Paralelismo Psicofísico e Dualidade Onda-Partícula - fflch-usp

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Morungaba Quântica – encontro 6:
Paralelismo Psicofísico
e Dualidade Onda-Partícula
Afinal, o que é a mente? O neurocientista que examina uma lasquinha de cérebro no
microscópio observa neurônios e outras estruturas que funcionam através do deslocamento de
substâncias químicas, ou então observa o cérebro funcionando através de neuroimagens. Mas,
num certo sentido, nós também conseguimos observar o funcionamento do nosso cérebro!
Fazemos isso quando sentimos, quando pensamos, quando meditamos e prestamos atenção no
nosso mundo interior. Será que a introspecção não seria uma maneira de observar o cérebro
de outra perspectiva? O cientista observa de uma perspectiva quantitativa, nós de uma
maneira qualitativa, mas estaríamos observando a mesma coisa.
Essa opinião é próxima do monismo do filósofo holandês Baruch Spinoza (como ele
era descendente de judeus portugueses, é também conhecido por Bento Espinoza). Descartes
falara que haveria três “substâncias” totalmente distintas: Deus, pensamento (alma) e extensão
(matéria). Spinoza (1677) defendia que há somente uma, Deus, ou a Natureza, que seria ao
mesmo tempo extensão e pensamento. Em outras palavras, extensão e pensamento seriam
dois dos infinitos atributos de Deus. Conseqüentemente, “a ordem e a conexão das idéias é a
mesma que a ordem e a conexão das coisas” (Ética, II, Prop. VII).
Esta concepção, às vezes chamada de “dualismo de atributos” ou “dualismo de
aspectos”, seria retomada no séc. XIX, com o nome paralelismo psicofísico. Esta noção foi
desenvolvida principalmente pelo psicólogo Gustav Fechner, na obra Elementos de
Psicofísica (1860). A idéia é que eventos mentais e eventos corporais seriam dois aspectos ou
perspectivas de um único evento. Há uma versão mais fraca e amplamente aceita de
paralelismo psicofísico, que consiste na regra metodológica de que há uma correlação entre os
fenômenos mentais e corporais (chamado por William James de “paralelismo empírico”).
Fechner, porém, defendeu também uma versão metafísica do paralelismo psicofísico. O ser
humano seria uma substância única que pode ser observada de duas perspectivas diferentes:
pela introspecção (mente) ou pela observação externa (corpo). A relação entre mente e corpo
não poderia ser causal (ao contrário do que afirma o interacionismo de Descartes), pois isso
violaria o princípio da conservação de energia (formulado por Helmholtz em 1857), que
admite apenas conversões entre formas físicas de energia, e não a conversão de energia física
em algo puramente mental.
Há porém uma variante ainda mais forte do paralelismo psicofísico, formulada
também por Fechner, que estendia o paralelismo para toda matéria (ao contrário do que fazia
o “paralelismo psicofisiológico” visto acima). Isso resulta na tese do panpsiquismo, que crê
que há um aspecto mental em todas as coisas.
Após explorar esse tipo de dualismo mental/cerebral, passamos a esclarecer o que
significa a dualidade onda-partícula, segundo a interpretação ortodoxa da mecânica quântica,
formulada especialmente pelo dinamarquês Niels Bohr. Segundo esta visão, o ser humano só
consegue conceber um experimento quântico de acordo com um dentre dois quadros:
ondulatório ou corpuscular (partículas).
Em um quadro ondulatório, observamos padrões de interferência, como na Figura do
Encontro 1. O experimento de Mach-Zehnder, apresentado no final do Encontro 4, também é
um fenômeno ondulatório, pois o cancelamento de ondas que ocorre em D2 só pode ser
entendido pensando em ondas (há um padrão de interferência temporal ao variar a fase H).
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Em um quadro corpuscular, podemos dizer com segurança qual é a trajetória passada do
quantum detectado. Dois exemplos são dados abaixo. À esquerda, um pulso de onda
associado a um único fóton é dividido em S1, mas só pode ser detectado em D1 ou D2 (nunca
nos dois simultaneamente). Em qualquer um desses casos, sabemos o caminho seguido pelo
fóton. Na figura à direita, temos um interferômetro de Mach-Zehnder, mas um detector D3 foi
inserido em um dos caminhos internos. Este detector é de “não-demolição”, ou seja, o fóton
não é absorvido, mas continua sua propagação. Neste caso, sabemos a trajetória do fóton: se
D3 disparar, sabemos que o fóton seguiu por A, se ele não disparar, inferimos que ele veio por
B. A chance de ele chegar em D1 é 50%, e em D2 é 50%.
A dualidade onda-partícula, que é um caso especial do “princípio de
complementaridade”, diz que um fenômeno ou é corpuscular, ou é ondulatório, mas nunca os
dois ao mesmo tempo.
Em um experimento de “escolha demorada”, podemos decidir se ligamos o detector D3
(fenômeno corpuscular) ou se deixamos ele desligado (fenômeno ondulatório) mesmo depois
que o pulso de luz passou pelo espelho semi-refletor S1. Ou seja, o pulso não passa a se
comportar de uma maneira ou de outra logo que passa por S1, a não ser que ele conseguisse
prever o futuro (ou seja, prever nossa decisão sobre ligar ou desligar D3). Para resolver
problemas desse tipo, Bohr salientou que só podemos dizer qual é o tipo de fenômeno (onda
ou partícula) após a detecção final do objeto quântico (em D1 ou D2). Antes disso devemos
nos calar! Por conta disso, sua interpretação é considerada “positivista” ou “instrumentalista”
(ou seja, anti-realista).
Encontro realizado na Associação Morungaba em 24 de outubro de 2007.
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