Nº 343 Abril / 2009 FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS issn 1234-5678 análise de conjuntura Em nota de conjuntura, Carlos Eduardo Gonçalves afirma que a expansão monetária em curso mundo afora, fundamental para preservar o nível de atividade, não deve ter consequências inflacionárias preocupantes no médio prazo. José Francisco de Lima Gonçalves faz uma análise crítica quanto à postura conservadora do COPOM, baseando-se em seu Relatório de Inflação de março de 2009 e de suas recentes decisões quanto à taxa Selic. Simão Davi Silber questiona as previsões do FMI para o crescimento do PIB mundial em 2010, dada a falta de coordenação internacional para formular e aplicar políticas econômicas que combatam a crise vigente, além de analisar as perspectivas para o setor externo brasileiro. temas de economia aplicada Fernando Homem de Melo defende a possibilidade de crescimento do setor agrícola baseado numa nova demanda por biocombustíveis, apesar da atual crise de crédito. Dante Mendes Aldrighi discute o novo programa de ajuda aos bancos do governo dos EUA anunciado por Timothy Geithner, Secretário do Tesouro, no dia 23 de março. Otaviano Canuto analisa as perspectivas para os países em desenvolvimento, para o período posterior à crise financeira atual. Maria Helena Zockun contrapõe os objetivos principais de uma possível reforma tributária ao ideal de autonomia dos Estados para avaliar as diferentes propostas de mudança. Antonio Lanzana e Luiz Martins Lopes analisam o impacto da atual crise no Brasil, ressaltando a importância da estabilização da economia para a retomada do crescimento. Ana Maria de Paiva Franco, no segundo artigo, da série de três, compara diferentes métodos para estabelecer rankings de escolas segundo o critério da adequação para nortear políticas públicas. Leandro Martins resume seu livro, Aprenda a investir – saiba onde e como aplicar seu dinheiro, o qual tem por objetivo ensinar o público em geral a investir. Rodrigo Octavio Marques de Almeida descreve comportamentos cíclicos econômicos e de preços de diferentes ativos, destacando como a compreensão dos mesmos permite uma alocação tática de carteiras de investimento. Nº 343 ABRIL DE 2009 INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO ANÁLISE DE CONJUNTURA issn 1234-5678 nota de conjuntura .......................................................................................................... 3 Carlos Eduardo Gonçalves política monetária............................................................................................................ 5 José Francisco de Lima Gonçalves CONSELHO CURADOR Hélio Nogueira da Cruz (Presidente) Andrea Sandro Calabi Juarez B. Rizzieri Joaquim José Martins Guilhoto Ricardo Abramovay Simão Davi Silber Vera Lucia Fava setor externo...................................................................................................................... 7 Simão Davi Silber DIRETORIA TEMAS DE ECONOMIA APLICADA 9 ................ safra 2008/2009: os dados indicam significativa redução do ímpeto do crescimento agrícola (4) DIRETOR PRESIDENTE Carlos Antonio Luque DIRETOR DE PESQUISA Eduardo Haddad Fernando Homem de Melo 12 .................................... o programa de investimento público-privado de Geithner Dante Mendes Aldrighi DIRETOR DE CURSOS Cicely M. Amaral 16 ..................................................... the developing world in a post-bubble economy Otaviano Canuto 18 ......................... as propostas de reforma tributária do Executivo e do Senado e o federalismo fiscal no Brasil Maria Helena Zockun PÓS-GRADUAÇÃO Dante Mendes Aldrighi SECRETARIA EXECUTIVA Domingos Pimentel Bortoletto 22 .................... estabilização, crescimento e impactos da crise sobre o País em 2009 Antonio Lanzana, Luiz Martins Lopes 28 ................... uma análise de rankings de escolas brasileiras com dados do SAEB PReparação de originais e revisão Alina Gasparello de Araujo Ana Maria de Paiva Franco 32 ........................................................................................................... aprenda a investir Leandro Martins 36 ........................ ciclos econômicos de longo prazo e o comportamento cíclico dos ativos financeiros EDITOR CHEFE Gilberto Tadeu Lima CONSELHO EDITORIAL Heron Carlos E. do Carmo Lenina Pomeranz Luiz Martins Lopes José Paulo Z. Chahad Maria Cristina Cacciamali Maria Helena Pallares Zockun Simão Davi Silber Rodrigo Octavio Marques de Almeida AS IDÉIAS E OPINIÕES EXPOSTAS NOS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DOS AUTORES, NÃO REFLETINDO A OPINIÃO DA FIPE ASSISTENTE Maria de Jesus Soares PROGRAMAÇÃO VISUAL E COMPOSIÇÃO Sandra Vilas Boas análise de conjuntura Carlos Eduardo Soares Gonçalves (*) nota de conjuntura: economistas esquizofrênicos Os números do balancete do FED deixam isso bem claro. Antes da falência do Lehaman Brothers – episódio divisor de águas desta crise – os ativos do banco central dos EUA não chegavam a U$ 1 trilhão de dólares. Hoje, eles são de U$1.9 trilhão, e prometem crescer muito mais. Somando-se a este número o U$ 1 trilhão reservado para o TALF, e mais algo de similar magnitude que o FED está planejando usar para comprar títulos longos do tesouro (que serve de referência para os empréstimos de longo prazo ao setor privado) e papéis das gêmeas Mae e Mac, terminamos com a bagatela de U$ 4 trilhões. Adicione a isso o fato de que o juro nominal é zero, e temos um quadro de muita moeda na economia. Mas o ponto é que sem este empuxo monetário, a economia demoraria muito mais para se recuperar, o que torna quase óbvia sua necessidade! É demonstração de esquizofrenia pedir aos bancos centrais que nos salvem da depressão econômica e ao mesmo tempo nutrir preocupação excessiva com o impacto das medidas de política sobre o futuro da inflação. Se o mundo acabar antes, não vai ter inflação lá na frente. Voltando à pergunta da hora: tamanha expansão monetária pode acabar afetando a taxa de inflação mais à frente? Minha resposta: em alguma medida sim, mas, e daí? “Em alguma medida sim” merece uma explicação melhor. O ponto é que não é claro que a inflação virá mesmo a ser um problema no futuro por um motivo simples: a mão que dá, pode também ser a mão que retira. Ben Bernanke já deixou isso muito claro quando em fevereiro deste ano afirmou ser muito importante, a partir do momento em que o crescimento seja retomado, mudar o curso de ação do FED, retirando o estímulo monetário da economia. Para os céticos, transcrevo aqui parte do seu pronunciamento: “nós temos muitas outras ferramentas, tais como a possibilidade de ajustar a taxa de juros que remunera as reservas bancárias, que podem nos ajudar a elevar a taxa de juros, mesmo que talvez seja difícil reverter a expansão tão rápido quanto queiramos”. abril de 2009 Ainda que o mundo esteja afundado na lama da recessão, alguns economistas já se preocupam com o futuro da inflação depois que a atividade começar a se recuperar – o que, segundo os otimistas, poderia ocorrer já em 2010. O motivo é o massivo impulso monetário engendrado por diversos bancos centrais mundo afora. De fato, nos últimos trimestres, a expansão monetária levada a cabo nos EUA como resposta das autoridades ao risco de uma depressão econômica e falência do sistema de crédito, foi maciça. 3 Agora vejamos o: “mas e daí?”. 1 As opiniões contidas nesta nota são de responsabilidade do autor. Inflação é algo ruim quando é fruto de uma consistente incapacidade dos governos de viver dentro dos limites permitidos por sua arrecadação de impostos tradicionais. Quando a posição fiscal é estruturalmente desregrada, como na América Latina dos anos 80, a inflação assume proporções preocupantes, desorganiza a economia e piora a distribuição de renda. Daí nossa justificável aversão a ela. Mas não se deve exagerar na avaliação dos custos da inflação quando abril de 2009 ela é baixa, principalmente em um mundo no qual o gerenciamento da política monetária se tornou mais eficiente e independente nas últimas décadas. 4 Meu Deus, estamos com medo de que por conta de tanta expansão monetária a inflação passe de 1% ou menos para algo como 5%!? Não conheço nenhuma evidência empírica ou modelo teórico que justifique esta preocupação, apesar de conhecer várias justificando a preocupação com as consequências de uma ruptura do funcionamento dos mercados de crédito. Isso não é uma defesa do tradicional argumento “um pouquinho mais de inflação é bom porque compra mais crescimento”, pois não acredito nesta troca em condições normais de temperatura e pressão. Contudo, é, sim, uma defesa das medidas de injeção de liquidez da economia para salvaguardar um dos motores do crescimento de longo prazo, o mercado privado de crédito, ainda que elas impliquem um pouco mais de inflação alguns anos mais adiante. (*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP e Economista do Grupo de Conjuntura da Fipe. (E-mail: [email protected]). José Francisco de Lima Gonçalves (*) política monetária prelúdio Éramos três. Um, cujo nome meu Alzheimer me impede de lembrar, a competente Rosenberg e nós. Segundo levantamento de prestigiosa agência de notícias e informações financeiras, três entre “trocentos” analistas, consultores, estrategistas etc., entendíamos que cabia um corte na taxa Selic em dezembro de 2008. A pesquisa Focus do BACEN dava como mediana a manutenção da taxa em 13,75%. Alguns “monstros do mercado” falavam em choque de juros – para cima – uns dias antes. Eram os mesmos que vendiam dólares a R$ 1,65 em setembro. cerca de R$ 800 milhões. Efeito sobre a inflação? IPCA abaixo de 4%: mudança na poupança, Selic abaixo de 8%, nova meta? No Relatório de Inflação de março de 2009, o COPOM reconhece a melhor perspectiva para a inflação em 2009 e 2010 e retoma dois riscos, nenhum novo. O primeiro ainda é o referente ao efeito da taxa de câmbio sobre os preços domésticos e o segundo ainda é o referente à incerteza sobre o nível de atividade econômica. De passagem, o COPOM indica uma possível piora nas contas públicas. A ameaça do câmbio ainda persiste, segundo o COPOM. Defasagens e incertezas sobre o patamar aos preços. A ameaça da demanda ainda persistiria. Os sólidos fundamentos da economia brasileira, na avaliação do COPOM, devem conduzir a uma retomada do crescimento tão logo os sinais de que o ponto mais delicado da crise financeira internacional apareça e os agentes econômicos abandonem a postura defensiva que têm adotado desde o último trimestre de 2008. O raciocínio é simples: ao atribuir-se à crise internacional papel preponderante na desaceleração da economia brasileira e na redução da inflação, a melhora externa, principalmente se não for forte o suficiente para que o financiamento do balanço de pagamentos seja feito com folga, vai bater no câmbio e na inflação. Ainda há, ressalta o COPOM, a ameaça do crédito, seja pela redução da taxa Selic, seja pela possibilidade de ampliação significativa de operações no mercado de capitais. abril de 2009 Escrevemos neste espaço, e nossos solitários parceiros na divergência não têm nada a ver com o que segue, que a postura do COPOM era uma contradição em termos, dado seu substrato neoclássico, expectativas não viesadas e quejandos. Havia um encontro marcado entre o dinheiro-liquidez e o dinheiro-demanda. E o encontro ocorreu.1 O adiamento da redução custou de “equilíbrio”, bem como o fato de que o câmbio estava valorizado à época da maxidesvalorização estariam adiando o repasse da maxidesvalorização De qualquer modo, a situação é melhor e o risco de inflação mais baixo do que anteriormente. Com a inflação esperada indo para baixo do centro da meta, cabe prosseguir com a redução da Selic. A ressalva feita a partir da redução da Selic a 11,25% (2,5% de queda desde janeiro) é indicadora dos novos riscos: “além do fato de que mudanças da taxa básica de juros têm efeitos sobre a atividade e a inflação que se acumulam ao longo do tempo, a avaliação do Copom sobre o espaço para flexibilização monetária adicional também leva 5 em conta aspectos, resultantes do longo período de inflação elevada, que subsistem no arcabouço institucional do sistema financeiro nacional.” Fala-se da poupança e, talvez, de outras instituições menos notáveis. De fato, para se fazer política monetária, no limite, os juros nominais podem ir a zero. Fica difícil com ativos que têm remuneração nominal positiva fixada por lei. Antes disso, a concorrência que a poupança pode fazer aos fundos que carregam boa parte da dívida pública é evidente. Alguma mudança é necessária: muda-se alta, quem vai argumentar por meta de 4,5% para o IPCA, se ele ficar abaixo de 4% em 2009 e abaixo do centro da meta em 2010? 1 Que o BACEN tenha atuado, com nosso aplauso, nos compulsórios e na promessa de rolagem da dívida externa privada só acentua a contradição em termos. abril de 2009 a poupança ou interrompe-se a queda da Selic em algum ponto bem antes dos 8%. É óbvio que há soluções técnicas para o impasse que se tenta criar. Remunerar o pequeno poupador, manter a tributação do rendimento financeiro dos demais e viabilizar o financiamento da dívida pública não parece ser uma situação de mais incógnitas do que equações. O problema é que há muita gente que não sabe o que é incógnita e pode até supor que saiba o que é equação. Existe uma maneira “chique e soberana” de explicar para o pequeno poupador que a regra da poupança vai mudar? E às vésperas da campanha presidencial? Se o presidente Lula conhece os corações, as mentes e os fígados de seus eleitores, qualquer mudança fica para depois. Parece que ficaremos com a Selic acima de 8,5% ou 9%, conforme o gosto do freguês (a taxa de indiferença entre poupança e fundos DI). Isto pode ser compatível com nova meta de inflação. Senão, vejamos. Uma Selic mais alta do que seria possível – pela, digamos, restrição institucional – vai forçar a inflação para baixo dos 4%, pelos efeitos contracionista na demanda e de arbitragem no câmbio. Como o governo não se conforma com a perspectiva de um PIB em queda − e ainda precisa apostar no sucesso do anticíclico PAC −, ao aceitar uma Selic mais 6 (*) Professor do EAE/FEA/USP e economista-chefe do Banco Fator. (E-mail:[email protected]). Simão Davi Silber (*) setor externo A obtenção de um modesto crescimento em 2010 parte da hipótese de que as medidas de política monetária e fiscal já adotadas em grande número de países sejam suficientes para reverter o resultado negativo de 2009. Trata-se de uma hipótese otimista, dada a falta de acordo e coordenação entre os principais países do mundo de como enfrentar a crise financeira mundial. A reunião do G-20 deu uma clara indicação da falta de coordenação de política macroeconômica internacional, onde cada país ou região escolheu um mix de política monetária e fiscal local e não conseguiu convencer seus parceiros a adotar políticas semelhantes. Esse é o grande problema das últimas quatro décadas da política macroeconômica internacional. Desde que se optou pelo regime de câmbio flutuante no mundo, há muito maior liberdade para as políticas domésticas e pouco estímulo para a cooperação internacional. Em períodos de crise, o resultado é muito mais visível: cada país persegue objetivos nacionais, em detrimento de uma solução cooperativa. O único resultado visível da Cúpula do G-20 foi o de fortalecer uma instituição criada em 1944: o FMI; sabe-se lá quando as promessas de capitalizar o Fundo se materializarão. Mesmo que as medidas surtam o efeito estimado, a recuperação estimada para a economia mundial está aquém do crescimento dos últimos anos, situado em 5% ao ano, e do padrão histórico do período pósguerra, no qual o crescimento médio da economia mundial foi de 3,9% ao ano. A recuperação do crescimento sustentado da economia mundial só ocorrerá quando for reduzido o enorme desequilíbrio que se materializou na última década: um enorme déficit fiscal e de balanço de pagamentos dos Estados Unidos, financiado pela Ásia e países exportadores de petróleo. Essa é uma situação insustentável a longo prazo e envolve decisões drásticas de redução do déficit público nos Estados Unidos e apreciação cambial das moedas dos países superavitários. Não será uma solução que ocorrerá em 2009, dada a magnitude da crise mundial, e cada país deverá continuar procurando soluções domésticas para seus problemas de curto pra- abril de 2009 As previsões para o desempenho da economia mundial em 2009 só têm paralelo com o que aconteceu na época da “Grande Depressão” dos anos 30. Pela primeira vez é projetado um crescimento negativo do PIB mundial, com recessão aberta nos países desenvolvidos e forte desaceleração do crescimento nos países em desenvolvimento. O relatório preparado pelo Fundo Monetário Internacional para a reunião do G-20, realizada em Londres entre 13 e 14 de março passado, estima queda do crescimento mundial de -1% para 2009 e modesta recuperação para 2010, na qual o crescimento se situaria em 1,5%. Por regiões, o resultado mais dramático seria o do Japão, com queda estimada de 5,8% do PIB em 2009, e o país continuaria em recessão em 2010. O Japão foi o país rico mais atingido pela crise, já que sua recuperação ao longo do período 2003-2007 foi baseada em forte crescimento das exportações, que entraram em colapso no segundo semestre em 2008. Aliás, deve-se apontar que a Organização Mundial do Comércio estima que em 2009 haja uma queda do comércio mundial de -9,1%. Os resultados projetados para a União Europeia e Estados Unidos também são de recessão em 2009: quedas de 2,6% do PIB dos Estados Unidos e de 3,2% para a União Europeia e crescimento próximo a zero em 2010. Para os países em desenvolvimento, a trajetória é semelhante, jogando por terra a ideia de que tais países haviam se “descolado” do desempenho dos países desenvolvidos. A previsão para 2009 é de que o PIB dos países em desenvolvimento cresça 1,5% e passe para 3,5% em 2010, portanto muito distante do resultado expressivo de crescimento do PIB de 2007, de 8,3%. 7 zo de desemprego e nível de atividade. Dificilmente a economia mundial apresentará nos próximos anos o desempenho exuberante do período 2003-2007. abril de 2009 Os efeitos da crise no Brasil foram fulminantes: houve uma “parada súbita” da economia no último trimestre de 2008, e as medidas tópicas de política fiscal e a modesta redução da taxa de juros não estão sendo capazes de reverter a queda do nível de atividade. As previsões para esse ano são de recessão aberta: a última estimativa de mercado do Relatório Focus indica uma queda do PIB total de -0,2% e de -3% para a produção industrial. A demanda do setor privado apresentou redução drástica no último trimestre do ano passado: o consumo do setor privado, que vinha crescendo a uma taxa anualizada de 7% no terceiro trimestre do ano passado, teve uma queda para 2,3% no último trimestre, e as taxas de crescimento anualizadas dos investimentos na formação de capital fixo caíram de 18,1% para 4,5%. Como a política fiscal não tem grande espaço para uma política anticíclica, o que se observa é uma improvisação de isenções e realocação de carga tributária, sem uma política abrangente de enfrentar a queda da produção e o aumento do desemprego, que saiu de 6,8% em dezembro do ano passado para 8,5% em fevereiro de 2009. A produção industrial brasileira foi a que mais sentiu a queda de demanda: a produção de bens de consumo duráveis, no primeiro bimestre de 2009, está 29% inferior a idêntico período do ano anterior, e a produção interna de bens de capital está 25% inferior à do ano passado. No setor externo da economia brasileira, as quedas também são muito significativas: o balanço comercial, que atingiu US$ 24,7 bilhões em 2008, deverá se contrair para US$ 15 bilhões. Está havendo uma queda simultânea das exportações e importações brasileiras: no primeiro trimestre de 2009, as exportações brasileiras ficaram 19,4% menores que as observadas no mesmo período do ano passado; as importações caíram 21,4%. Nesse ritmo, as exportações brasileiras em 2009 deverão atingir o nível de US$ 160 bilhões, frente aos US$ 197 bilhões atingidos em 2008; as im- portações deverão cair para US$ 145 bilhões, frente aos US$ 173 bilhões observados em 2008. O déficit na conta serviços e rendas terá uma redução importante em 2009, principalmente pela redução da remessa de lucros e dividendos para o exterior. No ano passado, as remessas líquidas nessa rubrica foram de US$ 33,8 bilhões, devendo cair para o nível de US$ 15 bilhões. Com isso, o déficit em transações correntes deverá ser de US$ 22,5 bilhões, menor que o observado em 2008, quando atingiu US$ 28,3 bilhões. Na conta capital e financeira, a grande mudança ocorrerá no investimento direto estrangeiro: do fantástico nível de 2008, quando atingiu a marca de US$ 45 bilhões, espera-se para esse ano que o nível se situe em US$ 22 bilhões, suficientes para financiar o déficit no balanço de pagamentos em transações correntes. Não se deve esperar nenhuma entrada significativa de recursos em capital de portfólio (bolsas e títulos públicos), oposto do que ocorreu no ano passado, em que houve um ingresso líquido de US$ 6 bilhões. A taxa de câmbio depois da volatilidade apresentada no último trimestre do ano passado trocou de patamar e tem apresentado oscilações modestas entre R$/US$ 2,2 e 2,3. O montante de reservas continua no patamar dos US$ 200 bilhões e a dívida externa líquida está em US$ 60 bilhões, portanto desprezível do ponto de vista da capacidade de pagamentos externos do País. Por essas razões, o risco Brasil está abaixo de 400 pontos, indicando que o País exibe pequeno grau de vulnerabilidade externa. O grande problema é doméstico, no qual a política macroeconômica tem sido incapaz de sinalizar medidas concretas que possam reverter, a curto prazo, a forte queda da produção doméstica. (*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP. (E-mail: [email protected]). Os artigos da seção Análise de Conjuntura foram escritos entre 7 e 13/04/2009. 8 temas de economia aplicada Fernando Homem de Melo (*) safra 2008/2009: os dados indicam significativa redução do ímpeto do crescimento agrícola (4) A ideia era analisar os seguintes tópicos: a) da crise de 2005/2006 à recuperação em 2007/ 2008; b) o início do ajustamento contracionista verificado em 2005/2006; c) as evidências do início de um novo ciclo de crescimento; d) as razões para a retomada do crescimento agrícola e, de modo mais geral, do agronegócio; e) problemas, oportunidades e consequências, inclusive com a recente crise internacional. Este artigo concluirá a análise referente ao tópico c, através da procurada evidência final, o comportamento da safra 2008/2009 (áreas plantadas). 1. os dados mais completos do IBGE sobre a safra 2008/2009 A Tabela 1 mostra os primeiros dados mais completos do IBGE para a safra 2008/2009. Esses dados estão mostrados na coluna identificada como 2009, pois suas colheitas ocorrem ao longo desse ano, ainda que possam ter sido plantadas em 2008. Os dados foram publicados pelo IBGE no início de março de 2009. abril de 2009 Este é mais um artigo da série em que procuramos analisar as perspectivas de início de um novo ciclo de crescimento agrícola com base na definição, pelo mundo desenvolvido, de uma nova e, significativamente grande, demanda de biocombustíveis. Isso era, até setembro de 2008, fortalecido pelo expressivo crescimento da economia mundial. Já salientamos que a crise internacional, a partir daquela data, e seus desdobramentos (crédito escasso e caro, e redução das demandas) em muito prejudicou o ânimo dos produtores em plena época de plantio da safra 2008/2009. As informações da Tabela 1 parecem claras. Houve apenas um modesto crescimento da área total plantada de 0,4%, em comparação ao robusto crescimento, de 5,0%, da safra 2007/2008, plantada e, em larga parte, colhida, antes da crise internacional em 2008. Em nossa argumentação, anteriormente apresentada (a ser reapresentada nos próximos artigos), a nova demanda mundial de biocombustíveis, além do álcool (cana-de- 9 açúcar), deveria, direta ou indiretamente, beneficiar o setor de grãos no Brasil, principalmente milho e soja (álcool e biodiesel) através de preços maiores no mercado internacional. abril de 2009 tabela 1 – estimativas do IBGE para as variações de áreas plantadas em 2007/08 e 2008/09 (em %) 10 PRODUTOS TOTAL Algodão Herbáceo Amendoim Arroz Batata Café Cana-de-açúcar Cebola Feijão Mandioca Milho Soja Trigo 2008 5,0 - 4,8 - 1,2 - 1,8 16,5 - 0,8 4,4 3,4 28,2 2009 0,4 - 15,8 - 1,2 1,3 - 4,0 - 2,7 2,4 2,2 9,3 zero - 1,9 1,2 - 0,6 Em nossa análise sobre o início de um novo ciclo de crescimento agrícola preferimos utilizar a área plantada como o principal indicador. No caso de grãos apenas, o crescimento da taxa em 2008/2009 ficou em 0,5% (CONAB). Entretanto, em termos de produção de grãos houve uma queda de 6,1%. Essa discrepância é explicada por fatores climáticos desfavoráveis na região Sul (seca) e menores produtividades causadas pela menor utilização de fertilizantes (-8,9%), com preços bem mais elevados. Este último fator já é resultado da crise econômica, através da aguda escassez de crédito após setembro de 2008. Em resumo, essas evidências ainda não invalidam nossa avaliação de um novo ciclo de crescimento agrícola. Elas indicam, sim, uma substancial redução do ímpeto desse crescimento, situação causada principalmente pela crise internacional e seus desdobramentos internos (escassez de crédito). É o caso de continuarmos acompanhando as novas evidências, pois os preços de fertilizantes já estão menores que em 2008. Fonte: IBGE, março de 2009. É, entretanto, impressionante a redução do crescimento da área plantada com cana-de-açúcar: de 16,5% na safra 2007/2008 para apenas 2,4% em 2008/2009. Tudo indica que o setor, largamente baseado em grandes propriedades, foi duramente atingido pela crise do crédito. Adicionalmente, o milho passou de um crescimento de área de 4,4% em 2007/2008 para um declínio de 1,9% em 2008/2009. A soja, demonstrando maior resistência frente à crise, teve um comportamento relativamente melhor que cana-de-açúcar e milho: essa cultura reduziu sua taxa de crescimento de 3,4% em 2007/2008 para 1,2% em 2008/2009. A tradição exportadora, assim como a organização de toda a sua cadeia, é muito superior à do milho. Esse produto apenas recentemente passou a ser exportado. Nessas condições, o repasse de variações de preços internacionais e da taxa de câmbio é diferente entre os dois produtos, melhor para a soja. O crescimento da área de arroz, de 1,3%, está de acordo com as expectativas. De outro lado, a área com trigo (redução de 0,6%) ainda está em aberto, pois reflete apenas uma intenção de plantio. Segundo o Valor Econômico (10/03/09) sua área poderá crescer até 10%. A definição de preços mínimos para essa cultura reforça essa expectativa. O mesmo se fala do milho safrinha, principalmente no Paraná. 2. os novos dados de preços internacionais e câmbio Seguindo a metodologia anteriormente definida, apresentamos, na Tabela 2, a atualização dos preços dos principais grãos cotados em bolsas internacionais e, direta ou indiretamente, afetados pelos programas de bioenergia dos países desenvolvidos. Nosso objetivo é a busca de um novo equilíbrio de preços após o início da severa crise internacional em setembro de 2008. Agora, um novo fator começa a afetar os preços relativos: as intenções de plantio nos Estados Unidos, país que, dada sua importância, tem condições de influenciar os preços internacionais. Uma primeira estimativa foi divulgada pelo USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) em 31 de março último. As primeiras informações (Agricultural Outlook Fórum) de fevereiro passado indicavam estabilidade da área com milho, enquanto trigo, algodão e amendoim cederiam áreas para a expansão da soja. No caso do USDA as estimativas em 31 de março eram: soja, 0,7%; milho, -1,1%; trigo, -7,0%; algodão, -7,0%. Os preços nas bolsas internacionais tiveram forte alta em 31 de março último. É preciso aguardar um pouco mais. tabela 2 – preços de grãos nas bolsas internacionais (US$/t) Algodão Soja Trigo Milho 2003 1.316 233 123 92 2004 1.227 277 127 99 2005 1.106 223 117 82 2006 1.151 218 148 103 4º/2006 1.114 235 181 136 2007 1.261 316 234 147 2008 1.403 451 294 207 1º/2008 1.577 499 343 226 2008/09 1.342 413 264 213 2008/10 1.102 339 209 162 2008/11 930 329 198 147 2008/12 982 317 195 141 Será que o fundo do poço do mercado internacional já foi alcançado? O mesmo Agricultural Outlook Forum nos Estados Unidos em fevereiro último menciona uma utilização de 104 milhões de toneladas de milho para a produção de etanol em 2009, contra uma previsão mais pessimista, de 91 milhões de toneladas há poucos meses. O preço do milho na Bolsa de Chicago teve uma pequena alta neste mês de março. Visando conseguir uma evidência que nos aproxime da resposta à indagação feita acima, comparamos a seguir as médias dos preços dos quatro grãos da Tabela 2 no primeiro trimestre de 2009 com o último trimestre de 2008. Nossa hipótese é de que este último período foi o fundo do poço: 4º/2008 1.005 328 201 1150 2009/01 1.079 364 216 154 2009/02 1.014 344 197 143 • Soja: 5,8% 2009/03 940 334 191 148 • Trigo: zero 1º/2009 1.011 347 201 148 • Algodão: 0,6% • Milho: - 1,1% Fontes:Bolsas de Chicago e Nova York; nossa elaboração. • 01/09: R$ 2,3044 / US$ • 02/09: R$ 2,3146 / US$ • 03/09: R$ 2,3130 / US$ • MÉDIA 1º/2009: R$ 2,3107 / US$ Na comparação com a média do primeiro trimestre de 2008, a depreciação do real foi de 33,1%. Portanto, lenta e gradualmente, a depreciação de nossa taxa de câmbio vai compensando a queda dos preços internacionais após setembro de 2008. Portanto, com a exceção do milho, os dois primeiros grãos tiveram preços maiores agora em 2009. O do trigo ficou estável. É claro que essa não é uma evidência conclusiva, mas corrobora a hipótese de que o último trimestre de 2008 pode ter sido o fundo do poço. A recente reação dos preços do milho na Bolsa de Chicago poderá, logo, retirar a variação negativa de seu preço. Entretanto, novas observações serão necessárias para maior convicção. abril de 2009 Três dos quatro grãos, algodão, soja e trigo, conforme mostrados na Tabela 2, tiveram em março uma pequena queda em seus preços nas bolsas internacionais na comparação com os de fevereiro. O milho teve uma pequena alta. O nosso índice de preços internacionais que inclui, além dos quatro grãos indicados, os preços de café, açúcar, suco de laranja e cacau também teve uma pequena redução em março, de 1,1%, após a alta de 9,9% em janeiro e a queda de 2,9% em fevereiro. Aparentemente, os preços ainda estão em processo de ajuste. Com relação à taxa de câmbio os respectivos valores foram os seguintes: (*) Professor Titular do Departamento de Economia da FEA-USP e Pesquisador da FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. (E-mail:- [email protected]). 11 Dante Mendes Aldrighi (*) abril de 2009 o programa de investimento público-privado de Geithner O Secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, anunciou, no dia 23 de março, o novo programa de ajuda aos bancos, intitulado “Public-Private Investment Program” (PPIP). O programa tem como missão fornecer condições e incentivos para que os bancos retomem a concessão de empréstimos ao setor privado. o FED e o Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) para promoverem a “limpeza” dos balanços bancários por meio da concessão de empréstimos subsidiados e de garantias de empréstimo a investidores privados que adquirirem esses ativos problemáticos. O diagnóstico que fundamenta o programa é que a permanência dos empréstimos problemáticos e dos ativos tóxicos nos portfólios dos bancos paralisa o em ativos ruins dos bancos, notadamente ativos relacionados a hipotecas, que constituem o cerne da atual fragilidade dos bancos. O Legacy Loans Program consiste na oferta pelos bancos de pacotes de hipotecas para venda em leilões organizados pelo FDIC, que, ademais, supervisionará os fundos de investimento público-privado (PPIFs), constituídos com o propósito de adquirirem esses ativos. Os incentivos principais para atrair capital de investidores privados (como, por exemplo, fundos de investimento, fundos de pensão, hedge funds, private equity funds, investidores estrangeiros, investidores individuais e até mesmo outros bancos) para estes fundos são garantias de dívida do FDIC e coinvestimento do Tesouro: o FDIC assegura uma alavancagem de até seis vezes o capital investido, desembolsado na mesma proporção pelos investidores privados e pelo Tesouro. Assim, o FDIC garante empréstimos até 85,8% do preço de compra de cada portfólio de hipotecas, e o Tesouro e investidores privados investem, cada, 7,1% na forma de capital. mercado de crédito, obstruindo a reativação da economia. Entretanto, os bancos não se desfazem desses ativos porque os valores que potenciais investidores pagariam por eles estariam exageradamente depreciados, por causa tanto do agravamento do problema da seleção adversa (a assimetria de informações entre bancos e investidores sobre o valor e risco dos ativos dos primeiros) como do elevado nível de incerteza no ambiente macroeconômico e político, reforçando a aversão ao risco dos investidores. Vendendo seus ativos problemáticos aos preços correntes de mercado, os bancos teriam que reconhecer as correspondentes perdas em seus balanços, forçando aqueles com carteiras mais problemáticas a levantar mais capital em um contexto em que os mercados financeiros estão travados. Com o diagnóstico de que o empecilho principal à concessão de novos empréstimos bancários reside na retenção nas carteiras dos bancos dos legacy loans e legacy securities (eufemismos empregados pelo Tesouro para designar os empréstimos podres e os títulos tóxicos lastreados em hipotecas residenciais e comerciais emitidos antes de 2009), o PPIP mobiliza o Tesouro, 12 O PPIP compreende dois programas que, conjuntamente, podem financiar a compra de até US$1 trilhão No próprio anúncio do PPIP, o Tesouro explica o legacy loans program por meio da situação hipotética de um banco que quer se desfazer de uma carteira de hipotecas residenciais com valor de face de $100. O banco recorre ao FDIC, que se dispõe a alavancar a carteira com uma relação dívida/capital de 6 para 1 e, em seguida, promove o leilão. Aquele que oferecer a maior quantia — no exemplo, $84 — tem o direito de formar um FIPP para adquirir a carteira de hipotecas. Dos $84 do preço de compra, $72 provêm de financiamento com garantia do FDIC e os $12 restantes representam capital, com o Tesouro contribuindo com 50% ($6). O investidor privado seria responsável pela gestão do serviço da carteira de ativos, e seus gestores têm que ser aprovados e serão supervisionados pelo FDIC (ver www.treas.gov/press/releases/tg65.htm). O outro programa que constitui o PPIP, denominado Legacy Securities Program, visa atrair capital privado para a aquisição de títulos lastreados em hipotecas (mortgage-backed securities). Para isso, o Tesouro fornece capital na mesma proporção dos investidores privados para a constituição de PPIFs, abertos também a investidores individuais. Mas além destes dois programas, o Tesouro, em parceria com o Federal Reserve, podem disponibilizar adicionalmente quase US$1 trilhão na compra de legacy securities por meio da Term Asset-Backed Securities Loan Facility (TALF), uma linha de financiamento já existente, mas que seria ampliada para a aquisição de MBSs. Mesmo investidores privados que não sejam parceiros do Tesouro no PPIP poderão recorrer ao TALF para adquirir títulos tóxicos. propostas ao Tesouro, que os pré-qualifica para captar capital privado visando à parceria nos programas de investimento. O Tesouro se compromete a fornecer montante de capital equivalente ao levantado pelo gestor junto a investidores privados, e também a assegurar alavancagem para o fundo proposto. Se o gestor consegue captar $100 de capital privado para o PPFI, o Tesouro coinveste $100, empresta mais $100, e pode ainda considerar uma solicitação adicional de $100. Com recursos totalizando $300 ou $400, o gestor compra títulos elegíveis do programa, que ficarão em carteira por um período longo. Se o gestor quiser, o fundo pode ter acesso também ao TALF ampliado para legacy securities. A rationale comum aos programas de legacy loans, legacy securities e TALF ampliada é liberar capital dos bancos vinculado a estes ativos para a concessão de novos empréstimos. No caso do Legacy Securities Program e do TALF ampliado, um objetivo intermediário é a reativação do mercado deste tipo de títulos. Na exposição de motivos, o Tesouro argumenta que o PPIP assenta-se em três pilares: a) Economia de recursos do contribuinte: a parceria com o FDIC e com o Fed no financiamento e o envolvimento de investidores privados possibili- abril de 2009 Segundo a Secretaria do Tesouro, os dois programas juntos poderiam financiar a compra de US$500 bilhões a US$1 trilhão de ativos problemáticos. O Tesouro aportaria recursos de capital variando entre US$75 bilhões a US$100 bilhões, provenientes do Troubled Asset Relief Program (TARP), programa de socorro financeiro aos bancos criado em outubro de 2008, no final do governo Bush, envolvendo no total cerca de US$700 bilhões, dos quais restam apenas US$300 bilhões. as seguintes etapas: gestores de fundos submetem tariam um efeito multiplicador sobre os recursos públicos alocados para o socorro dos bancos (com US$75 a US$100 bilhões de capital do TARP, o PPIP poderia disponibilizar para a compra de ativos problemáticos de US$500 bilhões a US$1 trilhão; b) Partilha de riscos e de lucros com os investidores privados que participarem do programa: investidores privados podem perder seus investimentos se os preços dos ativos adquiridos se revelarem De acordo com o exemplo da Secretaria do Tesouro, o funcionamento do Legacy Securities Program envolveria muito altos enquanto contribuintes podem lucrar no caso inverso. 13 c) Determinação dos preços dos ativos pela disputa option ao aumento da leverage depende da variância da entre investidores privados, evitando assim a in- distribuição (a sensibilidade será tanto maior quanto terferência do governo, que poderia resultar em maior o risco, medido pela variância), o governo deve limitar a alavancagem a casos em que a incerteza é baixa ou moderada. Permitindo-se alavancagem alta em situações de risco elevado, o seguro contra downside seria exagerado, implicando transferência de renda para bancos e investidores (estes pagariam muito pelos pacotes de ativos). preços elevados. a avaliação inicial do PPIP Ricardo Caballero considera que o PPIP acerta no diagnóstico e no enfrentamento da crise financeira. Para ele, a dificuldade em superá-la radica sobretudo na aversão forte e generalizada à elevada incerteza, cujo antídoto mais adequado seria o fornecimento pelo governo de seguro e garantias. O programa faz isso concedendo empréstimos governamentais do tipo non-recourse, isto é, empréstimos que, na contingência de não serem pagos, o governo só pode executar o colateral subjacente (por exemplo, a casa; se as abril de 2009 hipotecas ou os títulos gerarem perdas que excedem as perdas esperadas, o governo, e não os investidores privados, tem que assumi-las). Para Caballero, esses empréstimos reduzem o risco de perdas extremas (left-tail risk) para os investidores e elevam o retorno esperado, contribuindo para aumentar o preço de compra dos ativos e atenuando, assim, o problema de insuficiência de capital dos bancos. Michel Spence segue a mesma linha de argumentação, avaliando positivamene o arranjo do programa de combinar seguro governamental contra o risco de perdas elevadas para os investidores (via empréstimos do tipo non-recourse, que equivalem a uma put option no caso em que o valor dos ativos se revele inferior a um dado nível acordado) e warrants que se convertem em participação acionária no caso em que o valor final dos ativos excede o da dívida. A rationale do empréstimo de non-recourse é eliminar do cálculo do valor do pacote de ativos os riscos de perdas muito elevadas, tornando os ativos atraentes para os investidores. Por sua vez, dado que o governo participará em várias transações, é provável que o custo do seguro que fornece possa ser recuperado com as warrants. Uma vez que a sensibilidade do valor implícito da put 14 Por outro lado, na interpretação de outros economistas, como Krugman, Buiter, Stiglitz, e Sachs, o PPIP é inferior a outras alternativas disponíveis (como a separação do banco insolvente em duas entidades, uma retendo os ativos bons e outra sendo depositária dos ativos ruins), subestima os custos fiscais e implica uma forte transferência de riqueza dos contribuintes e governos para bancos e investidores. Para Stiglitz, o programa oferece “incentivos perversos” e representa “um roubo do povo Americano”. Buiter, por sua vez, acha assimétrica a distribuição de riscos e ganhos potenciais entre setor público (Tesouro e FDIC, no exemplo mencionado no release do Tesouro, arriscam $78 em um total de $84) e investidores privados (que arriscam apenas $6 e obtêm o mesmo lucro). No caso dos títulos tóxicos, o Tesouro arrisca capital de $300 contra apenas $100 do setor privado, mas no caso de sucesso ambos têm o mesmo retorno. Buiter lembra, também, que o FDIC não dispõe de recursos próprios para cumprir a atribuição de financiar a alavancagem do PPIP. Portanto, o custo de fornecimento de garantias caberá de fato ao Tesouro. Analogamente, o TALF ampliado será financiado pelo Fed, reforçando os temores de pressões inflacionárias no médio prazo e ecoando o questionamento do dólar como moeda de reserva internacional. Outro problema é que, entregue à iniciativa dos próprios bancos, a oferta de seus ativos problemáticos pode se revelar muito baixa. Bancos podem contabilizar os empréstimos nos balanços pelos valores contratados (e não a preços de mercado). Assim, para muitos bancos comerciais, vender seus ativos a valores depreciados os forçaria a registrar perdas contábeis elevadas, tornando improvável que muitos sobrevivam ao teste de stress que os órgãos reguladores estão para aplicar. Há dúvida também sobre se os preços dos ativos indesejáveis vão se recuperar a ponto de viabilizar o pagamento dos empréstimos. Dada a escala de seus empréstimos em relação ao capital dos investidores privados, o governo se expõe ao risco de elevadas perdas. Impelidos pelos subsídios do governo, esses investidores tenderão a oferecer pelos ativos tóxicos mais do que seus atuais valores de mercado. (*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP. (E-mail: [email protected]). abril de 2009 15 Otaviano Canuto (*) abril de 2009 the developing world1in a post-bubble economy Aggressive and innovative monetary and financial sector policy actions in developed economies have pulled the global financial system back from the brink of an abyss. But impaired assets are not yet properly valued and neutralized. And new negative feedback loops may be forming between the financial and real sectors. In any case, even after banking circuits are eventually unclogged, confidence restored, and risk appetite revived, the financial euphoria of the recent past is unlikely to revive any time soon. The changed financial landscape has several implications for the developing economies. Many features of developing economies’ recent evolution, and of their prospects, can only be fully grasped if one understands the rise of the global financial dynamics based on securitization. The boom-andbust of housing finance, shadow banking, and the myriad of financial innovations provided the turning point of an evolutionary process in finance. This process built a powerful liquidity-generating machine, whose apparently smooth handling of risks reduced financial intermediation costs but in fact blew serial bubbles in asset markets. First, the liquidity-generating machine inflated US asset values and fed the exuberant growth of US household spending. US consumers have accounted for more than one-third of the growth in global private consumption since 1990. Increasingly, their spending was made possible by the wealth effect generated by the rising prices of housing and household financial assets and stocks, whose values were in turn expected to more than outstrip those of household debt. It was this upswing in consumption by US households, and others as debt-based consumers-of-last-resort in the global economy, that essentially made possible the 16 extraordinary structural transformation and productivity increases experienced by some manufacturing exporters and commodity producers among developing economies. Also relevant to developing economies were the easier and cheaper capital inflows that were a by-product from the liquidity machine. These flows supported not only domestic investments in developing countries but also the accumulation of reserves, especially in those countries that maintained current-account surpluses. Of course, the recycling of developing countries’ reserves through US financial markets helped to lubricate the liquidity machine—which partly explains the “Greenspan conundrum,” i.e. the perseverance of low US long-term interest rates while US monetary policy was gradually tightening. But the point to emphasize is that the piling up of reserves, growth of current-account surpluses, and emergence of “savings gluts” that took place in some developing countries would have been less significant were it not for the liquidity machine operating at full steam in core developed economies. Looking ahead, the agenda regarding developing economies has several parts. One is urgently to reinforce global financial safety nets, in time to mitigate the effects of the sudden unwinding of leveraged positions in these economies that has accompanied the new financial introspection in developed countries. Even if corporate and sovereign liabilities can be rolled over and/or replaced by new sources of finance, thus avoiding additional rounds of negative feedback in the global economy, there remains the question of how to leverage investments in developing economies without the support of the previous liquidity machine. One can ensure that the string is not pulled apart, but not that it can be pushed. For the time being, no new virtuous cycle of rising demand and matching productivity increases is likely to fill the void left by the evaporation of global growth. Given the tendency to reconstitute household savings in crisis-afflicted developed economies, as well as the temporary character of the aggressive counter-cyclical fiscal policies being implemented, the best hope is that these countries will sustain their aggregate demand above stagnation levels. Thus we are unlikely to see a resumption of the past pattern, of absorption growth above Total Factor Productivity increases in developed economies coupled with supply expansion in fasttransforming developing economies. The time may now have come for better matching of increases in production and consumption within developing countries. This is not to be confounded with pursuing isolationism through higher local integration per se. Channels for international trade and investment need to be kept wide and open, so that growth-spurts, including the eventual revival of economic dynamism in developed economies, can complement each other. Programs of investment in How then to tap the potential for virtuous dynamics? How to reanimate and redirect “animal spirits” in that direction? To escape from a global scenario of mediocre growth may require a successful multilateral effort to address these issues. 1 Originalmente publicado nos sítios: www.growthcommissionblog.org/ e www.rgemonitor.com. abril de 2009 In fact, the best opportunities for sparking virtuous cycles in the global economy now lie within the realm of developing economies, where the scope for gains from structural transformation and technological catching-up is still substantial. Investments in infrastructure and other capital-intensive industries, for instance, are strongly needed in order to overcome bottlenecks, while the equivalent investments in already-better equipped economies may be partially redundant. Faster catching up of consumption in developing economies would help to absorb the increases from this expanded production capacity. After World War II, Europe and Japan sustained a long growth cycle through a process of technological and mass-consumption catching up with the US frontier. And from the 1990s until recently, many developing economies achieved high growth as the result of innovations in IT and other fields (including finance), combined with globalization—notwithstanding their ultimate dependence on developed countries for absorption of their output. infrastructure and human capital, poverty reduction, and social inclusion in developing countries would stimulate local consumption and investment, producing positive feedback loops. As long as countries stay committed to economic openness, gains of scale and scope can be accrued, and such a process might take place in all economies regardless of their size. This will not be easy. Most developing economies lack the fiscal space and the flexibility in the balance of payments that they would need to ignite their own growth spurts. The liquidity machine might eventually join in, benefit from, and support such a developing country-led process, but it is likely to remain impaired for some time, given the current attitudes of investors and lenders. (*) Vice President and Head of Network of the World Bank (www.worldbank.org/prem) as of May 4th. (E-mail: [email protected]). 17 Maria Helena Zockun (*) abril de 2009 as propostas de reforma tributária do Executivo e do Senado e o federalismo fiscal no Brasil O federalismo é uma organização política intermediária entre Estados independentes, de um lado, e sua união num Estado unitário, de outro. Para a existência de uma federação de fato são necessárias duas condições: regiões ou Estados com culturas e aspirações divergentes, e um nível mínimo de renda que lhes permita a independência econômica.1 impediram o desenvolvimento harmônico de comunidades locais. Nosso fazendeiro, geralmente ausente e com vocação extrativista, dedicado quase sempre às culturas de exportação, não se constituiu em agente de formação de instituições, autoridade e poderes originalmente locais, i.e., que tenham tido origem nos próprios grupos locais. O ideal federalista requer, primeiro, que os Estados membros tenham “aspirações locais” diferenciadas quanto aos serviços públicos, costumes, leis etc.; e, segundo, que os Estados membros possuam uma renda per capita não muito diferenciada entre si. Também ao contrário das primeiras colônias espanholas da América do Sul, que fundaram repúblicas após a independência e ainda mantêm profundas distinções culturais, o Brasil instituiu uma monarquia constitucional em 1822 sobre todo o território nacional, o qual ainda mantém as profundas diferenças de renda e níveis de desenvolvimento, mas não de cultura e aspirações sobre serviços públicos. Ao contrário, a melhor distribuição de renda e equidade na oferta de serviços públicos são as grandes aspirações da população brasileira. O regime federativo brasileiro não surgiu da união de Estados independentes como nos Estados Unidos, no Canadá, na Suíça, Bélgica, Itália, Alemanha, Indonésia, Índia, China e tantos outros, muitos dos quais não compartilhavam originalmente (e alguns ainda não compartilham) nem da mesma língua. Nos países formados por Estados independentes, as atribuições e direitos do governo central são apenas residuais. Neles, os serviços públicos locais e as receitas são em grande parte providos e arrecadados localmente. Essas noções não se aplicam à formação do Brasil. Ao contrário da formação dos Estados Unidos da América do Norte (federação que serviu de inspiração para a nossa2), cuja ocupação ia deixando para trás comunidades independentes e consolidadas, a ocupação do território brasileiro pelos desbravadores em busca do índio, metais e pedras preciosas ia deixando atrás de si imensos espaços vazios. Ocupados às pressas, esses espaços vazios foram sendo preenchidos por latifúndios que, se autoabastecendo e se isolando, 18 O Brasil está muito longe de alcançar esse ideal. O quadro abaixo mostra que, a despeito da autonomia para tributar e do complexo sistema de transferências de recursos entre os entes da federação, mantemos as profundas diferenças de renda e de disponibilidade de serviços públicos entre os brasileiros residentes nas várias regiões do País. O maranhense, por exemplo, tem disponível apenas um terço dos recursos públicos que tem o brasileiro residente em Roraima; o cearense conta com 53% dos recursos públicos disponíveis ao residente em São Paulo. Os centros mais desenvolvidos do País precisam de mais recursos totais porque oferecem serviços públicos para todo o País; mas, sendo mais populosos, isso ocorreria naturalmente, mesmo se houvesse perfeita equidade na distribuição dos recursos públicos. tabela 1 - recursos públicos per capita – média do período 2001-2005 (1) – R$/hab-ano Total Arrecadação Tributária Estadual Roraima 3.136 535 73 2.527 Acre 2.668 520 46 2.102 Amapá 2.555 412 49 2.095 São Paulo 2.287 1.445 358 484 Tocantins 2.213 561 53 1.599 Distrito Federal 2.185 1.561 337 287 Espírito Santo 2.090 1.324 157 609 Arrecadação Tributária Municipal Transferências da União 2.068 1.170 115 783 2.049 1.166 175 708 Rio Grande do Sul 1.927 1.149 198 580 Santa Catarina 1.891 1.055 209 627 Rio de Janeiro 1.859 1.099 360 400 Amazonas 1.778 1.023 113 643 Rondônia 1.761 761 70 929 Sergipe 1.745 632 77 1.036 Goiás 1.672 926 133 613 Paraná 1.669 858 196 615 Minas Gerais 1.599 907 145 548 Rio Grande do Norte 1.488 556 74 859 Pernambuco 1.334 650 91 593 Paraíba 1.288 406 48 835 Alagoas 1.270 364 62 844 Bahia 1.267 611 74 582 Ceará 1.205 470 78 657 Piauí 1.157 274 34 849 Pará 1.116 408 63 645 Maranhão 1.028 262 36 731 Média 1.744 944 193 606 abril de 2009 Mato Grosso Mato Grosso do Sul (2) Fonte: Balanço Geral da União; STN; SRF; Anuário Estatístico da Previdência Social; Ministério da Saúde - FNS; Ministério da Educação FNDE Elaboração: economista Cecília Cukierman (1) A preços de 2005: deflator IPCA (2) Transferências da União a Estados e municípios: a) constitucionais e legais: recursos do FPE, FPM, FUNDEF, CIDE, ITR, IOF-ouro, FPEX, Lei Compl. 87/96, Cota-parte do Salário-Educação e SUS; b) voluntárias. A formação de Estados nacionais pela aglutinação de Estados independentes sempre foi movida estrategicamente pela necessidade de fortalecimento comum diante de agressões externas. Não é incomum que, desaparecida essa emergência por longos períodos, voltem a se manifestar as diferenças culturais e as aspirações de reconquistar a identidade e independência cedidas. Os exemplos que se podem buscar na história brasileira não são dessa natureza, não são movidos pela diferenças culturais. 19 abril de 2009 O Brasil está atravessando uma fase de desenvolvimento em que a necessidade de enfrentar a concorrência do mundo globalizado, mesmo na ausência de crises como a que se atravessa, funciona como o inimigo externo que levou os antigos Estados independentes a se aglutinar. A autonomia para tributar, conferida aos Estados pelo ICMS, é uma ameaça concreta ao desenvolvimento de todos. Os custos impostos ao contribuinte pela complexidade do tributo, da guerra fiscal, da instabilidade normativa, das disparidades regionais, da intensificação da regressividade não justificam a autonomia dos Estados nessa matéria: isso só retira competitividade da produção brasileira, distorce e reduz os investimentos, reduz a capacidade de o País inteiro criar empregos, tudo em prejuízo da população, especialmente da mais pobre. Um exemplo é emblemático: os pobres dos Estados mais pobres têm cesta básica mais tributada do que os pobres dos Estados mais ricos porque estes podem abrir mão dessa receita enquanto os Estados mais pobres, tendo uma base econômica e tributável mais estreita, não podem fazê-lo. tabela 2 – conteúdo de tributos indiretos nas despesas de alimentação das famílias com até 2 salários mínimos de rendimentos Região Metropolitana % da renda disponível das famílias Fortaleza 13,23 Belém 12,38 Curitiba 11,00 São Paulo 8,34 Fonte: POF /IBGE (1996) microdados, elaborado por Vianna et al. (2000). Nota: Inclui ICMS, IPI, PIS e Cofins: as diferenças apontadas na tabela devem-se às diferenças regionais de hábitos de consumo e às diferenças de alíquotas de ICMS sobre os produtos entre Estados. Cada Estado deve, e tem, autonomia para alocar seus recursos de acordo com as aspirações de sua população, mas ela não está sendo beneficiada pela autonomia do seu Estado em legislar sobre o ICMS. A proposta de reforma tributária do Executivo, em tramitação na Câmara Federal, propõe que a legis- 20 lação do ICMS seja única para todos os Estados, e a guerra fiscal é combatida com a redução da alíquota interestadual, ampliando a parcela da arrecadação que cabe ao Estado de destino da mercadoria ou serviço tributado. É de se prever a dificuldade de implementar essas normas e as distorções que seu insucesso deve produzir. Na negociação para a legislação única, cada Estado tentará incluir seu próprio entendimento da matéria, estendendo a todo o território nacional os seus conflitos internos. Por outro lado, a redução da alíquota interestadual (para 2%) amplia a oportunidade de fraude através do “passeio da nota fiscal”, que a proposta pretende coibir pela ampliação do regime de substituição tributária no Estado de origem, sendo os recursos pertencentes ao Estado de destino transferidos, pelo Estado de origem, através de Câmara de Compensação. Trata-se de manter o mesmo modelo, mudando marginalmente algumas regras e simplificando especialmente as tarefas da fiscalização: para o contribuinte, esses expedientes poderão representar aumento da carga tributária e não simplificação da tributação. A proposta do Senado3 coloca a solução do problema federativo em outros termos: muda o modelo, funde os principais tributos indiretos (ICMS, IPI, PIS, COFINS, CIDE e outros fundos) em um IVA nacional, arrecadado no Estado de origem e transferido automaticamente a cada unidade da federação e à União pela rede bancária, de acordo com participações previamente acordadas. A presença da União como parte interessada na legislação do IVA nacional faz prever normas gerais e mais simples para o tributo. A proposta do IVA nacional formulada pelo Senado rompe o círculo de giz em torno da autonomia dos Estados para tributar. É a primeira proposta de mudanças no sistema tributário que realmente tem condições de entregar o que promete: simplificação para o contribuinte, redução de distorções alocativas e distributivas, aumento da competitividade da produção nacional e aplanamento do caminho para a alocação mais equânime dos recursos públicos no território nacional, corrigindo o grande engano que o País cometeu há 40 anos, na última reforma tributária. referências Longo, Carlos Alberto. A disputa pela receita tributária no Brasil. Série Ensaios Econômicos, v. 34. SP: IPE/USP, 1984. 3 Proposta pelo relator da Subcomissão Temporária da Reforma Tributária, senador Francisco Dornelles. Vianna, S.W.; Magalhães, L.C.G; Silveira, F.G.; Tornich, F.A. Carga tributária direta e indireta sobre as unidades familiares no Brasil: avaliação de sua incidência nas grandes regiões urbanas em 1996. Brasília: IPEA, setembro de 2000. (Texto para Discussão, n. 757). 1 Esse e os próximos parágrafos são baseados em Longo (1984). 2 O regime federativo no Brasil foi criado na constituição de 1891, redigida por Ruy Barbosa e Prudente de Moraes, inspirados na experiência norte-americana. (*) Pesquisadora da FIPE. (E-mail: [email protected]). abril de 2009 21 Antonio Lanzana (*) Luiz Martins Lopes(**) estabilização, crescimento e impactos da crise sobre o País em 2009 abril de 2009 A crise financeira internacional, irrompida no 2º semestre de 2008 a partir do mercado “sub-prime” dos Estados Unidos, está impactando de forma significativa o lado real dos países mais desenvolvidos. A recessão se generaliza entre os países da Europa, Estados Unidos e Japão. Da mesma forma, o nível de atividade no Brasil deu sinais claros de retração no último trimestre de 2008. O objetivo deste texto é analisar os possíveis desdobramentos da crise e os impactos sobre a economia brasileira em 2009. A abordagem é efetuada a partir de três tópicos: uma rápida descrição sobre a questão estabilização versus crescimento; a situação da economia brasileira até o momento em que a crise atingiu o Brasil; e, finalmente, os impactos da crise sobre o Brasil. 1. estabilização versus crescimento Para se analisar os impactos da crise financeira sobre o País é preciso, em primeiro lugar, abordar a questão da estabilização versus crescimento. Para entender essa questão de forma mais clara, é necessário considerar os objetos básicos da política econômica de curto prazo: crescimento e estabilização. A estabilização é entendida como o controle do processo inflacionário (estabilização interna) e a manutenção do equilíbrio nas contas externas (estabilização externa). Muitos analistas, talvez envolvidos pela emoção, esquecem de considerar que a estabilização é pré-requisito para a retomada sustentada do crescimento econômico. As tentativas de expansão do nível de atividade, via incremento da demanda agregada, na presença de 22 descontrole inflacionário, fazem com que os estímulos à demanda agregada acabem por acelerar o ritmo inflacionário, até porque a demanda vai responder mais rapidamente do que a oferta. Nesse quadro, a aceleração da inflação teria de ser combatida, e o crescimento do PIB seria “abortado” num momento posterior. A mesma conclusão pode ser obtida em relação ao setor externo. Num quadro de déficit nas contas externas, tentativas de expansão do PIB, via estímulos à demanda agregada, deterioram ainda mais a situação externa pelo aumento das importações, provocado exatamente pelo incremento da demanda. É importante considerar, portanto, que a estabilização (entendida como a manutenção da inflação sob controle e o equilíbrio das contas externas) é pré-requisito para a retomada autossustentada do crescimento. Em outras palavras, estímulos e expansão da demanda somente podem ser adotados num quadro de garantia desses dois “pilares”. É comum observar, em várias circunstâncias, cortes no nível de demanda agregada para se alcançar a estabilização, impondo ao País períodos de recessão ou de redução no ritmo de crescimento do produto. Há momentos em que os ajustes na demanda agregada se fazem necessários para corrigir riscos domésticos de política econômica, como ocorreu no início dos anos 80, no Plano Cruzado, no final do governo Sarney, início do governo Collor e na transição da 1ª fase do Plano Real (1994/1998) para a 2ª fase (pós-1999). Há situações, porém, em que os ajustes de demanda se fazem necessários em função de mudanças que ocorrem no cenário internacional e provocam desequilíbrio no balanço de pagamentos, como ocorreu nas crises do petróleo (1974 e 1979), da dívida externa do início dos anos 80, e nas sucessivas crises financeiras da década de 90 e início dos anos 2000 (México, Ásia, Rússia, Argentina etc.). Independentemente, porém, dos fatores que as justifiquem, são as oscilações no nível de demanda agregada para se buscar a estabilização que vão explicar a volatilidade das taxas de crescimento. Isto posto, para se avaliar os impactos da crise em termos de estabilização no curto prazo, é importante verificar como essa mesma crise vai afetar a inflação, o setor externo e, por conseqüência, o nível da demanda agregada. A nova ordem econômica mundial passa por redução forte na produção dos industrializados, desaceleração significativa nos emergentes, queda de preços internacionais de commodities, crédito escasso, redução de fluxos de investimentos diretos entre outros, que impactarão decisivamente o “equilíbrio” inflação x setor externo x crescimento. Esse equilíbrio será afetado também por canais domésticos como, por exemplo, a taxa de câmbio, as medidas de políticas fiscal e monetária, e assim sucessivamente. ∆Y I Y = • Y Y K (1) onde: ∆Y = taxa de crescimento do produto potencial Y I = taxa de investimento (investimento/PIB) Y Y = relação produto-capital K Em outras palavras, o ritmo de crescimento do PIB potencial ∆Y depende da taxa de investimento da Y economia I e da produtividade do capital Y K Y mente em relação à produtividade do capital Y , K é importante destacar que ela refletirá, de um lado, a capacidade do capital de gerar produto e, de outro, de acelerar o ritmo de crescimento do produto, se o investimento (I), que é o acréscimo de capital (k), for mais produtivo que o estoque de capital existente. Em outras palavras: ∆Y I ∆Y = • Y Y I (2) onde ∆Y = é a relação incremental produto/capital I Vale observar que o investimento somente gerará acréscimo de produto potencial se esse mesmo investimento for superior à taxa de depreciação do estoque de capital. Isso porque há um processo de desgaste do estoque de capital na produção de bens. Se o investimento for exatamente igual à depreciação estará ocorrendo somente uma “reposição”. Na realidade, o crescimento da capacidade de produção depende do investimento líquido (investimento total menos a depreciação). Como a poupança é igual ao investimento (S=I), o modelo ficará: ∆Y (I - d) Y = • Y Y K (3) abril de 2009 No que se refere a um prazo mais longo, a situação já é diferente. Os modelos de desenvolvimento econômico mostram que a capacidade de crescimento dos países ao longo do tempo depende da taxa de investimento e da produtividade do capital. O modelo estabelece: que refletirá a relação produto/capital. Particular- ∆Y ( I - d ) ∆Y , onde ou, em termos incrementais, = • Y Y I “d” é a depreciação. No que se refere ao investimento, embora haja consenso de que para a sua realização seja necessária a existência da poupança, há divergências sobre a formação de poupança como pré-requisito para o investimento. De acordo com alguns analistas, a poupança é um pré-requisito e sua formação prévia deve ser estimulada. Outros analistas, porém, entendem que a poupança “aparece” sempre que há bons projetos de investimento. Entende-se que no caso do setor público, a primeira versão parece mais realista, enquanto para o setor privado prevalece a segunda abordagem. Isto posto, para enriquecer a discussão, é 23 preciso analisar a composição do investimento, a qual também influenciará a produtividade do capital. Na realidade, o investimento pode ser público, privado, ou estrangeiro, cada um deles com características muito distintas. Em termos gerais, tem-se: Conjugando a equação (1) e a composição do investimento, pode-se mostrar a dinâmica do processo de crescimento do produto através de: ∆Y I Yg Kg Yp Kp Ye Ke = • + • + • • Y Y Kg K Kp K Ke K (4) abril de 2009 onde: ∆Y = taxa de crescimento do produto potencial Y I = taxa de investimento Y Yg = relação produto-capital (sendo “g” no setor Kg público, “p” no setor privado e “e” nas empresas multinacionais) Kg = participação no estoque de capital (“g” no seK tor público, “p” no setor privado e “e” nas empresas multinacionais). Relacionando esse arcabouço com as mudanças trazidas pela crise, será importante analisar: a) como se comportará a poupança pública, dado que é pré-requisito para “alavancar” os investimentos do governo e, particularmente, a infraestrutura; b) no que diz respeito ao investimento privado, três pontos são fundamentais: a transferência de investimentos em infraestrutura para o setor privado evoluirá favoravelmente, com privatizações e marcos regulatórios atraentes?; como a escassez de crédito vai afetar as decisões de investimento; como a escassez de crédito vai afetar a formação de expectativas; e c) em termos de investimento direto estrangeiro no mundo é esperada uma redução, em função da contração do crédito e da recessão mundial, o que certamente afetará o Brasil. 24 2. economia brasileira até o momento da crise No seu conjunto, o Plano Real, principalmente a partir de 1999, trouxe resultados extremamente favoráveis ao País em termos de estabilização, tanto externa como interna. A adoção do câmbio flutuante e do programa de metas de inflação vem garantindo resultados importantes a partir do controle do déficit público. No que se refere à inflação, verifica-se que o Brasil se encontra entre os países emergentes mais bem posicionados em termos de ritmo de crescimento dos preços. Passados os efeitos da desvalorização cambial em 1999 e das incertezas geradas durante a eleição de Lula em 2002, a inflação cedeu e vem se posicionando na casa dos 5% nos últimos anos. A pesquisa FOCUS já mostra expectativa de inflação convergindo para o centro da meta (4,5%) em 2009. Da mesma forma, a situação externa vinha mostrando fortalecimento, com forte acúmulo de reservas. É importante observar algumas questões em relação à situação externa: a) além da adoção do câmbio flutuante, as condições internacionais favoreceram a evolução do setor externo do País; além do maior crescimento da economia mundial, o surgimento de novos “comandantes” do PIB global (como China e Índia) favoreceu a elevação do preço das commodities, pela expansão da demanda; b) em 2008 as condições estavam voltando à situação pré-1999, mas nesse período o País conseguiu alavancar reservas superiores a US$ 200,0 bilhões; c) num quadro de crédito internacional mais farto, o déficit não causaria preocupação, o que não é o caso para 2009. Cabe destacar, porém, que o mesmo sucesso alcançado em termos de estabilização (interna e externa) não foi observado em relação ao desempenho do nível de atividade. Relativamente a outras economias, o comportamento do nível de atividade deixa a desejar. O PIB brasileiro tem crescido em ritmo inferior ao PIB mundial e cerca da metade do observado nos emergentes (1994/2008). Embora o ritmo de crescimento do País tenha se acelerado nos anos recentes, o Brasil situa-se na “lanterna” dos países que compõem o chamado BRIC. É importante observar que, mesmo crescendo abaixo dos emergentes, o Brasil tem conseguido progressos importantes, também, em termos de aceleração do crescimento, a partir de 1999. O País saiu de uma expansão média de 0,3% em 1999 para 5,3% em 2008. A questão relevante agora é verificar como essa situação está sendo alterada pela crise financeira internacional. Para isso, é importante entender os mecanismos de transmissão sobre o Brasil, bem como as medidas que o governo brasileiro vem adotando para enfrentá-la. 3. impactos na economia brasileira Apesar da atuação do BC, a economia brasileira está sendo afetada pelo desenvolvimento da crise financeira internacional. Inicialmente, o impacto ocorreu através da alta volatilidade nos indicadores (principalmente ações e taxa do câmbio), característica comum em períodos de incertezas, em que qualquer informação, positiva ou negativa, leva a uma radicalização de posições. As exportações são afetadas também pela escassez de crédito, uma vez que 50% das exportações brasileiras, o que corresponde a cerca de US$ 100,0 bilhões/ano, eram realizadas com ACC. A falta de crédito, porém, é mais ampla, com a indústria de transformação enfrentando o maior aperto de crédito dos últimos anos. A escassez de crédito externo tem levado muitas empresas a desviarem a demanda de crédito para o mercado doméstico, criando pressões adicionais num momento em que a cautela dos bancos aumenta em função do risco de inadimplência. abril de 2009 Apesar de a crise ter um efeito reduzido sobre o sistema financeiro nacional, o Banco Central (BC) adotou medidas importantes de precaução para evitar um agravamento da situação. Para resolver o problema da insuficiência de liquidez, o BC decidiu recorrer a uma liberação parcial e progressiva do recolhimento compulsório sobre os depósitos. Num primeiro momento, usou o compulsório como um incentivo para os bancos de maior porte comprarem carteiras de créditos de bancos menores, ampliando a importância do patrimônio das instituições cuja carteira for comprada. Para resolver o problema das necessidades de recursos para o financiamento do comércio exterior, o BC preferiu usar mais intensivamente “swap cambial”, que não afeta suas reservas, em lugar da venda de divisas, que utiliza somente quando a desvalorização do real se mostra exagerada. Os impactos adversos se ampliaram e atingiram a produção e o mercado de trabalho. Nesse sentido, é importante destacar os mecanismos de transmissão da crise sobre os países: exportações, crédito e taxa de câmbio. A recessão, que se observa nos países desenvolvidos, reduz a demanda por exportações no mundo todo. Isso, além de afetar diretamente as exportações brasileiras, tem efeito indireto importante na medida em que reduz a taxa de crescimento dos países emergentes. Ao longo da última década, os países emergentes (notadamente China e Índia) converteram-se num dos principais destinos das exportações brasileiras. A elevada taxa de crescimento desses países pressionou os preços de commodities exportadas pelo Brasil (minério de ferro, soja etc.) e gerou elevados superávits na balança comercial brasileira. O menor crescimento mundial e dos emergentes provoca diminuição dos preços dessas commodities. Ou seja, tanto os preços dos produtos quanto as quantidades exportadas já estão contribuindo para a queda no volume de exportações do País. Um terceiro mecanismo de transmissão é a taxa de câmbio, com a redução do fluxo de entrada de recursos (menos exportações, menos financiamentos) e aumento da saída de recursos (importações, saída de investidores, aumento de remessas etc.). Essa forte desvalorização afetou diretamente os resultados de grandes empresas exportadoras que haviam apostado na manutenção da valorização do real gerando prejuízos de bilhões de dólares. Os impactos sobre a produção e o emprego se fazem sentir de forma intensiva nos últimos meses − a situ- 25 ação extremamente favorável do nível de atividade até setembro de 2008 mostrou reversão brusca (-3,6%) durante o quarto trimestre de 2008. US$ 200 bilhões em 2008, relativamente a 2007). c) a taxa cambial observada antes da crise era insustentável e estava levando o País a registrar Como seria de se esperar, a contração do nível de atividade vem impactando o mercado de trabalho, com “destruição” de muitos empregos formais (demissões menos contratações). Apesar de algumas melhoras pontuais, derivadas de incentivos fiscais (como redução do IPI na indústria automotiva), a situação mostra um quadro de gravidade. abril de 2009 4. perspectivas para 2009 Três questões são importantes para analisar o tripé inflação x equilíbrio externo x crescimento. No que se refere à inflação, apesar das dificuldades de ação do Banco Central causadas pela incerteza em relação à crise, as visões mais recentes dão conta de que a inflação deve convergir para o centro da meta (4,5%) em 2009. Na realidade, a pressão que poderia vir do câmbio foi amenizada pela queda dos preços das commodities e contração da demanda, tanto externa como interna. Na área externa, pode-se esperar uma significativa redução do saldo comercial. A queda no preço das commodities, a escassez de crédito externo e ainda a recessão nos países desenvolvidos e forte desaceleração nos emergentes trarão dificuldades às exportações brasileiras. Ao mesmo tempo, apesar da desaceleração interna do PIB, o processo de substituição de importações (que é viabilizada com o novo patamar da taxa de câmbio) não é efetuado de forma imediata. Em termos de taxa de câmbio, há motivos para supor que o real se mantenha próximo da desvalorização verificada. Há razões para isso: a) Com a queda dos preços das commodities, ocorre déficits perigosos em transações correntes, o que é preocupante num cenário de escassez de crédito internacional. Apesar disso, não há razões para se esperar “explosão” da taxa de câmbio, uma vez que os fundamentos do País permanecem sólidos; elevado nível de reservas internacionais, sistema financeiro sólido, déficit público controlado, relação dívida pública/PIB relativamente menor do que em alguns anos passados, País classificado como “investment grade” e assim sucessivamente. O nível de atividade está sendo fortemente afetado em 2009, em função do comportamento dos componentes da demanda agregada: consumo, investimento, gastos públicos e exportações-importações. O consumo é impactado, de um lado, pela redução do emprego e, do outro, pelo crédito. Mesmo com medidas de liberação do crédito, está havendo resistência por parte dos bancos de empréstimo pela perspectiva de aumento da inadimplência. Basta observar que 86% dos bancos acreditam que haverá elevação da inadimplência no primeiro trimestre de 2009. Desaceleração (ou até mesmo queda dos investimentos) é esperada para 2009. Em termos de IDE (investimento direto estrangeiro), a situação externa deve reduzir o fluxo de reservas para o País. Na área privada, os investimentos que já foram iniciados devem prosseguir normalmente, mas novos investimentos, mesmo os que já haviam sido anunciados, devem ser suspensos, até pela incerteza quanto ao tempo que se levará para voltar à normalidade; várias empresas, inclusive, já anunciaram suspensão dos novos investimentos e novas aquisições. uma redução no fluxo de entrada de dólares. b) A escassez de crédito internacional deve provocar uma redução no fluxo de investimento direto no País (a ONU já aponta queda do IDE de pelo menos 26 Na área externa a contribuição para o PIB de 2009 deverá ser negativa, uma vez que é esperada uma queda mais pronunciada das exportações do que das importações. Esse cenário mostra que a economia brasileira sofrerá forte processo de desaceleração em 2009, podendo-se esperar um crescimento do PIB próximo de zero. Diante desse cenário, muitos analistas têm defendido uma forte expansão dos gastos públicos. Embora a expansão do investimento seja indispensável, a opção de manter aquecida a economia pode representar ônus excessivos ao País: internacional (expectativa de crescimento quase nulo em 2009); no caso das commodities, a situação se agrava com a queda dos preços. d) Setores que substituem importações serão beneficiados ao longo do tempo (papel, aço, tecidos, máquinas e equipamentos, pequenos eletrodomésticos e brinquedos). e) Bens de reduzido valor unitário serão beneficiados a) Num quadro de recessão mundial, queda no preço com o aumento de salário mínimo (12% a partir das commodities e escassez de crédito internacional de fevereiro) e com a elevação do valor da bolsa- seria um erro “abrir” o déficit em conta corrente, família e inclusão de novas famílias. o que inevitavelmente ocorreria num quadro de aquecimento da economia; f) Empresas fornecedoras para o governo também deverão ser menos afetadas. b) A receita tributária começa a declinar e deve continuar nessa tendência no início de 2009; aumento de g) No setor financeiro é esperado um novo “round” gastos, com redução da receita, pode levar a uma de concentração, com crescimento dos grandes perigosa evolução do déficit e da dívida pública, bancos e dos estatais. com riscos sobre a credibilidade internacional do País. Duas questões merecem uma avaliação mais detalhada: a evolução dos segmentos e a duração da crise. No que se refere ao primeiro aspecto, é importante destacar que os segmentos da economia não serão afetados de maneira uniforme. Nesse sentido, cabe destacar: a) Setores mais afetados serão os mais dependentes Quanto à duração da crise, há dúvidas se ela tem formato de “U” (desacelera, estabiliza e volta a crescer), de “V” (cai e volta imediatamente) ou de “L” (cai e fica num processo depressivo). Mesmo diante da dificuldade de se fazer estimativas num quadro de tanta incerteza, um cenário provável é de que o primeiro semestre será muito difícil, com estabilização num nível de atividade muito baixo e alguma melhora no segundo semestre. A maior parte das projeções para a economia mundial indica melhora a partir de 2010, embora em ritmo inferior ao verificado antes da crise. abril de 2009 Em outras palavras, a manutenção da estabilização interna e externa passa, necessariamente, por forte desaceleração do PIB em 2009. A Pesquisa FOCUS ratifica essa tendência, com expectativa de crescimento nulo neste ano. A crise vem tendo em 2009 um caráter mais acentuado do que inicialmente esperado. Num horizonte mais longo, a expectativa é de que a recuperação seja tímida para o próximo semestre e para 2010. de crédito (bens de consumo duráveis e construção civil residencial). b) Os consumidores de renda mais elevada sofrerão maiores quedas em função do efeito-riqueza (ações, fundos etc.). c) As exportações, embora beneficiadas com as desvalorizações cambiais, se defrontarão com a recessão (*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP. (E-mail: [email protected]). (**) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP. (E-mail: [email protected]). 27 Ana Maria de Paiva Franco (*) uma análise de rankings de escolas brasileiras com dados do SAEB 1 abril de 2009 1. introdução Existe uma preocupação crescente com a “responsabilidade” atribuída à escola e aos educadores no processo de aprendizado. O Chile e os Estados Unidos são exemplos de países em que o desempenho das escolas em testes padronizados é utilizado pelo governo para nortear a alocação de recursos, recompensas, sanções e assistência às escolas. O Brasil também caminha em termos de desenhar mecanismos de incentivos que tomam como base os resultados que emergem de avaliações em testes padronizados para nortear políticas de “responsabilização”. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), proposto pelo Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira (INEP), é um exemplo de indicador de qualidade educacional obtido por uma combinação de informações sobre desempenho em exames padronizados (Prova Brasil ou SAEB, ao final da 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio) e de rendimento escolar (nível de aprovação nas escolas). Ele pode servir para o governo monitorar as redes de ensino e exigir contrapartidas de desempenho das escolas, em termos de um avanço esperado no indicador, quando da liberalização de recursos. 2 Contudo, de acordo com alguns estudos realizados para o caso do Chile (MIZALA et al.,2007), pode existir um “trade-off” entre construir rankings de escolas que não espelhem majoritariamente o status socioeconômico (SSE) de seus alunos e, por outro lado, não apresentem muita volatilidade de um ano ao outro. A volatilidade tende a ocorrer devido à elevada estratificação social do sistema e ao problema de reversão para a média (ver Chay et al., 2005). 28 Neste trabalho são calculadas cinco medidas de desempenho com base nos exames do SAEB de matemática e português para a 4ª série, seguindo-se a abordagem dada por Mizala et al. (2007). São analisados se os rankings de escolas que emergem de tais medidas também apresentam o “trade-off” entre não refletir majoritariamente o status socioeconômico (SSE) dos alunos e apresentar baixa volatilidade, como observado para o caso do Chile. Na ausência de informações sobre a renda dos alunos das escolas, foram utilizadas como variáveis de controle do SSE uma dummy para sexo do aluno, seis dummies para o nível de escolaridade da mãe e uma dummy para se o aluno possui computador em casa. Os dados utilizados nas análises que se seguem provêm do SAEB. Os levantamentos do SAEB são amostras representativas da população de escolas no Brasil. A subamostra aqui utilizada restringe-se a 480 escolas que se repetem nas avaliações de 1999, 2001 e 2003, formando um painel de escolas balanceado de três anos. Esta subamostra também é representativa da população, pois não apresenta viés de seleção. Serão utilizados os resultados das provas de português e matemática dos alunos na 4ª série do ensino fundamental para se construir os rankings de escolas. O número de alunos avaliados em 1999, 2001 e 2003 é de 5.819, 13.629 e 13.114, respectivamente. 2. metodologia Das cinco medidas usadas para se construir os rankings que serão analisadas neste trabalho, quatro delas são obtidas após o ajuste de um modelo de regressão, como descrito na Tabela 1. tabela 1– descrição de 4 medidas de desempenho de escolas obtidas por meio de uma regressão Equações* Covariáveis Resposta Medida utilizada para a escola j yij = αj +uij i=1,... nj ; j=1,...480 (1) Dummies de escolas (αj) Nota SAEB por aluno i no ano Estimativa a do coeficiente α da dummy de escola j yij =δj + Xijβ + uij i=1,... nj ; j=1,...480 (2) Dummies de escolas (δj) e SSE dos alunos (Xij) Nota SAEB por aluno i no ano Estimativa d do coeficiente δ da dummy de escola j yij = α0 + Xijβ + vij i=1,... nj ; j=1,...480 (3) Intercepto (α0) e SSE dos alunos (Xij) Nota SAEB por aluno i no ano Média dos resíduos vi relativos à escola j Intercepto (α0) e média SSE por Nota média SAEB por escola no ano j-ésimo resíduo v j y j = α0 + X jβ + v j (4) escola ( X j ) j =1...480 * Nas quais: yij é a nota do aluno i na escola j, αj e δj são interceptos específicos da escola j, Xij é um vetor linha 1xp com as características de SSE do aluno i na escola j, β é um vetor px1, e uij e vij são erros idiossincráticos. A quinta medida é dada pela diferença no desempenho médio das escolas de um ano (t =0) para o ano seguinte (t =1). Levando-se em conta as notas médias nos testes por escolas e as características de SSE médias de seu corpo discente, esta medida pode ser representada pela diferença entre as equações (5a) e (5b), dada em (5c). (5a) y j1 = α j + X j1β + v j1 (5b) ∆y j = y j 1 − y j 0 = v j 1 − v j 0 (5c) j = 1...480 Nas equações (5a) a (5c), y jt é a nota média dos alunos da escola j no tempo t, αj é o efeito-escola específico da escola j e t = 0,1. Se a composição socioeconômica média da escola é estável no tempo, a diferença entre (5a) e (5b) elimina a sua influência bem como o efeito específico da escola que não varia no tempo. Assim, a volatilidade da medida (5c) dependerá da diferença ∆y j = v j1 − v j 0 , muito influenciável por choques ocorridos em apenas um dado momento que podem ou não perdurar no tempo. Na Tabela 2 estão os resultados esperados para o caso de o ranking de escolas ter caráter completamente estável, caso de volatilidade esperada nula (coluna 1), ou ter o comportamento de uma loteria, caso de volatilidade esperada máxima (coluna 2). 3 Estas duas situações extremas servem de parâmetro para se comparar a volatilidade dos rankings obtidos pelas cinco diferentes medidas acima apresentadas. O comportamento do ranking que emerge das médias “puras” das notas por escolas na equação (1) pode ser visto na coluna 3 da Tabela 2. Neste caso, verifica-se que 72,08% das escolas nunca apareceram entre as 20% melhores nos três anos analisados. Esta proporção é muito próxima do caso de “certeza”, que seria de 80%. Ainda segundo esta medida, 11% das escolas aparecem nos três anos entre as 20% melhores. Esses dados mostram que esta medida gera rankings com caráter certo, o que é bastante desejável, mas reflete muito o status socioeconômico dos alunos − ver Franco (2008) para uma análise mais detalhada desta questão. Como Mizala et al. (Op. cit.) encontraram para o caso do Chile, aqui o ranking é estável mas reflete fundamentalmente o SSE. abril de 2009 y j 0 = α j + X j 0β + v j 0 3. resultados 29 tabela 2 – distribuições teóricas de frequências percentuais do “número de vezes (k) em que uma escola aparece entre as 20% melhores em 3 anos” nos casos de “certeza” e “loteria” comparadas com frequências percentuais “número de escolas que aparecem k vezes/ número total de escolas (480)” segundo várias medidas Dados anuais K 0 1 2 3 Modelos teóricos Certeza Loteria (1) 80,0 0 0 20,0 Diferenças temporais Usando medidas definidas por Modelos teóricos Usando diferenças Médias ajustadas (4) Resíduos indivíduos (5) Resíduos escolas (6) Certeza Loteria Ganhos (2) Médias de escola (3) (7) (8) (9) 51,2 38,4 9,6 0,8 72,08 6,88 10 11 78,75 1,04 1,04 18,54 61,5 22,7 10,2 5,6 58,3 25,8 13,3 2,5 80,0 0 20,0 - 64,0 32,0 4,0 - ∆y j 73,9 12,5 13,6 - abril de 2009 Fonte: Cálculos próprios a partir de 480 escolas que se repetem nas amostras do SAEB 1999, 2001 e 2003. Rankings com base em medidas obtidas a partir dos dados de alunos da 4ª série em matemática e português. Quanto à volatilidade do ranking com base em d que surge da equação (2), a coluna 4 da Tabela 2 mostra que a distribuição desta medida é ainda mais estável do que o resultado apresentado pelas médias puras.4 Porém, mais uma vez, embora a estabilidade seja desejável, esta medida reflete muito o SSE dos alunos das escolas, pois há uma forte correlação entre as estimativas a e d dos interceptos nas equações (1) e (2) (precisamente de 81,95% em 1999, 86,96% em 2001 e 99,90% em 2003). Isto sugere que o sistema apresenta uma forte estratificação social, e que a escolha de onde se matricular já transmite muito das características de SSE observáveis do aluno e, possivelmente, também das características não-observáveis que contribuem para o aprendizado. A coluna 5 da Tabela 2 mostra que a medida resultante do modelo de regressão da equação (3) apresenta grande volatilidade, pois sua distribuição aproxima-se da distribuição de uma loteria. A coluna 6 da Tabela 2 mostra que também há uma elevada volatilidade na medida resultante do modelo gerado pela equação (4), apesar desta medida controlar bem pelo SSE e os efeitos específicos não-observados das escolas. Com respeito à quinta medida, dada por (5c), o que se pode observar na coluna 9 da Tabela 2 é que a distribuição resultante da utilização das diferenças nas médias de notas de um ano para o outro apresenta um caráter bastante estável, o que é desejável, e ao mesmo tempo expurga de seus resultados os efeitos do SSE dos alunos. 30 4. comentários finais Os resultados acima alertam para o cuidado que os agentes econômicos devem ter ao tomar como base os rankings de escolas, construídos a partir de exames de avaliação educacional como o SAEB, para fazer inferências sobre a qualidade nas escolas ou para o desenho de incentivos e sanções num contexto de “políticas de responsabilização”. A elevada estratificação do sistema e o processo de reversão para a média que tende a ocorrer nos resultados de um momento no tempo para outro geram ruídos nas medidas de desempenho utilizadas para a construção de rankings; estes podem apresentar resultados influenciados principalmente pelo status socioeconômico dos alunos ou uma grande volatilidade de um período de avaliação para outro. Das cinco medidas avaliadas neste trabalho para a construção de rankings, apenas a resultante da equação (5c) não apresentou o “trade-off” entre não ser fortemente determinada pelo SSE dos alunos e apresentar pouca volatilidade. Porém, para que se afirme com maior certeza este resultado, é necessário aguardar os levantamentos da Prova Brasil, que tem caráter censitário, por um número maior de anos. No Brasil, como é crescente a preocupação com a qualidade do ensino público, e se caminha para políticas nos moldes de “responsabilização”, os resultados aqui encontrados são bastante importantes para serem levados em conta na definição de índices de desempenho e de metas a serem atingidas pelas escolas. referências CHAY, Keneth Y. et al. The central role of noise in evaluating interventions that use test scores to rank schools. American Economic Review, v. 4, n. 95, p. 1237-1258, 2005. FRANCO, Ana Maria de Paiva. Os determinantes da qualidade da educação no Brasil. 2008. Tese (Doutorado em Economia) – Programa de Pós-Graduação em Economia, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. São Paulo. 3 A loteria é simulada encarando-se cada julgamento de escola como um ensaio de Bernoulli independente dos demais ensaios, com M sendo o número de ensaios e 0,20 a probabilidade de sucesso. Assim, a probabilidade de K sucessos é dada pela Binomial (M= 3, P= 0,2): P k M-k (Número de sucessos = k) = M!/[ k! (M-k)!] 0,20 (0,80) , k=0,1,2...M. 4 Este resultado é esperado, uma vez que o que se está medindo é o efeito específico não-observado da escola que, no contexto de uma regressão, não varia no tempo. MENEZES-FILHO, Naercio A. et al. Definição de metas de desempenho para as escolas estaduais paulistas. 2008. (Mimeografado). MIZALA, Alejandra et al. Tradeoffs in the generation of school quality information. Journal of Development Economics, n. 84, p. 61-75, 2007. 1 Este artigo é o segundo de uma série de três textos nos quais a autora resume os principais resultados encontrados em sua tese de doutorado, intitulada Os determinantes da qualidade da educação no Brasil, apresentada ao Departamento de Economia da FEA-USP em fevereiro de 2009. 2 Outro exemplo é o que vem ocorrendo no governo do (*) Doutora em Economia pelo IPE-FEA-USP. (E-mail: [email protected]). abril de 2009 Estado de São Paulo, que busca meios de aperfeiçoar o monitoramento das escolas estaduais paulistas a partir da definição de uma métrica nos moldes do IDEB (ver MENEZES-FILHO et al., 2008). 31 Leandro Martins (*) aprenda a investir abril de 2009 Este artigo é um breve resumo de sua obra, intitulada Aprenda a investir – saiba onde e como aplicar seu dinheiro, 1ª edição (2008), publicada pela Editora Atlas. (www. seuconsultorfinanceiro.com.br/livro.php). Neste livro, qualquer pessoa que receber uma remuneração conseguirá aprender a investir, e quem já investe poderá melhorar a qualidade de suas aplicações. Em uma linguagem acessível e didática, o autor ensina como economizar, como entender a economia e onde investir. Ao dominar essas três áreas, o leitor será capaz de: Aprender a economizar e negociar; Planejar e definir suas metas e objetivos; Entender os principais fundamentos da economia; Aplicar diretamente em renda fixa; Conhecer tudo sobre os fundos de investimento; Criar seu próprio clube de investimento em ações; Utilizar a análise gráfica para especular com ações; Montar sua carteira de investimento. Destinada ao público em geral e com linguagem acessível, esta obra é completa para quem quer aprender a economizar com disciplina e investir sem erros e de forma inteligente. Guia obrigatório a todos que sonham em possuir, num futuro próximo, sua liberdade financeira. guirá manter-se consciente quanto às suas opções de administração dos recursos, pois, com o panorama da economia global modificado através da utilização de computadores e da Internet, conseguimos operar diretamente na bolsa em nossa própria casa (pelo sistema home broker) e ter acesso em tempo real a acontecimentos ocorridos em todo o mundo, e com isso analisar seus efeitos ocorridos em nossa economia. Esta obra pretende auxiliá-lo em todos os processos, orientando na economia dos recursos, formas de aplicação, análises dos investimentos disponíveis e introdução à economia, esta que servirá como auxílio na decisão do melhor investimento nos diferentes momentos econômicos. Apenas a obtenção de maior conhecimento o auxiliará no processo de desenvolvimento de suas habilidades financeiras, capacitando-o corretamente em suas escolhas e nas definições de metas e objetivos. É necessário entender e antecipar as mudanças da economia, planejar e definir estratégias para as suas decisões de curto, médio e longo prazos. Contudo, devemos compreender os movimentos dos mercados para desenvolvermos as estratégias adequadas. O livro é dividido em três capítulos, conforme sintetizados a seguir: introdução adquirindo inteligência financeira 32 O objetivo do livro Aprenda a investir – saiba onde e como aplicar seu dinheiro é auxiliá-lo na escolha do melhor caminho para investir seus rendimentos, alcançados a partir de um controle eficaz de seu orçamento. Acredito que possuir o mínimo de orientação financeira seja dever de todos, para assim valorizar seu patrimônio conquistado com muito sacrifício e trabalho. O mercado financeiro oferece-nos uma grande gama de investimentos, mas para isso precisamos, antes de tudo, ficar afastados das dívidas e dos altos gastos, para depois conseguirmos obter certa disciplina que nos mantenha sempre com reservas destinadas às aplicações. Abaixo, extraio algumas dicas presentes na obra. O leitor irá obter informações econômicas e financeiras, e, reconhecendo seus limites e objetivos, conse- Maus hábitos, como comprar por impulso ou como terapia contra a depressão, devem ser cortados. A utilização sem controle do cartão de crédito e do talão de cheques deve ser restringida. Há pessoas que, ao possuírem talões de cheque e cartão de crédito, acabam por esquecer o valor gasto e confundi-los com pedaços de papel e plástico com fundos ilimitados, mas não são. Uma prática que adoto e considero eficaz para melhorar o controle orçamentário é mensurar a magnitude das despesas mensais e avaliar sua presença na composição do orçamento considerando o gasto anual e não apenas o mensal. Por exemplo, uma tarifa bancária de R$ 22,00 resulta após um ano em R$ 264,00; ao incorporar juros de 1% ao mês (que receberíamos em uma aplicação financeira), temos um montante final de R$ 279,00. Esse valor em dez anos é mais que R$ 5.000,00 gastos em tarifa bancária. Vale ressaltar que vivemos em um país subdesenvolvido, no qual é incerta nossa situação em um futuro próximo, e não podemos depender da previdência social; contudo, é de extrema importância termos um fundo de reserva de economias geradas, e todo corte no orçamento é de extrema importância para isso. Algumas pequenas ações podem fazer a diferença, como por exemplo, você mesmo vender seu carro, em vez de entregá-lo como forma de pagamento na aquisição do novo automóvel. Com isso, você estará economizando a margem de lucro da concessionária, que gira em torno de 20%, pois eles precisam ganhar também na revenda do seu automóvel usado. Com certeza, vale a pena, mesmo porque, com a Internet, seu carro é divulgado em minutos para seus possíveis compradores. Há inúmeros sites que oferecem esse canal entre o vendedor e o comprador; as próprias agências atraem seus principais compradores desse modo. decifrando a economia Você deve estar se perguntando por que é preciso entender de economia para aprender a investir, mas seu entendimento fará a diferença na escolha da melhor opção de investimento. Digamos que a economia esteja caminhando para uma verdadeira recessão; você deslocaria seus recursos aplicados em um fundo DI para o mercado acionário? Com certeza, após certo conhecimento, você jamais faria isso. Também saberia o momento certo de procurar ativos mais rentáveis ao verificar uma melhora nos fundamentos econômicos de nossa economia – como queda da inflação, diminuição do risco país e aumento das reservas internacionais, aliados à queda da taxa de juros nominal. Com melhor entendimento da macroeconomia, você irá, por exemplo, realocar seus investimentos de um fundo DI para um fundo de renda fixa prefixado após saber que o governo pretende a longo prazo baixar a taxa Selic ou investir em ações de empresa de consumo após divulgação da diminuição da taxa de desemprego e/ou aumento do Produto Interno Bruto. abril de 2009 Elabore uma planilha com seus gastos e controle-a para não ultrapassar seu rendimento. Anote todo o gasto com cartão de crédito, cheque, saques etc. É importante planejar também os gastos anuais, como presentes de Natal, férias, manutenção de carro, IPVA etc. Como não ocorrem todos os meses, é fácil esquecer estes gastos – faça as contas de quanto eles irão lhe custar. Planeje-se de forma a montar uma reserva para fazer frente a estes gastos. Venda seus bens patrimoniais dispensáveis (segundo carro, casa no campo etc.); em vez de gerarem gastos e serem depreciados, os recursos gerados com suas vendas podem ser aplicados no setor financeiro e gerar juros ou dividendos. Nunca peça dinheiro emprestado, principalmente se tiver dinheiro aplicado. Você estaria recebendo 1% da aplicação e pagando juros no mínimo cinco vezes maiores. Evite as multas em geral, principalmente as de trânsito e as de atraso no pagamento de contas. Atualmente, é arrecadado em multa somente na cidade São Paulo quase meio bilhão de reais por ano. Por isso, a compreensão da economia será fator fundamental para a escolha dos investimentos mais propícios em cada momento atravessado. Para isso, é preciso entendê-la como um todo e também seus principais predicados e instrumentos de condução da política econômica. Na obra, são comentadas as principais variáveis agregadas da macroeconomia, como Produto Interno 33 Bruto, inflação, juros e câmbio. Os instrumentos de políticas do governo são: política monetária (juros), política fiscal (tributos e gastos), política cambial (câmbio) e política de renda. abril de 2009 onde investir Ao optar pelos investimentos que irão compor sua carteira, você deverá considerar três principais fatores: sua meta, o horizonte de investimento e seu perfil de risco. É sempre válido analisá-los pela ótica da relação risco e retorno, isto é, comparar os produtos financeiros com o intuito de descobrir qual oferece melhor essa relação – maior retorno e menor risco. Recomenda-se, também, sempre ter aplicado uma parte do capital em investimentos com maior liquidez, para serem utilizados em emergências, como por exemplo, os fundos DI, que efetuam o pagamento do resgate em D+0, isto é, no próprio dia. O gráfico a seguir ilustra os ativos de acordo com seu risco e retorno. gráfico 1 – relação risco × retorno dos investimentos Você já deve ter ouvido alguém reclamar com a seguinte frase: “Na bolsa eu subo de escada e desço de elevador.” Quem já operou na bolsa sabe que uma alta de +X% não recupera uma baixa de –X%. Uma ação que estava valendo R$ 100,00 e caiu 30% foi para R$ 70,00. Se no pregão seguinte ela subir 30%, valerá R$ 91,00. Uma perda de 9%. Com isso, é necessário alongar os lucros (apenas com o uso do stop-gain) e parar os prejuízos (com o uso do stop-loss). Existem duas técnicas básicas de análise de investimento: fundamentalista e gráfica, esta última também chamada de técnica pelo mercado. Na primeira, a recomendação de investimento parte dos resultados da análise dos fundamentos macroeconômicos, setoriais e econômico-financeiros da companhia emissora. No segundo tipo, o analista estuda o comportamento histórico do preço e volume negociado do ativo em questão, para traçar tendências de comportamento de preço. Embora existam debates sobre a eficácia de cada uma das técnicas, elas podem ser consideradas complementares. Por exemplo, o analista estuda o setor e a situação econômico-financeira da companhia para fazer uma recomendação de investimento. Seu trabalho é completado com a análise gráfica, que apontaria o melhor momento de compra ou venda. Os ativos dispostos nos extremos exigem recomendações cuidadosas, pois o mercado de derivativos possui elevados riscos, e a poupança e o aluguel de imóveis possuem baixos retornos. Na obra, são apresentados todos os ativos presentes no gráfico acima, assim como os principais produtos financeiros brasileiros como tesouro direto, mercado de ações, fundos e clubes de investimentos, mercados derivativos etc. 34 técnicas de análise de investimento Na prática, julgamos que, apesar das disparidades conceituais, o domínio dos instrumentos das duas escolas só melhora as chances de ganho de um investidor em ações. No entanto, é sabido que, por diversas oportunidades, as ações encontram-se em fortes tendências de alta ou de baixa, e apenas conseguimos identificar tais movimentos pelo uso da análise gráfica. Generalizando, as informações da escola fundamentalista oferecem ao usuário elementos para decidir o que comprar; por outro lado, as ferramentas da escola técnica se prestam a sinalizar quando comprar (ou vender). Há quem entenda que toda empresa possa apresentar ganhos ao especulador e trabalhe com a análise gráfica, sem olhar os dados financeiros das companhias, estes passíveis de diferentes interpretações e até mesmo de fraudes contábeis. indicações O livro apresenta em seguida ilustrações de análise gráfica, e de fundos e clubes de investimento. Ao final do livro há uma seção com muitas indicações, como recomendações de sites, livros com sinopse, entre outras. (*) Formado pela FIPE no curso de Economia e Setor Financeiro MBA USP - 2006, e Mestre em Economia pela Universidade de Grenoble-França. (E-mail: [email protected]). abril de 2009 35 Rodrigo Octavio Marques de Almeida (*) ciclos econômicos de longo prazo e o comportamento cíclico dos ativos financeiros abril de 2009 1. introdução O objetivo deste artigo é discutir os impactos dos ciclos econômicos globais nos preços dos ativos financeiros. As flutuações econômicas geram ciclos de preços em diversos ativos como commodities, ações, títulos públicos e privados e imóveis. Dessa forma, podem-se determinar trajetórias de longo prazo para os preços dos ativos. Isso é relevante porque muitas decisões de investimento levam em consideração horizontes superiores a cinco anos. De forma complementar, a determinação da fase do ciclo em que a economia se encontra permite implementar a alocação tática de carteiras de investimento, de forma a maximizar sua relação risco-retorno. Este artigo está dividido da seguinte forma: primeiro, resenham-se alguns tipos de ciclos comentados na literatura; a seção seguinte procura uma forma geral para conceituar as fases intermediárias do ciclo usando a metáfora das estações do ano, e dá um indicativo da atual fase do ciclo na economia mundial. O último tópico está reservado às conclusões. anos, enquanto outros são marcados por mudanças demográficas e tecnológicas e se desenvolvem em longos períodos de tempo. A duração do ciclo está relacionada à natureza específica da atividade. Nessa seção, seis tipos de ciclo serão explorados. Cada um deles pode estar relacionado a uma flutuação nos mercados financeiros, representando oportunidades na alocação de ativos. Os seis tipos de ciclo são: 1. Ciclos Agrícolas 2. Ciclos de Estoques 3. Ciclos Eleitorais 4. Ciclos de Investimento em Capital 5. Ciclos de Construção 6. Ciclos de Kondratieff 2.1. ciclos agrícolas 2. tipos de ciclo 36 1 Sabe-se que a flutuação nos preços dos ativos é um processo natural de mudança de expectativas e incorporação de informações e que pode conduzir a um comportamento cíclico. Existem diferentes tipos de ciclos econômicos que podem ser divididos em função de suas causas ou de sua duração, e muitos têm efeitos sobre os mercados financeiros. Os preços dos produtos agrícolas estão sujeitos a flutuações regulares, seja porque a produção é determinada pelos preços passados, seja porque os preços no mercado são determinados pela produção corrente. Um ciclo agrícola também pode ser iniciado por um desastre climático em qualquer região produtora, o que reduz a oferta disponível do produto. O ciclo evidentemente depende da cultura. Algumas flutuações são consequência de ciclos de estoques que duram em média de dois a quatro Labys (2006) apresenta uma série de metodologias de cálculo da duração de ciclos de commodities. 2.2. ciclos de estoques (Kitchin) Ciclos de até 40 meses estão associados à variação de estoques. Os estoques ganharam importância na análise dos ciclos por serem um dos componentes mais voláteis do produto real. Em 1920, Joseph Kitchin sugeriu que um ciclo de negócios pode ser visto como consistindo de dois ou três ciclos menores de 40 meses de duração inseridos em uma onda maior. Kitchin examinou séries históricas de preços de commodities e taxas de juros nos Estados Unidos e Inglaterra entre 1890 e 1922, mostrando que havia comovimentos entre as variáveis. No entanto, não ofereceu uma explicação teórica para os movimentos cíclicos da atividade econômica, sugerindo que o processo apenas refletia movimentos de psicologia de massas. Essa idéia de miniciclos foi depois renovada e incorporada por Schumpeter (1939). Outros autores como Meltzer (1941) desenvolveram modelos que explicavam o comportamento cíclico dos estoques. 2.3. ciclos eleitorais No entanto, uma categoria de ciclo que vem gerando mais estudos é aquela gerada pelas eleições nos Estados Unidos. Uma explicação para a existência destes ciclos pode ser a tendência de o presidente eleito tomar medidas para o ajuste da economia nos primeiros anos depois de sua posse. Esse tipo de comportamento também tem impacto no mercado de ações. Historicamente, o mercado acionário é um indicador antecedente do ciclo de negócios. Existem vários estudos que relacionam o desempenho do mercado de ações ao ciclo eleitoral nos Estados Unidos. Allivine e O’neill (1980), Gartner e Wellershoff (1995), Hensel e Ziemba (1995), Huang (1985) e Booth e Booth (2003) mostraram que a diferença entre os retornos da primeira metade e os da Stovall (1992) também descobriu um padrão de baixos retornos para o mercado acionário nos dois primeiros anos do mandato presidencial e altos retornos nos últimos dois anos. A amplitude do ciclo varia entre 40 e 53 meses em função das defasagens das políticas fiscal e monetária. Beyer, Jensen e Johnson (2007) encontram evidências de que o FED é sistematicamente mais acomodativo, em termos de política monetária, no terceiro ano do mandato presidencial. Examinando o retorno de cada ano do mandato presidencial, Foerster e Schmitz (1997) descobriram que tanto no mercado americano quanto no mercado internacional (uma amostra de 18 países) estes são mais baixos no segundo ano de uma administração nos Estados Unidos em relação ao primeiro, terceiro e quarto anos. Recente estudo de Wong e McAleer (2007) mostra que entre janeiro de 1965 e dezembro de 2003, os preços das ações americanas seguiram o padrão do ciclo de eleição presidencial: após um período de queda correspondendo ao primeiro ano da administração, as ações atingem o fundo no segundo ano e se recuperam no terceiro e quarto anos. A existência de um ciclo político com impacto global pode ser considerada uma anomalia de mercado, que pode ser útil na formação de carteiras de risco. abril de 2009 Existe certa dificuldade de calcular precisamente a amplitude de alguns ciclos econômicos conhecidos em função das mudanças estruturais que a economia mundial apresenta no longo prazo. O caso mais emblemático refere-se à mudança na duração do ciclo de estoques em razão das novas técnicas de administração de materiais. segunda metade do período presidencial é econômica e estatisticamente significante. Considerando-se a extrema interdependência dos mercados, é provável que a parte mais dinâmica da alta dos preços das ações internacionais já tenha ocorrido, mesmo quando se considera a possibilidade de um “rally” de final de ano em 2007. O ajuste que a economia global deverá passar nos próximos meses poderá ser atenuado exatamente pela existência de um ciclo político. O mercado acionário americano é uma boa “proxy” do comportamento da economia global e isso tem impactos diretos sobre as principais variáveis financeiras e macroeconômicas brasileiras. 37 2.4. ciclo de investimentos em bens de capital (Juglar) Quando se analisa o comportamento dos gastos com equipamentos e estruturas, nota-se que estes têm uma duração maior. abril de 2009 Um dos primeiros a documentar este tipo de ciclo foi Clement Juglar (1819-1905). Até antes da 2ª Guerra Mundial, os ciclos de investimentos variavam entre 7 e 11 anos. E era considerado a principal influência para o ciclo de negócios. Conforme descrito em Niemira (1994), existem evidências de que a duração do ciclo se encurtou depois do pós-guerra. Uma possível razão pode ser a utilização das políticas fiscal e monetária, que podem ter sido mais agressivas que no passado. Outra possível explicação é que a informação é mais rapidamente disseminada. Dessa forma, os empresários podem capturar oportunidades de investimentos e avanços tecnológicos de forma mais rápida do que no passado encurtando o ciclo. 2.5. ciclos de construção civil 2 Os ciclos de imóveis e de construção civil têm componentes de curto e de longo prazos. No curto prazo as oscilações são geradas pela disponibilidade de crédito enquanto as flutuações de longo prazo são determinadas por questões demográficas. O ciclo pode ser dividido em quatro fases distintas. A primeira está associada ao aumento da demanda por imóveis sem aumento proporcional da oferta. Esta fase caracteriza-se por altas taxas de ocupação e elevação de aluguéis. Em paralelo, os preços dos terrenos tendem a subir de forma acelerada. Quando o número de lançamentos ultrapassa a demanda o setor entra na fase do “overbuilding”. A fase seguinte é de ajuste, quando as construtoras ajustam o número de lançamentos à demanda declinante. Na última etapa, as taxas de ocupação dos imóveis despencam com a redução do nível de atividade. 38 Tvede (2006) também tem uma conceituação para uma mudança de tendência em um mercado imobiliário aquecido. Para o autor, quatro são os indicativos de que o mercado imobiliário encontra-se em um topo de preços. Primeiro, a demora crescente para vender imóveis. Segundo, o aumento de residências não vendidas e terceiro, o aumento do número de propriedades à venda por mais de 120 dias. Outro sinal é o aumento da compra de propriedades para fins de investimento. 2.6. ciclos de Kondratieff Kondratieff (1926-1984) identificou quatro fases distintas para a economia. 3 Se, por um lado, a datação desse ciclo é razoavelmente controversa, por outro é possível descrever suas características. No período de expansão, a inflação é positiva mas estável, o preço das commodities encontra-se relativamente baixo, as taxas de juros estão estáveis e o preço das ações começa a se elevar. O período em geral é caracterizado pelo crescimento do lucro das empresas e por inovações tecnológicas. Na etapa seguinte, a inflação se acelera, o preço das commodities começa a subir, mas as taxas de juros nominais acompanham enquanto as ações tendem a perder valor real. No pico do ciclo, a taxa de inflação é estável ou cadente, o preço das commodities cai, taxas de juros internacionais também caem, cresce o endividamento de empresas e consumidores, o crescimento dos lucros é positivo, mas sem o dinamismo das fases anteriores. Dívidas em excesso e facilidade de crédito contribuem para a formação de “bolhas especulativas”. Na fase de depressão a inflação cai, algumas commodities como o ouro se elevam, taxas de juros estáveis no fundo, os lucros das empresas desabam, o estoque de dívida começa a ser reduzido pelo crescimento da inadimplência e escândalos financeiros surgem. Aumenta a probabilidade de um conflito armado que marca o fim dessa fase, e um novo período de crescimento se inicia. Schumpeter (1939) expandiu a teoria de ciclos de forma a incluir três ciclos: ciclos de Kondratieff (50-60 anos), Ciclos de Juglar ( 9-11 anos) ciclos de Kitchin (40 meses). Schumpeter atribuía a todos os três ciclos o processo de inovação. O diagrama abaixo mostra a formação de ciclos e subciclos de forma ideal. Um ciclo de Kondratieff contém vários ciclos de Juglar e de Kitchin seguindo Schumpeter (1939). figura 1 – padrão ideal dos ciclos econômicos de longo prazo Fonte: Tvede (2006). 2.7. ciclos e tendências dos ativos financeiros Uma maneira de dividir as distintas fases dos ciclos é compará-los com estações do ano. Dessa forma, podemos dividir quaisquer ciclos, sejam de curto prazo − até quatro anos − ou de longo prazo − de 10 a 50 anos − em quatro fases distintas: primavera, verão, outono e inverno. Na primavera dos ciclos econômicos, o otimismo impera entre os investidores e a economia cresce de forma sólida. O preço das ações sobe para refletir os melhores resultados esperados. Em função do nível de atividade crescente, as taxas de juros também iniciam uma trajetória de alta. Esta fase é marcada por desaquecimentos curtos e recuperações econômicas fortes. No verão, a inflação começa a aquecer, o nível de endividamento também cresce e as ações perdem valor real. No Já o outono chega após uma breve recessão de “verão”. O endividamento continua a crescer e a liquidez internacional é elevada. Esta etapa é marcada pela grande especulação financeira e o crescimento econômico é positivo, mas baixo. Outras características são o aumento do movimento de fusões e aquisições e um “boom” nos lançamentos primários de ações. Bolhas especulativas são comuns e o final desse ciclo é marcado pelo “crash” de uma bolha no mercado de ativos de risco. abril de 2009 O objetivo da literatura descrita nas seções anteriores é o de buscar regularidades usando o comportamento histórico da Economia. Estas regularidades podem fazer parte do cenário econômico e ajudar a determinar uma alocação de ativos para investidores. fim dessa fase, o preço das commodities atinge o pico e as taxas de juros continuam a subir, refletindo o novo nível inflacionário. A principal característica de um inverno econômico é a tendência de queda dos mercados financeiros. Ações, commodities e taxas de juros entram em tendência de queda e o excesso de capacidade é purgado por falências e depreciação tecnológica. As recuperações são breves em função do ciclo de estoques e o sistema financeiro entra em colapso. Lentamente, as condições para uma nova fase de crescimento começam a surgir com a introdução de novas tecnologias. Os investidores tornam-se avessos ao risco e mais conservadores. No final, uma nova 39 economia emerge, com baixos níveis de endividamento e novas tecnologias. Para cada estação os gestores de recursos devem fazer uma alocação diferente. Se a economia encontra-se no “verão”, é provável que o investimento em ações seja a melhor opção. No caso do “inverno”, a busca pela preservação de capital com uma carteira conservadora é o mais indicado. A divisão descrita acima pode ser aplicada tanto a um país isoladamente quanto em termos globais. No entanto, o avançado grau de integração econômica atual implica que é cada vez mais difícil um país atravessar um ciclo isoladamente. Como se pode perceber, crises financeiras geradas por excesso de endividamento tanto de empresas como de países prenunciam a chegada do “inverno”, quando os preços dos ativos são recalculados. Em geral, cabe aos gestores da política econômica suavizar e encurtar tais ciclos, mas eles continuam existindo. Em que fase estamos? O Gráfico 1 mostra o desempenho do índice SP500 no período 2001-2009 comparado ao índice Dow Jones Industrials entre 1931 e 1933. Evidentemente, a “coincidência” verificada serve apenas para reforçar a idéia de que os ativos financeiros têm comportamento semelhante, mesmo quando as “estações” ocorrem em décadas completamente diferentes. abril de 2009 gráfico 1 – comparação entre o desempenho dos índices de ações americanos em décadas diferentes Nas crises financeiras globais das últimas décadas, o remédio foi uma redução rápida e eficiente da taxa de juros internacional. O diagnóstico parecia ser que uma súbita queda no preço dos ativos financeiros contagiaria a economia real − o canal seria a queda na confiança do consumidor. Nos primeiros anos deste século, a taxa de juros americana foi mantida em patamares historicamente 40 baixos, e os mercados financeiros, então, voltaram a ter mais um ciclo de alta vigorosa. Aparentemente, os gestores da política econômica descobriram uma fórmula eficaz que suavizaria os efeitos danosos de um "inverno" econômico prolongado sem gerar inflação. No entanto, parece apenas que o ajuste mais seve- ro foi postergado. O que se nota nos últimos anos é o crescimento do endividamento das empresas e consumidores e o aumento da alavancagem nos países desenvolvidos para volumes superiores aos do ciclo de crescimento anterior ao ano 2000. Essa tentativa de suavização gerou severas distorções que apenas agora estão sendo sentidas. Ao analisar os casos do Japão em 1980 e 1990, e Estados Unidos em 2000, Oppers (2002) argumenta que para uma escola de pensamento em particular, o crescimento econômico gerado por uma expansão de crédito apenas posterga um ajuste estrutural. Os países emergentes foram beneficiados pelo último ciclo de crescimento internacional e de expansão de crédito. A busca global por altos retornos favoreceu, até recentemente, a forte apreciação das moedas desses países em relação ao dólar. As bolsas de valores seguiam uma alta que parecia constante, apenas cortada por pausas de curta duração, função da sazonalidade dos fluxos de capitais. Booth, J. R.; Booth, L. C. Is presidential cycle in security returns merely a reflection of business conditions? Review of Financial Economics, v. 12, n. 2, p. 131-159, 2003. Foerster, S.R.; Schmitz, J.J. The transmission of U.S. election cycles to international stock returns. Journal of International Business Studies, v. 28, n. 1, p. 1-27, 1997. Gartner, M.; K.W. Wellershoff. Is there an election cycle in American stock returns? International Review of Economics & Finance, v. 4, n. 4, p. 387-410, 1995. Glasner, D.; Cooley, T. Business cycles and depressions: an encyclopedia. Taylor & Francis, 1997. Hensel, C. R.; Ziemba, W. T. United States investment returns during Democratic and Republican administrations. Financial Analysts Journal, p. 61-69, 1995. Huang, R. D. Common stock returns and presidential elections. Financial Analysts Journal, 41, p. 58-65, 1985. Kuznets, S. Secular movements in production and prices. New York: Houghton Mifflin Company, 1930. Labys, W. Modelling and forecasting commodity prices. Ashgate Publishing Ltd., 2006. Metzler L. The nature and stability of inventory cycles. Review of Economics and Statistics, v. XXII, n. 2, 1941. Reimpresso em Clark, John; Cohen, Morris. (Eds.). Business fluctuations, growth and economic stabilization: a reader. New York: Random House, 1963. Os desenvolvimentos recentes do cenário econômico global implicam uma coincidência de “invernos” de ciclos de diversas amplitudes. Isso significa que do ponto de vista de gestão de ativos, carteiras de investimento precisam ser geradas de forma a preservar o capital dos investidores. Niemira, M. Forecasting financial and economic cycles. New York: Willey, 1994. 3. conclusão Schwert, G. W. Stock returns and real activity, a century of evidence. Journal of Finance, v. 45, n. 4, p. 1237-1257, 1990. Este artigo procurou mostrar uma aplicação possível para a teoria de ciclos econômicos de longo prazo. A busca de regularidades históricas é uma ferramenta importante na determinação dos cenários e na elaboração de estratégias e de carteiras. Os responsáveis pela implementação da política econômica podem suavizar os ciclos, mas não têm como evitá-los. Isso dá espaço para a obtenção de lucros acima do “bench mark” em estratégias de prazos mais longos. Stovall, R. H. Forecasting stock market performance via the presidential cycle. Financial Analysts Journal, v. 48, n. 3, p. 5-8, 1992. Allivine, F. D.; O’Neill, D. D. Stock market returns and the presidential cycle, implications for market efficiency. Financial Analysts Journal, v. 36, n. 5, p. 49-56, 1980. Berry, B. Long wave rhythms in economic development and political behavior. John Hopkins University Press, 1991. Beyer, S.; Jensen, G.; Johnson, R. The presidential term: is the third year the charm? 2007. Mimeo. Schumpeter, J. Business cycles. New York: McGraw Hill, 1939. abril de 2009 referências Oppers, S. The Austrian theory of business cycles: old lessons for modern economic policy? IMF Working Paper – WP/02/2, 2002. Thorbeche, W. On stock market returns and monetary policy. Journal of Finance, v. 52, n. 2, p. 635-654, 1997. Tvede, L. Business cycles – history, theory and investment reality. John Willey & Sons, 2006. Wong, W.; McAlEer, M. Mapping the presidential election cycle in US stock markets. 2007. Mimeo. 1 Para uma resenha mais completa sobre os tipos de ciclo, ver Berry (1991). 2 Esse ciclo está associado ao trabalho de Kuznets (1930). 3 Conforme interpretação de Niemira (1994). (*) Estrategista da Planner Investimento e Professor de MBA na área de Economia e Setor Financeiro. (E-mail: [email protected]). 41