo as exige.
Mas a criança precisa entrar em contato com outras ações,
habituar-se a considerar o outro como partícipe do jogo em jogos
de cooperação-oposição e o quanto suas ações culminam na evolução da compreensão e da aprendizagem ou não do grupo durante os jogos. O jogo tradicional/popular com regras é atividade de
grupo (CHATEAU, 1987, p. 126).
Para isso, os movimentos dos jogadores, previsíveis ou não,
prestam-se à possibilidade de desvelar seu ser para si mesmo e
para o outro. É possível compreender-se e compreender o outro
nos movimentos realizados nos jogos tradicionais/populares (GOMES-DA-SILVA, 2012). Portanto, sugere-se que os jogadores interpretem (HERNANDEZ MORENO; RODRIGUEZ RIBAS, 2004) essas
informações gestuais e ações motrizes de si mesmos e dos outros
para um raciocínio prévio nas tomadas de decisão e na sequência
das ações durante os jogos.
Esse entendimento do jogo tradicional/popular, no contexto escolar, é de imensurável conhecimento. Cervantes (2005) enumera vários conhecimentos conceituais possíveis, como o conhecimento das possibilidades e das limitações no jogo; de diferentes
formas de comunicação e relação por meio dos jogos tradicionais
e a identificação e interiorização das regras do jogo. No tocante ao
contexto procedimental, podem-se experimentar jogos tradicio-
Capa
Sumário
203
nais em diferentes ambientes de aprendizagem e jogos com diferentes regras, papéis e variantes, assim como a prática de diferentes estratégias de jogo.
CONSIDERAÇÕES EDUCATIVAS
Após a teorização do jogo, em especial ao tradicional/popular, partimos em direção de suscitar novas reflexões. Já explicamos nosso interesse em analisar o jogo a partir das interações
existentes nos respectivos jogos e os avanços cognitivos nas tomadas de decisão. Isso implica uma mudança de hábitos e a criação
de novas ações em detrimento do modo repetitivo durante o jogo.
Os gestos que são utilizados e as ações táticas permitem que os
jogadores se sobressaiam diante das situações-problema.
É com essa preocupação que entendemos que o jogador
possa pensar em suas ações a partir da compreensão da lógica
interna do jogo, buscando soluções inteligentes. Mas, para isso,
é preciso desenvolver essa questão, e não, apenas, repetir o
que todos já perceberam e identificaram em um jogo, durante o
qual as crianças precisam produzir soluções criativas e originais
adequadas às características do mesmo para que ele não se reduza
às ações técnicas do jogo tradicional/popular. Isso, no entanto,
não resolve o problema, segundo Freire (2002). Falta algo, falta
uma consciência da tomada da própria ação durante o jogo, que é
por onde devem passar as ações.
As teorias que trouxemos e o diálogo que propusemos se
aproximam no que concerne à valorização da ação do jogador, de
suas condutas dentro do jogo, o modo como ele age nas situações
oriundas de outras ações, seja de companheiros e/ou adversários,
inseridos em um espaço de jogo. As interações ocorrem junto do
entorno (jogadores, objetos, espaço). O modo como o jogador vive
no tempo e no espaço no jogo tradicional/popular pode ser relevante do ponto de vista da ação. Pois, o ser-jogador realiza-se da
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
maneira que ele vive no tempo de jogo e como ele se posiciona no
espaço do mesmo jogo, dispondo de um sistema de significação
adquirido e o aplica às situações existenciais nas ações.
O importante é que cada vez mais o jogo tradicional/popular
seja investigado sob óticas diferentes de compreensão, não apenas
histórica, sociológica, antropológica, biológica ou biomecânica.
Nossa motivação para investigá-lo parte dos pressupostos do movimento dentro do jogo como comunicação. Sendo assim, se ampliam
as possibilidades de aprendizado dos atos motrizes nas dimensões
cognitivas, perceptivas e emotivas. Suspeitamos que esse encontro
entre teorias e autores, diante suas especificidades, aproximações e
distanciamentos, tornam os objetos e espaços formadores para os
jogadores, bem como torná-los (jogadores) cada vez, um ser-mais,
não só funcional, porém, também existencial no ato de jogar.
A intenção é refletir nas ações dos sujeitos, e o que delas
se sobressaem quanto aos elementos previamente estabelecidos
para análise, isto é, partimos em defesa da importância do jogo
na construção do sujeito criativo, que se permite adentrar num
contexto de competição, porém, também de satisfação e de brincadeira. Daí a relevância em considerarmos a vivência interativa
e criativa. Conscientes dos desdobramentos dos movimentos-comunicativos que naturalmente se emergem, posicionamo-nos em
destacar os jogos tradicionais/populares como estimulantes para
a interação e criação no modo de agir dos educandos.
CERVANTES, C.T. Aprendizagem de valores sociais através do jogo.
In: MURCIA, J.A.M.(Org.) Aprendizagem através do jogo. Porto Alegre:
Artmed, 2005.
CHATEAU, J. O jogo e a criança. SP: Summus, 1987.
FREIRE, J.B; SCAGLIA, A.J. Educação como prática corporal. SP:
Scipione, 2007.
FREIRE, J.B. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da Educação
Física. SP: Scipione, 2005.
FREIRE,J.B. O jogo: entre o riso e o choro. Campinas: Autores
Associados, 2002.
FUENTES, M.T.M. Evolução do jogo ao longo do ciclo vital. In: MURCIA,
J.A.M.(org.) Aprendizagem através do jogo. Porto Alegre: Artmed, 2005.
GOMES-DA-SILVA, P.N. A corporeidade do movimento: por uma
análise existencial das práticas corporais. In: HERMIDA, J.F; ZÓBOLI, F.
Corporeidade e educação. João Pessoa: Ed. Universitária UFPB, 2012.
GOMES-DA-SILVA, P.N. O jogo da cultura e a cultura do jogo: por uma
semiótica da corporeidade. João Pessoa: Editora Universitária UFPB,
2011.
GÓMEZ, R. S; SAMANIEGO, V.P. A aprendizagem através dos jogos
cooperativos. In: MURCIA, J.A.M.(org.) Aprendizagem através do jogo.
Porto Alegre: Artmed, 2005.
HERNANDEZ MORENO, J; RODRIGUES RIBAS, J.P. La praxiologia motriz:
fundamentos y aplicaciones. Barcelona: INDE, 2004.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, P. C.; MENDES, N. M. C. O jogo da bola de aro em São Miguel
de Machede. Lousã: Tipografia Lousanense, 2007.
CALLOIS, R. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa:
Cotovia, 1990.
Capa
205
Sumário
HILDEBRANDT-STRAMANN, R. Textos pedagógicos sobre o ensino da
educação física. Ijuí: Unijuí, 2003.
KISHIMOTO, T.M. Jogos infantis: o jogo, a criança e a educação.
Petropólis: Vozes, 2009.
KUNZ, E. (Org.). Didática da Educação Física. 2. ed. Ijuí: Ed.Unijuí, 2004.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
LAGARDERA, O; LAVEGA, P. Fundamentos da praxiologia motriz. In:
RIBAS, J.F.M. (Org.). Jogos e Esportes: fundamentos e reflexões da
praxiologia motriz. Santa Maria: UFSM, 2008.
LAVEGA, P. Classificação dos jogos, esportes e as práticas motrizes.
In: RIBAS, J.F.M. (Org.). Jogos e Esportes: fundamentos e reflexões da
praxiologia motriz. Santa Maria: UFSM, 2008.
LAVEGA, P. Juegos y deportes populares tradicionales. Barcelona:
INDE, 2000.
MARIN, E.C; RIBAS, J.F.M. (Orgs). Jogo tradicional e cultura. Santa
Maria: UFSM, 2013.
MARIN, E. C. et. al. Jogos tradicionais no estado do Rio Grande do Sul:
manifestação pulsante e silenciada. Movimento, Porto Alegre, v.18, n.3,
p.73-94, jul/set, 2012.
MURCIA, J.A.M (Org.).Aprendizagem através do jogo. Porto Alegre:
Artmed, 2005.
MURCIA, J.A.M; GARCÍA, P.L.R. Do jogo ao esporte. In: MURCIA, J.A.M
(Org.). Aprendizagem através do jogo. Porto Alegre: Artmed, 2005.
ORTIZ, J.P. Aproximação teórica à realidade do jogo. In: MURCIA, J.A.M.
Aprendizagem através do jogo. Porto Alegre: Artmed, 2005.
PARLEBAS, P. Prefácio. In: MARIN, E.C; RIBAS, J.F.M. (Orgs). Jogo
tradicional e cultura. Santa Maria: UFSM, 2013.
PARLEBAS, P. Jargão e linguagem ciêntífica. In: RIBAS, J.F.M. (Org.).
Jogos e Esportes: fundamentos e reflexões da praxiologia motriz.
Santa Maria: Editora UFSM, 2008.
PARLEBAS, P. Juegos, deporte y sociedad: léxico de praxiologia motriz.
Barcelona: Paidotribo, 2001.
PARLEBAS, P. Elementos de Sociologia Del deporte. Málaga: Junta de
Andalucia. Universidade Internacional Deportiva de Andalucia, 1988.
Capa
Sumário
207
PIAGET, J. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho –
imagem e representação. RJ: LTC, 1990.
PIAGET, J. O juízo moral na criança. 2. ed. SP: Summus, 1994.
RAMOS, J.R.S et al. ‘O Pique da Cachoeira’ E os Fundamentos da
Praxiologia Em Um Ambiente Escolar Na Ilha Grande. In: RAMOS, J.R.S
et al. Praxiologia Motriz no Brasil: o discurso da ação motriz no Brasil.
Niterói, RJ. L. A Erthal: Faculdades Integradas Maria Thereza, 2004. p.1328
RAMOS, J.R.S. Queimado: um jogo tradicional desvendado pelas
impressões praxiológicas. In: RAMOS, J.R.S et al (Orgs.). Praxiologia
Motriz no Brasil. O discurso da ação motriz no Brasil: apontamentos
para análise praxiológica em diferentes jogos, práticas corporais e
brincadeiras. RJ: Faculdades Integradas Maria Tereza, 2004.
REVERDITO, R.S; SCAGLIA, A.J. Pedagogia do esporte: jogos coletivos
de invasão. SP: Phorte, 2009.
RIBAS, J. F. M.(Org). Jogos e Esportes: fundamentos e reflexões da
praxiologia motriz. Santa Maria – RS: Editora UFSM, 2008.
RIBAS, J.F.M. Praxiologia Motriz: construção de um novo olhar dos jogos
e esportes na escola. Motriz, Rio Claro, v.11, n.2, p. 103-110, mai/ago,
2005.
RIBAS, J.F.M. Copa do mundo de futebol: deu a lógica, praxiológica. In:
RAMOS, J.R.S et al (Orgs.). Praxiologia Motriz no Brasil. O discurso
da ação motriz no Brasil: apontamentos para análise praxiológica em
diferentes jogos, práticas corporais e brincadeiras. RJ: Faculdades
Integradas Maria Tereza, 2004.
RIBAS, J.F.M. Contribuições da praxiologia motriz para a educação
física escolar – ensino fundamental. Tese (Doutorado). Faculdade de
Educação Física. Campinas, 2002.
209
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
SANTOS, G.F.L. Jogos tradicionais e a educação física. Londrina:
Eduel, 2012.
SOARES, L. E. S. et al. Comunicação Motriz nos Jogos Populares: uma
análise praxiológica. Movimento. Porto Alegre, v. 18, n. 03, p. 159-182,
jul/set de 2012.
CAPÍTULO 08
CORPOREIDADE MESTIÇA: NOTAS SÓCIO-CULTURAIS
E EDUCATIVAS DA MISCIGENAÇÃO BRASILEIRA
Djavan Antério45
Pierre Normando Gomes-da-Silva46
INTRODUÇÃO
Este ensaio discute a corporeidade do brasileiro a partir
de sua historicidade cultural. Por meio de um levantamento teórico, de caráter sócio-antropológico, que corroboram com a tese
de que, por conta da miscigenação histórica ocorrida no Brasil,
a população hoje se consolida justamente pela diversidade cultural. Parte-se da premissa de que a corporeidade do brasileiro
se evidencia nas diversas maneiras deste sujeito configurar-se no
entorno. Através de um arcabouço teórico que contempla questões como raça, etnia, colonização, cultura e tradição, explora-se
a “brasilidade” a partir de um entendimento subjetivo, social e
antropológico. Dentre as principais conclusões, fundamenta-se
que a corporeidade do brasileiro se configura, mesmo em meio a
45
Mestre em Educação, professor do Departamento de Educação Física e do curso de Pedagogia (modalidade à distância) – UFPB. Membro do Laboratório de Estudos e
Pesquisas em Corporeidade, Cultura e Educação. [email protected]
46
Doutor em Educação, Professor Associado do Departamento de Educação Física – UFPB. Líder do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Corporeidade, Cultura e
Educação. [email protected]
Capa
Sumário
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
sua diversidade étnica, como um modo de ser festivo, que deve
ser assumido pelos currículos escolares.
Não precisamos ir muito a fundo para saber que poucos países no mundo passaram por uma miscigenação tão intensa quanto
o Brasil. Indo de encontro ao que se tornou senso comum, tivemos
por aqui um processo de miscigenação extremamente longe daquilo que se entende por naturalidade, espontaneidade. Num processo
violento e verticalizado, ibéricos se sobrepunham aos povos indígenas – nativos desde muito antes do que viria a ser “Brasil” – e negros,
trazidos para território brasileiro como mercadoria. O resultado,
uma violenta miscigenação que acarretaria conflituosas configurações sociais. Atualmente, a sociedade brasileira passa por um importante momento de contestação, de cunho individual e coletivo,
sobretudo no que concerne aos seus valores étnico-culturais.
Para este ensaio, afloramos a discussão acerca da corporeidade do brasileiro, sugerindo seu espelhamento frente a mestiçagem que constituiu e identificou um povo. Partimos de uma específica perspectiva de corporeidade, fruto da tese de Gomes-Da-Silva,
(2011). Por conseguinte, levantamos a hipótese de que a corporeidade do brasileiro pode ser diferenciada das demais – e aproximada de algumas – quando elegemos o jogo como elemento analítico.
Não qualquer jogo. Tratamos de jogo à luz de Huizinga (1992), como
forma específica de atividade, significante, como função social. Com
o autor, procuraremos considerar o jogo como o fazem os próprios
jogadores, isto é, em sua significação primária. Neste viés, o jogo é
fato mais antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas definições
menos rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana.
Caminhando com Gomes-da-Silva (2011), analisamos a
corporeidade do brasileiro por meio de sua capacidade de estar
com o mundo, configurando-se nas circunstâncias, sejam elas naturais ou sociais, políticas ou psíquicas. Fazemos isso subsidiados
por diferentes teorias, advindas de diferentes áreas do conhecimento (sociologia, antropologia, artes, educação, educação físi-
Capa
Sumário
211
ca). Dedicamo-nos a corporeidade do brasileiro a partir da sua historicidade cultural. Isso implica desvelar a miscigenação histórica
ocorrida, sobretudo, nos anos iniciais do Brasil e que ainda hoje
se encontra em processo de consolidação. Por meio de considerações sócio-antropológicas, elencamos fundamentações teóricas
que corroboram com a tese de que o povo brasileiro, mais do que
nunca, é reconhecido pela sua diversidade cultural. E esta, por sua
vez, retrata-se na corporeidade.
Através de um arcabouço teórico que contempla questões
como raça, etnia e colonização, cultura e tradição, exploramos a
brasilidade47 por meio da corporeidade. Não obstante, recorremos a estudos aprofundamos que, cada qual de sua maneira, evidencia e fortalece a hipótese aqui levantada. Dentre eles: Ribeiro
(1995); Freyre (2006); Munanga (1999); e Câmara Cascudo (1967).
Emergimos com a tese de que a miscigenação brasileira
pode ser diretamente identificada na corporeidade de seu povo,
pelo fato primordial dela apresentar peculiaridades advindas do
cruzamento cultural de indivíduos geneticamente diferentes. Deste modo, caracteriza-se como questão-problema deste ensaio:
Como se configura a corporeidade do brasileiro, a partir de sua
peculiaridade mestiça? Vale ressaltar que nosso entendimento
acerca das “peculiaridade” navega por uma conjuntura de aspectos pontuais que, de alguma forma ou de outra, revelam a originalidade dessa corporeidade. Dentre estes, temos: (i) aspecto físico,
correspondendo a traços físico-fisionômicos; (ii) comportamental,
considerando como o sujeito tipicamente sociável; (iii) relacional,
avaliando de que forma determinado sujeito se relaciona com o
meio; (iv) integrativo, no que se refere ao nível de integração do
sujeito no ambiente que se encontra.
47
Para este estudo, entende-se por brasilidade, a maneira peculiar do brasileiro
ser e se mostrar através de aspectos que sobressaltam a nacionalidade em si. Apoiando-nos em Câmara Cascudo (1967), argumentamos que elementos como a língua falada,
não especificamente o idioma, os costumes, as brincadeiras, os jogos, as manifestações
culturais, possibilitam um mapeamento empírico da origem de um sujeito.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Dentre essas peculiaridades, segundo Montes sobressalta
a cultura da festa, que corresponde as nossas heranças barrocas
para “explorar a riqueza e a multiplicidade de seus significados,
que, ao longo da história, se sedimentaram na construção do que
somos, definindo os múltiplos e ambíguos contornos da construção de nossa identidade” (MONTES, 1998, p.143).
CAMINHO METODOLÓGICO
Trata-se de uma pesquisa descritivo-teórica e de abordagem
qualitativa, por caracterizar o entendimento de um fenômeno, envolvendo significados, valores e atitudes, os quais possibilitam aprofundar as relações dentro do processo social, como aponta Minayo
(2001). Como eixo epistemológico, adotou-se o conceito de corporeidade como elemento perceptivo, ativo-expressivo e fundamental
para a inter-relação do sujeito consigo e com os outros. Isto implica
afirmar que o corpo foi tratado na pesquisa como elemento subjetivo,
para além de suas perspectivas orgânicas, biológicas e estéticas.
Nossa pesquisa justifica-se pela importância em elucidar
prováveis vestígios históricos que configuram nossa corporeidade,
aclarando as peculiaridades remanescentes de uma fusão genética,
cultural, humana. Ancoramo-nos em uma visão histórica da corporeidade, considerando-a sua constituição cultural. Através do arcabouço teórico recorrido, estabelecemos conexões pertinentes entre
historicidade cultural, evolução e consolidação étnica, e aspectos
elementares identificados na “corporeidade mestiça do brasileiro”.
Partindo desse bojo contextual, o presente ensaio objetivou-se discutir perspectivas literárias (sociais e antropológicas), fomentando um diálogo reflexivo com e entre os autores
analisados. Para isso, valemo-nos de obras conceituadas sob a
ótica da revisão sistemática, por permitir integrar as relações
de um conjunto de pesquisas realizadas por determinadas intervenções, podendo apresentar resultados semelhante e/ou
Capa
Sumário
213
contrários, além de aproximar temas que precisam de evidências para estudos futuros.
Apoiamo-nos ainda em eixos da fenomenologia, visto que
esta apreende o sentido do mundo ou da história em seu estado
nascente. E ao localizar nosso problema na descoberta da corporeidade originária da miscigenação, estamos dentro da análise
existencial proposta pela fenomenologia. Em nosso entender, é
extremamente complexo querer evidenciar uma cultura específica, diversificada, como é a brasileira, por meio de sua corporeidade. Também por isso, ressaltamos o inacabamento do estudo aqui
apresentando, entendendo que sua incompletude representa a
possibilidade de estímulos para discussões futuras.
NOTAS HISTÓRICO-CULTURAIS
São inúmeras as vertentes que discutem a descoberta e a
ascensão do Brasil enquanto país. Estudos apontam que fomos
descobertos por acaso; outros, entretanto, afirmam que tudo foi
detalhadamente estudado. Todavia, seja qual for a perspectiva
utilizada para estudar a história do Brasil, um fato é inegável: o
nosso povo, da maneira que se configura hoje, é oriundo da confluência, do entrechoque, do caldeamento do colonizador português com índios silvícolas e com negros africanos. De acordo com
Ribeiro (1995), somos uma cultura sincrética, um povo novo, que
apesar de fruto da fusão de matrizes diferenciadas, se comporta
como uma só gente.
Alguns povos africanos, vindos de Angola, do Congo, de
Moçambique, da Nigéria, do antigo Daomé, e de outras partes do
continente africano, atravessaram o oceano atlântico para desembarcar no Brasil como mão de obra escrava trazidos pelos colonizadores ibéricos. Estes passaram a ser a massa substancial da força
de trabalho para a construção do Brasil. Por isso, segundo Ribeiro
(1995), é que toda cultura brasileira está impregnada nesta heran-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
ça africana. Herdamos desses povos, um rico e imensurável bojo
cultural, indo desde a produção artesã de cerâmica até práticas de
agricultura, passando por manifestações de danças, cantos e crenças. O que aconteceu no Brasil é que os africanos foram tão ao fundo na construção do país que hoje “eles não são eles; eles somos
nós” (RIBEIRO, 1995, p.98). Na concepção tida por Souza (2006), o
negro vem a ser, apesar de todas as dificuldades que enfrentou e
ainda hoje enfrenta, o componente mais criativo da cultura brasileira. Em contrapartida, é fundamental que se frise que antes da
chegada destes, já havia no Brasil uma população extremamente
consolidada, os índios.
Mesmo antes de sua “descoberta oficial”, pelos portugueses
que aqui vieram, o Brasil já “preexistia” há muito, fisicamente, biologicamente, e humanamente. Tratava-se de uma humanidade singular, diferente, formada por uma gente que agradecia todos os dias
por habitar um lugar tão belo, tão perfeito; que se encontravam no
mundo para viver a vida, para gozá-la da forma conjunta e harmoniosamente integrada à natureza. De acordo com estudos de Ribeiro
(1995), os “brasis”, como eram chamados nossos antepassados indígenas, já no ano de 1500 poderiam totalizar entre um a oito milhões
de pessoas, distribuídos por todo o território brasileiro. Estes povos
surgiram durante séculos, conhecendo a natureza em detalhe, se
bastando na força de sua cultura, sendo auto-suficientes.
Partindo com Ribeiro (1995) e Munanga (1999), temos que a
cultura brasileira é uma “cultura de retalhos”, resultante da mistura de índios, negros e ibéricos, cultural e linguisticamente unificada, certa e segura de sua própria identidade nacional, como gente,
que não mais sendo índia, nem afro, nem européia, é algo peculiar
no mundo. O Brasil é o resultante da fusão desses milhões de gente
desencontrada. Fusão genética, uma vez que a mestiçagem aqui,
sempre se fez sem freios e sem nenhuma noção que fosse crime
ou pecado. Fusão também espiritual, pela confluência que aqui se
deu dos patrimônios culturais de nossas diversas matrizes. Tudo
Capa
Sumário
215
isso nos plasmou como um povo mestiço na carne e no espírito. Eis
a justificativa da clássica afirmativa de Freyre (2006, p.113), quando diz que “todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na
alma, quando não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a
pinta, do indígena e/ou do negro”.
O fato é que todos nós, brasileiros, somos mestiços, pois
somos produto do encontro de várias culturas, de vários povos. E
a contribuição das diferenças é que de fato proporciona a originalidade para a cultura (MUNANGA, 1999). Essa autenticidade latente
do brasileiro é fruto de anos, passada de geração para geração. Talvez esta seja uma das maiores lições que tenhamos, enquanto um
povo tipicamente mestiço, aceitar o desafio da mistura, de pensar
a ideia de que nós podemos até não ter uma essência, uma pureza, no que se refere a unidade racial, porém, somos desde sempre
mestiços e a partir daí, inventamos e reinventamos maneiras diversificadas de estarmos no mundo.
Dos africanos herdamos os padrões rítmicos; instrumentos musicais; estilos de dança; corpos enérgicos, elásticos, sensuais, se afirmando em vitalidade e beleza, contra toda e qualquer
opressão. Com os índios aprendemos a conviver coletivamente, a
tratar o outro como igual, com alegria; a confraternizar pacifica e
amistosamente; isso sem mencionar a riqueza artística, o empenho extremo em tudo o que se faz, o espírito guerreiro. Por fim,
dos ibéricos ficamos com a sistematização, a organização amplamente difundida nos “continentes velhos”; com as habilidades
que correspondem fundamentalmente à forma como se organizar
enquanto sociedade contemporânea. Sendo assim, podemos concluir que de todos herdamos um pouco. Na visão de Ribeiro (1995),
o que caracteriza o Brasil é o milagre de ser uma nação unificada,
mesmo havendo tantas diferenças. Essa mescla de gentes, vindas
da Europa, vindas da África, vidas das florestas brasileiras, gerou
uma cultura grandemente homogenia. Havia uma uniformidade
nas diferenças, resultando em uma identidade única, bela, que foi
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
aos poucos amadurecendo. Entre encontros e desencontros, o que
inventamos foi um povo e um país.
Dessa mistura herdamos um “corpo uno”, forte e resistente,
ao mesmo tempo leve e cheio de graça. A corporeidade do brasileiro, assim como outros aspectos, foi sendo configurada de forma
gradativa, minuciosa, considerando e respeitando cada elemento
intrínseco dos povos que aqui já habitaram. Não podemos mais,
portanto, distinguir características que hoje incorporamos consolidadamente. Tal como afirma Freyre (2006), temos um corpo índio,
um corpo negro, um corpo branco, ambos dimensionados na proporção perfeita e equilibrada, num corpo tipicamente brasileiro.
CORPOREIDADE E IDENTIDADE CULTURAL
Ao discutirmos corporeidade como configuração social
e individual, apoiamo-nos em conceitos específicos, subjetivos,
que compreende o ser em constante comunicação com o mundo,
buscando constantemente seu transbordamento (GOMES-DA-SILVA, 2012). Isso implica dizer que o homem não é só um ser de
necessidades. Ele é um ser de necessidades e desejos. Tem em si
uma dimensão social, política, cultural, econômica, mas também
arquetípica, libidinal. Esse é o lastro no qual estamos centrados.
Do mesmo modo, este conceito de corporeidade fortalece
a tese de que a identidade de um sujeito está, sobretudo, encarnado em sua personalidade, seu comportamento, suas crenças,
sua tradição, seu jeito de ser e estar no mundo. O corpo é mais
do que se pode ver e, sendo assim, revela suas particularidades.
Além do mais, este mesmo corpo não é algo rígido, engessado.
Pelo contrário, “está continuamente reaprendendo a estar no
mundo, reaprendendo a adquirir novos hábitos ao atribuir-lhe
um novo conjunto de significações (GOMES-DA-SILVA, 2011, p.90).
Em nosso entendimento, para que a identidade de um
povo tenha se consolidado, ramificações foram estabelecidas. E
Capa
Sumário
217
isto se dá de diversas formas, como por meio da difusão de uma
mesma língua, a aglutinação territorial juntamente com o acobertamento religioso (MUNANGA, 1999). Porém, imersos na esfera teórica na qual estamos abordando este estudo, creditamos à
interação/interligação da corporeidade uma grande parcela de
contribuição para tal consolidação. Referimo-nos a configuração da corporeidade que não está propriamente no corpo em si,
nem na mistura dos corpos, mas nos efeitos dessas misturas, nos
acontecimentos que podem ser percebidos pelo comportamento individual resultante de costumes coletivos, por exemplo. Um
morador de uma comunidade quilombola48 se sente a vontade
para dançar quando se encontra num contexto que, para ele, é
extremamente favorável e confortante. Não se sabe se este mesmo sujeito teria a mesma desenvoltura senão no ambiente ao
qual está habituado a exercer tal prática (BRANDÃO, 1982). Nota-se, portanto, certo grau de complexidade que caracteriza a corporeidade como algo segmentado à cultura.
Partindo do princípio de que a corporeidade emerge no
desenho dos movimentos realizados nas circunstâncias, é inerente às configurações desta interpretar a sucessão de movimentos
como uma linguagem. Para Kristeva (1969), não há linguagem,
mas inúmeras práticas de linguagens. Segundo a autora, a linguagem pode ser conceituada com uma prática social, um sistema de
trocas criador de significações e possibilidades ligadas à comunicação. Sendo assim, fundamentamos que a prática de linguagem
das atividades cotidianas, ligadas principalmente aos costumes
que absorvemos ao longo dos anos com aqueles que se dispuse48
Quilombola é uma designação comum que se dá aos escravos refugiados em
quilombos, ou descendentes de escravos negros cujos antepassados no período da escravidão fugiram dos engenhos de cana-de-açúcar, fazendas e pequenas propriedades
onde executavam diversos trabalhos braçais para formar pequenos vilarejos chamados
de quilombos. Atualmente, de acordo com a organização Comunidades Quilombolas no
Brasil, registra-se mais de duas mil comunidades quilombolas espalhadas pelo território
brasileiro. (Fonte: http://bit.ly/Yo1Prd)
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
ram a nos ensinar/repassar, pode ser caracterizada como histórica, por ser imbuído de hábitos teoricamente culturais.
A diversificação conectada à corporeidade revela a historicidade de um sujeito, a ordem social a que está submetido, as
raízes às quais está interligado. São códigos sociais perceptíveis,
carregados de significações e, por isso, caracteriza-se como identidade, condizente e em total consonância com o contexto sócio-cultural no qual se está inserido. Por isso da importância em se
desvelar os diferentes elementos que compõe uma cultura: seus
costumes, sua culinária, suas crenças, enfim, seu enredo histórico-cultural (GERTZ, 1989).
Em consonância com o dito, Sodré (1981) argumenta que
não basta apenas reconhecer o território no qual se vive, tendo em
vista que tal aspecto não é crucial para a constituição de um povo
como nação, mas o seu auto-reconhecimento enquanto tal, a sua
identificação com o todo que a compõe. Citemos o exemplo disto
nas revoltas regionais ocorridas tanto no Brasil colonial quanto no
Brasil Império. Contudo, o fato é que as revoltas ocorreram pondo
em risco a unidade territorial do Brasil. Isso, principalmente, devido ao não reconhecimento do povo enquanto parte do território,
ou seja, não se tinha – como hoje ainda não se tem – uma visão
integradora entre habitantes e habitat.
Somos seres sociais e exprimimos nossas vontades e intenções também por meio de nossas ações. De acordo com Gomes-da-Silva (2011), a vivência corpórea é a realidade intencional do
sujeito e por isso suas ações corporais não são simples realizações
de tarefas, mas projetos existenciais. Assim, o ato corporal é, indubitavelmente, um ato existencial.
Deste modo, afirmar que a corporeidade pode revelar nossa identidade, mais que isso, pode de fato representar nossa identidade cultural, significa dizer que somos cultura também na maneira como configuramo-nos no mundo. A identidade de um povo
se exprime também pela corporeidade, sendo intimamente conec-
Capa
Sumário
219
tada ao “ser-corporal-humano”, onde ser significa existir; corporal
corresponde à expressividade do corpo frente ao contexto no qual
está inserido; e humano, por se tratar de seres humanos. Consubstanciados em Brandão (1982) e Hall (2007), elencamos a perspectiva
de que a cultura não pode ser ensinada nos livros, em uma palestra;
por sua vez, a identidade não pode ser simplificada a um simples
documento de papel. Identidade cultural é carne, é osso, é expressividade, é conhecimento adquirido e extremamente “contagioso”.
CORPOREIDADE DO BRASILEIRO
Nossa compreensão de corporeidade corresponde à condição existencial do corpo no mundo, ou seja, o modo do sujeito
apresentar-se, mover-se, estar em ação ou inação em relação ao
seu mundo circundante (GOMES-DA-SILVA, 2012). Deste modo, entendemos o movimento humano como linguagem, como acontecimento que possibilita ao homem ser. Isto é, não encararmos o
movimento como um instrumento à disposição do homem, mas
como acontecimento que lhe possibilita ser homem.
Fazemos uma leitura interpretativa da corporeidade do
brasileiro não de forma fragmentada, analisando tão somente
partes específicas de sua estrutura corporal. Aglutinamos diferentes aspectos no intuito de entender o todo, pois, como bem afirma
Nunes et al (2012), a corporeidade assume um componente fundamental para o desenvolvimento de uma educação problematizada
e investigativa que vê na composição totalizante do ser humano,
suas principais contribuições para um ser sem fragmentações. Assim, a corporeidade, tida como expressão e linguagem corporal
construído socialmente ao longo da história, se apresenta como
identidade social reconhecida através de valores e interpretações
presentes em uma determinada realidade.
Analisar o fenômeno corporeidade, sinaliza Wey Moreira
(2003), é adentrar em símbolos e signos que foram empregados no
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
corpo ao longo do tempo. O ser humano, por produzir cultura e história, ao mesmo tempo em que se modifica com elas, recebe marcas
que estão presentes em seu modo de ser, estar e relacionar com o
contexto no qual está imerso. Por conseguinte, a corporeidade acaba por se constituir na própria expressividade do sujeito, por meio
dos signos nele impregnados e dos sentimentos e ações que nele
são efetuados. Negar estas premissas é negar a constituição social
humana, é romper com uma historicidade que fora construída gradativamente, incorporando fatores intrínsecos ao ser social.
Trazer tais indagações ao contexto da corporeidade do brasileiro é ascender uma discussão extremamente pertinente, tendo
em vista que discutir corporeidade, neste viés histórico-cultural, é
abordar a própria história brasileira; é entender um pouco de onde
viemos e as razões de sermos do jeito que somos. Abordando o
movimento humano como forma de manifestação corporal é compreender que relações de significado e significâncias traduzem
culturas e história desenvolvidas pelo sujeito devidamente inserido numa sociedade por ele construída (NUNES et al., 2012).
A partir do conceito explanado, é possível concluir que,
diante de todo o emaranhando cultural em que o povo brasileiro
foi concebido, sua corporeidade transborda por meio da vigorosidade remanescente de uma grandiosa fusão étnica. É possível
vislumbramos sua corporeidade manifestada no esporte, com os
dribles desconcertantes de Neymar49; na dança, com a malemolência de Antonio Nóbrega50; na hospitalidade do sertanejo nordestino, do caipira sulista; na alegria dos povos ribeirinhos do
49
Neymar da Silva Santos Júnior é jogador de futebol que mais vem se destacando no cenário futebolístico nacional e mundial. É conhecido, sobretudo, segundo críticos
especializados, pelos seus dribles e jogadas.
50
Nascido na cidade de Recife, Antonio Carlos Nóbrega é um artista multi-instrumentista que pertenceu a Orquestra de Câmara da Paraíba e à Orquestra Sinfônica do
Recife e que atualmente dedica-se a trabalhos solos, sempre unindo os vários instrumentos que toca à dança, ao teatro e a tudo que se refere à cultura popular pernambucana
(WOLNEY UNES UNES, 2010).
Capa
Sumário
221
norte do país; nas artes plásticas de Tarsila do Amaral51; na roda
de Capoeira, conforme analisou Gomes-da-Silva, Antério, Schulze,
Sousa Cruz (2014). Tudo isso porque, tal com aponta Merleau-Ponty (1994), o corpo, quando comparado a uma obra de arte, produz
significações vivas ao relacionar-se com o mundo. Em sua ação, o
corpo é expressão que não se distingue do expresso, assim, irradia
significações sem desligar-se de seu lugar temporal e espacial.
Dessa forma, a corporeidade caracteriza-se como uma espécie de código de barras, carregando consigo sinais singulares
que a identifica, a classifica, a reconhece no mundo. Somos brasileiros no Brasil ou em qualquer outro lugar. E isso é evidenciado
não só pela certidão de nascimento e/ou passaporte; não só pelo
acarajé e/ou caipirinha; não só pelo samba e/ou futebol. Isso é notório em nós mesmos, no nosso “sangue”, em nossos gestos, em
nossa ginga, em nosso jeito de ser e estar no mundo. Somos um
povo que se mostra, se faz perceber; somos alegres e alegres gostamos de viver. Somos negros, brancos e índios, mestiços no físico,
nas emoções, na espiritualidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Evidenciamos no discorrer do estudo nossa concepção
acerca da corporeidade do brasileiro, fundamentando-a por meio
de aspectos que corroboram para o entendimento de que ela é
resultante de uma miscigenação histórica, cultural. Compreendemos que a corporeidade mostra quem somos, explicita nossa
identidade mais verossímil, e por isso é algo de extremo valor social, antropológico, humano.
51
Tarsila do Amaral (1886-1973) foi uma pintora e desenhista brasileira e uma das
figuras centrais da pintura brasileira e da primeira fase do movimento modernista brasileiro. Dentre suas inúmeras obras artísticas, a tela “Operários” (1933) marca na carreira
da artista, o inicio de uma fase de temática mais social. Este trabalho, especificamente, é
considerado por especialistas um retrato artístico da miscigenação brasileira, Ademias,
aborda a fase da causa operária que estava em evidencia no Brasil daquela época.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
O desdobramento educativo que esta pesquisa sugere diz
respeito ao fato de que, compreendendo a corporeidade através
de um viés sócio-antropológico e histórico-cultural, é possível vislumbrar a multiplicidade como identidade de um povo. Não de forma substancial, completa, mas o suficiente para traçar indagações
contemplativas, que instiguem o aprofundamento devido. Nossas
análises e discussões aqui apresentadas revelam as nuanças corporais que podem ser compreendidas como sinais da corporeidade, da relação comunicativa do ser com o mundo.
Nesse sentido, entendemos que a corporeidade do brasileiro tem diversos desdobramentos educativos: uma educação
oriunda da herança massificada de diferentes etnias; uma educação envolvida com a cultura popular por meio de diferentes manifestações; uma educação subsidiada pela vontade de aprender,
pela alegria de ser e estar coletivamente; um corpo miscigenado,
mesclado, rico em tradição e cultura.
Estendendo a compreensão abordada, aclaramos que a
corporeidade se faz extremamente significativa, visto principalmente sua evidenciação daquilo que somos e que carregamos ao
longo da vida. Partimos em defesa de que, ampliando o entendimento acerca dessa corporeidade, é possível aprender mais sobre
os costumes, as crenças, os valores, enfim, as tradições que perduram e se transformam com o passar do tempo. Por conseguinte,
tomando consciência da linguagem abrangente inerente à corporeidade, podemos difundir sua historicidade, referenciando de forma justa e digna aqueles que estiveram aqui, muito antes de nós.
REFERÊNCIAS
223
Janeiro: Fundo de Cultura, 1967.
DAMATTA, R. O que faz o Brasil, Brasil? RJ: Rocco, 1986.
RIBEIRO, D. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
FREYRE, G. Casa Grande & Senzala. 51. ed. São Paulo: Global, 2006.
_________. Interpretação do Brasil. Coleção Documentos Brasileiros.
nº 56. Rio de Janeiro. Liv. José Olympio Editora. 1947.
GOMES-DA-SILVA, P. N. O jogo da cultura e a cultura do jogo: por uma
semiótica da corporeidade. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB,
2011.
_________. A corporeidade do movimento: por uma análise existencial
das práticas corporais. In: HERMIDA, J. F.; ZOBOLI, F. Corporeidade e
educação. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2012. p. 139-144
_________; ANTÉRIO, D.; SCHULZE, G. B.; SOUSA CRUZ, R. W.
Descrevendo a corporeidade: implicações educativas a partir da ginga
do brasileiro no futebol e na dança. Revista Educação. v. 24, n.46, p.97113, 2014.
GERTZ, C. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 1989.
HALL, S. Identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP & A,
2007.
HUIZINGA, J. (1992). Homo ludens: o jogo como elemento da cultura.
São Paulo: Perspectiva.
KRISTEVA, J. História da linguagem. Lisboa: edições 70, 1969.
BRANDÃO, C. R. O que é folclore. Coleção Primeiros Passos. 2. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1982.
MEDINA, J. P. S. A Educação Física cuida do corpo... e “mente”. 15. ed.
Campinas: Papirus, 2001.
CÂMARA CASCUDO, L. da. Folclore do Brasil (pesquisas e notas). Rio de
_________. O brasileiro e seu corpo. 8. ed. Campinas. Papirus, 2002.
Capa
Sumário
225
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins
Fontes, 1994.
MINAYO, M. C. de S. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa
em saúde. 11. ed. São Paulo: Hucitec - Rio de Janeiro: Abrasco, 2008.
_________. (Org.). Pesquisa social: Teoria, método e criatividade. 18.
ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
MONTES, M. L. Entre o Arcaico e o Pós-Moderno: heranças barrocas e a
cultura da festa na construção da identidade brasileira. Sexta-feira, n. 2
São Paulo: Letora, 1998.
MUNANGA, K. Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil: Identidade
nacional Versus Identidade Negra. Petrópolis/RJ: Vozes, 1999.
NUNES, C. da C.; LAMAR, A. R.; CARTIER, E. Corporeidade, Educação e
Autonomia. Atos de pesquisa em educação (FURB), v. 7, p. 468-480,
2012.
SODRÉ, N. W. Desenvolvimento brasileiro e luta pela cultura
nacional. Itu (SP): Ottoni, 2010.
_________. Síntese de História da Cultura Brasileira. 9. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
SOUZA, M. de M. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006.
WEY MOREIRA, W. Corporeidade e lazer: a perda do sentimento de
culpa. Revista Brasileira de Ciência e Movimento. 2003, v.11, n.3, p.
85-90.
WOLNEY UNES (Ed.). Antônio Nóbrega: entrevista. Revista da UFG,
Goiânia, p.126-134, jul. 2010. Disponível em: http://www.proec.ufg.br/
revista_ufg/Revista UFG - 2010. Acesso em: 01 out. 2012.
CAPÍTULO 09
BEBENDO NAS FONTES DA PEDAGOGIA
ECOVIVENCIAL: UMA RELEITURA DO PAPEL DA
ECOVIVENCIALIDADE E DA AFETIVIDADE
NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Luciane Schulz52
Francisco José Pegado Abílio53
“Uma das características que devemos aproximar do sonho de
purificação sugerido pela água límpida é o sonho de
renovação sugerido pela água fresca. Mergulha-se
na água fresca para renascer renovado”.
(BACHELARD, 2013, p. 151)
INTRODUÇÃO
A expressão ‘renascer renovado’, sugerido por Bachelard
em seus devaneios com o elemento água vem de encontro a algumas constatações e inquietações vivenciadas no ambiente educacional, enquanto Professora de Ciências e Biologia. Foram alguns
anos de trabalho, no qual vários enfrentamentos surgiram, fomentando-nos a ideia de mudanças e entre elas, construir um espaço
52
Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE – UFPB.
53
Professor Associado II do DME/CE/UFPB - Programa de Pós-Graduação em
Educação – PPGE – UFPB. E-mail: [email protected]
Capa
Sumário
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
ecovivencial que permitisse transitar entre o científico e o pessoal,
nas vertentes da Educação Ambiental.
Tínhamos por premissa que o processo educativo acontecia na comunhão e nas trocas de saberes entre as pessoas, sejam
elas professores, alunos, gestores, funcionários, família, comunidade e delas com o seu entorno imediato. Por mais que houvesse a busca por espaços sadios para uma aprendizagem ambiental
significativa, observávamos uma rigidez espacial dos ambientes,
estimulando o olhar dos estudantes para uma cegueira, reforçando a crise de percepção ambiental defendida por Capra (2012).
Se estamos mergulhados numa crise ambiental, muito
tem-se falado e feito nas últimas décadas pelo ativismo ambiental,
mas os valores defendidos estão separados na vida cotidiana. Em
nossas pesquisas, são muitas as defesas e falas em prol de um enfoque compreensivo, integrador e emancipatório, no qual alguns
pensadores contemporâneos indicam que a Educação tem um papel preponderante na formação da sociedade sustentável. Entre
eles temos Maturana e Rezepka (2008), afirmando que a educação
tem papel fundamental nesse resgate de pessoas religadas com o
seu meio, pois sua tarefa é formar indivíduos nos quais qualquer
ser humano possa confiar e respeitar. Em Moraes e La Torre (2004b)
é destacado o sentipensar, onde não seria contemplado apenas
o desenvolvimento cognitivo, mas acima de tudo a evolução da
consciência e o aperfeiçoamento do espírito. Gadotti (2000, p. 84),
por meio da Pedagogia da Terra, propõe a necessidade de “uma
ecopedagogia e de uma ecoformação, porque sem essa pedagogia
para a re-educação do homem, principalmente o homem ocidental,
prisioneiro de uma cultura cristã predatória, não poderemos mais
falar da Terra como um lar”.
De modo geral, todos os autores indicam que a educação
pode ser um dos pilares para recuperar a harmonia fundamental
que não destrói, que não explora, que não abusa, que não pretende dominar o mundo natural, mas uma educação que deseja
Capa
Sumário
227
conhecê-lo na aceitação e respeito para que o bem-estar humano
se dê no bem-estar da natureza em que se vive. Vale ressaltar que
ela está longe do “velho discurso de que a Educação é a solução,
típica do início do século XX, promovido por educadores por meio
do otimismo pedagógico e do entusiasmo pela educação” como nos
fala Loureiro, (2011, p. 96). Ela precisa estar inserida num contexto
maior, com as devidas orientações políticas e teóricas para a transformação em uma sociedade sustentável. Gadotti (2000, p. 61) nos
aponta que são quatro as condições básicas para um desenvolvimento sustentável, ou seja, “ele deve ser economicamente factível, ecologicamente apropriado, socialmente justo e culturalmente
equitativo, respeitoso e sem discriminação de gênero”.
Em se tratando da Educação Ambiental, cabe questionar se
esta tem sido suficientemente pedagógica e transformadora, e se
esta contribui para um processo interativo, participativo e crítico,
vinculada e condicionada a mudanças de valores, atitudes e práticas individuais e coletivas como defende Abílio (2010 et al.). Ou
ainda, se transpõe a percepção e a sensibilização para a problemática ambiental, assim como os discursos de denúncia, para mudanças no modo de se ver e na adoção de novas posturas e comportamentos qualitativos para o exercício da cidadania ecológica.
De fato, o que temos percebido, são vertentes da Educação Ambiental que partem de premissas conservacionistas, assumindo
concepções que carregam em si o trabalho voltado à preservação
do ambiente natural, isolando-o da esfera cotidiana que compõe o
espaço mundial. Esta prática está demasiadamente presente nos
espaços educativos formais, nos meios de comunicação e nas políticas públicas de educação ambiental, uma vez que a concepção
de natureza intocada e o controle e a dominação do homem sobre
a natureza permanecem alicerçando, ainda hoje, os caminhos do
pensar ambiental.
Além do mais, como nos aponta Brandão (2005, p. 165),
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Há um reconhecimento ampliado a cada dia de que
os desafios socioeconômicos da vida cotidiana envolvem os dilemas socioambientais. Dilemas cada
vez mais percebidos como existindo entre e através
de círculos da vida que se estendem da integridade
ambiental da casa à rua, da rua ao bairro, do bairro
à comunidade, à região... e ao Mundo.
Diante da complexidade do exposto, sentimos falta de uma abordagem em Educação Ambiental que contemplasse
não somente os aspectos cognitivos, sociais, políticos, mas também os aspectos ecovivenciais (SCHULZ, 2013), afetivos e os reflexivos. Assim, apresentamos neste ensaio, recorte de um estudo
mais amplo nomeado Pedagogia Ecovivencial54, duas de suas vertentes epistemológicas: a ecovivencialidade e a afetividade.
Mas fundamentar teoricamente uma pesquisa exige o desenvolvimento de conceitos que permitirão a leitura do social, o seu questionamento e o seu conhecimento. Bachelard (2013, p. 158), afirma
que a força vem da fonte e a imaginação quase não leva em conta os
afluentes. Comungando com o autor, mergulhamos em fontes epistemológicas tais como a Ecopedagogia de Gutiérrez e Prado (2008) para
fundamentarmos a vertente da ecovivencialidade e nos ensinamentos
de Maturana e sua Biologia do Amor (2001, 2008, 2009, 2010, 2011)
para fundamentarmos a vertente da afetividade.
Como ponto de partida nessa caminhada da problemática
sentida, imprecisa e vaga, para a problemática consciente e objetivada, enfim racionalizada (LAVILLE; DIONNE, 1999), estabeleceremos diálogos entre as dimensões, aproximações e distanciamentos dos pressupostos da Ecopedagogia.
A Ecopedagogia e a Pedagogia Ecovivencial:
54
Objeto de pesquisa da Tese de doutorado do Programa de Pós Graduação em
Educação da UFPB – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Ambiental.
Capa
Sumário
229
caminhando com sentido
Para criar espaços na vida cotidiana a partir dos
quais se promova a vida, deve existir um requisito
prévio: senti-la, mas senti-la visceralmente, amando-a, desfrutando-a, cantando-a, celebrando-a (GUTIERREZ; PRADO, 2008, p.97).
Em tempos contemporâneos, mudanças são necessárias à
lógica racionalista que nega a subjetividade, em nome do desenvolvimento e progresso, que se apropria e saqueia dos recursos
naturais e consequentemente tem levado a tantos problemas diagnosticados no planeta. Faz-se necessário abandonar o paradigma
que norteou nossa forma de nos relacionarmos no meio ambiente
até os dias atuais, com novas respostas em todas as esferas, sejam
elas políticas, econômicas, culturais, educativas, ambientais.
O paradigma emergente, caracterizado pela lógica relacional e auto-organizacional (MATURANA, 2009), permite ao indivíduo
redescobrir o lugar que lhe corresponde dentro do conjunto harmonioso do universo. Para esse redescobrir-se é preciso mais do
que nunca voltar os olhos para si mesmo a fim de deixar emergir o
primum relationis (MAFFESOLI, 1998), recobrando a harmonia que
devemos ter com a natureza, com os indivíduos e como grupos,
etnias, povos e conjunto de nações.
A questão ambiental tem estado em evidência, mas na maioria das vezes, numa concepção desenvolvimentista, simplificada a
medidas educativas voltadas para a conservação dos recursos naturais (LOUREIRO, 2000), com desconhecimento das relações inerentes
aos valores do novo paradigma emergente. Alertas sobre essa temática vêm sendo dados há décadas por cientistas e filósofos desde os
anos 60 (GADOTTI, 2010), merecendo destaque o relatório produzido
pelo Clube de Roma55 (1978) intitulado “Os limites do crescimento
55
Grupo forrnado por 80 cientistas e fundado por Aurelio Peccei em 1968 (GADOTTI, 2000).
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
econômico” que questiona o modelo de desenvolvimento baseado
no crescimento ilimitado. Esse impulso do movimento ecológico-ambiental, segundo Tuan (2012), seguiu em duas direções: a aplicada,
ou seja, o que pode ser feito para sanar os problemas ambientais e a
outra direção, a teorética e científica, na tentativa de compreender as
forças complexas que mantem o mundo natural.
Numa escala global, foram marcantes na discussão ambiental, eventos como o Fórum Mundial Social, a Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, chamada de ‘Cúpula da Terra’, realizada na cidade do Rio de Janeiro
em 1992, sendo mais conhecida como Rio-92. Segundo Gadotti,
(2000), esses tratados ainda não foram suficientemente explorados e foram pouco colocados em prática pelos estados. Em 2012,
também na cidade do Rio de Janeiro, realizou-se a nova Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a
Rio+20, como ficou conhecida por marcar os vinte anos de realização da Rio-92. Essa conferência objetivou definir a agenda do
desenvolvimento sustentável para as próximas décadas, fazendo
parte entre outros eventos, do exercício da denúncia a partir da
compreensão coletiva dos direitos dos cidadãos.
No Brasil, a apropriação e veiculação do termo ‘Educação
Ambiental’- EA, iniciou-se com a efervescência dos movimentos de
contestação das décadas de 1960 e 1970, com a adesão inicial de
pessoas ligadas ao movimento ecológico, e somente depois, das
ciências humanas (SORRENTINO, 2005). Ganhou projeção social
e reconhecimento público por meio da Constituição Federal de
1988, Capítulo VI, no seu artigo 225, parágrafo 1º, inciso VI, onde se
lê que compete ao poder público “promover a Educação Ambiental com todos os níveis de ensino e a conscientização pública para
a preservação do meio ambiente”. No campo educacional, houve a
tentativa do estabelecimento de diretrizes nacionais, sintonizadas
com diretrizes mundiais, refletindo em eventos como o Programa
Nacional de Educação Ambiental, em 1994, os Parâmetros Curri-
Capa
Sumário
231
culares Nacionais em 1996, a Conferência Nacional de Educação
Ambiental em 1997, a Lei n. 9795/99 com a Política Nacional de
Educação Ambiental (LOUREIRO, 2000). Toda essa movimentação
na busca por mudanças no modo de se ver o ambiente e na adoção de novas posturas e comportamentos em relação a ele. Esta evidência para a questão ambiental tem trazido, sem dúvidas,
avanços importantes nas esferas sociais e políticas.
Várias são as campanhas, os movimentos, as propagandas
que com a força midiática, tem se manifestado nas ações nomeadas ambientalistas. Palavras como sustentabilidade, economia
verde, ecológico, educação ambiental, nunca foram tão disseminadas, seja nas propagandas das grandes corporações, nos planos de governo, ou ainda nas escolas e na comunidade e até nos
partidos políticos que se dizem ecológicos. Há inúmeras práticas,
porém o termo vem sendo usado para algo que se aproxima de
bons comportamentos ambientais, contribuindo para a apreensão
ingênua de seu significado. Segundo Loureiro (2000), toda essa
movimentação pertencendo a um universo distante, sem um fundamento político nas discussões e ações sobre o tema.
Na grande maioria do universo escolar, a questão ambiental é marcada por várias atividades, dinâmicas, palestras, projetos,
enfim, ações que se dizem de conscientização. Muitas delas têm
em seu calendário escolar, momentos de ‘borbulho ambiental’,
tais como a ‘Semana do Meio Ambiente’, o ‘Dia da Árvore’, ou ainda
o ‘Dia da Água’, com o plantio de mudas ou com o ‘abraço’ em árvores ou áreas arborizadas. A atuação dos educadores, em nome da
EA, acaba numa ecologia superficial, limitada à instrumentalização e à sensibilização acrítica para a problemática ecológica como
nos aponta Sato (1997). Para a autora,
Promover a EA em todos os níveis e idades, deve ir
além das obrigações legais e normativas, configurando-se como plataforma política de todo governo
que pretende ser respeitado pela sua seriedade e
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
competência, e não apenas por publicar um plágio
do modelo espanhol, cuja literatura e encontros revelam que foi confuso e que, mais de dez anos depois de sua implementação, @s professor@s ainda
buscam elos práticos e teóricos para o desenho da
EA. (SATO, 2001, p. 17)
Diante de uma concepção neoliberal de que é preciso mostrar resultados e fazer propaganda da eficiência e qualidade educacional (GENTILI, 1995), o apelo ecológico é muito bem vindo,
ou seja uma EA sem inserção na comunidade e pontual (BRASIL,
2006). Dizer que essas ações são inválidas seria um tanto audacioso, se comparado com outros tempos quando nem se falava em
EA, porém cabe questionar se essa movimentação tem gerado mudanças de percepção, de atitude, enfim de transformação. Mas partindo do pressuposto que a essência do ato educativo é o acontecer dinâmico das lutas cotidianas e que a vida
cotidiana é o lar do sentido (GUTIERREZ; PRADO, 2008), precisamos avançar e entender que a denúncia, o protesto e o conflito
são a fase inicial, ou seja, os primeiros passos dessa educação que
se inscreve como transformadora. É necessário ir além das campanhas midiáticas e imediatistas com suas ações que são um fim
em si mesmas e que acabam ‘coisificando’ a EA, fundamentando-a
eticamente num ambientalismo superficial. Prosseguir nessa caminhada, pressupõe cooperação, parceria e solidariedade, além
da mobilização para a construção de estratégias dialeticamente
locais e globais, comunitárias e governamentais, instrumentais e
educativas (LOUREIRO, 2000), pressupõe sentido.
Os tais ‘borbulhos ambientais’ são muito bem vindos, quando são um meio para reforçar e evidenciar uma construção que se
dá num fazer diário, numa relação pessoal e grupal. Ou seja, uma EA
suficientemente pedagógica e transformadora e com clareza política, para também promover a compreensão coletiva das responsabilidades dos cidadãos, criando novas formas de ser e de estar no pla-
Capa
Sumário
233
neta, impregnando de sentido as práticas, os atos cotidianos, como
sustentam Gutiérrez e Prado (2008).Não são os conhecimentos, as
informações e nem as verdades transmitidas através de discursos,
propagandas ou lei que dão sentido à vida. O sentido se tece de outra maneira, a partir das relações imediatas a partir de cada ser, a
partir dos sucessivos contextos nos quais se vive.
Para Gutierrez e Prado (2008, p. 24), “encontramos o sentido ao caminhar, vivenciando o caminhar, vivenciando o processo de
abrir novos caminhos, e não apenas observando o caminho. É por
isso, uma pedagogia democrática e solidária”. Portanto, o sentido não nasce tanto das proposições teóricas ecologistas, dos tais
‘borbulhos ambientais’, promovidos pela mídia, pelas ‘semanas
do meio ambiente’, entre outros, mas no acontecer dinâmico, dos
problemas sentidos na cotidianidade e da busca de elementos satisfatórios. Esta é a razão pela qual tais processos estão sempre
vinculados aos interesses e urgências dos grupos e coletividades.
É evidente que esses interesses têm a ver, na maioria das vezes,
com a solução de necessidades básicas inter-relacionadas com o
desenvolvimento sustentável. Dai que a educação enquanto processo, precisa contribuir para a construção de um presente sustentável, num meio ambiente sadio, capaz de projetar um futuro
melhor. Segundo Gutiérrez e Prado (2008), parece impossível construir um paradigma de sustentabilidade sem uma educação para
tal. Para os autores para uma sociedade sustentável, são quatros
as condições básicas: ela deve ser economicamente factível; ecologicamente apropriada; socialmente justa; e culturalmente eqüitativa, respeitosa e sem discriminação de gênero.
E é dentro desse contexto teórico que surge a Ecopedagogia, termo criado em agosto de 1999 durante o I Encontro Internacional da Carta da Terra na Perspectiva da Educação, coordenado
pelo Instituto Paulo Freire (GADOTTI, 2010). Foi também denominada Pedagogia da Terra ou Educação Sustentável, como proposta pedagógica para formação da sociedade sustentável, conforme
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
se lê na Carta da Ecopedagogia. (GADOTTI, 2000). Esse documento,
redigido pelo Instituto Paulo Freire, se constitui numa importante
ferramenta de pesquisa sobre a Ecopedagogia, pois elenca as características primordiais da sua condição no panorama atual. Apresenta-a como subsídio para ações educativas com a finalidade de
reorientar o olhar das pessoas, “tendo como propósito a formação
de cidadãos com consciência local e planetária que valorizem a
autodeterminação dos povos e a soberania das nações” (Carta da
Ecopedagogia, item 6 in GADOTTI, 2000). Ou seja, ‘Uma educação
para a cidadania planetária’, tendo por finalidade ‘a construção de
uma cultura da sustentabilidade, isto é, uma biocultura, uma cultura da vida, da convivência harmônica entre os seres humanos e
entre estes e a natureza’(Item 9).
A Ecopedagogia (GUTIERREZ; PRADO, 2008) teve origem na
“educação problematizadora” de Paulo Freire, com ênfase na atuação lúcida, na transformação, na consciência crítica.
E é neste contexto que ela uma nova pedagogia dos direitos que associa
direitos humanos – econômicos, culturais, políticos e ambientais
- e direitos planetários, impulsionando o resgate da cultura e da
sabedoria popular. Ela desenvolve a capacidade de deslumbramento e de reverência diante da complexidade do mundo e a vinculação amorosa com a Terra (item 10). Uma pedagogia que busca
ter a espiritualidade no centro, indo além da pedagogia tradicional; que tem o foco na democracia da pedagogia, perpassando a
escola nova a pedagogia tecnicista com seu rigor na neutralidade
científica (GADOTTI, 2010). Assim, sua preocupação está voltada
para a promoção da aprendizagem do “sentido das coisas” a partir
da vida cotidiana, uma pedagogia que se apoia em outras formas
de percepção e conhecimento, não menos válidas e produtivas, e
que busca a mudança nas relações humanas, sociais e ambientais.
Para Gutierrez e Prado (2008, p. 51) a demanda do processo
educativo tem quatro aspectos, que com ênfases diferentes, devem estar presentes quando se propõe a desenvolver a ecoforma-
Capa
Sumário
235
ção (PINEAU, 2004; 2008a; 2008b, 2010, 2012) nos indivíduos. São
elas, a dimensão sociopolítica, a dimensão técnico-científica, a dimensão pedagógica e a dimensão espaço-temporal.
A dimensão sociopolítica, se materializa à medida em que
grupos específicos e seus interesses diversos agem na sociedade, por meio da participação popular, seja com base no sujeito
individual ou no coletivo, que ao estar empenhado na direção da
sua própria vida, no seu cotidiano, adquire poder político, e por
conseguinte participa na construção da sociedade civil. A dimensão técnico-científica se materializa com a busca de soluções e
de satisfações viáveis e possíveis, ultrapassando a perspectiva
técnico-gerencial dos recursos naturais para a perspectiva técnica/político/social (LOUREIRO, 2000), refletindo em comportamentos com a capacidade de intervir de modo qualitativo no ambiente, enfim, tornando o indivíduo consciente do seu entorno e
co-responsável por ele. A dimensão pedagógica se materializa no
sentir de uma necessidade e na percepção de um problema, na
objetivação de uma realidade para melhor conhecê-la e atribuir-lhe significado, na análise de possíveis causas e consequências,
e por fim, na proposição de elementos de satisfação. Portanto
entende-se como fundamental que os projetos educacionais contemplem em seu projeto político pedagógico e no planejamento
escolar, objetivos e conteúdos curriculares, em articulação com
o trabalho comunitário (PEREIRA C. M. M. et al, 2007). A dimensão
espaço-temporal se materializa ao assumir que não há processo
sem tempo, pois a educação é um processo consumidor de tempo. Compreender e respeitar esses processos diante de uma diversidade cultural, com estilos e ritmos diferentes de aprendizagem, são fundamentais para a Ecopedagogia. Isso supõe, como
nos remete Moraes (2003), reconhecer o tempo kairós56 de cada
56
Os gregos antigos tinham três conceitos para o tempo: Chronos, Kairós e Aiôn.
Enquanto Chronos refere-se ao tempo cronológico, ou sequencial, que pode ser medido,
Kairos refere-se a um momento indeterminado no tempo, em que algo especial acontece
e Aiôn já era um tempo sagrado e eterno, sem uma medida precisa, um tempo da criativi-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
ser humano, lembrando que cada árvore floresce e frutifica no
seu próprio tempo.
Levando em consideração as dimensões discorridas acima, fundamentais para o processo educativo, como materializar
a aprendizagem do sentido das coisas, no contexto da Ecopedagogia de Gutierrez e Prado (2008)? O autor nos aponta que a materialização se dá primordialmente pela vivência sentida pelos participantes, a partir da vida cotidiana, ou seja, por suas experiências,
a partir da sua prática. Além do mais, o sentido das coisas não se
dá apenas por verdades transmitidas e discursos proferidos, “não
aprendemos a amar a Terra lendo livros sobre isso [...] a experiência própria é o que conta”, como nos aponta Gadotti (2000, p. 86).
Assim, é fundamental estar em contato com as mais variadas realidades ambientais que fazem parte do meio em que estamos
inseridos, pois, como defendem Gutierrez e Prado (2008, p.67),
“aprender é muito mais que compreender e conceitualizar, é querer,
compartilhar, dar sentido, interpretar, expressar e viver”.
Ainda na busca da objetivação da problemática sentida
para uma problemática racionalizada (LAVILLE; DIONNE, 1999),
tendo a Ecopedagogia como um dos alicerces para essa materialização, em determinados momentos, ela discute sobre a importância dos sentimentos, da emoção, da afetividade. Mas essa reflexão não se faz de maneira consistente quando comparado com as
quatro dimensões propostas por Gutiérrez e Prado (2008) e já explicitadas anteriormente. Para os autores, “os sentimentos, como
motivadores e impulsionadores, nos colocam – muito melhor que
a razão – na pista para conhecer o ser humano, para significa-lo e
para dar significado a si mesmo” (GUTIERREZ; PRADO, 2008, p.67).
Sentimos então, uma lacuna a ser aprofundada na Ecopedagogia:
seria a afetividade uma quinta dimensão a compor com as demais,
tais sejam: a sociopolítica, a técnico-científica, a pedagógica e a
dade onde as horas não passam cronologicamente, onde na teologia moderna é o tempo
de Deus (POHLMANN, 2006).
Capa
Sumário
237
espaço-temporal?
Sabiamente já dizia Aristóteles, “educar a mente sem educar
o coração, não é educar em absoluto”. Assim, contemplando mais
uma vertente temática do nosso estudo, a afetividade, tentaremos
suprir a possível lacuna deixada pela Ecopedagogia, estabelecendo diálogos entre as dimensões, aproximações e distanciamentos
dos ensinamentos de Maturana e a sua Biologia do Amor.
A Biologia do Amor e a Pedagogia Ecovivencial:
os vários quintais da Educação Ambiental
Do ponto de vista biológico, o amor é a emoção que
constitui o domínio das ações, podendo ser o humano “Homo sapiens sapiens, Homo sapiens aggressans, Homo sapiens arroggans, ou ainda Homo sapiens amans” (MATURANA, 2001, p. 197).
Quando envolvida no ambiente educacional como professora de Ciências e Biologia, entendíamos que esses ambientes são
espaços de ações, reflexões e de convivências fundadas em emoções, frequentemente nos remetendo a Fernando Pessoa quando
este afirma que ‘pensar dói, mas pensar criticamente dói mais ainda’. Se os pensamentos, os sentimentos e as emoções influenciam
na qualidade das nossas ações e reflexões, como nos aponta Moraes (2004b), ainda mais se nesse ambiente as ações educativas
eram pautadas na cultura do capital, contemplando na maioria
das vezes apenas o desenvolvimento cognitivo. Uma das nossas
grandes inquietações da época, era referente à rigidez espacial dos
ambientes de aprendizagem e práticas pedagógicas centradas na
exacerbação dos meios técnicos de transmissão e de apreensão
dos conteúdos, baseadas no princípio do rendimento. Um sistema
educacional mergulhado numa lógica neoliberal (GENTILLI, 1995),
numa cultura de fragmentação, em que são negadas as relações
sociais sadias por meio de conversões e de amorosidade (FREIRE,
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
2011b). A nossa prática na EA, tendo como norteadores as Diretrizes Nacionais, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
2001), a visão emancipatória da educação (FREIRE, 2011a; 2011b),
buscavam transformações nos estudantes envolvidos no processo, fossem mudanças no modo de se verem ou na adoção de novas
posturas e comportamentos. No entanto, por mais que buscássemos ir além e promover mudanças, o que percebíamos eram ações
pontuais e superficiais de denuncia para a problemática ambiental nos conduzindo a questionamentos e enfrentamentos constantes diante dessas percepções.
Um aspecto que sinalizava e clamava por renovação, era a
relação dos estudantes entre si, marcada pela falta de solidariedade, de cooperação e de respeito e a relação com o meio ambiente,
predominando a lógica mercantilista-exploratória, de consumo e
descarte. Eram pessoas cheias de informações, numa concepção
de educação bancária de Freire, (2011a), mas com grande dificuldade de refletir, de compreender, sem tempo para lembrar que
‘eram homens e não máquinas’57. Enfim, pessoas individualistas,
sem conexões com os outros, consigo mesmos e com o universo
como um todo, pois pouco sentiam, pouco compartilhavam e muito menos ainda vivenciavam. Um mundo desencantado, visível na
juventude dizimada pelas drogas, no esquecimento dos vínculos,
na competição feroz, na violência no trânsito, nas doenças típicas
da atualidade como o stress e a depressão.
Maturana e Rezepka (2008, p. 14), nos apontam que
O amor é o domínio de condutas relacionadas através das quais o outro surge como um legítimo outro
em convivência com alguém e a agressão é o domínio dos comportamentos relacionados através dos
quais o outro é negado como um legítimo outro na
convivência com alguém.
57
Capa
Alusão ao filme Tempos Modernos de Charles Chaplin.
Sumário
239
Para os autores, “não pertencemos a uma história evolutiva
centrada na agressão como a emoção-guia de nosso devir, mas podemos cultivar a agressão” (MATURANA; REZEPKA, 2008, p. 85), e a
vida nada mais seria do que vivenciar uma grande oficina do viver.
Se numa oficina a cultura for de solidariedade e respeito pelos demais, os sujeitos viverão eticamente e aprenderão a serem solidários na afirmação dos laços sociais. Se, por outro lado, a cultura for
de competição, os frequentadores não viverão eticamente e dela
aprenderão a competir e negar a importância do social e portanto,
da colaboração. Diante do exposto, os princípios éticos não têm
a ver com a razão, têm a ver com a emoção, tem a ver com a preocupação pelas consequências das próprias ações sobre o outro.
Nesse sentido “o amor é a emoção que funda a preocupação ética”
(MATURANA; REZEPKA, 2008, p. 43).
Se a escola enquanto instituição social, tem como objetivo
explícito além do desenvolvimento das potencialidades físicas, cognitivas, a dimensão afetiva (LIBÂNEO et al, 2012), nos restou questionar qual ‘oficina’ nossos estudantes e nossa sociedade estão vivenciando? Como esperar sentimentos éticos de cuidado, de atenção,
de cooperação, de solidariedade se fomos educados e continuamos
educando, nos esquecendo que somos pertencentes ao presente de
uma história amorosa e não de agressão ou competição?
Muitas são as percepções de fragmentação da modernidade e suas práticas formalistas e mecânicas, assim como do subdesenvolvimento da sensibilidade e a da incapacidade emocional.
Ou seja, segundo Maturana e Rezepka (2008, p. 16) “não se deve
ensinar valores, é preciso vivê-los a partir do viver na biologia do
amor; não se ensina cooperação, é preciso vivê-la desde o respeito
por si mesmo, que surge no conviver mútuo”. Dai a necessidade de
se prestar mais atenção ao ‘clima’ dos ambientes educacionais ou
que emerge dos participantes e a necessidade de se criar espaços
mais acolhedores, amorosos e não competitivos. Espaços de aceitação do outro em seu legítimo outro; espaços onde se corrige o
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
fazer e não o ser (MATURANA, 2011); espaços como ambientes de
aprendizagem, tendo de um lado um ambiente pedagógico que
favoreça a autoria, a autoconstrução e a autorreflexão, e do outro, ambientes solidários, de cooperação. E, principalmente, espaços emocionalmente sadios que permitam o aprofundamento da
discussão sobre o papel da emoção e dos sentimentos (MORAES,
2008), que valorizem metodologias que possibilitem a vivencialidade, a expressividade no seu processo de ecoformação58 (PINEAU, 2004; 2008a; 2008b, 2010, 2012).
Alguns estudos apontam que a aprendizagem não se limita ao
campo cognitivo, mas envolve também os processos afetivos, ou melhor, os reflexivos. Assmann (2001), Maturana (2001, 2008, 2009, 2010,
2011), Moraes (2003), afirmam que a interação sensorial impulsiona
os pensamentos, os sentimentos, as emoções e as sensações no decorrer de nossa existência. Além do mais, a essência do ato educativo
é um ato de amor, pois resulta do compromisso social e do respeito a
si mesmo, ao outro e à vida, movida pela paixão de viver e pelo sentimento de pertencimento ao planeta (LOUREIRO, 2011).
Uma canção de Almir Satter59 diz: “É preciso amor pra poder
pulsar, é preciso paz pra poder sorrir, é preciso a chuva para florir, cada
um de nós compõe a sua própria história, e cada ser em si carrega o
dom de ser capaz, de ser feliz.” Portanto, em consonância com os autores citados e parafraseando Satter, talvez caiba à educação desenvolver metodologias e estratégias que colaborem para o resgate da
inteireza humana, “privilegiando não apenas os seus aspectos físicos e
cognitivos, mas também anímico, espiritual, afetivo, aspectos estes que
fazem parte da totalidade humana” (MORAES, 2003, p. 181).
58
Gaston Pineau coordena o Grupo de Pesquisa sobre Ecoformação (GREF), junto ao Laboratório de Ciências da Educação da Universidade François Rabelais de Tours.
O grupo desenvolve um trabalho de pesquisa em parceria com o Laboratório de Concepções Multireferenciais Clínicas de Experiência e Educação Permanente da Universidade
de Paris e, também, estabelece um trabalho de colaboração com o Grupo de pesquisa em
Ecoformação e Educação para o Ambiente da Universidade de Montréal/Québec, coordenado pela educadora/pesquisadora Lucie Sauvé.
59
Trecho da música de Almir Satter ‘Tocando em Frente’.
Capa
Sumário
241
Por desconhecer-se o funcionamento complexo do humano,
as suas emoções e as suas questões subjetivas em geral estas foram
descartadas pela ciência clássica, formalizando-se o processo cognitivo, separando-se razão de emoção e privilegiando o pensamento lógico. Mas a consciência de nós mesmos, assim como do meio
social e do meio natural estão organicamente ligadas, não se tratando de opor a intuição e a subjetividade à razão, como se as duas não
fossem faculdades humanas complementares, mas sim de promover alianças, nas quais uma iluminará a outra (MORAES, 2004).
Nesta direção ao buscar novos espaços no processo de
ensino-aprendizagem nas disciplinas de Ciências e Biologia, percebemos a falta de contato dos estudantes com os ambientes
naturais e mais especificamente com a terra, observando repulsa
em tocá-la e ‘sujar’ as mãos. Essa observação, emergente de uma
longa caminhada como professora nos levou a refletir no quanto
a sociedade moderna, vivendo na sua maioria em cidades, tem se
afastado da vida natural, afinal a cultura pode influenciar a percepção de tal modo que as pessoas verão coisas que não existem: pode
causar alucinação em grupo. (TUAN, 2012, p. 338).
Os quintais que um dia foram amplos, abertos, coloridos
e alegres, tornara-se restritos, cercados, cinzentos e tristes, perdendo seu encanto. As plantas passaram para pequenos vasos,
afastando as aves, borboletas e abelhas, que quase não eram mais
avistadas. O pomar com suas saborosas frutas da estação, que
permitiam colher e saborear a vida do alto das árvores, fora substituído por alimentos e sucos industrializados. As crianças por sua
vez passaram a brincar em espaços com muros cada vez mais altos, os quintais de terra trocados por ‘playgrounds’, com calçadas,
num ambiente planificado, sem graça, sem brilho e os brinquedos eletrônicos imperando. Os finais de semana e momentos de
lazer foram trocados por cultuadas visitas aos shoppings centers
ou a reclusão diante de um computador e com suas redes sociais
e jogos virtuais, onde as felicidades gratuitas foram trocadas por
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
felicidades compradas (GADOTTI, 2010). Se o homem foi levado a
esquecer da sua origem, de que pertence à Terra, de que é filho da
Terra, de que é Terra, de que dela veio e a ela voltará”, como nos
aponta Boff (2007, p. 72), é realmente difícil esperar nos estudantes a manifestação de prazer e o amor em interagir com a terra,
uma vez que cresceram num quintal “limpo”, moderno e artificial.
Espirito Santo (2011), defende que é importante a transgressão de espaços, tentando ampliá-los e não se limitando ao
universo estático, que na concepção do autor é um obstáculo
ao desenvolvimento do estudante. Sempre que possível, estávamos em contato com o cotidiano ambiental para compreendê-lo e promover a reflexão acerca das pressões que geramos
a partir dele (DIAS, G. F., 2006), sem perder o foco no estímulo
dos vínculos emocionais de encanto com a natureza. Uma das
premissas estava na transposição das salas de aula para além
das quatro paredes, aguçando os olhares para o entorno com
sentimentos de cuidado, carinho e afetividade. Assim, além do
meio urbano buscamos contemplar e vivenciar a natureza, seja
em que lugar fosse, com sua pureza e magnitude e a possibilidade de nela interagir e ter momentos de lazer.
Mesmo com resistências e dificuldades advindas da falta
de hábito dos estudantes, ao promovermos as vivências ambientais durante as aulas, nos apoiávamos na linguagem da natureza
(CAPRA, 2012), possibilitando muito mais que a aprendizagem dos
aspectos conceituais. Pela nossa convicção a aprendizagem não se
limita apenas ao aspecto conceitual, mas envolve também os processos afetivos e autorreflexivos sobre nossos mundos vividos. Para
Maturana e Rezepka (2008, p. 31), “a reflexão é um ato na emoção
no qual se abandona uma certeza [...] o que se opina ou o que se faz
pode ser olhado, analisado e aceito ou rejeitado como resultado desse
olhar reflexivo”. Segundo os autores, diante da reflexão a principal
dificuldade que se enfrenta é precisamente o medo de perder o que
se acredita ter e do desconhecido que a mudança traz.
Capa
Sumário
243
Os estudantes, que inicialmente resistem ao novo, a essas
mudanças de espaços de aprendizagem, são aqueles que talvez
nunca tenham vivenciado o saborear de águas das nascentes, o
penetrar na mata e captar as variadas e ricas expressões da biodiversidade, o ouvir o som do vento sobre a mata, o sentir dos cheiros deixados por animais em defesa de seus territórios. Ou ainda,
não haviam percebido que no seu entorno há um rio poluído, há
uma selva de pedras impedindo a circulação do vento, há um som
desarmônico no meio urbano e os cheiros ali presentes estejam
prejudicando sua saúde.
Estariam numa cegueira ambiental, segundo Gattari (2012),
sem percepção, sem atitudes, sem valor, sem visão e principalmente sem a topofilia60 que para Tuan (2012, p.19), vem a ser “o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico”. Segundo o autor,
para compreender a preferência ambiental de uma pessoa, necessitaríamos examinar sua herança biológica, sua criação, educação,
trabalho e arredores físicos. Afinal, cada indivíduo é o que é como
produto de sua história de interações recorrentes, de sua origem, da
história do seu povo, com seus valores e arquétipos, como sujeitos
históricos numa concepção freireana (FREIRE, 2011b).
Na vida moderna, o contato com o ambiente natural é cada
vez mais indireto e limitado. Além do mais o contato físico com a natureza produz sensações e emoções, que segundo as pesquisas de
Maturana (2001, 2008, 2009, 2010, 2011), são dinâmicas relacionais
constituídas por reações químicas e neurais que fluem como correntes de energia e de substâncias químicas geradoras de estados
emocionais. Dependendo da emoção ativada, cria-se um domínio
de ação e determinadas circunstâncias são estimuladas e inibem
ou facilitam certos tipos de pensamentos, ações e reflexões. Dai a
estimulação para a percepção e para a vivência ambiental, são fun60
A Topofilia é um neologismo útil quando pode ser definida como sentido amplo, incluindo todos os laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente material.
Estes por sua vez diferem profundamente em intensidade, sutileza e modo de expressão
(TUAN, 2012, p. 135).
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
damentais na promoção de uma nova vibração nas aulas, novos
olhares ao entorno ambiental, ou, como defende Boff, (2007, p. 116),
sentimento profundo de identificação com a natureza, com suas
mudanças, suas estabilidades, enfim, precisa sentir-se natureza.
Sabemos por vivência própria que as emoções desempenham um papel regulador importante no nosso organismo e permitem a conservação da vida. Assim, são as emoções que guiarão
o fluir do comportamento humano e lhe darão o seu caráter de
ação (MATURANA; REZEPKA, 2008). O sentido da escola e o sentido
da vida de cada um de nós estão diretamente ligados ao amor enquanto força conectiva que nos liga ao todo e, ao mesmo, se constitui na nossa autoafirmação, condição de produção de autopoiese61. Do desdobramento de suas pesquisas e estudos biológicos
sobre a Biologia do Conhecer, Maturana (2001, 2008, 2009, 2010,
2011) elabora a Teoria do Amor. Para o autor, o amor é a emoção
básica do viver humano, pois teria dado origem à própria espécie,
transformando os seres humanos através dos tempos. É um fenômeno evolutivo, pois leva ao devir da linhagem humana, como
também é um fenômeno ontogênico na medida em que vai constituindo nossas subjetividades. Dessa forma, é o elemento fundante
do humano, que de forma integradora, vai articulando a inteligência, a subjetividade e o conhecimento.
De acordo com essa perspectiva, o ser e o conhecer são inseparáveis no processo de constituição do sujeito e somente são
possíveis na ação emocionada do presente (MATURANA; PORKESEN, 2004). Para os autores, negar o amor, que “é primeiro remédio para qualquer enfermidade”. (MATURANA; REZEPKA, 2008, p.
39), é negar a condição de seres amorosos que surgiram com o
compartilhar dos alimentos e cuidados. Implica por sua vez, em
61
Associado ao seu colaborador Francisco Varela, Maturana publicou em 1970,
a teoria da Autopoiese, que explica a dinâmica constitutiva da organização circular dos
seres vivos, considera que a conservação da organização de um sistema vivo, estruturalmente acoplado ao meio onde existe, é a condição sine qua non de sua existência
(MATURANA; VARELA, 1997).
Capa
Sumário
245
cair em comportamentos neuróticos e sujeitos a doenças de todo
o tipo que seriam consequências de ausência de harmonia interna
(relação com nós mesmos) e com os outros. Assim, se estamos enfermos, o nosso meio está enfermo e precisamos para tal, exercitar
o cuidar, que, para Boff (2007, p. 96), “implica em ter intimidade,
senti-las dentro, acolhê-las, respeitá-las, dar-lhes sossego e repouso, e que a centralidade não é mais ocupada pelo ‘logos’ razão,
mas pelo ‘pathos’ sentimento”.
Articulamos também essas ideias com Moraes (2004a, p.
15) defendendo que “pensar a sociedade, o indivíduo e a natureza sem reconhecer a complementaridade desses processos não
é possível”. Isso nos leva a pensar e a presumir que alguns dos
fatores que tem levado a humanidade à destruição do seu meio
e assim a autodestruição, estão intimamente relacionadas com a
falta de uso competente de uma linguagem emocional e da valoração ao seu entorno, pois, para Tuan (2012, p. 142), “para viver, o
homem deve ver algum valor em seu mundo”.
Como nos adverte Maturana (2009), a linguagem emocional pode gerar um espaço de ação e de reflexão que facilite a
construção de conhecimento, o desenvolvimento de atitudes e a
expressão de certos tipos de comportamentos, de habilidades e
competências. Mudando a emoção muda-se o domínio de ação e
dessa maneira,
As preocupações éticas, a responsabilidade e a liberdade existem apenas no domínio da emoção do
amor e têm lugar apenas enquanto alguém pode ver
o outro, a si mesmo e as consequências das ações
de alguém nos outros e em si mesmo, e age de acordo com a decisão entre querer ou não essas consequências (MATURANA; REZEPKA, 2008, p. 75).
Outro aspecto que gostaríamos de abordar, dando
continuidade a essa perspectiva dos processos afetivos no sentido
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
da topofilia, diz respeito ao reconhecimento de que o sujeito aprendiz participa do seu processo de construção de conhecimento com
toda a sua inteireza, com toda a sua multidimensionalidade, ou
seja, com todos os seus sentimentos, emoções e afetos (MORAES,
2004a). Seria um processo de constante autoformação, através
de uma reflexão sobre os seus percursos pessoais e profissionais.
Para Pineau (2010, p.103) “A autoformação nas suas fases últimas
corresponde a uma dupla apropriação do poder de formação; é
tomar em mãos esse poder – tornar-se sujeito -, mas é também
aplica-lo a si mesmo: tornar-se objeto de formação para si mesmo.
A autoformação não é tomada neste estudo como um processo
isolado. Não se trata, como aponta Galvani (2002), da egoformação propalada por uma visão individualista e sim um componente
da formação considerada como um processo tripolar: entre a ação
dos outros (heteroformação) e a do meio ambiente (ecoformação),
perece existir, ligada a estas últimas e dependentes delas, mas à
sua maneira, uma terceira força de formação, a do eu (autoformação) (PINEAU, 2010, p. 99). Concordando com Freire (2011a), quando nos fala que os
homens se educam em comunhão, o processo de formação conduzido pelo pólo hétero inclui a educação, as influências sociais
herdadas da família, do meio social e da cultura, das ações de formação inicial e contínua, numa aprendizagem conjunta que faz
apelo à consciência, aos sentimentos e às emoções. Essa heteroformação é definida e hierarquizada de maneira heterônima pelo
meio ambiente cultural. Já a formação conduzida pelo pólo eco se
compõe das influências físicas, climáticas, dos saberes, das técnicas, das tecnologias, das interações físico-corporais que dão forma
à pessoa. Ela inclui também uma dimensão simbólica. O meio ambiente físico em todas as suas variedades (florestas, meio urbano,
meio rural, litoral, entre outros) produz uma forte influência sobre
as culturas humanas, bem como sobre o imaginário pessoal, que
organiza o sentido dado à experiência vivida (GALVANI, 2002). Des-
Capa
Sumário
247
sa maneira, os novos paradigmas educacionais abrem caminhos
para a ecoformação, que é fundamentada na afetividade da vida,
no compartilhar e na construção coletiva de experiências, sentimentos e saberes. A natureza por sua vez, é um elo essencial no
diálogo existente entre todos os campos do conhecimento humano, pois parte-se da premissa que ela e os seres humanos são
biologicamente dependentes um do outro. A vida humana e não-humana seria impraticável em contextos de densa poluição do ar,
de comprometimento dos recursos hídricos, de solos castigados
por resíduos químicos e pela falta de vegetação.
Para Pineau (2008a), a água, a terra, o fogo e o ar constituem
os elementos essenciais à vida e, ao mesmo tempo, os principais vetores dos problemas ambientais. Portanto, o autor sugere que, em
termos de objetivos, a ecoformação deve: conscientizar a população
sobre o papel que a natureza exerce (através de seus elementos) no
processo de constituição e de formação do humano; oferecer informações que permitam às pessoas e grupos sociais a elaboração de
políticas estratégicas e táticas de utilização dos recursos naturais de
modo local e globalmente sustentável; e, ainda, desenvolver uma
iniciação aos elementos (água, terra, fogo e ar) que são as bases teóricas e empíricas da auto-hétero-ecoformação. Portanto, sob a ótica
da ecoformação, a EA é requalificada como Formação Humana Permanente (SILVA, A.T.R., 2008), uma vez que amplia a consciência para
uma ética de cuidado e solidariedade com o outro e com a natureza.
Noutros termos, trata-se de educar para o entendimento de que os
problemas ambientais não são nem necessários, nem contingentes.
Não resultam, portanto, de acasos ou de fatalidades, mas sim das
escolhas éticas, estéticas, técnicas e cientificas que a humanidade
fez e faz ao longo da história.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
249
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ASSMANN, H. Reencantar a educação - rumo à sociedade aprendente.
5. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
O esforço e o desafio postos nesse ensaio, foi de apresentar
e refletir sobre duas vertentes epistemológicas, a ecovivencialidade e a afetividade, recortes de um estudo mais amplo nomeado Pedagogia Ecovivencial. Essa reflexão veio da nossa necessidade de
uma abordagem em Educação Ambiental que contemplasse não
somente os aspectos cognitivos, sociais, políticos, mas também os
aspectos ecovivenciais, afetivos e os reflexivos.
Enquanto a institucionalização da escola reduziu a educação à ação das gerações adultas sobre as gerações presentes e
futuras, os debates sobre a Educação Ambiental e sobre os problemas contemporâneos tem o mérito de provocar um retorno a certas formulações. Assim, são fundamentais discussões que fomentem a Ecovivencialidade para a Autoformação, a Heteroformação
e a Ecoformação (PINEAU, 2008a), recolocando o humano dentro
do natural e o natural dentro do humano, assim como o indivíduo
dentro da humanidade e a humanidade dentro do indivíduo. Consequentemente, as emoções, a afetividade e a reflexividade nos
processos educativos, configuram-se como pano de fundo nessa
abordagem. Todavia é preciso configurar um espaço de convivência desejável para que as atividades se desenvolvam, um espaço
amoroso e não competitivo, um local agradável e emocionalmente sadio não apenas para si, mas também para os outros, estimulantes de ações e transformações do seu entorno imediato.
BACHELARD, G. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da
matéria. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
REFERÊNCIAS
ABÍLIO, F.J.P.; et al. Oficinas pedagógicas: meio ambiente, educação
ambiental e as ciências naturais no ensino fundamental. In: ______
(Org.). Educação ambiental e ensino de ciências. 410 p. João Pessoa:
Editora Universitária da UFPB, 2010. p. 15-33.
Capa
Sumário
BRANDÃO, C. R. As flores de abril: movimentos sociais e educação
ambiental. Campinas: Autores Associados, 2005.
BRASIL. O que fazem as escolas que dizem que fazem educação
ambiental? TRAJBER, R.; MENDONÇA, P. R. (Orgs.). Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade: Brasília, 2006.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: meio ambiente e saúde.
Brasília: MEC, 2001. BRASIL. Plano Brasil sem miséria. Disponível em:
<http://www.brasil.gov.br/sobre/cidadania/brasil-sem-miseria/planobrasil-sem-miseria>. Acesso em: 26 jun. 2013.
BOFF, L. Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela Terra. 13. ed.
Petrópolis: Vozes, 2007.
CAPRA, F. A Teia da Vida. 13. ed. São Paulo: Cultrix, 2012.
DIAS, G. F. Atividades interdisciplinas de Educação Ambiental. São
Paulo: Gaia, 2006.
ESPÍRITO SANTO, R. C. Pedagogia da Transgressão: um caminho para
o autoconhecimento. 10. ed. São Paulo: Ágora, 2011.
FIGUEIREDO, J. B. A. Educação ambiental dialógica: as contribuições
de Paulo Freire e a cultura sertaneja nordestina. Fortaleza: UFC Edições,
2007.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2011a.
_______. Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários à prática
educativa. 43. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011b.
GADOTTI, M. Pedagogia da Terra. 3. ed. São Paulo: Peirópolis, 2000.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
_________. A Carta da Terra na educação. São Paulo: Editora e Livraria
Instituto Paulo Freire, 2010.
GALVANI, G. A Autoformação, uma perspectiva transpessoal,
transdisciplinar e transcultural. Educação e transdisciplinaridade
II, São Paulo, Triom/UNESCO, 2002, p. 95-121. Disponível em: <http://
www.ufrrj.br/leptrans/arquivos/autoformacao.pdf>. Acesso em: 24 jun.
2013.
251
2001.
___________. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da
compreensão humana. São Paulo: Palas Athena, 2010.
___________. Emoções e linguagem na educação e na política/
Humberto Maturana; tradução: José Fernando Campos Fortes. Belo
Horizonte: UFMG, 2009.
GENTILI, P. Como reconhecer um governo neoliberal? Um breve guia
para educadores. In: SILVA, L. H.; AZEVEDO, J. C. (Orgs). Reestruturação
curricular: teoria e prática no cotidiano da escola. Petrópolis: Vozes,
1995, p. 128-137.
___________; VARELA, F.. De máquinas e seres vivos. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1997.
GUIMARÃES, M.. A formação de educadores ambientais. Campinas:
Papirus, 2004.
__________; REZEPKA, S. N. Formação humana e capacitação.
Tradução Jaime A. Clasen. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
GUTIÉRREZ, F.; PRADO, C. Ecopedagogia e Cidadania Planetária. 4. ed.
São Paulo: Cortez/Instituto Paulo Freire, 2008.
__________; ZOLLER, G. V. Amar e Brincar: fundamentos esquecidos
do humano. Tradução Humberto Mariotti e Lia Diskin. 3. ed. São Paulo:
Pala Atenas, 2011.
GUATTARI, F. As três ecologias. 21. ed. São Paulo: Papirus, 2012.
LAVILLE, C.; DIONNE, J. A construção do saber: manual de metodologia
da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul Ltda.
1999.
LOUREIRO, C. F. B. Educação ambiental e os movimentos sociais na
construção da cidadania ecológica e planetária. In: LOUREIRO, C. F.
B., LAYRARGUES, P. P.; CASTRO, R. S. (Orgs.) Educação Ambiental:
repensando o espaço da cidadania. São Paulo: Cortez, 2011. p. 73 – 103.
______. Teoria Social e questão ambiental: pressupostos para
uma práxis crítica em Educação Ambiental. In: LOUREIRO, C. F. B.,
LAYRARGUES, P. P.; CASTRO, R. S. (Orgs.) Sociedade e meio ambiente: a
educação ambiental em debate. São Paulo: Cortez, 2000. p.
MAFFESOLI, M. O Elogio da Razão Sensível. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
MATURANA, H. Cognição, ciência e vida cotidiana. Organização e
tradução: Cristina Magro e Victor Paredes. Belo Horizonte: Ed. UFMG,
Capa
Sumário
___________; PORKSEN, B. Del ser al bacer. Santiago: J.C. Saez, 2004.
MORAES, M. C. Educar na biologia do amor e da solidariedade.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
________. O pensamento eco-sistêmico: Educação, aprendizagem e
cidadania do século XXI. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004a.
________; LA TORRE, S. Sentipensar – Fundamentos e estratégias
para reencantar a educação. Petrópolis: Vozes, 2004b.
PEREIRA, C. M. M. C.; MARÓN, J. R. L.; FREITAS, M. J. C. C.; MAGALHÃES; H.
G. D. Ecopedagogia: uma nova pedagogia com propostas educacionais
para o desenvolvimento sustentável. Educação Temática Digital, v.8,
n.2, p. 80-89, jun. 2007. Disponível em <http://www.fae.unicamp.br/
revista/index.php/etd/article/view/1763>. Acesso em: 20 abr. 2013.
PINEAU, G.; LE GRAND, J. As histórias de vida. Tradução Carlos Eduardo
Galvão Braga e Maria da Conceição Passeggi. Natal: EDUFRN, 2012.
_______. A autoformação no decurso da vida: entre a hetero e a
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
ecoformação. In: NÓVOA, A.; FINGER, M. (Orgs): O método (auto)
biográfico e a formação. Natal: EDUFRN, 2010. p.
______. Aprender a habitar a Terra: ecoformação e autobiografias
ambientais. In: PASSEGGI, M. C. SOUZA, E. C. S. (org.). (Auto)biografia:
formação, territórios e saberes. Natal: EDUFRN, 2008. p.
______. O “gaio saber” do amor à vida. In: SOUZA, E. C.; MIGNOT, A. C. V.
(Orgs): Histórias de vida e formação de professores. Rio de Janeiro:
Quartet, 2008b.
______. Temporalidades na formação: rumo a novos sincronizadores.
São Paulo: TRIOM, 2004.
POHLMANN, A. R. Intuições sobre o tempo na criação em artes
visuais. Revista Educação, UFSM, 2006, vol.31, nr.02. Disponível em
<http://coralx.ufsm.br/revce/revce/2006/02/a6.htm>. Acesso em: 09
fev. 2014.
SATO, M. Educação para o ambiente Amazônico. Tese (Doutorado) –
PPG-ERN/UFSCar São Carlos, 1997.
______. Debatendo os desafios da educação ambiental. Revista
Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental. In: I CONGRESSO
DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL PRÓ MAR DE DENTRO. Rio Grande: Mestrado
em Educação Ambiental, FURG & Pró Mar de Dentro, 17-21/maio/2001.
Disponível em <http://www.cpd1.ufmt.br/gpea/pub/DesafiosEA.pdf>.
Acesso em: 16 jun. 2014.
SCHULZ, L. Ecoformação por meio de acampamentos: ressignificando
os ambientes de aprendizagem com adolescentes do ensino médio/
técnico. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental. v.
30, n. 1, p. 320– 334, jan./ jun. 2013.
SILVA, A. T. R. Ecoformação: reflexões para uma pedagogia ambiental,
a partir de Rousseau, Morin e Pineau. Desenvolvimento e Meio
Ambiente. Curitiba, n. 18, p. 95 - 104, jul/dez, 2008. Editora UFPR.
Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/made/article/
viewArticle/13428>. Acesso em: 13 jun. 2013.
Capa
Sumário
253
SORRENTINO, M. De Tbilisi a Thessaloniki: a educação ambiental no
Brasil. In QUINTAS, J. S.(Org.). Pensando a praticando a educação
ambiental na gestão do meio ambiente. Brasília: IBAMA, 2005.
TUAN, Y. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio
ambiente. Londrina: EDUEL, 2012.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
CAPÍTULO 10
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E AS TRAMAS CONCEITUAIS
FREIREANAS: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA AO/A
EDUCADOR/EDUCADORA
Hugo da Silva Florentino62
Francisco José Pegado Abílio63
INTRODUÇÃO
A Educação no contexto escolar tem se caracterizado, na
maioria das vezes, por uma permanente dicotomia entre o “saber
sobre” e o “saber fazer”. Embora, teorizado como transformadora,
na prática, o “saber fazer” despreza a teoria, na medida que o “saber sobre” desconsidera o agir experiencial.
Na Educação Ambiental não é diferente, muito embora
haja intenção de promover a transformação de seus sujeitos e
sua relação com o mundo, ainda está ligado a práticas conservadoras e saberes hegemônicos, quase sempre desvinculadas
da realidade e das condições experienciais de seus sujeitos64.
Trata-se de uma educação ambiental tradicional reprodutora
62
Professor Me., Assistente I do Centro de Formação de Professores (CFP), da
UACEN/UFCG; Doutorando do PPGE/CE; E-mail: [email protected]
63
Professor Dr., Associado II do Departamento de Metodologia da Educação, CE/
UFPB. E-mail: [email protected]
64
Ver a Obra “A formação de Educadores Ambientais” (GUIMARÃES, 2004), quando fala sobre as limitações da Educação Ambiental Tradicional em alavancar mudanças
necessárias para a superação da crise civilizatória.
Capa
Sumário
255
de condições opressoras, produzida de maneira descontextualizada e acrítica (GUIMARÃES, 1995).
Segundo Freire (1987), trata-se de uma “Educação
Bancária”65, caracterizada apenas pela transmissão de ideias.
Uma educação que nega a “práxis”66 e esvaziada de saber jamais
implicará num processo de mudança da relação ser humano67,
sociedade e natureza. Isto é, uma educação que carece de práxis,
que é antidialógica, pois não experimenta a partilha de saberes.
Este fracionamento do “saber” e do “fazer” na educação, e
consequentemente, na sua vertente adjetivada ambiental implica
na fragmentação da “consciência”, do seu modo de “ser” e “agir”
com o ambiente, e também, com o outro. Ao restringir a autonomia
relacional, e portanto, o diálogo entre os seres humanos, independentemente de sua posição e condição em relação ao mundo e aos
outros. Fortalece os laços de opressão e degradação do ambiente-natureza, ao invés de colaborar com um “saber ambiental”68.
O problema dessa concepção é que quanto mais os seres
humanos são imersos nessa realidade opressora, menos serão capazes de construírem uma “consciência crítica”69, e contudo, de
65
Ver o tópico “A concepção Bancária da Educação como Instrumento de Opressão: Seus pressupostos, sua crítica” na obra “Pedagogia do Oprimido” (FREIRE, 1987).
66
Compreendemos “práxis”, da mesma forma que Freire (1987, p. 21): “reflexão
e ação dos seres humanos sobre o mundo para transformá-lo”.
67
Ao longo de nosso manuscrito, utilizaremos a categoria “ser humano” para nos
referimos aos homens e mulheres. Evitando a ideologia machista da linguagem, e assim,
contribuir para o processo de (re)ver, (re)pensar e (re)dizer a palavra, como postulado
por Paulo Freire na “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido” (FREIRE, 1992).
68
Ver Leff (2008) quando fala que o saber ambiental é muito mais que uma “ambientalização do conhecimento”. Necessita ser construído de uma relação interdisciplinar
e transdisciplinar do ser humano com o ambiente ( natureza), colocando as certezas paradigmáticas como incertezas de suas próprias certezas. O saber ambiental precisa ser
produzido de numa “relação entre teoria e práxis”
69
Ver Freire (1980), quando caracteriza consciência crítica como sendo um processo de superação de uma posição espontânea de apreensão da realidade (consciência ingênua), alcançando um posicionamento crítico, na qual a realidade se dá como
objetivo cognoscível e o ser humano assume uma posição epistemológica (Consciência
Crítica).
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
construírem um outro modo de relacionar-se com outro e com o
mundo. De acordo com Freire e Faundez (1985), ao reduzir o ser
humano a mera condição de objeto, de reprodutores de paradigmas antropocêntricos dominantes, desvelar-se, uma compreensão de mundo distorcido, carente de pensamento crítico, e portanto, uma realidade, onde o ato “perguntar”, de questionar sobre
sua realidade, dá lugar a respostas prontas, situações sectárias,
que aprisionam o fervor da mudança.
Pensar esses agenciamentos é sem dúvida pensar em um
processo de (re)significação e (re)criação, para quando (re)dizermos a palavra, desvelarmos outros caminhos, que diferentemente da educação ambiental bancária denunciada por Paulo Freire,
anuncie um outro ambiente conceitual, prático e político, que
possa buscar sua fundamentação enquanto projeto educativo que
pretende transformar a relação desarmônica do ser humano com
a natureza (CARVALHO, 2004).
A Escola, enquanto agente de (trans)formação, coloca-se
em um lugar de destaque dentro da sociedade, pois produz direta
e indiretamente, um processo de reprodução ou (des)construção
de “saberes” e “fazeres”. Podem atuar no processo de transformação da realidade ou meramente reproduzir ideologias dominantes, opressoras e excludentes.
Isso significa que a escola para exercer sua função transformadora, necessita contribuir para um processo de (re)construção
do “ser”, onde não basta, apenas conhecer ou teorizar sobre a realidade, é necessário “pensar” e “agir” sobre ela, colocando o ser
humano como sujeito, constituidores de identidades que precisam
ser compreendidas em relação com o mundo e com o outro70.
Pensar uma Educação Ambiental na escola em relação a
proposta freireana é construir um processo dialético que relacione o
modo de “pensar” e “agir” na tríplice “no”, “para”, e “com” o mundo
70
Trata-se de uma pedagogia “existencialista”, ou seja, o ser humano é compreendido como um ser de relações que está no mundo e com o mundo (FREIRE, 2009).
Capa
Sumário
257
(ambiente) (LOREIRO, 2007), apontando um outro caminhar individual e ao mesmo tempo coletivo, como afirma Freire (2009, p. 48 e
49): “Existir ultrapassa o viver, porque é mais do que estar no mundo. É estar nele e com ele.[...] O existir é individual, mas só se realiza
em relação com outros existires, em comunicação com eles”.
A Educação Ambiental que nos referimos , trata-se de um
processo que vai além do conhecimento e discussão de temas
ambientais. Refere-se a um movimento de integração71 do ser
humano com a natureza, a partir da problematização de sua realidade em termos histórico, cultural, político e social (DIAS, 2003,
LAYRARGUES, 2004). A questão não é somente conhecer para se
ter consciência de algo, mas como afirma Loureiro (2007, p. 69)
“conhecer inserido no mundo para que se tenha consciência crítica do conjunto de relações que condicionam certas práticas culturais e, nesse movimento, superarmo-nos e às próprias condições
inicialmente configuradas”.
Pensar a Educação Ambiental em consonância com o pensamento freireano, é estimular o “pensamento autêntico”72 que não
deixa ser confundido pelo discurso de “ser menos” do opressor na
tentativa de retroalimentar seu poder e seu domínio opressor. Trata-se de uma posição política-educativa imersa na realidade-mundo
do oprimido, problematizada e historicizada, acrescida da possibilidade de transformação das relações sociedade e natureza.
Nesse contexto, é necessário que a escola supere os limites
do ensino tradicionalista, e com isso, estimule os sujeitos a uma
“práxis” educativa, que envolve a reflexão e a ação como defendia Paulo Freire (FREIRE, 1987, 1992, 1985), num diálogo de interdependência e autonomia, (re)percebendo, compreendendo e
transformando a realidade e sendo ao mesmo tempo modificada
71
Nos referimos a integração da mesma forma que Paulo Freire na obra “Educação Como Prática de Liberdade”, ou seja, capacidade de ajustar-se a realidade, acrescida
da possibilidade de transformação. (FREIRE, 2009).
72 Para Freire “Pensamento autêntico” consiste em manter o diálogo permanente
entre teoria e prática, entre ação e reflexão, ou seja, práxis.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
por ela, num movimento permanente e dialógico entre o “saber
sobre” e o “saber fazer”.
Prontamente, esse capítulo se propõe a relacionar algumas
categorias teóricas freireana à educação ambiental dentro do contexto escolar, com a finalidade de (re)pensar outros caminhos na construção de práticas de educação ambiental crítica e transformadora.
A ideia de construir uma trama conceitual para relacionar
os conceitos freireanos à Educação Ambiental surgiu da leitura e
discussão do texto “tramas conceituais freireana” de Saul (2011) e
das obras: “Educação Como Prática de Liberdade” (FREIRE, 2009),
“Pedagogia do Oprimido” (FREIRE, 1987), “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido” (FREIRE, 1992),
“Pedagogia da Pergunta” (FREIRE; FAUNDEZ, 1985) e “Pedagogia
da Autonomia: saberes necessários a prática educativa” (FREIRE,
1996), as quais traduzem as principais categorias conceituais que
acreditamos que deveriam integrar qualquer prática educativa73,
e neste capítulo, de Educação Ambiental, como projeto de transformação do ser humano, da sociedade e do mundo.
Como ponto de partida apresentamos a trama conceitual
centrada na “práxis” freireana (Figura 01), como teorização relacional e necessária a (re)construção de um processo de Educação
Ambiental crítica e transformadora.
259
Figura 01 - Trama conceitual da Educação Ambiental centrada na Práxis
Freireana.
Fonte: construção dos autores
A seguir trataremos cada um dos conceitos que compõe a
trama conceitual e suas relações com a “práxis” freireana e a Educação Ambiental. Necessárias para a (re)construção da forma de
“ser” e “agir” num permanente processo de relação ser humano-mundo, e contudo, de transformação.
PRÁXIS FREIREANA NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
73
Concebemos a “prática educativa” como “a formação do sujeito humano enquanto ser individual e social, historicamente situado” (CARVALHO, 2004. p. 19), e essa
formação incide sobre as relações ser humano, sociedade e natureza.
Capa
Sumário
A práxis assume o centro da trama, pois trata-se de um
processo que (re)integra pensar (reflexão) e agir (reflexão), num
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
movimento dialético e dialógico, de interdependência e autonomia. Permitindo aos sujeitos refletir sobre suas ações e condições
no mundo e com o outro, ao mesmo tempo que assumem a ação
como movimento para a transformação, como afirma Freire (1987,
p. 21): “a práxis, porém, é a reflexão e ação dos homens sobre o
mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da
contradição opressor-oprimidos”.
Através da práxis, o ser humano consegue sair de uma
consciência ingênua em direção a uma “consciência crítica”. (Re)
estabelecendo um permanente (re)pensar de suas ações em relação com a natureza. Este despertar do pensar aliado a transcendência no agir, é fundamental para a Educação Ambiental, pois,
segundo Jacobi (2003), interpela para a necessidade permanente
de (re)pensar sobre seus atos. Permitindo o desenvolvimento de
valores e atitudes que favorecem o respeito, o cuidado, e a afetividade com o ambiente. Ajuda no (re)encontro do ser humano com
a sua condição ontológica de relacionar-se com a natureza.
Trata-se de uma escolha político-educativo, que implica a
tomada de consciência, sem desligar-se da necessidade de agir
sobre esta realidade. Ao apreender sua condição no mundo e em
relação com o outro, sua maneira de ser e estar no mundo, assume
outro sentido, desvelando o contexto onde estar inserido e comprometendo-se com a sua transformação. Segundo Freire (1987),
modifica o contexto histórico e social, pois deixa de ser uma pedagogia do oprimido e passa a ser pedagogia do ser humano em
processo permanente de libertação.
Este (re)pensar e (re)dizer da palavra mediada pela ação
“no” e “com” o mundo, (re)inventa novas maneiras de buscar a
transformação, como afirma Freire (1987) a tarefa dos homens é
transformar a realidade opressora, evitando, contudo, que a práxis
seja suprimida por “uma força de imersão das consciências” (p. 21)
dos opressores. Libertar-se dessa força, portanto, exige a emersão
dela, à volta sobre ela, por meio da “práxis autêntica”.
Capa
Sumário
261
Ao pensarmos a Educação Ambiental como processo, que
(re)estabeleça o movimento dialético entre o “pensar” e o “agir”
de maneira permanente, como desvelava Paulo Freire, tornamos
pessoas conscientes e críticas. Construirmos uma nova maneira de
“ser” e “estar” no mundo. Nas palavras de Layrargyes (2002, p. 88)
(re)construirmos um processo capaz de “transcender seu caráter
predominantemente conservador, pautado numa prática conteúdista, biologicista e pragmática”, pois torna o ser humano “sujeitos
do conhecimento”74, conscientes e críticos quanto sua condição e
papel na transformação da sociedade.
Enfim, através da “práxis” contextualizada nas linhas antecedentes, (re)construímos um pensar crítico, como propõe a matriz
freireana de pensamento. Pois, a convivência harmoniosa entre o ser
humano e a natureza, defendida na Educação Ambiental (LAYRARGUES, 2004, GUIMARÃES 2004) envolve o discurso freireano, através
da proposição permanente da práxis, que consiste na compreensão
do mundo-através da reflexão- e na tentativa de ressignificar conceitos e práticas- através da ação- na reconstrução de uma interlocução
humanizadora do ser humano com o mundo e com o outro.
Diálogo e Práxis na Educação Ambiental
A concepção de Educação Ambiental alicerçado na práxis
freireana, só se torna possível por meio do “diálogo”, pois estabelecem-se possibilidades comunicativas entre o ser humano e o
mundo, a teoria e a prática, a reflexão e ação, a degradação e a
conservação. Constitui ponto de partida para a superação da educação bancária, bem como desnaturalização de práticas opressoras contra o ser humano e o mundo (natureza).
74
Refiro-me a “Sujeito do Conhecimento” da mesma forma entendida por Paulo Freire, ou seja, como um sujeito crítico, inconcluso e transcendente por vocação ontológica. Não podendo ser considerado apenas um sujeito que conhece, mas como um
sujeito que existe, que constrói cultura e história, ou seja, que tem consciência de sua
condição de ser e estar no mundo.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Não se trata de qualquer diálogo. Refiro-me ao diálogo
proposto por Freire (FREIRE, 1987, p. 45), ou seja, “o encontro dos
seres humanos, midiatizados pelo mundo, para proferi-lo, não se
exaurindo, portanto, na relação eu-tu”. Trata-se de uma vivência
existencial, um encontro em que ao refletir e agir “no” e “com” o
mundo, não se reduz a transmissão de ideias. “O diálogo [...] não
pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco torna-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes” (FREIRE, 1987, p. 45).
Com o diálogo, conseguimos construir uma “práxis” ambiental que faz do ambiente educativo um espaço de construção,
participação e intervenção da realidade, que não pode ser confundida com o agir meramente artificial, mecânico, como afirma
Motta e Andrade (2006, p. 290): “compreender o mundo, não se
reduz a decodificação de sinais, mas implica em compreender o
mundo e em recriá-lo a partir da consciência formada com o diálogo com o outro e com o mundo”
De qualquer forma, como a educação ambiental consiste
numa conexão permanente entre questões sociais, econômicas,
políticas, culturais, estéticas, entre outras. O diálogo proposto por
Freire, constitui um prolongamento relacional que une as diferentes dimensões da vida cotidiana. “Não é a transferência de saber,
mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados” (FREIRE, 1983, p. 46). Entretanto para que
o diálogo exista como concretude real, é necessário que os seres
humanos tenham consciência da importância do outro e de sua
condição, como afirma Freire (FREIRE, 1987, p. 46):
Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade.
A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam
permanentemente, não pode ser um ato arrogante.
[...] como posso dialogar, se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros “isto”, em que não reconheço outros eu?
Capa
Sumário
263
Acrescentamos, ainda, que “só aprendemos, se aceitamos
que o diferente está no outro; do contrário, não há diálogo. O diálogo só existe quando aceitamos que o outro é diferente e pode
nos dizer algo que não conhecemos” (FREIRE; FAUNDEZ, 1985, p.
19). Na construção de um projeto de educação ambiental, “é preciso estabelecer um diálogo entre nossas diferenças e nos enriquecemos nesse diálogo (FREIRE; FAUNDEZ, 1985, p. 31).
Portanto, há muitas pontes a serem construídas quando
consideramos o diálogo como elemento constituinte da práxis, incluindo sem dúvida a possibilidade de reconstruir, recriar e redizer
saberes e fazeres que norteiam nossas relações com o mundo e com
o outro. Todavia, em todas as direções a seguir, o diálogo não pode
ser pensado, se não como um reintegrador de saberes e redefinições de relações gnosiológicas: “não mais o conhecimento escolar
é o único verdadeiro, como também o saber popular não pode ser
abandonado à própria ingenuidade, mas, ao contrário, aproveitando, explorando e transformando” (Motta; Andrade, 2006, p. 293).
Conscientização e Práxis na Educação Ambiental
A Educação Ambiental em concordância com a matriz freireana de pensamento, não poderá existir sem a “conscientização”. Segundo Freire (1987), uma vez conhecendo sua situação na sociedade,
os sujeitos jamais se curvarão para a condição de oprimido, pois seu
lema será a igualdade e por ela buscará. Essa consciência em relação
a sua condição de “ser” e “estar” no mundo, constitui elemento basilar a Educação Ambiental, pois a compreensão das interrelações do
ser humano consigo mesmo, com o outro e com o meio ambiente (natureza), constitui a consciência crítica que (re)cria, (re)inventa a possibilidade de transformação das relações ser humano e natureza.
Não podemos confundir a conscientização abordada por
Paulo Freire, com a reprodução de jargões ambientalistas e midiáticos, na qual utilizam o termo “conscientização” como sinônimo
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
do ato de informar. Conscientização vai além dessa forma simplista. Deve ser pensado numa perspectiva da “práxis”, na qual o ato
de refletir e agir, constrói dialeticamente uma consciência crítica
sobre seu papel em relação ao mundo e aos outros.
Para Freire (1987 e 1996) ninguém pode dar consciência a
alguém. Somos seres historicamente e socialmente construídos,
e contudo, compreendemos a realidade na medida em que somos
imersa nela. Trata-se de um movimento dialético de criticidade,
a depender de seus condicionamentos, principalmente os oprimidos, que podem ter uma consciência ingênua ou construir uma
consciência transitivo crítica (FREIRE, 2009).
A consciência ingênua impede os sujeitos de caminharem
para a mudança de valores e atitudes, necessárias para a transformação da realidade. Por outro lado, na consciência transitivo
crítica, o ser humano deixa de ser objeto e se assume como sujeito
da história, e portanto, cria possibilidades de transformação, de
mudança da realidade.
A conscientização que defendemos como fundamental
para uma proposta de Educação Ambiental, ocorre através de um
processo dialógico, no qual não há opressor e nem oprimido, nem
hierarquia entre saberes. Esse diálogo se edifica nos sujeitos em
relação ao mundo, se caracterizando por ser crítica, na qual o ser
humano deixa de ser “coisificado”, tratado como objeto e se assume como sujeito da história, e portanto, decidindo se caminha
degradando, ou ao tomar consciência de sua posição no mundo,
busca o equilíbrio relacional, a conservação da natureza.
Falar em conscientização implica, necessariamente, perceber o movimento dialético consciência-mundo como afirma
Freire (1992, p. 54):
Se as grandes maiorias populares lhes falta uma
compreeensão mais crítica em torno de com a sociedade funciona, se já internalizaram a ideologia
opressora, pelas condições precárias em que vivem
Capa
Sumário
265
e sobrevivem, porque vem sendo proibidas de saber, a saida muitas vezes procurada é a da “sloganização” política e não o esforço crítico através do
qual homens e mulheres se vão assumindo como sujeitos curiosos, indagadores, como sujeitos em processo permanente de busca, de desvelamento. Daí
que, no horizonte da alfabetização de adultos, por
exemplo, eu me ache, desde faz muito tempo, insistindo no que venho chamando leitura de mundo e
leitura da palavra “ nem leitura apenas da palavra,
nem a leitura somente do mundo, mas as duas,dialeticmante solidárias.
Para Freire (2009) esse movimento crítico de “conscientização”, quando problematizado autenticamente, os sujeitos passam
de uma consciência ingênua para uma consciência crítica, e desvelam como parte do todo e que os problemas socioambientais não
atinge somente o ambiente, mas também quem vive e depende
dele. Por isso, “o processo de conscientização é epistemológico, está
relacionado ao conhecimento da realidade para projetar mudanças
e, indispensável para instituir a práxis” (DICKMANN; CARNEIRO,
2012, p. 95), e consequentemente, a relação ser humano-natureza.
Portanto, a “conscientização” é fundamental na ressignificação de valores e visões de mundo tão requeridos pela Educação
Ambiental. Segundo Freire (1980, p. 26) “a reforma do pensamento
inicia-se pela conscientização, pois manifesta-se como um teste de
realidade, ou seja, quanto mais conscientização, mais se “dês-vela”
a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto ao
qual encontra-se para analisar”.
Tomar consciência de sua condição quanto ser humano e
de sua forma de agir com o mundo (natureza), constitui a realidade
inexorável para uma convivência harmônica entre o ser humano
e o meio ambiente, incluindo as diferentes formas existenciais de
se relacionar. Além disso, transcendemos para um estado, onde
o pensar e o agir não são coisas distintas ou contraditórias, mas
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
partes de um mesmo processo, sendo ao mesmo tempo, interdependente e autônomo, sem no entanto, recusar a permanente mudança, que só é alcançada nesse movimento dialético de reflexão
e ação, como reforça Scocuglia (1999), conscientização não pode
existir fora da “práxis”.
Relação e Práxis na Educação Ambiental
O ser humano enquanto ser relacional, “com” e “no” mundo,
constitui elemento indispensável a Educação Ambiental como afirma Leff (2008) o saber ambiental pertinente só poderá ser construída
através da interrelação permanente entre “teoria e práxis”. Nesse movimento dialógico e dialético do ser humano, que (re)construirmos o
mundo e a si mesmo. Compreendemos que “o ser humano não pode
ser entendido fora de suas relações com o mundo, uma vez que é um
“ser-em-situação”, é também um ser do trabalho e da transformação
do mundo, portanto, um ser da “práxis” (FREIRE, 1983, p. 17)
Nessa direção, a práxis na Educação Ambiental não pode ser
pensada fora da vida cotidiana, distante dos seres humanos. Necessitam ser pensadas numa perspectiva de realidade-mundo dialética, na qual, a consciência crítica é construída em relação com o
mundo e com outro, em permanente mudança e transformação, ao
invés de concebida como algo dado, imutável e fragmentado.
Para pensar o sujeito relacional, é necessário, contudo,
uma busca permanente do equilíbrio com a vida e com o outro.
Aprofundando nossa compreensão de nossas relações no e com o
mundo, para ampliarmos a sua leitura, e com isso, (re)ssignificar
seus valores e sua forma de pensar e agir com ele. Segundo Dickmann e Carneiro (2012), ser um sujeito relacional, é desvelar um
processo de transformação da realidade insustentável vivenciada
atualmente, através de um permanente (re)pensar da realidade-mundo, para poder (re)dizer e (re)criar o mundo.
Capa
Sumário
267
Portanto, uma proposta de Educação Ambiental baseada
nos pressupostos freireanos necessita ser pautada numa “ética
universal dos seres humanos”75, que se contrapõe a pseudoética
opressora, e é edificada na significação das relações, pensadas “com
e no” mundo, e não, direcionada unilateralmente “para” o mundo.
Logo, não podemos construir um processo de conservação e/ou preservação do meio ambiente, se continuarmos a
desviar-se da vocação humana, de “ser mais”76, de transformar
a realidade, de pensar o ser humano em relação ao mundo e ao
outro, pois as questões relativa a intervenção humana no mundo são fundamentais para problematizar a realidade da natureza e da vida cotidiana dos sujeitos.
Esperança e Práxis na Educação Ambiental
“Não há mudança sem sonho, como não há sonho sem
esperança”(FREIRE, 1992, p.47). Essa citação de Freire, nos mostra a
necessidade ontológica da esperança na transformação da realidade-mundo. Não é possível (re)pensar e (re)criar o mundo, se deixarmos de lado a utopia que norteia o caminhar para a mudança.
Não estamos falando de qualquer “esperança”, mas da esperança dita por Paulo Freire, de uma esperança ontológica, que
precisa ser crítica, para torna-se concretude histórica, como diz
Freire (1992, p. 6): “Sem um mínimo de esperança não podemos sequer começar o embate, mas sem embate a esperança, como necessidade ontológica, se desarvora, se desendereça e se torna desesperança que, as vezes, se alonga em trájico desespero”.
75
Ver “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa”. Quando Freire (1996, p. 9) ao tratar, especificamente, Ética, afirma: “É preciso deixar claro que
a ética de que falo não é a ética menor, restrita, do mercado, que se curva obediente aos
interesses do lucro. [...]. A ética de que falo é a que se sabe traída e negada nos comportamentos imorais. [...] que condena a exploração dos seres humanos”.
76
Ver “Pedagogia do Oprimido” (FREIRE, 1987) onde explica conceitualmente
“Ser mais” como busca da autorrealização e vocação ontológica dos seres humanos. Não
podendo ser confundida com conceitos fundamentalistas e conservadores.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Trata-se de uma esperança construída na palavra-mundo,
com radicalidade, amor, diálogo, transcendência. Numa permanente recusa ao neoconservadorismo neoliberal, as palavras ditas
de maneira autoritária, antidialógica e desumana, que ao invés
de (re)ssignificar valores e atitudes em direção a humanização,
potencializa a desumanização, o medo da liberdade, da transformação. É nesse sentido que Freire postula a Esperança, pois para
ele “não há utopia verdadeira fora da tensão entre a denúncia e o
anúncio de um futuro a ser criado, construído, política, estética e eticamente, por nós, mulheres e homens” (FREIRE, 1992, p. 91).
A esperança implica num recriar da palavra e da ação, na
possibilidade de redizer a palavra em diálogo com o outro, numa
postura educativa como opção progressista, “encharcada de pedagogia da esperança, jamais deixará de ser uma aventura desveladora, uma experiência de desocultação da verdade” (FREIRE, 1992, p.
5). Trata-se de uma Esperança que nasce como ação contra-hegemônica, da necessidade de retomar o processo de transformação
do mundo e da sociedade, que é difícil, mas não impossível, pois a
esperança não é o simples ato de sentar e esperar, mas um utópico
realizável como afirma Freire (1980, p. 27):
O utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e
de anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão
a utopia é também um compromisso histórico
Ao buscar a esperança, como utopia do desvelar, inicia-se
uma nova realidade-mundo, que vai invadindo e transbordando
na sua condição de ser e estar no mundo: “[...] é como se a maioria
da não fosse tomada por incontida necessidade de vomitar em face
a tamanha desvergonha [...]” (FREIRE, 1992, p. 5).
É dessa esperança que defendemos e é evidenciada na
obra “pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do
Capa
Sumário
269
oprimido”. De uma esperança ontológica, que precisa ser crítica,
para torna-se concretude histórica. É um (re)criar dos discursos
pragmáticos, que permite a possibilidade de reencontrar novos
caminhos na (re)construção de um projeto de educação ambiental
para transformação da realidade-mundo.
Transformação e Práxis na Educação Ambiental
Para construírmos uma educação ambiental crítica e transformadora, na perspectiva da “práxis” freireana, é necessário não
apenas tomar consciência da condição do ser humano “no e com”
o mundo, mas movimentar-se numa permanente ação, reflexão
e ação para transforma-lo. Porém, esse processo não poderá ser
construído sozinho e nem tampouco, vinda como doação dos
opressores, precisam ser edificados com os oprimidos em comunhão, pois “ninguém se liberta sozinho, também não é libertação de
uns feita por outros” (FREIRE, 1987, p. 29).
O conceito de “transformação” que pretendemos construir, refere-se a ideia de um estado existencial do ser humano,
onde, deve ocorrer num movimento de “ser” e “estar” no mundo,
na qual não pode ser confundida com a transformação de alguma coisa em outra, que até pode gerar uma mudança, mas não a
“transformação” postulada por freire.
Transformação que deve ser pensada permanentemente,
não aferrando-se a ideias e a modelos preconcebidos. Uma Educação Ambiental que vise a transformação, “não deve temer o processo, porque a vida é um processo, como a luta, o poder ou a educação. Não deve temer a mudança, pelo contrário, a mudança deve ser
o motor de toda transformação” (FREIRE; FAUNDEZ, 1985 p. 47-48).
Portanto, construir um processo de Educação Ambiental
na perspectiva freireana, é entender que a tarefa do ser humano é
transformar a realidade opressora através da práxis autêntica, da
pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora,
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
num movimento dialético onde desvelando o mundo da opressão,
criamos a possibilidade da transformação.
Humanização e Práxis na Educação Ambiental
Uma Educação Ambiental Transformadora só poderá ocorrer se pensada numa perspectiva humanista, onde educadores e
educadoras deverão estar em um processo permanente de práxis
educativa. Contudo, essa vocação essencialmente humana é negada na injustiça, na exploração, na opressão, na violência dos
opressores, todavia, reafirmada no anseio de liberdade, na humanização do ser humano (FREIRE, 1987)
A humanização a que nos referimos, não pode ser confundida com a generosidade do opressor, em estender as mãos em gestos de súplica. Precisa ser constituída pela pedagogia do oprimido:
“[...] aquela que tem de ser forjada com ele, enquanto homens ou
povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. [...]”
(FREIRE, 1987, p. 17). Ou seja, a humanização é vocação ontológica
do ser humano, necessita ser construída e exercitada pelo ser humano em relação com o outro. Não se trata de algo dado, mas construído e reconstruído pelo ser humano ao longo da história.
Ao pensar a educação ambiental no viés da humanização, reconstruímos os fundamentos da palavras-mundo, pois aprendermos
a (re)pensar, (re)dizer e (re)criar posturas, reafirmando sua posição
em defesa da dignidade, do respeito ao mundo e ao outro, e consequentemente, sua emancipação da submissão e opressão. Por isso, é
preciso compreender que o ser humano tem vocação para ser mais,
jamais ser menos, e portanto, fundamentalmente não aceita as injustiças do mundo. Essa constatação só faz sentido se eu não apenas me
adaptar, mas tentar mudar, intervir na realidade (FREIRE, 2009).
Enfim, uma educação ambiental que busque formar para a
autonomia77, deve estar preocupada com a transformação, num
77
Capa
A concepção de “Autonomia” construída por Paulo Freire, pode ser vista nas
Sumário
271
movimento de “práxis”, indissociavelmente político e humanizador. Um contínuo exercício de amor e esperança, que constrói-se
como ontologia do ser.
Problematização e práxis na educação ambiental
Um caminhar pela práxis freireana, na consolidação de
uma educação ambiental transformadora, para ser concretude,
necessita ser pensada num propósito da “educação problematizadora”, como diz Freire (1987) ao falar sobre a natureza do diálogo:
“não há palavra verdadeira que não seja práxis, dizer a palavra verdadeira é transformar o mundo” (p. 44). Condena-se o verbalismo
excessivo e o silêncio, os seres humanos se fazem na palavra, no
trabalho, na ação-reflexão.
A ação de problematizar acontece a partir da realidade que
cerca o sujeito, num redizer do mundo pela palavra, que considere a
realidade existencial do ser humano, como postula Freire (1987, p.40):
Quanto mais se problematizam os educandos como
seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, compreendem
o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema
em suas conexões com outros, num plano de totalidade, e não como algo petrificado.
A problematização defendida por Freire, é fundamental
para um projeto de Educação Ambiental que vise a transformação,
constitui a personificação da “práxis”, num diálogo permanente
entre o mundo e os seres humanos. Trata-se de uma educação
contrária a “educação bancária”, por isso não trata o ser humano,
como depósitos de informações. Mas, busca promover caminhos
suas principais obras: “Pedagogia do Oprimido” (FREIRE, 1987), “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido” (FREIRE, 1992) e, sobretudo, “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa” (FREIRE, 1996).
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
para que os sujeito em relação dialética com o mundo e com o outro, construa sua autonomia, supere a dicotomia opressor-oprimido, que aliena e naturaliza a condição opressora de “ser menos”.
Por isso, é impossível dizer a palavra da “práxis”, se não
apreendermos a educação “problematizadora” (FREIRE, 1987).
Educação esta, que é construída com o outro e midiatizado com o
mundo. Como afirma Freire (1987, p. 39) “já agora ninguém educa
ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens
se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”.
Autonomia e Práxis na Educação Ambiental
A construção de um processo de educação ambiental crítica só poderá ocorrer, se os sujeitos conquistarem a “autonomia”
do ser”, que é fundada “na ética, no respeito à dignidade dos sujeitos” (FREIRE, 1996, p. 4). Trata-se de uma autonomia que deve
ser conquistada a partir de suas relação com a realidade-mundo.
Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de
forma neutra. “Não posso estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas. A acomodação em mim é apenas caminho para a
inserção, que implica decisão, escolha, intervenção na realidade”
(FREIRE, 1996, p. 30).
A autonomia que defendemos, indica uma construção conceitual e/ou vivencial que deriva da situação existencial do ser humano em relação com o outro, mediatizado pelo mundo. Trata-se
de uma condição essencial para práticas de Educação ambiental,
pois emancipa o sujeito na busca de sua liberdade e libertação que
não se separam, mas se entrecruzam e complementam-se.
Na linha de pensamento freireano, uma das tarefas mais
importantes é possibilitar condições para que os sujeitos possam
“assumir-se” (FREIRE, 1983, P. 46). Isso envolve assumir a condição sócio-histórica, a condição de ser pensante, transformador,
sonhador, ou seja, que necessita de liberdade para pensar e agir
Capa
Sumário
273
em relação ao mundo e o outro, o que exige consciência crítica e
utopia ontológica para intervir na realidade, com a finalidade de
transformá-la.
Conquistar a autonomia implica, contudo, libertar-se das
estruturas opressoras, que alienam, e impedem a transformação.
“A libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de
sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de
lutar por ela” (FREIRE, 1983, p.32). Refere-se a uma autonomia que
é conquistada gradualmente, que consiste no amadurecimento do
“ser” e do “estar” no mundo, para transformá-lo.
Para a construção da autonomia necessitamos tomar consciência sobre nossa realidade-mundo. Sujeitos desprovidos de
consciência crítica não conseguem intervir para a transformação
do mundo, por isso ser condição elementar e imprescindível para
a superação da dicotomia e opressão que aprisiona o ser humano.
Enfim, a “autonomia” implica dizeres e fazeres que promovam respeito e valorização, tornando os seres humanos capazes
de ler e interpretar o mundo, para assim poder (re)criá-lo e (re)dizê-lo, num processo de dialetização entre denúncia e anunciação
de novos caminhos que expressa a sua palavra, em decorrente de
sua relação de existir no mundo.
CONSIDERAÇÕES (IN)CONCLUSIVAS
Os conceitos trabalhados ao longo desse capítulo, através
de tramas freireana, nos levam a (re)viver, (re)pensar e (re)dizer
saberes e fazeres de Educação Ambiental numa perspectiva da
“práxis” freireana. Embora, seja apenas uma possibilidade de outro caminhar, acreditamos trazer uma arcabouço teórico-conceitual, que possa contribuir com a práxis do educador e educadora
ambiental, bem como evitar a lógica de um futuro inexorável, a
qual considera que a realidade não pode ser de outra maneira do
que aquela reproduzida pelo sistema hegemônico e autoritário.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Essa reflexão não deve se limitar a compreender as relações de Freire com o campo da educação ambiental do ponto de
vista meramente descritivo. Deve ser entendido, como ponto de
partida, que se (re)constrói permanentemente, com o outro, mediatizado pela realidade-mundo como afirma Freire (1982, p. 22):
Esse movimento do mundo à palavra e da palavra
ao mundo está sempre presente. Movimento em
que a palavra dita flui do mundo mesmo através
da leitura que dele fazemos. De alguma maneira,
porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura
da palavra não é apenas precedida pela leitura do
mundo, mas por uma certa forma de escrevê-lo, ou
de reescrevê-lo quer dizer, de transformá-lo através
de nossa prática consciente.
Portanto, o processo reflexivo sobre as práticas que devem
edificar um processo de Educação Ambiental, devem ser compreendidas como práticas relacionais humanas e com o mundo, e
contudo, deve ir além da experiência ingênua do mundo para se
apropriar de uma visão crítica sobre o mundo e si mesmo. Deve,
ainda, ser individual e coletiva, como postula Freire (2009): trata-se de uma questão existencial necessária a transformação, começa no “eu” (individual), mas só se realiza com o “outro” (coletivo).
Não se trata de abandonar os conceitos construídos sócio-historicamente, mas construir um processo que seja crítico, através
da práxis, sem, no entanto, desconsiderar os saberes e fazeres cotidianos, como bem diz Freire e Faundez (1985, p. 15): “É formidável como
fui aprendendo as regras do jogo, conscientemente, sem renunciar
àquilo que me parecia fundamental, sem recusar o mais básico de mim
mesmo e, por isso, sem me adaptar ao cotidiano de empréstimo”.
Por fim, explicamos, que a construção de um processo de
educação ambiental em consonância com o pensamento freireano é transitar da espontaneidade à rigorosidade, da ingenuidade à
criticidade, para então, construir um processo autêntico de trans-
Capa
Sumário
275
formação dos sujeitos e do mundo. Porém, não podem ser compreendias como discursos meramente descritivos, mas, como uma
narrativa crítica, edificada nas práticas cotidianas, pois somente
assim, poderá transformar os valores e atitudes do ser humano em
sua relação com o mundo-natureza.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, I. C. de M. Educação Ambiental Crítica: Nomes e
Endereçamentos da Educação. In: LAYRARGUES. P. P. (coord.)
Identidades da Educação Ambiental Brasileira. Brasília: Edições MMA.
Ministério, 2004, p. 13-24.
DIAS, G. F. Um grande desafio: dimensões humanas das alterações
globais. In: DIAS, G. F. Educação Ambiental: princípios e práticas. São
Paulo: Gaia, 2003, p. 243-254.
DICKMANN, I.; CARNEIRO, S.M.M. Paulo Freire e Educação ambiental:
contribuições a partir da obra Pedagogia da Autonomia. Revist. Educ.
Públ. Cuiabá, v. 21, n. 45, p. 87-102, 2012.
FREIRE, P. Educação Como prática de Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2009.
________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. 26. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
________. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia
do oprimido. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1992.
________. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
________; FAUNDEZ, A. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1985.
________. Conscientização: teoria e prática da libertação. São Paulo:
Moraes, 1980.
277
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
________. Extensão ou Comunicação? 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra 1983.
GUIMARÃES, M. Educação ambiental crítica. In: LAYRARGUES, P. (coord.).
Identidades da educação ambiental brasileira. Brasília: MMA, 2004.
p.27-36
____________. A dimensão ambiental na educação. Campinas:
Papirus, 1995
JACOBI, P. Educação ambiental, cidadania e sustentabilidade.
Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 189-205, 2003.
LAYRARGUES, P. (Coord.). Identidades da educação ambiental
brasileira. Brasília: MMA, 2004.
CAPÍTULO 11
SEXUALIDADE, PARENTALIDADE JUVENIL E
SAÚDE SEXUAL E REPROTUVIA: CONCEITOS E
DISCURSOS EM UMA COLEÇÃO DIDÁTICA
DE CIÊNCIAS NATURAIS
Clemilson Cavalcanti da Silva78
José Antônio Novaes da Silva79
LEFF, E. Saber ambiental. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
LOUREIRO, C.F.B. Educação Ambiental Crítica: contribuições e desafios.
In: MELLO, S.S.; TRAJBER, R (Coord.) Vamos Cuidar do Brasil: conceitos
e práticas em educação ambiental na escola. Brasília, MEC/MMA/
UNESCO, 2007, p. 66-71.
MOITA, F. M. G. da S. C. ; ANDRADE, F. C. B. Oficinas pedagógicas: o
saber em produção. In: SANTOS, E.; ALVES, L. Práticas Pedagógicas e
Tecnologias Digitais. Rio de janeiro: E-papers, 2006, p.287-301.
SAUL, A. Prática teatral dialógica de inspiração freireana: uma
experiência na escola, com jovens e adultos. 2011. 109 f. Dissertação
(Mestrado) -PUC/SP, São Paulo, 2011.
SCOCUGLIA, A. C. A história das ideias de Paulo Freire e a atual crise de
paradigmas. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 1999.
INTRODUÇÃO
Segundo César (2009) há relatos que desde o século XIX, em
escolas espanholas, havia uma preocupação com os estudos acerca da sexualidade. Foucault (2013) descreve uma aula sobre educação sexual em uma escola experimental da Alemanha no século
XVIII. Partindo destes exemplos, podemos inferir que há séculos a
preocupação com o tema, que hoje denominamos de sexualidade, perpassa o ambiente escolar. Contudo, é preciso salientar que
nestas experiências descritas a temática seguia uma orientação
biológica naturalística.
No tocante a realidade brasileira, temos como marco ini78
Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas pela UFPB; Especialista em Educação Ambiental pela Faculdades Integradas de Patos (FIP); Mestrando em Educação
pelo PPGE/UFPB; Professor da Educação Básica na Rede Oficial de Ensino (Santa Rita e
Lucena - PB); Tutor do componente curricular Fundamentos Biológicos da Educação no
Curso de Ciências Naturais à Distância da UFPB; E-mail: [email protected]
79
Prof. Assosicado III, do Departamento de Biologia Molecular (DBM) do Centro
de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN); E-mail: [email protected];
Capa
Sumário
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
cial o ano de 1922, quando Fernando Azevedo80 defendeu a importância da educação sexual como matéria de ensino abordando princípios morais, higienistas e eugenistas e também raciais
(CÉSAR, 2009). O intelectual ora citado destacava a importância
destes conteúdos, pois o considerava como de “interesse moral
e higiênico do indivíduo” e para o “interesse da raça” (MARQUES,
1994). Neste mesmo período, “Médicos e educadores em um número considerável manifestavam-se a favor da educação sexual
como forma de evitar a perversão moral, as psicoses sexuais e a
degeneração física, bem como assegurar a saudável reprodução
da espécie”, (BRUSCHINI, BARROSO, 1986, p.32).
Estes primeiras ensaios do século XX em defesa da educação sexual nas escolas brasileiras se desenvolveram por meio de
pressupostos higienistas e eugênicos. Assim, o “sexo bem educado” se apresentou como parte fundamental do processo de escolarização, mesmo que este não tenha sido abordado sob a rubrica
de uma disciplina específica, pois a regulação do sexo de crianças
e jovens nas escolas foi uma tônica na conformação da pedagogia
moderna (COSTA, 1983). O período de 1930 aos anos 1950 caracterizou-se pelas práticas de caráter religioso confessional, onde se
apregoava o valor da virgindade, do patriarcalismo e das instituições sociais dominantes (NUNES, 1996). A educação proposta na
época apresentava-se repressiva e voltada para o público masculino. Um exemplo deste tipo de atitude é o livro publicado em 1938,
“Iniciação Sexual - Educacional”, de Oswaldo Brandão da Silva, na
capa pode ser lido: “Leitura Reservada”, pois a publicação era volta
para os meninos. Logo, “As meninas estão excluídas porque não
necessitam das informações, visto que não terão vida sexual antes
do casamento. Os meninos precisam desta iniciação porque, além
80
Fernando de Azevedo nasceu a 2 de abril de 1894, na cidade de São Gonçalo
do Sapucaí, no Estado de Minas Gerais e faleceu em São Paulo-SP; em 18 de setembro
de 1974. Acreditava na força predominante das ideias como fator de mudança social.
Fundou a Associação Brasileira de Educação, em 1924, e deu corpo ao movimento pela
reforma do ensino por intermédio das “Conferências de Educação”, em 1922.
Capa
Sumário
279
de encarregados da iniciação das esposas, correm o risco ininterrupto das atrações do sexo.” (CHAUÍ, 1991, p. 18).
Durante as décadas de 1960 e 1970, a penetração da Educação sexual (ES) formal na escola enfrentou fluxos e refluxos. Na segunda metade dos anos de 1960, algumas escolas públicas desenvolveram experiências de educação sexual (ALTMANN, 2001). Uma
das demonstrações de resistência ao tema pode ser observada em
uma entrevista do escritor Nelson Rodrigues, da revista “Realidade”, em outubro de 1969, assim se expressou: “A educação sexual
deveria ser dada por um veterinário a bezerros, cabritas, bodes,
preás, vira-latas e gatos vadios. No ser humano sexo é amor.” (CAVALCANTE; MORAIS, 2003, p. 238).
Em termos institucionais não podemos deixar de mencionar que a abordagem da sexualidade nas escolas brasileiras foi
severamente reprimida no período da Ditadura (BARROSO; BRUSCHINI, 1982; CÉSAR, 2009), pois nesse momento histórico foi imposto um regime de controle e moralização dos costumes, especialmente decorrente da aliança entre os militares e o majoritário
grupo conservador da igreja católica, assim educação sexual foi
definitivamente banida de qualquer discussão pedagógica por
parte do Estado e toda e qualquer iniciativa escolar foi suprimida
com rigor (CÉSAR, 2009). Mesmo antes do regime militar aspectos
repressivos e discriminatórios ligados a discussão, já se faziam
presentes. Um exemplo que pode ser citado foi a publicação de
Oswaldo Brandão da Silva acima citada. Muitos/as profissionais
não se arriscavam a tratar do tema por temerem represálias, já as
iniciativas que sobreviveram, mantiveram-se na clandestinidade
(WEREBE, 1978). Contudo, podemos destacar alguns acontecimentos que incidiu neste período no tocante a sexualidade: em 1968,
a Deputada Júlia Steimbruck propôs a introdução obrigatória da
educação sexual e não obteve êxito; no final da década de 70, foi
criado a BEMFAM (Sociedade Civil Bem Estar Familiar no Brasil),
com o objetivo de controle populacional; em 1978 aconteceu “IV
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Congresso Brasileiro de Orientação Educacional” na cidade de São
Paulo; Em 1983 ocorreu o 1º Encontro Nacional de Sexologia organizado pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia,
Werebe (1978). Em 1978 ocorre o “I Congresso Nacional de Orientação Sexual nas Escolas”, em São Paulo, Rosemberg (1985). Estes
eventos associados às questões políticas, sociais e econômicas deflagraram-se numa maior abertura no que tange as discussões que
envolviam a sexualidade nas escolas nas duas décadas seguintes.
Mas, foi com aparecimento da Aids, nos anos 80 do século XX, e a propagação de outras doenças sexualmente transmissíveis (DST) entre os/as adolescentes e jovens que instigou as discussões, nesse período, sobre a sexualidade (GUIMARÃES, 1995).
Desse modo, começou a ser implantado na educação brasileira um
ensino para a prevenção. Segundo Louro (2008) a partir dos anos
de 1980, no Brasil, passou-se a discutir mais a sexualidade, principalmente, nas escolas. Neste contexto, o ambiente escolar, no
início dos anos 90 do século XX foi tomado como um lugar fundamental para a propagação de informações sobre o “sexo seguro”,
as quais incluíam, além do contágio do HIV/Aids e outras DST, a
“gravidez na adolescência” (parentalidade81 juvenil), que para os
especialistas começou a ser tomada como um “problema pedagógico” importante (CÉSAR, 2009, p. 42). Assim,
A preocupação em engajar-se no combate à doença
(Aids) fez com que organismos oficiais, tais como o
Ministério da Educação passasse a estimular projetos de educação sexual, e, em 1996, o MEC incluiu a
temática, como tema transversal, nos seus Parâmetros Curriculares Nacionais (os PCN, a nova diretriz
para a educação do País). Vale notar, contudo, que
as condições que possibilitaram a ampliação da discussão sobre a sexualidade também tiveram o efeito
de aproximá-la das ideias de risco e de ameaça, co81 O termo parentalidade está sendo utilizado para designar a condição de maternidade/paternidade na adolescência; é um neologismo que visa suprir a falta da palavra em português, correspondendo ao termo inglês parenthood (Heilborn et. al., 2002).
Capa
Sumário
281
locando em segundo plano a associação ao prazer e
à vida (LOURO, 2008, p. 36).
Enfim, após a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e a inclusão de Educação Sexual como tema transversal, deixou a escola com a possibilidade
de discutir o tema, para César (2009) consolidou definitivamente
a escolarização de uma educação do sexo, esta nova retomada do
tema pode ser interpretada a luz de Rosemberg, (1985, p.110) a
qual afirmou: “pela enésima vez o Brasil redescobre a Educação
Sexual no país”. Altmann (2001) sinaliza que este documento tem
muitas limitações e que se faz necessário avançar. Todavia, alguns/as autores/as reconhecem a modificação promovida, destes/
as citaremos Leão (2009), a qual destaca que a educação sexual
oferecida nas escolas centrava-se apenas no caráter biológico da
sexualidade, uma realidade que encontra apoio nos conteúdos encontrados nos livros didáticos. Para esta autora o,
[...] advento dos PCN pode ser considerado um avanço para a discussão da sexualidade, embora nada foi
feito no sentido de formar professores aptos a trabalharem com as diferentes questões que abrangem
este tema na escola. A carência de preparo dificulta
o desenvolvimento destes programas nas escolas,
que por sua vez prejudicam o aluno, pois não lhe é
possibilitado no ambiente escolar um espaço afável,
em que possa manifestar livremente suas dúvidas
e curiosidades. Além disso, este despreparo ainda
compromete a própria escola, pois pode se tornar
um espaço propício para a consolidação de preconceitos (LEÃO, 2009 p. 96).
Acreditando na renovação dos paradigmas educacionais e
na construção de novos olhares para o ensino das Ciências Naturais será proposto para este trabalho o seguinte: investigar quais
são os conceitos e as metodologias adotadas por livros de Ciências
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Naturais dos anos finais do Ensino Fundamental no que tange a
sexualidade, a parentalidade juvenil e as DST/Aids.
MATERIAL E MÉTODOS
Para esta pesquisa foi selecionada a coleção didática mais
adquirida do componente curricular: Ciências Naturais de 6º ao 9º
ano do Plano Nacional de Livro Didático 2014 que em utilização
em escolas da Rede Oficial para o triênio de 2014 a 2016.
A coleção analisada foi a do Projeto Teláris: Ciências Nosso
Corpo. A mesma é constituída por quatro volumes os quais abarcam os conteúdos referentes aos anos finais do Ensino Fundamental. Em suma, faremos uma análise crítica acerca dos conceitos que
encontramos nas coleções didáticas de Ciências para as seguintes
categorias: sexualidade, parentalidade juvenil e DST/AIDS. Desse
modo, perpetraremos uma apreciação a partir das orientações de
documentos oficiais e de trabalhos acadêmicos contemporâneos
acerca da temática.
Este trabalho é de natureza qualitativa, que segundo Lüdke
(1986), mostra o ambiente natural como sua fonte direta de dados
e o pesquisador como seu principal instrumento. Para a autora, a
pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada,
via de regra através do trabalho intensivo de campo.
No que tange a metodologia de apreciação, será utilizado à
análise de conteúdo, a qual segundo Bardin (2006, p. 38) “refere-se
a um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”.
Segundo Minayo (2008), diferentes são os tipos de técnicas
utilizadas na análise de conteúdo, destas, para este trabalho utilizamos a Análise temática, à qual nos servirá de suporte metodológico. Ela funciona em etapas, por operações de desmembramento
Capa
Sumário
283
do texto em unidades e em categorias para reagrupamento analítico
posterior, e comporta dois momentos: o inventário ou isolamento
dos elementos e a classificação ou organização das mensagens a
partir dos elementos repartidos. Nesse sentido, para chegar ao objetivo proposto por esta técnica, faz-se necessário um caminho minucioso que segundo Bardin (2006), está organizado em três fases:
1) pré-análise (organização do material); 2) exploração do material
(identificação das unidades de registro e das unidades de contexto
nos documentos); 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação (condensação e o destaque das informações para análise,
culminando nas interpretações inferenciais; é o momento da intuição, da análise reflexiva e crítica) (BARDIN, 2006).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A coleção didática de Ciências Naturais do Projeto Teláris
foi organizada pela editora Ática para o PNLD 2013/2014 e tem por
título: Ciências: Nosso corpo (Figura 1). Esta obra está dividida em
4 Unidades, as quais são organizadas da seguinte forma: 1ª unidade: Como nosso corpo está organizado; 2ª unidade: As funções de
nutrição; 3ª unidade: A relação com o ambiente e a coordenação
do corpo; 4ª unidade Sexo e reprodução.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Figura 01. Fotos das capas da coleção (A). Em (B), destacamos o volume do
oitavo ano, o qual foi alvo da presente análise.
285
não concatena com o objetivo do trabalho.
Neste contexto, o capítulo 16 (O sistema genital, pp. 218 A
236), o qual compreende o primeiro conteúdo da unidade analisada enfatiza principalmente a reprodução humana e o desenvolvimento biológico feminino e masculino. Antes de começar o capítulo, ainda na página de entrada da 4ª unidade, o livro traz como
nota de rodapé a seguinte reflexão:
A reprodução é fundamental para a espécie humana
e os seres vivos em geral. Se, em algum momento
da evolução humana, tivéssemos perdido a capacidade de nos reproduzir, nossa espécie já estaria
extinta. Relações sexuais e reprodução envolvem
também emoções, sentimentos e comportamentos
que são influenciados pela cultura. E cada pessoa
tem sua personalidade, sua maneira de pensar e
agir, seus valores éticos e espirituais, seus projetos
de vida. (GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 216).
Fonte: dados da pesquisa
A 1ª unidade versa principalmente sobre a organização do
corpo, perpassando pelo conceito de células, tecidos, órgãos, sistemas biológicos e organismo; e está dividida em 2 capítulos. A 2ª
unidade trata especialmente sobre a alimentação, além de discutir os sistemas biológicos como: digestório, respiratório, cardiovascular, sanguíneo e urinário; e está organizada em 7 capítulos.
A 3ª unidade aventa nomeadamente sobre a pele, os músculos, os
ossos, os sentidos, além de acrescentar na discussão os sistemas:
nervoso e endócrino; e está arranjada em 6 capítulos. A 4ª ultima
unidade discute, sobretudo, o sistema reprodutivo, os métodos de
prevenção à gravidez, doenças sexualmente transmissíveis/Aids e
os conceitos iniciais sobre hereditariedade; e está constituída em 4
capítulos, sendo esta o único componente da coleção o qual se encaixa perfeitamente ao nosso objetivo, entretanto, desta unidade
não analisaremos o último capítulo porque entendemos que ele
Capa
Sumário
Percebemos nessa reflexão a influência dos PCN ao se tratar de reprodução, uma vez que reforça a influência da cultura, dos
valores éticos e religiosos no que se refere às relações sexuais BRASIL (1998). Intuímos também, apesar de não expor o conceito de
sexualidade propriamente dito, a presença dessa concepção e faz
presente, pois desvincula o ato sexual da reprodução, ao mesmo
tempo em que interliga ambos a cultura.
Após este pensamento inicial, o qual traz uma abordagem
para a além da concepção biológica naturalista, o início do capítulo dedica-se apenas em descrever os órgãos genitais masculinos
e como ocorre a formação do espermatozoide. Contudo, antes de
discutir o aparelho reprodutor feminino, o livro traz um texto intitulado: “Homem: cuidados e problemas” (GEWANDSZNAJDER,
2012, p. 220). No mesmo, apesar do título nos levar a ideias ligadas
a categoria gênero, na realidade encontramos apenas conteúdo de
alertas de doenças como: impotência sexual, câncer de próstata,
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
DST/Aids, desse modo, percebemos um discurso de incitação de
cunho meramente naturalista. O autor não faz nenhuma menção,
por exemplo, que o câncer de próstata é uma doença prevalente
entre os homens negros ().
Ao prosseguirmos a análise, percebemos após os conceitos fechados e naturalizantes trazidos pelo livro para o sistema
reprodutor feminino, dois textos complementares com títulos reflexivos, o primeiro foi “Hermafroditismo” (GEWANDSZNAJDER,
2012, p. 222), novamente poderíamos encontrar reflexões acerca
de gênero, todavia, o texto traz apenas a ideia de problema sob o
prisma biológico, segundo o qual basta o “doente” submeter-se a
uma cirurgia para ter seu problema solucionado. Uma “resolução”
absolutamente simplista, pois, na realidade sabemos que pessoas hermafroditas apresentam sérios problemas de autoaceitação,
bem como de serem aceitos por sua família bem como por amplas
parcelas da sociedade, sendo alvo de discriminações bem como
situações vexatórias. O segundo escrito, cujo título é “Mulher: a
relação sexual e alguns cuidados” (GEWANDSZNAJDER, 2012, p.
223) traz o mesmo sentimento que foi expresso para o texto sobre
os homens, inicialmente, faz um breve relato sobre o ato sexual,
o qual leva o/a adolescente a incitar o discurso sobre sexo e por
fim menciona problemas relacionados a doenças como câncer de
mama, infertilidade e DST/AIDS. Seria extremamente importante,
inserir nestas discussões o conceito de gênero, contudo não encontramos em nenhum momento nos textos citados comentários
ou qualquer menção acerca dessa categoria.
Posteriormente o capítulo traz conteúdos instigantes, principalmente, aos olhos das/os adolescentes, destes, destacaram-se:
“o ciclo menstrual” (GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 223); “menopausa” e “Gravidez” (IBIDEM, 2012, p. 225). No primeiro texto, apesar
de trazer detalhada a menstruação e suas nuances, em momento
algum encontramos referência à puberdade ou quando acontece
a primeira menarca, visto que este conteúdo é destinado a ado-
Capa
Sumário
287
lescentes seria interessante relacioná-lo, apresentando a primeira como uma etapa, de base natural e controlada por hormônios
a qual se desenvolve dentro da segunda, uma fase nitidamente
marcada pela cultura e pelo aspecto geracional. Além disso, não
encontramos no texto referências a anemia/doença falciforme82,
que segundo Viana Júnior (2010) tarda o ciclo menstrual em 1,7
anos, se comparado com meninas que não tem a doença, dessa
forma, seria oportuna inseri-la na discussão vigente a fim de informá-los/as acerca de alguns males relacionadas à menstruação
que este problema genético pode trazer. A inserção desta doença,
assim como de outras, que também são prevalentes na população
negra faria com que os/as docentes das áreas de Ciências e Biologia, também pudessem dar uma contribuição a Lei 10.639/2003,
a qual em seu parágrafo segundo ao afirmar que “Os conteúdos
referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no
âmbito de todo o currículo escolar” (BRASIL, 2003). No estado da
Paraíba, na cidade de João Pessoa, as diretrizes para a implantação desta Lei, asseveram que:
82
A anemia falciforme, doença genética que levou ao conceito de “doença molecular”, é caracterizada por anemia hemolítica crônica e fenômenos vasoclusivos que levam a crises dolorosas agudas e à lesão tecidual e orgânica crônica e progressiva. É causada pela substituição de adenina por timina (GAG->GTG), codificando valina ao invés de
ácido glutâmico, na posição 6 da cadeia da β-globina, com produção de hemoglobina
S (HbS). Esta pequena modificação estrutural é responsável por profundas alterações
nas propriedades físico-químicas da molécula da hemoglobina no estado desoxigenado.
Estas alterações culminam com um evento conhecido como falcização, que é a mudança
da forma normal da hemácia para a forma de foice, resultando em alterações da reologia
dos glóbulos vermelhos e da membrana eritrocitária (BRASIL, 2002 p. 16). [...] Sua prevalência varia enormemente nas diferentes regiões do globo e atinge valores máximos nos
países da África equatorial, Arábia, Índia, Turquia, Grécia e Itália. Nos EUA, assim como
no Brasil, análises de grande número de indivíduos da população negra revelaram prevalências variáveis de 6,7% a 10,1%. O nível de Hb S também é variável nas diferentes
populações e usualmente está abaixo de 45% (e sempre abaixo de 50%), com valores
ainda menores quando há concomitância de alfa talassemia, condição genética também
comum nas diferentes populações oriundas da África. Os níveis de Hb F estão geralmente
dentro da faixa da normalidade. (BRASIL, 2002 p. 30)
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
289
Art. 3 – Para todas as disciplinas do currículo escolar, em especial para as áreas de Artes, Literatura
e História Brasileiras, como recomenda o art. 26-A,
§ 2º da lei 10.639/2003, tornam-se obrigatórios, simultaneamente ao enfoque transversal, o ensino e o
estudo de conteúdos referentes à História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana, com ênfase nos contextos
locais. (grifo nosso); Art. 21 – No currículo escolar
das diversas disciplinas que compõem o ensino fundamental na 1ª e 2ª fases, especialmente das áreas
citadas nos artigos 4 e 5 desta resolução, será obrigatório, a cada bimestre, a inclusão de um tópico
de estudo referente a temática da História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana, conforme capítulo IV (artigo 12) desta resolução. (grifo nosso).
zido, evidencia que o início da menostasia é o fim da menstruação,
contudo, não encontramos conexões entre os diferentes períodos
biológicos e reprodutivos das mulheres.
No tocante a gravidez, apesar de encontrarmos uma vasta
literatura acadêmica acerca do tema, como: Aquino et al. (2003),
Abramovay, Castro e Silva (2004), Heilborn, (2006), entre outros.
Trabalhos estes que discorrem sobre o índice de gravidez não programada (parentalidade juvenil), suas implicações sociais, econômicas e educacionais nos/as atores/atrizes envolvidas/os. O texto
analisado se restringe, apenas, as questões biológicas não ultrapassa em momento algum esta concepção de ensino naturalizante. Negligenciando conteúdos muito importantes, por exemplo:
A educação sexual proferida nos Parâmetros Curriculares Nacionais sinaliza que os conteúdos devem ser ministrados
do seguinte modo.
A gravidez na adolescência leva à formação de um
novo núcleo familiar, ainda que de forma temporária. Essa transformação é considerada uma das mais
importantes experimentadas pela família brasileira
no final do século XX. Sua novidade está no fato de a
nupcialidade não mais anteceder à reprodução. Mudanças como essa resultaram de um processo que
tornou a conjugalidade um domínio até certo ponto autônomo em relação ao da família e, por outro
lado, de o exercício da sexualidade haver ultrapassado a esfera do matrimônio, pelo menos no que diz
respeito às mulheres. Em termos de transição para a
vida adulta, esse processo “anteciparia” a transição
(HEILBORN, 2006, p. 54).
É fundamental que os professores, ao trabalharem
as transformações corporais, as relacionem aos significados culturais que lhes são atribuídos. Isso porque não existe processo exclusivamente biológico,
a vivência e as próprias transformações do corpo
sempre são acompanhadas de significados sociais,
como o que acontece com a menarca, a primeira
menstruação. Existe uma infinidade de crenças a ela
associadas e, portanto, sua ocorrência marca de forma indelével a vida das mulheres, com o significado
que lhe atribui cada grupo familiar e social (BRASIL,
1998, p. 319).
No texto que discorre sobre a menostasia, na realidade, o
que encontramos foi apenas uma breve descrição do que vem a
ser esta condição biológica, “[...] os ovários para de lançar óvulos
na tuba e a mulher não menstrua mais, [...] acontece por volta de
50 anos, e a partir dai a mulher não tem mais filhos” (GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 225). Notamos que o texto, apesar de muito redu-
Capa
Sumário
Para finalizar o capitulo, encontramos dois tópicos, o primeiro
versa sobre os cuidados com a gravidez e o segundo como se formam
os gêmeos. Do primeiro texto destacamos os seguintes trechos:
Mulheres grávidas não devem fumar nem tomar
bebidas alcoólicas ou outras drogas”. [...] “Bebês
de mãe que fumam na gravidez têm maior risco de
doenças e morte no nascimento ou de nascer com
peso abaixo do normal, entre outras complicações”.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
[...] “O consumo de álcool pode causar malformações de órgãos e retardar o crescimento: é chamada
de síndrome alcoólica fetal (GEWANDSZNAJDER,
2012, p. 230).
Nesta passagem, percebemos em vários momentos um discurso medicalizado sobre o corpo, o qual intensifica e perpetua à
noção de temeridade, neste contexto, Foucault (2002) sinaliza que
medicalização não é redutível à instituição médica nem à do asilo,
e seu advento se registra no desenvolvimento das “tecnologias de
poder” tornando indissociável ao domínio da sexualidade.
O texto relativo à gemeralidade segue o mesmo padrão de
outros conteúdos do material analisado, apresentando um discurso naturalizante. O autor perde a oportunidade de articular a
questão com aspectos culturais ligados, por exemplo, a grupos
indígenas brasileiros, bem como, os Kuikuro, povo indígena habitantes do Parque Nacional do Xingu, localizado no estado do Mato
Grosso, para o qual o nascimento de gêmeos leva ao infanticídio,
pois de acordo com seus costumes uma das crianças é boa e a outra má e como não possível determinar quem é quem ambas são
mortas (FREITAS; FREITAS; SANTOS, 2005). Para o povo o Zulu, na
África do Sul, o nascimento dos gêmeos é visto como um perigo à
comunidade, e para as crianças serem aceitas a mãe deve seguir à
risca os preceitos sociais. Assim, ao trazer o tema apenas pelo viés
natural e biológico o autor, ao mesmo tempo, perde a oportunidade de comtemplar as Leis 10639/2003, bem como a 11.645/2008,
a última voltada para introdução da temática ligada à população
indígena na sala de aula. Uma questão grave que também não é
mencionada é que “a gravidez é uma situação potencialmente grave para as pacientes com doença falciforme, assim como para o
feto e para o recém-nascido” (BRASIL, 2002, p. 138).
O capítulo 17 (Evitando a gravidez, pp. 237 a 245), o qual
versa sobre os métodos contraceptivos masculinos e femininos.
Capa
Sumário
291
Na primeira página do mesmo encontramos a seguinte mensagem:
O nascimento de um filho traz muitas responsabilidades, para as quais o casal nem sempre está preparado, Isso é comum principalmente entre adolescentes, que devem se lembrar de que a gravidez e
os cuidados com o bebê vão ocupar parte do tempo
que eles poderiam dedicar aos estudos ou ao início
da carreia profissional. [...] Há vários métodos para
evitar a gravidez, mas antes o casal deve consultar
um médico, pois alguns podem trazer riscos à saúde
(GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 237).
Nessa reflexão, apresentada pelo autor, encontramos as
orientações embasadas nos PCN, os quais buscam normatizar a
forma de como a temática deve ser trabalhada nas escolas. Assim,
em relação, “[...] à gravidez indesejada, o debate sobre a contracepção, o conhecimento sobre os métodos anticoncepcionais, sua
disponibilidade e a reflexão sobre a própria sexualidade ampliam a
percepção sobre os cuidados necessários quando se quer evitá-la”
(BRASIL, 1998, p. 293). Contudo, este conteúdo, tanto no livro didático analisado, quanto nos PCN; negligenciam debates sociológicos,
econômicos, culturais e religiosos, ficando apenas com conceitos
normatizados a partir do discurso medicalizado que está arreigado
de regras e preconceitos, os quais normalmente levam os adolescentes a erros e comportamentos duvidosos que poderiam ser evitados com diálogos para além dos conceitos naturalizantes.
O capítulo em si, muito embora apresente uma abertura, a
qual permitiria a abordagem da temática por meio de um enfoque
que fosse além do biológico, não avançou por temas mais abrangentes. Ao invés disto optou por abordar métodos contraceptivos de forma descritiva, elencando cada um dos métodos (camisinha masculina, camisinha feminina, pílula, dispositivo intrauterino, diafragma,
abstinência periódica, coito interrompido, esterilização masculina e
feminina) a partir de conceitos biológicos e as orientações de uso.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Neste trecho da coleção também não encontramos menções aos cuidados contraceptivos para as mulheres que são falcêmicas, pois para estas tem sido recomendado “utilização de DIU
(dispositivo intrauterino), de acetato de medroxiprogesterona”
(BRASIL, 2002, p. 141). Ao longo desta parte do texto, em vários
momentos, os/as leitores/as são instados/as a para procurarem
um/a médico/a caso não saibam como utilizar algum contraceptivo. Assim, seguindo um padrão já apresentado em temas anteriores, o autor se restringe a discutir o tema sob um prisma biológico
e naturalizantes, ou seja, a do “sexo bem cuidado”, “sexo saudável” e “sexo seguro” (CÉSAR, 2009).
É importante compreender que somos bem mais do que
um organismo, somos humanos dotados de corpos, a partir dos
quais podemos expressar as diferentes identidades, com vida e
história e não devemos ser tratados de forma diferente, pensar no
sujeito como “coisa” não ultrapassa o limite cartesiano que tanto
fez mal a educação. Assim a sensibilidade e a “vida deste corpo”
expressaria a nossa humanidade, a qual, de acordo com Nelson
Mandela, se exprime “por meio por meio da humanidade dos outros” (SEAMBA, 2014, p. 487), algo que exige interação, e trocas entre os diferentes grupos e pessoas. Nos PCN, encontramos conceitos distintos para corpo e organismo que nos ajudam a perceber
que somos sujeitos históricos.
O organismo refere-se ao aparato herdado e constitucional, à infraestrutura biológica dos seres
humanos. Já o conceito de corpo diz respeito às
possibilidades de apropriação subjetiva de toda a
experiência na interação com o meio. O organismo
atravessado pela inteligência e desejo se mostrará
um corpo. No conceito de corpo, portanto, estão
incluídas as dimensões da aprendizagem e todas
as potencialidades do indivíduo para a apropriação
das suas vivências (BRASIL, 1998, p. 317).
Capa
Sumário
293
Por fim, o capítulo traz um texto sobre “o aborto” (GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 244), apesar de ser menor que uma lauda o
mesmo se mostra informativo e faz referência à proibição desta prática no Brasil, exceto em caso de estupro e risco da gestante, alerta
para algumas doenças infecciosas, como a sífilis83, que podem levar
a interrupção da gravidez, além de trazer para discussão a questão
da ética que este tema é pautado. Contudo, é perceptivo que em tão
poucas linhas, não é possível tratar uma questão tão importante e
complexa que tem levado a ocorrência de inúmeras ações políticas
e de debates na sociedade como um todo. Partindo dessa conjuntura, percebemos que em nenhum momento o texto traz dados acerca
da temática, não inseri os adolescentes e os jovens neste contexto,
em suma, faz apenas um relato incipiente do tema.
Desse modo, notamos que seria um momento oportuno
para pesquisas como a de Abramovay, Castro, Silva (2004, p. 219),
a qual relata que Organização Mundial de Saúde (OMS), “estima-se
que na América Latina e no Caribe ocorrem, anualmente, cerca de
4 milhões e 200 mil mulheres submetem-se todo ano a abortamentos, sendo 95% desses procedimentos realizados na ilegalidade,
[...] cerca de 21% das mortes maternas (6 mil/ ano) têm como causa as complicações do aborto inseguro sob a responsabilidade das
leis restritivas ao aborto”. Nesta mesma pesquisa, estima-se que
há um milhão de abortos clandestinos por ano no Brasil, entretanto, não existem dados oficiais que sobre esta questão. No que
se refere mais especificamente a adolescentes e jovens, o aborto
83
A sífilis é uma infecção ou doença sexualmente transmitida (IST/DST), cujo
agente etiológico é o Treponema pallidum. Este agravo apresenta diagnóstico, tratamento e cura estabelecidos e de baixo custo, mas quando não tratado pode evoluir para
cronicidade, além de provocar graves consequências como a sífilis congênita. É um agravo que ainda se constitui um problema de Saúde Pública no estado de São Paulo, e no
Brasil, tanto pelo grande número de casos quanto pelas suas complicações. [...] Existem
mais de dois milhões de gestantes com sífilis por ano no mundo, das gestantes não tratadas estima-se que aproximadamente 50% irão transmitir a doença para o feto. Abortamentos, natimortalidade, óbito infantil, prematuridade e baixo peso ao nascer são
alguns dos resultados da sífilis não tratada em gestantes. (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO,
2012/2013, p. 75).
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
“ganha níveis singulares e para alguns autores é alta a associação
entre gravidez e abortamento, assim como abortamento e mortalidade nessa população” (IBDEM, 2004, p. 219). Enfim, julgamos
importante a inserção de dados sobre os/as adolescentes e jovens
no contexto de temas como: métodos contraceptivos, gravidez,
DST/Aids, aborto, entre outros.
Na proposta de avalição dos conteúdos trabalhados o capitulo 17 traz atividades com perguntas objetivas e subjetivas, além
de introduzir uma redação no último exercício sobre a beleza física, responsabilidade de evitar a gravidez e de criar os filhos. Detalhe, o capitulo não trata sobre estes temas, ou seja, faz-se necessária uma pesquisa em livros paradidáticos para conhecer sobre os
novos assuntos propostos.
Em suma, este capítulo faz referência à contracepção e à
gravidez, contudo, trabalha a temática reduzindo-a a questões de
saúde e a fatores biológicos. Além disso, não colocam adolescentes e jovens na discussão dos textos, nem trazem índices de parentalidade, apesar de existir vários trabalhos que contemplam
esta questão (ABRAMOVAY, CASTRO, SILVA 2004; HEILBORN, 2006),
informativos que levassem a estes protagonistas a perceberem criticamente os problemas sociais, econômicos, etc., que estão presentes nestes temas.
O último capítulo investigado foi o 18 (Doenças sexualmente transmissíveis, pp. 246 a 256), nesta seção encontramos um discurso voltado para as DST que podem ser transmitidas pelo ato
sexual desprotegido, destas, é perceptivo a ênfase dada a Aids e os
problemas que esta enfermidade pode causar nos indivíduos no
que tange as questões biológicas e de saúde. Entretanto, ressaltamos que o material analisado não adentra as questões sociais
como, por exemplo, o preconceito a portadores do vírus; mas estudos mostram que “a aids trouxe ao mundo não somente mais
uma doença considerada sem cura que ainda causa medo e pânico
na população, mas principalmente um fator de total rediscussão
Capa
Sumário
295
de conceitos, preconceitos e comportamentos individuais e coletivos”, (BRASIL, 2008, p. 17).
No início desta unidade traz uma reflexão contemplando a
temática da seção, neste caso as DST/AIDS.
1º de dezembro é o Dia Mundial de Luta Contra a
Aids. Esse dia foi criado pela Assembleia Mundial
de Saúde e existe para divulgar a importância da
prevenção, realizar campanhas de solidariedade
em prol dos portadores do vírus e combate a preconceitos contra eles. [...] A Aids e outras doenças
sexualmente transmissíveis (conhecidas pela sigla
DST) são as que podem passar de uma pessoa para
outra por meio de relação sexual. São consideradas
um dos problemas de saúde pública mais comuns
em todo mundo (GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 246).
Nessa passagem percebemos as orientações recomendadas
no fascículo “Orientação sexual” dos PCN à temática o qual sugere
[...] desvincular a sexualidade dos tabus e preconceitos, afirmando-a como algo ligado ao prazer e à
vida. Na discussão das doenças sexualmente transmissíveis/Aids o enfoque precisa ser coerente com
isso e não acentuar a ligação entre sexualidade e
doença ou morte. As informações sobre as doenças
devem ter sempre como foco a promoção da saúde
e de condutas preventivas, enfatizando-se a distinção entre as formas de contato que propiciam risco
de contágio daquelas que, na vida cotidiana, não
envolvem risco algum (BRASIL, 1998, pp. 323-326).
Esta passagem do PCN é o retrato do que encontramos neste capitulo, sempre reforçando o combate das DST/AIDS através
de informação e de exposição da morbidade e suas complicações
biológicas. Vale destacar um informativo o qual divulga que: “A informação deste capitulo têm o objetivo de ajudar as pessoas a conhecer melhor as principais doenças sexualmente transmissíveis,
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
mas não substituem a consulta ao médico nem pode ser usada
para diagnostico” (GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 247). Este informe
traz uma preocupação recorrente no texto, qual seja levar as questões das DST/Aids para o campo biológico e da saúde esquecendo
os problemas sociais e históricos que estão subjacentes ao tema.
No tocante a especificidade de trabalhar a Aids no contexto
do Ensino Fundamental os PCN orientam na seguinte direção.
Ao trabalhar com a prevenção da Aids, são conteúdos indispensáveis as informações atualizadas
sobre as vias de transmissão do vírus HIV (fluidos
sexuais, sangue e leite materno contaminados), o
histórico da doença, a distinção entre portador do
vírus e doente de Aids e o tratamento. Os professores precisam incentivar os alunos na adoção de
condutas preventivas (usar camisinha, calçar luvas
ao lidar com sangue) e promover o debate sobre os
obstáculos que dificultam a prevenção. A promoção da saúde e o respeito ao outro vinculam-se à
valorização da vida como conteúdos importantes a
serem trabalhados. Esses conteúdos devem propiciar atitudes responsáveis (tanto individual quanto
coletivamente) diante da epidemia, solidárias e não
discriminatórias em relação aos soropositivos, enfatizando o convívio social (BRASIL, 1998, p 326).
Ao analisar o texto do livro percebemos que a construção
dele segue à risca as orientações dos PCN, haja vista, que enfatiza inicialmente o histórico e onde surgiu a doença, em seguida
o transmissor e suas formas de contágios e por fim a promoção
da prevenção e o não estímulo ao preconceito. Contudo, não encontramos no texto do livro a inserção de tópicos que envolvam
adolescentes e jovens e também relativa a prevalência desta DST
entre a população negra. Também não há inclusão de dados que
demostrem a situação da Aids em termos mundiais, nacionais e
regionais. Informações acessíveis em trabalhos de pesquisadores/as brasileiros/as, tais como Taquette et al (2011); Heilborn et
Capa
Sumário
297
al (2006) e Abramovay, Castro e Silva, (2004), demonstrando uma
inexistência de articulação entre o tema desenvolvido e pesquisas
nacionais contemporâneas sobre a temática.
Como proposta de atividade para o capitulo, segue o mesmo padrão dos anteriormente descrito, ou seja, exercícios com
perguntas objetivas e subjetivas, pesquisas sobre a temática e
trabalho em grupo.
Antes de começar o último capitulo desta unidade, o livro
traz textos relacionados à sexualidade, a qual tem seu conteúdo
dividido em quatro temas distintos que se complementam, são
eles: “Mudando o corpo: a puberdade”; “O garoto”; “A garota”;
“Sexo” (GEWANDSZNAJDER, 2012, pp. 256-257-258).
O primeiro texto desta seção “especial” “Mudando o corpo: a
puberdade” traz dois conceitos muito importantes de ser trabalhado
com adolescentes, o primeiro é puberdade e o segundo adolescência.
A puberdade é uma das etapas da vida em que o
corpo passa por profundas transformações. É a fase
em que o menino e a menina se tornam fisicamente
capazes de gerar um filho é a fase em que a criança
começa a se tornar adulta. [...] Adolescência uma
palavra usada para descrever tanto os aspectos físicos da puberdade quanto os aspectos psicológicos e
sociais que ocorrem juntamente com as mudanças
físicas (GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 256).
Apesar de termos documentos oficiais que estipula faixa etária para a adolescência, (BRASIL, 1990; 2013) alguns autores/as se
distanciam um pouco deste conceito (HEILBORN, 2006; AQUINO et.
al 2003) e apresentam a adolescência como uma construção individual, ou seja, a transição desta fase é diferente em cada sujeito e irá
depender das condições que eles/as as vivenciaram. Outras pesquisas mostram que o rito de passagem entre infância e adolescência
é o ato sexual (ABRAMOVAY, CASTRO E SILVA 2004). Enfim, o importante é trabalhar a temática com um olhar para além da concepção
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
biológica, uma vez que este conceito está intimamente ligado as
questões sociais, econômicas, entre outras. Diferentemente, a puberdade é caracterizada por eventos biológicos (HEILBORN, 2006)
não se insere neste conceito questões sociais e econômicas.
O segundo texto “O garoto” se dedica a explicar as transformações biológicas que ocorrem no corpo masculino, contudo em
momento algum o texto trata de questões de gênero, apenas reforça a ideia de masculinidade. No final do texto, há um tópico que
descreve a preocupação com esta fase evidenciando a circuncisão
em algumas culturas, a higiene dos órgãos genitais, a masturbação e polução noturna. Enfim, não dá exemplos de situações reais
nem comenta a situação de garotos homossexuais, questões estas que os PCN atribuem com temas transversais e polêmicos, que
envolvem questões complexas e demandam tempo para serem
aprofundadas, com ampla participação dos/as alunos/as, além de
exigirem maior preparo do/a educador/a.
[...] a dificuldade em relação a um possível questionamento do sistema heteronormativo na escola.
Mesmo que algumas experiências educacionais já
tenham definido que questões sobre a homossexualidade requerem uma abordagem específica a
respeito da diversidade sexual, o esforço para minimamente colocar perguntas sobre a Heteronormatividade permanece um grande desafio ainda não
contemplado (CÉSAR, 2009 p. 47).
No texto intitulado “A garota”, o terceiro, nesta sequência
aborda o tema da puberdade, agora sob a perspectiva feminina. A
discussão se faz nos mesmos moldes do realizado para os garotos
e havendo para ambos os casos a completa ausência de uma discussão que articule estas transformações corporais coma aspectos
ligados a sexualidade, tais como a masturbação, por exemplo. Por fim, o texto “Sexo” traz um caráter normativo da sexualidade, sempre pautando o tema como algo preocupante e que
Capa
Sumário
299
deve ser encarado com responsabilidade. Na citação abaixo pode-se perceber a tônica adotada pelo autor:
Finalmente, se você tem um namorado ou uma namorada, deve ter uma conversa sincera com o seu
parceiro. Ambos precisam estar bem informados sobre os métodos para evitar a gravidez e as doenças
sexualmente transmissíveis, como a Aids. É preciso
que os dois saibam dos riscos e das consequências
que uma relação sexual envolve (GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 256).
O conteúdo exposto nessa passagem se aproxima bastante
com as orientações dos PCN, o qual recomenda que sexualidade
nas escolas deva ser trabalhada em virtude da preocupação do
grande crescimento da incidência de gravidez não programada
entre as adolescentes e com o risco da infecção DST/Aids entre púberes e jovens. Contudo, apesar de o tema ser propício à discussão
de questões ligadas a saúde reprodutiva e o sexo seguro em nenhum momento percebe-se isto no texto, a busca de um diálogo
ou de um ponto de aproximação, havendo a preferência de não
salientar o prazer e da relação sexual, mas sim as suas consequências talvez por trás desse silêncio esteja “[...] um plano povoado
de afeto [...] o discurso, não seria formado de duas inscrições, uma
aparente e outra oculta. Está tudo ali: na relação entre os corpos”.
(PERES, 2009, p. 159). Desse modo, o conteúdo exposto no livro
deixou claro, a discussão que prefere inserir no contexto da educação básica. César (2009) traz para reflexão que,
Se tomarmos como certo o lugar da sexualidade
na instituição escolar, é importante que demarcar
os temas que envolvem o trabalho na instituição
escolar. Pesquisas realizadas com professoras/es
e alunas/os vêm demonstrando a necessidade de
uma formação específica tendo em vista a diversidade sexual presente no universo escolar. Alunas/
os e professoras/es gays, lésbicas, bissexuais e tran-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
sexuais compõem a diversidade contemporânea da
instituição escolar; entretanto, para esta instituição
que nasceu disciplinar e normatizadora, a diferença,
ou tudo aquilo que está fora da norma, em especial,
a norma sexual, mostra ser insuportável por transbordar os limites do conhecido (CÉSAR, 2009, p. 48).
Para finalizar esta seção de textos especiais, presentes neste capitulo, o livro traz como uma reflexão acerca da homossexualidade. O autor inicia a abordagem apresentando o tema de forma
limitada, pautando o seu comentário sob o prisma do natural ao citar a influência dos genes. Coloca ainda a homossexualidade como
sendo influenciada pelo meio, como se bastasse a convivência ou
mesmo a presença de pessoas homossexuais para que esta opção
sexual passasse a prevalecer. Em relação ao tema o autor não apresenta questões de cunho cultural, tais como a construção das identidades, esta sim de profunda importância na construção de uma
vivência homo ou mesmo heterossexual. A falta da autonomia da
pessoa ao construir sua identidade sexual, se apresenta, de forma
muito elaborada, quando o autor sugere a procura de um psicólogo.
Assim se expressa o autor a respeito da temática:
Em nossa sociedade, como em muitas outras, existem indivíduos homossexuais, isto é, que se relacionam sexualmente com pessoas do mesmo sexo.
Alguns cientistas pensam que pode haver uma
influencia dos genes para alguns tipos de homossexualidade. Outros acham que ser homossexual
depende do ambiente em que a pessoa vive. Na adolescência, os sentimentos podem estar confusos e a
admiração que se tem por amigos do mesmo sexo
– ou amigas, no caso das garotas – pode se confundir com a atração física. As pessoas não devem ser
rotuladas por causa disso. Garotas com ciúmes uma
das outras ou garotos com uma turma de amigos do
mesmo sexo são comportamentos típicos da adolescência e não caracterizam homossexualidade.
No entanto, se alguém estiver em crise por causa de
Capa
Sumário
301
desejos sexuais, vale a pena procurar um psicólogo
(GEWANDSZNAJDER, 2012, p. 258).
A ideia de homossexualidade como doença, este discurso
medicalizado foi construído segundo Foucault por volta de 1870
quando “psiquiatras começaram a constituí-la (a homossexualidade) como objeto de análise médica: ponto de partida, certamente, de toda uma série de intervenções e de controles novos”
(FOUCAULT, 1996, p. 233). Nesta passagem o autor deixa claro que
a medicalização da homossexualidade remonta o século XIX provocando a construção de um discurso próprio. Na contrapartida
desde discurso normatizado, estão os sujeitos envolvidos (homossexuais), os quais construíram ação política de resistência a esta
concepção. Foucault (1996) sinaliza que este movimento é essencial para a afirmação dos homossexuais para além do dispositivo
da sexualidade. No Brasil na tentativa de minimizar o preconceito
no tocante a esta temática, no final da última década do século
XX, o Conselho Federal de Psicologia proibiu, através da portaria
001 de 1999, o tratamento da homossexualidade, reforçando desde então que esta orientação sexual não é doença nem tampouco
perversão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise a coleção (Projeto Teláris: Ciências nosso corpo)
nos possibilitou a elaborar algumas considerações. Primeiramente, queremos destacar a pouca ou nenhuma atenção dada aos
adolescentes e jovens em textos que debatem a sexualidade, por
exemplo, trazem escritos sobre gravidez e contracepção apenas
na conjuntura de adultos/as; esquecendo-se de debater nestes
textos a quantidade gigantesca de púberes que passaram pela parentalidade, igualmente não debatem as implicações sociais que
são ocasionadas pela gestação nas vidas que estão envolvidas,
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
ou seja, se concentram em abordar uma temática tão complexas
e cheia de nuances reduzindo a concepção biológica naturalista
podem provocar o desinteresse dos/as alunos/as em lê ou discutir
o material encontrado na coleção.
Esta mesma situação encontramos nos textos que trazem
as DST/Aids, os escritos abordam o tema reforçando o medo que
as pessoas devem ter destas doenças, insistem no discurso normatizado e medicalizado, indo de encontro a várias pesquisas, pois
elas mostraram que esta postura de ensino tem efeito reverso,
quanto mais incita o discurso ao sexo mais resultados negativos
teremos, por exemplo, mais pessoas com Aids.
No que se refere à homossexualidade e as questões de gênero, o que encontramos foi textos arraigados de preconceitos,
chegando ao ponto de afirmar que o ambiente influencia a orientação sexual das pessoas e que os psicólogos podem ajudar a na
sua orientação sexual. Conteúdos, apresentados desta forma,
apenas com visões biológica e naturalizante, devem ser banidos
de coleções didáticas.
REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, M. ; CASTRO, M. G. ; SILVA, L. B. . Juventudes e
Sexualidade. Brasília: UNESCO - Brasil, 2004.
ALTMANN, H. 2001. Orientação sexual nos parâmetros curriculares
nacionais. Estudos Feministas [Online], 9, 2, 575-585. Disponível em:
<www.scielo.br/pdf/ref/v9n2/8641.pdf > Acesso em 06 ago 2014.
AQUINO, E. M. L.; HEILBORN, M. L.; KNAUTH, D.; BOZON, M.; ALMEIDA,
M. C.; ARAÚJO, J.; MENEZES, G. Adolescência e reprodução no Brasil: A
heterogeneidade dos perfis sociais. Cadernos de Saúde Pública, Rio de
Janeiro, v. 19, n. 2, p. 377-388, 2003.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. 2006.
Capa
Sumário
303
BARROSO, C.; BRUSCHINI, M. C. A. Educação sexual: debate aberto,
Petrópolis-RJ: Vozes, 1982.
BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO. CRT-DST / AIDS-SP, Secretaria de Estado
da Saúde de São Paulo Edição de 2012/2013, disponível em: http://
www.saude.sp.gov.br/resources/crt/vig.epidemiologica/boletimepidemiologico-crt/boletim2013.pdf > Acesso em 06 out. 2014.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília (DF): 1990.
_______. SECRETARIA DA EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros
Curriculares Nacionais: ciências naturais: terceiro e quarto ciclos.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
_______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual /
Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998.
_______. Manual de Diagnóstico e Tratamento de Doenças
Falciformes. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.
Brasília, 2002.
_______. Lei nª 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Diário Oficial da União
de 10 de janeiro de 2003.
_______. Direitos humanos e HIV/Aids: avanços e perspectivas para o
enfrentamento da epidemia no Brasil. MINISTÉRIO DA SAÚDE, Brasília,
2008. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/sites/default/files/
DIREITOS_HUMANOS.pdf > Acesso em : 06 out. 2014.
_______. Estatuto da Juventude. Brasília (DF): 2013.
BRUSCHINI, C; BARROSO, C. Educação sexual e prevenção da
gravidez. In: BARROSO, C. et al. Gravidez na adolescência. Brasília:
INPLAN/IPEA/UNICEF, 1986
CAVALCANTE, Ilane Ferreira; MORAIS, Maria Arisnete. Lendo o amor e a
sexualidade. Revista Realidade In: CARVALHO, M. E. P. de; PEREIRA, M.
Z. da C. Editora da UFPB, 2003, p. 235 a 243.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
CÉSAR, M. R. de A. Gênero, sexualidade e educação: notas para uma
“epistemologia”. Curitiba: Educar, UFPR, 2009.
CHAUÍ, M. Repressão sexual: essa nossa (des)conhecida . 12. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1991.
COSTA, J. F. Ordem Médica e Norma Familiar. Rio de Janeiro: Graal,
1983.
FOUCAULT, M. História da Sexualidade 1: a vontade de saber. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 2013.
__________. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1996.
__________. Em defesa da sociedade. Curso no Collège de France,
1973–1974. São Paulo: Martins Fontes, 2002
FREITAS, F. O. ;FREITAS, J. Z. F. SANTOS, J. A. Albinismo em
comunidades indígenas: o fator cultural afetando a prevalência da
doença. Brasília, Comunicado Técnico, 2005.
GEWANDSZNAJDER, F. Ciências nosso corpo. 1. ed. São Paulo: Ática,
2012.
GUIMARÃES, Isaura. Educação Sexual na Escola: mito e realidade.
Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995.
HEILBORN, M. L, at. Al. O aprendizado da Sexualidade: Reprodução
e trajetória sociais de jovens brasileiros 1. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz,,
2006.
LEÃO, A. M. de C. 2009. Estudo analítico-descritivo do curso de
pedagogia da Unesp-Araraquara quanto a inserção das temáticas de
sexualidade e orientação sexual na formação de seus alunos. Tese
de Doutorado em Pedagogia [Online] Universidade Estadual Paulista,
Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara, SP. Disponível
em:<www.acervodigital.unesp.br/handle/123456789/55343> Acesso
em: 06 ago. 2014.
LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagem
Capa
Sumário
305
qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pósestruturalista. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
_______. Um corpo estranho: ensaios sobre a sexualidade e teoria
queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
MARQUES, V. B. A Medicalização da Raça. Médicos, educadores e
discurso eugênico. Campinas: Ed. Unicamp, 1994.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em
saúde. 11. ed. São Paulo: Hucitec 2008.
NUNES, C. A. Filosofia, sexualidade e educação: as relações entre
os pressupostos ético-sociais e histórico-culturais presentes nas
abordagens institucionais sobre a educação sexual escolar. 1996.
Tese de Doutorado em Educação/Filosofia da Educação [Online].
Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação.
Disponível em: <www.bibliotecadigital.unicamp.br> Acesso em: 06
ago.2014.
PERES, F. S. Com a palavra o silêncio. Cadernos de Psicanálise CPRJ, v.
31, n. 22, 2009, 157-171.
PISCITELLI, A. Gênero: a história de um conceito. In: ALMEIDA, H. B.
de; SZWAKO, J. (Orgs.). Diferenças, igualdade. São Paulo: Berlendis &
Vertecchia, 2009. p.
ROSEMBERG, F. Educação sexual na escola. Cadernos de Pesquisa
[Online], 53, 11 19. 1985. Disponível em: <http://www.fcc.org.br/
pesquisa/actions.actionsEdicoes.BuscaUnica.do?codigo=678&tp_
caderno=0> Acesso em: 06 ago. 2014.
SANTOS, D. B. C. dos; ARAÚJO, D. C. de. Sexualidade e Gêneros:
questões introdutórias. In: Sexualidade. Secretaria de Estado
da Educação. Superintendência de Educação. Departamento de
Diversidades. Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual. - Curitiba: SEED –
Pr., 2009. - p. 13 – 28.
307
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
SAEMBA, R. J. A África tem voz? In: CRUZ, D. África e Direitos Humanos.
Jundiaí: Paco Editorial, 2014, p. 471 a 482.
TAQUETTE, S. R. et al. A epidemia de Aids em adolescentes de 13 a
19 anos no município do Rio de Janeiro: descrição espaço-temporal.
Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Rio de Janeiro,
v. 44, n. 4, p. 467-470, 2011.
CAPÍTULO 12
VIANA JÚNIOR JW, F. W.; CIPOLOTTI, R. Regularidade de ciclos e padrão
ovulatório em jovens portadoras de anemia falciforme. Rev Bras
Ginecol Obstet. 2010. v.32, n. 11, p. 525-9. Disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/rbgo/v32n11/v32n11a02.pdf> Acesso em: 26 set. 2014.
WEREBE, M. J. 1978. Implantação da educação sexual no
Brasil. Cadernos de Pesquisa [Online], n. 26, p. 21-27.
Disponível em: <http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S01001574197800030000lg=pt&nrm=isso> Acesso em: 06
ago. 2014.
INICIAÇÃO SEXUAL DE ADOLESCENTES E JOVENS
DE UMA ESCOLA PÚBLICA DE JOÃO PESSOA/PB:
ROTEIROS, PERCURSOS E DIFERENÇAS
Sônia Cristina da Nóbrega Carneiro dos Santos84
Karina Maria de Souza Soares85
José Antônio Novaes da Silva86
INTRODUÇÃO
A adolescência é, em geral, um período de conflitos na trajetória de vida de uma pessoa, pois esta deixa de ser criança, mas
ainda não se tornou adulto/a. É uma passagem, transformação,
metamorfose, estranhamento. O termo adolescente engloba o que
se denomina puberdade, entretanto, transcende-a, pois além das
transformações físicas do corpo, inclui todo o processo de transformações psicossociais vivenciadas nesse período. É muito difícil nos depararmos com alguém que não descreva a adolescência
como uma fase de conflitos, e muitas vezes, estes, podem levar a
condutas de risco que geralmente, são estimuladas pela superex84
Bacharel e Licenciada em Biologia pela UFPB; Mestre em Educação pela UFPB;
Coordenadora pedagógica do ensino fundamental II e médio; E-mail: sccnobrega@
gmail.com;
85
Bacharel e Licenciada em Biologia pela UFPB; especialista em ensino de biologia pela UFPB; Mestre em Educação pela UFPB; está vinculada a Prefeitura Municipal de
João Pessoa. E-mail:[email protected];
86
Prof. Assosicado III, do Departamento de Biologia Molecular (DBM) do Centro
de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN); E-mail: [email protected];
Capa
Sumário
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
posição do corpo e da sexualidade, por meio dos diferentes veículos de comunicação, que erotizam e exibem experiências de vida
incompatíveis com a maioria dos jovens. N.R., aluno do 3° ano do
ensino médio da cidade de Brasília, desabafa: “A mídia, toda hora,
fala para nos prevenirmos e, ao mesmo tempo, é a que mais estimula a falta de prevenção” (CATALÃO, 2002, p. 32).
Palavras como “aborrecentes”, “endiabrados” e “irresponsáveis” são comuns para descrever os indivíduos durante esta fase
da vida. É um período, portanto, no qual observam grandes mudanças em seus corpos e mentalidade, o que gera estranhamento
de si mesmo e um sentimento de perda: “perda do corpo de criança, perda dos pais da infância e perda da identidade infantil” (MACHADO; SUCCI; TURATO, 2010, p. 83).
O/A adolescente está em constante busca de si mesmo/a,
de uma identidade própria, de se autoafirmar perante a sociedade, de ser alguém. Estas buscas aparecem de forma mais objetiva quando estes indivíduos ingressam em determinados grupos,
apresentam contradições em suas condutas e atitudes de reivindicação. Sobre este tema, Fraga (2000) tece que ao mesmo tempo em que esta fase da vida pode ser considerada esplendorosa,
também é tida como um tempo problemático, em que os sonhos
pueris não têm mais sentido e o mundo adulto ainda é considerado uma promessa distante. A estes indivíduos, a incapacidade é
considerada inerente e o despreparo para enfrentar os desafios da
vida social é notório.
Desta forma, quanto maior a complexidade de uma sociedade, mais distante se torna o adulto do comportamento infantil,
bem como o tempo de preparação do jovem para os papéis e funções mais complexas de um indivíduo adulto. O adolescente biologicamente maduro continua imaturo para a sociedade (ELIAS,
1994). Além disso, a transição desta fase para a vida adulta é marcada por rupturas no corpo e no papel social. O indivíduo jovem
passa por experiências frequentes, desenvolvem aptidões e inte-
Capa
Sumário
309
resses que lhe serão úteis para a vida social.
No processo civilizatório, segundo Elias (1994), intensificam-se as tensões relacionadas às regras, às proibições sociais e
ao autocontrole dos impulsos mais espontâneos, dos afetos e negação dos instintos, sobretudo quando relacionados à sexualidade e à iniciação sexual. Esta última é considerada como um rito de
passagem que transita entre a adolescência e a juventude, sendo
traduzida como “fazer-se mulher” e “tornar-se homem” (CASTRO;
ABRAMOVAY; SILVA, 2004) e fazendo parte da construção da identidade do indivíduo. Faz-se necessário, nesse contexto, fazermos a
distinção entre adolescência e juventude, pois estes termos possuem significados distintos. Assim, no presente trabalho considera-se adolescente, de acordo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 a pessoa que se
apresente “entre doze e dezoito anos de idade” (BRASIL, 2003, p.
1). Operacionalmente, é considerada jovem, de acordo com o Estatuto da Juventude, Lei nº 12. 852, em seu inciso primeiro, a pessoa com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos (BRASIL,
2013, p. 1). Como pode ser percebido há uma sobreposição de idade entre os dois conceitos, uma vez que ambos não são um dado
da natureza, mas uma construção que leva em conta características culturais e sociológicas (WAISELFISZ, 2004) as quais mostram-se intimamente vinculadas a classe social, gênero e pertencimento étnicorracial. Um outro critério operacional para se conceituar
essa etapa da vida é o da Organização Mundial de Saúde para qual
a adolescência se inicia com as alterações biofisiológicas da meninice e finaliza com a maturidade sexual.
Nesse sentido, segundo Amaral; Fonseca,
O exercício da sexualidade traz implicações no processo reprodutivo e na saúde bio-psico-social do
adolescente. A decisão de iniciar as relações sexuais
acontece paralelamente a inúmeras modificações
na vida do adolescente, podendo gerar situações
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
indesejadas como a ocorrência de gravidez, aborto,
doenças sexualmente transmissíveis e outras. Tais
situações repercutem não apenas na fase da adolescência como também na vida futura (2006, p.2).
A iniciação sexual é, portanto, uma busca por autoconhecimento e autoafirmação, na qual ocorre a valorização do corpo e da
sexualidade, em que os/as adolescentes e jovens, ao vivenciarem
esta experiência, passam a ser considerados/as, neste aspecto, como
pessoas adultas. Contudo, devemos considerar que, o início da sexualidade adulta quando realizado sob condições de vulnerabilidades
e desigualdades pode ser considerado uma importante via de transmissão do HIV e outras DST, além da gravidez não planejada.
Iniciação Sexual de adolescentes e jovens
de uma escola pública do município
de João Pessoa: relatos e percepções
Percebe-se que nos últimos anos uma parcela significativa
dos/as adolescentes jovens brasileiros/as entre 15 e 19 anos já tiveram relações sexuais pelo menos uma vez na vida, com a média de idade na primeira relação de 14,9 anos (PAIVA, et. al., 2008)
Dados nacionais, com recorte de gênero nos dão conta que esta
idade é de 14 anos para o sexo masculino e de 15,5 para o feminino (CASTRO, ABRAMOVAY; SILVA, 2004). Quanto mais prematura a
iniciação da vida sexual, menor a chance do uso de preservativos.
Não obstante a iniciação sexual seja um evento relativamente típico desta fase, a forma como estas relações ocorrem é importante
devido ao seu impacto na saúde (TRONCO; DELL’AGLIO, 2012). Neste sentido, Rua e Abramovay tecem as seguintes informações:
(...) a idade média da primeira relação sexual é significativamente mais baixa entre os alunos do sexo
masculino do que entre as estudantes do sexo feminino. No caso das meninas, em Porto Alegre, Manaus
Capa
Sumário
311
e São Paulo encontram-se as mais baixas idades
médias da primeira relação sexual (15, 15,1 e 15,2
anos), ficando as mais elevadas em Belém e Fortaleza (16 e 15,8 anos). Quanto aos rapazes, registram-se em Cuiabá, Manaus, Salvador a mais baixa
idade média da primeira relação sexual (13,9 anos),
ocorrendo em Florianópolis a mais alta (14,5 anos)
(2001, p. 143).
O presente trabalho realizado com alunos/as de 8º e 9º anos
em uma escola Municipal, localizada no município de João Pessoa,
PB, sobre temas relacionados à sexualidade, iniciação sexual, corpo e conhecimento e uso de métodos contraceptivos, entrevistou
74 discentes, sendo 46 do sexo feminino (62,2%) e 28 do masculino (37,8%), sendo que a idade média do grupo foi de 13,8 e 14
anos, respectivamente. A Tabela 01 apresenta a autodeclaração
de pertencimento etnicorracial do grupo entrevistado. Para compor a “raça” negra, foram somadas as categorias censitárias preta
e parda (BATISTA, 2005). A população do estudo majoritariamente
negra 74,3% valores que se aproximam do valor de 81,4%, obtidos por Novaes, Araújo; Barbosa (2006) que atuaram também com
adolescentes em escolas públicas e particulares de João Pessoa.
Em relação à iniciação sexual esta já foi vivenciada por seis
adolescentes do sexo feminino e por 14 do masculino, valores que
correspondem a 8,1% e 18,9%, respectivamente. A idade média
dessa primeira experiência foi de 14 anos para elas e de 11,9 anos
para eles. A tabela 02 resume a iniciação sexual de acordo com a
faixa etária e o sexo dos/as informantes.
Os dados coletados mostram uma nítida assimetria de
gênero que marca a iniciação sexual e em relação a idade média
temos que esta para os estudantes do sexo masculino encontra-se abaixo da média descrita por Paiva et al (2008) bem como por
Castro, Abramovay, Silva (2004), enquanto a idade média feminina
encontra-se acima.
313
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Tabela 1: Autodeclaração etnicarracial das/os entrevistadas/
os segundo o sexo.
Adolescentes
femininas
Adolescentes
masculinos
N
%
N
%
N
%
Branco
6
8,1
9
12,2
15
20,3
Negros
38
51,4
17
23,0
55
74,3
Indígena
2
2,7
0
0,0
2
2,7
Amarelo
0
0,0
1
1,4
1
1,4
Não sei
0
0,0
1
1,4
1
1,4
Total
46
62,2
28
37,8
74
100
Total
Fonte: Faces, discursos e práticas: visões e vivências da sexualidade e da saúde
sexual entre adolescentes de uma escola pública de João Pessoa-PB/2014.
Tabela 2. Faixas etárias da iniciação sexual, segundo o sexo de estudantes de
nível fundamental de uma escola pública municipal de João Pessoa/PB
Sexo
feminino
Sexo
masculino
Total
N
%
n
%
n
%
Entre 8 -9 anos
1
5,0
2
10,0
3
15
Entre 10-13 anos
3
15,0
8
40,0
12
60
Entre 14 - 16 anos
0
0,0
3
15,0
3
15
Entre 18 - 19 anos
2
10,0
0
0,0
2
10
Total
6
30,0
13
65,0
20
100
Fonte: Faces, discursos e práticas: visões e vivências da sexualidade e da saúde
sexual entre adolescentes de uma escola pública de João Pessoa-PB/2014.
Quando observamos o pertencimento etnicorracial percebemos que os rapazes são a maioria dos que já se iniciaram sexualmente, 17,6%, sendo que deste total 13,5% são negros, 2,7% são
Capa
Sumário
brancos e 1,4% amarelo. Estes números diminuem bastante quando nos referimos às adolescentes do sexo feminino, constituindo
apenas 5,5% do total de estudantes que relataram que já haviam
transado, sendo 4,1% meninas negras e 1,4% meninas branca. Em
relação aos que ainda não tiveram relação sexual, a maioria pertence ao sexo feminino – 56,8%, das quais 47,2% são negras, 6,8%
brancas e 2,7% indígenas. Quando nos referimos aos rapazes que
não tiveram relação sexual, este número reduz para 20,4%, dos
quais 9,5% são negros, 9,5% são brancos e 1,4% não sabia a qual
raça pertencia. A tabela 3 apresenta os valores das pessoas que
vivenciaram ou não a primeira relação sexual, articulando-as com
o pertencimento etnicorracial.
Em relação à iniciação sexual, segundo Heilborn; Cabral
(2006), é nessa que os adolescentes experimentam relações afetivas que expandem o universo de laços relacionais para além
da família e dos ciclos de amizade. Além disso, ainda segundo
estas autoras, a demonstração da masculinidade e a atividade
sexual estão ligadas, assim como a feminilidade e a passividade
das jovens. Neste sentido, as autoras afirmam que o namoro
dos jovens e adolescentes deixou de ser uma etapa de preparação para a vida conjugal, pois o exercício das relações sexuais
tornou-se mais frequente entre os rapazes e moças. Desta forma, configurou-se como uma forma “experimentação afetiva e
sexual para os jovens, o que se traduz, por exemplo, pela diminuição da idade das mulheres quando de sua primeira relação
sexual (essa idade diminuiu cerca de dois anos em duas décadas)” (HEILBORN; CABRAL, 2006, p. 229).
315
Tabela 3. Relação entre a iniciação sexual ou não e a autoidentificação
etnicarracial de estudantes de nível fundamental de uma escola pública
municipal de João Pessoa/PB
Você já vivenciou sua primeira relação sexual?
Total
Não
Total
Sim
N
%
Não
Total
n
%
N
%
n
%
n
%
n
%
Catolicismo
1
1,4
21,0
28,4
22,0
29,7
3
4,1
35,0
47,3
38,0
51,4
Protestantismo
1
1,4
11,0
14,9
12,0
16,2
Brancas
1
1,4
5,0
6,8
6,0
8,1
Umbanda
1
1,4
3,0
4,1
4,0
5,4
Indígenas
0
0,0
2,0
2,7
2,0
2,7
Judaísmo
1
1,4
0,0
0,0
1,0
1,4
NR/N
0
0,0
7,0
9,5
7,0
9,5
Negro
10
13,5
7,0
9,5
17,0
23,0
Outra
0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
Branco
2
2,7
7,0
9,5
9,0
12,2
Catolicismo
7
9,5
6,0
8,1
13,0
17,6
Amarelo
1
1,4
0,0
0,0
1,0
1,4
Protestantismo
1
1,4
4,0
5,4
5,0
6,8
Não sei
0
0
1
1,4
1
1,4
17
23,0
57
77,0
74
Adolescentes
femininas
Negras
100
Total
Fonte: Faces, discursos e práticas: visões e vivências da sexualidade e da saúde
sexual entre adolescentes de uma escola pública de João Pessoa-PB/2014
Relacionou-se também a iniciação sexual com a religião
declarada pelo/a entrevistado/as (Tabela 4). Observa-se que a
maioria dos que já tiveram sua primeira relação sexual pertence
a religião católica, com 10,9% (no total entre rapazes e moças).
Os/as católicos/as também são maioria dos que ainda não iniciaram sexualmente com 36,5% (28,4% em relação às meninas e
8,1%, aos meninos); seguido dos protestantes, com 18,3% (14,9%
são moças e 5,4% são rapazes).
Capa
Adolescentes
masculinos
Adolescentes
masculinos
Adolescentes
femininas
Sim
Tabela 4: Ocorrência ou não da iniciação sexual de estudantes de nível
fundamental de uma escola pública municipal de João Pessoa/PB de acordo
com o sexo e religião
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Sumário
Umbanda
0
0,0
4,0
5,4
4,0
5,4
Judaísmo
0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
NR/N
5
6,8
0,0
0,0
5,0
6,8
Outra
0
0,0
1,0
1,4
1,0
1,4
17
23,0
57
77,0
74
100,0
Fonte: Faces, discursos e práticas: visões e vivências da sexualidade e da saúde
sexual entre adolescentes de uma escola pública de João Pessoa-PB/2014
Segundo Bozon e Heilborn (2006), as iniciações sexuais que
ocorreram mais tardiamente são encontradas entre pessoas praticantes da religião católica; principalmente protestantes pentecostais. A este respeito estes autores afirmam que os homens, assim
os “oriundos de uma família pentecostal diferenciam-se igualmente por um cronograma mais tardio” (BOZON; HEILBORN, 2006p,
171) no que se refere a esta iniciação. Os/as estudantes também
foram perguntados/as sobre a idade que apresentavam quando
de sua iniciação sexua (Tabela 5).
317
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Tabela 5: Faixas etárias nas quais a estudantes de nível fundamental de uma
escola pública municipal de João Pessoa/PB vivenciaram sua
primeira relação sexual
Mulheres
n
%
Homens
n
%
Total
n
%
Entre 8 -9 anos
1
1,4
2
2,7
3
4,1
Entre 10-13 anos
3
4,1
9
12,2
12
16,2
Entre 14 - 16 anos
0
0,0
3
4,1
3
4,1
Entre 18 - 19 anos
2
2,7
0
0,0
2
2,7
Não respondeu
40
54,1
14
18,9
54
73,0
Total
46
62,2
28
18,9
74
100,0
Fonte: Faces, discursos e práticas: visões e vivências da sexualidade e da saúde
sexual entre adolescentes de uma escola pública
de João Pessoa-PB/2014
Percebe-se que a maioria apresentava uma idade que variava entre os 10 e 13 anos – 16,2% dos quais 4,1% são garotas e 12,2%
são rapazes. A idade média da primeira relação sexual para as estudantes foi de 11,7 anos. Já para os rapazes, a idade média foi 11,8
anos. Praticamente, não houve diferença significativa entre a média
de idade referente aos dois sexos. Apesar de que várias pesquisas
demonstrem que os rapazes começam a vida sexual em idade anterior a feminina, independente de seu contexto social. Isto acontece
devido à “força da existência cultural de confirmação da masculinidade por meio da iniciação sexual e da universalidade social do
valor da masculinidade/virilidade” (BOZON; HEILBORN, 2006).
Em uma pesquisa realizada na grande João Pessoa (municípios de Cabedelo, Bayeux, Santa Rita e João Pessoa), nos anos
de 2003 e 2004, em duas escolas particulares e cinco escolas públicas, demonstrou-se uma nítida diferença de gênero em relação
à iniciação sexual: 50,5% dos rapazes de escolas públicas e 45,4%
Capa
Sumário
das particulares disseram já ter uma vida sexual ativa. Em relação
às meninas, estes números caíram significativamente: 9,8% e 5,7%
respectivamente (Novaes et al, 2005).
Segundo Borges (2007), várias pesquisas nos últimos anos
têm revelado uma inclinação de antecipação do início da vida sexual entre adolescentes e jovens brasileiros, sobretudo quando se
referem às moças. Esta tendência foi constatada quando se observa a diminuição da idade em que ocorre a iniciação sexual. A autora cita o estudo realizado e divulgado pelo Ministério da Saúde.
Neste, constata-se que o valor mediano do início da vida sexual, em
1984, foi 16,0 anos entre as garotas de 16 a 19 anos de idade. Já em
1998, a média de idade teve uma redução, caindo para 15,0 anos.
Ainda, a proporção de rapazes que tiveram a primeira transa até os
14 anos de idade foi 35,2% em 1984. Quatorze anos mais tarde, em
1998, esse percentual subiu para 46,7%, ou seja, mais adolescentes
do sexo masculino tiveram sua primeira relação sexual mais cedo.
Quando se trata das adolescentes, esta proporção praticamente dobrou entre 1984 e 1998 (13,6% e 32,3% respectivamente), isto é, apesar de as mulheres começarem a ter a vida sexual ativa mais tarde
se comparadas aos homens, essa mudança ocorrida no período de
1984 a 1998 é muito superior à observada entre eles.
Em relação à idade da primeira relação sexual, alguns estudos demonstram que o grau de escolaridade gera grandes impactos no início da vida sexual dos (as) adolescentes (CAMARANO,
2003; CASTRO, ABRAMOVAY, 2004; BOZON; HEILBORN, 2006; BORGES, 2007; NOVAES et al, 2005). Segundo Camarano (2003), se as
jovens frequentam os últimos anos do ensino fundamental ou do
ensino médio, pode gerar um retardamento do início de suas vidas
sexuais. Pode-se tomar como exemplo a pesquisa realizada por
Novaes et al (2005): quando se analisou o uso do preservativo entre os estudantes de escolas públicas e privadas, constata-se que
das meninas, 33,3% e 57,1% das respectivas instituições usaram a
camisinha na primeira relação sexual. Em relação aos rapazes, o
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
percentual foi de 28,5% e 48,4% respectivamente.
Segundo Borges (2007), o fato de moças oriundas de camadas
sociais mais baixas, como no caso da amostra desta pesquisa, começarem sua vida sexual mais cedo pode gerar um impacto em sua saúde sexual, visto que é comum que capacidade de negociação da camisinha seja diminuída entre estas garotas, tal qual no baixo nível de
conhecimento sobre os demais métodos contraceptivos, “pois esse
conhecimento entre mulheres tende a aumentar com a idade” (2007,
p. 6). Segundo Bozon; Heilborn, essa influência da trajetória escolar
ascendente sobre a sexualidade das adolescentes pode ser entendido
em termos de atitudes, sonhos e projetos pessoais, “levando-se em
conta escolhas e prioridades” (2006, p. 173). Esses autores também
indicam que o nível de instrução da mãe, ou do pai, o nível da renda
familiar, além de separação dos pais também interferem no início da
vida sexual dos adolescentes, sobretudo das meninas.
Os estudantes também foram perguntados em entrevista
sobre a importância da virgindade. Percebe-se que o discurso de
alguns alunos, sobretudo de algumas meninas, reflete a virgindade
como sinônimo de pureza e sua preservação como uma honra tanto
para a menina, quanto para sua família. Perder a virgindade, para
estas meninas, reflete diretamente em uma perda de valor para a
sociedade, gerando a insegurança de talvez não conseguir um bom
casamento, pois, como disse uma das alunas, “a gente pode no futuro sofrer com isso né, outras pessoas não querer a gente” (Berenice
IV – 8ºB). O conjunto de valores atribuídos pela Igreja tem uma forte
influência na população que professa a mesma fé, ou pelo menos
que se diz professar. Entretanto, sabe-se que há uma forte pressão
social no sentido que os adolescentes e jovens ingressem na vida
sexual ativa o mais cedo possível. Além disso, “a condição de ser ou
não ser praticante de uma religião não necessariamente influencia
posturas sobre virgindade”. Desta forma, “não basta ter se iniciado
sexualmente cedo, conta a frequência da atividade sexual e a ‘naturalização’ do fazer sexo” (CASTRO; ABRAMOVAY; SILVA, 2004, p. 73).
Capa
Sumário
319
Em relação a iniciação nossos/as protagonistas afirmaram:
Cleópatra, sexo
feminino, turma
8ºB, Católica
“É...porque:: a gente sendo virgem assim, a gente não tem
coisas assim de pegar gravidez, de pegar doenças”
“É muito importante, porque:: a pessoa tem que saber
valorizar o que a gente tem no nosso corpo, e nós temos
Berenice IV, sexo
que valoriza o que a gente tem né, porque tirar agora a
feminino, turma
virgindade cedo a gente pode no futuro sofrer com isso né,
8ºB, Evangélica
outras pessoas não querer a gente... e a gente sofrer com
muitas coisas”
Senedj, sexo
masculino,
turma 8ºB,
Evangélico
“Sim... é::: muito importante pra mim porque:: se a pessoa
faz, fica fazendo direto, entendeu? Mas eu não vou fazer,
porque eu não quero fazer direto... aí eu só vou fazer no
dia que eu tiver pronto”
Menés, sexo
masculino,
turma 8ºB,
Católico
“É... causa que não é uma coisa que todo mundo faz, é
uma coisa que a gente usa no futuro, pra criar uma família
eu acho... mas várias pessoas usam por prazer mesmo,
por fazer, e fazer, pronto”
Djer, sexo
masculino,
turma 9ºB,
Evangélico
“É... porque? A pessoa quando já tira a virgindade, a
pessoa se sente ameaçada...”
A iniciação sexual é vista de forma diferente em relação aos
gêneros. A sociedade considera que as mulheres conseguem lidar
muito mais com os desejos sexuais e têm maior sucesso no controle
da vontade sexual. Isso explica o motivo pelo qual elas conseguem
adiar muito mais sua iniciação (REITH, 2002). Para as mulheres, a perda da virgindade está diretamente ligada aos relacionamentos mais
sérios, ao parceiro ideal. Relaciona-se, também, a experiência sexual
como uma forma de a mulher perder o seu valor socialmente, de ser
vulgarizada. Já para o homem, quanto mais cedo começa a sua vida
sexual, mais firmada a sua virilidade; sua identidade masculina se torna evidente para a sociedade. Veja um exemplo de como a virgindade
tem valores diferentes dependendo do gênero:
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Semerkhet, sexo
masculino, turma 9ºA,
Evangélico
“Em relação a meninas eu acho que sim, eu acho
importante... pra homem não acho que seja tão
importante... porque os homens não tem... eles
não se importam com a pro---- virgindade...”
“Porque... virgindade é um negócio, sei lá... é
importante, porque tem várias meninas que
ficam por aí, e já:: o que, os meninos hoje em
Karomama I, sexo
dia, tipo assim, fica assim só por ficar, mas
feminino, turma 9ºA, sem
compromisso os meninos quer com uma menina
religião
o que, que não seja tipo assim, passada pelas
mãos de outros meninos, quer o que, uma
menina virgem, na minha opinião”
Kiya, sexo feminino,
turma 9ºB, Evangélica
“Sim, porque eu acho assim, que quando a
mulher perde sua virgindade ela perde seu valor”
As diferenças de gênero também ficaram muito claras nos
discursos dos estudantes quando eles foram perguntados se é importante que a mulher se case virgem e por qual motivo:
Herneith, sexo
feminino, turma
8º A, Evangélica
“Tá mostrando que ela tem um sério compromisso com
o casamento que é super sério”
Meritneit, sexo
feminino, turma
8º A, Evangélica
“eu acho que é comum, que muitas mulheres gostam...
que tem umas que não querem se casar, só querem
morar junto, e... eu não sei::...como a família, se deixam
se casar... só perde a virgindade depois de casada... eu
acho que eu também só quero... a pessoa, primeiro
casar e depois::... porque muitas vezes os maridos tiram
a virgindade da mulher e depois não querem mais casar
com elas... aí...é também é isso daí...”
Senedj, sexo
masculino, turma
8ºB, Evangélico
“Eu acho que não... porque é mais fácil, porque ela já
tinha passado pelo processo”
Semerkhet, sexo
masculino, turma
9ºA, Evangélico
“É correto... porque eu acho que sexo depois do
casamento é algo que deveria acontecer naturalmente,
mas não acontece hoje em dia...”
Capa
Sumário
321
Entre os motivos eleitos pelos alunos para iniciar a primeira
relação, a maioria dos que já haviam transado disse que a primeira vez ocorreu por desejo/atração (12,2% - 9,5% para os rapazes e
2,7% para as moças), seguido de curiosidade com 8,1% dos quais
5,4% se referem aos meninos e 2,7%, às meninas.
Tabela 6: Sua primeira transa aconteceu devido a: (%)Pergunta feita a
estudantes de nível fundamental de uma escola pública municipal
de João Pessoa/PB através de questionário
Adolescentes
femininas
Adolescentes
masculinos
Total
N
%
n
%
n
%
Curiosidade
2
2,7
4
5,4
6
8,1
Desejo/atração
2
2,7
7
9,5
9
12,2
Paixão
2
2,7
2
2,7
4
5,4
Pressão dos amigos
0
0,0
1
1,4
1
1,4
Não respondeu
40
54,1
14
18,9
54
73,0
Total
46
62,2
28
18,9
74
100,0
Fonte: Faces, discursos e práticas: visões e vivências da sexualidade e da saúde
sexual entre adolescentes de uma escola pública de João Pessoa-PB/2014
Na pesquisa realizada por Novaes et al. (2005), na grande
João Pessoa, por exemplo, 58,3% das alunas matriculadas em escolas particulares e 70,8% das que estudam em escolas públicas disseram que sua primeira relação sexual foi motivada pelo fato de estarem apaixonadas pelos seus parceiros. Em relação aos meninos,
56,3% e 56,7% das respectivas escolas explicaram que o motivo da
primeira relação foi por atração sexual pela parceira. Em relação às
meninas, há uma série de fatores e interdições que influenciam suas
decisões de começar uma vida sexual ativa: “o momento certo”, “a
pessoa certa”, “quando terminar os estudos” (NOVAES et. al., 2005).
As autoras Castro; Abramovay; Silva (2004) tecem que há um discurso assimétrico proveniente dos (as) adolescentes, pais e professores
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
que supervalorizam a virgindade feminina e incentivam a iniciação
sexual masculina. Segundo Heilborn,
A entrada na vida sexual adulta e a maneira como as
mulheres vivem essa passagem continuam a diferir
fortemente daquelas dos homens: enquanto para
elas a primeira relação é frequentemente um momento decisivo (e inicial, na construção do primeiro
relacionamento verdadeiro, para eles trata-se de um
momento de iniciação pessoal, no qual, a relação
com a parceira conta pouco (1999 apud Novaes et al,
2005, p. 199).
Portanto, as adolescente têm uma visão muito mais romântica de sua primeira relação sexual, um dos fatores pelos quais elas
esperam mais por este momento, para que estejam mais preparadas
e que seja um momento vivido com a “pessoa correta”. Já para os rapazes, a experiência sexual vale por si só, independente da parceira
que esteja com ele. A quantidade de relações sexuais, a imagem de
pessoa sexualmente experiente é muito mais importante para eles.
Em relação a estas desigualdades, Rena aponta que :
(...) afeta a qualidade de vida de homens e mulheres. As iniciativas de cuidado com a saúde sexual e
reprodutiva, por exemplo, enfrentam reais dificuldades em integrar o homem no processo de cuidado
da própria saúde e da saúde da parceira, quando
esse cuidado passa pela avaliação de práticas sexuais e vivências afetivas masculinas (2006, p. 39).
Isso acontece pelo fato de que historicamente esta tarefa
de cuidado com a própria saúde, com a dos filhos e com a do parceiro sempre foi considerada da mulher. O homem sempre foi considerado como “chefe” da família, grande provedor e mantenedor
da ordem familiar. O início da vida sexual entre os (as) adolescentes, segundo Borges (2007) demonstra ser fortemente influenciado
pelos pares, sendo identificados, também, por meio de relato de
Capa
Sumário
323
adolescentesque se sentiram pressionados pelos amigos a iniciar
avida sexual.Caso em queos rapazes parecem ser mais predispostos a se sujeitar a essa influência do que as moças. No caso desta
pesquisa, apenas 1,4% dos rapazes disse ter sofrido pressão dos
amigos. A autora ainda tece que os (as) adolescentes que já tiveram alguma experiência sexual achavam que muitos de seus amigos também já tinham experiências sexuais, em uma proporção
muito superior do que os que ainda não tinham transado, sem diferença significativa entre os sexos feminino e masculino. Segundo esta autora, “quando adolescentes mais novos percebem que a
maior parte de seus pares têm vida sexual, eles passam a demonstrar a intenção de também iniciar a vida sexual e, consequentemente, concretizam esse desejo” (2007, p.6).
O (NÃO) USO DO PRESERVATIVO E AS DST
Quando se fala em iniciação sexual de adolescentes, entende-se estes como um grupo de risco para o contágio de doenças sexualmente transmissíveis e para uma gravidez indesejada.
Segundo Novaes et al (2005), pesquisas comprovam que metade
dos casos de aids em todo o mundo se concentra em adolescentes de ambos os sexos. Portanto, é de extrema importância que
se promovam projetos de educação sexual em ambos os processos de ensino: formais e informais; utilizando-se de metodologias
adequadas para o público adolescente em questão. Segundo Paiva et al (2008), pesquisas sobre a iniciação sexual e o uso de preservativos mostram que adolescentes e jovens tendem a não usá-los quando experimentam a primeira relação sexual muito cedo
e a definem como casual; e, no caso das meninas, quando têm
parceiros mais velhos. Além disso, um dos pontos ligados à prevenção de DST e da gravidez diz respeito ao grau de informação
que os adolescentes e jovens têm dos métodos contraceptivos e
preservativos. Ainda segundo a autora (2000), o velho discurso da
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
prevenção, baseado em manter o compromisso com a prática do
sexo seguro por tempo prolongado, não surtirá os resultados desejados, uma vez que precisamos nos perceber sujeitos desse processo para que essas práticas sejam incorporadas em nosso dia a
dia: “Prevenir a AIDS não é como ensinar a ler, aprendeu, nunca
mais esquece” (PAIVA, 2000, p. 37).
Os (as) alunos (as) foram perguntados sobre quais são os
métodos contraceptivos que eles (elas) conhecem. A maioria pareceu um pouco confusa. Uns alunos tentaram dizer nomes de pílulas anticoncepcionais. Nenhuma menina mencionou a camisinha
e a maioria dos rapazes disse não conhecer nenhum método:
325
e independentes da participação masculina. Entre os métodos dependentes estão: camisinha masculina, coito interrompido e vasectomia.
Os estudantes também foram perguntados se usaram o
preservativo na primeira vez em que se relacionaram sexualmente (Tabela 7). A maioria respondeu que não utilizou a camisinha
– 17,6% dos quais 6,8% se referem às moças e 10,8% aos rapazes.
Tabela 7: Você usou preservativo na sua primeira vez? Pergunta feita a
estudantes de nível fundamental de uma escola pública municipal de João
Pessoa/PB através
Adolescentes
femininas
Adolescentes
masculinos
N
%
N
%
N
%
Sim
1
1,4
5
6,8
6
8,1
Não
5
6,8
8
10,8
13
17,6
Não respondeu
40
54,1
15
20,3
55
74,3
Total
46
62,2
28
37,8
74
100,0
Total
Herneith, sexo
feminino, turma
8ºA
“Aquela pílula do dia seguinte... acho que só... tem outros
remédios, mas eu não conheço muito não, só conheço
essa mesmo...”
Penebui, sexo
feminino, turma
8ºA
“Anticoncepcionais?... rapaz, eu não me lembro, eu me
esqueci...é sério, eu me esqueci...”
Benerib sexo
feminino, turma
8ºA
“Remédio? Conheço... É Ciclo 21... é... tem um que minha
cunhada toma... esqueci o nome...”
Fonte: Faces, discursos e práticas: visões e vivências da sexualidade e da saúde
sexual entre adolescentes de uma escola pública de João Pessoa-PB/2014
Djoser, sexo
masculino,
turma 8ºB
“Usar camisinha, comprimido...só...”
Djer, sexo
masculino,
turma 9ºB
“Como assim? (...) a camisinha...”
Semerkhet,
sexo masculino,
turma 9ºA
“Pra não engravidar? Tem um remédio aí, eu esqueci o
nome dele... tem uns medicamentos que toma pra evitar
a gravidez”
Entre os motivos para não usar a camisinha (tabela 7), 14,9%
dos estudantes alegaram que o (a) parceiro (a) não tem o risco de
transmitir a aids. Estes dados sugerem que quando os parceiros estão vivendo uma relação estável e de confiança, o uso da camisinha
acaba ficando em segundo plano, “como a ideia de que o conhecimento do parceiro ou mesmo o amor conjugam-se à confiança e são
fatores preventivos” (CASTRO; ABRAMOVAY; SILVA, 2004).
Segundo Castro; Abramovay; Silva (2004), os métodos anticoncepcionais podem ser classificados em métodos dependentes
Capa
Sumário
327
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Tabela 8: Motivos para não usar camisinha (%) Pergunta feita a estudantes de
nível fundamental de uma escola pública municipal
de João Pessoa/PB
Adolescentes
femininas
Adolescentes
masculinos
Total
n
%
N
%
n
%
O (A) seu (sua) parceiro (a)
não gosta de usá-la
1
1,4
1
1,4
2
2,7
Por motivos religiosos
2
2,7
1
1,4
3
4,1
Você tem vergonha de usar
camisinha
0
0,0
1
1,4
1
1,4
O (a) seu parceiro (a) não tem
risco de passar aids
1
1,4
10
13,5
11
14,9
Não respondeu
42
56,8
15
20,3
57
77,0
Total
46
62,2
28
17,6
74 100,0
Fonte: Faces, discursos e práticas: visões e vivências da sexualidade e da saúde
sexual entre adolescentes de uma escola pública
de João Pessoa-PB/2014
Os motivos para o não uso do preservativo variam quando
se consideram os alunos segundo o sexo. Assim, tem-se que, para
as garotas, os motivos religiosos são os mais destacados. Em relação aos rapazes, a ideia de que a (o) parceira (o) não oferece o
risco de transmitir o vírus da aids é o motivo mais comum entre
estes jovens que participaram da pesquisa. Segundo Castro; Abramovay; Silva (2004), “as principais causas dos jovens ainda terem
relações desprotegidas vão desde dificuldades objetivas de acesso
aos serviços de saúde até razões culturais”. Entre estas razões, pode-se mencionar a falta de comunicação entre pais e filhos sobre
a contracepção; falta de informação nas escolas e/ou livros didáticos; pouca quantidade de programas voltados para a sexualidade
e saúde sexual, entre outros. Além disso, segundo Cruz (2000), é
Capa
Sumário
ínfimo o número de mulheres que conseguem negociar o uso do
preservativo com o seu parceiro de forma tranquila. A maioria tem
dificuldade de exigir o uso do mesmo. “Ao exigir a camisinha, as
mulheres, muitas vezes, têm de lidar com crenças e preconceitos”.
Além do medo da desconfiança e do perderem o parceiro por este
motivo e/ou por vergonha de tratar do assunto.
Por estas razões, os adolescentes e jovens são considerados vulneráveis no que se refere à contração de doenças sexualmente transmissíveis, sobretudo a aids. Segundo, Taquette (2004)
No Brasil não há informações sobre a prevalência de
DST entre adolescentes. As únicas DST de notificação
compulsória são a sífilis e a AIDS e, além disso, cerca
de 70% das pessoas com alguma DST buscam tratamento em farmácias, o que faz com que o número de
casos notificados fique abaixo da estimativa.
Quando nos referimos aos adolescentes, a falta de informação aumenta o grau de vulnerabilidade deles, considerando que a
ignorância acerca das DST e de como contraí-las geram situações
para que as pessoas venham a contrair determinadas doenças, ou
seja, comportamentos associados tanto com condições objetivas
do ambiente quanto com condições culturais e sociais emque os
comportamentos ocorrem, assim como com o grau de consciência
que essas pessoas têm sobre comportamentos e ao efetivo poder
que podem exercer para modificá-los (SALDANHA et al, 2008).
A falta de conhecimento sobre estas doenças pode ser
exemplificada quando analisamos as respostas dos (as) alunos
(as) quando foram perguntados se conhecem alguma DST:
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Herneith, sexo feminino,
turma 8ºA
“Acho que conheço a Aids... HIV... tem.. a herpes
também, até agora, assim, essas...tem outras
graves, mas eu não cheguei a aprofundar o
assunto”.
Benerib sexo feminino,
turma 8ºA
“A Aids...o HIV...o...o... esqueci o nome... a
professora tinha falado dele... gonorreia... e
outras”.
Sitamon, sexo
masculino, turma 8ºB
“Como assim, HIV é?... HIV, DST, e várias...”
Senedj, sexo masculino,
turma 8ºB
“A Aids... e as outras eu esqueci...”
Semerkhet, sexo
masculino, turma 9ºA
“A Aids, o HIV, e só...”
Percebe-se que todos os alunos mencionaram conhecer a
Aids. Alguns disseram que AIDS e HIV são duas doenças diferentes, outros disseram que DST é um tipo de doença sexualmente
transmissível. Mesmo conhecendo uma ou algumas doenças, as
informações que estes alunos têm sobre elas apresentam alguns
equívocos. Este panorama de desconhecimento das DST, no remete para o nível de conhecimento das mesmas nos primórdios
do Século XX, quando eram entendidas e conhecidas como DST,
o cancro, a gonorreia e a sífilis. Por exemplo, foi perguntado aos
estudantes como a aids pode ser contraída. Umas das respostas
foi das pela estudante da Hereith do 8ºA:
É questão de::... vamos dizer assim, você... usa a mesma
toalha que você... questão de... se eu me corto, você vem me curar
e também eu pego, tá contaminado no sangue também... questão
da higiene... os mesmos sabonetes que você, entendeu? E também
isso ------ do contágio, o mesmo ar que eu tô respirando, eu tô
falando, você tá respirando, tá pegando as bactérias, entendeu?
Acho que essas são as formas de contágio.
Capa
Sumário
329
Esta estudante mencionou que se pode contrair o vírus HIV
ao utilizar a mesma toalha e o mesmo sabonete de uma pessoa doente, ou seja, não tomando as devidas precauções relacionadas à
higiene. Este discurso higienista sobre a transmissão da Aids reflete
o tabu que permeia esta doença e os/as soropositivos/as. Atitude
que cega os olhos do indivíduo com uma visão preconceituosa em
relação aos portadores do vírus. A aluna também menciona que se
pode transmitir a doença pela respiração e diz também que o indivíduo “tá pegando as bactérias”. Esta falta de conhecimento sobre as
formas de contágio da Aids durante muito tempo marcou os corpos
dos soropositivos com o repúdio social e o isolamento. Dizer que se
pode contrair o vírus pela respiração esconde, nas entrelinhas, que
não se pode conviver no mesmo ambiente que uma pessoa aidética,
reforçando o tabu que obscurece o discurso sobre a doença.
Penebui, sexo feminino,
turma 8ºA
“Eu acho que é no ato sexual que vai fazer...”
Sitamon, sexo
masculino, turma 8ºB
“No alicate, no beijo, transando né, sem
camisinha... e em vários”
Senedj, sexo masculino,
turma 8ºB
“Na relação sexual, e... e eu acho que só”
Menés, sexo masculino,
turma 8ºB
“É quando a pessoa não fazem, fazem sexo sem
se prevenir
Semerkhet, sexo
masculino, turma 9ºA
“Eu acho que... o não uso da camisinha”
Percebe-se que os (as) alunos (as) que sabiam alguma forma de contágio só mencionaram o ato sexual como um risco de se
contrair o vírus. Apenas uma aluna mencionou o alicate de unha,
mas não se tem conhecimento de pessoas que contraíram o vírus
desta forma, e o beijo, que também não é uma forma de transmitir a doença. Nenhum dos estudantes mencionou o uso de drogas
injetáveis (uma das razões pelas quais o perfil da doença mudou,
afetando mais a população jovem), a transfusão de sangue e a
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
transmissão vertical de mãe para bebê durante a gestação.
Entende-se vulnerabilidade como a chance de exposição
a determinada doença, tendo maior suscetibilidade à infecção e
ao adoecimento. Além de menor disponibilidade de recursos para
prevenir a aquisição de determinada doença (SALDANHA et al.,
2008). Desta forma, estão mais suscetíveis à contaminação pelo
vírus da AIDS aqueles que não têm acesso à informação, aos métodos contraceptivos, os que têm uma renda mensal muito baixa e
os indivíduos com baixo grau de escolaridade.
Diante do exposto, os estudantes também foram questionados, em entrevista, sobre quem é mais vulnerável a contrair o vírus:
Tiaa, sexo feminino,
turma 9ºA
“A mulher... pra mim é a mulher porque:: os
homens são muito galinhas, aí pega qualquer
uma, aí as que ele pega num pode vir com
doença transmitível”
Benerib, sexo feminino,
turma 8ºA
“Acho que o homem... porque... eles... eles
pegam mais mulheres, assim, de fora, não sabem
o que elas tem, aí pegam... aí quando vão ter
relação com outra mulher aí já vai passando”
Berenice IV, sexo
feminino, turma 8ºB
“Eu acho que a mulher, porque ela tem um corpo
já assim, ela ter se --- mais, ela um jeito mais de
ser... dos seus órgãos ser mais sensíveis e o jeito
de pegar”
Menés, sexo masculino,
turma 8ºB
“A mulher... acho que pelo pênis do cara, por
ele não se proteger, acho que o dela fica mais
vulnerável”
Tiy, sexo feminino, turma
9ºB
“Eu acho que a mulher, porque tipo, o parceiro
não é mais virgem, aí não sabe com quantas ele
foi e se elas eram saudáveis”
A maioria disse que as mulheres são mais vulneráveis a contrair a doença, seja porque elas são mais sensíveis, seja pelo fato de
que os homens sempre tem relação com várias mulheres e acabam
Capa
Sumário
331
transmitindo a doença. Estes discursos refletem que o comportamento sexual desregrado e imoral interfere na vulnerabilidade dos
indivíduos. Aqueles, portanto, que têm uma vida sexual mais “certinha” ficam longe da margem de risco de contrair a aids. A falta de
controle do corpo, contudo, permeia o discurso acerca da vulnerabilidade. Sobre este tema, Moreira tece o seguinte comentário:
Adolescentes e jovens apresentam comportamento sexual que os leva a se envolverem em relações
sociais de risco, cujo indesejável resultado pode ser
infectarem-se por uma DST, inclusive o HIV/Aids ou
engravidar uma parceira (...). algumas características dos adolescentes conferem risco à atividade sexual: despreparo para lidar com a sexualidade; onipotência e sentimento de vulnerabilidade; barreiras
e preconceitos; conflitos entre razão e sentimentos;
necessidade de afirmação grupal e dificuldades de
administrar esperas e desejos (2002, p.1).
Este discurso sobre a irresponsabilidade dos adolescentes
enfatiza o despreparo destes indivíduos diante do mundo chamado
sexualidade, culpando-os pelo não uso dos preservativos e pela falta de autocontrole, no sentido de se evitar relações sexuais de risco.
REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, M.; Castro, M.G.; SILVA, L.B. Juventudes e sexualidade.
Brasília, DF: UNESCO Brasil, 2004.
BATISTA, L. E. Mortalidade adulta no estado de São Paulo. SEMINÁRIO
SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA, 1. 2005.
BORGES, A. L. V. Relações de gênero e iniciação sexual de mulheres
adolescentes. RevEscEnferm USP, 2007; v. 41, n. 4, p. 597-604.
BOZON, M.; HEILBORN, M. L. Iniciação à sexualidade: Modos de
socialização, interações de gênero e trajetórias individuais. In:
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
HEILBORN, M. (Org.). O aprendizado da sexualidade: reprodução e
trajetórias sociais de jovens brasileiros. Rio de Janeiro: Garamond e
Fiocruz, 2006, p. 156:205.
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Senado Federal,
Brasília, 2003.
________. Estatuto da Juventude. Senado Federal, Brasília, 2013.
CASTRO, M. G.; ABRAMOVAY, M.; DA SILVA, L. B. Juventudes e
sexualidade. 2004.
CATALÃO, N. Pudor obsceno. Educação, v. 63, p. 32-40, 2002.
CRUZ, E.; BRITO, N. Fios da vida: tecendo o feminino em tempos de
Aids. Brasília: Grupo de incentivo à vida, Coordenação Nacional de DST
e Aids/ Ministério da Saúde, 2000.
ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.
FRAGA, A. B. Corpo, identidade e bom-mocismo: cotidiano de uma
adolescência bem comportada. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
HEILBORN, M. L.; BOZON, M. Valores sobre sexualidade e elenco de
práticas: tensões entre modernização diferencial e lógicas tradicionais.
In: O aprendizado da sexualidade: reprodução e trajetórias sociais
de jovens brasileiros. Organização Heilborn, et al. Rio de Janeiro:
Garamond e Fiocruz, 2006, p. 212:265.
HEILBORN, M. L; CABRAL, C. S. Parentalidade juvenil: transição
condensada para a vida adulta. In: O aprendizado da sexualidade:
reprodução e trajetórias sociais de jovens brasileiros. Organização
Heilborn, et al. Rio de Janeiro: Garamond e Fiocruz, 2006, p. 212-265.
LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pósestruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.
Capa
Sumário
333
MACHADO, D. M.; SUCCI, R. C.; TURATO, E. R. A transição de
adolescentes com HIV/AIDS para a clínica de adultos: um novo
desafio; Transitioningadolescents living with HIV/AIDS toadultorientedhealthcare: anemergingchallenge. J. pediatr. Rio de Janeiro, v.
86, n. 6, p. 465-472, 2010.
MOREIRA, M. de M. Adolescentes e jovens do sexo masculino: riscos
de contrair HIV/Aids ou DST ou engravidar uma parceira. In: décimo
terceiro encontro da associação brasileira de estudos populacionais,
Ouro Preto, out. 2002. Gérberais. Belo Horizonte: ABEP, 2002.
NOVAES, J. A.; ARAÚJO, C. A. L.; BARBOSA, A. F. M. Iniciação sexual
e o uso de preservativo:
estudo realizado com adolescentes
matriculados em escolas públicas e particulares da Grande João
Pessoa. Conceitos. Agosto de 2005.
PAIVA, V.; CALAZANS, G.; VENTURI, G.; DIAS, R. Idade e o uso de
preservativo na iniciação sexual de adolescentes brasileiros. Rev Saúde
Pública, 2008; v. 42 (Supl 1), p. 45-53.
PAIVA, V. Fazendo arte com camisinha. São Paulo, Summus Editorial,
2000.
REITH, F. A iniciação sexual na juventude de mulheres e homens.
Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 8, n. 17, p. 77-91, junho
de 2002.
RENA, L. C. C. B. Sexualidade e adolescência: as oficinas como prática
pedagógica. 2. ed., ver. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
RUA, M. G.; ABRAMOVAY, M. Avaliação das ações de prevenção às DSTs/
Aids e uso indevido de drogas nas escolas de ensino fundamental e
médio em capitais brasileiras. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde,
Grupo Temático UNAIDS, UNODC, 2001.
SALDANHA, A. A. W.; CARVALHO, E. A. B.; DINIZ, R. F.; FREITAS, E. S.;
FÉLIX, S. M. F.; SILVA, E. A. A. Comportamento sexual e vulnerabilidade à
aids: um estudo descritivo com perspectiva de práticas de prevenção.
DST – J bras Doenças Sex Transm, v. 20, n. 1, 2008, p. 36-44.
335
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
TAQUETTE, S. R.; VILHENA, M. M. de.; PAULA, M. C. de. Doenças
sexualmente transmissíveis e gênero: um estudo transversal com
adolescentes no Rio de Janeiro. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.
20, n. 1, p. 282-290, jan-fev, 2004.
TRONCO, C. B.; DELL’AGLIO, D. D. Caracterização do Comportamento
Sexual de Adolescentes: Iniciação Sexual e Gênero. Revista
Interinstitucional de Psicologia, v, 5, n. 2, jul - dez, 2012, 254-269.
SEÇÃO III
ENSINO DE MATEMÁTICA
(87)
87 Fonte: xilogravura Disponivel em :<http://pintandoosetecomkarla.blogspot.
com.br/2012_04_01_archive.html> Acesso em: 10 out. de 2014.
Capa
Sumário
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
CAPÍTULO 13
ENSINO E APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA:
OS JOGOS FAZEM A DIFERENÇA
Kalina Ligia Almeida de Brito Andrade88
Rogéria Gaudêncio do Rêgo89
OS JOGOS NO ENSINO: BREVE RECORTE HISTÓRICO
Atualmente muito se discute sobre uma educação de qualidade para todos. Uma educação que contribua para a construção
de uma sociedade mais justa e solidária. Mas, para isso, é necessário reorientar o ensino a fim de possibilitar a formação de cidadãos
capazes de interpretação, reflexão e ação sobre a realidade.
Porém, tem sido destacado o fracasso de muitos alunos em
sua passagem pela escola. Para Brenelli (1996, p. 15),
[...] as dificuldades das crianças na aprendizagem, a
ineficácia do ensino e da escola e a formação precária dos professores constituem uma realidade desafiadora para os educadores e os pesquisadores da
área, os quais, de várias maneiras, vêm procurando
compreender tal realidade a fim de superá-la.
Quando os resultados escolares se mostram
insuficientes, quer individualmente, quer em nível
88
Professora da UFT/Campus Miracema do Tocantins – Doutoranda em Educação/UFT. E-mail: [email protected]
89
Professora Dra. Associado III do Departamento de Matemática/CCEN/UFPB e
do Programa de Pós-Graduação em Educação do CE/ UFPB. E-mail: [email protected]
Capa
Sumário
337
coletivo da classe, é porque existem carências no
desenrolar do processo pedagógico.
No contexto dos altos índices de repetência e evasão observados no país, principalmente nas séries iniciais do sistema educacional, segundo Lorenzato (2008, p. 1), a Matemática tem sua parcela de culpa, e, além disso, “[O] prejuízo educacional que a mais
temida das matérias escolares causa não se restringe à escola,
pois muitas pessoas passam a vida fugindo da matemática e, não
raro, sofrendo com crendices ou preconceitos referentes a ela”.
Na perspectiva de reversão desse quadro, pesquisadores da
Educação matemática têm apontado a necessidade de inovação
dentro da sala de aula, com aulas baseadas no uso de metodologias
diferenciadas, ou de novas tecnologias, tendo por base recursos didáticos adequadamente estruturados. Mas, apesar dessa indicação,
as aulas em nossas escolas, em particular as de Matemática, continuam sendo desenvolvidas, em sua maioria, com base na mecanização de procedimentos e na memorização de definições e regras.
O principal método de ensino se restringe às aulas expositivas, em que o professor expõe o conteúdo em uma sequência
que tem início na apresentação de um conjunto de definições e
exemplos e, seguida da proposição de uma lista de exercícios de
aplicação ou de treinamento de procedimentos.
Mas o sucesso ou fracasso dos alunos na Matemática depende da relação estabelecida entre eles e a disciplina, desde o
início de sua escolarização, sendo fundamentais o papel que o
professor desempenha nesse processo e a metodologia de ensino
por ele empregada (LORENZATO, 2008).
Nunes et al. (2009) falam sobre o papel do professor e explicitam que, para evitar cair no “tradicionalismo”, tomando-se
por base justificativas como “eu aprendi assim e meu aluno deve
aprender assim”, ou cair no “modismo”, mudando o trabalho em
sala de aula a partir de qualquer novidade, o professor precisa
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
analisar criticamente as propostas que surgem, experimentando-as e avaliando-as. Para isso, precisa estar sempre aprendendo,
pois o professor que não se ocupa de seu próprio processo de ensino e aprendizagem, dificilmente será um profissional crítico.
Lima (1999, apud NUNES et al., 2009, p.12), resume essa visão da seguinte forma:
[Q]uem usa a mente como instrumento de trabalho não pode deixar de cultivar, diariamente, a inteligência. Os professores, por exemplo, precisam
atualizar-se, permanentemente, acompanhando
o desenvolvimento da ciência e da tecnologia (os
mestres são os intermediários entre as pesquisas,
descobertas e inovações, e as novas gerações).
Neste contexto, as alternativas para o ensino, em particular de Matemática, foco de nossa atenção, devem ser avaliadas
tendo-se um olhar que supere a mera crítica ao modelo tradicional ou a adesão ao novo, de modo ingênuo. Essa perspectiva é
por nós considerada em relação à temática do lúdico em sala de
aula, que consiste no desenvolvimento do processo educativo
utilizando atividades inerentes ao universo das crianças, como
jogos e brincadeiras.
Penteado (2011, p.189) sobre o jogo e suas propriedades
formativas comenta que,
[N]a vida da criança, para além do entretenimento,
o jogo ganha espaço através da focalização de suas
propriedades formativas, consideradas sob perspectivas educacionais progressistas, que valorizam
a participação ativa do educando no seu processo
de formação.
Porém enfatizamos que a dimensão educativa do jogo só
aparece se as situações lúdicas forem intencionalmente criadas
pelo professor e/ou adulto visando a estimulação de certos tipos
Capa
Sumário
339
de aprendizagens. “[D]esde que mantidas as condições para expressão do jogo, ou seja, a ação intencional da criança para brincar, o educador está potencializando as situações de aprendizagem.” (KISHIMOTO, 2011, p.41)
Segundo Brenelli (1996), a utilização do lúdico no aprendizado da criança é muito antiga, vem dos gregos e romanos e, de
acordo com os novos ideais de ensino, o jogo deve ser utilizado
para facilitar as tarefas escolares.
De acordo com Kishimoto (2013), não existem estudos históricos sobre o processo de evolução do brinquedo no Brasil, o que
nos leva a adotar a história do brincar de um modo geral, através
das diversas regiões do mundo e desde a antiguidade, como parâmetro para análise do tema em questão.
Na Antiguidade, o brincar era uma atividade inerente tanto
na fase infantil quanto na fase adulta. Platão já defendia que o “[a]
prender brincando” era muito importante, em lugar de violência
e depressão e considerava ainda que todas as crianças deveriam
estudar Matemática de forma atrativa, sugerindo como alternativa
o uso de jogos. (ALMEIDA, 1987, apud ALVES, 2001)
Almeida (1987, apud Alves, 2001, p.16) relata ainda que
entre “[...] os povos egípcios, romanos e maias, a prática dos jogos era utilizada para que os mais jovens aprendessem valores,
conhecimentos, normas e padrões de vida com a experiência dos
adultos”. Nas sociedades antigas, como o trabalho não ocupava
tanto tempo, adultos e crianças partilhavam dos mesmos jogos e
diversões, o que mantinha as pessoas unidas, constituindo-se um
momento favorável para que os laços fossem estreitados.
Ariés (1978, apud ALVES, 2001) esclarece que, nessa época,
para uma grande maioria os jogos e as brincadeiras eram admitidas e estimuladas sem reservas nem discriminações. Porém, para
uns poucos, mas poderosos, incluindo a igreja, eles eram considerados profanos, imorais, delituosos, e sua prática não era admitida. Com o avanço do cristianismo, o interesse pelos jogos dimi-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
nuiu, passando-se a adotar uma educação rígida, disciplinadora,
com a proibição severa dos jogos.
Alves (2001) destaca a crítica de Rebelais (1483-1553) ao
formalismo da educação escolástica, excessivamente livresca, e
sua denuncia da crueldade e dos castigos corporais dos tempos
medievais. À época o jogo começou a ser reabilitado, sendo incorporado ao cotidiano dos jovens, não como diversão, mas como
tendência natural do ser humano.
Em 1534, a Companhia de Jesus, fundada por Ignácio de
Loyola, compreendeu a importância dos jogos como aliados do ensino, e, no lugar de suprimi-los, introduziu-os oficialmente por meio
da Ratio Studiorum. Desse modo, os jesuítas trouxeram os jogos de
volta à prática, de forma disciplinadora, considerando-os “[...] meios
de educação tão estimáveis quanto o estudo” (ARIÈS, 1978, p.112).
Kishimoto (2013, p.40) observa que, passou-se a admitir,
cada vez mais,
[...] a necessidade de exercícios físicos, banidos pela
Idade Média. Exercícios de barra, corridas, jogos de
bola parecidos com o futebol e o golfe são comuns.
Aos jogos do corpo, são acrescidos os do espírito, os
quais refletem a presença marcante do vocabulário
dos antigos jogos de cavalaria. [...] O jogo de cartas
educativo é, também, uma invenção desse período.
Cabe a Thomas Murner, frade franciscano, a sua invenção, com o intuito de ensinar Filosofia. Ele percebe que seus estudantes não entendem a dialética
apresentada por textos espanhóis. Assim, edita uma
nova dialética em imagens, sob forma de jogo de cartas, engajando os jovens em um aprendizado mais
dinâmico. Teve grande sucesso no empreendimento.
No século XVI surge o jogo educativo, que vai se expandindo
e sendo acompanhado por estudos que mostram a importância
das imagens e dos sentidos para a aquisição de conhecimento. No
século XVII, os jogos esportivos tiveram seu auge, sendo recomen-
Capa
Sumário
341
dados por médicos como atividades saudáveis à mente e ao corpo,
outra justificativa era a de que os jogos preparavam os jovens para
a guerra. Dessa forma, estabeleceu-se uma ligação entre os jogos
educativos dos jesuítas, a ginástica dos médicos, o treinamento
dos soldados e o patriotismo.
Além da contribuição fundamental dos jesuítas para o desenvolvimento e aceitação dos jogos no ensino, educadores, pesquisadores e teóricos colaboraram de forma particular na ênfase ao
processo lúdico na educação, dentre os quais destacamos, incialmente, Comenius, que em sua obra Orbis Sensualium Pictus (1657),
destacou a relevância das imagens para a educação infantil.
Locke, o pai do empirismo, reforçou essa tese defendendo
que tudo que se encontra na inteligência também passa pelos sentidos. Locke propôs jogos de leitura, bem como outros jogos destinados às atividades de disciplinas como História, Geografia, Moral,
Religião, Matemática, dentre outras. (KISHIMOTO, 2013).
Kishimoto (1994, apud ALVES, 2001), enfatiza que a eclosão do movimento científico do século XVIII trouxe a diversificação dos jogos, o que propiciou a criação, adaptação e a popularização destes no ensino.
Destacamos, nessa direção, e para essa época, os trabalhos
de Rousseau e Froebel como segue. Rousseau defendia ser “[c]
onveniente dar à criança a oportunidade de um ensino livre e espontâneo, pois o interesse geraria alegria e descontração” (ALVES,
2001, p.18) e Froebel, ao idealizar os jardins de infância, baseou-se na concepção de que a criança possui natureza diferente da do
adulto e incluiu os métodos lúdicos na educação, enfatizando o
jogo na educação infantil e caracterizado por ações de liberdade e
espontaneidade. Dessa forma, o jogo tornou-se fator decisivo para
a educação infantil na concepção de Froebel. (ALVES, 2001).
Alves (2001) ainda destaca outro estudioso, Spencer, que
elegeu o jogo como elemento que propicia o desenvolvimento da
vida intelectual em todos os aspectos, justificando que nos jogos
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
as crianças mostram envolvimento, interesse e alegria, o que produz uma excitação mental agradável.
O filósofo John Dewey fez críticas à submissão e obediências
cultivadas nas escolas e propôs uma aprendizagem diferenciada
para cada aluno, tendo o jogo como elemento propiciador deste
ambiente, sendo divergente das referências abstratas, distintas pelas quais as crianças não apresentam interesse (ALVES, 2001)
A partir do século XX, as pesquisas da Psicologia sobre desenvolvimento infantil passaram a discutir a importância do ato de
brincar para a construção de representações infantis. Por meio destes estudos, verificou-se que o trabalho com jogos impulsiona naturalmente as crianças. O ato de brincar facilita o aprendizado e, além
disso, assim como outros comportamentos do ser humano, sofre
influência da cultura na qual está inserido (KISHIMOTO, 2013).
Elkonin (1985, apud ALVES, 2001, p.19) considera “[o] ato
de brincar e suas representações são um fenômeno bastante complexo, cultural que depende de épocas históricas, condições sócio
históricas e geográficas”. Baseando-se neste fato, é importante salientar que a representação que os teóricos fazem a respeito de
brincadeiras é fortemente influenciada pela ideologia cultural de
uma época, cuja importância cultural liga-se ao valor atribuído à
própria infância. No século XIX, por exemplo, a infância era vista
como uma fase de preparação para o trabalho adulto, dando-se
pouca importância às brincadeiras e aos jogos.
Evidenciando a importância dos jogos, Kishimoto (2011,
p.23) relembra alguns autores brasileiros que enfatizam o brincar na infância:
[A]ssim como a poesia, os jogos infantis despertam
em nós o imaginário, a memória dos tempos passados. Em Infância (1984), Graciliano Ramos recorda
seu cotidiano de criança pobre, que construía brinquedos de barro e invejava os meninos que possuíam brinquedos mecânicos. Em contraposição,
Capa
Sumário
343
Baudelaire, em “Curiosités esthétiques” (apud Brougère, 1983), relembra o menino burguês que deixa
seus brinquedos sofisticados para olhar interessado
o brinquedo vivo (rato) do menino maltrapilho.
Ainda na linha histórica, Claparéde, no início do século XX,
esclarece que saber, pesquisar, trabalhar, são necessidades vitais
do ser humano, e que estas necessidades se manifestam em todas
as brincadeiras, vistas não apenas como diversão, mas também
como trabalho, defendendo que não há diferença entre jogo e trabalho, como vê a pedagogia tradicional. Para ele, esse fato pode
ser presenciado nas atividades de sala de aula, onde os jogos só
são aplicados após a realização das tarefas escolares, as quais são
consideradas “coisas sérias” (ALVES, 2001).
Alves (2001) destaca ainda, em defesa dos jogos na educação, os trabalhos de Piaget, que criticava a escola tradicional, a
qual se opõe ao que ele defendia, que era tornar os indivíduos inventivos, críticos e criativos.
Vygotsky, na Rússia, e Brunner, nos Estados Unidos, concordaram que as experiências no mundo real constituem o caminho para a
criança construir seu raciocínio. Cada um dos teóricos aqui destacados, a seu modo, reconheceu que a ação do indivíduo sobre o objeto é
básica para a aprendizagem, e evidenciou o papel fundamental que o
material didático pode desempenhar na sala de aula, durante a ação
pedagógica, em particular, o jogo (LORENZATO, 2012).
Callois (1990, apud ALVES, 2001, p. 21), defende que o jogo
“[...] evoca por igual as ideias de facilidade, risco ou habilidades;
[...] combina então, em si, as ideias de limites, liberdade e invenção”, e Huizinga trata da relevância do jogo em sua obra Homo Ludens, fazendo uma defesa significativa sobre este tipo de atividade, tanto para a vida da criança quanto para a do adulto e expressa
o jogo como estando presente em quase tudo que nos cerca, como
no Direito, na Guerra, na Poesia, na Filosofia, na Arte, enfim, em
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
quase todos os aspectos de nossa vida. Ainda explica a natureza e
significado do jogo como Fenômeno Cultural:
O jogo é fato mais antigo que a cultura, pois esta,
mesmo em suas definições menos rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana; mas, os animais
não esperaram que os homens os iniciassem na atividade lúdica. É-nos possível afirmar com segurança
que a civilização humana não acrescentou característica essencial alguma a ideia geral de jogo. Os
animais brincam tal como os homens. Bastará que
observemos os cachorrinhos para constatar que,
em suas alegres evoluções, encontram-se presentes todos os elementos essenciais do jogo humano
[...] Essas brincadeiras dos cachorrinhos constituem
apenas uma das formas mais simples de jogo entre
os animais. Existem outras formas muito mais complexas, verdadeiras competições, belas representações destinadas a um público (HUIZINGA, 2012, p. 3).
Reconhecendo a importância do jogo na educação, Chateau, citado por Brenelli (1996), destaca que, caso a aplicação do
jogo na escola seja reduzida a um simples divertimento, rebaixa-se
a educação e a criança, porque “despreza-se essa parte de orgulho
e de grandeza que dá seu caráter próprio ao jogo humano”. (p.20)
Chateau ainda adverte que, durante muito tempo, ficou
obscura a ideia de que o jogo pudesse conduzir ao trabalho e Brenelli (1996, p.20) comenta que se “[...] torna evidente a necessidade de compreender o jogo no contexto educativo em sua justa medida, sem reduzi-lo a trabalho e também sem dicotomizá-lo” e “[p]
ara este autor, o jogo na escola deve ser visto como um encaminhamento ao trabalho, uma ponte entre a infância e a vida adulta’.
Erikson (1971, p. 194), também falando sobre jogo e trabalho, comenta que o jogo é uma função do ego, uma tentativa de
sincronizar os processos corporais e sociais com o eu, e, diferenciando jogo de trabalho, expõe:
Capa
Sumário
345
Quando se diverte, o indivíduo deve-se interfundir
com as coisas e as pessoas de uma forma igualmente não-envolvente e inconstante. Deve fazer
qualquer coisa que tenha resolvido fazer sem estar
forçado por interesses urgentes ou impulsionado
por uma intensa paixão. Deve-se sentir entretido e
imune a todo temor e expectativa de consequências
sérias. Está em férias com relação à realidade social
e econômica, ou como se costuma acentuar, não trabalha. É esta contraposição ao trabalho que confere
ao jogo uma série de conotações. Uma delas é a “diversão pura e simples”, seja difícil ou não de realizar.
Huizinga apresenta ainda o jogo como um fenômeno fundamental da cultura, que se encontra presente na linguagem, no
direito, na guerra, na ciência, na poesia, na filosofia e nas artes. O
jogo como atividade lúdica seria, inclusive, anterior à cultura, pois
também “os animais brincam tal como os homens” (HUIZINGA,
2012, p.3). O fato de bebês chegarem a gritar de prazer, de jogadores se deixarem possuir por sua paixão, de uma multidão ser levada
ao delírio ao assistir a um jogo de futebol, diz Huizinga, demonstra
a intensidade, o poder de fascinação e a capacidade de excitar que
são essenciais ao jogo compreendido como “totalidade”.
Segundo Brenelli (1996, p. 19), “[...] com o movimento da
escola nova e os novos ideais de ensino, o jogo passou a ser cada
vez mais utilizado com a finalidade de facilitar as tarefas escolares”. Assim, o jogo tem sido, desde muito tempo, considerado
como uma atividade importante na educação das crianças, e as
considerações dos vários estudiosos se voltam para uma utilização
adequada dessa ferramenta nos contextos escolares.
Mas definir o que é um jogo não é tarefa fácil, afirma Kishimoto (2011). Para ela, quando se pronuncia a palavra jogo, cada
um pode entendê-la de modo diferente. Segundo a autora,
[P]ode-se estar falando de jogos políticos, de adultos, crianças, animais ou amarelinha, xadrez, advi-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
nhas, contar estórias, brincar de “mamãe e filhinha”,
futebol, dominó, quebra-cabeça, construir barquinho, brincar na areia e uma infinidade de outros.
Tais jogos, embora recebam a mesma denominação,
têm suas especificidades (KISHIMOTO, 2011, p.15).
De acordo com Kishimoto, enquanto fato social, o jogo assume o papel que cada sociedade lhe atribui, ou seja, sua imagem
e seu sentido variam de um grupo social para outro. Por exemplo,
a boneca é um brinquedo para uma criança que brinca de “mamãe
e filhinha”, enquanto em algumas tribos indígenas, é símbolo de
divindade, de adoração. Outro exemplo seria o uso do arco e flecha, que, para uns seria jogo, e, para outros, preparo profissional.
Ou seja, dependendo do lugar e da época, o jogo pode assumir diferentes significados. Se na antiguidade, o jogo era tido
como algo inútil, poucos séculos depois aparece como uma atividade séria, destinada a educar a criança. (KISHIMOTO, 2013).
Huizinga (2012, p.4), sobre as tentativas de definir jogo,
afirma que
[U]mas definem as origens e fundamento do jogo
em termos de descarga da energia vital superabundante, outros como satisfação de um certo “instinto de imitação”, ou ainda simplesmente como uma
“necessidade” de distensão. Segundo uma teoria,
o jogo constitui uma preparação do jovem para as
tarefas sérias que mais tarde a vida dele exigirá, segundo outra, trata-se de um exercício de autocontrole indispensável ao indivíduo.
Esse autor esclarece que a intensidade do jogo e seu poder
de fascinação não podem ser explicados por análises biológicas.
Contudo, é nessa intensidade, nessa fascinação, que reside a própria essência e a característica primordial do jogo, concluindo que
Capa
[O] mais simples raciocínio nos indica que
Sumário
347
a natureza poderia igualmente ter oferecido a suas
criaturas todas essas úteis funções de descarga de
energia excessiva, de distensão após um esforço,
de preparação para as exigências da vida, de compensação de desejos insatisfeitos etc., sob a forma
de exercícios e reações puramente mecânicos. Mas
não, ela nos deu a tensão, a alegria e o divertimento
do jogo (HUIZINGA, 2012, p. 5).
Para Huizinga, a natureza poderia ter-nos dado qualquer outro mecanismo de “desestressar”, de descarregar as energias, mas
ela escolheu nos presentear com o divertimento do jogo. Em seu livro Homo ludens, Huizinga argumenta que o jogo é uma categoria
absolutamente primária da vida, tão essencial quando o raciocínio
(Homo sapiens) e a fabricação de objetos (Homo faber). Já a sua denominação como Homo ludens, significa que o elemento lúdico está
na base do surgimento e desenvolvimento da civilização.
Huizinga (2012, p.33) ainda define jogo como
[...] uma atividade voluntária exercida dentro de
certos e determinados limites de tempo e espaço,
segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si
mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão
e alegria e de uma consciência de ser diferente de
vida cotidiana.
Sobre as características fundamentais do jogo, Huizinga
(2012, p. 11-12), esclarece, após algumas considerações, que chega
[...] à primeira das características fundamentais do
jogo: o fato de ser livre, de ser ele próprio liberdade.
Uma segunda característica, intimidade ligada à primeira, é que o jogo não é vida “corrente” nem vida
“real”. Pelo contrário, trata-se de uma evasão da
vida “real” para uma esfera temporária de atividade
com orientação própria. [...] O jogo distingue-se da
vida “comum” tanto pelo lugar quanto pela duração
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
que ocupa. É esta a terceira de suas características
principais: o isolamento, a limitação. É “jogado até o
fim” dentro de certos limites de tempo e de espaço.
Possui um caminho e um sentido próprios. O jogo
inicia-se e, em determinado momento, “acabou”.
Joga-se até que se chegue a um certo fim.
Observa-se, portanto, que o jogo é dotado de certa imprevisibilidade, é uma fuga da vida cotidiana, da vida real, e é diferente
da vida comum, do normal, da rotina, é a válvula de escape das
coisas cotidianas, dos afazeres cotidianos. Ele tem início e tem um
fim, mas com uma vantagem, pode-se retornar a ele, sempre que
desejarmos. Vale ressaltar, nas definições trazidas em nosso texto,
o caráter essencial dos jogos, destacando-se seu papel lúdico, de
elemento que possibilita alegria, diversão e prazer, embora tenha
componentes de seriedade.
OS JOGOS E O ENSINO DA MATEMÁTICA:
UMA RELAÇÃO POSSÍVEL
A Educação Matemática surgiu no século XIX da preocupação de matemáticos, pesquisadores e professores de Matemática,
dos diversos níveis de ensino, como consequência de questionamentos e encaminhamentos sobre suas práticas enquanto educadores. Para Flemming (2005, p.13), a “[E]ducação Matemática
pode ser caracterizada como uma área de atuação que busca, a
partir de referenciais teóricos consolidados, análise, soluções e alternativas que inovem o ensino da Matemática”.
Mendes (2009, p. 82), enfatiza que
[U]m dos obstáculos imediatos ao sucesso do ensino-aprendizagem da Matemática diz respeito ao
desinteresse dos estudantes com relação ao modo
como a Matemática é apresentada em sala de aula.
Capa
Sumário
349
[...] Outro aspecto mencionado refere-se aos porquês matemáticos relacionados aos tópicos abordados em sala de aula. Os estudantes questionam
a respeito dos porquês de determinados tópicos
matemáticos que são apresentados a eles, considerando que não conseguem perceber nenhuma familiaridade cotidiana ou justificativa convincente para
os aspectos matemáticos apresentados durante as
aulas de Matemática.
Se o ensino de Matemática apresenta problemas e, como
destacamos, o jogo pode ser uma estratégia eficiente para motivar
a aprendizagem, porque não usar o jogo para ensinar Matemática?
De acordo com Alves (2001), ainda há muita resistência por parte
de alguns professores em relação ao uso de jogos, mesmo sabendo de seu potencial. Alves (2001, p.28), esclarece esse aspecto e
enfatiza a importância do lúdico em sala de aula, defendendo que
[É] notório que o jogo é uma atividade desencadeadora de diversas atitudes já pontuadas até o momento e que a validade dos jogos no ensino não se
limita apenas à Matemática nem às crianças da pré-escola e do ensino fundamental. No entanto, essa
é uma prática que encontra ainda bastante resistência quando da sua aplicação nas aulas, de modo
mais específico nas aulas de Matemática, em outros
níveis de ensino. A utilização de metodologias lúdicas é restrita a alguns poucos educadores que, como
declara Elias (1995), não estando satisfeitos com sua
prática docente, buscam soluções alternativas.
A prática lúdica apoia-se no modelo do universo infantil
para promover o ensino, sem que isso se revele como um castigo ou uma atividade completamente desvinculada de desejo pela
criança. O lúdico é de suma importância para o desenvolvimento cognitivo da criança e lhe proporciona motivação, imprimindo
uma dinâmica particular ao processo educativo.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Vygotsky (1989, p.109) afirma que
[É] enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança. É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de
uma esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não por incentivos
fornecidos por objetos externos.
Huizinga (2012, p.193) ressalta a presença ativa do lúdico
em diversas áreas e processos culturais, explicitando que
[N]ão foi difícil mostrar a presença extremamente
ativa de um certo fato lúdico em todos os processos
culturais, como criador de muitas das formas fundamentais da vida social. O espírito de competição
lúdica, enquanto impulso social, é mais antigo que a
cultura, e a própria vida está toda penetrada por ele,
como um verdadeiro fermento. O ritual teve origem
no jogo sagrado, a poesia nasceu do jogo e dele se
nutriu, a música e a dança eram jogo puro. O saber
e a filosofia encontraram expressão em palavras e
formas derivadas das competições religiosas. As regras da guerra e as convenções da vida aristocrática
eram baseadas em modelos lúdicos. Daí se conclui
necessariamente que em suas fases primitivas a cultura é um jogo. Não quer isto dizer que ela nasça do
jogo, como um recém-nascido se separa do corpo da
mãe. Ela surge no jogo, e enquanto jogo, para nunca
mais perder este caráter.
A presença do lúdico se dá em diversas atividades, através
dos séculos, dentre elas no contexto escolar e, nesse âmbito particular, visa promover a formação de conhecimento pelo aluno, sendo necessário entendermos melhor o uso de jogos na educação e
suas contribuições para o processo de ensino aprendizagem.
Segundo Silva (2004, p. 27), por meio dos jogos,
Capa
Sumário
351
[O]s alunos aprendem a se integrar e a interagir no
meio social do qual fazem parte, desprendendo-se
aos poucos do egocentrismo – natural da infância
- relacionando-se melhor com os colegas, respeitando suas divergências, suas opiniões, enfim, valorizando os colegas como eles são; dessa forma,
aprendem também a se conhecer melhor, percebem
que têm limites e que esses limites, quando bem
trabalhados, refletem no respeito mútuo, que é a
base para um bom relacionamento, transformando-os em alunos conscientes, preocupados com sua
formação, sendo, assim, envolvidos no processo de
construção da cidadania.
Grando (2000, p. 19), em sua tese de Doutorado, enfatiza que,
[A]s crianças, desde os primeiros anos de vida, gastam grande parte do seu tempo brincando, jogando
e desempenhando atividades lúdicas. Na verdade
a brincadeira parece ocupar um lugar especial no
mundo delas. Os adultos, por sua vez, têm dificuldade de entender que o brincar e o jogar, para a
criança, representam sua razão de viver, onde elas
se esquecem de tudo que as cerca e se entregam ao
fascínio da brincadeira. A experiência docente tem
mostrado que muitas crianças ficam horas, às vezes,
prestando atenção em um único jogo e não se cansam. E, muitas destas crianças são categorizadas,
pela escola, como aquelas com dificuldade de concentração e observação nas atividades escolares.
Smole et al (2007, p. 11) comentam que,
[E]m se tratando de aulas de matemática, o uso
de jogos implica numa mudança significativa nos
processos de ensino e aprendizagem, que permite
alterar o modelo tradicional de ensino, o qual muitas vezes tem no livro e em exercícios padronizados
seu principal recurso didático. O trabalho com jogos
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
nas aulas de matemática quando bem planejado
e orientado, auxilia o desenvolvimento de habilidades como observação, análise, levantamento de
hipóteses, busca de suposições, reflexão, tomada
de decisão, argumentação e organização, que estão
estreitamente relacionadas ao chamado raciocínio
lógico.
Sobre o interesse em realizar atividades escolares, Alves
(2001, p. 58) citando Kamii e DeVries, esclarece que “(...) as folhas
mimeografadas e as máquinas de escrever não têm a mesma força
motivadora que um jogo” (1991, p.45), uma vez que, no jogo, os
alunos estão mentalmente mais ativos do que quando resolvem
listas de exercícios padrão, nas quais trabalham sozinhos, sem interação nem motivação.
Estas autoras acima citadas, sugerem, segundo Alves (2001,
p. 33), critérios de escolha para que o jogo seja útil no processo
educacional: [O] jogo deverá ter e propor situações interessantes e
desafiadoras para os jogadores; o jogo deverá permitir a auto avaliação do desempenho do jogador; o jogo deverá permitir a participação de todos os jogadores durante o jogo.
A importância do jogo é justificada pelas autoras citadas, não
pelo simples fato de a criança aprender a jogar determinados jogos,
ou ocupar seu tempo com eles, mas porque podem estimular suas
atividades mentais e sua capacidade de cooperação e socialização.
Piaget (1970, apud BRENELLI, 1996) enfatiza que o jogo na
escola tem importância quando revestido de seu significado funcional, e explica que muitas vezes seu uso foi negligenciado, por
ser visto como uma atividade secundária, ou seja, utilizada para
liberar excesso de energia ou para se descansar de atividades mais
sérias. Piaget defende ainda que
[P]or meio da atividade lúdica, a criança assimila ou
interpreta a realidade a si própria, atribuindo, então
ao jogo um valor educacional muito grande. Neste
Capa
Sumário
353
sentido, propõe que a escola possibilite um instrumental à criança para que, por meio de jogos, ela
assimile as realidades intelectuais, a fim de que estas mesmas realidades não permaneçam exteriores
à sua inteligência. (PIAGET, 1970, apud BRENELLI,
1996, p.21).
Dessa forma, fica evidenciada a importância das atividades
lúdicas no contexto educacional, porém quando revestidas de seu
caráter funcional, aliando o caráter educativo ao lúdico, e propostas por meio de atividades bem sistematizadas. No caso específico
da Matemática, não significando que a “Matemática seja transmitida de brincadeira”, mas a “brincadeira que evolui até o conteúdo
sistematizado”. (MOURA, 1990, apud BRENELLI, 1996).
Grando (2000, p. 19) questiona, “[E]ntão, porque não se
pode desenvolver o estudo e a brincadeira, ambos necessários ao
desenvolvimento do indivíduo a partir de uma atividade única, comum, onde seja possível aprender brincando?”.
Do ponto de vista da orientação, em documentos oficiais,
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Matemática propõem o jogo como um dos recursos a serem utilizados no ensino
da disciplina, defendendo que
[P]or meio dos jogos as crianças não apenas vivenciam situações que se repetem, mas aprendem a
lidar com símbolos e a pensar por analogia (jogos
simbólicos): os significados das coisas passam a ser
imaginados por elas. Ao criarem essas analogias,
tornam-se produtoras de linguagens, criadoras de
convenções, capacitando-se para se submeterem a
regras e a dar explicações (BRASIL, 1997, p. 48).
Outro aspecto relevante dos jogos, segundo os PCN, “[é] o
desafio genuíno que eles provocam nos aluno, que gera interesse
e prazer” (BRASIL, 1997, p. 49).
Muitos pesquisadores e educadores, como Macedo, Petty e
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Passos (2000), enfatizam a importância dos jogos por considerarem que eles favorecem o desenvolvimento do processo de ensino
e aprendizagem em todas as áreas e, em especial em Matemática.
Para estes autores, o jogo constitui uma abordagem significativa
para o trabalho com a Matemática na fase inicial de escolarização,
fase em que as crianças necessitam explorar e descobrir inúmeras
coisas sobre o mundo que as cercam.
Além disso, o jogo, por ser uma atividade lúdica, provoca
alegria e prazer, envolve o desejo e o interesse do jogador por sua
própria ação no momento em que joga. Envolve ainda aspectos
como conhecer seus limites e suas possibilidades de superá-los,
fazendo-o refletir e adquirir confiança para arriscar, saindo de sua
zona de conforto.
O interesse que a criança tem pelos jogos faz com que ele
direcione seu raciocínio para alcançar um objetivo e, ao jogar, realiza uma tarefa, produz resultados, aprende a pensar em um contexto em que enfrentar os desafios e tentar resolvê-los são imposições que ele faz a si próprio. Alves (2001, p. 15), em sua obra “A
ludicidade e o ensino da matemática”, inicia comentando sobre os
jogos na educação, afirmando que
[A] educação por meio de jogos tem-se tornado,
nas últimas décadas, uma alternativa metodológica
bastante pesquisada, utilizada e abordada de variados aspectos. Tais trabalhos, entretanto, ocorrem
em torno de jogos aplicados na pré-escola e nas primeiras séries do ensino fundamental. Poucas ainda
são as pesquisas que enfatizam o uso de jogos no
ensino de 5ª a 8ª série do ensino fundamental, no
ensino médio e de modo mais específico no ensino
da matemática.
A necessidade de se proporcionar uma formação matemática de qualidade a todos os alunos tem sido discutida em propostas
feitas por pesquisadores da área, considerando-se, em sua maioria,
Capa
Sumário
355
o aluno como centro do processo educacional, ativamente empenhado no processo de construção do seu conhecimento, interpretando-se seu mundo e considerando-se suas experiências com os
diferentes fenômenos com que tem contato, inclusive os matemáticos. Conforme D´Ambrósio (1989, p.16), “[...] são as interpretações
dos alunos que constituem o saber matemático ‘de fato’”.
Essas interpretações só serão alcançadas se os alunos forem estimulados a participarem da construção de seu próprio conhecimento, por meio de atividades organizadas com o objetivo
de promoverem seu desenvolvimento cognitivo e afetivo, em particular quanto aos conceitos matemáticos.
Uma característica fundamental a ser considerada, no uso
educativo de um jogo, é a garantia de expressão da criatividade
pelos sujeitos, o que pode ser observado em vários momentos da
utilização dos jogos em aulas de Matemática. Essa possibilidade
de expressar-se, de maneira criativa, pode ocorrer na idealização
do jogo, que pode ser elaborado pelos próprios alunos, na confecção do material necessário, no desenvolvimento do jogo, na criação ou adaptação de regras, dentre outras.
Fiorentini e Miorim (2007, p.5) lembram que “[...] o professor não pode subjugar sua metodologia de ensino a algum tipo
de material porque ele é atraente ou lúdico. Nenhum material é
válido por si só”. Ou seja, os jogos, tomados isoladamente, não garantem aprendizagem. Estes desempenham um papel importante,
mas não suficiente e devem, assim, ser concebidos como ferramentas que podem colaborar nos processos de reflexão, para que
as relações com os conhecimentos matemáticos presentes direta
ou indiretamente no jogo, sejam efetivamente estabelecidas.
O uso de jogos matemáticos necessita ocorrer tendo como
base a promoção de discussões e reflexões sobre as ações efetuadas pelo aluno, das quais se espera o desenvolvimento de conceitos, procedimentos e atitudes, como explicita Rêgo (2012, p.7):
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Os conceitos são ideias a serem construídas pelo
aluno. Esta construção exige o trabalho de mediadores (professores, colegas, materiais instrucionais,
entre outros) que contribuam para a atribuição de
significados aos fenômenos estudados, no caso associados às formas, ao espaço e a suas representações. [...] Os procedimentos estão relacionados com
o saber fazer. Eles envolvem raciocínios do tipo passa a passo, semelhante aos algoritmos. Para serem
entendidos e utilizados em situações-problema,
exigem que o aluno domine os conceitos a ele associados.
Pensando-se na formação do indivíduo de maneira plena,
devemos valorizar não apenas seu desenvolvimento conceitual, no
âmbito da Matemática, mas também seu crescimento atitudinal.
As atitudes estão relacionadas à maneira de agir,
ao saber ser e estar no mundo. Faz parte da função
docente ensinar ao aluno determinadas atitudes relacionadas aos conhecimentos escolares. Por exemplo, que ele desenvolva métodos de estudo, tenha
autoconfiança, noção de suas potencialidades e de
suas limitações cognitivas, aprenda a trabalhar em
grupo e de maneira cooperativa, seja ético e desenvolva uma visão em grupo e de maneira cooperativa,
seja ético e desenvolva uma visão científica e estética do mundo, associando a ciência ao seu dia a dia
(RÊGO, 2012, p.7).
Esse envolvimento necessário à promoção de conhecimento, pelo aluno, se dá mais efetivamente se o ambiente escolar é
um local de encontro consigo e com os saberes necessários à essa
construção, sejam eles relativos a conceitos, procedimentos ou
atitudes, mediados pelo professor. Como os recursos materiais,
como os jogos, possibilitam experiências físicas, sensoriais e motoras que auxiliam a compreensão de elementos matemáticos,
que não estão nos objetos em si, é fundamental que o professor
Capa
Sumário
357
tenha clareza de seu papel no processo de construção de conhecimento desse campo pelos alunos.
Dessa forma, nossa reflexão teórica sobre a prática docente
relacionada ao uso de jogos, no ensino de Matemática, caminha
na direção da ampliação de nossa compreensão acerca do conceito de mediação, o que fazemos em nossa tese, em andamento.
Nossa opção se dá na direção de aprofundamento dos estudos de Vigotsky sobre esse elemento particular, associando-o à
temática de nosso interesse, compreendida pelo uso de jogos no
ensino da disciplina destacada. Nossa perspectiva é contribuir
para as discussões sobre a proposta de alternativas para que o
aluno aprenda a gostar de Matemática, saiba usá-la em contextos
diversos, associando os conhecimentos adquiridos na escola à sua
realidade, tornando-se um cidadão crítico e criativo.
REFERÊNCIAS
ALVES, E. M. S. A ludicidade e o ensino de matemática: uma prática
possível. Campinas, SP: Papirus, 2001. (Coleção Papirus Educação).
ÀRIES, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Livros
Técnicos e Científicos Editora S/A, 1981.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: Matemática/ Secretaria de Educação
Fundamental. Brasília: MEC/ SEF, 1997.
BRENELLI, R. P. O jogo como espaço para pensar: a construção de
noções lógicas e aritméticas. Campinas, SP: Papirus, 1996.
CARRAHER, T. N.; SCHLIEMANN, A. L. Na vida dez, na escola zero. São
Paulo: Cortez, 1988.
D’AMBROSIO, B. S. Como ensinar matemática hoje? Temas e Debates.
SBEM. Ano II. n. 2. Brasília, 1989. p. 15-19.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
ERIKSON, E. H. Infância e Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.
FIORENTINI, D.; MIORIM, M. A. Uma reflexão sobre o uso de materiais
concretos e jogos no ensino da matemática. São Paulo, n. 7, 2007.
Disponível em: <http://matematicahoje.com.br/telas/educ_mat/
artigos/artigos_view.asp?cod=15>. Acesso em: 15 abr. 2012.
FLEMMING, D. M.; LUZ, E. F.; MELLO, A. C. C. Tendências em Educação
Matemática. 2. ed. Palhoça, Santa Catarina: UNISUL Virtual, 2005.
GRANDO, R. C. O conhecimento matemático e o uso de jogos na sala
de aula. 2000. 224f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Campinas,
SP, 2000.
HUIZINGA, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. 7. ed.
São Paulo: Perspectiva, 2012. (Série Estudos)
KISHIMOTO, T. M. (Org.) Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação.
14.ed. São Paulo: Cortez, 2011.
__________. O Brinquedo na Educação: considerações históricas.
Disponível em: <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_07_
p039-045_c.pdf>. Acesso em: set. 2013.
LORENZATO, S. Para aprender matemática. 2. ed. rev. Campinas, SP:
Autores Associados, 2008. (Coleção Formação de Professores).
MACEDO, L.; PETTY, A. L. S.; PASSOS, N. C. Aprender com jogos e
situações-problema. Porto alegre: Artmed, 2000.
MENDES, I. A. Investigação Histórica no Ensino da Matemática. Rio de
Janeiro: Editora Ciência Moderna Ltda., 2009.
NUNES, T. et al. Educação Matemática 1: números e operações
numéricas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
PENTEADO, H. D. Jogo e formação de professores: videopsicodrama
pedagógico. In: KISHIMOTO, T. M. (Org.) Jogo, brinquedo, brincadeira e
educação. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2011. p.
Capa
Sumário
359
RÊGO, R. G; RÊGO, R. M. do; VIEIRA, K. M. Laboratório de ensino de
geometria. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.
SILVA, M. S. de. Clube de Matemática: Jogos educativos. Campinas, SP:
Papirus, 2004. (Série Atividades) .
SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I.; CÂNDIDO, P. Jogos de matemática de 1º ao 5º
ano. Porto Alegre: Artmed, 2007. (Série Cadernos do Mathema – Ensino
Fundamental)
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1989.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
CAPÍTULO 14
A PESQUISA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE
MATEMÁTICA: UMA COMPETÊNCIA ATUAL EM
QUESTÃO
Joselma Ferreira Lavôr de Lima90
Rogéria Gaudencio do Rêgo91
“Quando aprendi todas as respostas da vida,
mudaram as perguntas”.
Charles Chaplin
O século XXI despontou trazendo grandes e profundas transformações, tornando ciência, tecnologia e sociedade palavras “sinônimas” e polissêmicas. Uma “Nova Era” que impõe mudanças ao
processo educativo. Desvela-se no cenário mundial, desse modo,
a importância do contexto e da cultura nas aprendizagens e a ampliação dos espaços onde o conhecimento trafega. As mudanças
reafirmam a necessidade de se considerar a pesquisa como uma
premissa fundamental aos avanços dos aprendizes - professores e
estudantes- sendo proposto que transcendam, indo além do ensinar e aprender nos moldes em que muitos de nós fomos educados.
Para atuarmos em uma sociedade em que a produção, organização e socialização de conhecimento tem se intensificado,
90
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE/UFPB; Professora Pedagoga do IFPI, Campus Piripiri. E-mail: [email protected]
91
Professora Dra. Associado III do Departamento de Matemática/CCEN/UFPB e
do Programa de Pós-Graduação em Educação do CE/ UFPB. E-mail: [email protected].
Capa
Sumário
361
é imprescindível dotarmo-nos das habilidades e saberes que são
demandados neste século, dentre elas, saber lidar com o conhecimento científico. Nessa direção, cabe aqui suscitarmos uma questão basilar: estão nossos formadores sendo adequadamente preparados para ensinarem seus alunos, considerando a perspectiva
de formação com, para e pela pesquisa? Para isso, consideramos
que o saber inclui um saber o quê, como, por que e um para quê.
É importante enfatizar que os professores devem
assumir responsabilidade ativa pelo levantamento
de questões sérias acerca do que ensinam, como
devem ensinar, e quais são as metas mais amplas
pelas quais estão lutando. Isto significa que eles
devam assumir papel responsável na formação dos
propósitos e condições de escolarização. Tal tarefa é
impossível com uma divisão de trabalho na qual os
professores têm pouca influência sobre as condições
ideológicas e econômicas de seu trabalho. (GIROUX,
1997, p.161-162)
A formação de estudantes, em qualquer nível de escolaridade, demanda análises consistentes e aprofundadas, de modo
permanente, em especial no que diz respeito aos processos de
formação profissional docente. Nesse escopo, percebe-se, dentre
as muitas dificuldades inerentes ao currículo, lacunas quanto às
formas de aplicar e articular os saberes teóricos com a prática docente e, em particular, com a prática investigativa. Frente à necessidade cada vez mais iminente de os acadêmicos apreenderem e
compreenderem a complexidade da ação escolar e educativa, atualmente vem ganhando força o pressuposto da pesquisa como saber imprescindível na formação dos estudantes de todos os níveis
de escolaridade.
Assim, considerando o espaço formativo de graduandos, em
seus diversos contextos, em particular daqueles que exercerão a docência, faz-se necessário realizar estudos que tragam como eixo nor-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
teador não apenas a identificação quantitativa sobre quais saberes
docentes relativos à pesquisa são produzidos na prática, mas, sobretudo, como são mobilizados, construídos, aprimorados e valorizados
na formação de licenciandos, em uma perspectiva qualitativa.
Acreditamos ser de grande relevância nutrir nossas reflexões sobre a formação do professor de Matemática, procurando
analisá-la lançando um olhar para a prática da pesquisa como
metodologia de ensino e aprendizagem, pois o próprio Projeto
Nacional de Educação trata, na sua base de sustentação, sobre
a garantia que deve ser dada a todos os estudantes quanto a um
ensino que atenda ao princípio da liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber (Parecer CNE/CEB Nº: 7/2010).
É necessário refletirmos sobre os ambientes educacionais,
considerando-se que neles ainda se destacam as contraposições
entre teoria e prática e a influência de referenciais teóricos diversos,
sem um norte direcional ou perspectivas de mudanças efetivas,
enquanto sabemos que a escola é institucionalmente a maior
responsável, ao mesmo tempo, pela construção do conhecimento
sistematizado assim como pelo fracasso escolar.
Especialmente nas duas últimas décadas, tem sido enfatizado
um discurso que preconiza o investimento na formação de um professor que tenha internalizada a atitude de reflexão e investigação permanentes sobre sua prática profissional mediante a pesquisa.
Certamente seria ingenuidade acreditarmos que a formação inicial pode ser o único motor de profissionalização, mas é necessária também uma análise histórica do currículo dos Cursos de
formação docente, que, segundo Tardif (2008, p.63), oscilam em
três polos: “o metodológico, em que a ênfase fica nas técnicas e
nos instrumentos da ação; o disciplinar, centrado na mestria de
um saber e o polo científico (pedagógico) tendo como referência
as ciências da educação, enquadradas pelas ciências sociais e humanas, particularmente a psicologia”.
Capa
Sumário
363
Nessa linha de pensamento, concebemos o professor enquanto educador, considerando seu processo de formação como
algo que deve ocorrer continuamente, não de forma estanque e
acabada, abstraindo-se os rótulos de consumidor ou transferidor
de conhecimento, mas enfaticamente posicionando-o como aquele que possui potencial gerador.
No âmbito desses momentos criadores e de transformações, carece adaptar-se a um novo modo de conhecer, fazer, ser e
estar, numa perspectiva que salienta a importância da indagação
e o desenvolvimento do conhecimento a partir da relação próxima
entre teoria, prática, reflexão e pesquisa.
De acordo com Martins,
[S]erá motivo para atender, dessa forma, às orientações dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais),
para interessar e motivar os alunos pela investigação, pela descoberta, possibilitando que, aos poucos, construam conceitos corretos e válidos que os
ajudarão a transformar a realidade em que vivem
de acordo com suas necessidades (MARTINS, 2005,
p.07).
Consideramos, assim, o ato de pesquisar como aquele que
transcende a racionalidade e a ação sistêmica, que, por sua vez,
está imbuída de reflexividade, pois, em uma concepção freiriana
sobre a atuação docente, “formar é muito mais que preparar o ser
humano em suas destrezas” (FREIRE, 2001), é, sobremodo, atentar
para a necessidade de formação ética dos educadores, conscientizando-os sobre a importância de estimular os educandos a uma
reflexão crítica da realidade em que estão inseridos, pois a realidade do ensino produz-se num quadro bem diferente, no qual a
atitude reflexiva nem sempre está presente.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA
As propostas curriculares atuais para os Cursos de Licenciatura instituem a figura de um novo profissional, definido por um
conjunto de competências que só podem ser construídas na prática e na reflexão coletiva sobre ela. Nas reflexões de D’Ambrósio
(1998, p.21) ganha destaque, a priori, a “consciência como o impulsionador da ação do homem em direção à sua sobrevivência e
transcendência, ao seu saber fazendo e fazer sabendo”, chamando
nossa atenção às várias dimensões e interfaces que envolvem tanto a aquisição do conhecimento matemático quanto os processos
de formação do professor de Matemática.
D’Ambrósio afirma que
[O] conhecimento é o gerador do saber, que vai, por
sua vez, ser decidido para a ação, e, por conseguinte, é no comportamento, na prática, no fazer que
se avalia, redefine e reconstrói o conhecimento. O
processo de aquisição do conhecimento é, portanto, essa relação dialética saber/fazer, impulsionado
pela consciência, e se realiza em várias dimensões
(D’AMBRÓSIO, 1998, p. 21).
Ou seja, na relação entre conhecimento e saber, a prática
se destaca. As Diretrizes Curriculares para os Cursos de Licenciatura em Matemática, conforme o Parecer CNE (2001), apontam que
o professor egresso deve possuir uma adequada preparação para
sua atuação, onde a Matemática seja utilizada de forma essencial,
assim como para um processo contínuo de aprendizagem.
Deve-se criar o entrelaçamento entre trabalho, ciência, tecnologia, cultura e arte, por meio de atividades próprias às características
essenciais para o desenvolvimento da profissionalização e formação
docente, prevendo que estejam presentes os princípios norteadores
que contemplem a metodologia da problematização como instrumento de incentivo a pesquisa, a curiosidade pelo inusitado e ao de-
Capa
Sumário
365
senvolvimento do espírito inventivo, nas práticas didáticas.
É estabelecido, desse modo, que ao licenciando em
Matemática seja viabilizada a vivência crítica da realidade e uma
formação geral complementar envolvendo outros campos do
conhecimento, necessários ao exercício do magistério, baseados
na valorização da prática e uma nova visão sobre ela, enquanto
lugar, foco e fonte de pesquisa.
Contudo, ao abordarmos sobre os saberes e conhecimentos fundamentais para a formação do professor de Matemática, é
possível evidenciar posicionamentos que remetem a uma maior
valorização dos conhecimentos específicos da área, definindo-os
como prioritários e não apenas necessários, mas praticamente suficientes para o processo formador e identitário, em quase total
detrimento de outros.
É possível encontrarmos profissionais que têm a Matemática como área de competência e seu instrumento de ação, mas que,
embora lecionem, não atuam como matemáticos que utilizam a
educação para a divulgação de suas habilidades e de suas competências. Para Fiorentini e Lorenzato,
[O] matemático, por exemplo, tende a conceber a
matemática como um fim em si mesma, e, quando
requerido a atuar na formação de professores de
matemática, tende a promover uma educação para
a matemática, priorizando os conteúdos formais e
uma prática voltada à formação de novos pesquisadores em matemática (FIORENTINI; LORENZATO,
2009, p. 03).
Os mesmos autores afirmam que
[O] educador matemático, em contrapartida, tende
a conceber a matemática como um meio ou instrumento importante à formação intelectual e social de
crianças, jovens e adultos e também do professor de
matemática da Educação Básica, e por isso, tenta
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
promover uma educação pela matemática (FIORENTINI; LORENZATO, 2009, p. 03).
O que se percebe na atualidade é que há uma demanda
cada vez maior por educadores matemáticos que atuem como
estrategistas, que processam informação, tomam decisões, produzem conhecimento prático, e que são capazes de contrastar teorias sobre sua prática, ou seja, posicionar-se como intelectuais
pesquisadores, críticos e reflexivos e, que, por sua vez, possam potencializar o mesmo em seus alunos.
Ou seja, a realidade tem nos apontado que, na relação entre
educação e Matemática talvez não devamos colocá-la a serviço da
educação ou o contrário, tratando a questão de modo simplista, mas
estabelecer uma relação dialógica, e não dicotômica, entre elas.
Existem concepções que influenciam a atividade docente e,
nesse aspecto, alguns autores já levantaram questões fundamentais para falar sobre a formação desse professor: que Matemática
deve o licenciando estudar? Aquela da acadêmica ou a que é ensinada na escola? A diversidade de disciplinas e de metodologias abordadas pode contribuir para o aprofundamento dos debates que já
vêm sendo desenvolvidos, em documentos oficiais ou em fóruns de
Licenciaturas, sobre as reformulações curriculares nessa área?
A partir de indagações desse tipo, discussões surgem em
pesquisas realizadas em países como África do Sul, Estados Unidos, Israel, Dinamarca e diversas Ilhas do Pacífico (BORBA, 2010).
No Brasil, vivemos um momento de grande discussão sobre a formação inicial do professor e a valorização dos profissionais da
educação. Nessa perspectiva, vários pesquisadores juntam esforços para encontrar respostas aos problemas relativos a esse processo formador, tais como: Pimenta (2011); Lucena Lima (2006);
Anastasiou (2003); Veiga (2000); Fiorentini e Lorenzato (2009); Borba (2010), D’Ambrósio (2002), dentre outros.
Os trabalhos desenvolvidos apontam, como resultado,
Capa
Sumário
367
as relações dicotômicas, pois as ações didático-pedagógicas, ou
projetos educacionais voltados para a formação do professor de
Matemática, ainda apresentam dilemas, que, não raramente, também são evidenciados no Brasil.
Se antes as discussões sobre a formação de professores
de Matemática versavam prioritariamente sobre a dicotomia
entre os conhecimentos científicos e os de natureza didático-pedagógica, atualmente elas se ampliam, incluindo a busca
por possíveis respostas às indagações sobre qual Matemática
trabalhar na Licenciatura, distinguindo-se a escolar da Acadêmica ou Científica (MOREIRA; DAVID, 2005).
Qualquer que seja a direção da qual olhemos a formação
do professor de Matemática, as análises ainda apontam para a
necessidade de superação de polarizações, dicotomias e desarticulações existentes nas Licenciaturas, as quais desencadeiam no
processo de formação lacunas complexas.
De acordo com Borba,
[O] pressuposto subjacente é que tais focos matemáticos poderiam ser incluídos na formação matemática e no desenvolvimento profissional contínuo
dos professores, e isso fará diferença em suas habilidades para ensinar Matemática de maneira satisfatória. [...] é claro que a Matemática efetiva e apropriada à formação do professor permanece como
mais uma questão empírica a ser discutida (BORBA,
2010, p. 55).
D’Ambrósio (2002, p.19) destaca, ainda, a necessidade de
valorização e resgate da realidade vivida pelo aluno, possibilitando
a ampliação dessa realidade e permitindo que a Matemática ‘“saia
do seu patamar de verdade absoluta e exata” para se transformar
em um ato de criação humana, que emerge dos diferentes grupos
culturais’. O autor define a Materacia92 como sendo uma necessi92
É a capacidade de interpretar e analisar sinais e códigos, de propor e utilizar
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
dade para o exercício da cidadania e a elaboração de um currículo
em sintonia com o mundo moderno, onde o status da Matemática
dita oficial possa ser alvo de indagações sob a ótica das minorias
que possuem outras Matemáticas que podem e devem ser incorporadas aos currículos oficiais das escolas.
Tais proposições se referem a uma área com amplos e complexos saberes, na qual, mediante esse descortinar de possibilidades à formação do professor, apenas o conhecimento da Matemática e a experiência de magistério não garantem competência ao
profissional que nela atue, nem asseguram que os saberes para a
formação estão sendo construídos e consolidados com êxito no
percurso do processo de ensino-aprendizagem.
De acordo com Pais,
[N]a realidade quando se fala em competência, o
trabalho do professor de matemática envolve o desafio que consiste em realizar uma atividade que,
em um certo sentido, é inverso daquele do pesquisador. Enquanto para o pesquisador, o saber matemático é o seu principal objeto de estudo, na prática pedagógica, o saber escolar é um instrumento
educacional para a promoção existencial do aluno.
Na continuidade dessa caracterização do trabalho
docente, é preciso destacar a ideia de epistemologia
do professor de matemática (PAIS, 2002, p.32-33).
É notório que a atuação de professores para a Educação
Básica tem sido associada, ao longo dos tempos, a apostolado ou
sacerdócio, profissão a ser exercida com humildade e obediência,
e utilizada para legitimar o saber produzido no exterior da
profissão docente, através da vinculação de uma concepção de
formação/ação docente centrada na difusão e na transmissão do
conhecimento específico.
modelos e simulações na vida cotidiana, de elaborar abstrações sobre representações
do real. Adquire papel importante ao dar oportunidade ao outro de falar, de mostrar que
ele ou ela traz de seu cotidiano algo relevante. (D’AMBRÓSIO, 2002, p.67)
Capa
Sumário
369
Contudo, defendemos que o conhecimento produzido pelos professores em formação inicial, aqui em particular, o de Matemática, não pode estar divorciado do significado humano, sendo
necessário resgatarmos a dimensão subjetiva do saber, vê-lo como
algo a ser questionado, analisado e negociado, indispensável ao
autoconhecimento orientado em direção da formação crítica e capacidade de atuação no mundo.
Nesse sentido, é demandado, do professor de Matemática,
promover situações por meio das quais seus alunos compreendam
aquilo que estudam. Considerando a temática de nossa investigação,
para exemplificar vamos considerar as recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática, dirigido aos estudantes
dos quatro anos finais do Ensino Fundamental, para o campo do Tratamento da Informação. Sugere o documento que esse campo
[...] pode ser aprofundado neste ciclo, pois os alunos
têm melhores condições de desenvolver pesquisas
sobre sua própria realidade e interpretá-la, utilizando-se de gráficos e algumas medidas estatísticas. As
pesquisas sobre Saúde, Meio Ambiente, Trabalho e
Consumo etc., poderão fornecer contextos em que
os conceitos e procedimentos estatísticos ganham
significados (BRASIL, 1998, p.85).
Nesse contexto, ganha significado trabalhar a partir de dados de pesquisas sobre Saúde, Meio Ambiente, Trabalho e Consumo, dentre outros, por possibilitar a superação do ensino baseado
no estímulo à memorização, sendo que, para isso, é necessário o
investimento em atividades que estimulem os estudantes a se engajarem na discussão sobre qual tipo de representação traduziria
melhor os dados coletados, ou seja, falamos de uma leitura crítica
da realidade através da Matemática.
No campo do Tratamento da Informação, alguns conceitos e procedimentos envolvem diretamente procedimentos de
pesquisa, ou seja, espera-se que o estudante, ao final desse ní-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
vel de escolaridade desenvolva:
[...] Compreensão de termos como freqüência, freqüência relativa, amostra de uma população para
interpretar informações de uma pesquisa; Distribuição das freqüências de uma variável de uma pesquisa em classes de modo que resuma os dados com
um grau de precisão razoável; Obtenção das medidas de tendência central de uma pesquisa (média,
moda e mediana), compreendendo seus significados para fazer inferências. (BRASIL, 1998, p.90).
Os PCN apontam que, em relação ao trabalho com o Tratamento da Informação em sala de aula, “[O]utras formas interessantes
de explorar os conteúdos do tratamento da informação é por meio da
realização de pesquisas que tenham interesse para os alunos, como
o desenvolvimento físico (peso, altura, idade) de adolescentes e jovens”. (BRASIL, 1998, p.135). O documento orienta o professor que,
[A]o propor o trabalho com pesquisas é preciso mostrar ao aluno que nesse tipo de atividade é importante levar em conta alguns aspectos: definir clara
e precisamente o problema, indicando a população
a ser observada e as variáveis envolvidas; decidir se
a coleta dos dados será por recenseamento ou por
amostragem; fazer uma análise preliminar das informações contidas nos dados numéricos que possibilite uma organização adequada desses dados,
a observação de aspectos relevantes e a realização
de cálculos. Além disso, é preciso encontrar as representações mais convenientes para comunicar e
interpretar os resultados, obter algumas conclusões
e levantar hipóteses sobre outras. (BRASIL, 1998,
p.135).
Ou seja, “[N]o desenvolvimento de um trabalho de pesquisa os alunos terão oportunidade de construir o conceito de amostra quando se discutir a possibilidade de fazer um recenseamento
Capa
Sumário
371
ou não com toda a população a ser pesquisada. Nesse caso, deverão ser tomadas decisões para indicar os critérios de escolha da
amostra. (BRASIL, 1998, p.135).
Nesse sentido, é relevante “abrirmos um leque” de outras
inquirições: se o licenciado deve desenvolver é a capacidade de
organizar uma atividade investigativa voltada para os alunos do
Ensino Fundamental, como poderão ensiná-la se não aprenderem
a pesquisar? Quais os elementos e momentos que proporcionam
o desenvolvimento da capacidade investigativa, que possibilite ao
licenciando aprender a ser um investigador e a utilizar a pesquisa
como estratégia de ensino-aprendizagem?
Preocupa-nos evidenciar que, enquanto as Instituições de
Ensino Superior se prendem a metodologias tradicionais que não
atendem aos anseios dos estudantes e demandas sociais atuais, a
relação ensino e aprendizagem é vista e se processa como ações
concebidas separadamente, sendo que aprender, ensinar, pesquisar, investigar e avaliar ocorrem de modo indissociável.
Portanto, para a formação inicial e continuada dos professores, é central levar em conta a relevância dos domínios indispensáveis ao exercício da docência, que, conforme disposto,
por exemplo, na Resolução do Conselho Nacional de Educação Conselho Pleno nº 1, de 15 de maio de 2006, “a pesquisa, a análise e
a aplicação dos resultados de investigações de interesse da área educacional” devem estar no núcleo do processo formador e de profissionalização, por se tratarem da definição de princípios, condições
de ensino e de aprendizagem, bem como procedimentos a serem
observados em seu planejamento e avaliação, pelos órgãos dos sistemas de ensino e pelas instituições de educação superior do país.
A formação desse profissional da educação deve promover
o desenvolvimento da compreensão sobre o que é Matemática,
bem como fazê-lo ter clareza em relação ao que representa a atividade matemática, seu processo de ensino, levando-se em conta
também o que se constitui um ambiente propício à aprendizagem
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
matemática. O futuro professor deve aprender novas estratégias
de desenvolvimento daquilo que ensina, buscando alternativas
como, por exemplo, a valorização das experiências matemáticas
vivenciadas fora da escola.
O processo de ensino-aprendizagem tradicionalmente desenvolvido nas instituições de ensno, concebido em uma época
em que a estrutura familiar e social e, principalmente, os valores
éticos e morais eram outros, tem sido ineficiente. O que nos propomos a ensinar mostra-se desinteressante para os estudantes, cujas
motivações refletem as transformações sociais e econômicas que
o mundo vem vivenciando.
De acordo com as Diretrizes Nacionais para os Cursos de
Matemática, Bacharelado e Licenciatura (Parecer N.º: CNE/CES
1.302/2001), as Instituições de Ensino Superior devem garantir que
o egresso tenha múltiplas visões sobre seu papel social de educador, sobretudo, que a ele seja garantida a capacidade de se inserir
em diversas realidades, contribuindo para que a aprendizagem da
Matemática possibilite formar cidadãos críticos, ao passo em que o
licenciado deve demonstrar que desenvolveu a habilidade de “identificar, formular e resolver problemas na sua área de aplicação, utilizando rigor lógico-científico na análise da situação-problema”.
A base regulamentadora para esse processo de formação
docente impõe um grande desafio ao instituir que esse educador
“consciente de seu papel na superação dos preconceitos, traduzidos
pela angústia, inércia ou rejeição, que muitas vezes ainda estão presentes no ensino-aprendizagem da disciplina, deve levar o conhecimento matemático de forma acessível a todos”.
Embora muito já se tenha avançado na elaboração dos
documentos e nas discussões sobre formação de professores de
Matemática, precisamos refletir sobre o fato de que os problemas
das licenciaturas não serão resolvidos apenas com mudança curricular, ou “atualizações” dos Projetos Pedagógicos dos Cursos. É
necessário considerar a complexidade que caracteriza a constru-
Capa
Sumário
373
ção de saberes e valores construídos, em um processo que está
diretamente relacionado com experiências práticas e vivências ao
longo da Graduação.
Se nos ativermos, nesse contexto, ao que está estabelecido nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), evidenciamos que o papel do professor de Matemática ganha múltiplas
dimensões, que vão desde a necessidade de ser um mediador entre o conhecimento matemático e o aluno, a um organizador da
aprendizagem, estimulando a cooperação, sendo capaz de compreender as mudanças pelas quais os alunos estão passando.
Na formação dos futuros docentes de Matemática, entendemos que o formar para, com e pela pesquisa devem estar na pauta, considerando as razões até aqui expostas e as que ainda estão
em processo de construção em nossa investigação93. Defendemos
anteriormente, e aqui retomamos a ideia de que o processo de formação pela pesquisa, visando preparar o futuro professor para ser
capaz de trabalhar com seus alunos nessa mesma direção, deve
perpassar toda a trajetória de formação inicial dos licenciandos.
Sabemos ser difícil superar visões tradicionais e sedimentadas, mas essa superação é fundamental para que fragilidades conceituais sejam evitadas, pois a prática da pesquisa exige esforço teórico,
não podendo ser pensada essa possibilidade de trabalho em sala de
aula apenas como um rol de passos ou técnicas a serem seguidos.
A PRÁTICA DA PESQUISA COMO PROCESSO DE ENSINO
Para explicarmos essa tendência de valorização da pesquisa no processo de ensino, é necessário retomarmos alguns pressupostos acerca da concepção de ensino e de professor, bem como
o fato de que, para o êxito de uma pesquisa, alguns requisitos são
93
Formação do professor de matemática: um olhar sobre a construção dos
saberes da pesquisa. Orientadora: Drª Rogéria Gaudencio do Rêgo.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
indispensáveis, como, por exemplo, a curiosidade, a criatividade e
a disciplina. É o aspecto disciplinar que ganha destaque nos métodos adotados nas pesquisas científicas, que auxiliam a compreender o processo investigativo. Ele representa o conjunto de processos adotados para investigar de forma ordenada e processual, em
um caminho favorável ao alcance dos objetivos propostos.
Pensando-se na sala de aula da Educação Básica, os objetivos
identificados pelos alunos para uma pesquisa a ser por eles desenvolvida, devem, em certa medida, estar em sintonia com os objetivos
que o professor tem em relação aos conteúdos, na forma de conceitos
e procedimentos, que ele pretenda que os alunos aprendam ao desenvolverem essa atividade. Ou seja, uma pesquisa, proposta como
estratégia de ensino, não deve ser um fim em si mesma, mas proporcionar que se alcance os objetivos de ensino para cada nível de escolaridade, nos mais diferentes campos de conhecimento.
Entendemos que qualquer definição ou discussão aprimorada sobre pesquisa, como proposta de ensino, requer uma reflexão fundamental acerca da relação entre teoria e prática, entre
conceituação e aplicação, entre reflexão e vida real. Vale ressaltar,
ainda, que muitos termos e conceitos quando inseridos no contexto da educação, retirados de um âmbito diferente do originalmente proposto, pode gerar deturpações, como, por exemplo, pensar
que a pesquisa é um fim.
Nossa defesa é que a pesquisa pode ser, primordialmente,
um meio, e que, embora em alguns casos seja necessário seguir
procedimentos já estabelecidos e conhecidos, o aluno precisa
ser estimulado e motivado a, mesmo partindo de passos iniciais
imitativos e limitados, avançar na autonomia, na produção de estratégias próprias, o que inclui a capacidade de se expressar, de
confrontar informações, de tomar iniciativa e construir espaços
próprios de participação.
Embora a maior parte de nossas discussões possa ser generalizada para a maioria das disciplinas escolares desenvolvidas
Capa
Sumário
375
na Educação Básica, nossa temática envolve particularmente o
ensino de Matemática, considerando os elementos que já foram
expostos, presentes em documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais para a área, quanto ao que se propõe trabalhar
nesse nível de escolaridade, em relação à pesquisa.
Temos muito, porém, o que avançar nessa direção, pois,
em se tratando da Matemática enquanto componente curricular,
ainda predomina a ideia relacionada ao cumprimento de um amplo conjunto de conteúdos, dentro dos limites da carga horária.
Nessa visão, os alunos parecem condenados a memorizar fórmulas e regras, e a ideia de pesquisa, com menos amarras conteudinais, estimulando a curiosidade e o questionamento construtivo e
reconstrutivo, se torna algo distante da realidade.
Pensando na formação inicial dos professores para desenvolverem essa prática em suas salas de aula, cabe uma indagação
pertinente: o que é o “espírito investigativo”, sempre mencionado
e destacado em vários documentos que regem essa formação?
Embora seja difícil defini-lo, poderíamos a priori responder que se trata de algo repleto de subjetividade e que parece
apontar para mais um grande desafio: a dificuldade metodológica de unir a pretensão científico-tecnológica como legado humanista da educação, com sujeitos históricos capazes de autoconstrução. Se considerarmos que as Ciências não compreendem
apenas estoques ou o resultado do acúmulo de saberes cristalizados, mas inovação como processo para a formação do espírito
investigativo, decorre daí um o obstáculo constituído pela superação do conhecimento puramente empírico.
Esse aspecto relativo à formação de professores, nos cursos de licenciatura, descortina cada vez mais a importância da
iniciação científica dentro das instituições de ensino superior e,
consequentemente, à necessidade de oferecer ao acadêmico um
ambiente de formação direcionado ao desenvolvimento da investigação como forma de ensinar e aprender, intermediada por situ-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
ações que exigem envolvimento e participação ativa. No âmbito
dessa superação, oportuniza-se desvelar o que é o espírito investigativo e onde ele pode repousar.
Nesta direção, torna-se importante enfatizar que a superação das primeiras experiências, baseadas em conhecimento puramente empírico, pode estar na ênfase que se dá às metodologias
de ensino adotadas em sala de aula. Em particular destaca-se a
pesquisa, com o intuito de formar as pessoas por meio de múltiplas formas e métodos de abordar a realidade educativa, tendo
por base diferentes pressupostos, como, por exemplo, os valores
que queremos que sejam destacados e a relação do sujeito com o
objeto de conhecimento.
Como ressalta Chauí,
377
Sendo o homem um ser político, ao utilizar um método
científico ou uma maneira de ensinar, o faz por acreditar que esse
caminho o conduzirá aos objetivos almejados. Essa escolha, por
sua vez, está relacionada a uma forma de pensar, às suas ideias,
concepções e filosofias. Assim, toda ação humana é carregada de
intenções, que, por sua vez, são definidas de acordo com uma determinada concepção de homem e educação e sustentam a forma
como vemos o mundo. Do processo de formação de um espírito investigativo fazem parte, portanto, a instituição de uma educação e
de uma cultura científicas, que envolvem os elementos presentes
no esquema da Figura 01.
Figura 01 - Educação científica e cultura científica
[A] pesquisa, como investigação de algo, lança-nos
na interrogação, pede reflexão, crítica, enfrentamento com o instituído, descoberta, invenção e criação. É um trabalho de pensamento e da linguagem
para pensar e dizer o que ainda não foi pensado nem
dito, uma visão compreensiva de totalidade, ação
civilizatória contra a barbárie social e política, em
que a reflexão, a crítica, o exame de conhecimentos
instituídos possibilitam sua mudança e sua superação (CHAUÍ, 2001, p.222).
Pensar sobre o espírito investigativo é certamente também
refletir sobre o enfrentamento com o instituído, descoberta, invenção e criação. É a possibilidade de mudança e superação. Quanto
a esse aspecto, precisamos destacar a necessidade de enfrentamento aos desafios apresentados em relação aos saberes da pesquisa na formação de professores. A também desafiadora trilogia
Ensino, Pesquisa e Extensão, precisa ser revista, pois, como afirma
Demo (2012), um conceito adequado de pesquisa é capaz de absorver os outros dois e redirecionar as instituições de ensino, particularmente as Universidades, para o comando da modernidade.
Capa
Sumário
Fonte: elaboração da primeira autora
A educação e a cultura, elementos base e característicos de
qualquer sociedade, encontram-se em uma relação direta, indissociável e intrínseca, contudo, a educação pode ser o mais eficiente
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
caminho para estimular a consciência cultural do indivíduo, começando pelo reconhecimento e apreciação da cultura local, ampliada
posteriormente para esferas mais gerais. Educação e cultura constituem, também, a base de sustentação da instituição efetiva de uma
formação científica nas escolas, em todos os níveis, compreendida
como umas das habilidades demandadas pelas rápidas mudanças
que caracterizam o final do século XX e início do século XXI.
Nesse prisma, a educação científica de uma sociedade pode
ser melhor desenvolvida, avançar com qualidade e de forma mais
visível, se cuidarmos bem da formação de nossos professores, preparando-os para a superação do instrucionismo dominante nas instituições de ensino. Um caminho que se abre para aproximar educação e cultura pressupõe a articulação da escola com a pesquisa, em
um canal de acesso às várias formas e locais de geração de conhecimento, equipamentos e projetos, de forma que esta aliança traga
um impacto positivo efetivo na aprendizagem dos estudantes, nos
mais diferentes níveis e modalidades de escolaridade. Na promoção da educação científica em um período da
história da humanidade marcado por uma intensiva produção e
socialização de conhecimento, o desafio maior é não mais apenas
“transmitir” informações, mas acessar, gerar, organizar conhecimento, posicionar-se criticamente frente ao que se lê, vê e se estuda. Passamos de um paradigma reconstrutivo técnico para um
novo paradigma, baseado no desenvolvimento de novos saberes e
habilidades. Trata-se de enfrentar o desafio da autoria, individual
e coletiva, de construir oportunidades, o que se torna mais viável
quando o sujeito não depende de que outros as inventem. Isso é
reflexo de encontrar, ter, sentir e mobilizar o espírito investigativo.
Essa mobilização pode ocorrer no cotidiano de sala de aula,
promovendo a associação de ações práticas e estudos teóricos,
por meio de propostas adequadas a cada nível de escolaridade,
em pesquisas cujas temáticas sejam de seu interesse e promovam
seu crescimento cognitivo, intelectual e afetivo. Os registros das
Capa
Sumário
379
descobertas, conclusões e dúvidas, por meio de relatórios ou resumos teórico-reflexivos, podem auxiliar a mudar também a perspectiva tradicional de avaliação no ensino.
Essa prática ajudará aos estudantes no reconhecimento de
que atualmente, seja qual for a área de conhecimento, a escrita é
uma exigência em praticamente todas as ações, mas sobretudo,
para começar a instituir uma cultura científica e estimular a produção autônoma e crítica.
Com isso, é relevante alertar que pesquisa não significa
apenas produção elitista de conhecimento, mas, principalmente,
pode possibilitar procedimentos mais exitosos de ensino-aprendizagem, sendo ela “princípio científico, mas igualmente princípio
educativo” (DEMO, 2011, p.40). É fundamental tomar a educação
científica como parte da formação do aluno em uma estrutura que
ocorra conjuntamente com o processo de construção de conhecimento, ou seja, educar pela pesquisa, que implica em educar pesquisando e pesquisar educando.
A instituição e fomentação da formação científica de nossos estudantes podem ser dinamizadas acentuando-se os aspectos
relativos à construção da autoria e autonomia. Essas capacidades
habilitam o sujeito a não ficar estático frente aos aparatos técnico
(prático) ou teórico, mas possibilita que ele possa se posicionar, considerando a necessidade de tomadas de decisão, aplicando seus saberes teóricos e práticos na resolução dos mais variados problemas.
As bases da cultura científica residem no vínculo da pesquisa à formação discente, de modo que o processo de construção do
conhecimento se dê na medida em que o aluno aprende a lidar com
a elaboração de problemas de investigação; a selecionar métodos,
planejar e executar uma pesquisa; a analisar e delimitar conclusões,
em um cenário de aprendizagem onde possa argumentar e contra
argumentar; a fundamentar com autoridade/propriedade, ao tempo em que estará não só “fazendo ciência”, mas igualmente deixando o espírito investigativo lhe conduzir à construção da cidadania.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Essa visão com certeza se distancia das expectativas de formação apenas para a atuação no mercado de trabalho que, invariavelmente, não leva em conta o desafio da formação cidadã, mas
se reduz a uma educação e cultura como estratégia de enfrentamento da competitividade em nível global. Como lembra Demo,
[...] em termos práticos, educação científica aponta para a necessidade urgente de recuperar nosso
atraso na esfera das ciências e que aparece em inúmeras dimensões: falta de professores básicos em
matemática e ciências; licenciaturas consideradas
ineptas e obsoletas; desempenho mais que pífio dos
alunos nessas áreas; afastamento e desapreço comum dos pedagogos frente à matemática e às ciências; atraso lancinante da pedagogia nesta parte,
sem falar no desconhecimento dos desafios virtuais
(DEMO, 2012 p.66).
Almeja-se por uma prática que leve a uma postura de valorização não apenas dos resultados obtidos, mas de todo o processo, do qual fazem parte tentativas e erros, aproximações e distanciamentos, permitindo que o aluno se perceba como um elemento
central no processo de geração de seu conhecimento. Não diferente desse fato, é como Lüdke (2001) destaca sobre a necessidade
de lembrar a importância que a prática de pesquisa pelo professor
confere ao conhecimento por ele produzido.
Nossa investigação não trata de apontar culpados ou atribuir os problemas aos docentes de qualquer nível de escolaridade, mas pensarmos sobre a estrutura atual dos sistemas de ensino, ainda predominantemente voltados para o instrucionismo.
Entretanto, precisamos pensar que essas posturas e princípios
vigentes, em particular em muitos espaços de formação inicial
de licenciandos, podem ser considerados como ponto de partida
e desafios de superação, na busca do exercício pleno do pensamento. Como afirma Contreras,
Capa
Sumário
381
[A] competência profissional se refere não apenas
ao capital de conhecimento disponível, mas também aos recursos intelectuais de que se dispõe com
objetivo de tornar possível a ampliação e desenvolvimento desse conhecimento profissional, sua flexibilidade e profundidade. A análise e reflexão sobre a
prática profissional que se realiza constitui um valor
e um elemento básico para a profissionalidade dos
professores. Um professor não pode se tornar competente naquelas facetas sobre as quais não tem ou
não pode tomar decisões e elaborar juízos arrazoados que justifiquem suas intervenções (CONTRERAS,
2002, p.83-84).
Ou seja, mais do que uma competência intelectual, que,
por sua vez, não é somente técnica, é fundamental haver também
compromisso ético e social, fundamentais para a análise, diagnóstico dos problemas e para o seu tratamento e solução. Esse
processo de formação exige um espaço onde se possa saborear o
conhecimento em questão, e esse sabor seja percebido pelos alunos e pelo docente na lida cotidiana profissional, de forma fundamental por meio da pesquisa, e continuamente socializado com
seus pares na sala de aula. É exatamente para isso que os saberes
incluiem um saber o quê, como, por que e um para quê.
Na análise de Fiorentini e Lorenzato (2009, p.49), traduzindo essa realidade para o contexto da formação de professores de
Matemática, os estudos sobre os saberes profissionais desse docente, até início dos anos 1990, têm revelado baixos níveis de compreensão e domínio do conhecimento matemático a ser ensinado.
Relacionado a esse problema, continua em alta o debate
sobre que tipo de conhecimento matemático deve ter o professor
e como deve combiná-lo com o conhecimento pedagógico. Contudo, estamos certas de que nossa investigação não pode decidir sobre isso, mas pode contribuir para aprofundar nosso entendimento sobre a formação do professor de Matemática para lidar com
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
a mobilização de conhecimento quando atuam em sala de aula,
considerando as demandas de formação pela pesquisa.
O valor educacional na formação profissional e na aquisição do conhecimento se expande na medida em que o estudante
compreende os vínculos do conteúdo estudado com o seu contexto, ou seja, na articulação entre as diversas disciplinas, assim
como em relação às situações do cotidiano e à própria contextualização do saber.
Para caminhar nesse sentido, do lado da demanda, correspondendo a essa lógica, é fundamental considerar o ensino como
atividade integrada à investigação, desenvolvendo-se habilidades
de pesquisa que se integrem aos processos formativos, “superando uma iniciação científica que, por vezes, isola o estudante do
curso e inviabiliza um processo de investigação, análise, compreensão e interpretação dos conhecimentos e de seus fundamentos
e métodos nas diversas dimensões” (PIMENTA, 2011, p.23).
Assim, é notória a importância da formação inicial para o
desenvolvimento da percepção, construção e organização de diversos saberes docentes, que, de forma conjunta, se manifestarão
e exercerão influência, dia após dia, no processo de ensino. Dessa
forma, existe a necessidade de os novos professores compreenderem a Matemática como uma disciplina de investigação, que cumprirá esse propósito, desde que situações mobilizadoras ocorram,
como, por exemplo, através do estímulo às atividades de pesquisa
e de resolução de problemas.
Uma vez que o conhecimento profissional não pode se sistematizar, consistentemente, na ausência de processos de formação, é nessa etapa inicial da profissionalização docente em que as
instituições formadoras devem promover a construção dos saberes docentes de maneira que os graduandos possam relacionar
aqueles já validados cientificamente e os que estão em processo
de construção.
Capa
Sumário
383
REFERÊNCIAS
ANASTASIOU, L. das G. C. Ensinar, aprender, apreender e processos
de ensinagem. In: ANASTASIOU, L. das G. C.; ALVES, L. P. Processos de
ensinagem na universidade. Joinville, SC: Editora Univille, 2003. p.
BRASIL, Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais
para os Cursos de Matemática, Bacharelado e Licenciatura. Parecer
normativo N.º: CNE/CES 1.302, de 6 de novembro de 2001. Brasília: MEC,
2001.
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação
Básica – Parecer CNE/CEB Nº:7/2010. Brasília: Ministério da Educação Conselho Nacional de Educação, 2010.
BORBA, M. de C.; ARAÚJO, J. de L. (Org). Pesquisa qualitativa em
educação matemática. 5. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. 118 p.
CHAUÍ, M. Escritos sobre a Universidade. São Paulo: ED. Unesp, 2001.
CONTRERAS, J. A autonomia dos professores. São Paulo: Cortez, 2002.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Conselho Pleno. Resolução CNE/
CP n. 1/2006, de 15 de maio de 2006. Institui Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura.
Brasília, 2006.
D’AMBRÓSIO, U. Etnomatemática: elo entre as tradições e a
modernidade. 2. ed. Belo horizonte: Autêntica, 2002.
_____________. Educação Matemática: da teoria à prática. 23. ed.
Campinas, SP: Papirus, 1998.
DEMO, P. Desafios modernos da educação. 11. ed. Petrópolis: Vozes,
2012.
______. Educação e Alfabetização científica. Campinas, SP: Papirus,
2010.
385
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
______. Pesquisa: Princípio científico e educativo. 14. ed. São Paulo:
Cortez, 2011.
FIORENTINI, D.; LORENZATO, S. Investigação em educação
matemática: percursos teóricos e metodológicos. 3. ed. Campinas, SP:
Autores Associados, 2009.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
GIROUX, H. A. Os professores como intelectuais: rumo a uma
pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
MARTINS, J. S. Projetos de Pesquisa. Estratégias de ensino e
aprendizagem em sala de aula. Campinas, São Paulo: Armazém do Ipê,
2005.
MOREIRA, P. C.; DAVID, M. M. M. S. A formação matemática do
professor: licenciatura e prática docente. Belo Horizonte: Autêntica,
2005. 120p.
PAIS, L. C. Didática da Matemática: uma análise da influência francesa.
2. ed. Belo HORIZONTE: Autêntica, 2002.
PIMENTA, S. G.; ALMEIDA, M. I. de. Pedagogia Universitária: Caminhos
para a formação de professores. São Paulo: Cortez, 2011.
PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e Docência. São Paulo: Cortez,
2006.
TARDIF, M.; LESSARD, C. O ofício de professor. História, perspectiva e
desafios internacionais. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
VEIGA, I. P. A. (Org.). Pedagogia universitária: a aula em foco. São
Paulo: Papirus, 2000.
CAPÍTULO 15
O ENSINO DE MATEMÁTICA NO BRASIL
Alissá Mariane Garcia Grymuza94
Rogéria Gaudencio do Rêgo95
As disciplinas que hoje compõem a estrutura programática
sugerida para a Educação Básica, nem sempre foram organizadas
no Brasil do modo como conhecemos hoje e o conhecimento acerca do registro de determinado conjunto de conteúdos em documentos que regulamentam ou orientam o sistema educacional,
ajuda a entender sua constituição e dinâmica atual.
Nosso olhar se debruça sobre o conjunto de disciplinas independentes que, no início do século XX, seria organizado em uma única disciplina, denominada Matemática. Na última década do mesmo
século, embora continuasse sendo uma disciplina única, ela passaria
a ser organizada por blocos temáticos, nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), elaborados pelo Ministério da Educação (MEC).
Embora sem a força de lei, tais documentos visaram nortear professores e instituições na direção da organização do ensino na Educação Básica e passaram a ser referência para diversas
outras práticas e projetos educativos, a exemplo da avaliação de
livros didáticos da área.
94
Mestre do Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE/UFPB; Professora
de Educação Básica de Matemática. E-mail: [email protected]
95
Professora Dra. Associado III do Departamento de Matemática do Centro de
Ciências Exatas e da Natureza da Universidade Federal da Paraíba e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação do CE/ UFPB. E-mail: [email protected]
Capa
Sumário
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Nos PCN a Matemática foi estruturada em quatro blocos temáticos: Números e Operações; Espaço e Forma; Grandezas e Medidas e Tratamento da Informação, aos quais estão relacionados
conceitos, procedimentos e atitudes consideradas relevantes para
a formação do aluno, em cada campo, sendo o último citado aquele sobre o qual centramos nossa atenção.
O eixo do Tratamento da Informação é compreendido pelo
estudo de Estatística, Probabilidade e Combinatória, os quais tem
fundamental importância para a formação do aluno, uma vez que
fornecem subsídios para a compreensão e leitura das mais diversas informações veiculadas cotidianamente, seja na Internet, em
periódicos específicos (jornais e revistas), e nas mídias em geral.
Além disso, o Tratamento da Informação potencializa tanto
a conexão interna de conteúdos matemáticos, como o estabelecimento de pontes com outras disciplinas, e em nosso texto tratamos do percurso histórico do ensino de conteúdos do campo
destacado no Brasil, no período que vai da educação desenvolvida
pelos jesuítas até a atualidade.
O ENSINO DE MATEMÁTICA: DOS JESUÍTAS
ÀS REFORMAS POMBALINAS
O ensino na época do Brasil-colônia estava sob o comando
dos padres da Companhia de Jesus, que eram os únicos responsáveis pela educação no país. No ensino básico, também denominado de ensino inferior, eram desenvolvidas lições de retórica,
humanidades e gramática, deixando-se para o ensino superior o
ensino das Ciências, em que se estudavam elementos matemáticos, ainda que de forma restrita, nos cursos de Filosofia e Ciências
ou de Artes (MIORIM, 1998).
De acordo com Miorim, a Matemática não era bem vista pelos padres jesuítas, afirmando ela que “[O]s estudos das relações
Capa
Sumário
387
misteriosas entre números e entre estes e as letras – a gematria96
– inquietavam os religiosos.” (MIORIM, 1998, p. 82). Mesmo assim,
seu estudo foi incentivado em alguns poucos grupos escolares,
que promoviam o ensino das quatro operações.
Isso se deu em razão do empenho de alguns mestres, influenciados pela revolução cartesiana97, culminando os seus esforços com a fundação da Faculdade de Matemática, no Colégio
de Salvador, na Bahia, que mantinha o curso de Artes e Filosofia,
conduzindo seus alunos ao grau de bacharel ou licenciado.
De acordo com Silva,
[...] o ensino das Matemáticas iniciava com Algarismos ou Aritmética e ia até o conteúdo matemático
da Faculdade de Matemática (onde se estudava,
dentre outros tópicos: Geometria euclidiana, Perspectiva, Trigonometria, alguns tipos de equações
algébricas, Razão, Proporção, Juros), que fora fundada em 1757. (SILVA, 1998, s/p)
Notadamente, eram poucos os tópicos de Matemática trabalhados nos cursos superiores, enfatizando-se os conteúdos vinculados aos eixos temáticos intitulados de Números e Operações e Espaço e Forma, considerando-se a organização dos PCN. Usava-se a
denominação “ensino das Matemáticas”, em referência aos tópicos
de conteúdos independentes que eram, então, ministrados.
A expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1750, foi provocada
pela ascensão do novo rei, Dom José I, ao trono de Portugal. Com
a nomeação posterior do Marquês de Pombal como ministro, tiveram início as reformas pombalinas, de ordem administrativa,
econômica e educacional, as quais repercutiram em todo o reino
de Portugal e seus domínios. Ao que concerne à educação, as reformas procuraram reestruturar o ensino, introduzindo as aulas
96
Vulgarmente conhecida como Numerologia. (MIORIM, 1998);
97
Tentativa de Descartes de geometrizar a Natureza, ou seja, aplicar a Álgebra
em todo e qualquer problema geométrico. (MIORIM, 1998)
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
régias a serem mantidas pela Coroa.
Um dos objetivos era, de acordo com Maciel e Shigunov
Neto (2006, p.470), promover “a total destruição da organização
da educação jesuítica e sua metodologia de ensino, tanto no Brasil
quanto em Portugal”, uma vez que, segundo esses mesmos autores, “os jesuítas representavam um obstáculo e uma fonte de resistência às tentativas de implantação na nova filosofia iluminista
que se difundia rapidamente por toda a Europa” (MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2006, p.470).
As aulas régias caracterizavam-se por aulas de disciplinas
isoladas, sem nenhuma articulação entre si, sendo estipulado um
currículo em que os estudos menores, que compreendiam o ensino primário e secundário, apresentavam abordagem clássico-humanista, com: Aulas de ler, escrever e contar; Latim; Grego; Retórica; Filosofia Racional e Moral (SAVIANI, 2011).
Quanto à Matemática, ensinada nas Aulas de ler, escrever e
contar, esta era direcionada apenas ao ensino das quatro operações
aritméticas. Todavia, as disciplinas de Aritmética, Álgebra e Geometria começaram a serem ministradas, mesmo fora do currículo padrão e com pouca procura por parte dos alunos (MIORIM, 1998).
Mas foi nos estudos maiores, correspondentes ao atual ensino superior, que as mudanças provocaram maior repercussão na
Matemática, principalmente com as reformas da Universidade de
Coimbra, que buscava orientar os intelectuais e admiradores do
convívio cultural português na ideologia iluminista (SAVIANI, 2011).
Para ingressar no curso de Matemática, segundo Saviani
(2011), o aluno deveria ter no mínimo 15 anos e ter concluído o ensino secundário. No primeiro ano cursava aulas de Filosofia Moral
e Racional; História Natural; Física Teórica e Experimental; e Química Teórica e Prática. Posteriormente matriculava-se no curso de
Matemática, cursando, no segundo ano, as disciplinas de Geometria, Cálculo, Ciências Físico-Matemáticas e Astronomia.
Dessa forma, observa-se que, até então, os conteúdos de
Capa
Sumário
389
Matemática não eram abordados no ensino regulamentar dos estudos menores, cabendo ao interesse de algum aluno a opção por
esses cursos extras. Além disso, nos estudos maiores as disciplinas
de Matemática eram ensinadas na forma de blocos isolados.
Conteúdos dos atuais eixos temáticos Números e Operações e Espaço e Forma, eram abordados nas disciplinas de Matemática, enquanto conteúdos do atual campo das Grandezas e
Medidas eram discutidos, parte no curso de Geometria e parte nos
cursos de Ciências Físico-Matemáticas e Astronomia.
Quanto aos conteúdos vinculados ao atual campo do Tratamento da Informação, não foram encontrados registros na bibliografia pesquisada, que nos permitissem identificar sua presença
no ensino das disciplinas de Matemática, na época destacada.
Maciel e Shigunov Neto (2006) explicam que as reformas
pombalinas, na área de Educação, não lograram êxito em razão da
grande carência de profissionais qualificados para atuarem como
professores, tanto em Portugal quanto nas colônias. No Brasil, os
primeiros cursos dirigidos à formação de professores, foram as Escolas Normais, criadas 27 anos após a chegada da família real ao
Brasil (WOLSKI; SOARES; BRANDT, 2012).
Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, surgia
o interesse na organização de centros de formação, com a criação
de cursos moldados nas aulas régias, cujo objetivo era preparar
pessoas para atuar na administração e defesa militar do reino. Isso
trouxe para o Brasil, agora Império, um crescimento expressivo no
número de colégios, em nível secundário e superior, bem como a
melhoria de sua qualidade. Destacava-se, entre eles, o Colégio Pedro II, no qual, em 1837,
[P]ela primeira vez, foi apresentado um gradual e integral de estudos para o ensino secundário, no qual
os alunos eram promovidos por série, e não mais por
disciplinas, e obtinham, ao final do curso, um título
de bacharel em Letras, que lhes garantia a matrícula
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
em qualquer escola superior, sem a necessidade de
prestar exames. (MIORIM, 1998, p. 87)
De acordo com Miorim,
As matemáticas – aritmética, geometria e álgebra
– tiveram, assim, seu lugar garantido e apareceram
em todas as oito séries do curso. Nesse primeiro plano de estudos, a aritmética compareceu nas três primeiras séries; nas duas séries seguintes estudava-se
a geometria, na sexta série, a álgebra, e, nas duas
últimas séries, reservavam-se respectivamente seis
e três lições para Matemática. (MIORIM, 1998, p. 87)
Com a fundação da Academia Militar do Rio de Janeiro, cujo
objetivo era formar oficiais militares, a influência do Positivismo98 tornou-se forte e decisiva, uma vez que reunia um grupo de professores
que propagaram essa filosofia. Dessa forma, o ensino foi destacadamente orientado para as ciências experimentais e para a Matemática.
Sob esse enfoque, a Escola Politécnica, uma das ramificações
da Academia Militar, era responsável pela formação em Engenharia,
trazendo mudanças para o ensino da Matemática e, “(...) [A] partir de
1874, novas disciplinas são criadas, e conceitos como funções elípticas, cálculo das variações, cálculo das diferenças e probabilidades
também são ministrados na escola” (SILVA, 1999, p. 307, grifo nosso).
O conteúdo de Probabilidade apresentava-se oficialmente
na grade curricular, pela primeira vez, mesmo que ainda apenas
em nível de ensino superior, destacando-se como outros conceitos
da disciplina de Cálculo. Gradualmente os conteúdos vinculados
ao campo denominado de Tratamento da Informação, nos PCN,
mesmo que de forma incipiente, vão tomando forma como objetos próprios de estudo.
98
Corrente filosófica, na qual entende que os fenômenos da natureza estão submetidos às leis da observação, da organização e da aplicação para o benefício do ser
humano, desprezando tudo aquilo no qual não se pode determinar a causa. (MIORIM,
1998)
Capa
Sumário
391
De modo semelhante, os conteúdos vinculados ao atual campo das Grandezas e Medidas foram tomando corpo e importância
com a influência do Positivismo. Uma referência a isso é a publicação do Curso Elementar de Arithmética, organizado em quatro livros,
estando presente em um deles, a discussão de sistemas de medidas,
com definições e aplicações de suas respectivas grandezas.
Esses livros, de autoria de Demétrio Nunes Ribeiro, formado pela Escola Politécnica, foram adotados pela Escola Normal
de Porto Alegre, instituição na qual atuou como professor (SILVA,
1999). Logo os conteúdos de Matemática ganharam espaço no ensino brasileiro, em especial nos cursos superiores, ainda que sob
forte influência do Positivismo, havendo uma maior diversificação
dos conteúdos explorados.
O ensino secundário no Brasil não era obrigatório, até então, para quem quisesse cursar o ensino superior e obter o título
de bacharel ou licenciado, ficando a cargo das instituições a definição dos pré-requisitos para os exames de seleção e posterior
ingresso nos cursos que ofereciam.
De acordo com Valente (2008), cursos específicos, os Cursos
Jurídicos, foram criados a fim de preparar jovens para o ingresso no
ensino superior, nos moldes que lembram os atuais cursos pré-vestibular. Especificamente para a Matemática, eram fornecidos os cursos
de Aritmética, Álgebra e Geometria, direcionados a atender às necessidades de seleção dos cursos de Direito, Medicina e Engenharia.
A REFORMA FRANCISCO CAMPOS
A Reforma Francisco Campos, em 1931, procurou, dentre
outras resoluções relativas a mudanças para a educação, estruturar o ensino secundário a fim de atender os critérios de formação
básica para ingresso no ensino superior de modo geral, sem que
os estudantes precisassem fazer cursos à parte para estarem aptos
aos exames de seleção.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Com esta reforma, a Aritmética, a Álgebra e a Geometria,
ensinadas separadamente, foram inseridas na grade curricular do
ensino como conteúdos da disciplina que seria intitulada de Matemática. De acordo com Miorim,
[O] objetivo do ensino de Matemática deixava de
ser apenas o “desenvolvimento do raciocínio”, conseguido através do trabalho com a lógica dedutiva,
mas incluía, também, o desenvolvimento de outras
“faculdades” intelectuais, diretamente ligadas à utilidade e aplicações da Matemática. (MIORIM, 1998,
p. 94).
Notadamente, o ensino de Matemática no secundário
ainda não abrangia estudos específicos vinculados ao campo do
Tratamento da Informação, no entanto, o estudo de Estatística
aparece vinculado às Ciências Sociais, na disciplina de Noções de
Economia e Estatística, conforme o Decreto 19.890, Art. 59:
Para os efeitos da inspeção as disciplinas do ensino
secundário serão distribuídas nas seguintes secções: Secção A (Letras”: Línguas (português, francês,
inglês, alemão e latim) e literatura; Secção B (Ciências matemáticas, físicas e químicas): Matemática,
Química, Geografia e Cosmografia e Desenho; Secção C (Ciências biológicas e sociais): Geografia (política e econômica), História da civilização História
natural, Biologia geral e Higiene, Psicologia e Lógica, Sociologia e Noções de Economia e Estatística.
(BRASIL, 1931).
Ainda segundo Miorim (1998), este decreto registra a importância da representação gráfica – na forma de tabelas, gráficos e
fórmulas – e da discussão numérica para o entendimento e resolução de problemas da vida prática.
Vale salientar que a ideia da unificação das Matemáticas foi
proposta pelo Colégio Dom Pedro II, objetivando-se uma mudança
Capa
Sumário
393
radical no ensino de Matemática. A reforma propôs uma alteração
na seriação do curso secundário, sendo essas mudanças provocadas pelas ideias modernizadoras advindas na participação de alguns
professores do centro de ensino citado no Movimento Internacional
para a Modernização do Ensino de Matemática (MIORIM, 1998).
Assim,
[O] objetivo do ensino de Matemática deixava de
ser apenas o “desenvolvimento do raciocínio”, conseguido através do trabalho com a lógica dedutiva,
mas incluía, também, o desenvolvimento de outras
“faculdades” intelectuais, diretamente ligadas à utilidade e aplicações da Matemática. (MIORIM, 1998,
p. 94)
A reforma curricular do Colégio Dom Pedro II acarretou na
elaboração de um material próprio para o ensino de Matemática.
Euclides Roxo, professor cátedra da instituição, propunha uma
nova organização dos conteúdos matemáticos.
Para atender ao ensino de Aritmética, destacavam-se os seguintes conteúdos:
Número; Sistema de numeração; operações elementares; divisibilidade: m.d.c e m.m.c; números
primos; frações ordinárias; frações decimais; números decimais; sistema métrico decimal, medidas de
grandezas, sistema monetário, números complexos;
raízes; números incomensuráveis; razões e proporções; regra de três; juros, capital, taxas, descontos;
misturas e ligas; cambio; cálculo aritmético dos radicais. (DASSIÊ, 2011, p.182)
Em relação à Álgebra, os conteúdos eram compreendidos por:
Definições preliminares; expressões algébricas;
números negativos; monômios e polinômios; frações algébricas; equações do 1º grau; sistemas do
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
1º grau; desigualdades do 1º grau; equações do 2º
grau; sistemas do 2º grau; progressões aritméticas
e geométricas; logaritmos; equações exponenciais;
juros compostos e anuidades. (DASSIÊ, 2011, p.182)
Na Geometria, defendia-se o estudo de:
Geometria Plana: definições preliminares; ângulos,
retas perpendiculares e oblíquas e paralelas; triângulos; polígonos; quadriláteros; círculo e circunferência; polígonos regulares; figuras semelhantes,
polígonos semelhantes, triângulos semelhantes,
relações métricas no triangulo; áreas de figuras planas; Geometria Espacial: posições relativas entre retas e planos; ângulos diedros e poliedros; poliedros;
prisma; pirâmide; corpos redondos; cilindro; cone;
esfera. (DASSIÊ, 2011, p.182)
E, finalmente, na Trigonometria a proposta era que fossem abordados o estudo de “linhas trigonométricas; redução ao
primeiro quadrante; relações fundamentais; relações para soma,
subtração, multiplicação e divisão de dois arcos; taboas trigonométricas; resolução de triângulos” (DASSIÊ, 2011, p.182).
Esse período é destacado pela melhoria alcançada no ensino da Matemática, com a unificação das disciplinas que antes eram
trabalhadas isoladamente e de forma não obrigatória, bem como
pelo seu fortalecimento como bloco de conteúdos, apresentando o
registro da indicação do ensino de noções de Estatística e de conteúdos do campo das Medidas e Grandezas, vinculados à Aritmética.
O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA NO BRASIL
A partir da década de 1950, teve início um movimento internacional de reestruturação do ensino, em especial da Matemática,
instigado pela disputa entre a Rússia e os Estados Unidos no pe-
Capa
Sumário
395
ríodo da Guerra Fria. Os Estados Unidos, ao constatarem que não
haviam saído na frente, na corrida rumo à conquista do espaço,
buscaram a melhoria do desenvolvimento científico-tecnológico
de sua população, reformulando a grade curricular das escolas
da educação básica. O objetivo da reforma era preparar melhor os
estudantes, de modo que chegassem ao Ensino Superior adequadamente preparados para lidar com os avanços tecnológicos (FIORENTINI e LORENZATO, 2007).
O Movimento da Matemática Moderna (MMM) propôs uma
mudança drástica nas orientações para o ensino de Matemática,
tornando-a mais formal, com alto nível de generalidade e grau de
abstração, como resultado de estudos matemáticos ocorridos em
especial nos últimos séculos e avanços na Psicologia.
A sua origem estava ligada à necessidade de maior
reflexão e fundamentação acerca dos vários conceitos e teorias novas que haviam surgido durante o
longo período de experimentação dos estudos matemáticos, especialmente daqueles ligados à mecânica e à astronomia, ocorridos nos séculos XVII e
XVIII. (MIORIM, 1998, p. 109)
A proposta recomendava maior rigor lógico, ênfase no estudo da Álgebra e da Teoria dos Conjuntos, passando a Geometria
e a Aritmética a serem ensinadas com base na linguagem algébrica. Os conteúdos de Estatística, bem como de Probabilidade, que
ainda estava em fase de consolidação na Matemática, foram submetidos à nova estrutura, sendo associados apenas ao estudo de
funções. As orientações presentes na Reforma Francisco Campos,
relativas às aplicações da Matemática no cotidiano e em outras
áreas de conhecimento, passaram a ser ignoradas. (MIORIM, 1998).
De acordo com Soares (2008), um marco para a estruturação do Movimento da Matemática Moderna foi a realização do Seminário de Royaumont, na França, em 1959. Nela o matemático
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Dieudonné fez uma crítica específica ao modo como a Geometria
Euclidiana era ensinada, defendendo quais os conteúdos que deveriam fazer parte do currículo de Matemática.
Em relação ao campo de conteúdos no qual centramos nossa discussão, defendeu-se, ao final da Conferência, que o cálculo de
probabilidades básicas deveria ser considerado um ramo da Matemática suscetível de ser ensinado nas escolas secundárias e, além
disso, deveria fazer parte dos programas das escolas Normais e de
outras instituições formadoras de professores (RADE, 1986).
O MMM ganhou força no Brasil na década de 1970, fortalecido pelo vínculo com os livros didáticos, que passaram a ser elaborados de acordo com as recomendações daquele Movimento. No
entanto, a tentativa de aproximar a Matemática escolar da linguagem formal não alcançou os resultados esperados, uma vez que
os alunos não alcançavam a compreensão dos conteúdos propostos, principalmente nos primeiros anos do Ensino Fundamental,
uma vez que, nessa nova abordagem, ressaltava-se o trabalho com
Matemática em uma roupagem excessivamente abstrata e notadamente formal, quanto à linguagem.
A falência da proposta do Movimento da Matemática Moderna seria declarada ainda no final da mesma década, por pesquisadores como o americano Morris Klyne, que denunciava na obra
Why Johnny can’t add: The failure of the New Math, traduzida para
a língua portuguesa como O fracasso da Matemática Moderna, que
uma das causas residia na formação de professores para atuarem
na área, que, para ele, era negligenciada em seu país.
UM NOVO MARCO HISTÓRICO: OS PARÂMETROS
CURRICULARES NACIONAIS
A partir da década de 1980, foram crescendo as discussões
em torno da relevância de aspectos sociais, antropológicos, linguísticos e cognitivos que estruturam o trabalho escolar não só na
Capa
Sumário
397
Matemática, mas também nas diferentes áreas curriculares, tais
como, Língua Portuguesa, Ciências Naturais, História, Geografia,
Arte, Educação Física e Língua Estrangeira, sedimentadas em especial por estudos da Psicologia.
Na década seguinte, o Ministério da Educação, através da
Secretaria de Educação Fundamental, elaborou um documento
de orientação, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a fim
de reorientar as propostas curriculares nas instituições de ensino
de todo o Brasil, fossem elas públicas ou privadas. Para tanto, foram elaborados documentos específicos para cada área curricular,
uma vez que era necessário discutir, além dos conteúdos, avaliações e orientações didáticas gerais, bem como questões de cunho
social e temas transversais, como ética, meio ambiente, orientação sexual, pluralidade cultural, saúde, trabalho e consumo.
Esses documentos foram divididos em ciclos, que representavam dois anos de escolaridade no Ensino Fundamental, objetivando que o aluno, ao finalizar cada ciclo, pudesse ter tido tempo
suficiente para adquirir certas aprendizagens, sendo o primeiro ciclo correspondente às 1ª e 2ª séries (atuais 2º e 3º anos); o segundo
ciclo às 3ª e 4ª séries (atuais 4º e 5º anos); o terceiro ciclo às 5ª e 6ª
séries (atuais 6º e 7º anos); e o quarto ciclo, às 7ª e 8ª séries (atuais
8º e 9º anos) do Ensino Fundamental.99
De modo geral, os PCN destacam-se pelos seguintes aspectos: indicaram que cabe ao governo e sociedade apoiar a escola na
incumbência de educar; expressam a importância da interação da
comunidade com a escola para a formação de cidadãos; evidenciaram a necessidade de comprometimento e responsabilidade
dos alunos com a sua aprendizagem; defenderam o desenvolvimento de diferentes capacidades e habilidades na construção do
conhecimento; ressaltaram a importância de a escola incorporar o
seu projeto educativo, deixando claros seus objetivos.
99
Atualmente, o MEC incorporou às séries do Ensino Fundamental, a alfabetização, aumentando assim em um ano este segmento.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
Além disso, os PCN transcenderam para além dos conteúdos conceituais, ampliando para os procedimentos, atitudes e
valores atrelados aos mesmos; apontam os temas transversais no
convívio escolar; defenderam o desenvolvimento de atividades
que oportunizem o uso das tecnologias da informação e da comunicação; valorizaram o trabalho da equipe docente como formadora e mediadora das práticas educativas.
Embora sem força de lei, e a despeito das críticas que possamos fazer em relação a esses documentos, os Parâmetros constituíram um marco na reestruturação do ensino básico, em particular
para a área de Matemática, pelo menos na perspectiva de organização estrutural, passando a servir como referência para várias outras
ações, como a elaboração e avaliação de livros didáticos.
Para o Ensino de Matemática, os PCN focaram a metodologia da Resolução de Problemas (BRASIL, 2001), norteados, principalmente, pela reestruturação de ensino ocorrida nos Estados Unidos na década de 1980, quando foi publicado pelo National Cousil
of Teachers of Mathematics (NCTM) um documento que apontava,
entre outras recomendações, a resolução de problemas como eixo
central para o Ensino de Matemática.
Dentre as ações recomendadas deste documento
destacavam-se as seguintes: o currículo de Matemática deveria ser organizado em torno da resolução
de problemas; os professores de Matemática deveriam criar ambientes de sala de aula onde a resolução de problemas pudesse prosperar; e deveriam
ser desenvolvidos materiais curriculares apropriados para ensinar a resolver problemas em todos os
níveis de escolaridade. (RÊGO, 2010, p. 123).
Em 1997 foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais para o primeiro segmento do Ensino Fundamental (1o ao 5o
ano), e em 1998 o documento voltado para o segundo segmento (6o
a 9o ano). O objetivo dos dois documentos foi, dentre outros, nor-
Capa
Sumário
399
tear os currículos das secretarias de educação estaduais e municipais, bem como servir de referência e orientação na elaboração dos
conteúdos ensinados pelos professores de Matemática desses segmentos. Neles, evidenciam-se o saber matemático, o professor e o
aluno, discutindo-se as relações de uns com os outros e trazendo a
indicação de uma nova perspectiva de trabalho com a Matemática.
O estudo da Matemática foi subdivido em quatro eixos temáticos, com a finalidade de atender e respeitar a diversidade de
conteúdos nela compreendidos. Assim, a Matemática foi classificada por: Números e Operações, os quais abordam os conceitos
de diversos tipos de números e da Álgebra; Espaço e Forma, que
contempla os conceitos geométricos; Medidas e Grandezas, que
compreende o tratamento de diferentes grandezas, bem como a
utilização de instrumentos para suas respectivas medições; e Tratamento da Informação, que trata dos conceitos estatísticos e de
raciocínio combinatório e probabilístico.
As orientações didáticas sugeridas pelos PCN são de incorporar ao currículo de Matemática elementos da estatística,
da combinatória e da probabilidade, desde os ciclos iniciais,
abordando-os em assuntos de interesse das crianças, considerando uma perspectiva não apenas conceitual, mas também
procedimental e atitudinal (BRASIL, 1997).
As investigações acerca do ensino e a aprendizagem dos conteúdos do Bloco do Tratamento da Informação ganharam força no
Brasil com os avanços da Educação Matemática e passaram a constituir o ramo de estudos denominado de Educação Estatística. De
acordo com Cazorla (s/d), o marco histórico da área no Brasil foi a
Conferência Internacional “Experiências e Expectativas do Ensino de
Estatística - Desafios para o Século XXI”, realizada na Universidade Federal de Santa Catarina, no período de 20 a 23 de setembro de 1999.
Cazorla lembra, na apresentação de seu artigo sobre o ensino de estatística no Brasil, que “[A] necessidade de dar respostas
aos problemas enfrentados no ensino de conceitos e procedimen-
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
tos estatísticos deve-se, principalmente, a oficialização de seu ensino na Educação Básica, através dos Parâmetros Curriculares Nacionais” (http://www.sbem.com.br/gt_12/arquivos/cazorla.htm).
ENCERRANDO A DISCUSSÃO, ENQUANTO
A HISTÓRIA CONTINUA
O breve recorte histórico acerca do ensino de estatística e probabilidade no Brasil, presente em nosso texto, permitiu-nos evidenciar os momentos em que ele foi discutido oficialmente, desde o trabalho inicial, de forma ainda incipiente, chegando aos moldes atuais.
Hoje, um dos objetivos do ensino de Matemática é que o
aluno compreenda o significado dos conceitos, que desenvolva
competências para serem aplicadas nos mais diversos problemas
e situações, bem como, que perceba a atividade matemática enquanto prática cultural.
Para Cazorla (s/d), há um crescente interesse por parte de
professores e pesquisadores pela Educação Estatística, “bem como
a demanda por pesquisas que dêem respostas aos diversos problemas encontrados no processo de ensino-aprendizagem da Estatística, principalmente, na Educação Básica e na formação de usuários”.
Como lembra a mesma autora, é fundamental que os resultados das pesquisas voltadas à melhoria do processo de ensino
e aprendizagem desses elementos cheguem até as escolas, lugar
onde tem início a formação do pensamento científico de nossos
estudantes, sendo a Estatística um componente fundamental para
essa formação, mas, também, para o exercício da cidadania.
O trabalho com essa temática transcende os muros da escola, na medida em que proporciona a aplicação de conhecimentos escolares a situações práticas que se apresentam na vida do
estudante, em contextos profissionais ou fora dele, qualquer que
seja a área de atuação que escolher seguir.
Capa
Sumário
401
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria do Ensino
Fundamental Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática, 1º e 2º
ciclos (1ª a 4ª séries) – Brasília: MEC/SEF, 1997.
_______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria do Ensino
Fundamental Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução, 3º e 4º
ciclos (5ª a 8ª séries) – Brasília: MEC/SEF, 1998.
_______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Média e
Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais + (PCN+) - Ciências
da Natureza e suas Tecnologias. Brasília: MEC, 2002.
_______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: Matemática / Secretaria de Educação
Fundamental. – Brasília: MEC/ SEF, 2001.
_______. Resolução de 1931. Decreto 19.890. Disponível em: http://
www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/5_Gov_
Vargas/decreto%2019.890-%201931%20reforma%20francisco%20
campos.htm. Acesso em; 16/06/2013
CAZORLA, I. M. O Ensino de Estatística no Brasil. s/d. Disponível em:
http://www.sbem.com.br/gt_12/arquivos/cazorla.htm. Acesso em: 20/
junho/2014
DASSIÊ, B. A. O livro didático de Matemática da escola secundária
brasileira na Primeira República (1889-1930). Anais do I Congresso
Iberoamericano de História da Educação Matemática, 2011. Disponível
em: http://www.apm.pt/files/177852_C12_4dd79d7216e36.pdf. Acesso
em: 15/09/2014.
FIORENTINI, D.; LORENZATO, S. Investigação em Educação
Matemática: percursos teóricos e metodológicos. São Paulo: Autores
Associados, 2007.
MIORIM, M. A. Introdução à História da Educação Matemática. São
Paulo: Atual, 1998.
ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS, EXATAS E DA SAÚDE
RADE, L. La statistique. In MORRIS, R (Org). Etudes sur
l’enseignement des mathématiques La formation des
professeurs de mathématiques de l’enseignement Secondaire.
Volume 4. 1986. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/
images/0012/001248/124808fo.pdf. Acesso em: 20/08/2014.
RÊGO, R. G. Tópicos Especiais em Matemática III. In MONTE, E. M.
[et. al]. Licenciatura em Matemática a Distância. João Pessoa: Editora
Universitária/UFPB, 2009.
SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas no Brasil. – 3. Ed. –
Campinas, SP: Autores Associados, 2011.
SILVA, C. M. S. A matemática positivista e sua difusão no Brasil.
Vitória: EDUFES, 1999.
SILVA, C. P. A Matemática no Brasil: uma História do seu
Desenvolvimento. 1998. Disponível em: http://www.mat.ufrgs.
br/~portosil/histo2.html#tres2. Acesso em: 16/06/2013.
SOARES, F. Ensino de Matemática e Matemática Moderna em
Congressos no Brasil e no Mundo. Revista Diálogo Educacional. v. 8,
n. 25, p. 727-744, set./dez. Curitiba: 2008. Disponível em: http://www.
redalyc.org/pdf/1891/189116827011.pdf. Acesso em 12/06/2013.
VALENTE, W. R. (Org.). Avaliação em Matemática: História e
perspectivas Atuais. Coleção Magistério: Formação e Trabalho
Pedagógico. Campinas, SP: Papirus, 2008.
WOLSKI, SOARES e BRANDT. A criação de universidades e a formação
de professores de Matemática no Brasil: o caso da Universidade
Federal do Paraná. Anais da IX ANPED Sul, 2012. Disponível em: http://
www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/
viewFile/2661/546. Acesso em: 12/07/2014.
Capa
Sumário
Download