centro universitário maringá - cesumar

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CENTRO UNIVERSITÁRIO MARINGÁ - CESUMAR
SANDRA MARIA REIS BELIZÁRIO
ASPECTOS EVOLUTIVOS DOS DIREITOS DA MULHER EM FACE AOS
DIREITOS DA PERSONALIDADE
MARINGÁ
2006
SANDRA MARIA REIS BELIZÁRIO
ASPECTOS EVOLUTIVOS DOS DIREITOS DA MULHER EM FACE AOS
DIREITOS DA PERSONALIDADE
Dissertação de Mestrado, apresentada pela
mestranda Sandra Maria Reis Belizário, no
Curso de Pós-Graduação – Mestrado em
Direito da Personalidade na Tutela Jurídica
Privada e Constitucional, no Centro
Universitário de Maringá (CESUMAR), como
requisito final para obtenção do título de
mestre.
Orientador: Professor Doutor José Sebastião
de Oliveira.
MARINGÁ
2006
TERMO DE APROVAÇÃO
SANDRA MARIA REIS BELIZÁRIO
ASPECTOS EVOLUTIVOS DOS DIREITOS DA MULHER EM FACE AOS DIREITOS
DA PERSONALIDADE
Dissertação de Mestrado apresentada pela mestranda Sandra Maria Reis Belizário, no Curso
de Pós-Graduação – Mestrado em Direito da Personalidade na Tutela Jurídica Privada e
Constitucional, na linha de pesquisa, Acesso à Justiça como Direito da Personalidade nas
Relações Familiares, no Centro Universitário de Maringá (CESUMAR).
COMISSÃO EXAMINADORA
_______________________________________
_____________
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Maringá, _______ de ____________________de 2006.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à minha mãe,
Marlene Reis, que sempre me apoio em
todos os momentos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao professor Doutor José Sebastião de Oliveira, pela orientação deste trabalho que
muito me auxiliou com sugestões, idéias e ensinamentos, contribuindo para sua realização.
RESUMO
Durante a história da humanidade, a dominação masculina sempre foi vista como
natural. Somente no final do século XIX é que as mulheres começaram a,
efetivamente, questionar cada vez mais o seu papel na sociedade, bem como suas
condições político-econômicas e seus condicionamentos históricos. Essa mudança
não significa abdicação de responsabilidades, mas a revisão cultural entre as
funções femininas ligadas à natureza e às masculinas ligadas à tecnologia. O
Estado, exercendo as suas funções de poder de cautela se enquadra nesse item,
criando condições para essa nova divisão de funções, tirando o homem do seu
exclusivismo de detenção do poder. O Direito como fundamento de ordem social
atribui às pessoas deveres e obrigações, reciprocidade de poderes e faculdades e
também organiza a vida social dessas. O poder moral se baseia na razão e na lei
moral, de fazer, possuir ou exigir alguma coisa. Nesse trabalho serão estudadas as
evoluções da mulher ao longo do tempo, quais os direitos e responsabilidades que
essa mudança trouxe. Será feita uma síntese histórica da mulher no Ocidente, no
Brasil, sobre os direitos previstos na Constituição Federal, na igualdade jurídica,
fazendo uma abordagem geral sobre o tema. Igualmente será tratado dos aspectos
evolutivos dos direitos da mulher, considerando os direitos da personalidade, dando
ênfase a questão do patronímico familiar, e o tratamento recebido pela mulher ao
longo das legislações de Direito de Família. Não deixando de lado o Novo Código
Civil, que trouxe inovações a respeito dos direitos da personalidade, principalmente
no que se refere ao sobrenome usado após o matrimônio.
Palavras-chave:
evolução da mulher – direitos da mulher – direito positivo brasileiro – direitos da
personalidade
ABSTRACT
During the history of the humanity, the masculine domination always was seen as natural. In
the end of century XIX it only is that the women had started effectively, to question each time
more its paper in the society, as well as its economic conditions historical politician and its
conditionings. This change does not mean abdication of responsibilities, but the cultural
revision enters the on feminine functions to the nature and the on masculines to the
technology. The State, exerting its functions of being able of caution if fits in this item,
creating conditions for this new division of functions, taking off the man of its exclusivismo
of detention of the power. The Right as bedding of social order attributes to the people duties
and obligations, reciprocity of being able and facultieses and also organize the social life of
these. The moral power if bases on the reason and the moral law, to make, to possess or to
demand some thing. In this work the evolution of the woman to the long one of the time,
which the rights and responsibilities will be studied that this change brought. A historical
synthesis of the woman in the Ocidente will be made, in Brazil, on the rights foreseen in the
Federal Constitution, in the legal equality, making a general boarding on the subject. Equally
anger to deal with the evolutions aspects of the rights of the woman, considering the rights of
the personality, giving approach to the subject of the family name, and the treatment received
for the woman to the long one from the laws of Family law. Not leaving of side new codigo
civil, that brought new features regarding the rights of the personality, mainly as for the used
last name after the marriage.
Key words: evolution of the woman - right of the woman - brazilian positive law rights of the personality
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................ 01
CAPÍTULO I – SÍNTESE HISTÓRICA DA MULHER NO OCIDENTE
1.1 Na Antigüidade Greco-Romana .....................................................................................04
1.2 Na Idade Média ..............................................................................................................09
1.3 No Renascimento e na Idade Moderna............................................................................14
1.4 No Século XX e XXI.......................................................................................................16
CAPÍTULO II – SÍNTESE HISTÓRICA DA CONDIÇÃO DA MULHER NO BRASIL
2.1 A Mulher Indígena ..........................................................................................................19
2.2 A Mulher Escrava............................................................................................................23
2.3 A Mulher no Brasil Colônia e no Brasil Independente ...................................................25
2.4 A Mulher e a Religião .....................................................................................................34
CAPÍTULO III – EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER
3.1 A Constituição Imperial de 1824.....................................................................................38
3.2 A Constituição Federal de 1891 ......................................................................................39
3.3 A Constituição Federal de 1934 ......................................................................................41
3.4 A Constituição Federal de 1937 ................................................................................... ..44
3.5 A Constituição Federal de 1946 ......................................................................................45
3.6 A Constituição Federal de 1967 ......................................................................................48
3.7 A Emenda Constitucional de 1969 ..................................................................................50
3.8 A Constituição Federal de 1988 ......................................................................................52
CAPÍTULO IV – A MULHER E O DIREITO DO TRABALHO
4.1 Contexto Histórico...........................................................................................................64
4.2 Origem e Evolução das Medidas de Proteção a Favor da Mulher ..................................68
4.3 A Constituição Federal de 1988 ......................................................................................73
4.4 Igualdade de Oportunidade e Tratamento no Ambiente de Trabalho .............................75
4.5 Proteção à Maternidade no Brasil....................................................................................78
4.6 Importância Econômica do Trabalho Feminino e a Igualdade de
Remuneração ...................................................................................................................87
CAPÍTULO V – A MULHER E O DIREITO CIVIL BRASILEIRO
5.1 O Código Civil de 1916...................................................................................................90
5.2 O Estatuto da Família ......................................................................................................95
5.3 O Estatuto da Mulher Casada. .........................................................................................96
5.4 O Novo Código Civil.......................................................................................................98
CAPÍTULO VI – A MULHER E O DIREITO DE PERSONALIDADE
6.1 Conceito de Personalidade ..............................................................................................104
6.2 Direitos de Personalidade ................................................................................................107
6.3 A Mulher e o Direito de Personalidade ...........................................................................108
6.3.1 A questão do patronímico familiar ...............................................................................112
6.3.2 Na Lei do Divórcio ficou facultativo............................................................................113
6.3.3 No novo Código Civil, tanto o homem como a mulher pode colocar
o sobrenome do outro ........................................................................................................... 114
CAPÍTULO VII – A QUESTÃO DA IGUALDADE JURÍDICA
7.1 O Princípio da Igualdade .................................................................................................116
7.2 Da Igualdade Formal e Material......................................................................................121
7.3 A Igualdade Constitucional .............................................................................................126
7.4 As Desigualdades Admissíveis pela Constituição Federal..............................................128
CONCLUSÃO.................................................................................................................... 132
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 136
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como objetivo analisar os aspectos evolutivos dos direitos
da mulher no direito positivo brasileiro. Tal investigação foi motivada com o intuito de
melhor compreender todo o processo dos direitos femininos, apresentando um pouco da
história da evolução dos direitos da mulher, bem como as lutas árduas travadas entre este ser
considerado como sexo frágil e a sociedade.
O trabalho será realizado tem como suporte metodológico a pesquisa
bibliográfica, traçando um paralelo dos direitos da mulher no passado e como são atualmente,
demonstrando as dificuldades para se alcançar a igualdade de direitos e o que tem feito a
mulher para ter a plenitude dos direitos.
Observa-se todos os aspectos dentro do quadro geral no qual estão inseridos,
ainda que tal visão fique adstrita às linhas mestras, porém voltadas à necessária compreensão
do critério delimitador das atribuições de cada uma.
O desenvolvimento do presente estudo se encontra distribuído em sete
capítulos. No primeiro, consta a trajetória histórico-sociológica que envolve a personagem
mulher, em que se quer mostrar que o Direito não pode ser dissociado desse contexto.
Ressalta-se que a compreensão do presente, ou a elaboração de uma solução futura implica
interpretar o passado.
Nessa incursão iniciada na Antigüidade greco-romana e, em seqüência,
estendida até o século XX, procura-se demonstrar que a História sempre relegou a mulher a
um plano inferior. Sendo o homem o construtor da história, da sociedade, da civilização portanto, o sujeito das mesmas - determinou os parâmetros da utilização da mulher. Ainda que
a mulher tivesse seu papel na sociedade, nada era escrito sobre isso, pois o homem era o
detentor da escrita e colocava os fatos segundo sua visão.
Dessa forma, nesse percurso que se limitou ao mundo ocidental, cada
período histórico é abordado em seu estilo específico. Enquanto “deusa”, a mulher era amada
pelos gregos, mas, uma vez ser social, era afastada das relações políticas e econômicas, com o
respaldo do pensamento filosófico da época.
Em Roma, era tratada pelo Direito como um ser incapaz, pois assim dispunha
o seu estatuto. A única função valorizada era a materna e isso não pelo fator inerente da
reprodução, mas pela instituição casamento. Saliente-se que, nesse aspecto, Roma em nada se
distinguiu das sociedades antigas e, de modo geral, da totalidade das sociedades humanas,
anteriores à emancipação da mulher no mundo industrial contemporâneo.
Na Idade Média, a mulher sofreu com a perseguição às bruxas, condição que
não melhorou com o advento do Renascimento, da Revolução Francesa e das Guerras
Mundiais. Assim, o mito do matriarcado apareceu como sendo apenas um conceito da
antropologia. A dominação masculina é aqui demonstrada de diversas formas. No entanto,
esse domínio não significa a ausência de poder feminino, mas mostra a clara resistência da
articulação da supremacia masculina, para que as mulheres não se manifestem.
Dessa forma, os escribas do poder registram tendenciosamente - segundo
seleção feita por eles - o que as mulheres devem fazer ou dizer. Assim, a elas destinaram o
espaço privado, enquanto os homens ocupam, com todo o respaldo ideológico, o âmbito
público.
No segundo capítulo é abordada a evolução da condição da mulher no Brasil,
caracterizadas como indígenas e escravas, pertencentes ao Brasil colônia e ao Brasil
independente. O enfoque dado à mulher será no que se refere aos conflitos e contradições que
se estabelecem nas diferentes épocas, entre ela e a sociedade na qual estava inserida.
O objetivo será apresentar as intrincadas relações, entre a mulher, o grupo
social e o acontecimento histórico, enfatizando-a como ser social que é. Para tanto, será
abordada a condição da mulher brasileira em diferentes períodos, inserida na sociedade e
procurando ocupar o seu lugar na história.
O terceiro capítulo abrange a evolução dos direitos da mulher perante o
Direito Constitucional Brasileiro, desde a primeira Constituição Imperial de 1824 até a
Constituição de 1988. Para uma melhor compreensão foram selecionados alguns fatores
norteadores para uma análise detalhada de cada uma destas constituições. Dessa forma, se
torna possível analisar os aspectos positivos e negativos de cada uma delas.
O quarto capítulo se refere à mulher e o direito do trabalho, apresentando um
contexto histórico, que permite compreender que a evolução do direito do trabalho da mulher
não foi acompanhada de igual evolução pelo direito do trabalho do homem. Em princípio, a
busca para o trabalho se deu para compor o suporte econômico que mantinha a família, e
posteriormente, significou uma forma de aprimoramento próprio do ser humano, vital para o
aperfeiçoamento da sociedade.
No quinto capítulo, abordou-se a posição da mulher perante o Direito Civil
Brasileiro, bem como as demais legislações conhecidas como o Estatuto da Família, Estatuto
da Mulher Casada, além das perspectivas apresentadas no novo Código Civil Brasileiro.
No sexto capítulo, serão abordados conceitos sobre o Direito de
Personalidade, como o Direito se aperfeiçoou e evoluiu ao longo da história buscando
melhorar a vida das pessoas, mostrando como os direitos da personalidade são poderes que a
pessoa exerce sobre si mesma, tendo como objeto do direito a própria pessoa, seus atributos
físicos e morais. Por serem intrínsecos à pessoa, possuem como características a
irrenunciabilidade, a inalienabilidade e a imprescritibilidade, seja qual for a vontade de seu
titular.
O sétimo capítulo tem como objetivo mostrar as questões da igualdade entre
o homem e a mulher. Embora o presente trabalho tenha como tema central o estudo dos
aspectos evolutivos dos direitos da mulher no direito positivo brasileiro, é indispensável a
apresentação da questão da igualdade e a aplicação deste princípio, visto que a condição
subalterna imposta à mulher remonta séculos e milênios da história da civilização. Inúmeros
documentos refletem o difícil problema da igualdade entre o homem e a mulher, sempre
negado como princípio absoluto, no entanto aceito como princípio relativo.
Nas considerações finais, procurou sintetizar as colocações trabalhadas neste
estudo, acrescentando-se algumas reflexões que se somam ao enfoque selecionado acerca da
questão da cidadania da mulher.
CAPÍTULO I - SÍNTESE HISTÓRICA DA MULHER NO OCIDENTE
1.1 Na Antiguidade Greco-Romana
Na Grécia e Roma Antiga, a família era composta pelo pai, pela mãe, pelos
filhos e escravos. De acordo com Numas Denis Fustel de Coulanges1, a religião não colocava
a mulher em posição muito elevada. Ela tomava parte nas funções religiosas, porém não era
considerada senhora absoluta do lar. A mulher adquiria a religião, diferente do homem, não
pelo seu nascimento, mas sim pelo casamento e, portanto, aprendia com o seu marido a
oração que recitava.
Os direitos grego, romano e hindu originaram-se de crenças religiosas e têm
em comum o fato de considerarem a mulher como um ser inferior. Os deuses ao criarem
Pandora, a primeira mulher segundo a mitologia, dotaram-na de voz humana, e o mundo
antigo viveu sob esse murmúrio de vozes femininas, que tagarelavam em seu universo
doméstico: universo privado, cuja porta era fechada e constantemente vigiada.
A única palavra verdadeiramente reconhecida – a palavra política – esteve,
por muitos séculos, fora do alcance das mulheres. Alguns historiadores afirmam que a
sociedade sempre foi masculina, de onde decorre a centralização política nas mãos dos
homens. Nesse sentido, Simone de Beauvoir afirma que “a autoridade pública ou
simplesmente social pertence sempre aos homens”2.
Em Atenas, a mulher sendo honesta vivia numa reclusão quase oriental,
enquanto apenas as mulheres sem reputação eram convidadas para as festas dos homens.
De acordo com H. D. F. Kitto3
(...) a casa ateniense mantinha separados os aposentos dos homens e das
mulheres, sendo que estes tinham trancas. As mulheres não saiam de suas
casas senão vigiadas, sob pena de serem mandadas a regressar, por
entenderem os atenienses que a casa era o local mais adequado para elas.
A mulher ateniense não era emancipada. Embora a historiografia não nos
permita ver claramente em seus horizontes um direito materno, uma ginecocracia.
1
COULANGES, Numa Denis Fustel de. A cidade Antiga: estudo sobre o culto, o direito, as instituições da
Grécia e de Roma. São Paulo: Hemus, 1975, p. 69.
2
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. 2. ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, v.1, p.91.
3
KITTO, H.D.F. Os Gregos. Coimbra: Armando Amado Editor, 1960, p. 361.
Rose Marie Muraro4 usa e expressão “no princípio era a mãe” e Friedrich
Engels5 por seu turno, disse que “... a reversão do direito materno foi a grande derrota
histórica do sexo feminino”.
Colocações, nessa linha de pensamento sugerem que houve um período da
história onde a mulher exercia alguma supremacia, não no espaço privado – que lhe foi lugar
comum em todas as épocas – mas no espaço público.
Entretanto, esse período quase perdido através dos tempos, que correspondeu
a um estágio original da humanidade, mereceu a atenção de Stella. Bachofen Georgoudi. De
acordo, com a teoria desse jurista,
(...) os povos são semelhantes aos indivíduos. Para ‘germinarem’, para
chegarem à maturidade, têm necessidade de serem guiados por uma mão
firme, dirigente, que não pode ser senão a mão tranqüilizadora e autoritária
de mãe. Assim, as origens da humanidade são colocadas sob o signo e a
supremacia de uma única força: a mulher, ou antes, o corpo materno que
gera, imitando a ação da Mãe Original, a Terra.6
Recorrendo ainda à mitologia grega, encontra-se que o surgimento do nome
de Atenas ocorreu após o confronto do regime matriarcal com o patriarcal:
(...) Foi no tempo de Cécrope, o rei fundador de Ática que, segundo o mito,
estalou uma querela entre Atena e Poseidon pela denominação e posse do
país.
(...) Após consulta ao oráculo de Delfos, o rei resolveu o assunto, convocou
uma assembléia em que faziam parte ‘os cidadãos dos dois sexos’ porque
nesse país era então costume que as próprias mulheres tomassem parte nos
escrutínios públicos.7
Assim, as mulheres que apoiaram Atena foram às vencedoras, o que gerou a
revolta dos homens, que se investiram do poder e determinaram às mulheres a perda de todos
os direitos: de votar, do uso de nome pelos filhos e o da cidadania ateniense.
A mulher ateniense era proibida de freqüentar a Assembléia e de
desempenhar cargos públicos. Não podia ser proprietária, nem demandar em juízo. Durante
sua vida, estava sob a tutela do pai, do marido ou de um parente próximo, ao contrário do que
4
MURARO, Rose Marie. A Mulher no Terceiro Milênio: Uma história da mulher através dos tempos e suas
perspectivas para o futuro. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992, p.7.
5
A Origem da família, da propriedade privada e do Estado. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich; LENIN,
Vladimir. Sobre a Mulher. 3. ed., São Paulo: Global, 1981, p.15.
6
GEORGOUDI, Stella. Bachofen, o Matriarcado e a Antigüidade: relações sobre a criação de um mito. In:
DUBY, Georges e PERROT, Michelle. A História das Mulheres: A Antigüidade. Porto: Edições Afrontamento,
1990, v.1., p. 571.
7
Ibidem, p. 582.
ocorria com a mulher na sociedade homérica e na Esparta histórica, onde gozava de liberdade
e respeito.
A sujeição da mulher casada ateniense ia ao extremo de não ser mais
conhecida pelo seu nome, mas como mulher de fulano ou sicrano.
As leis greco-romanas regravam:
(...) Enquanto moça, está sujeita a seu pai; morto o pai, a seus irmãos e aos
seus agregados; casada, a mulher está sob tutela do marido, não volta para a
sua própria família porque renunciou a esta para sempre, pelo casamento
sagrado; a viúva continua submissa à tutela dos agnados de seu marido; isto
é, a tutela dos seus próprios filhos, se os tem, ou na falta destes, à dos mais
próximos parentes do marido.8
Da análise do referido texto constata-se que só o casamento constituía a
subordinação e a dignidade da mulher, visto que o poder do marido sobre esta não resultava
absolutamente da maior força do primeiro. Derivava, como todo o direito privado, das crenças
religiosas que colocavam o homem em posição superior, relativamente à mulher.9
O modo como os gregos criaram a figura da mulher é, no mínimo, curiosa.
Ela surge, inicialmente, como uma deusa, um ente mitológico; depois, é apresentada pela
medicina como um corpo a ser dissecado. Mais adiante, no plano filosófico, torna-se a mulher
uma figura social a ser instituída. Quando a torna sujeito, colocam-na à margem de qualquer
prática, com raras exceções, à margem da construção de qualquer história.
No que se refere aos romanos, apesar de ter gozado de consideração e
respeito como a esposa e mãe no seio da família romana, a mulher não possuía capacidade
jurídica plena, pois, no Direito Romano, uma das qualidades necessárias para o indivíduo
adquirir personalidade jurídica plena, além de ser cidadão romano e livre, era ser pater
familias e sui juris.
Dessa forma, afastava-se a hipótese de a mulher adquirir plena capacidade
jurídica, independentemente da tão decantada fragilitas sexus, pois pater familias era o
homem que não estivesse subordinado a nenhum ascendente masculino, e a expressão queria
significar poder; o poder que exercia o pater familias sobre seus descendentes, e inclusive a
mulher. Estava resumido no ius vitae ac necis10, no ius exponendi11, e no ius vendenti12.
8
COULANGES, Numa Denis Fustel de Coulanges. Op. cit., p. 69.
Ibid.
10
Direito de vida e de morte sobre os dependentes.
11
Poder de abandonar o filho infante.
12
Direito de vender as pessoas que estão sob seu poder.
9
Perante a religião doméstica, que gozava de total dependência no Estado
Romano, a mulher não desempenhava nenhuma função e só podia participar por intervenção
do pai, do esposo ou do irmão. A religião estava, também, constituída como privilégio do
sexo masculino e só se transmitia de linha masculina em linha masculina. Acreditava-se que,
se não houvesse mais filhos a quem o pai transmitisse seu culto, sua crença, o direito de
manter o Lar e de oferecer o repasto fúnebre, a família estaria condenada à desgraça e aos
infortúnios, uma vez que, deste modo, abater-se-ia sobre ela a Fúria dos Manes13.
Pitágoras via na mulher um ser voltado ao mal, quando assim explicou a sua
origem: “Há um princípio bom que criou a ordem, a luz, o homem; e um princípio mau que
criou o caos, as trevas, a mulher”14. Reflexões como estas – comuns entre os pensadores da
Antigüidade – são consideradas o que de melhor se produziu e se disse a respeito do gênero
mulher, na tradição ocidental.
Assim, nesse sistema dicotômico, a mulher ocupava o lugar do negativo, do
defeito, e que precisava ser integrada à sociedade, o que queria dizer, submetê-la à ordem
masculina estabelecida. Verifica-se, desse modo, que nas narrativas das literaturas antigas as
mulheres eram apresentadas como um suplemento, uma peça acrescida ao grupo social.
Quando se tratava do saber e do poder, as mulheres não eram nunca mencionadas.
O universo familiar na Antigüidade também era dual – machos e fêmeas – e
a solução para os conflitos apresentava-se da mesma forma definida pela medicina e pela
filosofia, isto é, com a predominância de um sexo sobre o outro, como era fortemente
expresso nas leis de Manu: “Uma mulher, mediante um casamento legítimo, adquire as
mesmas qualidades de seu esposo, como o rio que se perde no oceano, e é admitida depois da
morte no mesmo paraíso celeste”.15
Também a Lei de Manu, em seu artigo 420, do Livro Nono, que trata dos
deveres do marido e da mulher, diz que:
(...) a mulher, durante sua infância, depende de seu pai; durante a juventude,
de seu marido; por morte do marido, de seus filhos; se não tem filhos, dos
parentes próximos do seu marido; porque a mulher jamais deve governar-se
a sua vontade.16
13
FERREIRA, Valdemar Vieira Casas. A mulher casada no Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,
1985, p. 43.
14
Apud BEAUVOIR, Simone de. Op. cit., p. 101
15
Ibid.
16
CÓDIGO DE MANU, Artigo 420. Bauru: Edipro, 1994, p. 97.
Este artigo evidencia perfeitamente o tratamento discriminatório dado à
mulher no Direito da Família, desde a Antigüidade. Nessa linha, todas as religiões e Códigos
tratavam a mulher com muita hostilidade17. Em uma época em que o patriarcado estava
estabelecido, foram redigidos Códigos que, naturalmente, ofereciam à mulher uma condição
subordinada, passiva e inferior ao homem. Assim, a incapacidade da mulher romana era a
tradução institucional da situação inferior a que ela se encontrava relegada, em uma sociedade
em que prevalecia o poder masculino.
Simone de Beauvior assevera que:
(...) As leis de Manu definem-na como um ser servil que convém manter
escravizado. O heretício assimila-a aos animais de carga que o patriarca
possui. As leis de Sólon não Ihe conferem nenhum direito. O Código
Romano coloca-a sob tutela e proclama-Ihe a ‘imbecilidade’. O direito
canônico considera-na a ‘porta do diabo’.18
Desse modo, as mulheres da Antigüidade eram excluídas do mundo a que
pertenciam. O papel social da mulher se restringia ao confinamento às esferas domésticas,
enquanto os homens tinham monopólio das relações públicas e da política. Elas não possuíam
cidadania.
A mulher era vista, fundamentalmente, como propriedade e objeto de prazer
dos homens. Esta convicção íntima da maioria é fruto de uma longa construção histórica, a
despeito de muitos a acharem natural. Existem alguns mitos sobre a criação da mulher,
sobretudo o de Pandora, da tradição grega, e o de Eva, da tradição judaico-cristã.
Segundo a tradição, Pandora é plasmada com terra e água por Hefaístos; ou
seja, é uma invenção técnica, uma obra de arte, um artifício. É tudo enfim, menos um ser
natural. É uma vingança ardilosa de Zeus em resposta a outro ardil: o roubo do fogo divino
por Prometeu. Conseqüentemente, sua natureza de mulher é ser um mal – por mais fascinante
que seja sua beleza – enviado aos homens para arruiná-los.19
Assim, não existia lugar para a mulher a não ser para as atividades
domésticas, pois apenas os homens podiam se relacionar com a política.
17
Nesse sentido, ver ENGELS, op. cit. p.15, que assevera “essa condição humilhante da mulher, tal qual como
aparece notadamente, entre os gregos dos tempos heróicos e mais ainda dos tempos clássicos, foi gradualmente
camuflada e dissimulada e também, em certos lugares revestida de formas mais amenas, mas não foi
absolutamente suprimida.”
18
Op. cit., p. 101.
19
MATOS, Maria Izilda S. de; SOIHET, Rachel (Orgs.). O corpo feminino em debate. São Paulo: Ed. da
UNESP, 2003, p. 103.
1.2 Na Idade Média
A orientação social pela idealização e exaltação da mulher foi caracterizada
na Idade Média, ao mesmo tempo em que se desenvolvia o horror a ela (misoginia). Apesar
disso, a mulher passa a ser uma espécie de divindade, que nada devia aos que a adoravam, e
cujos favores, por mínimos que fossem, eram sempre, para o homem, uma graça merecida.
A sociedade da Idade Média, porém, continuou sendo acentuadamente
marcada pela hegemonia masculina, onde as manifestações culturais possuíam o registro das
lutas pelo poder e dos preconceitos masculinos. A mulher encontrava-se, ainda, em absoluta
dependência do pai e do marido, como bem define Opitz:
(...) Os seus desejos e idéias só podem freqüentemente ser descortinados por
trás do véu da tutela e da regulamentação imposta pelos seus pais, maridos e
confessores, sendo os seus atos ainda limitados pelas normas da sociedade e
pelo controle social.20
Nessa trajetória, a família, a Igreja e as normas jurídicas vigiavam e
exaltavam a virgindade da mulher, que era guarnecida pelo pai e assim transmitida ao marido.
A repressão, nesse sentido, era muito forte, tanto que a multa para quem deflorasse uma
mulher era o dobro da multa aplicada àquele que matasse um guerreiro. Conforme Jacques
Leclerq:
(...) as recompensas celestes são muito maiores para as virgens. E o
evangelho fornece às mulheres o arquétipo de Maria. Isto não é novo, mas
nunca tanto nos séculos XI e XII a Igreja exaltou a excelência desse estado.
Tudo levava a isso: o medo do fim dos tempos, a irradiação espiritual dos
monges, a reforma do clero e a promoção do culto mariano.21
A vida quotidiana das mulheres se movimentava em um enquadramento
jurídico que lhes era desfavorável, e assim permaneciam fechadas nas suas tradicionais
funções domésticas, servindo à expansão da espécie ou a Deus.
Por seu turno, os homens possuíam o mundo para desvendar todas as
aventuras a viver e toda a experiência a acumular.
Segundo Rose Marie Muraro:
20
DUBY, Georges e PERROT, Michelle. O Quotidiano da Mulher no Final da Idade Média. Porto: Edições
Afrontamento, 1990, v.1, 631p, p. 354.
21
DUBY, Georges e PERROT, Michelle. A Ordem Feudal. Porto: Edições Afrontamento, 1990, v.4, 640 p, p.
284.
(...) Em geral as mulheres fiavam, teciam, cuidavam dos animais e das
hortas, enquanto os homens faziam o trabalho mais pesado e as guerras. As
senhoras da alta estirpe, contudo, na ausência dos maridos, eram obrigadas
a gerir suas vastas propriedades. Assim, o papel econômico das mulheres
expandia-se ou se contraía com a presença ou ausência dos homens, e a
ausência era mais comum.22
Nessa concepção, com as restrições de direito à mulher, previstas nos
Códigos, a capacidade jurídica da mesma era extremamente limitada, sendo a mais flagrante
fixação de sua inferioridade a instituição da tutela do sexo masculino sobre o feminino.
Consoante Claudia Opitz:
(...) Os direitos gentílicos excluíam a mulher livre de todos os
acontecimentos públicos. Não podia aparecer em pessoa perante um
tribunal, tendo de se fazer substituir por um homem, o seu tutor (muntwalt).
Entre as mulheres solteiras esta era por norma o pai, entre as casadas, o
marido. Por morte destes, a tutela recaía no parente masculino mais
próximo, pertencente à família do pai. Além do direito de representar o
pupilo em tribunal, o tutor tinha o direito de dispor e de usufruir da fortuna
desta, o direito de castigar - que em casos extremos podia incluir a morte - o
direito de dar em casamento como entendesse e mesmo o direito de
vender.23
Nesse período os discursos dirigidos às mulheres eram proferidos pelos pais,
clérigos, mestres, etc. e o tema era a castidade, a humildade, o silêncio, o trabalho etc.
Durante séculos, as mulheres ouviram a repetição desses princípios,
acentuando a sua submissão. Eram os homens que usavam a palavra pelas mulheres,
fortificando a ideologia da Igreja, reinante na sociedade e que determinava as relações
familiares.
De acordo com Claudia Opitz:
(...) A doutrina do casamento por consenso defendida pela Igreja não podia
opor-se às relações de poder vigentes na sociedade - e no fundo também não
o queria: a relação entre marido e mulher não podia doravante ser de
amizade e pressupor a igualdade de direitos: ‘Sêde submissos uns aos outros
no temor a Cristo, as mulheres aos homens como ao Senhor...’ (Efésios,
5:21)... Um bom casamento era a comunhão entre o homem e a mulher,
mas, segundo os ensinamentos morais da Igreja, ele só era realmente bom
quando o homem 'governava' e a mulher obedecia incondicionalmente.24
22
Op. cit., p. 101.
DUBY, Georges e PERROT, Michelle. Op. cit., p.356.
24
Ibid. p. 366.
23
Nessa época a integração Igreja-Estado era muito acentuada, o que explica a
criação dos Tribunais Oficiais - instância judicial episcopal - que se ocupava de questões
familiares.
Esses tribunais cuidavam dos casos de litígios mais freqüentes, o que
correspondia à violência cometida pelos maridos, possuidores de um poder absoluto de
castigo, amparado no Direito, sobre a mulher.
Nesses tribunais as mulheres eram, muitas vezes, advertidas sobre a
obediência que deviam aos seus maridos. Desse modo, a ideologia determinava limites
repressivos extremos, onde se modelava o cotidiano feminino.
Ensina Claudia Opitz:
(...) Os maridos constituíam a primeira instância de controle social das suas
mulheres, e isso não era apenas determinado pelas disposições legais
redigidas a partir do século XII; os decretos canônicos que converteu o
marido em chefe de sua mulher reforçam também a responsabilidade e as
possibilidades de controle por parte do 'senhor e mestre'. Este monopólio de
poder encontra a sua expressão mais nítida no direito que o marido tinha de
castigar a mulher, que as autoridades locais e eclesiásticas fixavam, e no
privilégio masculino de ser infiel sem conseqüências.25
Ressalta-se que antes do século XI, período entre 1000 a 1250, houve tempo
em que às mulheres eram respeitadas em decorrência de que procriavam como elemento
imprescindível à perpetuação dos laços de sangue e da família, da sippe germânica.
No século XII, o feudalismo foi um modo de organização da sociedade, e
nessa época o ocidente europeu dividiu-se em inúmeros feudos, domínios e senhorios.
Continuando a mulher a desempenhar o papel apenas no âmbito doméstico.
No ano de 1209, a união entre o homem e a mulher deveria ser mantida.
Quando o homem abandonava a mulher ou esta abandonava aquele, várias conseqüências
podiam surgir, como a nítida discriminação entre o homem e a mulher, uma vez que vários
forais determinavam, quando da separação, o pagamento de quantia certa, muito menor para o
homem do que para a mulher.26
Já nessa época a questão do adultério se apresentava tormentosa e
discriminatória em relação à mulher. As conseqüências deste eram extremamente severas em
relação às mulheres, sendo elas abandonadas e desapropriadas de seus bens.27
25
Ibid., p. 368.
AZEVEDO, Luiz Carlos de. Estudo Histórico sobre a Condição Jurídica da Mulher no Direito LusoBrasileiro desde os anos mil até o terceiro milênio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 17.
27
Ibid., p. 20.
26
Dessa forma, comprova-se que quase tudo era proibido às mulheres. Elas não
tinham o direito de contratar, prestar fiança, reclamar direitos em juízo, sem autorização do
marido ou de seu representante.
No século XIV, o decreto (Livro das Leis e Posturas) proibia a quaisquer dos
cônjuges litigar sobre bens imóveis sem o consentimento do outro28. Tal decreto constitui a
origem dos artigos 235, II e 242, I, do Código Civil Brasileiro de 1916.
No que se refere às Ordenações Afonsinas, faz-se citação ao Livro IV, Título
XVIII, enfocando o Benefício do Veleiano, que foi outorgado às mulheres, isentando-as do
pagamento de fiança a que se comprometeram, quando não tivessem agido por malícia, mas
em razão da “fraqueza do siso que existe na geração de mulheres”.29
Nessa época, quando ocorria a morte do marido, a mulher só seria herdeira
caso não houvesse parente até o décimo grau. Acrescenta-se que o esposo tinha o direito de
castigar a sua mulher, de modo ilimitado, podendo matá-la.
Já nas Ordenações Filipinas, o Livro V, Título XXXVI, nº 1, que trata “das
penas pecuniárias dos que matam, ferem ou atiram arma na Corte”, estabelece-se, dentre as
excludentes de legítima defesa, de castigo a criado, discípulo, filho, escravo e mulher.
Jerônimo da Silva Pereira30 informa que a possibilidade de o marido castigar a mulher tinha
como fundamento o dever de submissão desta àquele.
Assim sendo, as normas para a infidelidade conjugal eram aplicadas com
maior rigor às mulheres do que aos homens. Elas podiam ser punidas até com a morte, porém,
enquanto traídas, nos mesmos tribunais, não possuíam meio algum de agir contra seu marido.
Recorrendo outra vez a Claudia Opitz, encontra-se:
(...) um grande número de processos do tribunal episcopal de Paris diz
respeito a casos de infidelidade conjugal, 6 foram sentenciados contra o
homem e 13 contra a esposa infiel. Isto não demonstra necessariamente que
as mulheres transgredissem mais as leis conjugais do que os homens, mas
parece revelar que a norma de infidelidade conjugal se aplicava com mais
rigor às mulheres do que aos homens, uma idéia que se tira também dos
direitos consuetudinários e regionais.31
Nesse contexto, desafiando os padrões estabelecidos, surgiu, na França, um
novo modelo de relação entre o homem e a mulher, o “amor cortês” que, segundo Duby, teria
28
Ibid., p. 29.
Ibidem, p. 42.
30
Ibidem, p. 46.
31
Op. cit., p. 371.
29
implicado uma sensível melhora na condição de vida da mulher das classes sociais altas. Os
entretenimentos nos castelos permitiam a elas criarem ao seu redor as descontrações da
poesia, das conversações, para onde os poetas eram atraídos, garantindo o próprio sustento. 32
Assim, enquanto os costumes oficiais sustentavam a tirania do esposo feudal,
a mulher tentava uma compensação através das atenções de amante fora do casamento.
Nessa forma de revestimento do amor, havia a possibilidade de perpetuação
do casamento enquanto instituição, possibilitando afirmar que, mutatis mutandis, esse modelo
de relação propagou-se até os dias atuais.
A esse respeito Georges Duby discorreu:
Assim, as relações entre o masculino e o feminino tomavam, na sociedade
Ocidental, um rumo singular. Ainda hoje, apesar da revolução das relações
entre os sexos, os traços que derivam das práticas do amor cortês, são
aquelas pelas quais a nossa civilização se distingue mais abruptamente das
outras.33
A fase do amor cortês, que suavizou um pouco a sorte das mulheres, não a
modificou na sua essência, isso porque não é o tipo da relação em si ou o encantamento que
possa envolvê-la que determinam a emancipação da mulher. A sua verdadeira libertação das
amarras criadas pela sociedade e ratificadas pelo Direito, em uma ordem estabelecida, só
ocorreu efetivamente, quando ela participou indiscriminadamente das decisões políticas,
exercendo a cidadania.
Nesse sentido, já no século XX, Lenin in Karl Marx et alii ensinaram:
Enquanto as mulheres não forem chamadas a participar livremente da vida
pública em geral, cumprindo também as obrigações de um serviço cívico
permanente e universal, não pode haver socialismo, nem sequer democracia
integral e durável. As funções de polícia como as de assistência a doentes e
crianças abandonadas, o controle da alimentação etc., não podem em geral,
ter uma execução satisfatória enquanto as mulheres não hajam obtido a
igualdade perante os homens, não só nominal, mas efetiva.34
32
O Amor Cortês. In: DUBY, Georges e PERROT, Michelle. História das Mulheres: A Idade Média, p. 332, que
sustenta "Com efeito, peça fundamental como o xadrez, a dama, no entanto, por ser mulher - eis onde pára o seu
poder - não poderia dispor livremente do seu corpo. Este pertencia ao seu pai, pertence agora ao marido.
Contém, em depósito, a honra deste esposo, assim como a de todos os machos adultos da casa, solidários. Este
corpo é, portanto, atentamente vigiado. Nas residências nobres (...) ela não pode escapar por muito tempo dos
que a espiam e conjecturam que esta mulher é enganadora, fraca como são todas as mulheres. Surpreendem com
sua conduta o menor indício de afronta, e logo a dizem culpada
33
Ibid., p. 350
34
O êxito de uma revolução depende do grau de participação das mulheres. In: MARX, Karl et alii. Op. cit.,
p.101.
Por outro lado, uma outra forma de emancipação da mulher ocorreu pelo
conhecimento. Entretanto, foi somente no final da Idade Média que as mulheres tiveram
acesso aos pergaminhos, e às Universidades, participando da vida intelectual reservada
somente aos homens.
Isso representou uma grande conquista do gênero feminino, apesar de frágil e
vulnerável, segundo a concepção masculina, pois os estudos de cunho oficial continuavam a
ser monopólio masculino. Com isso, circundada de dificuldades destacou-se, nessa fase, no
campo das letras, a escritora franco-italiana Cristina de Pisano.35
Ressalta-se que, nesse período, teve início um dos maiores genocídios da
história da humanidade - o apogeu da discriminação da mulher - ou seja, o período de caça às
bruxas.
Ocorreu aí o compulsório afastamento das mulheres das Universidades e a
proibição das mesmas de exercerem qualquer prática atinente à medicina – como a realização
de partos, abortos e curas em geral - através do domínio da milenar química na utilização das
plantas.36
O homem era considerado, em Roma, o chefe político, religioso e juiz; era o
pater familias que exercia o chamado ius vitae ac necis, direito de vida e morte sobre todos os
membros de seu grupo, impondo penalidades e tratando-os como coisas pertencentes ao seu
patrimônio.
No caso de morte do pater família, a mulher retornava a obedecer ao pai, ou
se tivesse filho homem, a esse caberia ao comando da família.
1.3 No Renascimento e na Idade Moderna
A Renascença contribuiu para que a mulher fosse adquirindo uma atuação
social sempre maior. Seu lugar deixou praticamente de ser o lar, estendeu-se aos salões, aos
35
ver BOHLER, Régnier Danielle. Vozes Literárias, Vozes Místicas. In: DUBY, Georges e PERROT, Michelle.
História das Mulheres: A Idade Média, p. 529, que diz "Na história da literatura,francesa entre 1395 a 1405,
Cristina de Pisano impõem-se como uma figura impressionante... Mas a sua identidade de mulher devia
infalivelmente criar problemas quando, oficialmente, e em seu próprio nome, ela fala no quadro de um contexto
social e cultural. Ela foi a primeira a afirmar a identidade de autora, a marcar solenemente a sua entrada no
campo das letras."
36
FRUGONI, Chiara. A Mulher nas Imagens, A Mulher Imaginada. ln: DUBY, Georges e PERROT, Michelle,
idem, p. 488, "a acusação de fabricarem ungüentos mágicos e malefícios remete para o conhecimento,
transmitido zelosamente de mãe para filha, das ervas e das propriedades, precisamente porque as mulheres,
fechadas em casa e destinadas a criar os filhos e a cuidar da família, estavam 'funcionalmente' obrigadas a
conhecer remédios e poções das bruxas conflui também o ressentimento da medicina douta e masculina contra
uma medicina popular, feminina e rival."
movimentos políticos e literários da época. Sua influência consolidou-se, dia a dia. O
Renascimento caracteriza-se pelo desenvolvimento da burguesia e culminou com a Revolução
Francesa.
A par do progresso comercial, surgem as reformas religiosas. Para alguns
autores elas significam sob diversos aspectos uma reação apaixonada contra esse mundo
libertino medieval que nega a Deus, entrega-se as cobiças da carne e a Satã.
Concomitantemente, a Renascença representa um afluxo de vitalidade que agita a humanidade
européia.
O Renascimento trouxe consigo novas regras de conduta para as mulheres: o
culto à domesticidade, a criação do amor materno e do amor romântico. Entretanto, o
movimento de caça às bruxas, iniciado na Idade Média, teve continuidade no Renascimento.
A repressão às feiticeiras aumentou consideravelmente e as mulheres foram responsabilizadas
por tudo o que de ruim acontecesse: má colheita, epidemias, mortes inexplicáveis etc.
A caça às bruxas prejudicou seriamente às mulheres em sua imagem social.
E, mesmo após o término desse revoltante movimento de perseguição, o estatuto social das
mesmas não é revalorizado. Pode-se aduzir que o crime de feitiçaria foi desqualificado de
direito, mas não de fato.
Nesse sentido, Sallmann in Georges Duby diz:
Quando era feiticeira a forca ou a fogueira manifestavam, na sua crueldade,
a sua responsabilidade penal. Vítima da sua imaginação ou tomada de
loucura, ela transforma-se num ser juridicamente diminuído, com
responsabilidade pessoal limitada.37
Paralelamente à caça às bruxas, que atingiu as mulheres das classes baixas,
surgiu, nessa fase, um movimento dirigido ao amor platônico, que exaltava as mulheres alcançando as que pertenciam as classes mais elevadas – preparando-as para a era industrial.
Desse modo, as primeiras seriam as operárias dóceis do século em questão e as segundas,
cultivando extrema feminilidade, seriam as consumidoras.
Devido à decisiva influência feminina nos tempos medievais, não há corte,
nos Séculos XVI e XVII, por maior que seja a sua magnificência, que dispense a presença da
mulher. Nessa época, a mulher revela apreciável instrução: conhece as letras, a música, a
pintura, sabe dançar e conversar agradavelmente. Organiza os seus salões famosos, a que
concorrem personalidades de grande destaque social.
37
Feiticeira. In: DUBY, Georges e PERROT, Michelle. História das Mulheres: Do Renascimento à Idade
Moderna. Porto: Edições Afrontamento, v. 3, 1990, p. 533.
No Século XVIII o desenvolvimento intelectual, marcou a transição do
antigo regime. A imprensa foi, acima de tudo, a grande artífice dessa evolução de princípios.
Todo esse progresso colimou num dos movimentos mais importantes de todos os tempos: a
Revolução Francesa.
Nessa época, a mulher parisiense despertou interesse pela política,
participando de forma intensa e tornando-se companheira dos líderes revolucionários.
O casamento civil e o divórcio tornaram a vida mais fácil e cheia de
atrativos. Surgiram mulheres extravagantes tanto na aparência quanto no espírito e foram
denominadas de “as Maravilhosas”.
Em Portugal, Marques de Pombal, mesmo por ocasião de um terremoto que
arrasou a Lisboa Antiga, a reconstrução não trouxe apreciáveis modificações sobre o que fora,
visto que a vida prosseguia com o luxo de sempre. Nessa época a mulher portuguesa ainda
permanecia muito caseira, só saía do lar para ser batizada, para se casar e para ser enterrada.
Logo, se abstinha de inúmeros eventos locais, porém, participava dos saraus familiares,
freqüentava o teatro, desde que acompanhada, e costuma ir aos cafés com raríssimas
exceções, por ser coisa muito mal vista. A sucessão do trono fazia-se, também, pela linha
feminina, como o Rei D. José que foi substituído por D. Maria I, genitora do Príncipe Regente
D. João, coroado Rei de Portugal, no Brasil como D. João VI.
Já na conservadora Inglaterra, as sufragistas se empenharam numa luta de
vida e de morte para a conquista do direito do voto. Esse movimento foi conseqüência
também da extensão da educação superior às mulheres, e ocorreu a algumas individualidades,
com Dorotéa Beale, Diretora do Cheltenham Ladies’ College, em 1858.
O movimento pró-sufrágico Feminino acentuou-se, em 1906, já em pleno
Século XX, e a mulher alcançou as posições que tanto almejaram, até esse momento,
privilégio do homem, destacando-se na política, na ciência, na literatura, etc.38
1.4 No Século XX e XXI
A história das mulheres sempre foi contada por homens, pois além da força
física, eles detinham o prestígio moral, o controle intelectual e econômico. As mulheres que
conseguiram algum espaço foi em decorrência de que os homens que a cercavam estavam
dispostos a conceder tais privilégios.
38
FARHAT, Alfredo. A mulher perante o direito. São Paulo: Ed. Universitária de Direito, 1971, p. 23.
Segundo Simone de Beauvior:
(...) A mulher sempre foi, senão a escrava do homem, ao menos a sua
vassala; os dois sexos nunca partilham o mundo em condições; e ainda hoje,
embora sua condição esteja evoluindo, a mulher arca com um pesado
‘handicap’. Em quase nenhum país o seu estatuto legal é idêntico ao do
homem e, muitas vezes, este último a prejudica consideravelmente. Mesmo
quando os direitos lhes são abstratamente reconhecidos, um longo hábito
impede que encontre nos costumes sua expressão concreta.39
A classe de mulheres trabalhadoras gozava de certa autonomia econômica,
mas, em contrapartida, carregava o fardo da discriminação no trabalho.
A vida das mulheres sempre foi controlada e a participação destas tornou-se
intensa somente a partir de da Revolução Industrial, participando nas áreas social, técnica e
econômica. Portanto, não lhe foi dado construir Estados ou descobrir mundos.
Acerca do tema, Simone de Beauvior assevera que:
O êxito de algumas privilegiadas não compensam, nem desculpam o
rebaixamento sistemático coletivo; e o fato de serem esses êxitos raros e
limitados, prova precisamente que as circunstâncias lhes são
desfavoráveis.40
A mulher que exerce atividade laboral carrega o ônus da dupla jornada, pois
após o expediente tem que prestar assistência aos filhos e ao cônjuge, sobrando-lhe poucos
momentos de lazer, circunscrevendo-se o círculo vicioso que Heloneida Studart descreve em
sua obra: “A dominação produz debilidade mental e a debilidade mental facilita a
dominação”.41
Lenin in Karl Marx corrobora:
Fazer a mulher participar do trabalho produtivo social, libertando-a do jugo
bruto e humilhante, eterno e exclusivo, da cozinha e do quarto dos filhos,
eis a tarefa principal. Esta luta será longa. E exige uma transformação
radical da técnica social e dos costumes.42
Frise-se que foi Freud quem embasou as teorias científicas para que, neste
século, fosse assegurada a domesticidade da mulher.
39
Op. cit. p. 21
Op. cit. p. 171.
41
STUDART, Heloneida. Mulher, objeto de cama e mesa. 4. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1974, p.20.
42
O êxito de uma revolução depende do grau de participação das mulheres. In: MARX, Karl et alii. Op. cit., p.
129.
40
Segundo
Rose
Marie
Muraro43,
esse
psicanalista
estabeleceu
comportamentos sexuais e mostrou às mulheres que o seu espaço de domínio ainda era o
privado.
Desse modo, elas não podiam competir com o homem no mercado de
trabalho, pois que, sendo companheira, significava ser-lhe submissa. Afinal, formou-se no
imaginário social o preconceito contra a mulher que exercesse trabalho fora do lar: era
considerada masculina.
A evolução milenar dos direitos da mulher, porém, foi produto de ásperas
lutas, de transformações sociais tão intensas que o homem foi compreendendo que não podia
mais relegá-la a condição de mera servidora e elemento procriador, a fim de perpetuar a
família, dando lhes um sucessor que viesse a cuidar do seu nome.
A evolução das estruturas sempre esteve ligada à atuação da mulher, no
trabalho profissional, na vida política, em que é, atualmente, muito intensa, no exercício de
funções sociais, além daquela em que sempre se destacou como insubstituível, a função
familiar, nos cargos públicos, na cultura, etc. E é natural que essas transformações do papel da
mulher modificassem a visão do homem do conjunto da sociedade e contribuíram
significativamente para mudança de sua escala de valores.
A antiga rivalidade entre os sexos tende a desaparecer com plena igualdade
sócio-política-jurídica do homem e da mulher, ainda que haja disputa de cargos e funções, e
tenha aumentado a concorrência no exercício de diversas profissões liberais de igual para
igual.
Pode-se afirmar que a mulher é hoje partícipe, em todo o mundo, das
atividades de que somente o homem tinha o direito de exercer. Ela está presente em tudo e,
diga-se de passagem, com uma grande categoria, seja na política, na educação, na ciência, na
cultura, nas artes, etc.
A mulher contemporânea vem alcançando o seu espaço, alcançando a sua
igualdade perante a atual Constituição depois de muitas lutas, muitos movimentos em prol
disso, porém a essa altura ainda existem tabus e preconceitos que dependem de toda uma
estrutura complexa para serem quebrados, e enquanto estes resquícios milenares não
desaparecem, o ideal é buscar a formação de uma mentalidade geral dessa evolução da mulher
perante a sociedade.
43
Op. cit., p. 137.
CAPÍTULO II – SÍNTESE HISTÓRICA DA CONDIÇÃO DA MULHER NO BRASIL
Na época em que o Brasil foi descoberto, os homens vinham para a nova
terra sozinhos. Várias décadas se passaram para que as mulheres os seguissem, ocorrendo
nesse espaço de tempo uma mistura de raças: brancos, mestiços de portugueses com índios e,
mais tarde, com negras. Essa mestiçagem foi fundamental para a determinação da situação
social da mulher. Nesse contexto a união legalizada era quase inexistente.
2.1 A Mulher Indígena
O dia-a-dia da mulher indígena pode ser conhecido pelos relatos de viajantes
que observavam a cultura indígena do Brasil colônia. Os viajantes adotavam uma visão típica
da tradição cristã, não tendo preocupação com as particularidades dos habitantes do Novo
Mundo, assim sendo, analisavam os indígenas tendo como paradigma o homem europeu.
Ressalte-se que nas terras européias, os costumes eram opostos aos
princípios da religião cristã, sendo vistos como indícios de barbarismo e da presença do
Diabo. Os bons hábitos, porém, faziam parte das leis naturais criadas por Deus.
Mary Del Priore44, fazendo menção a cultura indígena, revelou que o
desconhecimento da palavra revelada, da organização estatal e da escrita foram vistos como
marcas da barbárie e primitivismo.
As diferenças eram consideradas desvios da fé, transgressões capazes de
conduzir os americanos ao inferno. A alteridade significava o afastamento das leis naturais.
Esta afirmação comprova que a cultura indígena foi descrita a partir do modelo teológico e do
princípio de que os brancos eram eleitos de Deus e, dessa forma, superiores aos povos do
novo continente.
Dessa forma, os hábitos que os missionários descreviam provinham ou de
reminiscências do cristianismo primitivo ou deturpações promovidas pelo Diabo, isentando a
hipótese de serem concebidas apenas como estranhas no universo cristão. Essa possibilidade
feria a idéia da “monogenia” dos seres humanos, ou seja, de que todos os homens são
descendentes de Adão e Eva, como está escrito na Bíblia.
A mulher indígena como mãe realizava algumas práticas mágicas ao longo
da educação dos filhos. De acordo com Fernão Cardim45, os filhos eram amamentados durante
44
45
PRIORE, Mary Del. História das Mulheres no Brasil. São Paulo: UNESP, 1997, p. 12.
CARDIM, Fernão. Tratado da terra e da gente do Brasil. São Paulo: Edusp, 1980, p. 91.
um ano e meio e, neste período eram transportados em pedaços de panos conhecidos como
“tipóia”. Mesmo trabalhando nas roças, as mães não se apartavam dos filhos, carregavam as
crianças nas costas ou as encaixavam nos quadris.
Muito ao contrário do que foi descrito acima os outros colonos tinham as
mães indígenas como apenas seres sem sentimentos. Uma tribo chamada Caetés era, por
exemplo, considerada cruel por não respeitar as relações de parentesco, pois os pais vendiam
seus filhos e parentes sem nenhum constrangimento.
Quando seus maridos ficavam doentes as índias cometiam atrocidades para
restabelecer a saúde deles, matando os filhos para que aqueles se alimentassem até que se
recuperassem. Caso não tivessem filhos saiam à caça de crianças com arco e flecha, pois
acreditavam que somente o frescor da infância recuperava o marido debilitado. Acreditava-se
que a dieta a base de carne de crianças vez que podiam absorver a força delas, devolveria a
saúde de seus maridos.
O amor maternal e a preservação da família representavam muito pouco para
os nativos, contudo não podemos esquecer que essa interpretação de vida foi tirada a partir
dos costumes e crenças de cultura cristã e “branca”.
Quando os homens desejavam se unir a uma mulher, eles se dirigiam a ela e
perguntavam se havia o interesse em se casar com ele. Se essa vontade fosse recíproca,
pediam permissão aos seus pais ou parentes mais próximos. Assim sendo, conseguindo suas
permissões já eram considerados casados.
É interessante este evento, visto que não havia cerimônias, nem promessas de
que o casamento deveria se perpetuar até que a morte os separasse. Tanto o marido poderia
expulsar a mulher, como ela também o poderia fazer e se o casamento chegasse a um ponto de
saturação a união se desfaria sem nenhum constrangimento deixando os dois livres para
procurar outros parceiros.
A poligamia era amplamente difundida, contudo, a maioria dos índios tinha
apenas uma mulher. O adultério feminino era considerado um grande escândalo, pois o
marido enganado poderia expulsá-la, ou em casos extremos até matá-la, considerando uma
“lei natural” e se a mulher engravidasse fora do seu casamento a criança era enterrada viva e a
mulher adúltera era trucidada ou abandonada nas mãos de outros índios. Contudo, o marido
não se vingava do homem envolvido no adultério para não criar inimizade.
Acerca do tema, Vitor de Toledo Abrantes, discorre:
(...) os índios vegetavam lamentavelmente no fundo das selvas,
freqüentemente entregues aos horrores do canibalismo e do infanticídio e à
adoração de seres diabólicos que divinizavam. Evita-se assim que os índios
assimilem a cultura ocidental, adotem a Religião católica pregada pelos
autênticos missionários e trabalhem visando sua prosperidade, como o
comum dos brasileiros, em harmonia com o resto da população. É uma
forma disfarçada e malfazeja de racismo. Quanto aos que já se beneficiaram
desses dons, são com freqüência estimulados a abandoná-los para voltar à
triste situação de seus ancestrais. 46
A evolução das “classes de idades” entre os ameríndios foi descrita por
um frei e estudioso chamado Yves d’Evreux. Ele destaca que para o sexo feminino existiam
seis “classes de idade”: primeira classe de idades era comum aos dois sexos, ou seja, os
pequenos pouco diferia ao nascer. A segunda classe de idades estendia-se até o sétimo ano
após o nascimento. Começando assim, as distinções entre os sexos, sobre tudo em relação às
atitudes, comportamentos e deveres próprios da idade.
As meninas ficavam muito mais tempo amamentando que os meninos.
Embora as meninas se comportassem como os demais e comessem bem, elas costumavam
mamar até os seis anos de idade. Em tarefas cotidianas as meninas ajudavam suas mães na
confecção de redes e em outras tarefas comuns. Fabricavam potes e panelas enquanto os
meninos carregavam pequenos arcos e flechas.
Na terceira classe de idade encontram-se meninas com idade de sete a quinze
anos, nesta idade elas perdiam a pureza em função das fantasias. Estando nesta idade a
menina aprendia os deveres da mulher, tais como: fiar, tecer, fabricar farinha e outras
atividades relacionadas à alimentação diária. Em reuniões ficavam em silêncio e aprendiam a
seguir o mundo masculino, enquanto os homens se dedicavam em buscar alimento para a
família.
Na quarta classe de idade, as jovens de 15 a 25 anos, cuidavam da casa
aliviando assim o trabalho das mães. Depois de casadas as índias andavam acompanhadas de
seus maridos levando nas costas provisões alimentícias a fim de sustentá-los em uma longa
caminhada caso necessária.
O frei citado chegou a comparar as mulheres ameríndias a burros de carga.
Ele também conta em sua obra que essas mulheres em tempo de gravidez não deixavam de
trabalhar até a hora do parto e que nem procuravam a cama para o momento certo. Elas
apenas se sentavam e comunicavam às vizinhas que o momento de dar à luz estava próximo.
46
ABRANTES, Vitor de Toledo. Suprema crueldade entre os índios. In Catolicismo. São Paulo. Artigo
publicado nº 639 em março de 2004, p. 27.
Assim, a notícia se espalhava e atraía um grande número de mulheres para junto da
parturiente.
Depois que o filho nascia a mulher continuava normalmente às suas tarefas
domésticas, enquanto o homem era cumprimentado pela aldeia. Ele ficava de cama e era
tratado como se estivesse grandemente doente.
Segundo Vitor de Toledo Abrantes:
(...) O Estado não reconhece a esses indígenas qualquer direito individual
além de viver lá dentro, submetidos totalmente como estão aos ditames dos
que dominam o conjunto deles e dos antropólogos que os controlam; podem
comer algum animal, ave, inseto, peixe ou vegetal que consigam obter,
naturalmente sem nunca trabalhar seriamente em coisa alguma, porque isto
seria contrário à sua cultura.47
Já a quinta classe de idade, ou seja, entre 25 e 40 anos, algumas índias ainda
conservavam traços da mocidade, porém nessa fase se iniciava um processo de decadência
física, notada sobretudo, pela queda dos seios.
Na sexta classe de idade, as mulheres com mais de 40 anos presidiam as
cerimônias de fabricação do “cauim” e de todas as bebidas fermentadas. A morte das velhas
não causava comoção, pois os selvagens preferiam as moças.
Os homens da sexta classe etária não recebiam o mesmo tratamento. Para
eles, essa era a idade mais honrosa de todas. Eles viviam cercados de respeito e veneração,
continuavam soldados valentes e capitães prudentes. O falecimento de um velho guerreiro era
acompanhado de homenagens, sobretudo quando tombavam no campo de batalha. A sua
morte com armas tornavam-no herói e enobrecia seus filhos e parentes.
Ao invés de exibirem a experiência e a sabedoria da idade, as velhas índias
expressavam por meio de corpos a degeneração moral. Elas demonstravam, de forma
ostensiva, a degradação da idade e o resultado das transgressões da mocidade.
Percebe-se que há um destaque para a fragilidade moral das mulheres. Na
puberdade, quando descobriam a sexualidade, as moças podiam “perder” a cabeça, enquanto
os rapazes auxiliam a família, caçando e pescando. A sexualidade praticamente pertencia ao
mundo feminino, e o trabalho era a tônica entre as classes de idades masculinas.
47
Ibid., p. 22-34.
2.2 A Mulher Escrava
Desde o Século VII, o mundo islâmico abastecia-se de escravos na África
Negra. Pelo Deserto do Saara os mercadores árabes levavam escravos para o Marrocos, para
Argel, para o Egito e para a Arábia, no Mar Vermelho. A preferência era por mulheres,
porque realizavam os serviços domésticos e para os haréns dos califas, ministros de príncipes
mulçumanos, e por crianças que eram educadas na nova fé islâmica e preparadas para os
serviços de administração ou para formar tropas de elite, como os janízaros do Sultão do
Egito.
A partir do momento em que se deu início ao tráfico transatlântico para as
plantações de açúcar ou as Minas nas Américas, a preferência foi por escravos do sexo
masculino.
Nesse sentido Hugues D’ans48 explica que com um aumento inesperado da
demanda de escravos, as mulheres eram escravizadas em massa na África, para ali seguirem
reproduzindo o sistema escravista, fornecendo novos escravos aos mercadores.
Mesmo sendo a África o local dos quais os escravos provinha, grande
número de mulheres eram embarcadas nos navios negreiros. A proporção embora variável,
costumando ser a ser de dois terços de homens para um terço de mulheres.
No Brasil, as mulheres escravas desempenham quase todos os trabalhos
executados pelos homens, e para outros apenas delas. Encontravam-se nos campos cortando
cana ou nas moendas de garapa, além de capinar e derriçar o café e, plantar e colher algodão.
Estavam em maior número, contudo, nos serviços domésticos, lavavam, passavam,
cozinhavam, limpavam, arrumavam e cuidavam das crianças e das senhoras, como mucama.
De acordo com Hugues D’ans49, eram elas que imprimiam o inconfundível
aroma e sabor da comida à comida baiana, rica de azeite e pimenta. Eram elas que enfeitavam
as ruas com os turbantes e os panos da costa, animavam a vida dos centros de culto afro, onde
mães e filhas-de-santo guardavam viva a tradição dos orixás trazidos da África. Durante a
escravidão, elas dominavam o pequeno comércio de rua, seja servindo, logo de madrugada,
cuias de sopas aos negros, seja oferecendo doces e salgados ao longo do dia.
Os homens escravos eram minoria. Tal fato dificultava ainda mais os
casamentos já pouco favorecidos no regime escravista. Nas áreas de mineração, podia subir
para oitenta ou noventa por cento o número de homens em relação às mulheres. A maioria
48
49
D’ANS, Hugues. Mulher: da escravidão a libertação. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 16.
Ibid.
delas eram requisitadas pelos homens brancos, de forma que ainda quase crianças eram
defloradas pelos filhos da casa, pelos senhores e feitores, povoando de mulatinhas as
dependências das casas-grandes e acendendo os furores e ciúmes das senhoras de engenho ou
de latifúndio.
Na época da escravidão, em nosso país, a família negra é rara, e quando
existia, era geralmente, incompleta, constituída pela mãe e filhos pequenos que rapidamente
eram arrancados da genitora, para serem vendidos ou mandados para o trabalho, longe da
mesma.
Em outros países, a legislação proibia separar o marido e mulher, pais dos
filhos, nas vendas de escravos. No Brasil, ocorria o tráfico com uma certa liberdade. Em
1871, a Lei do Ventre Livre, dispunha sobre a família escrava da seguinte forma: “Em
qualquer caso de alienação em transmissão de escravos, é proibido, sob pena de nulidade,
separar os cônjuges, e os filhos menores de 12 anos, do pai ou mãe” (art. 4º § 7º).
Esta lei surgiu de forma tardia e quase sem força para mudar o costume
vigente, surge, dezessete anos antes do término da escravidão, proteção às crianças menores
de doze anos e aos pais proibidos de serem separados de seus filhos.
Conseqüentemente, a escravidão afetou mais a mulher, obrigada a gerar
filhos de quem não queria, privada de conviver estavelmente e em regime familiar com quem
ela amava e era também alugada para amamentar filhos que não eram seus, enquanto seus
próprios filhos pereciam.
Muitas escravas resistiam à escravidão, para que não gerassem filhos que
viesse a ser escravo. Algumas, inclusive, procuravam de propósito o aborto, só para os filhos
de suas entranhas não viessem a padecer o que elas padeciam.50
Mesmo com todos estes empecilhos, as mulheres escravas mantiveram a
vida, multiplicando-se e afirmando-se. Guardaram histórias, cantigas, tradições e rezas, que
passaram indistintamente para crianças negras, mestiças e brancas. Ressalte-se que a maioria
das uniões entre escravos, era consensual e não sancionada pelo sacramento do matrimônio,
instrumento, ao mesmo tempo jurídico, religioso e civil.
Entre os escravos, essa união consensual era até mesmo inexistente, enquanto
vinculo estável entre um homem e uma mulher, ou melhor, não consistia na coabitação
regular entre os parceiros sexuais. O resultado era a mãe sozinha com os filhos, o que se
converteu até hoje no denominado pelas classes populares de “mãe solteira”.
50
ANTONIL, André João. Cultura e Opulência no Brasil. São Paulo: Forense, 1967, p. 164.
O sacramento do matrimônio era relativamente raro entre os escravos.
Entretanto, o mesmo não se sucedia com o batismo.
Na realidade, o batismo parece que cumpria algo mais do que a função
religiosa de incorporar, formalmente, os recém-nascidos à Igreja Católica e de dar um
documento civil a cada criança. O batismo organizava uma complexa rede de parentesco
espiritual, que envolvia a criança, seus pais, ou pelo menos a mãe e os padrinhos.
Assim sendo, o batismo dava origem, para pessoas destituídas de família
legal, a uma família espiritual, com obrigações recíprocas que eram levadas a sério pelas
pessoas envolvidas. Além do respeito que afilhados deviam ao padrinho e à madrinha, aos
quais recordam as mães, devia-se pedir uma bênção, e estes deviam ao afilhado (a) proteção e
socorro, até mesmo a obrigação de criá-los e educá-los na falta dos pais e, sobretudo da mãe.
2.3 A Mulher no Brasil Colônia e no Brasil Independente
A partir do século XVII, a historiografia relata através de documentos a
legislação aplicada a mulher no Brasil, como "imbecilitus sexus", equiparada às crianças, aos
doentes e aos incapazes. No entanto, apesar de ser considerada incapaz, ela podia herdar e
mesmo administrar propriedades, quando houvesse o interesse ou por necessidade da família.
Nesse sentido, Paulo Freire apud Maria Lúcia Rocha Coutinho51 afirma:
(...) matriarcas houve no Brasil patriarcal, apenas com o equivalente de
patriarcas, isto é, considerando-se matriarcas aquelas mulheres que, por
ausência ou fraqueza do pai ou do marido, e dando expansão a
predisposições, ou características masculinóides de personalidade foram, as
vezes, os homens da casa.
No século XVIII a família, de organização patriarcal, constituía-se no centro
econômico e político da sociedade e, como tal, uma força que se antepunha ao Estado. A
Igreja, por seu turno, exercia uma posição intermediária entre a família e o Estado, usando
como canal para estabelecer esta relação as mulheres que militavam na religião. Essa era
também uma forma de compensar as mulheres por sua situação de inferioridade social.
A mulher branca – no período colonial do Brasil e mesmo na República –
casava por conveniência econômica, quase sempre com parentes, para reforçar os laços
familiares, mas especialmente para preservar o patrimônio da família. Assim sendo, aquelas
51
Apud COUTINHO, Maria Lúcia Rocha. Tecendo por trás dos Panos: A mulher brasileira nas relações
familiares. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 68.
mulheres que não desejassem participar desse pacto familiar eram enviadas para os conventos,
para evitar casamentos inter-raciais.
Por outro lado, a virgindade da mulher era considerada uma virtude, um fator
de alta importância e, como tal, era guardada pelo patriarca e por outros membros da família.
Ademais, a família honrada era aquela que mantinha a condição de subserviência da mulher e
sua total dedicação aos afazeres domésticos, como bem define Charles Expilly52apud Maria
Lúcia Rocha Coutinho:
A desconfiança, a inveja e a opressão resultantes, prejudicavam todos os
direitos e toda a graça da mulher que não era, para dizer a verdade senão a
escrava do seu lar. Os bordados, os doces, a conversa com as negras, o
cafuné, o manejo do chicote, e aos domingos uma visita à igreja, eram todas
as distrações que o despotismo paternal e a política conjugal permitiam às
inquietas esposas.
A mulher negra e a mulata, por sua vez, sofriam grandes privações, desde a
instrução básica, que não lhes era possibilitado receber. A liberdade de deslocamento dessas
mulheres, empregadas domésticas em sua maioria, era controlada, assim como o seu modo de
vestir.
A propósito, Clarice Lispector53 descreve a monotonia e a falta de
perspectiva da vida dessas mulheres:
Sua preocupação reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde,
quando a casa estava vazia, sem precisar dela, o sol alto, cada membro da
família distribuído em suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração
se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que
sentisse ternura pelo seu espanto - ela o abafava com a mesma habilidade
que as lides da casa lhe haviam transmitido... De manhã acordaria aureolada
pelos calmos deveres. Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos,
como se voltassem arrependidos. Quanto a ela mesma, fazia obscuramente
parte das raízes negras e suaves do mundo. E alimentava anonimamente a
vida. Estava bom assim.
Nesse diapasão a função da mãe - aqui se inclui a negra e a mulata - era
glorificada. A figura da mãe - a exemplo do que foi exposto na primeira parte deste trabalho era associada à Igreja, à Virgem Maria, à imagem da devoção e do sacrifício. Ela simbolizava
a honra familiar, a solidariedade e a moral da família. Destarte, ela era a figura-modelo da
52
53
Apud COUTINHO, Maria Lúcia Rocha. Op. cit., p. 66.
LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. 4. ed., Rio de Janeiro: Sabiá, 1970, p. 19.
família, perpetuando-se essa mistificação até os dias atuais, onde muitos maridos chamam a
esposa de "mãezinha", numa associação com sua própria mãe.
Nesse sentido Donald Woods Winnicott54 apud Maria Lúcia Rocha Coutinho
assevera:
A saúde do adulto forma-se durante toda a infância, mas as funções dessa
saúde, são as mães que estabelecem durante as primeiras semanas e os
primeiros meses da existência de seu filho...Alegrem-se de que tal
importância lhes seja concedida. Alegrem-se de deixar a outros o cuidado de
conduzir o mundo enquanto põe no mundo um novo membro da sociedade.
Enquanto a mulher-mãe era exaltada devia, como reconhecimento e gratidão
a esse tributo que a sociedade lhe conferia, permanecer em seu espaço privado. Ela era mãode-obra gratuita – no período colonial e, não tão raramente, ainda hoje - permitindo a auto suficiência das residências. A mulher era o agente passivo da multiplicação da riqueza do
marido, embasando o funcionamento do sistema econômico que é exterior às famílias e mais
amplo que estas. Antonia Fraser, a esse respeito, ensina:
O papel do cidadão no capitalismo clássico, de dominação masculina é,
portanto, um papel masculino. Ele vincula o Estado e a esfera pública, como
afirma Habermas. Mas também vincula estes com a economia oficial e a
família. E em todas as circunstâncias, os vínculos são forjados na esfera da
identidade do gênero masculino....55
A autoridade do patriarca, comum no Brasil Colônia, prosseguiu no período
do Império, da República e, em muitos casos, até os dias atuais, conforme diz Maria Lúcia
Rocha Coutinho:
As circunstâncias do regime econômico-social no Brasil, portanto, muito
contribuíram para forçar a opressão da mulher pelo homem: limitando sua
atividade à esfera doméstica ou ao plano da prática religiosa, o homem
melhor pôde exercer o seu domínio sobre ela. O absolutismo do pater
famílias, em nossa terra só começou a se dissolver à medida que outras
instituições e figuras cresceram....56
Foi somente no século XIX, com o processo de industrialização e com as
imigrações, que a unidade familiar sofreu algumas alterações, tais como: declínio da
54
Apud COUTINHO, Maria Lúcia Rocha. Op. cit., p. 93.
Apud BENHABIB, Seyla e CORNELL, Drucilla, Feminismo como Crítica da Modernidade. Rio de Janeiro:
Rosa dos Tempos, 1987, p. 53.
56
Op. cit., p. 75.
55
autoridade paterna, maior participação das mulheres nas atividades lucrativas, algumas formas
de controle da maternidade etc.
Nesse período, emergiu uma nova classe social formada por profissionais
liberais: médicos, advogados e outros. Entretanto, apesar dos muitos avanços socioculturais,
não se modificaram algumas características feudais que dizem respeito à mulher como a
intolerância ao adultério cometido por ela, enquanto para o homem, o mesmo comportamento
era aceito; e o tabu contra a perda da virgindade da mulher. Muraro, nesse sentido, define:
“...o adultério era chamado de crime, mas apenas para as mulheres. A virgindade era aquilo
que distinguia as mulheres que iriam ter uma vida má de uma vida boa”.57
Acrescente-se que no século XIX, foram introduzidas no Brasil teorias
científicas para justificar a natureza do homem com predisposição à intelectualidade,
enquanto que a mulher era vinculada à natureza afetiva. Com base nessas teorias eram
justificadas as atitudes racionais, autoritárias e altivas do homem, enquanto às mulheres eram
atribuídas as variações de fraqueza, sensibilidade, doçura e a conseqüente submissão. A
ciência, desse modo, estava reforçando os estereótipos masculinos e femininos, justificando o
papel que cada gênero exercia na sociedade.
O Código Civil de 1916, retratava a sociedade da época, que era
extremamente conservadora e patriarcal, consagrando a superioridade masculina. O comando
era exclusivo do homem, transformando-o em autoridade com poder pessoal. Ao se casar, a
mulher perdia sua capacidade, tornando-se relativamente capaz, pois até para trabalhar
necessitava de autorização do marido. O casamento era indissolúvel. Só havia o desquite, que
rompia a sociedade conjugal, mas não dissolvia o casamento.58
A Escola era uma das instituições sociais que ratificava o tratamento
diferenciado oferecido aos meninos e às meninas. Enquanto àqueles era ensinado Línguas,
Aritmética, Geografia, etc., a estas o currículo oferecido compreendia Letras, Música, Dança
e Prendas Domésticas. Saliente-se, também, que o acesso à educação às meninas somente foi
possível muito tempo depois dos meninos.
Dessa forma, pode-se deduzir que o ensino ministrado às meninas visava
prepará-las para a missão de professora primária, ou seja, um segmento das funções maternais
que lhes eram delegadas na época.
57
Op. cit., p. 35.
DIAS, Maria Berenice. A Mulher no Código Civil. Disponível em <http://www.mariaberenicedias.com.br>.
Acessado em 03/01/2006.
58
Nesse círculo hermético e limitado não era possível à mulher a construção de
maiores sonhos, como pode ser visto em Machado de Assis:
(...) aprendera a ler, escrever e cantar, francês, doutrina e obras de agulha,
não aprendeu, por exemplo, a fazer renda; por isso mesmo quis que prima
Justina Ihe ensinasse. Se não estudou Latim com o Padre Cabral, foi porque
o padre, depois de Ihe propor gracejos, acabou dizendo que Latim não era
língua de meninas.59
O conhecimento de uma língua estrangeira, preferencialmente o francês, era
imprescindível às mulheres das classes altas da época. Pelo domínio dessa língua e da
habilidade no trato com as prendas domésticas, assim como no manejo do piano, tornavam-se
simpáticas e atraentes ao convívio social, fator de orgulho e valorização do marido. Esse
modelo de mulher ideal foi igualmente descrito por Machado de Assis:
Era doce, afável e inteligente. Não eram estes, contudo, nem ainda a beleza,
os seus dotes por excelência eficazes. O que a tornava superior e Ihe dava
possibilidade de triunfar era a arte de acomodar-se às circunstâncias do
momento e a toda casta de espíritos, arte preciosa que faz hábeis os homens
e estimáveis as mulheres. Helena praticava de livros a alfinetes, de bailes ou
de arranjos de casa... Era pianista, sabia desenho, falava corretamente a
língua francesa, um pouco a inglesa e o italiano. Entendia de costura e
bordados e toda sorte de trabalhos femininos.60
Logo, o casamento, para as mulheres do século XIX, representava uma
“carreira”, e uma das poucas oportunidades de ascensão social, pois através deste elas
poderiam ter sua própria atividade, embora não remunerada e exercida em regime de
dependência, no interior de uma casa.
A dupla moral, componente de toda a história, estava aqui presente,
permitindo ao homem toda espécie de aventura amorosa, enquanto da mulher se esperava
pureza, recato e dedicação ao marido, à casa e aos filhos. Assim, sempre que a mulher saía ao
espaço público, devia estar acompanhada de um homem da família. A literatura da época é
bem clara a esse respeito, como se pode ver em José de Alencar:
Compreendi e corei de minha simplicidade provinciana, que confundia a
máscara hipócrita do vício com o modesto recato de inocência. Só então
notei que aquela moça estava só e que a ausência de um pai, de um marido
ou de um irmão, devia ter-me feito suspeitar a verdade.61
59
ASSIS, Machado. Dom Casmurro. Rio de Janeiro: Editora Moderna Ltda., 1983, p. 51.
ASSIS, Machado. Helena. 11. ed., São Paulo: Ática, 1983, p. 24.
61
ALENCAR, José. Lucíola. 11 ed., São Paulo: Ática, 1987, p. 13.
60
Esse controle direto exercido sobre a mulher a impedia de uma relação
extraconjugal e também porque a legislação conspirava para inibir qualquer ação da mulher.
O Código Penal de 1890 previa punição por adultério, com prisão de um a três anos, mas
somente para a mulher. O homem, para ser considerado adúltero, precisava comprovadamente
manter a concubina. As teorias a respeito da natureza do homem e da mulher - já referidas
anteriormente - eram assimiladas e se tornavam componentes do imaginário social, agindo,
assim, sobre a aceitação do tratamento diferenciado aos gêneros.
Cândido Mendes, a esse respeito, afirmou:
O instinto sexual na mulher, pode-se dizer que não existe quase, de
ordinário; a mulher se presta, sacrifica-se às grosserias do homem, mas é
fundamentalmente pura; a pureza quase não custa esforço à mulher, e é por
isso que ela é tão severa quanto a este ponto, em relação ao seu sexo.62
Desse modo, as teorias e discursos de então vinham reforçar o que estava
prescrito a respeito da conduta do homem e da mulher, e que dava àquele a certeza de que o
filho por esta gerado era seu pela exclusão da mulher da proximidade com outros homens.
Essas ponderações nos reportam à Antigüidade romana, quando se afirmava
que a maternidade era uma certeza, enquanto a paternidade era uma questão de fé.
Com a industrialização teve início a participação da mulher no mercado de
trabalho. No entanto, o trabalho da mulher não era visto como realização profissional ou
emancipação econômica da mesma, mas apenas como um complemento financeiro à renda
familiar. Por outro lado, a participação da mulher no mercado de trabalho não diminuiu a
carga de obrigações que ela suportava em casa, no cuidado da família. Considerada atividade
secundária, a mão-de-obra feminina formava um banco de reserva de serviço, que era
acionado sempre que houvesse necessidade, como assevera Maria Lúcia Rocha Coutinho:
(...) Desta forma, a política do Estado com relação à mulher, foi sempre
bastante contraditória; de um lado reforçava a permanência no lar a fim de
garantir a tarefa reprodutiva e, de outro, guardava-a como exército industrial
de reserva, a fim de que pudesse lançar mão de seu trabalho sempre que
necessário aos interesses da Nação.63
No período pós-guerra – décadas iniciais do século XX – houve uma
profunda transformação nas sociedades européias e norte-americanas – já exposto na primeira
parte deste trabalho – que se refletiu na sociedade brasileira. As mulheres, igualmente aqui,
foram incentivadas a cederem o seu espaço no mercado de trabalho aos homens, com
62
63
Apud COUTINHO, Maria Lúcia Rocha. Op. cit., p. 88.
Op. cit., p. 95.
fundamento na ideologia que enfatizava o papel de mulher-mãe e de sua função indispensável
e insubstituível na educação dos filhos. A maternidade era o eixo básico em torno do qual a
mulher se movimentava, cumprindo, assim, o seu destino biológico.
Dessa forma, formou-se a imagem estereotipada da boa mãe no lar e da
infelicidade que vitimava as crianças que eram carentes da atenção materna. Era toda uma
gama de profissionais ligados à psicologia, medicina, sociologia etc. que avalizaram essa
corrente ideológica, que bem delimitava a esfera pública e a privada para homens e mulheres
respectivamente.
Edificou-se então, em torno da mulher, toda uma crença, onde ela seria a
culpada pelos problemas que ocorressem aos filhos e, conseqüentemente em extensão, à
família em geral. Era necessário esquecer-se a si mesma para melhor amar e cuidar dos filhos
e marido. Esse foi o modelo importado de mulher ideal que perdurou, mais ou menos, até o
ano de 1960. O isolamento da mulher no espaço privado a impossibilitava de participar de
qualquer movimento coletivo em prol da melhoria de suas condições.
Ao lado disso, era igualmente considerado impróprio a uma mulher ser
superior ao homem intelectualmente ou em força física. A mulher, desse modo, somente
poderia adquirir alguma posição social por meio das atividades do marido ou dos filhos, de
onde se formou o consagrado ditado: “Por trás de um grande homem existe sempre uma
grande mulher”. Somente nos tempos atuais foi aceita a adaptação desse popular ditado para:
“ao lado de um grande homem...”
No entanto, a responsabilidade da mulher com relação à casa, ao bom
relacionamento com o marido e à educação dos filhos foi por ela muito bem internalizada a
ponto de, por muitas décadas, a sua exclusiva dedicação ser voltada ao espaço privado que lhe
foi conferido. O discurso do enclausuramento da mulher no lar foi definido por Emily
Dickinson: “Eles me engrandecem em prosa tal quando uma menininha. Eles me mantêm no
isolamento porque eles me gostam tranqüila”.64
Com relação à moral sexual, o duplo padrão perdura até os dias atuais, com o
reforço de teorias que afirmaram ser o homem dotado de impulso biológico, justificando o
comportamento deste ao interessar-se por outras mulheres, mesmo se casado fosse. Desse
modo, o homem conta com o aval da sociedade que incentiva a sua atuação naquilo que, por
sua própria natureza, dizem ser inerente.
64
Apud COUTINHO, Maria Lúcia Rocha. Op. cit., p. 41. No original da poetisa norte-americana: “They shut me
up in prose/as when a little girl/ They put me in the closet/Because they liked me still”.
Por outro lado, a esposa devia ser complacente e preservar o casamento,
ignorando as ligações paralelas do marido. Para isso havia conselheiros, que iam desde
sacerdotes a médicos, que falavam à mulher de sua responsabilidade na preservação do
casamento - eterno e indissolúvel. Esse tipo de raciocínio se faz presente, em muitas regiões
do Brasil, até os dias de hoje, onde homens e mulheres, filhos e filhas, etc., possuem posições
bem definidas no contexto familiar e social. O papel de cada sexo, internalizado desde a
infância, era passado de geração a geração, como preceitua Costa apud Maria Lúcia Rocha
Coutinho:
(...) é informado por um código moral, que os sujeitos também internalizam,
que lhes permite distinguir o certo e o errado, o que é permitido para os
ocupantes de cada uma dessas posições e, a partir destas internalizações, os
sujeitos se inserem nesta sociedade e se representam, no futuro, ocupando
posições análogas, com os mesmos contornos.65
Na década de 60, em âmbito mundial, ocorreram movimentos em oposição
ao poder socialmente institucionalizado, como o que balançou a estrutura da França em 1968
e a mobilização em prol dos Direitos Humanos nos Estados Unidos. Como reflexo desses
movimentos gerais surgiram movimentos específicos de feministas, que discutiam a distinção
entre sexualidade e procriação, requalificando o papel sexual da mulher e a questão dos
limites entre espaço público e privado.
O movimento feminista se impôs, negando a ordem patriarcal que atribuía à
mulher uma função secundária em relação ao homem. Esses movimentos frutificaram, pois
abriram espaço para que hoje as mulheres ocupem posições de destaque no mercado de
trabalho e na sociedade como um todo. Atualmente, as mulheres se questionam sobre o que
desejam na vida e não mais aceitam um destino outorgado, pelo simples fato de serem
mulheres.
O modelo preestabelecido fez com que coubesse ao homem o espaço público
e à mulher, o privado, nos limites da família e do lar. Isso faz ressurgir dois mundos paralelos:
um de dominação, externo, produtor; o outro de submissão, interno e reprodutor.
A redefinição desse contexto levou a mulher para fora do lar e fez com que o
homem assumisse responsabilidades dentro de casa, afastando o parâmetro estabelecido e
fazendo surgir conflitos entre o casal, como a violência, para impor o cumprimento dos papéis
ideais de gênero.66
65
Apud COUTINHO, Maria Lúcia Rocha, op. cit. p. 109.
Artigo publicado. A mulher é a vítima da Justiça. Direito e Democracia - Revista de Ciências Jurídicas .
ULBRA, vol. I, n. 02, 2º semestre 2000, p. 247-254.
66
Entretanto, apesar de todas as conquistas obtidas, muitas mulheres de hoje
ainda continuam vinculadas ao antigo modelo de mulher, tentando equilibrar a profissão que
exercem com as atividades da casa.
Nesse sentido, Maria Lúcia Rocha Coutinho adverte:
Enaltecida por uma florescente campanha que prometia o paraíso para quem
quisesse trabalhar, ter filhos, cuidar da casa, ainda ser uma amante sempre
disposta e disponível, a mulher passou a se desdobrar e, exausta com o peso
de todas as responsabilidades, não conseguindo a excelência almejada,
começou a interiorizar uma sensação de fracasso. O problema passou a ser
individualizado, como se a dificuldade em ser múltipla o tempo todo fosse
pessoal.67
Assim acontece com as mulheres das zonas rurais que sofrem muita
opressão, exercendo dupla ou tripla jornada de trabalho, além de darem à luz muitos filhos e,
no plano sexual, sofrem as mais rígidas sanções da sociedade. Por desconfiança de adultério,
o marido pode até matá-la, em nome da “legítima defesa da honra”, tese esta que ainda é
defendida por muitos advogados nos tribunais do júri de todo país.
Nas cidades, as mulheres que constituem a classe urbana trabalhadora, de
salários mais baixos, também sofrem discriminações em relação ao homem, inclusive no
salário, no exercício de função análoga. As pesquisas demonstram a persistência de algum
preconceito, que dificulta o progresso na carreira e mantém os holerites femininos mais
magros que os masculinos. As mulheres faveladas, de modo geral, apresentam um
comportamento diferente das mulheres das classes sociais mais privilegiadas. São elas que
sustentam a família que é matricêntrica, na maioria das vezes. Segundo Rose Marie Muraro:
“Isto mostra que a família nuclear só é possível em camadas acima de uma certa renda e,
portanto, é um privilégio de classe”.68
Nesse início de milênio, a maior transformação está-se processando nas
classes médias modernas, onde a mulher avança na conquista de espaço nos tribunais
superiores, nos ministérios, no topo das grandes empresas transnacionais, em organizações de
pesquisa de tecnologia de ponta.
Também pilotam jatos, comandam tropas, ocupam cargos eletivos, não
havendo um único espaço considerado, no passado, como masculino, que não seja ocupado
por mulheres, fortalecendo os apelos de igualdade que estão expressos na Constituição
67
68
Op. cit., p. 114.
Op. cit. p. 157.
Federal Brasileira de 1988, uma das mais avançadas do mundo em relação à equiparação dos
direitos do homem e da mulher.
O movimento feminista, o surgimento de métodos contraceptivos e a
abertura do mercado de trabalho para as mulheres desencadearam uma luta emancipatória. A
mulher teve acesso à educação, mas ainda que desempenhando funções idênticas às do
homem, na maioria das vezes percebe salários inferiores. O poder ainda permanece em mãos
masculinas.69
Finalmente, é possível afirmar que – considerando-se esses vários estamentos
sociais – os movimentos feministas não proporcionaram uma resposta a todas as dúvidas e
anseios femininos. No entanto, eles foram vitoriosos, porque tiraram as mulheres da sombra
da História e mexeram com o modelo patriarcal que sempre vigorou, no Brasil, lançando a
semente da transformação e modificando a posição que a mulher ocupa na sociedade: no
campo profissional e na política70.
Conclui-se, que uma nova realidade social - igualitária e progressista – ainda
está longe de milhões de mulheres. Não há, nem haverá desenvolvimento social e econômico
com justiça, se não houver igualdade de oportunidades para homens e mulheres, direitos e
deveres para todos, sem discriminação.
2.4 A Mulher e a Religião
Como instituição social, a Igreja Católica tem sofrido transformações que
marcam o processo de sua adaptação a um mundo social movente e instável. Embora a mulher
tivesse dado provas insofismáveis de sua alta qualidade enquanto trabalhadora, penetrando em
massa nas fábricas, no ensino, no comércio e em outros setores da vida econômica, a Igreja
Católica insiste em colocá-la ao lado das crianças e em confiná-las aos trabalhos domésticos
sempre que possível, reduzindo-a à condição de trabalhadora doméstica não remunerada, à
socializadora dos filhos e à garantidora da prosperidade da família como se a economia
doméstica tivesse o poder de exterminar a pobreza.
69
Artigo publicado no Jornal Minuano, Bagé-RS, em 25/04/2003; no site Migalhas. Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br/>. Acesso em: 04/01/2006 e Informativo ADCOAS, n° 59, maio/2003, p. 09
70
BOCA-DE-URNA. Caderno da Eleição .Zero Hora, Porto Alegre, fl. 08, 15.09.2002: “Apesar de corresponder
a mais de 50% do eleitorado nacional, as mulheres estão muito mal representadas entre aqueles que buscam se
eleger no dia 6 de outubro. Elas equivalem a apenas 13,96% do total de candidatos. São 2.637 representantes do
sexo feminino disputando uma vaga no Senado, na Câmara, nas Assembléias Legislativas e nos governos
estaduais. Ainda assim a taxa é recorde. Nas últimas eleições, em 1998, as mulheres eram 12, 27 % dos
candidatos. Em 1994, ainda menos: 6%.”
Foram mantidos na Igreja alguns conceitos fundamentais a respeito da
mulher, já consolidados na tradição cristã desde muitos séculos até a revolução de 1930, no
Brasil, a saber:
•
a concepção da inferioridade natural da mulher, que desde a sua criação
fora destinada para ser submissa ao homem pela realização do
matrimônio;
•
a inclinação da mulher para o pecado da vaidade, que a torna uma
criatura pouco reflexiva, atraída pelos aspectos superficiais da vida, e
necessitada, por conseguinte, de uma constante orientação masculina;
•
a imagem da mulher como uma reprodução constante de Eva pecadora,
procurando seduzir o homem mediante a sexualidade.
Na Revolução de 1939 houve um desenvolvimento industrial mais
expressivo no País, especialmente no Centro-Sul do País, sendo também acompanhado de um
aceleramento na urbanização. Nessa região criaram-se condições mais favoráveis para
mudanças de cunho social, que passaram a atingir não só a estrutura familiar, mas a própria
vida da mulher.
Já no Centro-oeste, Norte e Nordeste essas alterações nos costumes e
tradições sociais se operaram em ritmo bem mais lento. Os meios de comunicação, por sua
vez, se encarregaram de ir rompendo as resistências culturais que se opunham aos novos
hábitos implantados na sociedade brasileira.
A Instituição Eclesiástica, por sua vez, manteve se via de regra como um
baluarte onde se refugiavam as forças sociais conservadoras, temerosas das conseqüências
dessa alteração dos costumes tradicionais.
O modelo da educação feminina oferecido pela Igreja Católica continuou a
pautar-se por padrões marcadamente conservadores, não obstante a progressiva abertura da
sociedade brasileira.
Maria José Rosado Nunes71, ao analisar o papel desempenhado pelas freiras
nessa área, afirma que as condições específicas ao campo religioso, aliadas à posição da
mulher e especialmente da Irmã de Caridade, na sociedade e na Igreja católica e ao contexto
sóciopolítico brasileiro, vão permitir então que a vida religiosa feminina vá se firmando
dentro de padrões rígidos de organização interna e de aparente fechamento às mudanças
71
NUNES, Maria José Rosado. Vida religiosa nos meios populares. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 76.
ocorridas na sociedade. Enquanto esta se industrializava e se urbanizava, ascendendo ao poder
uma burguesia industrial nascente, a vida religiosa continuava a pautar-se por padrões
arcaicos, tendo como sua clientela mais significativa, especialmente nos colégios as filhas da
oligarquia rural em decadência.
A educação ministrada nos colégios católicos, a maioria dos quais dirigidos
por religiosas, tinha como finalidade específica não apenas preparar a mulher para os
cuidados do lar, mas na medida do possível, buscava também atrair as jovens para a vida
conventual.
No fim da década de 20, quando muitos costumes começaram a mudar, o
corte de cabelos foi se introduzindo. Houve certa polêmica nos internatos, porque as moças,
principalmente, queriam seguir a moda e as diretoras dos colégios permaneciam
conservadoras, recriminando as que aderiam ao novo costume, sendo proibido também o uso
de maquiagens e de esmaltes. Era proibido ainda às internas tirar sobrancelhas, trazer consigo
pente, espelho, etc.
Assim sendo, diante das mudanças de comportamento ético e social corridas
a partir da década de 30, pode-se afirmar que em termos gerais, a Igreja manteve-se numa
atitude conservadora, procurando impedir, ou pelo menos retardar e diminuir seu ímpeto.
Nesse sentido, a instituição eclesiástica estava em sintonia com as forças sociais
conservadoras atuantes no País.
Entretanto, em alguns aspectos houve uma significativa “evolução católica”,
sobretudo a partir dos anos 50, já então sob a influência do espírito liberal que se difundira no
mundo após a II Guerra Mundial.
A Igreja foi pouco a pouco mostrando sensibilidade para com o trabalho da
mulher fora do lar e sua relativa autonomia diante do marido, mas continuou inflexível com
relação à indissolubilidade do vínculo conjugal.
Embora desejando manter a mulher mais vinculada aos espaços do lar e da
Igreja, a instituição católica teve de admitir, progressivamente, maior participação da mulher
nas atividades profissionais e na política. O Juízo Católico contribuiu para o diálogo da
hierarquia eclesiástica com o sexo feminino e melhorar suas novas posições assumidas na
sociedade.
Já na doutrina muçulmana, o Alcorão revelava a deplorável situação da
mulher, a menos que tivesse completa independência econômica. Recomendava o Alcorão
amparo às repudiadas, às viúvas, às parentas e inúteis. Mais por caridade, porém, do que por
direito ou por moral, aconselhava: "Determina a lei que elas baixem sempre os olhos, não
deixando ver seus ornamentos, senão aos seus maridos e seus pais."72
Dessa forma, a mulher pouco a pouco conquistava o seu espaço, ainda que
fosse apenas como participante de atividades eclesiásticas, mas já tinham uma participação
publica, buscando cada vez mais seu espaço na sociedade.
72
PINHEIRO, Ralph Lopes. História resumida do direito. 10 ed., Rio de Janeiro: Thex, 2001, p. 70.
CAPÍTULO III – EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER
3.1 A Constituição Imperial de 1824
O ano de 1824 foi marcado pelas idéias liberais. A ideologia do liberalismo
gira em torno do homem como base de todo o sistema social. Dessa forma, quando a
sociedade é ampla e ilimitada, o Estado deve agir de maneira excepcional e restrita. Assim
sendo, a Constituição de 1824, era marcada por um grande liberalismo que era retratado pela
da adoção e separação de poderes, que além dos clássicos, possuía um outro: o poder.
A primeira manifestação ou primeiro esboço legal do princípio geral da
isonomia foi introduzido com a Constituição de 1824, quando em seu artigo 179, inciso XIII
proclamou: “A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em
proporção dos merecimentos de cada um”.
Em pleno Século XIX, seria praticamente impossível referir-se a movimentos
femininos, em luta pelos direitos da mulher, muito menos se cogitava sobre o princípio da
igualdade entre homem e mulher. A Constituição de 1824 possuía em seu contexto outras
disposições, coerentes com as idéias que se propagavam naquele período. Não fazia, portanto,
qualquer referência aos direitos do trabalhador em geral, nem conseqüentemente, aos direitos
da mulher em relação ao trabalho.
A respeito da nacionalidade e cidadania, a Constituição de 1824 determina
que:
Art. 6°: São cidadãos brasileiros:
I. Os que no Brasil tiveram nascido, quer sejam ingênuos ou libertos, ainda
que o pai seja estrangeiro, uma vez que não resida por serviço de sua nação.
lI. Os filhos de pai brasileiro, e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em
país estrangeiro, que vierem estabelecer domicílio no Império..
III. Os filhos de pai brasileiro, que estivesse em país estrangeiro em serviço
do Império, embora eles não venham estabelecer domicílio no Brasil...
Pode-se concluir que três são os casos previstos:
•
em relação aos filhos legítimos nascidos no estrangeiro, o legislador
brasileiro considerava relevante para a concessão da cidadania brasileira,
apenas a nacionalidade do pai;
•
em relação aos filhos ilegítimos nascidos no estrangeiro, a Constituição
de 1824, levava em consideração a nacionalidade da mãe;
•
quanto à nacionalidade de filhos de estrangeiros nascidos, no Brasil, só
considerava a Constituição ora em estudo, a nacionalidade do pai.
No que se refere ao direito de voto, a Constituição de 1824 dispõe: “Art. 91 Têm voto nestas eleições primárias: I – Os cidadãos brasileiros que estão no gozo de seus
direitos políticos. II – Os estrangeiros naturalizados”. Ao tempo do Império,
conseqüentemente, a mulher não podia votar, nem ser eleita para cargo público, havia
referência apenas aos homens.
Ressalte-se que, a Constituição de 1824 não contém dispositivos sobre
proteção à família e à maternidade. Assim sendo, pode-se perceber que não há qualquer
referência expressa à mulher, mas subentende-se que ela estava excluída de determinadas
obrigações. Nada obstante a isto, é preciso reconhecer inegáveis méritos a esta Constituição,
pois foi sob ela que o país manteve a integridade nacional, onde decorreram os primeiros
passos no sentido da democracia.73
Estabelecendo uma comparação entre o texto de 1824 com as práticas
constitucionais é possível notar acentuadas controvérsias, pois não era possível ao Brasil da
época praticar todos os institutos previstos na Lei Maior. Mesmo assim, não deixou de ser um
marco para o desenvolvimento do País, e o crescimento.
3.2 A Constituição Federal de 1891
Trata-se da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de
fevereiro de 1891. Na data de 15 de novembro de 1889, o Brasil sofreu um golpe de Estado,
pelo qual pôs fim à Monarquia, destituindo-se, por conseguinte o Imperador, proclamando-se
uma República Federativa.
Este movimento não veio calcado em grandes movimentos populares ou em
uma parte da opinião pública. Tudo se resumiu a um movimento de tropas situadas no Rio de
Janeiro, a que a nação limitou-se a assistir.
O primeiro ato jurídico do movimento armado de 15 de novembro de 1889
consistiu na edição do Decreto n° 1, redigido por Rui Barbosa. Por este diploma ficava
provisoriamente decretada a forma de governo da nação brasileira: a República Federativa.
Dispõe a Constituição de 1891, no art. 72, parágrafo 2°:
73
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. Saraiva: São Paulo, 1999, p. 103.
Todos são iguais perante a lei. A República não admite privilégios de
nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas
existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos
nobiliárquicos e de conselho.
Da mesma forma que a Constituição anterior, a Constituição de 1891
limitava-se a afirmar de maneira ampla a igualdade de todos perante a lei. Não trazia também
nada sobre os direitos da mulher referentes ao trabalho, a igualdade civil, etc.
Segundo o art. 69 da Constituição de 1891:
São cidadãos brasileiros:
1°) Os nascidos no Brasil, ainda que pai estrangeiro, não residindo este a
serviço de sua Nação;
2º) Os filhos de pais brasileiros e os legítimos de mãe brasileira nascidos em
País estrangeiro, se estabelecerem domicílio na República;
3º) Os filhos de pai brasileiro, que estiver em outro país ao serviço da
República, embora nela não venham domiciliar-se...
A Constituição de 1824 previu três casos relacionados a cidadania. O
primeiro deles é relativo aos filhos legítimos nascidos no estrangeiro, era considerado
preponderante para a concessão da cidadania brasileira, apenas a nacionalidade do pai. O
segundo é referente aos filhos legítimos nascidos no estrangeiro, levando-se em conta a
nacionalidade da mãe. E o terceiro, se refere à nacionalidade de filhos de estrangeiros
nascidos no Brasil, a Constituição em tela só considerava a nacionalidade do pai.
Consta na Constituição de 1891 que:
Art. 70. São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na
forma da Lei Pontes de Miranda observa que a constituição de 1891 não
limitava aos varãos o direito de voto, porém ‘a Lei Ordinária, fugindo à
constituição, nunca atribuiu o voto às mulheres’.74
A Constituição de 1891 não confere qualquer dispositivo sobre a proteção à
família e à maternidade. Ressalte-se que as garantias constitucionais mereceram grande
destaque na Lei Maior de 1891, foi introduzido o Habeas Corpus, instrumento jurídico de
grande valia na repressão às prisões indevidas ou abusivas e aos atentados ao direito de
locomoção em geral.
74
RT.Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. T.IV, p.552.
A Declaração de Direitos também não merece ser esquecida, pois foi na
Constituição de 1891 que as penas criminais foram abrandadas, suprimindo-se as penas de
galés, banimento judicial e de morte.
3.3 A Constituição Federal de 1934
A Constituição Federal de 1934 trouxe como ponto dominante o caráter
democrático com um certo teor social. Procurou-se conciliar a democracia liberal com o
socialismo, o federalismo com o unitarismo, o presidencialismo com o parlamentarismo.
Nesta Constituição houve a multiplicação dos títulos e capítulos, ficando com mais do dobro
de artigos que tinha a de 1891.
Com a Carta Magna de 1934, o princípio vedatório de qualquer
discriminação de gênero foi finalmente expressa com clareza, quando no artigo 113, § 1º, foi
declarado que: “Todos são iguais perante a Lei. Não haverá privilégios, nem distinções por
motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza,
crenças religiosas ou idéias políticas”.
A problemática da igualdade entre os sexos inseria-se dentro de uma
preocupação maior, qual seja: a da igualdade entre os seres humanos. Dessa forma, a
Constituição de 1934, não poderia esquivar-se do problema, só que tal artigo inserto,
significava uma proibição de discriminações legislativas e não uma igualdade absoluta de
direitos entre homens e mulheres.
Quanto à proteção ao trabalho da mulher, mencionada no capítulo anterior, a
Constituição de 1934, dispõe no artigo 121, §§ 1° e 3°:
§1°. A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos...:- proibição
de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo,
nacionalidade ou estado civil;... d) proibição de trabalho... em indústrias
insalubres, a menores de 18 anos e as mulheres;... h) assistência médica e
sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurado a este descanso antes e
depois do parto;... e instituição de previdência... a favor da velhice, da
invalidez, da maternidade... §JD Os serviços de amparo à maternidade e à
infância, os referentes ao lar e ao trabalho feminino, assim como a
fiscalização e a orientação respectivas, serão incumbidos de preferência a
mulheres habilitadas.75
75
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (De 16 De Julho De 1934), Art. 121, disponível em
<http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm>, acessado em 10/01/2006.
As constituições passaram a legislar sobre o assunto, somente a partir de
1934. Todas elas, porém, contêm preceitos que garantem certos direitos específicos à mulher.
Quanto à diferença de salários por motivo de gênero há proibição quando se tratar do mesmo
trabalho. Igualmente proíbe o trabalho da mulher em indústrias insalubres e dispõe sobre o
descanso antes e depois do parto.
Observa-se que os dispositivos supracitados se encontram inseridos no Título
IV, da Ordem Econômica e Social, da Constituição de 1934, demonstrando dessa forma, o
lado social desta Lei Maior, que resultou da necessidade de atender à massa urbana proletária
existente, sobretudo nas ferrovias e nos portos.
Salienta-se ainda, que direitos sociais, são direitos fundamentais do homem,
tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à
concretização da igualdade social.
Consta no artigo 106:
São brasileiros: a) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não
residindo este a serviço do governo de seu País; b)os filhos de brasileiro, ou
brasileira, nascidos em País estrangeiro, estando os seus pais a serviço
público e, fora deste caso, se, ao atingirem a maioridade, optarem pela
nacionalidade brasileira.76
Pode-se levar em consideração dois casos:
•
filhos legítimos nascidos no estrangeiro: a partir da Constituição de 1934,
a nacionalidade da mãe passou a ser também fator determinante dessa
cidadania;
•
nacionalidade de filhos de estrangeiros nascidos, no Brasil, só se
considerava a nacionalidade do pai.
Em relação à participação política das mulheres e o direito ao voto, há muito
reivindicado, foi uma das alterações ocorridas na Constituição de 1934:
Art. 108. São eleitores os brasileiros de um ou de outro sexo, maiores de 18
anos, que se alistarem na forma da lei.
Art. 109. O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as
mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada, sob as sanções
e salvas as exceções que a lei determinar.77
76
Id Ibid., Art. 106.
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (De 16 De Julho De 1934), disponível em
<http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm>, acessado em 10/01/2006,
Art. 108 e 109
77
Ressalte-se, que já em 1932, embora não tivesse sido ainda beneficiada com
uma declaração constitucional de isonomia, a mulher já havia conquistado, no País, o direito
ao voto e o direito de acesso aos cargos públicos, em igualdade de condições com os homens,
graças ao Decreto nº. 21.076/32.
De forma inédita no Brasil, a Constituição de 1934 assegurou à mulher o
direito de voto. Limitou, porém, este direito aos casos em que a mulher exercesse função
pública remunerada.
Outro fator inédito é referente à proteção à maternidade. A Constituição de
1934 foi a primeira a legislar sobre o assunto, referindo-se expressamente à incumbência da
União, dos Estados e dos Municípios de amparar a maternidade e a infância. “Art. 138.
Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas (...) c)
amparar a maternidade e a infância (...)”.
Durante muitos séculos, a mulher viveu apenas para o lar, tendo sido, em
grande período, escrava ou quase-escrava do homem. Com o passar do tempo, as condições
sociais do mundo foram transformadas, e a mulher foi, aos poucos tomando seu lugar na
sociedade. E uma vez que era considerada como uma missão essencial da mulher a
maternidade, o Estado precisava proteger o trabalho feminino para que a mulher não fugisse à
sua precípua missão. Para isso, a Constituição de 1934 foi precursora, e em outros países,
fizeram-se leis para tutelar o trabalho da mulher.
Em relação ao funcionalismo público, o artigo 168 da Constituição de 1934,
preceituou que: “Os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros sem distinção de
sexo ou estado civil, observadas as condições que a lei estatuir”.
A mulher poderia concorrer de forma igualitária para conseguir um emprego
público, a sua condição de mulher já não a impedia. Inovando a respeito, a Constituição de
1934 dispõe sobre aposentadoria compulsória aos 68 anos de idade, mas ainda, nada traz
sobre a aposentadoria voluntária.
Quanto ao serviço militar, a Constituição de 1934 é a primeira a mencionar
expressamente que as mulheres são isentas. Enquanto as Constituições anteriores nada
mencionam a esse respeito. Não obstante, elas ficam obrigadas a outros encargos necessários
à defesa da Pátria, em caso de mobilização.
Assim sendo, dois pontos principais chamam atenção no que se refere
Constituição de 1934. O primeiro se refere ao extremo caráter compromissário assumido pelo
texto ante as múltiplas divergências que dividiam o conjunto das forças político-ideológicas
da época. O segundo considera a curtíssima duração de sua vigência, visto que, promulgada
em 1934, estava condenada a ser abolida, já em 1937 pela implantação do Estado Novo. Esta
curta duração que teve não deve ser explicada, ainda que resumidamente, pelos defeitos que
trazia em si, mas, em verdade, pela radicalização do clima social de então.
Com a Constituição de 1934, foi introduzido, no Brasil, o Estado Social,
passando a prever direitos sociais e econômicos. A partir desta Constituição se estendeu o
direito de sufrágio também à mulher; ocorrendo a chamada “simetrização entre os sexos.”78
A partir desse momento, a mulher começa a tomar parte da vida política do
Estado, participando ativamente através do voto, uma vitória conquistada, após anos de luta.
3.4 A Constituição Federal de 1937
Esta Constituição foi decretada em 10 de novembro de 1937, pelo presidente
Getúlio Dorneles Vargas, inspirada no modelo fascista e, conseqüentemente, de cunho
eminentemente autoritário, o que é perceptível pelas descrições das competências do chefe
máximo da nação.
A Constituição de 1937, trouxe restrições aos direitos individuais e às suas
garantias, ao contrário dispunha contra vários princípios obrigatórios para o Regime
Democrático, por isso nela não foram albergados os princípios da legalidade e da
irretroatividade da lei. No lugar deles reapareceu a pena de morte para os crimes políticos e
para os homicídios cometidos por motivo fútil e com extremos de perversidade. O direito da
manifestação de pensamento foi limitado pela censura prévia da imprensa e outras
barbaridades que colocavam a democracia por terra.
A Constituição de 1937, de reconhecida tendência autoritária e outorgada ao
País no momento da instalação do Estado Novo, suprimiu a referência expressa à igualdade
jurídica de ambos os sexos, retomando à formula genérica das constituições brasileiras
promulgadas no século anterior.
No que se refere à proteção ao trabalho da mulher, o artigo 137 dispunha:
Art. 137. A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes
preceitos: (...) k) proibição de trabalho a menores de 14 anos; ao trabalho
noturno a menores de 16, e, em indústrias insalubres a menores de 18 anos e
a mulheres; 1) assistência médica e higiênica ao trabalhador e à gestante,
78
MIRANDA, Francisco Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. 1.ed., Tomo IV. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1967, p.552.
assegurado a esta, sem prejuízo do salário, um período de repouso antes e
depois do parto...79
Pode-se constatar que nesse dispositivo, não se levou em consideração a
diferença de salários por motivo de sexo, que proíbe qualquer diferença quando se tratar do
mesmo trabalho. Quanto ao direito do voto, o artigo 115 dispõe “São eleitores os brasileiros
de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei”. Há omissão,
porém, quanto à função pública remunerada, logo, conclui-se que foi garantido à mulher o
direito de votar e ser eleita. Quanto à proteção à maternidade, a Constituição omite este tema.
Em relação à prestação do serviço militar, o artigo 164 caput dispõe o
seguinte: “Todos os brasileiros são obrigados, na forma da lei, ao serviço militar e a outros
encargos necessários à defesa da Pátria, nos termos e sob as penas da lei”.80
Mesmo este dispositivo não se referindo expressamente à mulher quando
trata da obrigação de serviço militar e outros encargos necessários à defesa da Pátria, não a
exclui, visto que de certo modo apresenta a expressão “todos os brasileiros”.
Assim sendo, a vigência deste Texto Constitucional só decorria dos termos
do art. 187 que rezava: “Esta Constituição entrará em rigor na sua data e será submetida ao
plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da República”.
No entanto, este plebiscito nunca se realizou. Em termos jurídicos, a
Constituição jamais ganhou vigência, pois o que prevaleceu nesta época foi o chamado Estado
Novo, estado arbitrário despojado de quaisquer controles jurídicos, onde primava a vontade
do ditador Getúlio Vargas. Essa Constituição foi nominada pelo povo de "polaca" pois era
quase uma réplica da Constituição Polonesa.
3.5 Constituição Federal de 1946
Esta Constituição foi promulgada em 18 de setembro de 1946 e foi
considerada a melhor que tivemos. Segundo Celso Ribeiro Bastos tecnicamente muito correta
e do ponto de vista ideológico traçava nitidamente uma linha de pensamento libertário no
campo político sem descurar da abertura para o campo social que foi recuperada da
Constituição de 1934.81
79
Constituição dos Estados Unidos do Brasil (De 10 De Novembro De 1937), disponível em
<http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm>, acessado em 10/01/2006
80
Constituição dos Estados Unidos do Brasil (De 10 De Novembro De 1937), Art 164, disponível em
<http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm>, acessado em 10/01/2006.
81
Op. cit., p. 126.
Em relação à Constituição de 1934, poucas são as divergências. Do ângulo
da ordem econômica a Constituição de 1946 pode ser vista como uma tentativa de conciliar o
princípio da liberdade de iniciativa com o princípio da justiça social. Os dispositivos
referentes aos direitos auferidos pela mulher, praticamente não foram alterados.
Ao lado desse escrupuloso respeito pelos direitos individuais a Constituição
Federal de 1946 soube prestigiar também os valores coletivos que, gradualmente marcavam
presença nos textos básicos da época do seu surgimento.82
A Constituição de 1946 foi uma Constituição Republicana, Federativa e
Democrática. Por força do princípio republicano tem-se a origem popular de todo poder que é
exercido por mandatários do povo em seu nome e por período certo.
Quanto à proteção ao trabalho da mulher, o artigo 157 determinava:
Art. 157. A legislação do trabalho e da previdência social obedecerão aos
seguintes preceitos, além de outros que visem à melhoria da condição dos
trabalhadores: (...) II- proibição de diferença de salário para um mesmo
trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil;(...) IXproibição de trabalho a menores de 14 anos; em indústrias insalubres, as
mulheres e a menores de 18 anos; (...) X- direito da gestante a descanso antes
e depois do parto, sem prejuízo do emprego nem do salário; (...) XVIprevidência, mediante contribuição da União, do empregador e do
empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença,
na velhice, da invalidez e da morte (...)83
Foi proclamado nesta Constituição que a ordem econômica haveria de ser
organizada conforme os princípios da justiça social e a liberdade de iniciativa conciliada com
a valorização do trabalho humano. Conclamou que a todos seria assegurado trabalho que
possibilitasse existência digna e alçou o trabalho à obrigação social.
Apontou ainda, os preceitos a que deveria obedecer à legislação do trabalho e
a da previdência social, visando à melhoria condição dos trabalhadores. Pelos 17 itens
enunciados no art. 157, cuidou desde o salário mínimo, da participação obrigatória e direta do
trabalhador. Nos lucros da empresa, repouso semanal remunerado, direito da gestante a
descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego nem do salário; assistência aos
desempregados, e até a previdência em favor da maternidade, devendo contribuir a União, o
empregador e os empregados.
A Carta Constitucional consagra diversas dessas aquisições, anteriormente,
feitas assim como agrega algumas, como direito de greve, antes inexistente.
82
ALVES, Francisco. As Constituições do Brasil. Revista de Direito Constitucional e Ciência Política. p. 58.
Constituição dos Estados Unidos do Brasil (De 10 De Novembro De 1937), Art. 157, disponível em
<http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm>, acessado em 10/01/2006.
83
Em relação ao direito ao voto, o artigo 131 reza que “são eleitores os
brasileiros maiores de 18 anos que se alistarem na forma da lei”. É garantido à mulher, em
igualdade com o homem, o direito de votar e ser eleita.
Nesse sentido, o artigo 133 “o alistamento e o voto são obrigatórios para os
brasileiros de ambos os sexos, salvo as exceções previstas em lei”.
Quanto à proteção à maternidade, o artigo 164 reza que “é obrigatória, em
todo o território nacional, a assistência à maternidade, à infância e à adolescência. A lei
instituirá o amparo das famílias de prole numerosa”. Novamente foi especificado o amparo à
maternidade, omitida na Constituição anterior.
No que se refere ao serviço militar, o artigo 181 dispõe que:
Art. 181. Todos os brasileiros são obrigados ao serviço militar, mas sujeitas
aos encargos necessários à defesa da Pátria, nos termos e sob as penas da lei.
§ 1º. As mulheres ficam isentas do serviço militar, mas sujeitas aos encargos
que a lei estabelecer.84
O artigo é explícito quanto à isenção do serviço militar às mulheres e
também quanto à obrigação de se sujeitarem aos encargos que a lei estabelecer. De 1946 a
1961 a primeira Constituição do segundo pós-guerra teve uma existência relativamente calma,
sofrendo apenas três emendas, nada obstante a vida política nesse período ter sido marcada
por diversos sobressaltos.
Ressalta-se que nesta Constituição foram adotadas algumas medidas de
cunho humanitário, o que revela uma recusa com certos tipos de pena. Fica excluída a pena de
morte assim com o banimento e o confisco.
Em 1948, foi feita a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que em
seu art. 2º, condena toda discriminação fundada não só sobre a religião, a língua, mas também
sobre o sexo e a raça.
Norberto Bobbio assevera:
(...) No que se refere à discriminação fundada na diferença de sexo,
a Declaração não vai e não pode ir além dessa enunciação
genérica, já que se deve entender que, quando o texto fala de
´indivíduos´, refere-se indiferentemente a homens e mulheres. Mas,
em 20 de dezembro de 1952, a Assembléia
84
Geral aprovou uma
Constituição dos Estados Unidos do Brasil (De 10 De Novembro De 1937), Art. 181, disponível em
<http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm>, acessado em 10/01/2006.
Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, que (...) prevê
a não-discriminação tanto em relação ao direito de votar e de ser
votado quanto à possibilidade de acesso a todos os cargos
públicos.85
3.6 Constituição Federal de 1967
Foi promulgada a 24 de janeiro de 1967, como uma tentativa de agasalhar
princípios de uma Constituição democrática, conferindo um rol de direitos individuais,
liberdade de iniciativa, mas onde a todo instante se sente a mão do Estado autoritário que a
editou.
A Constituição de 1967 entrou em vigor a 15 de março desse ano, e foi a
primeira Constituição brasileira elaborada após a Declaração Universal dos Direitos do
Homem. Conforme o artigo 153, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça,
trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei”.
Fixa expressamente o preceito que garante a igualdade de todos perante a lei sem distinção de
sexo.
A igualdade jurídica entre o homem e a mulher foi afirmada como preceito
constitucional. A esse princípio devem-se subordinar, sob pena de inconstitucionalidade,
todas as leis e demais normas escritas ou costumeiras. Entretanto, exame objetivo da realidade
jurídica e social mostrava que nem sempre a legislação ordinária e a vida prática respeitavam
o imperativo constitucional.
Pode-se citar como exemplo flagrante de tratamento desigual entre o homem
e a mulher estabelecido por leis ordinárias, os preceitos da lei civil que atribui ao marido, e
não a ambos os cônjuges: a direção da sociedade conjugal, o direito de fixar o domicílio da
família, de nomear tutor, de administrar os bens do casal e em casos de divergências entre o
casal, cabia ao marido decidir.
Observa-se que muitas restrições aos direitos da mulher foram eliminadas
pela Constituição Federal que ora nos governa e que trouxe inúmeras alterações,
principalmente no direito de família e sucessões.
Em relação à proteção do trabalho da mulher, o artigo 158 reza que:
Art. 158: A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos,
além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição
85
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1992, p.35.
social; (...) III- proibição de diferença de salários e de critério de admissões
por motivos de sexo, cor e estado civil; (...) X- proibição de trabalho em
indústrias insalubres a mulheres e menores de 18 anos e de qualquer trabalho
a menores de 12 anos; (...) XI- descanso remunerado da gestante, antes e
depois do parto, sem prejuízo de emprego e do salário; (...) XVI- previdência
social, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado,
para seguro-desemprego, proteção da maternidade e nos casos de doença,
velhice, invalidez e morte; (...) XX-aposentadoria para a mulher, aos 30 anos
de trabalho, com salário integral (...)86
Praticamente, não houve alterações no que tange à proteção do trabalho da
mulher, mas vale ressaltar duas importantes que são: quanto à aposentadoria por tempo de
serviço, esta Constituição estabelece que é apenas de trinta anos, e não de trinta e cinco, o
tempo de serviço necessário para a aposentadoria da mulher. Também quanto à diferença de
critérios de admissões por motivo de sexo, pois o preceito que proíbe esta discriminação só
integrou o texto constitucional a partir de 1967.
Quanto ao direito do voto, disposto no artigo 142 “São eleitores os
brasileiros maiores de 18 anos, alistados na forma da lei §1°. O alistamento e o voto são
obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos, salvo as exceções previstas em lei (...)”,
este foi garantido, assim como nas Constituições anteriores o direito da, mulher de votar e ser
votada. No que tange à proteção à maternidade, o artigo 167, § 40: “A lei instituirá a
assistência à maternidade, à infância e à adolescência”.
Além do amparo à infância e a adolescência, há referência específica à
maternidade. Os legisladores continuaram a considerar importante a assistência à
maternidade, e de certa forma, foram-se aperfeiçoando os métodos utilizados.
No que tange ao serviço militar, o artigo 93 reza que:
Art. 93. Todos os brasileiros são obrigados ao serviço militar ou a outros
encargos necessários à segurança nacional, nos termos e sob as penas da lei.
Parágrafo único. As mulheres e os eclesiásticos, bem como aqueles que
foram dispensados, ficam isentos do serviço militar, mas a lei poderá
atribuir-lhes outros encargos.87
Novamente esta Constituição, assim como a de 1946, é explícita quanto à
isenção do serviço militar às mulheres e também quanto à obrigação de se sujeitarem aos
encargos que a lei estabelecer. Dessa forma, pode-se concluir que a Constituição de 1967
asseguraria o desenvolvimento e a segurança do país.
86
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967, Art. 158, disponível em
<http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm>, acessado em 10/01/2006.
87
Id. Ibid., Art. 93
Sobre essas características ainda vale a pena ressaltar que a situação
econômica era extremamente favorável, visto que afluíam para o País muitos recursos
estrangeiros, ocasionando o desenvolvimento de todo o sistema financeiro extremamente
sofisticado e bastante abastecido por uma poupança que era estimulada a toda força.
Na Constituição de 1967, como ocorreu na de 1946, exclui-se distinção de
sexos. Resta a parte da população que não tem direito de alistar-se: os que perderam os
direitos políticos, analfabetos e os que não sabiam exprimir-se na língua nacional. A exigência
atende ao fato de existirem naturalizados brasileiros natos que não aprenderam a língua
nacional e se não podem exprimir-se em língua portuguesa, dificilmente estavam interessados
na vida política do País.
A Constituição de 1946 riscou a exceção do alistamento aos mendigos. Esta
e a de 1967, alargaram a exceção ao que se estabelecera quanto às praças de pré. Em vez de só
se pré-excluírem da incapacidade os aspirantes a oficial, pré-excluíram-se os suboficiais, os
subtenentes, os sargentos e os alunos das escolas militares de ensino superior para a formação
militar.
A Constituição de 1934, pré-excluía os sargentos do Exército e da Armada e
das forças auxiliares do Exército. A Carta de 1891 só excetuava os alunos das escolas
militares de ensino superior. 88
Nos anos posteriores a situação política brasileira tornou-se turbulenta,
tendo-se tomado medidas drásticas que será visto no item seguinte.
3.7 A Emenda Constitucional de 1969
Pela Constituição de 1969, foi atribuída a todo cidadão brasileiro a
responsabilidade pela segurança e foi instituído o "Conselho de Segurança Nacional", com
amplos poderes. Os delitos enquadrados nas leis de segurança nacional caracterizavam-se por
estarem definidos de uma forma vaga e genérica, oferecendo ampla margem à arbitrariedade.
Com isso, sob o manto do direito, foram levantadas as bases do estado
policial arbitrário. O artigo 153, §1°dispõe que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. Será punido pela lei o
preconceito de raça”.
88
MIRANDA, Francisco Pontes de. Op. cit., p. 551-61.
Como se pode perceber, não há qualquer alteração em relação à Constituição
anterior, ou seja, continua a afirmação do preceito que garante a igualdade de todos perante a
lei sem distinção de sexo.
Quanto à proteção ao trabalho da mulher, o artigo 165 dispõe o seguinte:
Art. 165. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos,
além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição
social: (...) III- proibição de diferença de salários e de critério de admissões
por motivos de sexo, cor e estado civil; (...) X- proibição de trabalho, em
indústrias insalubres, a mulheres e menores de 18 anos e de qualquer
trabalho a menores de 12 anos; XI- descanso remunerado da gestante, antes e
depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário; (...) XVI- previdência
social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, seguro-desemprego,
seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante
contribuição da União, do empregador e do empregado; (...) XIXaposentadoria para a mulher, aos 30 anos de trabalho, com salário integral
(...)89
O exame histórico das nossas Constituições, até aqui, revela uma inegável
evolução nos direitos da mulher enquanto trabalhadora. Entretanto, se comparar estudos e
pesquisas realizadas na época em que vigorava esta Emenda Constitucional vai-se defrontar
com dados bem interessantes:
Rubens Vaz da Costa90 observava que a mulher brasileira ainda não
alcançava compensação financeira justa e acesso a posições de maior responsabilidade
profissional, executiva e política. Afirmava que 13% das mulheres empregadas tinham
salários mensais de até ¼ do salário mínimo oficial, em comparação com 4% dos homens
empregados. Na faixa de ¼ a ½ salário mínimo estavam 16% das mulheres empregadas e
12% dos homens; e na faixa de ½ a um salário estavam 23% dos homens.
Em todas as categorias acima de um salário mínimo a porcentagem dos
homens era superior à das mulheres, em sua opinião, essa disparidade na estrutura salarial por
sexos refletia uma discriminação, tanto quanto o fato de que, embora as mulheres formassem
1/3 da população economicamente ativa, elas representavam 40% dos desempregados.
Lembra Heleith Iara Saffioti91 que embora, no Brasil, não tenha havido
exploração maciça de mão-de-obra feminina, a fim de acelerar-se a acumulação de capital, o
89
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 1, DE 17 DE OUTUBRO DE 1969, que emenda a Constituição da
Republica
Federativa
do
Brasil
(1967),
Art.
165,
disponível
em
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>, acessado em
10/01/2006
90
COSTA, Rubens Vaz da. A mulher no Brasil-II. Folha de São Paulo, ed. de 27.06.1975.
91
SAFFIOTI, Heleith Iara. A mulher na sociedade de classes: Mito e Realidade. Rio de Janeiro: Vozes, 1979, p.
247.
emprego das mulheres sempre permitiu a apropriação de maior lucro, dada a discrepância
entre os salários masculinos e femininos. Em seu entender, o que explicava este fenômeno era
concepção do trabalho feminino como subsidiário, determinando uma oferta e aceitação mais
baixas que as masculinas. Vale informar que estes fatos são referentes à sociedade capitalista.
Todavia, entende-se que não se pode atribuir apenas ao capitalismo a
responsabilidade pela discriminação que a mulher e o trabalho feminino vêm sofrendo através
dos séculos. Basta lembrar o fato de que o capitalismo é um fenômeno do mundo ocidental
que remonta a pouco mais de um século, enquanto o preconceito em relação à sujeição
feminina não se limita ao ocidente e data de milênios. Quanto ao direito ao voto, prossegue o
direito da mulher de votar e ser eleita.
No que tange à proteção à maternidade, o artigo 175, § 4° dispõe que “Lei
especial disporá sobre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sobre a
educação de excepcionais”. A norma constitucional ampara especificamente a maternidade,
devendo lei especial dispor sobre a mesma.
Quanto ao serviço militar o artigo 92 reza:
Art. 92. Todos os brasileiros são obrigados ao serviço militar ou a outros
encargos necessários à segurança nacional, nos termos e sob as penas da lei.
Parágrafo único. As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos de serviço
militar em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes
atribuir.92
O dispositivo é explícito quanto à isenção de serviço militar às mulheres e
também quanto à obrigação de se sujeitarem aos encargos que a lei estabelecer.
3.8 A Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal de 1988 trouxe mudanças no tratamento da mulher e
do homem, colocando um freio na distinção existente até então.
A igualdade perante a lei é prevista no artigo 5º, como se segue:
Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
92
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 1, DE 17 DE OUTUBRO DE 1969, que emenda a Constituição da
Republica
Federativa
do
Brasil
(1967),
Art.
92,
disponível
em
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>, acessado em
10/01/2006.
propriedade, nos termos seguintes: 1- homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações, nos termos desta constituição (...).93
A análise desse dispositivo aponta que se torna inaceitável a utilização do
fator discriminatório sexo, sempre que o mesmo esteja presente, com o propósito de
desnivelar materialmente o homem da mulher. Não obstante a isso, poderá ser aceito quando a
finalidade pretendida for atenuar os desníveis.
É bem de ver que se é importante a decretação de iguais direitos entre
homem e mulher, é também forçoso reconhecer que esta disposição só se aperfeiçoa e se torna
eficaz na medida em que a própria cultura se altera. É necessário que as mentalidades se
modifiquem.
Uma outra questão a ser levantada é que homens e mulheres não são, em
diversos sentidos, iguais, sem que com isto se queira afirmar a primazia de um sobre o outro.
O que cumpre notar é que por serem diferentes, em alguns momentos haverá forçosamente de
possuir direitos adequados a estas desigualdades. A novidade maior, contudo, reside na
exceção de cláusula "nos termos desta Constituição".94
Criou-se então uma reserva constitucional no assunto o que vale dizer, que
será a Lei vedada a fazê-lo, poderá, no entanto a legislação infraconstitucional atenuar os
desníveis de tratamento em razão do sexo.
Observa-se ainda que a Constituição cria posições de vantagem em favor da
mulher: a aposentadoria com menos tempo de serviço, benefícios nas relações de trabalho,
entre outros.
Finalmente, cumpre registrar que mesmo a igualdade assim categoricamente
assegurada há de ceder diante daquelas situações em que a realidade está a impor a
exclusividade de um dos sexos. Assim, não é lícito a um homem o ingresso em batalhão de
polícia feminino nem à mulher é dado insistir em prover um cargo de carcereiro em prisão
masculina.
Embora seja sabido que depende muito da cultura de cada país o reconhecer
o que é próprio a cada um dos sexos, o fato é que o direito há de respeitar estas distinções que,
embora de base eminentemente cultural, não deixam de ter como suporte uma diferenciação
na própria caracterização de cada um dos sexos.
Ainda com relação à igualdade dos direitos e deveres do homem e da mulher,
a Constituição em vigor proclama no art. 226, § 5º o mesmo princípio de igualdade em
93
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988, Art. 5º, disponível em
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>, acessado em 10/01/2006.
94
BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit., p. 186.
relação a direitos e deveres dos cônjuges, na constância da sociedade conjugal. “Art. 226 (...)
§ 5°. Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo
homem e pela mulher”.
O princípio constitucional da igualdade do homem e da mulher ingressou no
domínio do Direito Positivo. Isto significa que todas as disposições do antigo Código Civil
Brasileiro que consagram desigualdades entre os cônjuges, e que não se encontram
justificadas por algum princípio constitucional estão revogadas ou perderam sua eficácia.
Segundo Oliveira et al95 as desigualdades consagradas no Código Civil Brasileiro de 1916, no
setor da família, são de três ordens.
Nas relações pessoais entre os cônjuges, em harmonia com a perspectiva de
funções diversas no interior da família para o marido e para a mulher, o exemplo é a norma
que destinava a conferir ao marido a chefia da sociedade conjugal (art. 233), que sinalizava
desigualdades concretizadas por outras regras.
A mulher desempenhava função auxiliar: era colaboradora do marido na
direção material e moral da família (art.240), atribuía lhe a direção da casa (poder art. 247),
na idéia de que o marido devia prover especialmente as despesas comuns. A obrigação
primeira do marido era prover a manutenção da família (art, 233, IV), enquanto a mulher
devia ocupar-se dos cuidados do lar (modelo composto de marido-provedor e mulher donade-casa).
Era reservado ao marido o poder de decisão sobre os assuntos mais
importantes da família, o que é incompatível com o princípio da igualdade. Era, por exemplo,
o que se observava com relação à norma que atribuía ao marido o poder de fixar o domicílio
(art. 233, III).
Relação entre pais e filhos: é o pai que tem o poder de decisão porque se lhe
atribui a última palavra na hipótese de divergência com a mãe, ressalvando-se a esta o direito
de recorrer ao juiz (art. 380, parágrafo único).
Relações patrimoniais entre os cônjuges, por exemplo, marido e mulher não
têm igual legitimação para contrair obrigações. A mulher não podia "contrair obrigações que
possam importar em alienação dos bens do casal" (art. 242, IV), o que significava uma
limitação ou restrição fundada em motivos que não justificavam o tratamento desigual entre
os cônjuges, no atual estado de desenvolvimento de nossa sociedade e da consciência jurídica.
95
OLIVEIRA, José Luis et al. Curso de Direito da Família. Curitiba: Juará Editora, 1998, p. 460.
Pode-se notar ainda que o regime da comunhão parcial (art. 269 a 275) não se apresenta
equilibrado entre os cônjuges.
Em primeiro lugar, a administração dos bens comuns está, no regime
supletivo, reservada ao marido (art. 233, lI, e art. 247). Trata-se de sistema de gestão
individual centralizada, em que o marido tem o poder exclusivo de administração dos bens
comuns. Isto é inconciliável com o princípio da igualdade entre os cônjuges, que exige que
eles tenham o mesmo direito de administração do patrimônio comum.
Essa igualdade é um direito fundamental do homem, como explica José
Afonso da Silva:
(...) Os direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais
adequada para designar, no nível do direito positivo, aquelas
prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma
convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo
fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações
jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive
e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no
sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas
formalmente
efetivados.
reconhecidos,
mas
concreta
e
materialmente
96
Por outro lado, na composição dos bens comuns, o produto do trabalho do
marido entrava na comunhão (art. 271, IV), enquanto o provento do trabalho da mulher tinha
o caráter de bem reservado (art. 246). Conseqüentemente, a exclusão de ganhos e salários da
mulher do núcleo de bens comuns produz, dentro da comunhão, um injustificado
desequilíbrio entre os cônjuges, em especial por ocasião da partilha dos aqüestos para cuja
formação só concorrem ganhos e salários do marido.
Para se dar ao princípio da igualdade o seu justo alcance é necessário que
num sistema de comunhão, as suas regras sejam expressão da idéia de que o que se ganha e se
economiza durante o casamento pertence aos cônjuges em comum, como resultado de uma
cooperação existente entre ambos.
Percebe-se que o art. 246 do CC de 1916, que contemplava a instituição dos
bens reservados da mulher, revelava um desequilíbrio do sistema que consagra, assim, uma
96
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13. ed., revista e atualizada. São Paulo:
Malheiros Editores, 1997, p.176-177.
solução contrária ao princípio da igualdade de direitos entre os cônjuges. Assim sendo, com a
Constituição Federal de 1988, abriram-se inúmeras lacunas no sistema, que o juiz, no
processo de realização concreta do direito, deve integrar, inspirado na nova determinação
constitucional.
Considerando toda polêmica gerada pelo tema ora em discussão, ressalta-se
que as opiniões são divergentes, havendo autores que discordam com dispositivos que
igualam homens e mulheres em direitos e obrigações.
Áurea Pimentel Pereira97, em sua obra intitulada Nova Constituição e o
Direito da Família assevera que mesmo com o advento da Constituição, em vigor, em que o
homem já não seria mais o chefe da sociedade conjugal ou a cabeça do casal como proclama o
art. 233 do Código Civil, passando a direção de tal sociedade ser exercida agora, ao mesmo
tempo pelo homem e pelas mulheres, é absolutamente inaceitável.
Segundo os argumentos da autora, a família brasileira se assentou, desde o
início, em tradição eminentemente patriarcal, em que a chefia do grupo familiar se deferiu
sempre ao homem, no próprio interesse da subsistência do equilíbrio e harmonia da entidade
familiar, só possíveis quando submetidas esta a uma autoridade diretiva unificada, parecendo
que o desdobramento de tal autoridade, para propiciar seu exercício ao mesmo tempo pelo
homem e pela mulher, por certo poderá fazer nascer entre estes uma situação de verdadeiro
confronto, sem condições de ser, no futuro, contornado.
Conforme Áurea Pimental Pereira acrescenta,
Na linha de tais considerações, portanto, e que entendemos que em respeito à
formação patriarcal da família brasileira, e no interesse da sobrevivência da
harmonia nas relações do grupo familiar, e que a autoridade diretiva
unificada deve sobreviver, mantendo-se nas mãos do homem a chefia da
sociedade conjugal, como aliás, atualmente se faz em quase todos os países
do mundo.98
Os países do mundo aos quais se referiu a autora são, por exemplo, a França,
cujo estatuto civil proclama em seu art. 213:
O marido é o chefe da família. Exerce ele esta função no interesse comum do
lar e dos filhos. A mulher concorre com o marido para assegurar a direção
moral e material da família, para cuidar da sua manutenção, para educar os
filhos e para preparar o estabelecimento deles. A mulher substitui o marido
na sua função de chefe se não estiver ele em condições de manifestar a sua
97
98
PEREIRA, Áurea Pimentel. A Nova Constituição e o Direito da Família. Rio de Janeiro: Renovar, 1990.
Id. Ibid., p. 58.
vontade por motivo de sua incapacidade, da sua ausência, do seu
afastamento ou por qualquer outra causa.99
Da mesma forma, na Itália, estabelece o artigo 144 do Código Civil daquele
país: “O marido é o chefe da família; a mulher segue a sua condição sócia, recebe o seu
sobrenome e está obrigada a acompanhá-lo para onde creia ele oportuno de fixar sua
residência”100. O mesmo princípio da existência de uma autoridade diretiva aparece no
Código Civil Suíço, onde guardando-se fidelidade com as linhas mestras da tradicional
família patriarcal romana no art. 331, assim se declara:
Se pessoas que vivem na comunidade tiverem de acordo com as disposições
de lei ou de acordo com o convencionado ou com os costumes um chefe de
família, caberá a ele a autoridade doméstica. A autoridade doméstica se
estende a todas as pessoas que, na qualidade de parentes consangüíneos ou
afins ou, com fundamento em contrato, com serviçais, aprendizes ou
oficiais ou em outra posição semelhante, vivem na comunidade doméstica.101
A conclusão sobre o posicionamento de Áurea Pimentel Pereira em relação
ao direito comparado é a seguinte:
Tendo presentes os exemplos dos países como, França, Itália e Suíça, e a
tradição histórica que desde os primórdios das civilizações deferiu sempre ao
homem o pesado encargo da direção da família, atribuindo-lhe a condição de
cabeça do casal, não se vê a quem poderia, afinal, aproveitar exclusivamente
em nome de um princípio de igualdade que na verdade é relativo - a divisão
da autoridade diretiva entre o homem e a mulher, parecendo muito mais
adequado mantê-la nas mãos do homem para ser exercida, naturalmente,
como preconiza a lei, com a colaboração da mulher.102
Vale lembrar, que não se concorda com a opinião da ilustre autora, acreditase que com o advento da Constituição Federal de 1988, a situação mudou. Praticamente, às
portas do século XXI, a mulher deixou de ser apenas um “ornamento” dentro de casa, para
buscar sua independência pessoal, econômica e profissional. Em face do exposto, não há
motivos justificáveis para o homem ser o “cabeça do casal”, uma vez que ambos lutam para o
bem estar da família.
No que tange à proteção ao trabalho da mulher, a Constituição de 1988,
trouxe preceitos constitucionais, como o estatuído no art. 7º, inciso XVIII, que dispõe sobre a
99
Código Civil Francês, traduzido pelo Prof. Dr. Souza Diniz, p. 64.
Código Civil Italiano, idem, p. 53.
101
Código Civil Suíço, idem, p. 61.
102
PEREIRA, Áurea Pimentel. Op. cit., p. 60.
100
licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de cento e vinte
dias.103
Convém esclarecer que no direito anterior a licença cogitada era menor.
Tinha a duração de quatro semanas antes e oito após o parto. Quanto ao salário, diz o art. 393
da Consolidação das Leis do Trabalho que, naquele período, terá a mulher direito aos salários
integrais, calculados de acordo com a média dos seis últimos meses de trabalho. A
Constituição de 1967/69, no entanto, alterou essa fórmula de cálculo, na medida em que
utilizou a cláusula “sem prejuízo do emprego e do salário” (art. 165, XI).
Não se pode, evidentemente, no inciso em questão identificar grandes
inovações, a não ser quanto ao prazo da licença que foi aumentado para 120 dias. Como
mencionado anteriormente, este direito figura dentre aqueles de precoce reconhecimento
constitucional, lembrando que a primeira Constituição com preocupações sociais foi a de
1934 que já reconhecia o direito a licença a maternidade em seu art. 121, § 1º, alínea “h” e
que as Constituições posteriores mantiveram, com reduzidíssimas ressalvas.
Celso Ribeiro Bastos104 assevera que o fundamento dessa proteção normativa
é a suposição da fraqueza feminina, no campo físico, sobretudo, em razão de um menor
desenvolvimento muscular, e também derivada de uma maior vulnerabilidade com respeito
aos órgãos que a diferenciam do seu companheiro de trabalho.
Segundo o mesmo autor, o próprio ingresso da mulher no mercado de
trabalho não se vem dando senão por força de eventos que tornaram a sua participação
indispensável, assim como as mutações sofridas nas próprias condições de trabalho. Os
primeiros têm como exemplo, o período de guerras, durante o qual, chamados os varões para
as frentes de batalha, não sobrou outra solução senão admitirem-se mulheres nas suas vagas.
No que diz respeito às mutações do mercado, é bem mais ameno o próprio
trabalho braçal nas indústrias, o que torna acessível às mulheres.
O fato é que, considerado em princípio como de segunda categoria, em
virtude da deficiência somática da mulher, o trabalho feminino foi mal remunerado. Daí o
emergir de toda uma legislação, inclusive constitucional, vedatória da discriminação entre
sexos. Hoje, essa proibição está contida no inciso XXX do art. 7° da Constituição Federal de
1988.
103
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988, Art. 7º, disponível em
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm, acessado em 10/01/2006.
104
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. vol II. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 465.
Crê-se que o inciso comentado é conseqüência de duas linhas: a) a existência
de medidas protetoras do trabalho da mulher, o que do ponto de vista pragmático se traduz em
privilégios; b) por outro lado, a vigência de um princípio isonômico que proíbem às mulheres
serem discriminadas. Ora, é de fácil compreensão que estas duas tendências são conflitantes
ao menos do ponto de vista da absorção pelas empresas do trabalho feminino.
Para reequilibrar os pratos da balança e obstar que a contratação da mão-deobra masculina possa se afigurar mais vantajosa, surge a previsão constitucional de incentivos
específicos à admissão de mulheres. Não se trata, portanto, da tradicional proteção das
condições de trabalho feminino. Mas sim de propiciarem estímulos aos empregados que
compensem os ônus advindos das vantagens legais e constitucionais que cercam o trabalho
feminino.
É reconhecido que o objetivo do inciso é válido na medida em que procura
substituir uma mera proibição de discriminação contra as mulheres, pela procura de
equiparação efetiva de mercado, ou melhor, busca-se por meio da lei equiparar o que a
própria lei desequiparou.
Com o dispositivo constitucional intenta um tratamento isonômico que
independerá do mero respeito a norma, mas encontrando base na situação objetiva
mencionada por exemplo no art. 7º, inciso XXX, que prevê a proibição de diferença de
salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou
estado civil”.
Discriminar significa diferenciar, discernir, distinguir, estabelecer diferença.
Relacionando este Texto Constitucional com os anteriores, pode-se concluir
que o dispositivo da Constituição regente é mais completo do que os anteriores, mesmo não
fazendo menção ao aspecto da nacionalidade.
A Consolidação das Leis do Trabalho, nos arts. 5°, 358 e 461, trata das
regras relativas à não-discriminação salarial, entre os empregados, por motivo de sexo,
nacionalidade ou idade. É de se perceber que um dos preconceitos, uma das práticas
discriminatórias, que nos últimos anos mais rapidamente sofreu grandes desmoronamentos,
foi a relativa ao trabalho da mulher.
Reconhecidamente, cada vez mais o sexo feminino ocupa posições de alta
relevância e responsabilidade não só na atividade privada, mas inclusive em todos os níveis da
Administração Pública, direta ou indireta. Hoje, é indiscutível a competência profissional
feminina, ao que se deve acrescentar que, em decorrência de certas virtudes femininas, certas
características específicas da mulher, determinadas atividades laborais são por elas executadas
com maior qualidade e rapidez.
Na Constituição de 1988, inciso XX do art. 7º, está prevista norma de
proteção ao direitos de trabalho da mulher: “proteção do mercado de trabalho da mulher,
mediante incentivos específicos, nos termos da lei;”105
É de se concluir que a transmutação de valores e a crescente participação da
mulher na vida social vêm criando condições para progressiva afirmação dos direitos da
mulher com relação ao trabalho.
No que se refere ao direito ao voto, a Constituição Federal de 1988, reitera
no seu art. 14 que: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto
direto e secreto, com valor igual para todos, e nos termos da lei, mediante: (...)”.106
Obviamente, com o princípio da igualdade, não há mais sequer referência
quanto ao sexo feminino. O voto é um direito já solidificado e a mulher simplesmente exerce
esse direito de votar e ser votada.
No que tange à proteção à maternidade, o fato de a mulher contrair
matrimônio não contém justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho. Assim como
também não é motivo para a rescisão, o fato de a mulher encontrar-se em estado de gravidez.
Como base legal, encontra-se a Lei n° 9.029, de 13 de abril de 1995, e a
exigência de teste, exame, perícia, atestado ou outro procedimento relativo à esterilização ou
estado de gravidez é considerado crime, bem como outras medidas de iniciativa do
empregador, que configurem instigação à esterilização genética ou controle de natalidade, não
se compreendendo como talo oferecimento de serviços de planejamento familiar submetido às
normas do SUS.107
E segundo o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, até que seja
promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7°, inciso I, da Constituição, fica vedada
a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da
gravidez até cinco meses após o parto.108
A licença à gestante, já comentada anteriormente, também merece ser
contemplada, como proteção à maternidade, pois tem esse direito, sem prejuízo do emprego e
105
Indice
Fundamental
do
Direito.
Art.
7º,
inciso
XX,
disponível
em
http://www.dji.com.br/constituicao_federal/cf006a011.htm, acessado em 10/01/2006
106
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988, Art. 14º, disponível em
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm, acessado em 10/01/2006
107
BARROS, Alice Monteiro. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p. 483.
108
ADCT, da Constituição Federal de 1988, art. 10, inc.II, letra “b”.
do salário, com duração de 120 dias.109 A mulher empregada tem direito à licençamaternidade qualquer que seja o seu estado civil e mesmo que a criança tenha falecido.
Ressalte-se ainda que a proteção à maternidade está inserta na atual
Constituição Federal, no art. 6°, capítulo II, Dos Direitos Sociais: “São direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
“Seções III da Previdência Social: Art. 201 - A previdência social será organizada (...) II- a
proteção à maternidade, especialmente à gestante; III (...)”.110
Ressalta-se que o salário-maternidade da empregada será devido pela
Previdência Social enquanto existir a relação de emprego.111 O salário-maternidade para a
segurada empregada consiste numa renda mensal igual à sua remuneração integral e será pago
pela empresa, efetivando-se a compensação quando do recolhimento das contribuições sobre a
folha de salário.112
Por fim, a Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar
aos seus beneficiários (incluindo obviamente as mulheres), meios indispensáveis de
manutenção por motivo de incapacidade, desemprego, idade avançada, tempo de serviço,
encargos familiares e de reclusão ou morte daquele de quem dependiam economicamente.113
Mas não é só pelo pagamento da Previdência Social que haverá o amparo à
maternidade, é o que se encontra na Seção IV- Da assistência social:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice
(...).114
É de se perceber que a Carta Magna de 1988 foi a primeira lei fundamental
brasileira a disciplinar o ideal de justiça social, em seção própria, que tem por fim corrigir as
injustiças, independentemente de qualquer contribuição à seguridade social.
Especificamente, a assistência social tem, sobretudo como finalidade
eliminar a pobreza e a marginalização de grupos que não possam integrar-se devidamente na
109
Id. Ibid. art. 7º, inc. XVIII.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988, Art. 201º, disponível em
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm, acessado em 10/01/2006
111
Decreto n° 2.172197, arte 95.
112
Id. Ibid. art. 92.
113
Id. Ibid. art 1°.
114
Id. Ibid. art. 203
110
vida econômico-social do país. Estes grupos se constituem na família, bem como a mulher,
quando é contemplada com a maternidade.115
Não obstante ao que foi exposto, tem-se clara a consciência de que a
realidade brasileira é bem diferente da teoria, e que inúmeras mulheres, mesmo contempladas
com a maternidade, mas em condição econômica precária, acabam por interromper a gravidez
e colocando em risco a sua própria vida.
Quanto à aposentadoria, a Constituição Federal de 1988 em seu art. 201 § 7º
dispõe:
Art. 201 § 7º. É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência
social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: I - trinta e cinco
anos de contribuição, se homem, e 30 anos de contribuição, se mulher; II sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se
mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de
ambos os sexos(...)116
Assim pelo disposto na Lei Maior, sendo servidora pública, a mulher:
•
pode aposentar-se aos 30 anos de serviço, com proventos integrais;
•
pode aposentar-se aos 25 anos de efetivo exercício em funções de
magistério, com proventos integrais;
•
pode aposentar-se aos 25 anos de serviço, com proventos proporcionais a
esse tempo;
•
pode aposentar-se aos 60 anos de idade, com proventos proporcionais ao
tempo de serviço.117
Com as reformas constitucionais, a situação será assim:
•
Para se aposentar, as trabalhadoras da iniciativa privada e do setor
público precisam completar 35 anos de contribuição e 55 anos de idade;
•
A professora universitária não terá mais aposentadoria especial. Esta será
apenas direcionada para as professoras da educação infantil, ensino
fundamental e médio.
115
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 46.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988, Art. 201º, § 7º, disponível em
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm, acessado em 10/01/2006
117
Id. Ibid. art. 40, inc. III, letras “a”, “b”, “c” e “d”.
116
•
A atual Constituição diminuiu o limite de idade de 70 para 60 anos, aliás,
a Emenda Constitucional de 1969, não fazia distinção quanto à aposentadoria
compulsória.
No que se refere à aposentadoria voluntária, ainda persiste aos 30 anos de
contribuição para a mulher se pertencente ao setor privado, no entanto, se for servidora
pública o prazo é de 25 anos.
Quanto ao serviço militar, reza a atual Constituição, no seu art. 143:
§ 2º: O serviço militar é obrigatório nos termos da lei. § 2º: As mulheres e os
eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz,
sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuiu.118
Esse § 2° é dedicado às mulheres e aos eclesiásticos, que ficam isentos do
serviço militar obrigatório em tempo de paz, mas são obrigados a assumir outros encargos
vinculados ao conceito amplo de segurança nacional determinados pela lei. Essa matéria é
regida atualmente, pela Lei n° 8.239, de 4 de outubro de 1991.
Hoje, o serviço militar, no mundo inteiro, não é privilégio dos homens, mas
já foi no passado. Joana D' Arc teve que se vestir-se de “guerreiro” para comandar as tropas
francesas e até mesmo mulheres excepcionais como Hatsepsut, a rainha do Alto Império
Egípcio, comandavam o povo sem comandar o Exército.119 Nunca foi regra, ao longo da
história da humanidade, mulheres integrarem tropas regulares ou mercenárias.
Tais atividades continuam para atuação masculina, e o § 2° consagra essa
visão, em que as mulheres são dispensadas do serviço militar em tempo de paz, sendo
obrigadas a atuar em encargos substitutivos mais condizentes com sua conformação física.
Realça o constituinte que tal dispensa apenas ocorre em tempo de paz, só que
quando houver guerra se infere que, não haverá garantias, isenções ou privilégios, todos
deverão colaborar com a nação na tentativa de solucionar o momento crítico. E nessa
situação, com certeza as mulheres serão iguais a qualquer homem.
118
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988, Art. 143º, § 2º, disponível em
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm, acessado em 10/01/2006
119
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. vol V. São Paulo: Saraiva, 1997, p.
191.
CAPÍTULO IV – A MULHER E O DIREITO DO TRABALHO
4.1 – Contexto Histórico
Antes da exposição propriamente dita desta questão, é importante ressaltar
que a evolução do Direito do Trabalho da mulher não foi acompanhada de igual evolução pelo
Direito do Trabalho do homem.
Na antiguidade, a mulher era escravizada pelo marido, permanecendo na
mais absoluta ignorância. Era considerada um ser marginalizado, a quem se devia deixar no
desconhecimento e na servidão. Reclusa a uma vida doméstica, vivia com a única finalidade
de procriar e cuidar dos filhos, contribuindo nos afazeres domésticos, muitas vezes além das
suas forças. Era considerada como um campo fértil destinado a receber a semente masculina e
fazê-la frutificar.
Aos homens devia total obediência e respeito nas formas mais primitivas da
sociedade conjugal, até as mais abrandadas formas de contrato matrimonial, onde prevaleciam
os interesses materiais da união em detrimento de possíveis aspirações pessoais. A história
das relações econômicas registra que a mulher sempre contribuiu na economia familiar ou
grupal, assumindo diferentes papéis segundo a época.
O art. 415 do Código de Manu120 dispõe que em Roma a mulher era sempre
tida como menor, sujeita ao pai e ao marido. Esta, distante das informações externas,
renegada a um segundo plano na hierarquia familiar devido às organizações patriarcais nas
sociedades antigas, não vislumbrava, senão, a obediência aos mais velhos, seus ancestrais e ao
pai, que era, por assim dizer, o seu primeiro dono, realmente dono de seu destino e para
substituí-lo era entregue a alguém escolhido para o seu companheiro, passando, então, a servilo, a ele aos filhos que viesse a ter.
Um trecho do Código de Manu, citado por Ralph Lopes Pinheiro, demonstra
a preocupação com relação a uma descendência varonil: “Aquele que não tem filho macho
120
Livro Terceiro do Código de Manu - Estipula normas sobre o matrimônio e os deveres do chefe da família;
trazendo descrições minuciosas sobre os inúmeros costumes nupciais; o comportamento do bom pai frente à
mulher e aos filhos; a obrigação de uma vida virtuosa; a necessidade de excluir pessoas indesejáveis, como, por
exemplo, os portadores de doenças infecciosas, os ateus, os que blasfemam, os vagabundos, os parasitas, os
dançarinos de profissão, etc. do meio familiar; as oblações que devem ser feitas aos deuses, etc.
pode encarregar a sua filha de maneira seguinte, dizendo que o filho macho que ela puser no
mundo, se tornará dele e cumprirá na sua honra a cerimônia fúnebre."121
No Egito, a mulher assume uma posição de relativa igualdade com o homem
e, par de seu companheiro nas lides do campo, podia ser comerciante, ter indústria e exercer a
medicina. Na Grécia as mulheres eram educadas com a única finalidade de criar e educar os
filhos, dedicando-se apenas aos trabalhos domésticos, sendo desprezadas aquelas que se
dedicassem a outra função, por exemplo, às atividades comerciais.
Na Idade Média, período em que se caracterizou a passagem de serviços
escravos para o feudalismo, a posição jurídica da mulher continuava a ser a mesma. As
profissões estavam organizadas num sistema de corporação, agremiações mais rígidas, cujos
membros reconheciam uma certa ordem social e se uniam na defesa de seus interesses.
Admitida para trabalhar, a mulher jamais chegava a uma posição de destaque. Era considerada
a sua vida inteira como um simples aprendiz, quer nas oficinas de corporação, quer no lar pelo
marido.
Nessas lutas sociais, na formação de novas classes, a mulher assume um
papel mais evidente. Mesmo sendo considerada como ser inferior, já podia exercer
determinados ofícios que lhe eram reservados com exclusividade, por exemplo, fiandeira e
tecedeira de seda, sem que houvesse qualquer prejuízo no desenvolvimento de uma outra
atividade. Muito embora os trabalhos artesanais não lhe dessem fontes de cultura, acendiam
em seu interior o interesse por outras atividades que não os afazeres puramente domésticos,
tornado-a socialmente produtiva.
Na Idade Moderna, com a evolução do sistema econômico, a mulher vai
recebendo algumas oportunidades de trabalho, em novas ocupações, passando a colaborar na
fabricação de tecidos e objetos que viriam a servir de instrumento de troca por outras
utilidades. Tais atividades vinham se industrializando, dando causa ao trabalho assalariado.
Segundo Orlando Gomes e Elson Gottschalk:
(...) o emprego de mulheres e menores na indústria nascente representava
uma sensível redução do custo de produção, a absorção de mão-de-obra
barata, em suma, um meio eficiente e simples para enfrentar a concorrência.
Nenhum preceito moral ou jurídico impedia o patrão de empregar em larga
escala a mão-de-obra feminina e infantil. Os princípios invioláveis do
liberalismo econômico e do individualismo jurídico davam-lhe a base ética
e jurídica para contratar livremente, no mercado, esta espécie de
mercadoria. Os abusos desse liberalismo cedo se fizeram patentes aos olhos
de todos, suscitando súplicas, protestos e relatórios (Villermé) em prol de
121
PINHEIRO, Ralph Lopes. História resumida do direito. 10 ed., Rio de Janeiro: Thex, 2001, p.53.
uma intervenção estatal em matéria de trabalho de mulheres e menores.
Com as primeiras leis que surgiram, em diversos países europeus,
disciplinando esta espécie de trabalho, surgiu, também, para o mundo
jurídico, a nova disciplina: O Direito do Trabalho. Com efeito, foi o Moral
and Health Act, de Roberto Peel, em 1802, a primeira manifestação
concreta que corresponde à idéia contemporânea do Direito do Trabalho"122
O desenvolvimento industrial proporcionou a introdução em larga escala do
trabalho feminino, até em prejuízo da mão-de-obra masculina, está já abalada pelo
aperfeiçoamento da máquina a vapor.
A Revolução Industrial, caracterizada pelo surgimento de profissões antes
essencialmente femininas, trouxe a disputa sexual do trabalho. Dessa forma, a atividade
feminina era caracterizada pela mão-de-obra mais barata e menos produtiva devido às
múltiplas ocupações que a mulher se submetia.
Segundo Sidney Webb apud Michelle Perrot: “... as mulheres ganham menos
que os homens não só por que produzem menos, mas também porque aquilo que produzem é
avaliado no marcado de trabalho por um valor inferior”. 123
O Estado não interferia nas relações jurídicas de trabalho, permitindo toda
sorte de exploração. As mulheres eram remuneradas ao livre arbítrio dos patrões, eram
desprezadas e colocadas em postos inferiores, com menores salários; as menos instruídas
eram consideradas aptas somente em certos períodos de sua vida, ou seja, quando jovens e
solteiras, exercendo apenas um tipo de atividade sem qualquer profissionalização.
Nas áreas qualificadas, como enfermagem, datilografia e escritório, as
mulheres eram consideradas adequadas, pois, por meio dessas atividades, elas podiam
exprimir a sua delicadeza e submissão, aceitando o custo da mão-de-obra feminina abaixo do
que o da masculina.
As normas de proteção do trabalho da mulher deram-se com o objetivo de
retirar a mesma de certas condições de trabalho. Essas medidas protetivas provocaram um
barateamento na força de trabalho e o deslocamento das mulheres para setores não
regulamentados em indústrias menos desenvolvidas.
A limitação das horas de trabalho e a proibição do trabalho noturno
aplicavam-se somente para as trabalhadores no setor fabril. A agricultura, o serviço
doméstico, comércio retalhista, lojas e oficinas domésticas eram excluídas dessa proteção.
122
GOMES, Orlando, e GOTTSCHALK, Elson, Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. (de acordo com a CF/88),
Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 419.
123
WEBB, Sidney In: PERROT, Michelle; GEORGES, Duby. História das mulheres – Século XIX. vol. IV. São
Paulo: Ed. Brasil, 1986.
Entre a maternidade e trabalho, reprodução e produção, domesticidade e
trabalho remunerado, a mulher passou a ser vista como uma patologia social e não no nível de
satisfação ou de dificuldade que o trabalho poderia oferecer.
Na realidade, a mulher sempre foi vista como de segunda categoria, cujo
corpo, capacidade produtiva e responsabilidade social tornavam-na incapaz para o tipo de
trabalho que lhe traria reconhecimento econômico e social.
A história do trabalho da mulher foi relatada pela divisão sexual do trabalho.
A dificuldade apresentava-se quanto à sua feminilidade e a compatibilidade com o trabalho
assalariado. Essa diversificação não pode ser considerada legítima ou natural, em relação ao
nível de evolução que se deve acompanhar dos acontecimentos atuais.
No século XIX, o ingresso da mulher trabalhadora no setor econômico de
trabalho contribuiu para reavaliar a posição da mulher no nível de produção, bem como sua
posição de categoria secundária frente ao lar e trabalho, reprodução e produção.
Com o Decreto 21.417 de 1932, no seu art. 1º, foi regulamentada a força de
trabalho da mulher, que além desse artigo, outros também estabeleciam pontos essenciais
como a licença remunerada para gestante por quatro semanas antes e quatro depois do parto e
a proibição da demissão da gestante pelo simples fato da gravidez.
O art. 1º do Decreto mencionado preceitua que:
Regula as condições do trabalho das mulheres nos estabelecimentos
industriaes e commerciaes. O Chefe do Governo Provisório da Republica
dos Estados Unidos do Brasil resolve: Art. 1º. Sem distincção de sexo, a
todo trabalho de egual valor corresponde salário egual.124
A mulher trabalhadora foi produto da Revolução Industrial, que fez aflorar as
suas potencialidades num capitalismo destrutivo. Em razão do cuidado do lar e da
maternidade, a mesma se submetia a baixos salários, em qualquer especialização. Desde o
período pré-industrial, a atividade feminina demonstrava êxito entre o trabalho e a família.
A problemática da mulher trabalhadora surge num mundo onde o trabalho
assalariado e a responsabilidade familiar haviam se tornado ocupações de tempo integral e,
por assim dizer, diferenciadas. Essa diferenciação contribuiu para a separação do lar e do
trabalho, acentuando a diferença entre o homem e a mulher.
124
Ministério do Trabalho e Emprego. Decreto nº 21.417, de 17 de Maio de 1932, disponível em
<http://www.mte.gov.br/Menu/Ministerio/Museu/Conteudo/Decreto21417_txt.asp>, acessado em 11/01/2006.
Apesar do princípio da igualdade jurídica dos sexos, constata-se, na prática,
que inúmeras restrições impedem e retardam a total equiparação do trabalho da mulher ao do
homem. Os direitos e deveres devem ser reconhecidos idênticos para ambos os sexos.
Atualmente, a mulher trabalha em diversas atividades, igualando-se ao homem. O trabalho
feminino não pode ser aproveitado somente na escassez da mão-de-obra. A atividade feminina
deve ter aproveitamento contínuo em todos os ramos da atividade humana.
O momento cultural e histórico exige a presença da mulher no processo de
globalização e desenvolvimento. É necessário qualificar o trabalho de homens e mulheres em
igualdade de condições, num aprimoramento e aperfeiçoamento maior da sociedade
contemporânea.
4.2 Origem e Evolução das Medidas de Proteção a Favor da Mulher
A Revolução Industrial propiciou o ingresso da mão-de-obra feminina. A
introdução de máquinas acarretou novas formas de produção e uma grande concentração de
mão-de-obra nas cidades e zonas industriais, constituída, principalmente, por mulheres e
crianças.
Conforme Heleieth Saffioti, há uma verdadeira "conspiração do silêncio"
que cerca essa violência e impede que dados quantitativos e qualitativos possam melhor
revelar a magnitude desse fenômeno.125
As precárias condições de trabalho, com baixos salários, embora realizando o
mesmo trabalho que o homem, deu causa ao movimento de uma legislação protetiva do
trabalho com relação à mulher e a criança. Em 1830 e 1840, houve a necessidade de se
questionar uma proteção peculiar para o problema da mulher e da criança.
As primeiras manifestações legislativas a respeito do trabalho da mulher
surgiram na Inglaterra com o Coal Mining Act, de 1842, proibindo as mulheres em
subterrâneos; no Factory Act, de 1844, limitando seu trabalho a doze horas, proibindo-o no
período noturno; no Factory and Workshop Act, de 1878, que também proibiu o trabalho da
mulher em ofícios perigosos e insalubres.126
125
SAFFIOTI, Heleieth. ALMEIDA Suley de. Violência de Gênero - Poder e Impotência. Rio de Janeiro:
Revinter, 1995, p. 43.
126
BALELA, Juan. Leciones de legislacion Del Trabajo.In: MAGANO, Octávio B. Direito tutelar do trabalho.
2. ed., vol. IV. São Paulo: LTr, 1992, p. 99.
Em 1874, a França proibiu o trabalho das mulheres em minas e pedreiras, e
em 1892, limitou sua jornada em 11 horas, generalizando-se a restrição ao trabalho noturno na
industria às mulheres menores de 21 anos.127
Em 1890, pela Conferência de Berlim, foi criado um Protocolo versando a
respeito de medidas para regulamentar as condições de trabalho e, em especial, o trabalho das
mulheres.
Em 1897, em Zurich, foi celebrado o 1º Congresso Internacional de Proteção
Obreira e, concomitantemente, foi realizado um Congresso de Bruxelas dando origem a
organizações internacionais, criando a Associação Internacional de Proteção aos
Trabalhadores, visando a universalização da norma trabalhadora.
No ano de 1906, em Berna, surgiu o primeiro projeto de Convenção
Internacional do Trabalho, incluindo a proibição do trabalho feminino à noite, na indústria,
excluindo do seu campo de ação a força maior, o trabalho realizado em oficinas de família e
serviços com matéria de alteração rápida.
Em 25 de janeiro de 1919, houve a Conferência da Paz, dando origem ao
Tratado de Versalhes, em cuja parte XII se criava a Organização Internacional do Trabalho
(OIT) International Labore Organisation, ficando assegurada à aplicação de leis e
regulamentos para a proteção das trabalhadoras.
Essa regulamentação se apresenta sob um critério protencionista genérico,
seja quanto à duração da jornada de trabalho nas atividades insalubres e perigosas, etc., e em
especial, destinada à maternidade, gravidez e prole.
Com relação à jornada de trabalho, tal regulamentação se justificou no início,
em razão das diferenças físicas da mulher, bem como das múltiplas tarefas a que estava
submetida. A limitação para o exercício da atividade da mulher nas condições insalubres e
perigosas é devido às agressões que o organismo feminino pode sofrer, ocasionando
conseqüências prejudiciais posteriores.
As normas protetoras da maternidade visam a garantir melhores condições de
cuidar da gravidez, do parto e da primeira infância, dada a importância desses processos para
a vida da mãe e da criança. Diversas convenções e recomendações foram adotadas. Entre elas,
a Convenção n. 3, de 1919, referente ao emprego da mulher antes e depois do parto. Ela foi
ratificada no Brasil através do Decreto n. 51.627, de 18 de dezembro de 1962, sendo revista
pela de n. 103, em 1952, que dispunha em seu art. 4º, §§ 4º e 8º, o seguinte: “em hipótese
127
DEVAUD, Marcelle e MARTINE, Levy. Le travail des femmes em France: protection ou egalite? In:
MAGANO, Octavio B. Op. cit., p. 99.
alguma, deverá o empregador estar obrigado, pessoalmente, a custear as prestações referentes
à licença maternidade, a qual ficará a encargo de um sistema de seguro social obrigatório, ou
de fundos públicos”.128
A Convenção n. 103 assegura o direito à licença maternidade de doze
semanas, com apresentação do atestado médico, sem prejuízos do salário e do emprego, com
direito à assistência médica.
A Convenção n. 4, de 1919, proibindo o trabalho noturno da mulher foi
revista em 1934 pela n. 41, ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto n. 1.396, de 19
de janeiro de 1937. Essa Convenção foi revista em 1948, pela Convenção n. 89, ratificada
pelo Brasil em 1965 e promulgada pelo Decreto n. 66.875, de 16 de julho de 1970.
O protocolo de 1990, da OIT, reviu a Convenção n. 89, vedando o trabalho
noturno às mulheres durante o período da licença maternidade, salvo se for afastada tal
proibição e desde que não cause prejuízo a sua saúde e a do seu filho.
A Convenção n. 171, da OT, foi aprovada em 1990, dispondo sobre o
trabalho noturno, compreendendo homens e mulheres, gozando esta última de proteção
especial somente em relação à maternidade, em conformidade com o Protocolo.
A Convenção n. 45, de 1935, da OIT, ratificada pelo Brasil e promulgada
pelo Decreto n. 3.233, de 3 de novembro de 1938, refere-se à proibição do trabalho da mulher
no subterrâneo das minas.
A Recomendação n. 4, de 1919, trata sobre a intoxicação pelo chumbo. As
Convenções n. 13 de 1921, sobre o emprego da cerusita na pintura, e n. 127, sobre os pesos
máximos, sendo esta última complementada pela Recomendação n. 128, de 1967.
A Convenção n. 136, de 1971, e a Recomendação n. 144, versam a respeito
da proteção contra os riscos de intoxicação pelo benzeno, proibindo tais atividades às
mulheres grávidas e no período da amamentação. Essa Convenção e Recomendação foram
ratificadas pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo n. 76, sendo promulgada em setembro
de 1994.
A Convenção n. 100, de 1951, da OIT, foi ratificada pelo Decreto n. 41.721,
de 25 de junho de 1957, e dispõe a respeito da igualdade de remuneração entre homem e a
mulher. A Convenção n. 111, de 1958, foi ratificada pelo Decreto n. 62.150 de 19 de janeiro
de 1968 e trata da não discriminação em matéria de emprego e ocupação. A Convenção n.
128
CP/CAJP-1852/01
add.
1.
27
março
2002.
Original:
espanhol,
<http://www.oas.org/consejo/pr/cajp/Documentos/cp09469p06.doc>, acessado em 11/01/2006.
disponível
em
127/67 foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n. 66.499 de 27 de abril de 1970 e
dispõe sobre o peso máximo de carga.
A Convenção sobre a “Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher”129, 1979, foi ratificada por meio do Decreto n. 89.460, de 20 de março de
1984, e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.
O Ano Internacional da Mulher (1975) tratou da igualdade de direitos entre
homens e mulheres, a promoção da plena integração da mulher no desenvolvimento do País e
a sua contribuição para a Paz Mundial.
Em 17 de maio de 1932, foi expedido o Decreto n. 21.417-A, que versou
sobre a situação da mulher trabalhadora, assegurou, entre outras medidas de proteção, a
proibição do trabalho noturno, do trabalho nas minerações em subsolo, nas pedreiras e obras
públicas e nos serviços perigosos e insalubres, estabelecendo o descanso de quatro semanas
antes e quatro semanas depois do parto, com percepção da metade do salário; descansos
diários, durante o trabalho, para alimentação.
Determinou ainda, que nos estabelecimentos em que trabalhassem pelo
menos trinta mulheres com mais de dezesseis anos de idade haveria local apropriado
destinado à guarda do filho no período da amamentação.
A legislação brasileira proibia o trabalho noturno, o emprego nos trabalhos
subterrâneos das minas e o trabalho insalubre e perigoso da mulher trabalhadora. Com a Lei n.
7.855, de 1989, art. 13, foi revogada qualquer proibição, passando a ser permitido pelo
ordenamento jurídico o trabalho feminino nessas condições, assegurando algumas normas de
proteção, que foram mantidas. Quanto ao transporte de carga, há proibições em função de
pesos máximos, justificando-se em razão da estrutura física da mulher.
O art. 392, da CLT, dispõe que:
“... é proibido o trabalho da mulher grávida no período de 4 semanas antes e
oito semanas depois do parto”. Assim, com o advento da Constituição
Federal de 1988, este período foi dilatado para 120 dias, tendo uma
abrangência maior com relação à duração da licença-maternidade prevista
pela Convenção nº. 103 da OIT.
129
Adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 18/12/1979, entrou em vigor em 3/9/1981. Assinada
pelo Brasil, com reservas, em 31/3/1981 e ratificada, com reservas, em 1/2/1984, entrou em vigor em nosso país
em 2/3/1984. Em 22/6/1994 foi ratificada, sem reservas. Texto publicado no Diário do Congresso Nacional em
23/6/1994.
Com a Lei nº. 8.213, de 24 de julho de 1991, art. 71, o salário-maternidade
passa a ser devido à segurada empregada, à trabalhadora avulsa e à empregada doméstica,
durante vinte e oito dias antes e noventa e dois dias depois do parto.130
De acordo com o princípio da igualdade, o art. 7º, XXX, da Constituição
Federal, e o art. 461, da CLT, dispõem que é proibida a diferença de salário, de exercício de
funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor, estado civil, para trabalho de
igual valor.
As normas internacionais influenciaram na legislação brasileira, no tocante à
maternidade. A normatização internacional versa a respeito da duração da licença; concessão
integral na hipótese de parto prematuro; prorrogação em caso de enfermidade; intervalo para
aleitamento; licença em caso de aborto; salário integral durante o afastamento; direito de
mudar de função que lhe seja prejudicial e retorno às funções anteriores após o transcurso da
licença; e concessão integral na hipótese de parto prematuro.
Assim sendo, o art. 393, da CLT, impunha o pagamento do saláriomaternidade ao empregador:
Art. 393 - Durante o período a que se refere o art. 392, a mulher terá direito
ao salário integral e, quando variável, calculado de acordo com a média dos
6 (seis) últimos meses de trabalho, bem como aos direitos e vantagens
adquiridos, sendo-lhe ainda facultado reverter à função que anteriormente
ocupava.131
De acordo com Alice Monteiro de Barros132, o dispositivo constitucional
gerava comportamento discriminatório, acarretando o desemprego da mulher casada ou que
engravidasse, além de implicar em injustiça contra o empregador, já que o encargo relativo ao
salário-maternidade deveria ser custeado não apenas por ele, mas pela coletividade, por
intermédio de um sistema de segurança social.
Nesse sentido, a responsabilidade pelo pagamento do salário-maternidade
de doze semanas ficou a cargo da Previdência Social, enquanto perdurar a relação de
emprego, sendo esta uma prestação de natureza previdenciária.
130
Na Conferência Mundial dos Direitos Humanos, da ONU (Organizações das Nações Unidas), realizada em
Viena, Áustria, junho de 1993, no artigo 18 de sua Declaração, reconheceu, expressamente, pela primeira vez,
que os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integrante e indivisível
dos direitos humanos universais", e que a violência de gênero é incompatível com a dignidade e o valor da
pessoa humana.
131
CLT Legislação. Disponível em <http://www.trt02.gov.br/geral/tribunal2/legis/CLT/TITULOIII.html>
Acesso em 18/01/2006
132
Op. cit., 1995.
As medidas protetivas do trabalho da mulher, em nível internacional,
objetivaram evitar os efeitos competitivos de países que poderiam produzir menores custos,
devido à ausência de normas internas de proteção.
Em princípio, o tratamento atribuído à mulher era basicamente de cunho
tutelar. Com as modificações no País, em nível econômico e social, as normas do direito do
trabalho da mulher vêm sofrendo uma flexibilização no sentido de igualar as oportunidades de
emprego entre o homem e a mulher. Muito embora essas considerações continuem sendo
válidas, a maior parte do trabalho feminino tem evoluído de acordo com a real necessidade
econômica em que se apresenta.
O trabalho da mulher registra a participação na força mundial de trabalho na
ordem de 46%, conforme dados obtidos pela Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílio
(PNAD), realizada em 1995 pelo IBGE. Por meio de uma constante luta pela igualdade em
todos os níveis, a mulher se impõe no restrito mercado de trabalho, competindo em igualdade
de condições tecnológicas e culturais com os homens.
É necessário qualificar o trabalho de homens e mulheres em igualdade de
condições, num aprimoramento e aperfeiçoamento maior. Quanto mais desenvolvido o país,
maior o número de mulheres que trabalham fora. É premente a eliminação das condições
desfavoráveis para a mulher trabalhadora.
A proteção do trabalho feminino teve origem histórica, ocasionando reações
contrárias e motivando as medidas protetivas. No âmbito internacional, o trabalho da mulher
foi uma das principais matérias a constituir objeto de regulamentação específica.
As normas mais antigas que versavam sobre o trabalho das mulheres tinham
o propósito de protegê-las contra a exploração de que eram vítimas no mercado de trabalho e,
principalmente, com relação à maternidade. Estas medidas consubstanciaram-se na adoção
das Convenções Internacionais e Recomendações, mencionadas anteriormente, dispondo a
respeito de normas mínimas sobre a proteção à maternidade.
4.3 A Constituição Federal de 1988
O art. 5º, I, da Constituição Federal de 1988, versa a respeito do princípio da
igualdade:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição.133
Assim, os mesmos direitos assegurados aos homens devem ser concedidos às
mulheres, seja no campo da remuneração, na promoção do trabalho, na política e cultura, no
direito à maternidade, etc. De acordo com esse princípio, as medidas de proteção ao trabalho
da mulher devem ser afastadas, visando a evitar prejuízos às mesmas, justificando-se somente
com relação à maternidade.
Segundo Hebe Marinho Nogueira Fernandes134, a Constituição Federal de
1988 acolheu três princípios: igualdade, não discriminação e proteção, que passaram a refletir
na legislação ordinária.
A Constituição Federal de 1988 silenciou a respeito da proibição do trabalho
da mulher em indústrias insalubres, ocasionando, assim, a revogação expressa dos
dispositivos que continham restrições ao trabalho da mulher nessas condições. No item XXX,
há a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por
motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
Assegurou, ainda, a proteção à maternidade e à licença gestante com duração
de 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário (art. 7, XVIII), estendendo tais direitos à
empregada rural, à doméstica e à trabalhadora avulsa. Criou uma proteção ao trabalho da
mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei (art. 7º, XX).
Consagrou para a empregada gestante a garantia de emprego, desde a
confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, vedando a sua dispensa arbitrária ou
sem justa causa (art. 10, b, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias).
Previu a licença paternidade de cinco dias (art. 7º, XIX, e § 1º do art. 10 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Assegurou a aposentadoria privilegiada
(art. 202, II). Concedeu assistência gratuita aos filhos menores do trabalhador, desde o
nascimento até seis anos de idade, em creches e pré-escolas (art. 7º, XXV). Disciplinou os
direitos dos empregados domésticos, concedendo-lhes o acréscimo de 1/3 sobre as férias,
salário mínimo, 13º salário, irredutibilidade salarial, repouso semanal remunerado, licençamaternidade, aviso prévio, aposentadoria e licença paternidade.
133
CONSTITUIÇÃO
Federal
de
1988.
Disponível
em
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 18/01/2006
134
FERNANDES, Hebe Marinho Nogueira. A relação do emprego e o trabalho da mulher – Synthesis, 12.91. In:
ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Noções atuais do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995.
De acordo com alguns autores, a manutenção do art. 376 da CLT, padece de
inconstitucionalidade, por se chocar com os princípios consagrados no § 1º, do art. 5º e XXX,
do art. 7º da Carta Magna.
A Lei n. 9.029, de 13 de abril de 1995, proibiu a exigência de atestados de
gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos de admissão ou de
manutenção de emprego. Previu a possibilidade da empregada reaver os seus direitos em
decorrência da prática discriminatória, optar pela reintegração com direito a toda a
remuneração devida no período do afastamento ou pelo ressarcimento, em dobro, da
remuneração do período de afastamento, tudo corrigido e acrescido de juros legais.
No processo de globalização, observa-se que as contradições entre a mão-deobra feminina e masculina são manifestas. Muito embora haja uma mobilidade profissional na
atividade feminina, em termos de igualdade de direitos e salários entre os sexos, isso não se
verifica. As relações de trabalho e produção, com o desenvolvimento da tecnologia vêm
sofrendo profundas transformações.
No Brasil, a profissionalização feminina ocorre em razão da divisão sexual
do trabalho. O desenvolvimento tecnológico possibilitou a entrada de um número maior de
mulheres trabalhadoras no mundo dos negócios. Assim, pode-se concluir que a renda das
mulheres deveria aumentar na proporção direta de sua capacitação profissional. Porém, tal
fato não ocorre.
Na América Latina, a diferença de rendimento entre mulheres e homens com
mais de treze anos de escolaridade é ainda mais acentuada do que no caso das mulheres com
menor escolaridade.
4.4 Igualdade de Oportunidade e Tratamento no Ambiente de Trabalho
O ingresso da mão-de-obra feminina no mercado de trabalho tem
possibilitado uma nova visão do desenvolvimento econômico, social, científico e tecnológico
do País. A mentalidade, a atitude e o preconceito sócio-cultural revelam ainda a discriminação
da mão-de-obra feminina como um fenômeno social.
Em 1985, foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, pela Lei n.
7.353 de 29 de agosto de 1985, que tem o objetivo de garantir os direitos da mulher:
Cria o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - C.N.D.M. e dá outras
providências.
Art 1º Fica criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - CNDM, com a
finalidade de promover em âmbito nacional, políticas que visem a eliminar a
discriminação da mulher, assegurando-lhe condições de liberdade e de igualdade de
direitos, bem como sua plena participação nas atividades políticas, econômicas e
culturais do País. 135
Apesar disso, o protecionismo, adorado pela CLT, tem prejudicado
sensivelmente as possibilidades profissionais da mulher, porque o próprio desenvolvimento
econômico não pode mais prescindir da mão-de-obra feminina. Em alguns países, como a
Suécia e a Dinamarca, há uma inclinação em eliminar totalmente as restrições protetivas, até
mesmo com relação à maternidade. A proibição da prorrogação da jornada de trabalho da
mulher já não é legítima para o alcance da plena igualdade de direitos do homem e da mulher.
Num país onde o nível de desenvolvimento é avançado, se torna irrelevante
uma relativa fraqueza física muscular por parte da mulher. Salienta-se que determinadas
atividades mediante o emprego de modernos recursos e da automação, poderão diminuir o
esforço muscular físico, no qual as engrenagens mecânicas substituirão a força masculina,
eliminado o excessivo desgaste físico.
Sob um aspecto mais amplo, a legislação dos países desenvolvidos e em
nível de desenvolvimento caminham para afastar as medidas de proteção ao trabalho
feminino, como forma de evitar maiores prejuízos à mulher, impedindo assim, medidas
discriminatórias quanto à mão-de-obra feminina, aproveitando esta larga escala de
trabalhadoras.
Na atualidade, a preocupação da legislação se limita tão somente à proteção à
maternidade, visando dar cumprimento ao princípio da igualdade de direitos do homem e da
mulher, bom como em razão do interesse público e social de que está revestida a matéria.
A principal função do Direito é regular a vida em sociedade, produzindo
regras que imputam vantagens ou direitos a favor de seus titulares e também produzindo
normas que inviabilizem práticas ou condutas agressoras ao patrimônio material e moral dos
indivíduos, que segundo Maurício Godinho Delgado apud Márcio Túlio Viana, "talvez as
mais significativas sejam as dirigidas ao combate à discriminação no contexto social".136
135
DIREITOS da Mulher Lei Nº. 7.353, DE 29 DE AGOSTO DE 1985. Disponível em
http://paginas.terra.com.br/compras/mcinformatica/mulher.htm> Acesso em 18/01/2006
136
VIANA, Márcio Túlio. Proteção contra discriminação na relação de emprego. In: Discriminação. et al
(Coord.). São Paulo: LTr, 2000, p. 99.
No Brasil, existem posições desiguais ocupadas pelos indivíduos nas relações
familiares e profissionais. As condições de exercício da atividade profissional da mulher e
emprego são fatores que devem ser elucidados.
Observa-se que as tarefas domésticas são mal divididas e que as mulheres
continuam realizando sozinhas as obrigações dos lares, enquanto aos homens é atribuído
apenas e tão somente o trabalho produtivo, não havendo qualquer impedimento em razão do
planejamento familiar.
A responsabilidade familiar e doméstica limita a disponibilidade das
mulheres para o trabalho. Para a mãe trabalhadora, os efeitos da maternidade refletem-se no
mercado de trabalho, vindo a sofrer a sobrecarga de tarefas domésticas, impedindo-a de
aperfeiçoar-se profissionalmente, aceitando empregos que permitam uma adaptação entre as
atividades familiares e as profissionais, como, por exemplo, os serviços domiciliares e
domésticos. Sendo assim, o trabalho da mulher não depende apenas e tão somente da
demanda do mercado, mas também da sua capacidade de trabalho dentro e fora do lar.
Hodiernamente, as mulheres procuram vencer determinadas barreiras e
superar preconceitos, representando um dos pilares do funcionamento econômico. Segundo
Roland Barthes, a entrada das mulheres no mercado de trabalho, na modernidade do tempo
mensurável e disciplinado, acrescenta novos fantasmas a esquizofrenia de tantos outros; o
patrão, os clientes, os alunos, os subalternos:
Roland Barthes assevera que:
Historicamente, o discurso da ausência é sustentado pela mulher, a mulher
é sedentária, o homem é caçador, viajante; a mulher é fiel (ela espera), o
homem é conquistador (navega e aborda). E a mulher que da forma a
ausência: ela tece e ela canta; as tecelãs, as “chansons de toile”137, dizem ao
137
C
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n
ç
õ
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s
d
a
s
t
mesmo tempo a imobilidade (pelo ronron do tear) e a ausência (ao longe,
ritmos de viagem, vogas marinhas, cavalgadas).138
E apesar das mulheres serem associadas, há séculos, à intuição, à
sensibilidade, elas parecem ter estado historicamente envolvidas em obstáculos ao sonho e ao
extraordinário.
Para as mulheres que possuem um nível de escolaridade mais elevado, as
oportunidades profissionais são maiores na conquista de um emprego mais rentável,
compensando a sua saída do lar. Dessa forma, almejando uma efetiva igualdade, a mulher
deverá assumir integrais responsabilidades profissionais, nas diferentes áreas da atividade
humana.
A inserção da mão-de-obra feminina em atividades produtivas requer
determinadas medidas, ou seja, que as oportunidades de trabalho para o homem e para a
mulher sejam equiparadas, bem como ao nível de profissionalização. Quando se trata da
igualdade entre homem e mulher, deve-se analisar em termos de valor, como seres humanos, e
se ater ao que se estabelece como normas de proteção ao trabalho da mulher e ao que se
visualiza em termos atuais, como parâmetros discriminatórios.
e
c
e
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n
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a
d
e
M
é
d
i
a
.
138
BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1981, p.
27.
Faz-se necessário que a ampliação dos serviços comunitários, assistência às
mães trabalhadoras e a possibilidade de jornadas flexíveis, facilitando as responsabilidades
familiares e profissionais. O cuidado com a casa, família e filhos não deve ser atribuído
apenas e tão somente à mulher, mas a ambos os sexos, a fim de que haja uma conciliação.
A melhor maneira de ampliar o mercado de trabalho da mulher é fazer uma
nova revisão de toda a legislação protetora do trabalho da mulher, para que as medidas
protencionistas sejam aplicadas a todos os trabalhadores, sejam eles homens e mulheres.
4.5 Da proteção à Maternidade, no Brasil
As normas de proteção à maternidade que versam a respeito do trabalho da
mulher estando ela grávida, tornam-se necessárias por que diz respeito tanto a sua função
biológica, como a perpetuação e conservação da espécie.
O artigo 391 da CLT esclarece que não constitui motivo justo para a rescisão
do contrato de trabalho da mulher, o fato dela haver contraído matrimônio, ou encontrar-se
em estado de gravidez.139 Esse artigo esclarece que não constitui motivo justo. Seu parágrafo
único diz que não são permitidos em regulamentos de qualquer natureza contratos coletivos
ou individuais de trabalho, restrições ao direito da mulher no seu emprego por motivo de
casamento ou de gravidez.
A maternidade possui uma função social, cujas medidas protetivas visam a
garantir à mulher a sua função biológica de ser mãe, evitando determinados riscos que
poderiam ameaçar a sua saúde e o desenvolvimento da gravidez e da criança.
A finalidade do instituto é garantir à mulher a proteção necessária durante a
gestação, no período da amamentação e parto.
No âmbito internacional, a proteção à maternidade consiste em impedir a
atividade da mulher em determinadas circunstancias e durante certo período de tempo.
A Convenção n. 3, da OIT, 1919, previu que o pagamento das prestações
para a manutenção da empregada e de seu filho, deverá ser feito por um sistema de seguro
social ou pelo Estado.
139
CLT - Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei 5.452 de 1º de maio de 1943. Disponível em
<http://www.dji.com.br/decretos_leis/1943-005452-clt/clt391a401.htm>, acesso em 18.01.2006.
A Convenção n. 103, 1952, reviu a Convenção n. 3 que: “... em caso algum o
empregador deverá ficar pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas à mulher
que emprega”.
A revisão da Convenção n 103 começou em 1999 e, após um processo de
dois anos, a Convenção de Proteção à Maternidade, 2000 (n.183), entrou em vigor no dia 7 de
fevereiro de 2002.
Alguns artigos da Convenção n 183 destacam os maiores ganhos:
Art. 2.1: “Esta Convenção se refere a todas as mulheres empregadas,
incluindo aquelas que são empregadas em formas atípicas de trabalho
dependente”;
Art. 4.1: “As mulheres cuja a Convenção se refere devem ter o direito a um
período de licença maternidade de não menos que 14 semanas”;
Art. 4.4: “A licença maternidade deve incluir um período de seis semanas
compulsórias pós-parto”;
Art. 6.3: “Onde, sob lei ou execução nacional, os benefícios pagos relativos
à licença são baseados nos ganhos anteriores, a quantia de tais benefícios
não deve ser menos do que dois terços do salário anterior”;
Art. 8.2: “À mulher é garantido o direito de retornar à mesma posição ou
em uma posição equivalente, de mesmo salário, no final da sua licença
maternidade”;
Art. 10.1: “Deve ser fornecido às mulheres o direito de uma ou mais pausas
diárias para amamentar ou redução no tempo de trabalho”;
Art. 10.2: “Essas pausas ou reduções no tempo de trabalho diário devem ser
contadas e pagas como tempo trabalhado”.140
Os direitos são para mulheres que possuem um relacionamento de trabalho
com um empregador, incluindo contratos verbais, logo, mulheres autonômas e mulheres com
outra forma de trabalho independente, não estão incluídas todas as mulheres, nem, em muitos
casos, estão as mulheres que trabalham em firma de família; "atípico” se refere ao trabalho de
meio-período, sazonal, etc. O período de licença maternidade é de não menos que 14 semanas ao
invés de 12 semanas, estabelecidas na Convenção 103.
A Consolidação das Leis do Trabalho contempla, em seu art. 391 e seguintes,
as normas reguladoras da proteção à maternidade. A Constituição Federal de 1988 assegura o
direito à licença-gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias.
Segundo Victor Mozart Russomano141, o art. 139, da CLT, equiparou o
estado conjugal ao casamento quando dispôs: “não existir um justo motivo para a rescisão do
140
BOLETIM DA IBFAN. Disponível em http://www.ibfan.org/portuguese/news/briefing/ratifyilo-po.html,
acesso em 18/01/2006.
contrato de trabalho o fato da mulher ter contraído matrimonio ou de encontrar-se em estado
de gravidez. A lei, não proibindo a sua despedida, facultou-a apenas”.
Sendo a proteção à maternidade um preceito de ordem pública, consagrado
pelo ordenamento constitucional, o estado gravídico da empregada não poderá motivar a
rescisão do contrato de trabalho. E assim tem sido o entendimento dos Tribunais do país: “Ao
direito da trabalhadora grávida corresponde uma obrigação do empregador, que é a de manter
na íntegra o pagamento dos salários e garantir a estabilidade no emprego”142.
Inicialmente, quem pagava o período de afastamento da empregada gestante
era o empregador. Presentemente, a Lei n. 6.136, de 7 de novembro de 1974, transferiu para a
Previdência Social a responsabilidade do pagamento da licença gestante, de forma a não
existir mais o justo motivo para a dispensa da trabalhadora, provocando, assim, um grande
avanço legislativo a respeito da maternidade.
Atualmente, os salários-maternidade da empregada afastada são pagos pelo
empregador e descontados por ele dos recolhimentos habituais devidos à Previdência Social.
O Decreto n 99.684/90 dispõe que são devidas as contribuições ao Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço (FGTS) durante o período de afastamento por licença-maternidade.
A Constituição Federal de 1988 introduziu importante inovação, que consiste
em assegurar à gestante, sem prejuízo de emprego e salário, 120 dias de licença, além de
vedar sua dispensa arbitrária ou sem justa causa, a partir do momento da confirmação da
gravidez e até cinco meses após o parto. Comprovando, por meio de atestado médico oficial,
que sofreu aborto, ser-lhe-á garantido repouso remunerado de 2 semanas, além do retorno à
função que ocupava antes de seu afastamento. Até o filho completar 6 meses de idade, assiste
à mulher, durante a jornada de trabalho, o direito a descansos especiais, de meia hora cada,
destinados à amamentação do filho.143
O auxílio econômico somente será devido enquanto existir a relação de
emprego, cabendo ao empregador, em caso de despedida injusta, o ônus decorrente da
dispensa (art. 1º, § 3º, do Decreto n. 75.207, de 10-01-1975), devendo ser o ato considerado
nulo de pleno direito (art. 9º, da CLT).
141
RUSSOMANO, Victor Mozart. Comentários à consolidação das leis do trabalho. vol. 1, 16. ed., Rio de
Janeiro: Forense, 1994.
142
Esta é a exegese do art. 7º, XVIII da Carta Política – TST, RR 42.498/92. 5, Ney Doyle, Ac. 2º T. 1.875/94.
143
MINISTÉRIO
do
Trabalho
e
Emprego.
Disponível
em
<http://www.mte.gov.br/Trabalhador/QualProf/Default.asp> acesso em 18.01.2006.
Dessa forma, o objetivo é a eliminação de toda e qualquer forma de
discriminação contra o trabalho da mulher, principalmente, no que se refere à onerosidade da
mão-de-obra feminina.
O início do afastamento da empregada de seu trabalho será determinado por
atestado médico oficial, que deverá ser visado pela empresa. De acordo com Victor Mozart
Russomano:
(...) a substituição do comprovante médico oficial para o particular ocorrerá
quando no lugar de não existir repartição pública encarregada de assuntos de
higiene ou quando, existindo tais repartições, por quaisquer motivos
regulamentares, não fornecem atestados ao público em geral ou aos
trabalhadores em particular. Caso o empregador se recuse a aceitar o
atestado, a gestante poderá retirar-se voluntariamente sem que haja o
cometimento da justa causa. Excepcionalmente, poderá ocorrer a dilatação
do prazo correspondente ao período anterior ou posterior do parto de mais de
duas semanas cada um, mediante exibição de atestado médica ao
empregador. 144
Mesmo que ocorra a antecipação do parto, a mulher tem garantido o seu
direito de descanso de 120 dias. Em casos especiais, será permitida à empregada gestante a
alteração de função, pressupondo a existência de motivo grave e comprovado por autoridade
médica competente, bem como rescindir o contrato de trabalho, quando for prejudicial à
saúde, sem que haja cumprimento do aviso prévio à empresa e, conseqüentemente, o não
recebimento da devida indenização. Caso ocorra o parto antecipado, a gestante terá
assegurado o benefício, nos termos do art. 392, § 3º, da CLT, e Decreto-lei n. 229, de 23 de
fevereiro de 1967.
Para Alice Monteiro de Barros: “... a CLT encontra-se em consonância com a
norma internacional ratificada pelo Brasil, que garante à gestante a licença maternidade, sem
distinção entre o parto normal ou prematuro”.145
A regulamentação do art. 91, § 2º, do Regulamento da Lei dos Benefícios de
Previdência Social (Decreto n. 2.172, de 05/03/1997) versa que em caso de parto antecipado
ou não, a segurada terá direito assegurado de 120 dias.
No que se refere ao aborto, este é considerado legal em casos de risco de vida
da mãe e de estupro. Nessas condições, a mulher terá repouso de duas semanas, com direito a
retornar à função que ocupava antes do afastamento (art. 392, § 2º, da CLT), ficando a cargo
144
145
Op. cit. art. 392, §§ 1º e 2 º, da CLT.
BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995.
da Previdência Social o pagamento correspondente, desde que mantida a relação de emprego
(art. 95 do Decreto n. 2.172, de 05/03/1997).
A Lei n. 8.921, de 25 de julho de 1994, revogou a expressão “não
criminoso”. Nesse sentido, a mulher tem assegurado o seu direito, seja este criminoso ou não,
mediante o pagamento integral da remuneração. É um direito assegurado ao nível de
negociação coletiva.
Ressalte-se que a licença maternidade só se destina à gestante e não à mãe
adotiva, de acordo com o inciso XVII, art. 7º da Constituição Federal. Porém, já existem
acordos e convenções coletivas assegurando o direito da licença para a mãe adotante, como no
caso que se segue:
Licença Maternidade. Mãe Adotiva. Tratando-se do benefício custeado pela
entidade previdenciária oficial, a sua concessão está adstrita ao princípio da
legalidade. Não há como se reconhecer esse direito em favor da mãe adotiva,
em face da restrição constitucional que confere a gestante.146
A integração da mulher em todos os setores da força produtiva sujeita a
mesma às adversidades do trabalho masculino, acrescidas de sua função biológica.
Uma das questões relacionadas com a maternidade é o direito da empregada
gestante não ser despedida em certo período anterior e posterior ao parto, assegurando à
trabalhadora o pagamento correspondente ao tempo de descanso obrigatório.
De acordo com Victor Mozart Russomano147, significa dizer que: “a gravidez
da mulher cria um regime especial de estabilidade tipicamente transitória”.
Segundo o art. 392, da CLT, a gestante, salvo acordo ou convenção coletiva,
tinha garantido apenas o descanso de 12 semanas. Esse período foi aumentado pela
Constituição Federal de 1988, que estabeleceu um afastamento de 120 dias, sem prejuízo do
emprego do salário (art. 71, Lei n. 8.213).
Para Octávio Bueno Magano148, esse critério adotado vai ao encontro à regra
do art. 10, inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em que a
estabilidade no emprego é assegurada à gestante desde a confirmação da gravidez até cinco
meses após o parto.
146
XVIII, art. 7º - Acórdão un. Da 2º T do TRT, 4ª reg. REO e RO 1.300/90, Rel. Juiz Sebastião Alves Messias,
j. 24/09/92, conforme Repertório IOB de Jurisprudência n. 15/93, p. 258, ementa 2/7.770.
147
Op. cit.
148
MAGANO, Octávio Bueno. Op. cit.
No que se refere ao salário-maternidade, este é uma prestação previdenciária,
incluída entre as prestações devidas pela Previdência Social pela Lei n. 6.136, de 7 de
novembro de 1974, regulamentada pelo Decreto n. 75.207, de 10 de janeiro de 1975.
A Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, dispõe que o período da licençamaternidade será custeado pela Previdência Social, sendo devida à segurada empregada, à
trabalhadora avulsa e à empregada doméstica.
O salário-maternidade consiste no pagamento de descanso remunerado de 28
dias antes do parto e 92 dias depois do parto, de acordo com os arts. 71 a 73 da Lei n. 8.213,
de 24 de julho de 1991, e art. 91 do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997. O benefício será
devido independentemente de carência à segurada empregada, a trabalhadora avulsa e a
empregada doméstica no prazo de 120 dias, podendo ser prorrogado mediante atestado
médico fornecido pelo Sistema Único de Saúde – SUS.
Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho149, a previsão para o descanso
remunerado da gestação, antes e depois do parto, atende a duas finalidades: por um lado,
protege o trabalho da mulher, enquanto por outro atende a um elevado objetivo social, qual
seja, a defesa da família e da maternidade.
Para Victor Mozart Russomano, o empregador, ao contratar a mulher, já deve
conhecer presumidamente as conseqüências que daí lhe advirão, devendo responder pelos
riscos biológicos – doenças, acidentes de trabalho, maternidade, etc.
A dilação da licença gestante de 84 dias para 120 dias gerou posições
antagônicas quanto à auto aplicabilidade do art. 7º, inciso XVIII.
De um lado, afirmou-se que a licença da empregada de 120 dias e não era
auto-aplicável, pois dependia de lei regulamentadora. Segundo essa corrente, a Constituição
Federal de 1988 deveria ter previsto o custeio (art. 195, § 5º, da Constituição Federal de
1988), o que não ocorreu.
Assim, a diferença no pagamento entre 120 e 84 dias deveria ser encargo do
empregador, constituindo um fator de segregação profissional entre o homem e a mulher,
tornando o trabalho feminino oneroso.
De acordo com a outra corrente, o inciso constitucional seria auto-aplicável e
a falta de legislação previdenciária específica não poderia dar ensejo e não concessão imediata
do direito, uma vez que o direito já vigorava com a Constituição Federal não compreendia
149
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição de 1967. vol. 3. São Paulo: Saraiva,
1995, p. 191.
apenas estabilidade no emprego pelo período de 120 dias, mas também o pagamento dos
salários respectivos.
Segundo esse entendimento, o empregador deveria arcar com o ônus
correspondente à ampliação da licença-maternidade, cumprimento a função social até que,
futuramente, pudesse ser ressarcido.
O interesse social não está só em que a mulher tenha condições favoráveis
para perpetuar a espécie, mas também para que não perca os efeitos de sua faculdade
procriadora. A legislação a respeito da produção à maternidade está num processo de plena
reformulação. Retroceder, onerando o empregador com a diferença do salário-maternidade,
acarretaria uma discriminação quanto ao critério de admissão.
O entendimento prevalecente é que, com a Lei n. 7.787, de 30 de junho de
1989, que promoveu alterações na legislação do custeio da Previdência Social, o inciso
constitucional passava a ser aplicável, posto que, assim, previu o custeio (art. 59, ADCT) com
a conseqüente majoração.
A Lei n. 8.213/91 previu o custeio específico para o salário-maternidade,
permanecendo a discussão apenas quanto ao período anterior da vigência da referida lei.
No artigo 201 da Constituição Federal de 1988, na redação dada pelo art. 1º
da Emenda Constitucional n. 20, de 1998, dá nova forma à organização da previdência social,
como segue:
Art. 201. A previdência social será organizada sob forma de regime geral,
de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que
preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
II - proteção à maternidade, especialmente à gestante.150
A Lei n. 10.710 alterou a Lei n. 8213, para restabelecer o pagamento, pela
empresa, do salário-maternidade devido à segurada empregada gestante.
Art. 1º - A LEI N. 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991, passa a vigorar com
as seguintes alterações:
Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social,
durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito)
dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e
condições previstas na legislação no que concerne à proteção à
maternidade.151
150
LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991 - DOU DE 14/08/98 - (Atualizada até julho/2005). Disponível em
<http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1991/8213.htm> Acesso em 18/01/2006.
151
LEI N. 10.710 - DE 5 DE AGOSTO DE 2003 - DOU DE 6/08/2003. Disponível em
<http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/2003/10710.htm> Acesso em 18.01.2006.
A Constituição Federal de 1988 trouxe vantagens para a empresa contratante
e, principalmente, para a mulher no campo de trabalho, ao dispor que a licença deverá ser
paga pelo empregador, que efetivará sua compensação junto à Previdência Social, quando do
recolhimento das contribuições sobre as folhas de salário.
Quanto à amamentação, a legislação brasileira em seu art. 396 da CLT
menciona que até que a criança atinja seis meses de idade, a mãe terá direito a dois descansos
especiais, de meia hora cada um, para a amamentação.
A proteção à maternidade não termina com o parto, nem com o
restabelecimento da gestante, quando do seu retorno, pode continuar com os filhos por alguns
meses.
O período de seis meses para a amamentação poderá ser dilatado, quando o
exigir a saúde do filho, a juízo de autoridade competente. A prorrogação do prazo é apurada
pela perícia, por meio do médico. O médico oficial deverá assinar o atestado (arts. 392 e 395,
da CLT). Esse comprovante médico será exibido a autoridade administrativa, à qual cabe a
fiscalização, na forma do art. 401, da CLT. Em face do pronunciamento do médico é que a
autoridade administrativa do Ministério do Trabalho concederá ou não a dilatação do prazo
(art. 389 CLT).
A não concessão do intervalo para a amamentação constitui infração
administrativa, resultando ainda no pagamento como hora extraordinária, por se tratar de
descanso especial.
A exigência contida no art. 389, § 1º, da CLT, poderá ser suprida por meio
de creches distritais mantidas, diretamente ou mediante convênios, com outras entidades
públicas ou privadas, pelas próprias empresas, em regime comunitário, ou a cargo do SESI,
SESC, LBA e outras entidades públicas destinadas à assistência a infância, que manterão e
subvencionarão escolas maternais e jardins de infância, distribuídos nas zonas de maior
densidade de trabalhadores, destinados especialmente aos filhos das mulheres empregadas.
Ao trabalho da mulher aplicam-se as normas gerais estabelecidas na CLT e
as normas específicas previstas nos arts. 372 a 401 do mesmo diploma legal. Até o advento da
Lei n. 5.859, de 11 de dezembro de 1972, a classe de trabalhadores domésticos era excluída
da proteção legal de toda a relação de trabalho. Por meio dessa lei, foi atribuída ao doméstico
a filiação obrigatória à Previdência Social, além do direito a férias de 20 dias úteis,
assegurando uma proteção relativa.
Para Orlando Gomes e Élson Gottschalk152, o serviço doméstico é doméstico
quando prestado com a finalidade de auxiliar a vida íntima das famílias.
O parágrafo único, do art. 7º da Constituição Federal de 1988, concede aos
trabalhadores domésticos os seguintes direitos: salário-mínimo, sendo lícito ao empregador
descontar da remuneração as parcelas referentes à alimentação e moradia; irredutibilidade
salarial, ressalvando-se disposto em convenção ou acordo coletivo, sendo indispensável à
presença dos sindicatos representativos tanto dos empregados como dos empregadores; 13º
salário, resguardada da Lei n. 4.090, de 13 de julho de 1962; repouso semanal remunerado, de
acordo com a Lei n. 605, de 5 de janeiro de 1949; um terço das férias anuais, de acordo com o
art. 7º, XVII, da Constituição Federal de 1988, com direito a 20 dias de férias; licença a
gestante , com direito a 120 dias; licença-paternidade.
Salienta-se que, como a Constituição Federal, no inciso XIX, e o Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, no art. 10, são silentes quanto à remuneração dessa
licença, não pode ser ela exigida do empregador, até que sobrevenha lei ordinária dispondo
contrariamente; aviso prévio no mínimo de 30 dias em caso de rescisão do contrato de
trabalho sem justa causa e aposentadoria.
O limite de contribuição de 3 salários mínimos foi preservado pela Nova
Carta, embora o legislador ordinário possa colocar o doméstico em pé de igualdade com os
demais assegurados, cujo limite é de 20 salários mínimos. O direito preexistente integrou o
doméstico na Previdência Social urbana.
4.6 - Da Importância Econômica do Trabalho Feminino e a da Igualdade de
Remuneração
No século XIX, segundo a lei da oferta e da procura, o salário era
considerado uma mercadoria, sem que houvesse qualquer controle pelo Estado. Ao trabalho
da mulher era impostas determinadas condições, com baixíssimos salários, ocasionando a
152
GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Élson. Curso de Direito do Trabalho. 12 ed., Rio de Janeiro: Forense,
1991.
crise do desemprego. A igualdade salarial seria uma das medidas para se evitar essas
diferenças entre mão-de-obra masculina e feminina.
Em 6 de junho de 1951, a Convenção n. 100 consagrou o princípio da
igualdade de remuneração “... para mão-de-obra masculina e feminina por um trabalho de
igual valor”.
De acordo com Elizabeth Reid “o princípio da igualdade salarial é
insuficiente para que se faça justiça, há necessidade de uma nova reivindicação, ou seja,
igualdade de oportunidade de emprego, de formação e de promoção”. 153
A Convenção n. 117, de 1962, ratificada pelo Brasil, trata a política social, da
supressão de toda a discriminação contra os trabalhadores por motivo de raça, cor, sexo,
crença, filiação, às condições de trabalho, inclusive com relação à remuneração (art. XIV).
A OIT, em 3 de junho de 1981, aprovou a Convenção n. 156, dispondo sobre
a igualdade de oportunidade e de tratamento entre homens e mulheres, bem como entre
aqueles com obrigações familiares. Recomenda o emprego de todos os processos de
informação e de educação, para que a opinião pública seja orientada no sentido de ter maior
compreensão sobre os problemas que enfrentam os assalariados, de ambos os sexos,
responsáveis pelo sustento do grupo familiar.
O Brasil ratificou a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação contra a mulher, pelo Decreto n. 89.460, de 20 de março de 1984.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966,
estabeleceu o direito de todos os trabalhadores a salário eqüitativo e igual, desde que o
trabalho seja igual, sem qualquer distinção, devendo ser aplicada à igualdade ao trabalho
feminino em relação ao homem.
A Convenção n. 108, da OIT, preceitua que todo membro deverá,
empregando meios adaptados aos métodos vigentes de fixação de remuneração, promover e,
na medida em que seja compatível com esses métodos, garantir a aplicação a todos os
trabalhadores, do princípio da igualdade de remuneração entra a mão-de-obra masculina e a
feminina, por um trabalho de igual valor.
O princípio da isonomia salarial (art. 5º, CLT) é assegurado pela legislação,
com a finalidade de impedir que haja discriminação salarial contra a mulher.
O art. 461, da CLT, trata do princípio antidiscriminatório do trabalho
feminino, no que diz respeito à questão salarial, dispondo a respeito do quadro organizado em
153
REID, Elizabeth. Revista do Direito do Trabalho, nº. 14. Revista dos Tribunais, ano III, jul/ago/1978, pp. 5354.
carreira, não se podendo falar em equiparação salarial. O § 4º, do mesmo artigo, estabelece
que o trabalhador readaptado em função, por motivo de deficiência física ou mental atestada
pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), não servirá de paradigma para fins de
equiparação salarial, tendo em vista que a condição de trabalho é distinta. O art. 7º, XXX,
declara a: “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de
admissão por motivo de sexo, cor ou estado civil”.
Segundo estatísticas levantadas, no Brasil, em 1970 e 1980, as mulheres
recebiam, respectivamente, 46% e 33% do salário pago aos homens, apesar de possuírem
nível de instrução mais elevado. Essa discriminação deve-se a diversos fatores relacionados
com a vida econômica, política e social do país, ao sistema normativo e aos meios de
comunicações.
Conforme Adolfo Sachsida e Paulo Roberto Loureiro, estimam uma
elasticidade-preço cruzada da demanda por trabalho feminino negativa (o que significa que
um aumento do salário médio dos homens causa redução no nível de emprego das mulheres),
sugerindo complementaridade no mercado de trabalho formal brasileiro para todos os níveis
educacionais. Os autores, contudo, interpretam esse resultado como evidênciada
discriminação no mercado de trabalho: homens e mulheres seriam de fato substitutos mas as
firmas, num gesto discriminatório, não os tratariam como tal.154
A redução da participação da mulher nos cursos de formação e aprendizagem
que favorecem o aperfeiçoamento a nível profissional, traduz-se em menores salários e,
conseqüentemente, menores oportunidade de emprego.
Ainda, são muitas as mulheres que deixam o trabalho enquanto os filhos são
pequenos, esquecendo-se, até certo ponto, da experiência, anteriormente, adquirida e
perdendo direitos que pressupõem a antiguidade. Logo, quando retornam ao trabalho,
evidentemente irão receber salários inferiores aos pagos aos homens.
A ausência de creches e de locais adequados para as crianças, vem obrigando
as mães trabalhadores a maiores sacrifícios, inclusive suportar a dupla carga de trabalho, no
emprego e em casa.
O planejamento familiar e a de uma infra-estrutura social, com a manutenção
de berçários e creches, possibilitam melhores condições para o desempenho do trabalho da
mulher e, conseqüentemente, maiores oportunidades de emprego.
154
SACHSIDA, Adolfo; LOUREIRO, Paulo Roberto. Homens x mulheres: substitutos ou complementares no
mercado de trabalho? Rio de Janeiro: IPEA, out. 1998 (Texto para Discussão, p. 595).
CAPÍTULO V – A MULHER E O DIREITO CIVIL BRASILEIRO
5.1 Do Código Civil de 1916
A Constituição de 1824, em seu artigo 179, N°. 18, dispôs sobre a
organização de uma Lei Civil “quanto antes”, fundada nas “sólidas bases da justiça e
equidade”. Já se podia notar, porém, desde então, a tendência para o desrespeito ao texto
Constitucional. De tal forma que somente 92 anos depois, o Código Civil foi promulgado sem
que se atendesse a recomendação relativa à justiça e eqüidade no tocante à situação da mulher
na sociedade conjugal. O Brasil viu chegar a República sem essa codificação a despeito de
todas as tentativas feitas para o cumprimento da determinação constitucional.
Aquela reforma legislativa de base, aspirada desde a Proclamação da
Independência, não se realizara ainda. Falharam as três tentativas feitas nesse sentido: a de
Teixeira de Freitas, em 1859, a de Nabuco de Araújo, em 1872, e a de Felício dos Santos, em
1881.155
Já em 1855, o Governo Imperial, tendo em conta o estado caótico da
legislação, incumbiu o eminente jurista, Teixeira de Freitas, na consolidação das leis civis,
com a obrigação de coligir e classificar toda a legislação pátria bem como a de Portugal,
anterior à Independência do Brasil. Este realizou com propriedade a tarefa, reduzindo a
proposições claras e sucintas as disposições, em vigor, citando, em nota, a lei que autorizava
cada preceito ou declaração de costume que estivesse estabelecido contra ou além do texto.
Trata-se de obra monumental que serviu como etapa preparatória da
codificação, “feita com a competência do autor, que foi, na sua época, o maior nome do
direito Civil na América”.156
Nota-se, ainda, a influência de Teixeira de Feitas por meio do Esboço que,
apesar de não ter sido aproveitado, no Brasil, como o foi em outras nações ibero-americanas,
inspirou numerosas disposições do Código Civil, notadamente da parte geral, do Direito das
obrigações e de certos institutos do direito das coisas.157
Com a Proclamação da República, Coelho Rodrigues foi encarregado de
apresentar um novo projeto de Código Civil que também não teve andamento, apesar de
tratar-se, na opinião de Washington de Barros Monteiro, “de trabalho de incontestável
merecimento, em condições de converter-se em lei”.158
Em 1899, no Governo Campos Salles, sendo ministro da Justiça Epitácio
Pessoa, foi convidado Clóvis Beviláqua, da Faculdade de Direito do Recife, para elaborar um
Projeto de Código Civil. Iniciado em abril, ficou concluído em novembro. Antes mesmo,
155
BICUDO, Hélio Pereira. O direito e a justiça no Brasil: uma análise crítica de cem anos. São Paulo:
Símbolo, 1978, p. 137.
156
MlRANDA, Francisco Pontes de. Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,
1981, p. 76.
157
GOMES, Orlando. Op.cit., p. 19.
158
MIRANDA, Pontes de. Op. cit., p. 84.
porém, de acabado o trabalho, o Projeto foi veemente combatido por Rui Barbosa e Inglês de
Souza.
Clóvis Beviláqua era para a época um jurista de idéias avançadas e outros
juristas importantes participavam ativamente da elaboração e discussão da lei civil. Duas
fortes correntes, conservadora e reformista, se chocaram nesta tarefa; os conservadores
garantiram que não se rompessem completamente os costumes e tradições do passado,
enquanto os reformistas deram o avanço necessário à evolução social da época.
Depois de revisto, com a introdução de numerosas inovações, o Projeto foi
remetido ao Congresso Nacional mediante mensagem de 1900. A Câmara, depois de debatêlo durante dois anos, enviou ao Senado o então chamado projeto da Comissão.
Durante dez anos ficou o Projeto estagnado no Senado. Finalmente, em 29 de
dezembro de 1912, o Diário do Congresso publica a redação final das Emendas do Senado.
Eram nada menos de 1.736. As que modificaram a substância do Projeto não chegavam a
duzentos (200).
Só em 1915, foram votadas as emendas do Senado. Finalmente, as comissões
reunidas do senado e da Câmara prepararam a redação final, sendo o Projeto aprovado em
dezembro de 1915, sancionado e promulgado no ano seguinte. Era a Lei n. 3.071, de 1 de
janeiro de 1916, que tinha a arcaica mentalidade do século passado.
O Código Civil Brasileiro era considerado uma das mais valiosas obras de
direito de origem romano - germânica. Já nasceu velho, porém, e a exigir reparos quanto a
certos dispositivos do direito de família. Clóvis Beviláqua159, em seus comentários lançados
em seguida à vigência do Código, não só afirmava que “o Projeto primitivo não consagrava a
incapacidade da mulher”, mas dizia: “A concepção da sociedade, no momento presente, não
exige mais como outrora, que a família se apóie sobre a base egoística da autoridade; parece
mais sólida, mais resistente e eficaz a base altruística do amor e do respeito mútuo”.
Há pouco tempo, podia-se confirmar essa afirmação, embora o Código Civil
de 1916 tenha mantido e consagrado, na sociedade conjugal, o predomínio da autoridade
marital, nela apoiando-se para regular os direito de família apesar da manifestações contrárias
como as citadas anteriormente.
No que se refere à família, Clóvis Beviláqua era considerado um jurista
liberado dos preconceitos de outrora, que teria levado a uma fase de transição. O conceito de
direito, que reconhecia ao varão superioridade jurídica, em razão do que as mulheres
159
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Rio de Janeiro: Edição
Histórica Editora Rio, 1975, v. I, p. 189 e 190.
padeciam de condições inferiores intrínsecas “propter sexus infirmitatem et ignorantiam
verumforensium”160 cedia para um fase em que, teoricamente, Beviláqua considerava de
libertação da mulher de uma inferioridade que não mais se compadecia com a concepção atual
da vida. O Projeto de Clóvis Beviláqua não consagrava expressamente a incapacidade da
mulher casada, mas a comissão revisora não aceitou a inovação e recusou sem discutir.
Além da influência do Direito Alemão, o Código trouxe ainda o espírito do
Código de Napoleão que, embora tivesse se constituído num monumento jurídico de seu
tempo, estava fortemente ligado ao Direito Romano com sua concepção patriarcal da família,
em que o pater familiae tinha o direito de vida e morte sobre os seus familiares e dependentes.
Há quase 30 anos, porém, Orlando Gomes161 como que nos alertava,
afirmando: “Nossas idéias sobre a família, sendo mais liberais, são também mais sãs porque
mais realistas e mais verdadeiras”.
Todavia, o Código de 1916, ao contrário de idéias liberais, consagrou
princípios altamente conservadores. Era possível ver a sociedade conjugal tendo um chefe que
é o marido, a quem compete administrar os bens particulares da mulher, fixar e mudar o
domicílio da família, além de ter o direito expresso de autorizar a profissão da esposa. A mãe
bínuba perde o pátrio poder quanto aos filhos do leito anterior. O regime legal é o da
comunhão universal de bens.
Em relação aos direitos da mulher, o antigo direito sofreu modificações
superficiais. Assim, sua personalidade que padecia de restrições de toda a ordem, algumas até
humilhantes, obteve um pouco mais de consideração jurídica, mas continuou, ainda,
subordinada, na sociedade conjugal, à autoridade do marido.
Clóvis Beviláqua em seus comentários ao Código Civil, tentava justificar a
consagração da incapacidade da mulher casada, afirmando que embora o Código a tivesse
mantido era quase meramente formal
162
. Como quem se defende, o autor do Projeto alega
que, primitivamente, tal disposição não fora consagrada, e responsabiliza a Comissão
Revisora, nomeada pelo Governo, de tê-la incluído sem discussões.
O renomado doutrinador Clóvis Beviláqua dizia que a mulher realmente
possui capacidade mental equivalente à do homem e merece igual proteção do direito. Já é um
sacrifício a justiça submetê-la à autoridade do marido pela necessidade de harmonizar as
160
PEREIRA, Caio Mário Silva. Direito de Família face ao Projeto do Novo Código Civil. Jornal do advogado
agosto/setembro, 1984.
161
GOMES, Orlando. A crise no direito matrimonial. Sergipe, Separata n.o 02 da Revista da Faculdade de
Direito de Sergipe, 1954, p. 4.
162
BEVILAQUA, Clóvis. Op. cit., p. 189.
relações da vida conjugal. Revoltante seria, em nossa época, cercear-lhe direitos, com
fundamento de uma falsa doutrina sobre o valor psíquico do sexo feminino. Não é
inferioridade mental a base da restrição imposta à capacidade da mulher, na vida conjugal, é a
diversidade das funções, que os consortes são chamados a exercer.
Mas a diversidade das funções dava-se em razão da lei que dispunha
diferentemente em relação aos membros de uma sociedade que se formara pelo consenso de
ambas as partes. E a harmonia da vida conjugal não poderia, como não pode, estar sobre as
bases puramente legais. Como o próprio Clóvis Beviláqua afirma: “parece mais sólida, mais
resistente e eficaz a base altruística do amor e do respeito mútuo”.163
O Código Civil partiu para o predomínio da autoridade marital e limitação
dos direitos da mulher casada, logo no primeiro Livro ao tratar das pessoas naturais,
dispondo: “Art. 6.° - São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, nº. 1) ou à maneira
de os exercer: As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal”.
Foi desta forma que o legislador viu a mulher casada. Foi a essa condição
que a submeteu com o casamento. E é tão patente a arbitrariedade da lei que a tal
incapacidade relativa não atingia, como visto anteriormente, as mulheres de modo geral, mas
tão somente as mulheres casadas, enquanto subsistisse a sociedade conjugal.
A inclusão do item II, do art. 6.°, no Código Civil, foi fatal para a mulher
casada. A incapacidade relativa que a lei consagrava, ajustavam-se todas as restrições feitas
aos seus direitos, enquanto membro da sociedade conjugal.
Neste aspecto, o Código Civil, além de não evoluir, consagrou
expressamente uma regra que as Ordenações Filipinas e o Decreto nº. 181, de 1890, apenas
deixavam transparecer.
Seguindo a mesma orientação da legislação anterior, o Código Civil, no art.
9.°, § 1.°, I, concedia mais um privilégio ao marido na constância do casamento, desta vez,
em relação ao filho menor, dispondo:
“Art. 9º. Aos 21 anos completos, acaba a menoridade, ficando habilitado o
indivíduo para todos os atos da vida civil. § 1.° Cessará, para os menores, a
incapacidade: I - Por concessão do pai, ou, se for morto, da mãe, e por
sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 18 anos cumpridos”.
O Direito de emancipar o filho cabia ao marido como regra coerente com o
que lhe concedia o exercício primitivo do pátrio poder (art. 380).
163
Id. Ibid., p. 190
Se permanecesse viúva, dada a regra do art. 393, do mesmo diploma legal
pela qual a mãe que contrai novas núpcias perde o direito ao pátrio poder.
O predomínio da autoridade paterna é atestado em todas as questões, embora,
em certas ocasiões, o legislador tenha usado de sutileza, chegando a transmitir a idéia de que a
autoridade materna tinha o mesmo poder de decisão que a do pai. Assim, vê-se na questão do
consentimento para o casamento de menores de 21 anos. Art. 185. Para o casamento de
menores de 21 anos, sendo filhos legítimos, é mister o consentimento de ambos os pais.
Mas o espírito conservador da lei não poderia deixar de amparar-se na
superioridade jurídica do cônjuge varão. Destarte, retomando os princípios da lei anterior
dispõe a seguir: “Art. 186. Discordando eles entre si, prevalecerá a vontade paterna, ou, sendo
separado o casal por desquite, ou anulação do casamento, a vontade do cônjuge com quem
estiverem os filhos”.164
O legislador concedeu ao pai o exercício do pátrio poder, tal qual o Decreto
181, em seu art. 94:
Art. 380. Durante o casamento exerce o pátrio poder o marido, como chefe
de família (art. 233) e, na falta ou impedimento seu, a mulher.
A mulher somente poderia exercitar esse direito em caso de morte do marido
e desde que permanecesse viúva, como na lei anterior (art. 94 do Decreto n. 181). A única
alteração, consagrada pelo legislador de 1916, foi que poderia recuperar tais direitos se
enviuvasse, consoante o disposto no art. 393.
Art. 393. A mãe, que contrai novas núpcias, perde, quanto aos filhos do
leito anterior, os direitos do pátrio poder (art. 239); mas enviuvando, os
recupera.
Ao reproduzir o sistema antigo, alegou-se fazê-lo em razão tão-somente da
incapacidade em que recaía a mulher com o casamento, e pela preocupação com possíveis
conflitos de interesses entre as duas famílias. Em conseqüência, o poder de administrar os
bens dos filhos estava com o pai, só o exercendo a mãe, em sua falta.
5.2 Do Estatuto da Família
164
INDICE
Fundamental
do
Direito.
Disponível
<http://www.dji.com.br/codigos/1916_lei_003071_cc/cc0183a0188.htm >Acesso em 18/01/2006.
em
Autorizado pela Constituição Federal de 1937 no artigo 180 que faculta ao
presidente da República expedir decretos - leis, o Sr. Getúlio Vargas veio atender à situação
de real miséria de milhares de famílias, assegurando-lhes a efetiva proteção do Estado.
Francisco Galvão e José de Segadas Vianna fazem os seguintes comentários
no livro “Lei de proteção à Família”:
Nenhuma lei no Brasil teve a transcendental importância do decreto-lei
3.200. Nenhum governo conseguiria que esse conjunto de disposições da
mais alta relevância e interesse para a nação vencesse os óbices tão comuns
no antigo legislativo, onde interesses de grupos, de agremiações, de
governos estaduais eram capazes de protelações que impediriam sua
votação. De finalidades extensas, constituindo um passo avançado na
legislação brasileira, adotando e aperfeiçoando princípios e métodos já
experimentados em outros países, a Lei de proteção à família não tem, pelo
seu alcance, pelas suas finalidades, outra que se lhe aproxime, quer na
Europa, quer na América.165
O Decreto – Lei n. 3.200 foi recebido em todo País com manifestações de
entusiasmo e também no exterior foi aplaudida calorosamente essa medida governamental.
Para a proteção da família, estabeleceu-se, entre outros pontos:
a) auxílio financeiro às famílias com mais de 8 filhos;
b) 15% de aumento no imposto sobre a renda dos solteiros;
c) 10% de aumento aos casais sem filhos;
d) preferência aos empregados públicos com filhos;
e) empréstimo para contrair matrimônio;
f) reconhecimento do casamento religioso com o mesmo efeito legal do civil;
g) permissão para contrair matrimônio aos primos terceiros.
Foi uma transformação fundamental, uma ordem nova no setor da vida
familiar na época. Fica evidente o rigoroso sentido nacionalista do decreto analisado.
O Estado com o Decreto n. 3.200, de 19 de abril de 1941, além de facilitar o
casamento como base da organização da família, rodeou de toda facilidade a vida em comum
dos cônjuges, consentindo mesmo na união legal dos colaterais, o que estava vedado pelo
código Civil.
O Código Civil, assim como concede ao pai o direito de prestar alimentos até
mesmo aos filhos espúrios, instituiu o mesmo direito à mãe. A ela não se refere claramente o
165
VIANNA, José de Segadas e GALVÃO, Francisco. Lei de Proteção da Família. Rio de Janeiro: Livraria
Jacinto Editora, 1942, p. 9.
Código porque por um lado, a maternidade é de prova mais simples, e, por outro, haverá raras
oportunidades se atendermos o lado sentimental de um filho reclamar alimentos de sua mãe.
No artigo 17 do Decreto n. 3.200, a sucessão de estrangeiro casado com
mulher brasileira, em qualquer regime que exclua a comunhão de bens, evitando-lhe o
desamparo, o que se observava antigamente, estabelecendo, por isso, a lei, o seu direito ao
usufruto da quarta parte dos bens do marido estrangeiro, se existirem filhos brasileiros, e de
metade, se não existirem.
A mulher brasileira pela lei, antigamente, não tinha direito à herança que se
desenvolvia, de acordo com a lei nacional do de cujus, o que se procurou evitar com o
presente decreto. Dessa maneira, os tribunais consideravam como comuns os bens adquiridos
na constância do casamento. Essa lei foi classificada como justa e humana, colocando a
família sob a proteção especial do Estado.
Segundo as críticas da época, uma nação forte e que se julga capaz de
cumprir seus altos destinos históricos, que deseja ser respeitada, respeitando-se a si mesma,
tem como programa fundamental, como principal fundamento o fortalecimento dos lares e a
proliferação da raça. É também a realização de um postulado social essencial a todos os povos
que desejam subsistir e perpetuar-se.
5.3 O Estatuto da Mulher Casada
Foi com o Estatuto da Mulher Casada, em 1962, que ocorreu a primeira
grande modificação do direito de família no Código Civil. Até a edição da Lei n. 4.121, de 27
de agosto de 1962, que dispõe sobre a situação jurídica da mulher casada, a mulher era
considerada incapaz para a prática de determinados atos, reservados ao marido, a bem da
unidade de direção da sociedade conjugal.
Na época da promulgação de nosso Código Civil, esclarece Silvio
Rodrigues166, ele representava o que se conhecia de mais completo no campo do direito, mas
para ilustrar, vale lembrar que, já se encontrava profundamente abalado o preconceito contra
as aptidões da mulher para o desempenho de ocupações até então consideradas
exclusivamente masculinas, em razão do conflito bélico iniciado, em 1914, que mobilizou
grandes contingentes masculinos para as frentes de combate, tornando compulsório, na
166
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 6. ed., São Paulo: Saraiva, 1976, p. 13-14.
Inglaterra, o registro das mulheres, entre 18 e 50 anos, independentemente de seu estado civil,
para cobrir vagas de empregos deixados pelos homens com a guerra.
Aos poucos, o conservadorismo de nosso Código Civil foi vencido pela
emancipação econômica e social da mulher, e isto tem causado repercussões na vida familiar.
Não obstante a luta empreendida pelas primeiras feministas brasileiras somente 45 anos após
entra em vigor o nosso Código Civil, que ao ser promulgado, já estava ultrapassado em certos
dispositivos de direito de família, a mulher casada viu sua situação jurídica ser alterada
substancialmente pela Lei n. 4.121/1962, que suprimiu da letra do Código certas disposições
injustas e introduziu algumas alterações há muito reclamadas pelas mulheres brasileiras.
O Estatuto da Mulher Casada, Lei n. 4.121/1962, se constituiu em um marco
positivo e decisivo na história da evolução dos direitos civis da mulher brasileira. Até a data
de vigência do referido Estatuto, algumas leis foram editadas modificando certos dispositivos
do Código Civil e do Direito de Família, mas em nada alterando a inferior situação jurídica da
mulher na sociedade conjugal. Ver-se-ão a seguir, as modificações mais importantes que
registramos: “Em 1949, a Lei n. 883, de 21 de outubro, ao dispor sobre o reconhecimento de
filhos ilegítimos, alterou o artigo 358 do Código Civil que, expressamente, lhes impedia o
reconhecimento”.167
O Decreto-Lei n 9.701, de 03 de setembro de 1946, regulamentou a questão
da guarda dos filhos menores no desquite judicial, na hipótese de não serem entregues aos
pais, assegurando-lhes o direito de visita. O reconhecimento dos efeitos civis ao casamento
religioso foi regulado definitivamente pela Lei n. 1.110, de 23 de maio de 1950.168
Não obstantes tais modificações, a situação jurídica da mulher casada
permaneceu inalterada até que a Lei 4.121 lhe viesse amenizar as injustiças cominadas pela
codificação civil.
5.4 O Novo Código Civil
Após
duas
décadas
de
debates,
apreciações,
engavetamentos,
desarquivamentos do Projeto, bem como outros óbices regimentais que terminaram por
atrasar a edição final do Projeto de Código Civil resultante da proposta do Jurista Miguel
Reale, filtrado o texto final pelo acirrado debate de toda a sociedade, tanto pelos
167
Brasil. Lei 3.071 de 01 de janeiro de 1916. “Art. 358. Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser
reconhecidos”.
168
FERREIRA, Valdemar Viera Casas. Op. cit., p. 55.
representantes do povo que naquele momento histórico compunham o Congresso Nacional,
quanto por sugestões de todo naipe vindas de Associações, Institutos e segmentos específicos
da sociedade civil, veio a lume a lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, fruto de consenso de
redação final que, apesar do espaço que terminou por ganhar na imprensa falada e escrita, na
verdade não acompanhou inteiramente as alterações de comportamento da comunidade e da
própria realidade social que hoje está estabelecida.
No que se refere à igualdade de direitos entre homem e mulher, não se trata
de uma idéia nova, implantada que está há décadas em diversos países, e no Brasil, amparada
a condição feminina pelo Estatuto da Mulher Casada desde idos de 1962, veio a evoluir junto
com os costumes, terminando por ser garantida pela Constituição Federal de 1988, consoante
se aufere do artigo 5º, inciso I (homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição). Este é o parâmetro geral para todos os aspectos da vida em
sociedade. Em seqüência a esta linha de pensamento, a Constituição Federal estabelece, no
artigo 226, § 5º, que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher”.
Sobre as desigualdades dos direitos entre o homem e a mulher, Joan Wallach
Scott fala em gênero, a referência que se faz é ao discurso da diferença dos sexos. Este termo
não se refere apenas às idéias, mas também às instituições, às estruturas, às práticas
cotidianas, como também aos rituais e a tudo que constitui as relações sociais. Portanto, o
gênero é a organização social da diferença entre os sexos. Ele não reflete a realidade biológica
primeira, mas constrói o sentido dessa realidade.169
O Código Civil de 2002 não poderia trilhar caminho diverso, de forma que
especificamente na parte que cuida do direito de família, dispõe no artigo 1511 que “o
casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres
dos cônjuges”, questão que vem realçada pelo artigo 1564 nos seguintes termos: “pelo
casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e
responsáveis pelos encargos da família”.
Destarte, é fácil perceber que toda a legislação agora existente impõe seja
elevada a mulher ao mesmo patamar em que colocados os homens, em direitos e obrigações,
abolida a antiga e romântica imagem de fiel escudeira ou mera colaboradora nos afazeres da
vida doméstica ou familiar.
169
GROSSI, Miriam; HEILBORN, Maria Luiza; RIAL, Carmen. Entrevista com Joan W. Scott. Revista Estudos
Feministas, Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ), v.8, n.1, 1998, p. 115.
A partir desta premissa, o entendimento das novas regras inseridas no Código
Civil que recentemente entrou em vigor passa a ser questão de mera coerência, e que deverá
extrapolar os limites da lei civil para a imediata implantação concreta em outros setores
(reversão da situação existente no campo trabalhista, por exemplo, no qual a mulher, embora
concorra em todos os postos em igualdade de condições com os homens, muitas vezes recebe
pelo mesmo cargo remuneração visivelmente inferior).
No que tange ao casamento, neste aspecto, andou bem o legislador quanto à
redação dada ao artigo 1511, retro mencionado, porque a redação originalmente proposta no
projeto de Lei da Câmara n. 634/75-C, de 1975, e que no Senado tomou o nº 118 de 1984,
(observada a emenda ER-445-R) dispunha em seu artigo 1509 que “o casamento estabelece a
comunhão plena de vida, com base na igualdade dos cônjuges e institui a família”.
Esta expressão final vinha a violar frontalmente disposição constitucional
que modificou, atendendo à realidade social brasileira, o conceito legal de família, posto que
atualmente a família não é somente instituída pelo casamento, tanto quanto não tem como
chefe apenas o homem (considerado o varão e não o ser humano), mas contemplando a
Constituição Federal, e agora o Código Civil por meio da incorporação do mesmo conceito, as
entidades familiares, compostas muitas vezes pelos ex-cônjuges separados ou divorciados que
mantêm a posse e guarda da prole, ou mesmo por pessoas não casadas que geram filhos
legítimos havidos em união estável, legalmente reconhecidos, e que por algum motivo
tornaram a se separar (célula formada por quaisquer dos pais e seus descendentes), ou ainda,
tão-somente formada a célula familiar pelos irmãos que remanescem juntos.
Algumas mudanças foram feitas no Novo Código Civil sobre o casamento.
Entre elas (resumidamente) pode-se destacar:
•
O novo código estabelece que todas as custas do casamento são
gratuitas para as pessoas que se declararem pobres.
•
O casamento religioso, para que tenha efeito civil, deve ser registrado
em até 90 dias (e não mais em 30).
•
Se desejar, o marido poderá adotar o sobrenome da mulher. Antes,
somente a mulher podia adotar o sobrenome do marido (ou manter o seu de
solteira).
•
O Novo Código permite que o casal mude o regime de bens durante o
casamento. Os três regimes já conhecidos: comunhão universal, comunhão
parcial e separação de bens foram mantidos e foi criado um novo: a
participação final nos aquestos (bens adquiridos). Segundo o novo regime, os
bens comprados durante o casamento pertencem a quem os comprou, mas
eles são divididos na separação. O novo regime dá autonomia a cada
cônjuge, que poderá administrar seu patrimônio autonomamente.170
170
DIREITONET. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/60/1960/>. Acesso em 18/1/2006.
Em relação a idade núbil, esta é, tanto para o homem, quanto para a mulher,
de 16 anos com autorização dos pais (ambos) ou seus representantes legais – (até porque o
Código estabelece agora uma única forma de menoridade: do nascimento aos 16 anos, época
de vida em que os infantes são considerados absolutamente incapazes, fazendo desaparecer a
antiga divisão legal e doutrinária sobre menores impúberes, conforme artigo 3º do Código
Civil de 2002; mas o Código considera no artigo 4º a existência dos relativamente incapazes,
isto é, aqueles maiores de 16 anos e menores de 18 anos) - sendo desnecessária qualquer
autorização se atingida a maioridade civil, que agora não mais é de 21 anos, mas tão somente
de 18 anos, para ambos os sexos.
A lei, quando fala em consentimento dos pais, impõe seja colhido o
assentimento de pai e mãe, sendo certo que na hipótese de recusa de um dos genitores em
anuir ao casamento, poderá ser pleiteado o suprimento de outorga ao Poder Judiciário, desde
que provada que a negativa de anuência ou autorização é despropositada ou injusta (artigo
1519), hipótese em que será obrigatório o regime de separação de bens (art. 1641, inciso III),
podendo a autorização para o casamento ser revogada até o momento da celebração (art.
1518).
Esta matéria não é nova visto que já existia na lei anterior (Código Civil de
1916, artigo 187), valendo consignar que realizado o casamento, fica impossibilitada a
revogação porquanto o casamento, dentre seus efeitos, faz cessar a menoridade, ou em termos
técnicos, faz cessar a incapacidade dos menores, curatelados e tutelados, fazendo cessar, por
conseqüência, o poder familiar dos pais (artigo 1635, inciso III), bem como o poder dos
tutores e dos curadores (artigos 1763, inciso III, e artigos 5º, inc. II, cumulado com 1763,
inciso I, 1781 e 1775).
Quanto ao aspecto virgindade, na lei anterior, o defloramento da mulher,
constatado pelo marido logo após o matrimônio, poderia ensejar a nulidade do casamento se
pleiteada (e provada) no decêndio subseqüente. Atualmente, esta regra não mais existe, de
forma que o aspecto perdeu em importância e sequer merece maiores considerações. Aliás, o
texto atual apenas espelhou a evolução dos costumes consoante retratado por diversos
julgados anteriores ao Código Civil de 2002: Ap. 10.078/4, TJMG, rel. Des. Garcia Leão, j.
em 21/9/93, e mais recentemente, Ap. 879, TJPR, rel. Des. Carlos Hoffmann, j. em 6/5/96.
Perfeitas as palavras de Arnaldo Rizzardo171 a respeito do tema, “in verbis”:
171
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. Rio de Janeiro: Aide, vol 1, 1994, p. 152.
Diante das inúmeras reformas procedidas em vários institutos do Código
Civil, não poderia o legislador ter olvidado esta vetusta disposição que retira
da mulher a própria condição de pessoa, para colocá-la em situação de
inferioridade, como que devendo ficar preservada sua liberdade pessoal ao
futuro marido. Evidencia-se uma chocante violação do princípio jurídico
básico da dignidade do ser humano. Mas, diante da igualdade jurídica entre o
homem e a mulher que a atual Constituição impõe, incluindo o mesmo
tratamento quanto aos direitos e deveres – art. 5º, inc. I, e 226, § 5º, não mais
pode preponderar esta aberração, porquanto não se dispôs restrição à
liberdade sexual do homem.
Conclusivamente:
é
o
corolário
da
igualdade
constitucional
e
infraconstitucional entre homens e mulheres, a respeito do que já se discorreu alhures.
Resumidamente, o Novo Código Civil dispôs sobre a virgindade da seguinte
forma: acaba com o direito do homem de mover ação para anular o casamento se descobrir
que a mulher não era mais virgem. Da mesma forma, o texto acaba com o dispositivo que
permite aos pais utilizar a “desonestidade da filha que vive na casa paterna” como motivo
para deserdá-la.172
A polêmica relativa ao nome dos cônjuges após o casamento, realmente não
tem razão de ser. Com efeito, o parágrafo primeiro do artigo 1565 reza que “quaisquer dos
nubentes, querendo, poderá acrescentar ao seu o nome do outro”.
Aqueles que viram em tal dispositivo alguma novidade, pode-se serenamente
afirmar que a previsão é decorrência exclusiva do já mencionado artigo 5º, inciso I, da
Constituição da República – princípio da igualdade –solução que vinha sendo utilizada pela
população com amparo dos Pretórios pátrios, até porque não há motivo plausível para impedir
o homem de adotar, quando do casamento, o patronímico da mulher, tal qual a esta era
possibilitado pela legislação anterior à Constituição de 1988.
Não existe mais a figura do pátrio poder tal e qual conhecido antigamente,
passando o novo instituto que o substituiu a intitular-se poder familiar, constituindo-se em um
feixe de obrigações e deveres acometidos aos pais igualitariamente (e não mais somente ao
pai e subsidiariamente à mãe), tendentes a dar aos filhos menores condições de crescimento e
desenvolvimento até que atinjam a maioridade e tenham condições de enfrentar a vida com
suas próprias forças. Vale dizer: não encerra poder, mas dever quanto ao bem estar dos filhos,
172
DIREITONET.
18/01/2006.
Disponível
em
<http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/60/1960/>.
Acesso
em
havidos no casamento ou fora dele, desde que legalmente reconhecidos, porque é o
reconhecimento que estabelece e cria juridicamente o parentesco.
As regras referentes à questão estão inseridas nos artigos 1.630 e seguintes,
não trazendo muitas alterações quanto ao direito anterior relativamente ao conteúdo, tendo o
legislador inserido regra que permite a perda do poder familiar, por ato judicial, quanto ao pai
ou à mãe que castigar imoderadamente o filho, deixá-lo em abandono, praticar atos
atentatórios à moral e aos bons costumes, ou reiteradamente abusar de sua autoridade,
faltando aos deveres que lhe são inerentes ou arruinando os bens dos filhos, ou vier a ser
condenado por sentença irrecorrível em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de
prisão (artigos 1637 e 1638).
Uma grande questão a ser analisada é a guarda dos filhos menores, atributo
direto do poder familiar e, ainda que colocados os menores que se encontrem em situação
irregular em família substituta, remanesce o poder familiar dos pais biológicos. Enquanto
juntos os pais, casados ou mantida a união estável, nenhum problema maior oferece a questão.
Todavia, separados os pais, pela separação judicial ou pelo divórcio, “sem que haja entre as
partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores
condições de exercê-la” – é o que estabelece o artigo 1.584.
Ora, a despeito da legislação anterior, esta solução não estabelece nenhuma
novidade, porquanto o acordo dos pais sempre foi respeitado quando da separação do casal, e
inexistindo acordo, submetida a pendenga ao crivo do Poder Judiciário, a guarda era deferida
àquele que melhores condições apresentasse para a criação e educação da criança, observados
aspectos morais e materiais, bem assim a idade do infante. Conquanto a lei assim não
dispusesse, enfaticamente, a jurisprudência há anos norteava-se por tais critérios, observados
os interesses do menor.
A questão é sempre de bom senso, inclusive no que se refere à expressão
utilizada pelo legislador: melhores condições – evidente que aquele que tem boas condições
financeiras pode oferecer bens materiais aos filhos, conforto, etc, todavia o conceito de
“melhores condições” transcende o mero aspecto financeiro e econômico, enfeixando uma
série de outras características imateriais, tais quais: moral, cultura, paciência, tempo para
dedicação aos menores, a diferença de idade entre os filhos e o genitor que pleiteia sua
guarda, aspectos como a utilização de bebida alcoólica ou outros fatores que levam ao mau
exemplo e ao descaminho, e, claro, a afetividade e afinidade que evidentemente o menor
mantém com o guardião que lhe disputa a guarda.
Confira-se, a respeito, o seguinte julgado:
Divórcio direto – Guarda de menor – Modificação – Relatório social
desfavorável – Interesse do infante – Importa manter-se a guarda paterna,
embora o pai registre antecedente clínico de depressão, quando evidenciado
que a criança está adaptada a esse convívio, deseja sua manutenção e recebe
do seu pai o zelo, o cuidado e o afeto necessários à sua formação.173
A guarda assim entendida pode ser modificada no interesse dos filhos, e
aquele que não remanescer com a guarda poderá tê-los em sua companhia, visitando-os e
fiscalizando sua manutenção e educação. Aqui reside, a meu ver, a guarda compartilhada:
manter o filho, custear-lhe o necessário, fiscalizar sua educação e saúde, e não como
pensaram alguns, manutenção de dois lares onde o menor residiria indistintamente, ora com o
pai, ora com a mãe. Esta última solução não se apresenta tecnicamente adequada, porque os
menores devem ter um único local para residir, onde façam lição, estudem, voltem depois da
escola e outras atividades, nada obstante possa ocorrer ao genitor que não lhe detém a guarda
física pleiteando ajuda na solução de problemas, ainda que corriqueiros.
Vale anotar que o direito de visitas daí decorrente mais se apresenta como
um dever de visitas, porque representa uma forma de o menor manter os laços tradicionais
com o genitor com o qual não convive (é um direito do menor e, portanto, um dever do
genitor que não detém a guarda), afastado o pseudo direito pretendido por alguns genitores
que na prática abusavam da visitação com evidente espírito emulativo em relação ao excônjuge, chegando mesmo a atrapalhar a vida normal da criança, seu equilíbrio e bem estar.
Para finalizar o tópico, cabe comentar que o Código Civil não prevê direito
de visitas dos avós aos netos; não proibindo, contudo, permite que cada caso concreto venha a
ser avaliado individualmente se litígio houver, observados sempre os interesses do menor,
aplicáveis as regras supra-enumeradas, porquanto aos avós não caberão jamais obrigações ou
direitos maiores do que aqueles fixados aos genitores.
Ressalte-se que há ainda outras considerações possíveis de serem tecidas
referentes a alguns assuntos que interessam ou afetam à mulher frente às novas disposições
inseridas no Código Civil de 2002.
CAPÍTULO VI – A MULHER E O DIREITO DE PERSONALIDADE
6.1 Conceito de Personalidade
173
TJRO – Câm. Cível; AC. nº 02.003313-3-Porto Velho – RO; rel. Des. Renato Mimessi; j. em 12/11/2002, v.u.
O sentido atribuído à noção de pessoa como subjetividade humana surgiu
primeiramente sob a influência cristã, sendo abordado mais tarde no período medieval, o
sentido de pessoa está em um ser completo, independente e intransferível, persona como per
se una.
Sendo acrescido, a tal conceito, o elemento da dignidade humana no período
renascentista. Por volta de 1770, na França, na Idade Moderna, surge a expressão "direitos
fundamentais" no âmbito jurídico, refletindo as mudanças ideológicas que se processavam no
interior da sociedade e no âmbito internacional cunhou-se a expressão "direitos humanos"174.
Conforme o Prof. Diogo Leite de Campos, somente eram tidos como pessoas
individualizadas em sua subjetividade na sociedade antiga aquelas que ocupassem os
primeiros papéis na sociedade, ou fossem os grandes heróis das guerras ou os vencedores dos
Jogos.175
Os direitos e garantias individuais sempre foram consagrados pelas
constituições brasileiras, em menor ou maior escala. Atribui-se mesmo à nossa primeira
constituição, de 25 de março de 1824, a primazia mundial na subjetivação e positivação dos
direitos do homem, embora tal título seja contestado em favor da constituição belga de
1831.176
As pessoas possuem por natureza os direitos atinentes à sua própria
personalidade. Segundo Rubens Limongi França, são direitos que dizem respeito às
faculdades jurídicas, cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, suas
emanações e prolongamentos.177
O início da personalidade jurídica, em Roma, na Itália, se dava pela
observância de alguns fatores: nascimento com vida, forma humana e a presença de
viabilidade fetal, ou seja, perfeição orgânica para continuar a viver. Em alguns casos, todavia,
se antecipava o começo da existência para a data da concepção. A pessoa, ainda devia reunir o
status libertatis, o status familiae e o status civitatis. 178
174
Souza, Carlos Afonso Pereira de; Calixto, Marcelo; Sampaio, Patrícia Regina Pinheiro. Os Direitos da
Personalidade – Breve Análise de sua Origem Histórica. Disponível em http://www.pucrio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/cafpatdp.html. Acessado em 18/01/2006.
175
CAMPOS, Diogo Leite de. Lições de Direito de Personalidade. In Boletim da Faculdade de Direito, vol.
LXVII, Universidade de Coimbra, 1991, p. 134.
176
SILVA, José Afonso da. Curso do Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p.
169.
177
FRANÇA, Rubens Limongi. Apud ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A pessoa jurídica e os
direitos de personalidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 61.
178
Alves, José Carlos Moreira. Direito Romano. Vol. I. 13. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 97-111.
A personalidade estende a todos os homens o conceito da ordem jurídica,
garantindo-a na legislação civil e nos direitos constitucionais de vida, liberdade e igualdade.
Os valores mais importantes da vida do homem é a própria vida, a honra, o
nome, a integridade física e moral, entre outros. O ordenamento jurídico não confere apenas
às pessoas naturais a qualidade de ser parte numa relação jurídica; entes fictícios, igualmente
são destinatários de direitos subjetivos, inclusive os de personalidade, desde que obtenham o
reconhecimento de sua personalidade pelo direito positivo.179
Esses direitos são absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis,
ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis e inexpropriáveis. Decorrem, evidentemente, de
previsão constitucional, cujas normas e princípios têm aplicação direita, e das leis especiais
que, pontualmente, fornecem elementos normativos capazes de permitir sua configuração
dogmática.180
Os artigos 1º, III, e 5.º, X, XI, e XII da Constituição da República, dispõem
sobre:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar
sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para
fins de investigação criminal ou instrução processual penal.181
A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer como fundamento da
República a dignidade da pessoa humana, superou o individualismo, passando a eleger a
pessoa, na sua dimensão humana, como centro da tutela do ordenamento jurídico.
179
ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A pessoa jurídica e os direitos da personalidade. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p.38.
180
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 15.ed. rev., São Paulo:
Saraiva, 1999, v.1, p. 100-101.
181
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em 18/01/2006
Do mesmo modo, o art. 220 da Constituição dispõe: “Art. 220. A
manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição”, em conformidade com o art. 5.º, IV e V, do rol das garantias fundamentais,
bem assim a Lei n 9.934, de 4 de fevereiro de 1997 e seu regulamento (Decerto n 2.268/97)
que respondendo ao comando do art. 199, § 4º, da Constituição, regula o transplante de
órgãos; o art. 5.º, XXVII e XVII, e a Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que atualizou e
consolidou a legislação sobre direitos autorais.182
Segundo Rubens Limongi França, a Lei é insuficiente para definir as mais
variados formas de expressão do direito, sendo certo que vários direitos da personalidade
somente são reconhecidos pelo costume ou pela ciência, tendo alicerce primeiro no direito
natural que é fonte e princípio inspirador do direito na elaboração da lei. E conclui dizendo
que os princípios básicos do direito natural, honeste vivere, revivem laedere, suum cuique
tribuere, seriam o ponto de partida de onde a razão juntamente com os dados da experiência,
sai a campo para aperfeiçoar e formular o sistema de normas positivas, sendo qualquer pessoa
capaz de reconhecer a necessidade de se fazer o bem e evitar o mal.183
As pessoas físicas como também as jurídicas são titulares de direitos da
personalidade. Estas últimas não se equiparam integralmente às pessoas físicas, sendo-lhe
aplicável tão somente os direitos da personalidade compatíveis a sua própria essência.
Segundo Norberto Bobbio, os direitos do homem passou por três fases
distintas:
1.
Direito de Liberdade: são todos os direitos que tendem a limitar o poder
do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma
esfera de liberdade em relação a ele;
2.
Direitos Políticos: tiveram como conseqüência a participação cada vez
mais ampla, generalizada e freqüente dos membros de uma comunidade no
poder político (ou liberdade no Estado);
3.
Direitos Sociais: expressam o amadurecimento de novas exigências
como os do bem-estar e da igualdade não apenas formal, mas que se pode
chamar de liberdade através ou por meio do Estado.184
182
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 15. ed. rev., São Paulo:
Saraiva, 1999, v.1, p. 100-101.
183
FRANÇA apud ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. Op. cit., p. 63.
184
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 33.
6.2 Direitos da Personalidade
Os direitos da personalidade podem ser conceituados como sendo aqueles
direitos inerentes à pessoa e à sua dignidade. Surgem cinco ícones principais: vida/integridade
física, honra, imagem, nome e intimidade.
Segundo o Prof. Gustavo Tepedino:
(...) a categoria dos direitos da personalidade é fruto de elaborações
doutrinárias germânica e francesa da segunda metade do século XIX,
compreendendo os direitos inerentes à pessoa humana, considerados
essenciais a sua dignidade e integridade.185
O objeto do direito de personalidade é o bem jurídico da personalidade, a
titularidade de direitos e deveres que qualquer pessoa tem. Os direitos da personalidade
seriam direitos de alguém sobre sua própria pessoa.
O ilustre Prof. Gustavo Tepedino assevera:
(...) quando falamos em direitos da personalidade, não estamos
identificando aí a personalidade como a capacidade de ter direitos e
obrigações, estamos então considerando a personalidade como um fato
natural, como um conjunto de atributos inerentes à condição humana,
estamos pensando num homem vivo e, não, nesse atributo especial do
homem vivo, que é a capacidade jurídica, em outras ocasiões identificada
por nós como a personalidade.186
Assim sendo, a doutrina admite os direitos de personalidade como direitos
subjetivos, com projeções físicas, psíquicas e morais do homem.
Segundo o Prof. Orlando Gomes, os direitos da personalidade divide-se em
duas categorias: a) relativos à integridade física, incluindo neste grupo o direito à vida, ao
próprio corpo, e ao cadáver; b) à integridade moral, incluindo o direito à honra, à liberdade,
ao recato, segredo, imagem e ao nome.187
Os direitos fundamentais do homem são absolutos, caracterizando-se pela
sua
irrenunciabilidade,
extrapatrimonialidade,
impenhorabilidade,
inalienabilidade
e,
intransmissibilidade,
por
isso
mesmo,
imprescritibilidade,
sendo
chamados
de
personalíssimos.
185
TEPEDINO, Gustavo. A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-constitucional Brasileiro. In: Temas
de Direito Civil. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 24.
186
TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 25/26.
187
GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 153.
No Novo Código Civil, a Lei n. 10.406/2002, Livro I – Das Pessoas, Título I
´Das Pessoas Naturais, Capítulo II – Dos Direitos da Personalidade, dispõe em 11 artigos
sobre os direitos essenciais da pessoa.
Acredita-se o novo Código Civil não supre todo o tratamento esperado em
relação aos direitos da personalidade, que sequer podem ser concebidos dentro de um modelo
ou rol taxativo de regras e situações. De qualquer forma, os onze artigos que constam da atual
codificação privada já constituem um importante avanço quanto à matéria, merecendo estudo
aprofundado pelos aplicadores do direito.
6.3 A Mulher e o Direito de Personalidade
A mulher tem direito a ter filhos. Um ser humano que está sendo gerado tem
direito à vida. O ordenamento jurídico tutela, desde a concepção, os direitos do nascituro
(CC/16, art. 4º in fine)188. Assim, alguns juristas, como Clóvis Beviláqua, estatuíram que a
teoria da personalidade condicional fora adotada pelo sistema pátrio. Preconizam os adeptos
desta teoria que o nascituro possui direitos sob condição suspensiva.189
Para alguns juristas, o início da personalidade ocorre no momento da
concepção, atribuindo ao nascituro, desde a concepção, o status de sujeito de direitos, sendo
assim, considerado pessoa.
O direito à identidade pessoal é um direito absoluto. O nome é um dos
elementos que individualizam a pessoa, na sociedade. A mulher tem direito de usar o
sobrenome do marido. O Prof. Francisco Amaral dá algumas possibilidades para aquisição e
formação do nome:
• adquire-se o prenome e o nome com o assento do nascimento no
Registro Civil das Pessoas Naturais (LRP, art. 54, § 4º);
• a mulher assume com o casamento, se quiser, o nome do marido (CC,
art. 240, parág. único), podendo conservar o seu de família; e o marido
pode assumir o da mulher (CF, art. 226, § 5º);
• os filhos reconhecidos assumem o nome de família de ambos os pais;
188
PROCESSO CIVIL. Preliminar. Natureza. Nascituro. Gestante. 1. (...) 2. (...) 3. O ordenamento positivo
assegura proteção de alguns direitos de que, ao nascer com vida e adquirir a personalidade civil, a pessoa
provavelmente será titular (art. 4 do CC). E, diante da ausência de personalidade civil, impede o nascituro de
estar em Juízo, atribui-se à gestante a legitimidade para, em nome próprio, perseguir a defesa desses direitos”,
Agravo de Instrumento, processo n.º 1999.002.12142, julgado pela Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, em 22/02/2000, relator Des. Milton Fernandes de Souza, votação unânime, in
www.tj.rj.gov.br em 03/11/2001(grifei).
189
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, vol. I. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 91.
• o filho adotivo pode conservar apenas o seu nome de família,
acrescentar a este o da família do adotante (Lei 3.133 de 8 de maio de
1957, art. 2º). No regime de adoção assume o nome do adotante e, a
pedido deste, poderá determinar-se a modificação do prenome, para
maior integração do adotado na família adotiva (ECA, art. 47, par. 5º);
• a mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro,
desquitado ou viúvo poderá requerer averbação do patronímico de seu
companheiro, desde que haja impedimento legal para o casamento,
decorrente de estado civil de qualquer das partes (LRP, art. 57, §§ 2º, 3º
e 4º)”.190
Com esse direito garantido por lei, a mulher pode colocar o nome do marido,
se quiser, e se não quiser, pode continuar com o seu nome de solteira. Segundo o Prof. Silvio
Rodrigues, “note-se que a lei não permite que a mulher, ao casar-se, tome o patronímico do
marido, abandonando os próprios. Apenas lhe faculta acrescentar, ao seu, o nome de família
de seu esposo”.191
Se a mulher se separar judicialmente, ela pode decidir se quer continuar com
o nome de casada ou não. O cônjuge considerado ‘culpado’ terá que voltar a usar o nome de
solteiro. O cônjuge ‘vencedor’ ou ‘inocente’, pode usar o nome de casado. Se a separação for
amigável ou consensual, o casal pode acordar sobre o uso ou não do nome de casado. (Lei n.
6.515/77, art. 17, § 2º).
Segundo Maria Berenice Dias,
(...) indevida a interferência na identidade da pessoa, impondo penalidade
sem que haja qualquer motivo que a justifique, o que revela clara afronta ao
princípio do respeito à dignidade humana. Tão draconiano é este imperativo
que, mesmo quando os cônjuges, de forma expressa, concordam com a
inalterabilidade do nome, a perda é decretada contra a vontade das partes.192
O renomado Prof. Gustavo Tepedino acentua:
(...) a perda do nome de família, portanto, no divórcio, a partir da Lei n.º
8.408/92, desvincula-se da idéia de culpa, embora pudesse ser questionada a
constitucionalidade da solução legal que, em última análise, viola o direito à
identidade pessoal da mulher. Afinal, com o casamento, o nome de família
integra-se à personalidade da mulher, não mais podendo ser considerado
como nome apenas do marido. Muitas vezes poderá ser difícil à mulher
demonstrar uma das hipóteses previstas nos incisos acima enumerados,
embora a alteração do seu sobrenome - que, de resto, a identifica com os
190
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 4. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 268.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. vol. VI. 18. ed., São Paulo: Saraiva, 1993, p. 154.
192
DIAS, Maria Berenice. Da Separação e do Divórcio. In: Direito de Família e o Novo Código Civil. Belo
Horizonte, Del Rey, 2001, p. 73.
191
filhos do casamento desfeito -, altere necessariamente a sua identificação
pessoal, atributo de sua personalidade, cuja eventual alteração deveria ser,
por isso mesmo, a ela exclusivamente facultada.193
O Novo Código Civil trouxe muitas vantagens para a mulher. Uma delas foi
o instituto da União Estável. O art. 1.735 do novo Código reconhece como entidade familiar a
união entre homem e mulher que vivem como se fossem casados por mais de cinco anos. Em
havendo filhos, o prazo para o reconhecimento da união estável passa a ser de três anos. O
regime de bens que regula essa união é o da comunhão parcial de bens, a não ser que os
companheiros façam outro ajuste.
Antigamente, a mulher tinha muitos problemas por não ser casada, e em
conseqüência disso, seus filhos eram tidos como ilegítimos, sem direitos. O direito ao nome
cabe aí, pois a mulher ganhou o direito ao nome do marido, mesmo sem ser casada
oficialmente. Esse é um direito de personalidade que foi reconhecido.
Exames de DNA para comprovação de paternidade - A partir da entrada em
vigor do Novo Código Civil, aquele que se negar a fazer o exame para comprovação de
paternidade será presumido como pai.
O direito da mulher de provar a paternidade de seu filho está garantido por
lei. O pai tem que reconhecer seu filho legítimo. Esse direito que o Novo Código Civil trouxe
para as mulheres são direito de personalidade, pois toda pessoa tem direito de usar o nome do
seu pai e mãe.
Conforme Gerard Cornu, o nome tende a se "integrar à pessoa até se tornar o
suporte dos outros elementos, o anteparo da identidade da pessoa, a sede do seu amorpróprio". O direito ao nome compreende as faculdades de usá-lo e defendê-lo. Usar o nome
consiste em "se fazer chamar por ele"; defendê-lo consubstancia-se no "poder de agir contra
quem o usurpe, o empregue de modo a expor a pessoa ao desprezo público ou recuse chamar
o titular por seu nome".194
Na Constituição Federal, em seu inciso X do artigo 5º, a Constituição Federal
de 1988 pontifica: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação”. Aí nota-se uma proteção também para a mulher, pois seu direito de personalidade
193
TEPEDINO, Gustavo, O papel da Culpa na Separação e no Divórcio. In: Temas de Direito Civil. 2. ed., Rio
de Janeiro: Renovar, 2001, p. 377.
194
CORNU, Gerard. Droit Civil: La Famille. 8e. édition. Paris: Montchrestien, 2003, p. 324-6.
de ser respeitada nas mais diversas situações da vida, principalmente no trabalho, está
evidente neste artigo da Constituição.
O direito à intimidade sexual é outro direito de personalidade, que dá
segurança quanto à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, que é a base jurídica para
a construção do direito à orientação sexual. É um direito personalíssimo, inerente à pessoa
humana.
Antigamente, a mulher era vista como utilidade para procriar. Hoje, a
mulher tem o direito de ter sua opção sexual e ter ato sexual prazeroso. Indivíduos de ambos
os sexos passaram a ter a opção de tecer e suster uma relação sexual além da simples
necessidade de reprodução, inclusive com pessoa do mesmo sexo, o que não afronta os
conceitos das sociedades historicamente desenvolvidas.
Conforme o § 2º do art. 5º da Constituição Federal195, são recepcionados por
nosso ordenamento jurídico os tratados e convenções internacionais, A ONU tem entendido
como ilegítima qualquer interferência na vida privada de homossexuais adultos, seja com
base no princípio de respeito à dignidade humana, seja pelo princípio da igualdade.
Ainda há muito a se percorrer para que se converta em prática social
constante o direito de personalidade da mulher, consolidando a comunhão de vida, de amor e
de afeto, no plano da igualdade, da liberdade e da responsabilidade recíprocos, que preside o
relacionamento conjugal em nossa sociedade hodierna.
O Novo Código Civil, no art. 23, estabelece que são deveres de ambos os
cônjuges:
I - Fidelidade recíproca.
II - Vida em comum no domicílio conjugal.
III - Mútua assistência.
IV - Sustento, guarda e educação dos filhos
A igualdade de direitos e obrigações entre homem e mulher, nas relações
conjugais e de união estável, acompanhou a evolução do princípio da igualdade no âmbito dos
direitos
fundamentais,
incorporados
às
Constituições
dos
Estados
democráticos
contemporâneos.
O princípio apresenta duas dimensões:
195
§ 2º do art. 5º da Constituição Federal: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou nos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.
A primeira dimensão é igualdade de todos perante a lei, a saber, a clássica
liberdade formal, que afastou os privilégios medievais dos estamentos e dos locais
sóciojurídicos (corporações de ofício ou guildas), e dotou todos os homens de direitos
subjetivos iguais, ou seja, aqueles que a lei considera iguais;
A segunda é igualdade de todos na lei, amplificando o alcance, para vedar a
discriminação na própria lei, por exemplo, a diferenciação entre direitos e deveres de homem
e mulher, na sociedade conjugal.
Nesta dupla dimensão, o princípio da igualdade não apenas se revela como
diretiva essencial da aplicação do direito, mas igualmente da produção do direito. O aplicador
não pode interpretar a lei de modo a gerar desigualdades entre os potenciais titulares dos
direitos por ela assegurados. A lei não pode criar direitos desiguais para os titulares, segundo
distinções que a Constituição (artigos 3°, inciso IV e 5°, caput) veda, a saber, em virtude do
sexo, da crença, da origem, da raça, da cor.
6.3.1 A questão do Patronímico Familiar
O nome atribuído à pessoa é um dos principais direitos incluídos na categoria
de direitos personalíssimos e sua importância, situa-se no mesmo plano de seu estado, de sua
capacidade civil e dos demais direitos inerentes à personalidade.
A pessoa ao nascer recebe o nome, como marca distintiva dentro da
sociedade, e mesmo após a morte, a pessoa continua a ser lembrada e a ter influência pela
atividade que desempenhou em vida, permanecendo seu nome na lembrança daqueles que lhe
quiseram bem.
O nome é, portanto, uma forma de individualização do homem na sociedade,
e é por ele que o Estado encontra estabilidade e segurança para identificar as pessoas.
Desde o tempo em que o homem passou a verbalizar seus conceitos,
começou a dar denominação às coisas e a seus semelhantes.
Nos primórdios, um único nome era suficiente para distinguir o indivíduo no
local. Todavia, a medida que a civilização tornou-se mais numerosa, começou a necessidade
de complementar o nome individual com algum restritivo que melhor identificasse as pessoas.
Entre os hebreus, a princípio usava-se um único nome, como Moisés, Jacó,
mas já se acrescentavam ao nome a profissão, a localidade, algo que pudesse distinguir a
pessoa, como exemplo o próprio Jesus que era conhecido como Jesus de Nazaré.
Os gregos também inicialmente possuíam um único nome. Posteriormente
com a complexidade das sociedades, passaram a deter três nomes, desde que pertencessem as
famílias antiga e regularmente constituídas: um era o nome particular, o outro o nome do pai e
o terceiro o nome de toda a gens.
Para os romanos, a formação do nome era bastante complexa e envolvia três
nomes próprios para distinguir a pessoa: o prenome, o nome e o cognome. O nome único ou
com dois elementos, no máximo, eram próprios da plebe, onde se tinha o nome, com o
acréscimo, do prenome do dono.
Na Idade Média, retornou-se ao costume de nome único e por influência da
Igreja, passou-se a dar nome de santos às crianças, mas com o aumento da população, surgiu a
necessidade de se acrescentar um sobrenome.
A Lei dos Registros Públicos declara como requisito obrigatório do assento
de nascimento “o nome e o prenome, que forem postos à criança”. Entretanto, o Código Civil
de 1916 não trazia uma técnica uniforme, ora usava termo nome, significando nome por
inteiro, ora era usado nome e prenome.
Vislumbra-se que o prenome ou patronímico se refere aos apelidos de
família, determinando a qual família pertence aquele indivíduo. O nome, englobando o nome
e o prenome, forma a própria individualidade da pessoa e é um bem que não pode ser
negociado, sendo considerado, por muitos autores, o único direito realmente da personalidade,
pois inerente à pessoa, à identificação pessoal e à cidadania.
Com o casamento, muitas vezes, o nome do cônjuge, principalmente o da
mulher, sofre alteração, e isso tem ensejado discussões nos tribunais e na vida cotidiana, sobre
a obrigatoriedade desse acréscimo do patronímico da família do marido.
6.3.2 Na Lei do Divórcio ficou Facultativo
O Código Civil de 1916 (Lei 6.515/1977) estabelecia em seu art. 240, que a
mulher assumia pelo casamento “os apelidos do marido”. Portanto, a mudança do nome da
mulher, assumindo o do marido era obrigatória devendo ela ter seu nome averbado no
registro, bem como retificados todos os documentos.
Antes da Lei do Divórcio, a Lei 6.015/1973, que regra os Registros Públicos
no Brasil, trazia em seu art. 70, item 8º, que emana a ordem de que o assento do matrimônio
traga o nome, que passa a ter a mulher, em virtude do assento do casamento.
Posteriormente, com a Lei do Divórcio, o art. 240 do Código Civil passou a
ter outra redação, estabelecendo que a mulher “poderá” assumir os nome do marido. Havia,
assim, a faculdade de a mulher usar ou não o nome do marido. Se quisesse poderia manter seu
nome de solteira.
Clóvis Beviláqua assevera que “a adoção do nome era um costume, que não
significava que a mulher ficasse com sua personalidade absorvida”. 196
6.3.3 No Novo Código, tanto o Homem como a Mulher pode Colocar o Sobrenome do
Outro
O Novo Código Civil fez uma verdadeira miscelânea relativamente ao nome
dos cônjuges, seja quando da formação da sociedade conjugal, seja quando de sua dissolução.
No Capítulo que trata da eficácia do casamento, dispôs acerca da
possibilidade de um cônjuge adotar o sobrenome do outro, assim:
Art. 1.565 – (...)
§1.º - Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o
sobrenome do outro.
Com isso, confortou o princípio constitucional da igualdade dos cônjuges, ou
seja, atualiza a legislação civil aos termos do art. 226, § 5.º, da CF/88, oportunizando a que
tanto o homem, quanto a mulher, ao enlace matrimonial, na mudança do seu estado civil,
possam acrescer ao seu o sobrenome do outro.
Manteve-se, portanto, o arbítrio de qualquer dos contraentes a respeito da
matéria, solvendo-se já antiga discussão a respeito de o homem poder assumir o sobrenome da
mulher.
Silvio de Salvo Venosa assevera que:
(...) Essa faculdade não é somente da mulher, pois ambos os cônjuges
possuem o mesmo direito no novo Código (art. 1.656, § 1º): o marido
também pode acrescer o seu sobrenome da esposa, embora esse não seja
nosso costume.197
196
197
BEVILÁCQUA, Clóvis. Código Civil dos EUB. Vol. 1. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1988, p. 601.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 3. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p.220.
Entretanto, a atual disposição, fatalmente irá trazer algumas polêmicas,
desacertos ou diversos entendimentos, principalmente, registrais. Dentre eles, pode-se
questionar: a) pode haver acréscimo concomitante de sobrenome, ou seja, na ocasião do
casamento o homem adota o sobrenome da mulher e esta o daquele, numa espécie de troca? e
b) qual o sobrenome que seguirá, logo em seguida do prenome (?), ou seja, a mulher pode
manter o seu sobrenome ao final do nome, pode suprimi-lo, ou o sobrenome adotado deve vir
ao final do seu nome completo?
Salienta-se que a lei parece clara quando permite o acréscimo do sobrenome
de um cônjuge ao outro: poderá acrescer AO SEU o sobrenome do outro. Assim, deve ser
mantido no nome do cônjuge o sobrenome original, de família, sem qualquer supressão de
patronímico, ou seja, o sobrenome original do cônjuge ficará sempre revelado, disfarçado,
apenas, com o acréscimo do nome de família do consorte.
Referente à questão, se a mulher chamar-se Maria do Carmo dos Santos e o
marido Pedro Augusto Camargo, aquela pode adotar o nome de Maria do Carmo dos Santos
Camargo e o homem pode adotar o nome de Pedro Augusto Camargo dos Santos.
A doutrina entende que pode haver troca, porque não há impedimento legal
quanto a isso, desde que se faça por ocasião do enlace e não posteriormente. Ademais, se há
prevalência do princípio da igualdade conjugal, este deve prevalecer na vontade dos cônjuges,
que não é vedada em lei.
CAPÍTULO VII – A QUESTÃO DA IGUALDADE JURÍDICA
7.1 O Princípio da Igualdade
Sólon já idealizava a igualdade, na época de 640 a 560 a.C. Num dos
discursos, na célebre Oração Fúnebre de homenagem - a oração aos mortos da guerra do
Peloponeso -, proferiu que a igualdade impunha tratamento idêntico nas relações entre os
particulares e na vida pública a abolição da pobreza, o acesso aos cargos de governo e a
consideração do mérito.198
No entanto, foi Platão (429 a 347 a.C.) um dos primeiros a tratar da
igualdade. Na sua obra República, defendeu a igualdade de oportunidades. Para esse filósofo,
a igualdade consistia o fundamento da democracia. Distinguia dois tipos de igualdade - a
igualdade absoluta e a igualdade proporcional.199 A primeira consistia nas mesmas
oportunidades de acesso aos cargos públicos, enquanto a igualdade proporcional implicava o
governo de acordo com os méritos.
No que diz respeito à igualdade, Platão adverte que a igualdade, quando
conferida a coisas desiguais, teria por resultado a desigualdade. Já o filósofo grego Aristóteles
vinculou a idéia de igualdade à idéia de justiça.
A respeito do período em que viveram esses filósofos gregos, Martim
Albuquerque ensina que o mundo antigo, a despeito da afirmação da desigualdade natural por
Aristóteles e da admissão da escravatura, legou à humanidade, como parte nuclear do seu
patrimônio moral e intelectual, em matéria de igualdade, uma aportação que se traduz nas
proposições seguintes:
a) todos os homens são naturalmente iguais;
b) a igualdade é essência da Justiça;
c) a igualdade pressupõe a comparação e não tem sentido entre coisas não
comparáveis;
d) a igualdade obriga a tratar igualmente, o igual e desigualmente o
desigual;
e) a igualdade é a base da democracia; a igualdade não é necessariamente
aritmética, podendo (e devendo) em certos casos ser geométrica;
f) a igualdade contém um componente de adequação aos fins;
g) a igualdade implica participação das oportunidades.200
198
ALBUQUERQUE, Martim de. Da Igualdade: introdução à jurisprudência. Coimbra: Almedina,. 1993, p. 11.
PLATÃO. A República. Bauru: Edipro, 1994.
200
ALBUQUERQUE, Martim de. Op. cit., p. 15.
199
Os grandes textos jurídicos romanos também trouxeram as idéias de
igualdade. Ulpiano escreveu que! "no tocante ao direito natural, todos os homens são
iguais".201 Cícero, em sua obra De Legibus declara que "não há na natureza igualdade tão
completa como a existente entre os homens.
Nas Instituições, reconhece-se que, por direito natural, todos os homens
nascem livres. Minúcio Felix defende que "todos os homens, sem diferença de idade, sexo ou
posição, são dotados de capacidade, poder de razão e sentido, e obtêm a sabedoria, não pela
fortuna, mas pela natureza".
202
O Cristianismo trouxe uma ampliação ao conceito de
igualdade. A igualdade passou a ser considerada como igualdade de todos os homens perante
Deus.
Curioso que os Santos Padres entenderam que a escravatura e o poder
político não eram instituições de direito natural, mas simples conseqüências do pecado, para
punição dos homens. Nesse sentido, entenderam Santo Agostinho, Santo Ambrósio e Santo
Isidoro de Servilha.
São Paulo escreveu na Epístola aos Gálatas o sentido da igualdade:
(...) todos são um em Cristo; pois todos os que fostes batizados em Cristo
vos revestistes de Cristo. Não há judeu nem grego; não há servo nem livre,
não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo. 203
A propósito da explanação desse apóstolo, Andrade Bezerra ensinava:
(...) com o Cristianismo, nos encontramos pela primeira vez, com uma
religião que abstrai de: toda diferença de nação, de raça e de língua e até de
condição livre do homem. Para o Cristianismo todos os homens são iguais,
não quanto à sua participação efetiva nas honras ou nos bens desta vida, mas
quanto ao conhecimento de sua qualidade de homem.204
A filosofia escolástica entendia haver apenas dois tipos ou espécies de justiça
particular: a justiça comutativa ou sinalagmática e a justiça distributiva.
Dalmo de Abreu Dallari assinala que a Carta Magna da Inglaterra, de 1215, é
o documento mais remoto das Declarações de Direitos, que limitou os direitos dos barões e
prelados ingleses em face da monarquia absolutista, vigente na época, e que dizia que nenhum
201
Ibid., p. 16
Ibid.
203
Biblia Sagrada. Carta de São Paulo aos Gálatas, 3:27, 3:28, 3:29.
204
BEZERRA, Andrade. O Renascimento do direito natural. In: Revista Jurídica. Recife, 1931, vol.1, p. 07
202
homem livre poderia ser preso ou privado de seus bens ou, de alguma forma molestado, serão
através de julgamento regular pelos seus pares ou conforme a lei do país.205
No século XVIII, por meio do jusnaturalismo, os textos jurídicos passam a
contemplar a idéia de igualdade. Nos movimentos doutrinais e políticos do século XVIII e do
século XIX encontra-se um patrimônio cultural riquíssimo, formado por idéias de, entre
outros, Rousseau e André Delaporte. Rousseau admitia duas espécies de desigualdades entre
os homens:
Uma que chamava natural ou física, porque estabelecida pela natureza, e que
consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito e
da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de
uma espécie de convenção e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo
consentimento dos homens, conforme Jean Jacques Rousseau.206
No entanto, foi na América que, pela primeira vez, os textos históricos
consagraram constitucionalmente a igualdade. A Declaração de Independência dos Estados
Unidos, de 4 de julho de 1776, dizia: “Nós sustentamos como evidentes por elas mesmas estas
verdades: que todos os homens foram criados iguais, que eles foram dotados pelo seu Criador
de certos direitos inalienáveis, que, entre estes, estão a vida, a liberdade e a procura da
felicidade”, que “todos os O Sill ar: Rights da Virgínia, aprovado em 12 de junho de 1776, diz
homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos inerentes,
dos quais ao entrarem em sociedade não podem, por qualquer forma, privar ou desinvestir a
sua posteridade”.
Referido documento deu-se em razão do movimento da independência das
colônias. A Constituição do Estado da Carolina do Norte vem negar a qualquer homem ou
grupo de homens direitos a privilégios distintos ou exclusivos.
A do Estado de Massachusetts de 1780 diz, em seu art. 1 °:
Todos os homens nasceram livres e iguais, e têm certos direitos naturais,
essenciais, e inalienáveis, e entre eles se deve contar primeiramente o direito
de gozar de vida e liberdade, e o de defender uma e outra; depois destes, o
direito de adquirir propriedades, possui-Ias, e protegê-las, enfim o direito de
obter a sua segurança e a sua felicidade.207
205
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 180.
ROUSSEAU, Jean Jacques, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens São
Paulo: Nova Cultural, 2000, p 51.
207
Enciclopédia Wikipédia, disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Massachusetts>, acessado em
11/01/2006.
206
A Constituição norte-americana de 1787, votada por ocasião da Convenção
de Filadélfia, apenas aboliu os títulos de nobreza (art. 1°, secção 9). O direito público francês
é que formalizou, em primeiro lugar, a idéia jurídica da igualdade, quando no artigo 1° da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, reza que: “Os homens nascem
livres e iguais em direitos”. Também no artigo 6° trata do princípio da igualdade. Portanto, o
princípio da igualdade recebeu glorificação com o referido documento.
Consta ainda da Declaração de direitos de 1789 que:
(...) todos os cidadãos, sendo iguais aos seus olhos, são igualmente
admissíveis a todas as dignidades. A todos os lugares e cargos públicos,
segundo as suas capacidades, e sem outra distinção que a das suas virtudes e
talentos. (artigo 6°).208
Tocqueville considerou a Revolução Francesa um movimento mais próximo
dos grandes movimentos religiosos do que das revoluções políticas e assim asseverou:
(...) Vimo-la (a Revolução Francesa) aproximar ou separar os homens, a
despeito das leis, das tradições, dos temperamentos, da língua,
transformando por vezes os compatriotas em inimigos e os estrangeiros em
irmãos; ou antes, ela formou, acima de todas as nacionalidades particulares,
uma pátria intelectual comum, da qual os homens de todas as nações
puderem tornar-se cidadãos.209
As idéias da Revolução Francesa influenciaram inúmeras partes do mundo
além da Europa, a índia, a Ásia e a América Latina.
Fábio Konder Comparato informa que:
A Revolução Francesa desencadeou, em curto espaço de tempo, a supressão
das desigualdades entre indivíduos e grupos sociais, como a humanidade
jamais experimentara até então. Na tríade famosa - liberdade, igualdade e
fraternidade, foi sem dúvida a igualdade que representou o ponto central do
movimento revolucionário.210
Portanto, posteriormente, se percebeu que a Revolução Francesa tinha como
objetivo a supressão das desigualdades estamentais. A Constituição francesa de 1791 aboliu
as instituições que ofendiam a liberdade e a igualdade de direitos. Foi nessa data, na Europa,
que ocorreu a emancipação dos judeus e a abolição de todos os privilégios religiosos.
208
Enciclopédia Contemporânea. Disponível em
<http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=180>, acessado em 11/01/2006
209
TOCQUEVILLE, Alexis de Democracia na América. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins
Fontes, 2000, p 385.
210
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p 117.
Referidos movimentos igualitários não conseguiram acabar com a desigualdade entre os
sexos. A Declaração de 1793 e a respectiva Constituição Francesa desse mesmo ano trataram
do princípio da igualdade.
A carta constitucional de 1814 da França foi pródiga quanto à igualdade e
traz a seguinte asserção: “todos os franceses são iguais diante da lei, sejam quais forem os
seus títulos ou classes”. No direito português, Constituições as do século XIX, influenciadas
pelas Revoluções Americana e Francesa, trataram do princípio da igualdade.
A Constituição portuguesa de 1822 continha, no seu título I, artigo 9°: “Dos
Direitos e Deveres Individuais dos Portugueses”- a asserção de que: “A lei é igual para
todos”. E, portanto, conforme assevera Martim de Albuquerque: “não se devem tolerar
privilégios do foro nas causas cíveis ou crimes, nem comissões especiais”. A Carta
Constitucional de 1826 dispunha, no artigo 145, § 12: “A Lei será igual para todos, quer
proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um”.
Martim de Albuquerque ensina que “as constituições portuguesas
novecentistas em sede de igualdade prolongam, essencialmente, a linhagem constitucional
americana e francesa e não se podem dizer grandemente inovadoras”.211 Apesar disso, até o
século XVIII as Constituições só tratavam da igualdade formal.
Da análise dos textos das modernas Declarações de Direitos diz que a
igualdade tinha caráter meramente formal e sua procedência estava ligada às doutrinas
contratualistas que defendiam a absoluta igualdade de nascimento entre os homens.
Durante muito tempo a humanidade caminhou tratando os homens de forma
desigual, dividindo-os em livres e escravos, nobres e plebeus, negando a algumas classes a
condição de pessoa, e chegando a tratá-los como objetos e animais. Desde épocas muito
antigas, portanto, já existiam os excluídos.
Mas é a partir do século XIX que se passou a questionar o princípio da
igualdade formal, pois os homens são essencialmente iguais; no entanto, existem diferenças
que são decorrentes de fatores naturais ou sociais. Os homens possuem diferente capacidade
física e intelectual, em inteligência e caráter.
Todos os homens considerados, quanto à sua natureza, são iguais e desiguais.
Iguais quanto à liberdade, o direito aos socorros públicos, e o direito de defesa, entre outras
prerrogativas. Se a lei tratasse igualmente fatos desiguais seria injusta e desigual.
211
ALBUQUERQUE, Martim de. Op. cit., p. 58.
As idéias que resultaram desses movimentos propiciaram a organização do
Estado, Democrático, fundado em três aspectos básicos: a supremacia da vontade popular, a
preservação da liberdade e a igualdade de direitos.212
Referidos documentos influenciaram o Constitucionalismo, e após seguiramse outras manifestações. Finda a Segunda Guerra Mundial, em 26 de junho de 1945, foi
emitida a Carta das Nações Unidas, com vistas a uma constante atividade dos países em busca
da paz mundial.
Em 1948, as Nações Unidas editaram a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, e proclamaram os direitos fundamentais dos seres humanos. Referida Declaração
elencou os direitos fundamentais, ao dizer que todo homem tem direito à segurança social e à
realização dos direitos econômicos, sociais e culturais essenciais e também ao
desenvolvimento de sua personalidade. A Constituição norte-americana, na emenda XIV,
menciona igual proteção, baseando-se na igualdade de condições.
Várias Constituições dos séculos XIX e XX trazem em seus textos a garantia
da igualdade, mencionando apenas cidadãos. Dentre elas, estão o Estatuto Fundamental do
Reino da Itália de 1848, a Constituição da Prússia, a Constituição da Suíça de 1874 e a
Constituição de Weimar de 1919.
7.2 Da Igualdade Formal e Material
O princípio da igualdade, também chamado de princípio da isonomia,
consiste na igualdade jurídico-forma de todos diante da lei – “todos são iguais perante a lei”.
Ensina Pinto Ferreira que “o princípio da igualdade deve ser apreciado como uma dupla
perspectiva: igualdade na lei e igualdade perante a lei, esta pressupondo a lei elaborada”.213 A
igualdade diante da lei surgiu na Inglaterra por meio de seus costumes, e também assegura
que todos os cidadãos têm o direito de receber tratamento idêntico pela lei.
A Constituição brasileira de 1988, no capítulo dos direitos individuais,
consagra o princípio de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza
(artigo 5º, caput), e que esse princípio constitui objetivo fundamental da República Federativa
do Brasil, pois no artigo 3°, da Constituição Federal, incisos 111 e IV, assim dispõe:
212
JUCOVSKY, Vera Lúcia R S. Representação política da mulher. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira,
2000, p. 46.
213
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. Vol 1, São Paulo Saraiva, 1989, p. 62.
Artigo 3° - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: (...) III - Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; IV - Promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.214
Manoel Gonçalves Ferreira Filho215 ensina que o Estado de Direito é
composto por três princípios: princípio da legalidade, princípio da igualdade e princípio da
justicialidade. A Constituição Portuguesa, em seu artigo 9° diz: “uma das tarefas
fundamentais do Estado é a promoção da igualdade real entre os portugueses”.
Constitucionalistas portugueses, como José Joaquim Gomes Canotilho e
Vital Moreira asseveram, quanto ao princípio da igualdade:
Embora não esteja explicitamente autonomizado em nenhum preceito
específico do capítulo introdutório da CRP, ele é seguramente um dos
princípios estruturantes do sistema constitucional. Ele constitui naturalmente
o elemento essencial da 'sociedade justa' a que se refere o artigo 1i.216
José Afonso da Silva217 ensina que o sentido da expressão “igualdade perante
a lei” significa que o princípio da igualdade tem como destinatários o legislador e os
aplicadores da lei.
Nesse mesmo sentido, o entendimento de Luiz Alberto David Araújo e Vidal
Serrano Nunes Júnior: “O princípio da isonomia deve constituir preocupação tanto do
legislador como do aplicador da lei”. 218
Giorgio Balladore Palliere, em relação ao princípio da igualdade, salienta
que:
(...) princípio não obriga a tratar com igualdade situações de fatos desiguais,
proibindo apenas o arbítrio diante de diferenciações fundamentadas em
qualidades pessoais do indivíduo, tais como raça, riqueza, sexo, profissão,
classe, etc..219
214
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988, Art. 3º, Incisos 111 e IV,
disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm, acessado em
10/01/2006.
215
FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 109.
216
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra,
1991, p. 81.
217
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 210.
218
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano Curso de direito constitucional. São Paulo:
Saraiva, 1998, p. 67.
219
PALLlERE, Giorgio Balladore. Oiritto Costituzionale. Milano. p. 303-304, apud, FERREIRA, Pinto.
Comentários à Constituição brasileira.Vol 1, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 62.
O texto da Constituição proíbe qualquer diferença de tratamento que
provenha do Legislativo, Executivo e do Jurídico, por motivo de raça, nascimento, classe
social, riqueza e sexo.
Conforme já foi mencionado, as nossas Constituições, desde a primeira, no
Brasil Imperial, inscreveram o princípio da igualdade perante a lei. Vale dizer, o princípio da
igualdade formal.
Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que
eles se desigualam, é o princípio da igualdade. Entretanto, saber quem são os iguais e os
desiguais e definir em que circunstâncias é constitucionalmente legítimo o tratamento
desigual é o cerne da questão.
A Constituição Federal Brasileira desequipara as pessoas com base em
múltiplos fatores, que incluem sexo, renda, situação funcional, nacionalidade, dentre outros.
Conforme Luís Roberto Barroso sustenta, “o tratamento desigual há de encontrar limites de
razoabilidade para que seja legítimo. Este limite poderá vir expresso ou implícito no texto
constitucional, e a conciliação que se faz necessária exige a utilização de um conceito
flexível, fluido, como o de proporcionalidade”.220
A Constituição Federal de 1988, no seu artigo. 5°, de outro modo insculpe
em seu texto a tão esperada igualdade material, que deve ser interpretada em consonância com
outras disposições constitucionais, a fim de que ocorra a redução das desigualdades.
Florisa Verucci ensina que: “o princípio da igualdade formal é o princípio da
igualdade perante a lei, porém o princípio da igualdade material é o princípio da redução das
desigualdades.”.221
A Constituição Federal de 1988 traz em seu texto vários artigos que fazem
referência expressa ao princípio da igualdade material:
No Título I - Dos Princípios Fundamentais, traz: “Artigo 3° - Constituem
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III - Erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir desigualdades sociais e regionais”.
Também na questão da ordem econômico-financeira, volta-se à consecução
da igualdade:
Artigo 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre Iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,
220
BARROSO, Luís Roberto, A Igualdade perante a Lei. Algumas Reflexões. In: Temas Atuais do Direito
Brasileiro, 1987 apud BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 213-215.
221
VERUCCI, Florisa. O direito da Mulher em mutação: os desafios da igualdade. Belo Horizonte: Del Rey,
1999, p. 57.
conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
VII - Redução das desigualdades regionais e sociais.222
Outro dispositivo, o artigo 5º, ao dispor sobre os direitos e deveres
individuais e coletivos, além de proclamar em seu caput que:
(...) todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...),
também regulamenta em seu inciso XLI que a lei punirá qualquer
discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais, e no inciso
XLII, que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.223
Celso Ribeiro Bastos preleciona em relação à igualdade substancial o
seguinte:
A igualdade substancial postula O tratamento uniforme de todos os homens.
Não se trata, como se vê, de um tratamento Igual perante o direito, mas de
uma igualdade real e efetiva perante os bens da vida.224
Preleciona ainda o ilustre jurista em relação à igualdade material:
Essa igualdade, contudo, a despeito da carga humanitária e idealista que traz
consigo, até hoje nunca se realizou em qualquer sociedade humana. São
muitos os fatores que obstaculizam a sua implementação: a natureza física
do homem, ora débil, ora forte; a diversidade da estrutura psicológica
humana, ora voltada para a dominação, ora para a submissão, sem falar nas
próprias estruturas político-sociais, que na maior parte das vezes tendem a
consolidar a até mesmo a exacerbar essas distinções, em vez de atenuá-las.225
Há que se questionar se a Constituição trata o princípio da igualdade formal
no mesmo nível hierárquico do princípio da igualdade material, e se existe conflito entre
ambas; e, em havendo, qual deles é absoluto.
Florisa Verucci, ao tratar do assunto da igualdade, esclarece o assunto:
A Constituição trata o princípio da igualdade formal no mesmo nível
hierárquico do princípio da igualdade material. Ambos são normas
constitucionais que devem ser implantadas e obedecidas. A questão é saber
se existe conflito entre elas e se o princípio da igualdade formal é um
princípio absoluto que, como tal, exclua o princípio da igualdade material,
que é o princípio que rege a redução das desigualdades sociais.226
222
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988, Art.170, disponível em
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>, acessado em 11/01/2006
223
Id. Ibid. art. 5º.
224
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 165.
225
Ibid.
226
VERUCCI, Florisa. Op. cit., p. 58.
Nessa linha de pensamento, a mesma autora prossegue na construção da
igualdade material implica tratamento prioritário, em determinadas circunstâncias, dos
segmentos da população carentes de igualdade. A intervenção das normas e das ações
públicas no tratamento das prioridades é a condição para a criação da igualdade material,
derivada da obrigação constitucional. 227
Carlos Roberto de Siqueira Castro, ao comentar sobre a igualdade material,
assevera o seguinte:
(...) Tal se explica porque a igualdade real ou material entre os homens no
convívio' social depende em grande parte do modelo político-econômico
adotado pelas nações, e não do fato de o Estado estar subordinado a uma
ordem jurídica que imponha de forma abstrata o ideal isonômico e sem
indicações dos meios necessários à sua concreção, como também não
depende do fato de sujeitar-se esse regime de igualdade formal à tutela de
órgãos de controle da legalidade, em particular aqueles do Poder Judiciário,
com competência para invalidar os atos do poder público acaso conflitantes
com tal regime igualitário sem conteúdo determinado.228
No magistério de Carlos Roberto de Siqueira Castro consta que:
(...) Existindo imposições de cunho igualitário, seja de conteúdo negativo ou
positivo, vinculantes ao legislador ordinário e, por força delas, um regime de
igualdade fundamental, não pode o Estado, por seus órgãos e agentes de toda
sorte, dar causa a desigualdades não toleradas pela Lei maior, seja editando
norma discriminatória contrária à Constituição, seja aplicando de maneira
discriminante e inconstitucional norma originalmente válida ou, ainda,
deixando de promover as condições de igualdade social, econômica e
política, de cuja promoção o legislador constituinte tenha incumbido os
órgãos de governo.229
Toda vez que o legislador ordinário der causa a desigualdades não aceitas
pela Lei Maior, quer editando normas de conteúdo discriminatório que a contrariam, quer
aplicando a norma de forma discriminatória e inconstitucional, ocorrerá ruptura da ordem
jurídica.
O autor assevera que a edição de norma discriminatória contrária à
Constituição afetará a, norma jurídica no seu nascedouro, uma vez que a matéria apresenta
incompatibilidades com a isonomia assegurada na Constituição.
San Tiago Dantas ensina que:
227
Ibid.
CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O princípio da isonomia e a igualdade da mulher no direito
constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 43.
229
Ibid., p. 23.
228
Quanto mais progridem e se organizam as coletividades, maior é o grau de
diferenciação que atinge seu sistema legislativo. A lei raramente colhe no
mesmo comando todos os indivíduos, quase sempre atende a diferenças de
sexo, de profissão, de atividade, de situação econômica, de posição jurídica,
de direito anterior; raramente regula do mesmo modo a situação de todos os
bens, quase sempre os distingue conforme a natureza, a utilidade, a raridade,
a intensidade da valia que oferecem a todos, raramente qualifica de um modo
único as múltiplas ocorrências de um mesmo fato (...). Todas essas
distinções, inspiradas no agrupamento natural e racional dos indivíduos e dos
fatos, são essenciais ao processo legislativo, e não ferem o princípio da
igualdade.230
O princípio da isonomia consiste, como já foi pormenorizado, em tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Portanto, o princípio da igualdade é um
princípio que apresenta relatividade, porque há uma certa desigualdade no tratamento.
Nesse sentido, o entendimento de Carlos Roberto de Siqueira Castro:
(...) A lei pode tratar igualmente os iguais e os desiguais, ou desigualmente
os desiguais; só não pode é tratar de modo desigual os iguais, ou seja, dar
tratamento discriminante a situações idênticas, o que confere ao legislador
uma amplíssima margem de discrição político-Iegislativo para corrigir,
minorar ou até agravar os desajustes sociais, de acordo com as prioridades e
os modelos de política econômica que cada país possa adotar.231
O princípio da isonomia tem por objetivo a igualdade de tratamento para
situações de fato idênticas a pessoas que apresentem as mesmas condições.
7.3 A Igualdade Constitucional
Delimitado o conceito de igualdade, de forma a compreendê-la
relativamente, é possível classificações sem que haja ofensa ao seu comando.
Existem normas jurídicas que contêm distinções, porém, não estão,
necessariamente, eivadas de inconstitucionalidade, uma vez que a legislação pode estabelecer
tratamentos desiguais. A diferenciação que se fez entre as duas espécies de igualdade não
esgotou o tema, e, portanto, não se precisou completamente o preceito da igualdade.
Necessário, pois, que se fixe um critério para determinar se a norma jurídica
discriminadora viola o princípio da igualdade, ou se dele não diverge.
Celso Antônio Bandeira de Mello questiona:
230
DANTAS, San Tiago Problemas de direito positivo. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 56, apud, CASTRO.
Op. cit. p. 47.
231
CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. Op. cit, p. 49.
(...) O que permite radicalizar alguns sob a rubrica de iguais e outros sob a
rubrica de desiguais? Portanto: qual o critério legitimamente manipulável sem agravos à isonomia - que autoriza distinguir pessoas e situações em
grupos apartados para fins de tratamentos jurídicos diversos? Afinal, que
espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação
de situações e de pessoas, sem quebra e agressão aos objetivos contidos no
princípio constitucional da isonomia?.232
Para resolução do problema, é insuficiente recorrer aos critérios tradicionais
de sexo, raça, trabalho, credo religioso, convicções políticas, apresentando-se como se fossem
proibições absolutas e ilimitadas para as discriminações jurídicas, uma vez que forneceriam
apenas uma solução incompleta e insuficiente para o problema da igualdade.
Inúmeras regras de Direito, inclusive na própria Constituição, tratam
diversamente homens e mulheres ou trabalhadores de ofício diferentes, e, no entanto, não
agridem o princípio da isonomia.
Defende, porém, Aristóteles, (notas de rodapé) a
desigualdade natural essencial dos homens, uma vez que alguns são capazes de se
determinarem por um fim racional e outros não. A verdadeira igualdade deve observar a sua
natureza e o fim para o qual a desigualação deve ser feita.
Rudolph Von Thering ensina que:
(...) a exigência de igualdade parece ter seu fundamento último em uma feia
característica do coração humano, na inveja. Ninguém deve ser melhor ou
melhor do que eu; se eu for um miserável, também o sejam os outros.233
Lopes Praça tece considerações importantes, as quais culminam com uma
diferenciação entre igualdade social e igualdade legal. E questiona: “Em que consiste
propriamente o direito de igualdade?”.234
Este direito tem dado lugar a grandes abusos e a sofismas de todo o gênero, a
objeções e a divergências sem número. Os que deduzem o nivelamento das fortunas do direito
de igualdade cometem um erro tão crasso e prejudicial, como se admitissem que todos e cada
um dos homens têm igual aptidão, para todos e cada um dos misteres ou trabalhos necessários
para a sua existência e perfectibilidade individual e social.
232
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed., São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 11
233
THERING, Rudolph Von Der Zwick. leipzigs: Breirkopf und Hartel, 1884, apud, REIS, Carlos David S.
Aarão. A família e a igualdade: a chefia da sociedade conjugal em face da Nova Constituição. Rio de Janeiro:
Renovar, p.21.
234
ALBUQUERQUE, Martim de. Da igualdade: introdução à Jurisprudência. Coimbra: Almedina, 1933, p 66.
Para Flávia Piovesan, a igualdade formal diz respeito a que “todos são iguais
perante a lei”. E, portanto, isto significou um decisivo avanço histórico decorrente das
modernas Declarações de Direitos do final do século XVIII.
Segundo ela, “o discurso liberal da cidadania nascia no seio do movimento
pelo constitucionalismo e da emergência do modelo de Estado Liberal, sob a influência das
idéias de Locke, Montesquieu e Rosseau”.235
Complementa a autora que, nessa época, “torna-se necessário repensar o
valor da igualdade, afim de que as especificidades e as diferenças sejam observadas e
respeitadas”.236 Somente assim se tornará possível a transição da igualdade formal para a
igualdade material ou substantiva.
A Constituição Federal de 1988 instituiu o princípio da igualdade formal que
consiste no princípio da igualdade perante a lei, constante do artigo 5° que diz: “todos são
iguais perante a lei” E, no primeiro dos incisos desse artigo, regra que “homem e mulher são
iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Dessa forma, deve ser
mantida a igualdade, mesmo que em situações peculiares seja determinada certa desigualdade.
7.4 As Desigualdades Admissíveis pela Constituição Federal
Inúmeras regras de Direito, até mesmo contidas na Constituição, tratam de
forma diversa homens e mulheres ou trabalhadores de ofícios diferentes, e que, no entanto,
não agridem o princípio da igualdade.
Celso Antônio Bandeira de Mello menciona vários casos de discriminações
baseados no sexo, raça, confissão e até cor dos olhos ou compleição física. E ao final ensina:
(...) Então, percebe-se, o próprio ditame constitucional que embarga a
desequiparação por motivo de raça, sexo, trabalho, credo religioso e
convicções políticas, nada mais faz que colocar em evidência certos traços
que não' podem, por razões preconceituosas mais comuns em certa época ou
meio, ser tomados gratuitamente como ratio fundamentadora de discrimine.
O artigo 5°, caput, ao exemplificar como as hipóteses referidas, apenas
pretendeu encarecê-las como insuscetíveis de gerarem, só por só, uma
discriminação. Vale dizer: recolheu na realidade social elementos que
reputou serem possíveis fontes de desequiparações odiosas e explicitou a
impossibilidade de virem a ser destarte utilizados.237
235
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.127.
Ibid., p.129.
237
MELLO, Celso Bandeira de. Op. cit., p. 17-18.
236
Verifica-se que aqueles fatores mencionados não podem servir como
fundamento de desigualdades legislativas, mas podem em princípio servir de critérios para
discriminações, desde que racionalmente fundamentados. Portanto, deve-se encontrar outro
critério para distinguir as desigualdades constitucionais das inconstitucionais.
Há que se examinar a compatibilidade de regras jurídicas com a Lei
Fundamental em relação ao princípio da igualdade. e, portanto, torna-se necessário examinar
o ponto de referência a partir do qual se criou a diferenciação. No entanto, ainda não se tem
uma solução, uma vez que se pode indagar qual o significado de relevância. Vale dizer,
quando existe fundamento para a desigualdade?
Antes do período da II Guerra Mundial, Gerhard Leibholz propôs um critério
de distinção que também pode ser encontrado, contemporaneamente, na jurisprudência do
Tribunal Constitucional Federal alemão.
Após 1954, o Tribunal Constitucional Federal alemão esclareceu o princípio
da isonomia:
(...) o postulado da igualdade só proíbe que o essencialmente igual se trate de
maneira deferente, mas não, ao contrário, que o essencialmente desigual se
trate de maneira diferente em correspondência com a desigualdade existente.
Viola-se o princípio da igualdade quando não se pode encontrar para a
diferenciação ou equiparação legais um argumento razoável, que surja da
natureza as coisas e seja materialmente evidente, em resumo, quando a
determinação há de ser qualificada como arbitrariedade.238
Agora, portanto, pode-se elaborar um critério medianamente seguro para
examinar se a norma jurídica, tratando de uma desigualdade, ofende ou não o princípio da
isonomia. Logo, o ponto de referência escolhido pela norma para o tratamento desigual, deve
ser relevante; necessário se faz tenha a discriminação um fundamento. Não se pode admitir a
discriminação arbitrária ou caprichosa.
Nesse sentido, há que se mencionar o critério proposto por Celso Antônio
Bandeira de Mello, na monografia sobre o tema da igualdade e que, de certo modo, guarda
congruência com o que foi mencionado até agora:
(...) Aquilo que é, em absoluto rigor lógico, necessária e irrefragavelmente
igual para todos, não pode ser tomado como fator de diferenciação, pena de
hostilizar o princípio isonômico. Diversamente, aquilo que é diferenciável,
que é, por algum traço ou aspecto, desigual, pode ser diferençado, fazendose remissão à existência ou à sucessão daquilo que dessemelhou as situações:
(...) cabe, por isso mesmo, quanto a este aspecto, concluir: o critério
238
FORSTHOFF, Ernest. EI Estado de Ia Sociedad Industrial. Tradução de Luis López Guerra e Jaime Nicolás
Muniz. Madri: Instituto de Estúdios Políticos, 1975, p. 226-227.
especificador escolhido pela lei, a fim de circunscrever os atingidos por uma
situação jurídica - a dizer: o fator de discriminação - pode ser qualquer
elemento radicado neles: todavia, necessita inarredavelmente, guardar
relação de pertinência lógica com a diferenciação que dele resulta.239
O discrimen, ou fator de discriminação, não pode ser aleatório ou casual.
Deve-se buscar a pertinência lógica entre o critério adotado, a diferenciação realizada e o
objetivo perseguido. Do contrário, resultará discriminação arbitrária conseqüentemente
Contrária ao Texto Constitucional. É o que esclarece o mesmo autor, na continuidade de sua
lição:
(...) Em outras palavras: a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita.
Impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado
construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que,
se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de
tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o
princípio da isonomia.240
A tentativa de formular um critério para precisar a noção de igualdade tem
sido criticada por muitos, alegando alguns autores o fato de não se ter alcançado um estado de
ampla segurança jurídica.
Alcançar uma segurança jurídica completa é algo talvez inatingível, mas,
pode-se buscar uma aproximação razoável, diminuindo ao menos, sensivelmente o grau de
incerteza contido na noção de igualdade a um nível aceitável.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Carlos Roberto de Siqueira Castro
menciona o seguinte:
(...) Nessa linha de idéias, poder-se-ia estabelecer, por exemplo, e por
absurdo que pareça, tratamento legislativo distinto entre proprietários de
automóveis verdes e proprietários de automóveis amarelos, ou entre o tipo
de penteado das pessoas, ou entre canhotos e direitos, isto para fins de
habilitação em concurso para preenchimento de cargos burocráticos no
serviço público, ou para fins de obtenção de financiamento imobiliário junto
ao Sistema Financeiro de Habitação, o que, á evidência, não guarda a mais
mínima correlação com tais critérios classificatórios.241
Por isso é que se proíbem as diferenças, constitucionalmente, baseadas em
raça, sexo, religião, etc. Vale dizer que a norma não deve ser arbitrária, irrazoável. Nesse
sentido, o entendimento de Carlos Roberto de Siqueira Castro:
239
MELLO, Celso Bandeira de. Op. cit., p. 32-39.
Ibid.
241
Op. cit., p. 69.
240
“Daí por que, modernamente, se tem exigido em sede tanto doutrinária
quanto jurisprudencial, sobretudo alhures, que a classificação legislativa
não adote, em primeiro lugar, diferenças constitucionalmente vedadas
(como raça, sexo, religião, etc.), e que, além disso, seja a diferenciação
normativa. razoável. revestindo-se de adequada racionalidade. Isto quer
dizer que a norma classiticatória não deve ser arbitrária, irrazoável ou
caprichosa, mas que, ao revés, deve operar como meio idôneo, hábil e
necessário ao atingimento de finalidades válidas do ponto de vista
constitucional. Para tanto, há de existir necessariamente um mínimo de
compatibilidade e congruência entre a classificação em si e o fim a que ela
se destina" .242
O acerto ou desacerto no atingimento do fim culminado, e a existência ou
não de um mínimo de compatibilidade dessas finalidades com a classificação praticada
definirá o cumprimento cabal do princípio da igualdade ao se proceder à diferenciação, ou a
sua frontal violação.
242
Ibid.
CONCLUSÃO
Desde muitos séculos, a mulher é relegada à condição de subserviência. Por
este motivo foi proposto um estudo que apresentasse e analisasse os aspectos evolutivos do
direito da mulher no direito positivo brasileiro.
1. Este fato se deveu, sobretudo, a uma sociedade patriarcal, onde o poder
marital era absoluto. De tal modo, que era permitido, por exemplo, aos maridos castigarem
suas mulheres com a proteção da lei.
A história das mulheres sempre foi contada por homens, pois além da força
física, eles detinham o prestígio moral, o controle intelectual e econômico. As mulheres que
conseguiram algum espaço foi em decorrência de que os homens que a cercavam estavam
dispostos a conceder tais privilégios.
Assim sendo, comprovou-se a lentidão que envolveu a luta da mulher para
assumir o seu espaço e seu verdadeiro papel na sociedade, uma vez que a conquista das
reivindicações feministas demandou mais de um século e meio em todo o mundo. Tal luta,
consolidou-se no cenário mundial através de um processo progressivo.
A evolução milenar dos direitos da mulher, porém, foi produto de ásperas
lutas, de transformações sociais tão intensas que o homem foi compreendendo que não podia
mais relegá-la a condição de mera servidora e elemento procriador, a fim de perpetuar a
família, dando lhes um sucessor que viesse a cuidar do seu nome.
2. No Brasil, a condição da mulher não era muito diferente do que no resto
do mundo. A mulher negra e a mulata, sofriam grandes privações, desde a instrução básica,
que não lhes era possibilitado receber. A liberdade de deslocamento dessas mulheres,
empregadas domésticas em sua maioria, era controlada, assim como o seu modo de vestir.
A mulher branca – no período colonial do Brasil e mesmo na República –
casava por conveniência econômica, quase sempre com parentes, para reforçar os laços
familiares, mas especialmente para preservar o patrimônio da família. Assim sendo, aquelas
mulheres que não desejassem participar desse pacto familiar eram enviadas para os conventos,
para evitar casamentos inter-raciais.
Com o passar do tempo, pouco a pouco a mulher conquistava o seu espaço,
ainda que fosse apenas como participante de atividades eclesiásticas, mas já tinham uma
participação publica, buscando cada vez mais seu espaço na sociedade.
3. Têm-se relatos de que a primeira manifestação legal, no Brasil, veio com a
Constituição de 1824. A partir de então, as demais Constituições outorgadas, paulatinamente
viriam a tornar iguais os direitos entre o homem e a mulher.
É necessário ressaltar que o conceito da igualdade jurídica não deve ser
analisado no sentido de uma igualdade absoluta, igualitária, no critério matemático, sem
distinções, mas sim no sentido de uma igualdade relativa e proporcional. Nesse sentido, não
se deve criar uma falsa idéia da igualdade absoluta, como se todos fossem iguais em tudo.
4. Dentre tantas explanações acerca da evolução dos direitos da mulher,
foram apresentadas questões referentes ao direito do trabalho. O Estado não interferia nas
relações jurídicas de trabalho, permitindo toda sorte de exploração. As mulheres eram
remuneradas ao livre arbítrio dos patrões, eram desprezadas e colocadas em postos inferiores,
com menores salários; as menos instruídas eram consideradas aptas somente em certos
períodos de sua vida, ou seja, quando jovens e solteiras, exercendo apenas um tipo de
atividade sem qualquer profissionalização.
O que trouxe, de certa forma, a conclusão de que a legislação protetiva do
trabalho da mulher vem sofrendo um processo de reformulação que se reflete,
significativamente, no seu acesso ao emprego e no nível de produção do país. Desde a
antiguidade, a mulher sempre contribuiu com sua força de trabalho, quer nos encargos
familiares, quer no auxílio ao seu companheiro.
5. Ao dissertar sucintamente sobre o Código Civil de 1916 e também sobre o
Novo Código Civil, é possível observar mudanças no que se refere ao direito feminino. É
importante, porém, ressaltar que questões polêmicas e necessárias a qualquer legislação
atualizada infelizmente não foram tratadas pelo legislador federal, que se limitou a
acompanhar a evolução dos costumes já existentes há décadas no seio social, rebocado que foi
pelo turbilhão da evolução humana, perdendo a fabulosa oportunidade de criar algo de fato
novo.
Vale dizer que a nova legislação traduziu e regulamentou fatos e situações
que já vinham ocorrendo “in concreto”, reconhecidas, muitas vezes, pelos próprios Tribunais
do País mediante provocação da sociedade.
Todavia, discorrer a respeito da alteração do Código Civil e comparações
entre o antigo e o novo, levaria ao desenvolvimento de um outro estudo, visto a sua
complexidade, críticas e questões verdadeiramente polêmicas que ainda estão sendo
discutidas por juristas, atualmente.
6. No que se refere aos direitos da personalidade, a Constituição Federal
preceitua que todos são iguais em direitos, tutelando da mesma forma para o homem e a
mulher, o direito à vida, à honra, à identidade pessoal, à intimidade, dentre outros.
O direito à intimidade sexual é direito de personalidade, que dá segurança
quanto à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, que é a base jurídica para a
construção do direito à orientação sexual. É um direito personalíssimo, inerente à pessoa
humana.
Antigamente, a mulher era vista como utilidade para procriar. Hoje, a
mulher tem o direito de ter sua opção sexual e ter ato sexual prazeroso. Indivíduos de ambos
os sexos passaram a ter a opção de tecer e suster uma relação sexual além da simples
necessidade de reprodução, inclusive com pessoa do mesmo sexo, o que não afronta os
conceitos das sociedades historicamente desenvolvidas.
O novo Código Civil trouxe uma inovação no que se refere aos direitos da
personalidade e a mulher, quando dispõe que no enlace matrimonial tanto o homem, quanto a
mulher, podem acrescer ao seu sobrenome o do outro cônjuge.
A mulher sempre acrescentou o apelido de família do marido ao seu quando
da mudança do seu estado civil, não cabendo ao marido a mesma situação, o que gerava
discussões na vida cotidiana, sobre a obrigatoriedade desse acréscimo. Todavia, o Código
Civil, trouxe a facultatividade para acréscimos do apelido de família e também oportunizou
igualmente o direito, podendo o marido acrescer ao seu nome, o apelido de família da
mulher.
7. Durante muito tempo a humanidade caminhou tratando os homens de
forma desigual, dividindo-os em livres e escravos, nobres e plebeus, negando a algumas
classes a condição de pessoa, e chegando a tratá-los como objetos e animais. Desde épocas
muito antigas, portanto, já existiam os excluídos.
Mas é a partir do século XIX que se passou a questionar o princípio da
igualdade formal, pois os homens são essencialmente iguais; no entanto, existem diferenças
que são decorrentes de fatores naturais ou sociais. Os homens possuem diferente capacidade
física e intelectual, em inteligência e caráter.
Todos os homens considerados, quanto à sua natureza, são iguais e desiguais.
Iguais quanto à liberdade, o direito aos socorros públicos, e o direito de defesa, entre outras
prerrogativas. Se a lei tratasse igualmente fatos desiguais seria injusta e desigual.
A mulher em toda sua evolução sempre buscou essa igualdade, para que
fosse tratada quanto aos direitos fundamentais e da personalidade da mesma forma que
homem. Toda vez que o legislador ordinário der causa a desigualdades não aceitas pela Lei
Maior, quer editando normas de conteúdo discriminatório que a contrariam, quer aplicando a
norma de forma discriminatória e inconstitucional, ocorrerá ruptura da ordem jurídica.
Dessa forma, atingiu-se o objetivo proposto, que consistiu em demonstrar
que durante anos, praticamente desde os primórdios da civilização, a mulher foi cerceada em
seus direitos.
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