R i o de Ja n e i ro | ag o s to 2 0 1 4 “Existe sempre um momento para partir, ainda que não se tenha para onde ir.” É com satisfação que o Oi Futuro abre seu teatro para Crônicas de Nuestra América, espetáculo singular e instigante a partir do livro escrito por Augusto Boal, grande homem de teatro. A montagem marca o encontro de um jovem diretor carioca, Gustavo Guenzburger com o criador do Teatro do Oprimido que, em seu exílio, na década de 70, percorreu a Argentina, Chile, Equador, Uruguai e Venezuela. Aqui no palco, as Crônicas de Nuestra América ganham vida. Pequenas histórias, como a da família que criava ratos em casa para equilibrar a economia doméstica. Flagrantes de uma realidade risível, cruel e humana. Evocações de estranhamento, álbum de época da família desse nosso continente. Imagens com fragmentos do ambiente de repressão nos anos de chumbo. Retratos de um tempo próximo e distante, em meio aos desafios e esperanças deste novo século. Bom espetáculo. Roberto Guimarães “A graça do sim é que ele não resolve por si.” “…e no meio daquele silêncio, ouviu-se uma terrível explosão.” Crônicas de Nuestra América, o nome já é uma definição: um latino-americano, um brasileiro, morando à sua revelia numa cidade que não amava, definindo-se, porém, como um cronista, um contador de histórias de uma América que é nossa, apesar de tudo, apesar das traições e das ditaduras. A fonte era um pasquim. Recheado de assaltos, crimes e futebol, mas que tinha a qualidade de ser um vespertino, o La Razón, muito pouco razoável na verdade, era vendido nas ruas de Buenos Aires à moda antiga, apregoado ao cair da tarde, no horário da melancolia. Toda tarde a voz do vendedor de jornais arrancava Boal de sua máquina de escrever. Toda tarde, no horário da melancolia, ele descia as escadas para comprar La Razón e buscar histórias engraçadas, tristes, estapafúrdias que, imaginadas, eram transformadas nestas crônicas irônicas e safadas que líamos nos jantares dos sábados para grande deleite de amigos brasileiros exilados, aos quais se somava o sempre bem vindo Eduardo Galeano, outro latino americano. Ultimamente tenho dito que Boal conseguia fazer de um limão uma limonada, sempre. Num dos momentos mais difíceis da sua vida, ele não gostava e não entendia a Argentina peronista, e se servindo de um jornal que certamente nenhum dos nossos amigos comprava, ele fabricou mais uma limonada, escreveu este livro que hoje colocamos em cena. Gostaria de poder mostrar, junto com cada Crônica, a notícia que a inspirou. Certamente elas existem ainda nos arquivos do La Razón e espero algum dia poder recuperálas. Mas no ano de 1976 a situação política mudou e a Argentina se tornou um país inabitável. Tivemos que prosseguir a nossa viagem e La Razón ficou para trás. Porém hoje as Crônicas continuam atuais nos convidando a pensar, para além das anedotas, que todos nós, latino-americanos, tivemos, à força, que aprender a fazer de um limão uma limonada. E, citando Julian Boal, nos convidam a pensar quais as limonadas que hoje poderemos inventar. Cecilia Thumin Boal Instituto Boal “Estas são histórias verdadeiras - histórias que o povo andou me contando, aqui e ali, nestas viagens que eu, errante, ando fazendo desde que saí do Brasil, em 1971. Alguns personagens eu conheço, eu vi; outros, só de ouvir dizer. Nalguns lugares estive descrevo como repórter. Outros me descreveram escrevo do mesmo jeito. / Estas são todas histórias dos povos de Nuestra América, Nuestra América - aquela que se opõe à Amérika com K!/ Nuestros Americanos aqueles que sofrem, pelejam e que um dia se libertarão!” Augusto Boal, Buenos Aires, Mar• o de 1976 “…ficava como uma fotografia…” “A gente acaba se acostumando…” ... . . . . . . . . . . . ......................................................... Como todo desejo de criação, a ideia de realizarmos um espetáculo a partir das Crônicas de Nuestra América, de Boal, nasceu de um encontro. Em março de 2011, após sermos apresentados por Cecilia Boal, produzimos juntos uma homenagem aos 80 anos de Augusto Boal, realizada aqui no Oi Futuro Flamengo. Naquele momento, na correria da produção, selou-se o nosso encontro e o início de uma amizade que, na verdade, parecia já ser de muito tempo. Ficou a vontade de prosseguir junto. Entre muitas ideias regadas a cafés ou vinhos, Cecilia nos lembrou das Crônicas. E apareceu, em nós três, o desejo de contar em cena estas histórias escritas entre 1971 e 1976, na fase do exílio latino-americano do dramaturgo, quando morava em Buenos Aires, bem no momento em que transformava sua visão de arte política para criar o Teatro do Oprimido. Se naquela época a publicação regular destas crônicas no jornal O PASQUIM ajudou a reatar o vínculo de Boal com o público brasileiro, atualmente, o interesse destas pequenas histórias latino-americanas reflete uma tendência do teatro contemporâneo de trazer a política do cotidiano para a arte e vice-versa, como caminho de transformação social. Na nuestra América de Boal, cada tipo comum esconde uma humanidade sempre complexa, atrelada a um sistema onde relações aparentemente banais revelam a chance de nos perguntarmos sobre as causas que desorientam o ser humano, e o levam a oprimir o outro e a si próprio. Montar as Crônicas de Nuestra América em pleno 2014 é topar de novo e sempre com um continente em eterno estado de exceção, onde a normalidade existe apenas para despistar o fato de que nada deveria ser considerado normal ao sul do equador. Desde aquele primeiro encontro até aqui, a rede de afetos foi se expandindo e o projeto foi tomando corpo. Nossa equipe chega à estreia formada por artistas atuantes politicamente e acostumados com o jogo da criação dramatúrgica em cena. Única maneira coerente que encontramos para embarcar no universo das Crônicas de Nuestra América, e assim, experimentar novas possibilidades para a questão da identidade na América Latina hoje, tentando recriar a cada dia, no palco e na vida, a memória esfacelada do nosso continente, que ainda pulsa dentro de nós. Clara de Andrade Gustavo Guenzburger Luiz Boal Adriana Schneider tanto atua como ensina e dirige, Clara de Andrade é pesquisadora de Boal, Carmem Luz é coreógrafa, dançarina e cineasta. Cineasta também é a Larissa Siqueira, além de diretora e iluminadora. Henrique Manoel Pinho produz e escreve para teatro e Lucas Oradovschi desenvolve uma pesquisa de criação com máscaras balinesas em seu grupo. De certa maneira, este espetáculo extrapola a história pessoal destes artistas ao incluir no processo criativo as experiências acumuladas por eles em seus grupos e coletivos, tais como o Reage, Artista!, o Grupo Pedras e o Sarça de Horeb, a Cia Étnica de Dança e Teatro e a Cia dos Bondrés. FI C HA T É C N IC A Direção Gustavo Guenzburger Dramaturgia e Adaptação Theotonio de Paiva Colaboração Adaptação Gustavo Guenzburger Elenco/atuação e dramaturgia cênica Adriana Schneider, Carmen Luz, Clara de Andrade, Henrique Manoel Pinho, Larissa Siqueira e Lucas Oradovschi Concepção do Projeto Clara de Andrade, Gustavo Guenzburger e Luiz Boal Cenário e Figurinos Dani Vidal e Ney Madeira Trilha Sonora João Gabriel Souto Iluminação Paulo César Medeiros Direção de Movimento Carmen Luz Assessoria de Imprensa Ney Motta Design Gráfico Ruth Lima Fotografia Marina Andrade Webdesigner e Mídias Digitais Renato Dias Assistente de Direção Dieymes Pechincha Assistente de Produção Regina Mascarenhas Assistente de Produção Aloisio Antunes Assistente Administrativo Valdeci Silva Cenotécnico André Salles Costura As 3 Meninas Produção Executiva Mariana Borgerth Diretor de Produção Luiz Boal Idealização Instituto Augusto Boal Realização Olhar Brasileiro Produções Artísticas ... . . . . . . . . . . . ......................................................... Agradecimentos Almir Telles, Amelia Rabello, Ana Baird, Angela Reis, Antonio Martins, Bruno Singh, Eduardo Coelho, Eleonora Ziller, Ellen Gaspar, Isaac Bernat, Isabel Alencar, Jorge Luiz Fernandes, Marcelo Lemos, Maria Amélia Pompeu, Natália Lana, Renato Carrera, Sonia Manzano, Sonia Boal, Zélia Rodrigues Peixoto Adriana Schneider Larissa Siqueira Carmen Luz Clara de Andrade Henrique Manoel Pinho Lucas Oradovschi