análise de conjuntura temas de economia aplicada

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Nº 343 Abril / 2009
FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS
issn 1234-5678
análise de conjuntura
Em nota de conjuntura, Carlos Eduardo Gonçalves afirma que a expansão monetária em
curso mundo afora, fundamental para preservar o nível de atividade, não deve
ter consequências inflacionárias preocupantes no médio prazo.
José Francisco de Lima Gonçalves faz uma análise crítica quanto à postura
conservadora do COPOM, baseando-se em seu Relatório de Inflação de março de 2009 e
de suas recentes decisões quanto à taxa Selic.
Simão Davi Silber questiona as previsões do FMI para o crescimento do PIB mundial
em 2010, dada a falta de coordenação internacional para formular e aplicar políticas
econômicas que combatam a crise vigente, além de analisar as perspectivas
para o setor externo brasileiro.
temas de economia aplicada
Fernando Homem de Melo defende a possibilidade de crescimento do setor agrícola baseado numa nova demanda por biocombustíveis, apesar da atual crise de crédito.
Dante Mendes Aldrighi discute o novo programa de ajuda aos bancos do governo dos
EUA anunciado por Timothy Geithner, Secretário do Tesouro, no dia 23 de março.
Otaviano Canuto analisa as perspectivas para os países em desenvolvimento, para o
período posterior à crise financeira atual.
Maria Helena Zockun contrapõe os objetivos principais de uma possível reforma tributária ao ideal de autonomia dos Estados para avaliar as
diferentes propostas de mudança.
Antonio Lanzana e Luiz Martins Lopes analisam o impacto da atual crise no Brasil, ressaltando a importância da estabilização da economia para a retomada do crescimento.
Ana Maria de Paiva Franco, no segundo artigo, da série de três, compara diferentes métodos para estabelecer rankings de escolas segundo o critério da adequação para nortear
políticas públicas.
Leandro Martins resume seu livro, Aprenda a investir – saiba onde e como aplicar seu
dinheiro, o qual tem por objetivo ensinar o público em geral a investir.
Rodrigo Octavio Marques de Almeida descreve comportamentos cíclicos econômicos e de
preços de diferentes ativos, destacando como a compreensão dos mesmos permite uma
alocação tática de carteiras de investimento.
Nº 343
ABRIL DE 2009
INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL
DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO
ANÁLISE DE CONJUNTURA
issn 1234-5678
nota de conjuntura .......................................................................................................... 3
Carlos Eduardo Gonçalves
política monetária............................................................................................................ 5
José Francisco de Lima Gonçalves
CONSELHO CURADOR
Hélio Nogueira da Cruz (Presidente)
Andrea Sandro Calabi
Juarez B. Rizzieri
Joaquim José Martins Guilhoto
Ricardo Abramovay
Simão Davi Silber
Vera Lucia Fava
setor externo...................................................................................................................... 7
Simão Davi Silber
DIRETORIA
TEMAS DE ECONOMIA APLICADA
9
................ safra 2008/2009: os dados indicam significativa redução do ímpeto do
crescimento agrícola (4)
DIRETOR PRESIDENTE
Carlos Antonio Luque
DIRETOR DE PESQUISA
Eduardo Haddad
Fernando Homem de Melo
12 .................................... o programa de investimento público-privado de Geithner
Dante Mendes Aldrighi
DIRETOR DE CURSOS
Cicely M. Amaral
16 ..................................................... the developing world in a post-bubble economy
Otaviano Canuto
18 ......................... as propostas de reforma tributária do Executivo e do Senado e o
federalismo fiscal no Brasil
Maria Helena Zockun
PÓS-GRADUAÇÃO
Dante Mendes Aldrighi
SECRETARIA EXECUTIVA
Domingos Pimentel Bortoletto
22 .................... estabilização, crescimento e impactos da crise sobre o País em 2009
Antonio Lanzana, Luiz Martins Lopes
28 ................... uma análise de rankings de escolas brasileiras com dados do SAEB
PReparação de originais e revisão
Alina Gasparello de Araujo
Ana Maria de Paiva Franco
32 ........................................................................................................... aprenda a investir
Leandro Martins
36 ........................ ciclos econômicos de longo prazo e o comportamento cíclico dos
ativos financeiros
EDITOR CHEFE
Gilberto Tadeu Lima
CONSELHO EDITORIAL
Heron Carlos E. do Carmo
Lenina Pomeranz
Luiz Martins Lopes
José Paulo Z. Chahad
Maria Cristina Cacciamali
Maria Helena Pallares Zockun
Simão Davi Silber
Rodrigo Octavio Marques de Almeida
AS IDÉIAS E OPINIÕES EXPOSTAS NOS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE
EXCLUSIVA DOS AUTORES, NÃO REFLETINDO A OPINIÃO DA FIPE
ASSISTENTE
Maria de Jesus Soares
PROGRAMAÇÃO VISUAL E COMPOSIÇÃO
Sandra Vilas Boas
análise de conjuntura
Carlos Eduardo Soares Gonçalves (*)
nota de conjuntura:
economistas esquizofrênicos
Os números do balancete do FED deixam isso bem
claro. Antes da falência do Lehaman Brothers – episódio divisor de águas desta crise – os ativos do banco
central dos EUA não chegavam a U$ 1 trilhão de
dólares. Hoje, eles são de U$1.9 trilhão, e prometem
crescer muito mais. Somando-se a este número o U$ 1
trilhão reservado para o TALF, e mais algo de similar
magnitude que o FED está planejando usar para comprar títulos longos do tesouro (que serve de referência
para os empréstimos de longo prazo ao setor privado)
e papéis das gêmeas Mae e Mac, terminamos com a
bagatela de U$ 4 trilhões. Adicione a isso o fato de que
o juro nominal é zero, e temos um quadro de muita
moeda na economia.
Mas o ponto é que sem este empuxo monetário, a economia demoraria muito mais para se recuperar, o que
torna quase óbvia sua necessidade! É demonstração
de esquizofrenia pedir aos bancos centrais que nos
salvem da depressão econômica e ao mesmo tempo
nutrir preocupação excessiva com o impacto das medidas de política sobre o futuro da inflação. Se o mundo
acabar antes, não vai ter inflação lá na frente.
Voltando à pergunta da hora: tamanha expansão
monetária pode acabar afetando a taxa de inflação
mais à frente? Minha resposta: em alguma medida
sim, mas, e daí?
“Em alguma medida sim” merece uma explicação
melhor. O ponto é que não é claro que a inflação virá
mesmo a ser um problema no futuro por um motivo
simples: a mão que dá, pode também ser a mão que
retira. Ben Bernanke já deixou isso muito claro quando em fevereiro deste ano afirmou ser muito importante, a partir do momento em que o crescimento seja
retomado, mudar o curso de ação do FED, retirando
o estímulo monetário da economia. Para os céticos,
transcrevo aqui parte do seu pronunciamento: “nós
temos muitas outras ferramentas, tais como a possibilidade
de ajustar a taxa de juros que remunera as reservas bancárias, que podem nos ajudar a elevar a taxa de juros, mesmo
que talvez seja difícil reverter a expansão tão rápido quanto
queiramos”.
abril de 2009
Ainda que o mundo esteja afundado na lama da
recessão, alguns economistas já se preocupam com o
futuro da inflação depois que a atividade começar a
se recuperar – o que, segundo os otimistas, poderia
ocorrer já em 2010. O motivo é o massivo impulso
monetário engendrado por diversos bancos centrais
mundo afora. De fato, nos últimos trimestres, a expansão monetária levada a cabo nos EUA como resposta
das autoridades ao risco de uma depressão econômica
e falência do sistema de crédito, foi maciça.
3
Agora vejamos o: “mas e daí?”.
1 As opiniões contidas nesta nota são de responsabilidade do
autor.
Inflação é algo ruim quando é fruto de uma consistente incapacidade dos governos de viver dentro dos
limites permitidos por sua arrecadação de impostos
tradicionais. Quando a posição fiscal é estruturalmente desregrada, como na América Latina dos anos 80,
a inflação assume proporções preocupantes, desorganiza a economia e piora a distribuição de renda.
Daí nossa justificável aversão a ela. Mas não se deve
exagerar na avaliação dos custos da inflação quando
abril de 2009
ela é baixa, principalmente em um mundo no qual o
gerenciamento da política monetária se tornou mais
eficiente e independente nas últimas décadas.
4
Meu Deus, estamos com medo de que por conta de
tanta expansão monetária a inflação passe de 1% ou
menos para algo como 5%!? Não conheço nenhuma
evidência empírica ou modelo teórico que justifique
esta preocupação, apesar de conhecer várias justificando a preocupação com as consequências de uma
ruptura do funcionamento dos mercados de crédito.
Isso não é uma defesa do tradicional argumento “um
pouquinho mais de inflação é bom porque compra
mais crescimento”, pois não acredito nesta troca em
condições normais de temperatura e pressão. Contudo, é, sim, uma defesa das medidas de injeção de liquidez da economia para salvaguardar um dos motores
do crescimento de longo prazo, o mercado privado de
crédito, ainda que elas impliquem um pouco mais de
inflação alguns anos mais adiante.
(*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP e
Economista do Grupo de Conjuntura da Fipe.
(E-mail: [email protected]).
José Francisco de Lima Gonçalves (*)
política monetária
prelúdio
Éramos três. Um, cujo nome meu Alzheimer me
impede de lembrar, a competente Rosenberg e nós.
Segundo levantamento de prestigiosa agência de notícias e informações financeiras, três entre “trocentos”
analistas, consultores, estrategistas etc., entendíamos
que cabia um corte na taxa Selic em dezembro de 2008.
A pesquisa Focus do BACEN dava como mediana a
manutenção da taxa em 13,75%. Alguns “monstros do
mercado” falavam em choque de juros – para cima –
uns dias antes. Eram os mesmos que vendiam dólares
a R$ 1,65 em setembro.
cerca de R$ 800 milhões. Efeito sobre a inflação?
IPCA abaixo de 4%: mudança na poupança, Selic
abaixo de 8%, nova meta?
No Relatório de Inflação de março de 2009, o COPOM reconhece a melhor perspectiva para a inflação
em 2009 e 2010 e retoma dois riscos, nenhum novo.
O primeiro ainda é o referente ao efeito da taxa de
câmbio sobre os preços domésticos e o segundo ainda
é o referente à incerteza sobre o nível de atividade
econômica. De passagem, o COPOM indica uma
possível piora nas contas públicas.
A ameaça do câmbio ainda persiste, segundo o
COPOM. Defasagens e incertezas sobre o patamar
aos preços.
A ameaça da demanda ainda persistiria. Os sólidos
fundamentos da economia brasileira, na avaliação do
COPOM, devem conduzir a uma retomada do crescimento tão logo os sinais de que o ponto mais delicado
da crise financeira internacional apareça e os agentes
econômicos abandonem a postura defensiva que têm
adotado desde o último trimestre de 2008.
O raciocínio é simples: ao atribuir-se à crise internacional papel preponderante na desaceleração
da economia brasileira e na redução da inflação, a
melhora externa, principalmente se não for forte o
suficiente para que o financiamento do balanço de
pagamentos seja feito com folga, vai bater no câmbio
e na inflação.
Ainda há, ressalta o COPOM, a ameaça do crédito,
seja pela redução da taxa Selic, seja pela possibilidade
de ampliação significativa de operações no mercado
de capitais.
abril de 2009
Escrevemos neste espaço, e nossos solitários parceiros
na divergência não têm nada a ver com o que segue,
que a postura do COPOM era uma contradição em
termos, dado seu substrato neoclássico, expectativas
não viesadas e quejandos. Havia um encontro marcado entre o dinheiro-liquidez e o dinheiro-demanda. E
o encontro ocorreu.1 O adiamento da redução custou
de “equilíbrio”, bem como o fato de que o câmbio
estava valorizado à época da maxidesvalorização
estariam adiando o repasse da maxidesvalorização
De qualquer modo, a situação é melhor e o risco de
inflação mais baixo do que anteriormente. Com a
inflação esperada indo para baixo do centro da meta,
cabe prosseguir com a redução da Selic.
A ressalva feita a partir da redução da Selic a 11,25%
(2,5% de queda desde janeiro) é indicadora dos novos riscos: “além do fato de que mudanças da taxa básica
de juros têm efeitos sobre a atividade e a inflação que se
acumulam ao longo do tempo, a avaliação do Copom sobre o
espaço para flexibilização monetária adicional também leva
5
em conta aspectos, resultantes do longo período de inflação
elevada, que subsistem no arcabouço institucional do sistema
financeiro nacional.” Fala-se da poupança e, talvez, de
outras instituições menos notáveis.
De fato, para se fazer política monetária, no limite, os
juros nominais podem ir a zero. Fica difícil com ativos
que têm remuneração nominal positiva fixada por lei.
Antes disso, a concorrência que a poupança pode fazer
aos fundos que carregam boa parte da dívida pública
é evidente. Alguma mudança é necessária: muda-se
alta, quem vai argumentar por meta de 4,5% para o
IPCA, se ele ficar abaixo de 4% em 2009 e abaixo do
centro da meta em 2010?
1 Que o BACEN tenha atuado, com nosso aplauso, nos compulsórios e na promessa de rolagem da dívida externa privada
só acentua a contradição em termos.
abril de 2009
a poupança ou interrompe-se a queda da Selic em
algum ponto bem antes dos 8%.
É óbvio que há soluções técnicas para o impasse que se
tenta criar. Remunerar o pequeno poupador, manter
a tributação do rendimento financeiro dos demais
e viabilizar o financiamento da dívida pública não
parece ser uma situação de mais incógnitas do que
equações. O problema é que há muita gente que não
sabe o que é incógnita e pode até supor que saiba o que
é equação. Existe uma maneira “chique e soberana”
de explicar para o pequeno poupador que a regra da
poupança vai mudar? E às vésperas da campanha
presidencial?
Se o presidente Lula conhece os corações, as mentes
e os fígados de seus eleitores, qualquer mudança fica
para depois. Parece que ficaremos com a Selic acima
de 8,5% ou 9%, conforme o gosto do freguês (a taxa
de indiferença entre poupança e fundos DI). Isto pode
ser compatível com nova meta de inflação.
Senão, vejamos. Uma Selic mais alta do que seria
possível – pela, digamos, restrição institucional – vai
forçar a inflação para baixo dos 4%, pelos efeitos contracionista na demanda e de arbitragem no câmbio.
Como o governo não se conforma com a perspectiva
de um PIB em queda − e ainda precisa apostar no
sucesso do anticíclico PAC −, ao aceitar uma Selic mais
6
(*) Professor do EAE/FEA/USP e economista-chefe do Banco Fator.
(E-mail:[email protected]).
Simão Davi Silber (*)
setor externo
A obtenção de um modesto crescimento em 2010 parte
da hipótese de que as medidas de política monetária e
fiscal já adotadas em grande número de países sejam
suficientes para reverter o resultado negativo de 2009.
Trata-se de uma hipótese otimista, dada a falta de
acordo e coordenação entre os principais países do
mundo de como enfrentar a crise financeira mundial.
A reunião do G-20 deu uma clara indicação da falta
de coordenação de política macroeconômica internacional, onde cada país ou região escolheu um mix de
política monetária e fiscal local e não conseguiu convencer seus parceiros a adotar políticas semelhantes.
Esse é o grande problema das últimas quatro décadas
da política macroeconômica internacional. Desde que
se optou pelo regime de câmbio flutuante no mundo,
há muito maior liberdade para as políticas domésticas
e pouco estímulo para a cooperação internacional. Em
períodos de crise, o resultado é muito mais visível:
cada país persegue objetivos nacionais, em detrimento
de uma solução cooperativa. O único resultado visível
da Cúpula do G-20 foi o de fortalecer uma instituição
criada em 1944: o FMI; sabe-se lá quando as promessas
de capitalizar o Fundo se materializarão.
Mesmo que as medidas surtam o efeito estimado, a
recuperação estimada para a economia mundial está
aquém do crescimento dos últimos anos, situado em
5% ao ano, e do padrão histórico do período pósguerra, no qual o crescimento médio da economia
mundial foi de 3,9% ao ano. A recuperação do crescimento sustentado da economia mundial só ocorrerá
quando for reduzido o enorme desequilíbrio que se
materializou na última década: um enorme déficit
fiscal e de balanço de pagamentos dos Estados Unidos,
financiado pela Ásia e países exportadores de petróleo. Essa é uma situação insustentável a longo prazo
e envolve decisões drásticas de redução do déficit
público nos Estados Unidos e apreciação cambial das
moedas dos países superavitários. Não será uma solução que ocorrerá em 2009, dada a magnitude da crise
mundial, e cada país deverá continuar procurando
soluções domésticas para seus problemas de curto pra-
abril de 2009
As previsões para o desempenho da economia mundial em 2009 só têm paralelo com o que aconteceu
na época da “Grande Depressão” dos anos 30. Pela
primeira vez é projetado um crescimento negativo
do PIB mundial, com recessão aberta nos países desenvolvidos e forte desaceleração do crescimento nos
países em desenvolvimento. O relatório preparado
pelo Fundo Monetário Internacional para a reunião
do G-20, realizada em Londres entre 13 e 14 de março
passado, estima queda do crescimento mundial de
-1% para 2009 e modesta recuperação para 2010, na
qual o crescimento se situaria em 1,5%. Por regiões, o
resultado mais dramático seria o do Japão, com queda
estimada de 5,8% do PIB em 2009, e o país continuaria em recessão em 2010. O Japão foi o país rico mais
atingido pela crise, já que sua recuperação ao longo
do período 2003-2007 foi baseada em forte crescimento das exportações, que entraram em colapso no
segundo semestre em 2008. Aliás, deve-se apontar que
a Organização Mundial do Comércio estima que em
2009 haja uma queda do comércio mundial de -9,1%.
Os resultados projetados para a União Europeia e
Estados Unidos também são de recessão em 2009:
quedas de 2,6% do PIB dos Estados Unidos e de 3,2%
para a União Europeia e crescimento próximo a zero
em 2010. Para os países em desenvolvimento, a trajetória é semelhante, jogando por terra a ideia de que
tais países haviam se “descolado” do desempenho dos
países desenvolvidos. A previsão para 2009 é de que
o PIB dos países em desenvolvimento cresça 1,5% e
passe para 3,5% em 2010, portanto muito distante do
resultado expressivo de crescimento do PIB de 2007,
de 8,3%.
7
zo de desemprego e nível de atividade. Dificilmente a
economia mundial apresentará nos próximos anos o
desempenho exuberante do período 2003-2007.
abril de 2009
Os efeitos da crise no Brasil foram fulminantes: houve
uma “parada súbita” da economia no último trimestre
de 2008, e as medidas tópicas de política fiscal e a modesta redução da taxa de juros não estão sendo capazes de reverter a queda do nível de atividade. As previsões para esse ano são de recessão aberta: a última
estimativa de mercado do Relatório Focus indica uma
queda do PIB total de -0,2% e de -3% para a produção
industrial. A demanda do setor privado apresentou
redução drástica no último trimestre do ano passado:
o consumo do setor privado, que vinha crescendo a
uma taxa anualizada de 7% no terceiro trimestre do
ano passado, teve uma queda para 2,3% no último
trimestre, e as taxas de crescimento anualizadas dos
investimentos na formação de capital fixo caíram de
18,1% para 4,5%. Como a política fiscal não tem grande
espaço para uma política anticíclica, o que se observa
é uma improvisação de isenções e realocação de carga
tributária, sem uma política abrangente de enfrentar a
queda da produção e o aumento do desemprego, que
saiu de 6,8% em dezembro do ano passado para 8,5%
em fevereiro de 2009. A produção industrial brasileira
foi a que mais sentiu a queda de demanda: a produção
de bens de consumo duráveis, no primeiro bimestre
de 2009, está 29% inferior a idêntico período do ano
anterior, e a produção interna de bens de capital está
25% inferior à do ano passado.
No setor externo da economia brasileira, as quedas
também são muito significativas: o balanço comercial, que atingiu US$ 24,7 bilhões em 2008, deverá
se contrair para US$ 15 bilhões. Está havendo uma
queda simultânea das exportações e importações brasileiras: no primeiro trimestre de 2009, as exportações
brasileiras ficaram 19,4% menores que as observadas
no mesmo período do ano passado; as importações
caíram 21,4%. Nesse ritmo, as exportações brasileiras
em 2009 deverão atingir o nível de US$ 160 bilhões,
frente aos US$ 197 bilhões atingidos em 2008; as im-
portações deverão cair para US$ 145 bilhões, frente
aos US$ 173 bilhões observados em 2008. O déficit na
conta serviços e rendas terá uma redução importante
em 2009, principalmente pela redução da remessa de
lucros e dividendos para o exterior. No ano passado,
as remessas líquidas nessa rubrica foram de US$ 33,8
bilhões, devendo cair para o nível de US$ 15 bilhões.
Com isso, o déficit em transações correntes deverá
ser de US$ 22,5 bilhões, menor que o observado em
2008, quando atingiu US$ 28,3 bilhões. Na conta
capital e financeira, a grande mudança ocorrerá no
investimento direto estrangeiro: do fantástico nível
de 2008, quando atingiu a marca de US$ 45 bilhões,
espera-se para esse ano que o nível se situe em US$
22 bilhões, suficientes para financiar o déficit no
balanço de pagamentos em transações correntes.
Não se deve esperar nenhuma entrada significativa
de recursos em capital de portfólio (bolsas e títulos
públicos), oposto do que ocorreu no ano passado, em
que houve um ingresso líquido de US$ 6 bilhões. A
taxa de câmbio depois da volatilidade apresentada no
último trimestre do ano passado trocou de patamar
e tem apresentado oscilações modestas entre R$/US$
2,2 e 2,3. O montante de reservas continua no patamar
dos US$ 200 bilhões e a dívida externa líquida está em
US$ 60 bilhões, portanto desprezível do ponto de vista
da capacidade de pagamentos externos do País. Por
essas razões, o risco Brasil está abaixo de 400 pontos,
indicando que o País exibe pequeno grau de vulnerabilidade externa. O grande problema é doméstico,
no qual a política macroeconômica tem sido incapaz
de sinalizar medidas concretas que possam reverter,
a curto prazo, a forte queda da produção doméstica.
(*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP.
(E-mail: [email protected]).
Os artigos da seção Análise de Conjuntura foram escritos entre 7 e 13/04/2009.
8
temas de
economia aplicada
Fernando Homem de Melo (*)
safra 2008/2009: os dados indicam
significativa redução do ímpeto do
crescimento agrícola (4)
A ideia era analisar os seguintes tópicos:
a) da crise de 2005/2006 à recuperação em 2007/
2008;
b) o início do ajustamento contracionista verificado
em 2005/2006;
c) as evidências do início de um novo ciclo de crescimento;
d) as razões para a retomada do crescimento agrícola
e, de modo mais geral, do agronegócio;
e) problemas, oportunidades e consequências, inclusive com a recente crise internacional.
Este artigo concluirá a análise referente ao tópico c,
através da procurada evidência final, o comportamento da safra 2008/2009 (áreas plantadas).
1. os dados mais completos do IBGE sobre a safra
2008/2009
A Tabela 1 mostra os primeiros dados mais completos
do IBGE para a safra 2008/2009. Esses dados estão
mostrados na coluna identificada como 2009, pois
suas colheitas ocorrem ao longo desse ano, ainda que
possam ter sido plantadas em 2008. Os dados foram
publicados pelo IBGE no início de março de 2009.
abril de 2009
Este é mais um artigo da série em que procuramos
analisar as perspectivas de início de um novo ciclo
de crescimento agrícola com base na definição, pelo
mundo desenvolvido, de uma nova e, significativamente grande, demanda de biocombustíveis. Isso
era, até setembro de 2008, fortalecido pelo expressivo
crescimento da economia mundial. Já salientamos
que a crise internacional, a partir daquela data, e seus
desdobramentos (crédito escasso e caro, e redução das
demandas) em muito prejudicou o ânimo dos produtores em plena época de plantio da safra 2008/2009.
As informações da Tabela 1 parecem claras. Houve
apenas um modesto crescimento da área total plantada de 0,4%, em comparação ao robusto crescimento, de
5,0%, da safra 2007/2008, plantada e, em larga parte,
colhida, antes da crise internacional em 2008. Em
nossa argumentação, anteriormente apresentada (a ser
reapresentada nos próximos artigos), a nova demanda
mundial de biocombustíveis, além do álcool (cana-de-
9
açúcar), deveria, direta ou indiretamente, beneficiar
o setor de grãos no Brasil, principalmente milho e
soja (álcool e biodiesel) através de preços maiores no
mercado internacional.
abril de 2009
tabela 1 – estimativas do IBGE para as variações de áreas
plantadas em 2007/08 e 2008/09 (em %)
10
PRODUTOS
TOTAL
Algodão Herbáceo
Amendoim
Arroz
Batata
Café
Cana-de-açúcar
Cebola
Feijão
Mandioca
Milho
Soja
Trigo
2008
5,0
- 4,8

- 1,2

- 1,8
16,5

- 0,8

4,4
3,4
28,2
2009
0,4
- 15,8
- 1,2
1,3
- 4,0
- 2,7
2,4
2,2
9,3
zero
- 1,9
1,2
- 0,6
Em nossa análise sobre o início de um novo ciclo de
crescimento agrícola preferimos utilizar a área plantada como o principal indicador. No caso de grãos
apenas, o crescimento da taxa em 2008/2009 ficou em
0,5% (CONAB). Entretanto, em termos de produção
de grãos houve uma queda de 6,1%. Essa discrepância
é explicada por fatores climáticos desfavoráveis na
região Sul (seca) e menores produtividades causadas
pela menor utilização de fertilizantes (-8,9%), com
preços bem mais elevados. Este último fator já é resultado da crise econômica, através da aguda escassez
de crédito após setembro de 2008. Em resumo, essas
evidências ainda não invalidam nossa avaliação de
um novo ciclo de crescimento agrícola. Elas indicam,
sim, uma substancial redução do ímpeto desse crescimento, situação causada principalmente pela crise internacional e seus desdobramentos internos (escassez
de crédito). É o caso de continuarmos acompanhando
as novas evidências, pois os preços de fertilizantes já
estão menores que em 2008.
Fonte: IBGE, março de 2009.
É, entretanto, impressionante a redução do crescimento da área plantada com cana-de-açúcar: de 16,5% na
safra 2007/2008 para apenas 2,4% em 2008/2009. Tudo
indica que o setor, largamente baseado em grandes
propriedades, foi duramente atingido pela crise do
crédito. Adicionalmente, o milho passou de um crescimento de área de 4,4% em 2007/2008 para um declínio
de 1,9% em 2008/2009. A soja, demonstrando maior
resistência frente à crise, teve um comportamento relativamente melhor que cana-de-açúcar e milho: essa
cultura reduziu sua taxa de crescimento de 3,4% em
2007/2008 para 1,2% em 2008/2009. A tradição exportadora, assim como a organização de toda a sua cadeia,
é muito superior à do milho. Esse produto apenas
recentemente passou a ser exportado. Nessas condições, o repasse de variações de preços internacionais e
da taxa de câmbio é diferente entre os dois produtos,
melhor para a soja. O crescimento da área de arroz,
de 1,3%, está de acordo com as expectativas. De outro
lado, a área com trigo (redução de 0,6%) ainda está em
aberto, pois reflete apenas uma intenção de plantio.
Segundo o Valor Econômico (10/03/09) sua área poderá
crescer até 10%. A definição de preços mínimos para
essa cultura reforça essa expectativa. O mesmo se fala
do milho safrinha, principalmente no Paraná.
2. os novos dados de preços internacionais e câmbio
Seguindo a metodologia anteriormente definida,
apresentamos, na Tabela 2, a atualização dos preços
dos principais grãos cotados em bolsas internacionais e, direta ou indiretamente, afetados pelos
programas de bioenergia dos países desenvolvidos.
Nosso objetivo é a busca de um novo equilíbrio de
preços após o início da severa crise internacional em
setembro de 2008. Agora, um novo fator começa a
afetar os preços relativos: as intenções de plantio nos
Estados Unidos, país que, dada sua importância, tem
condições de influenciar os preços internacionais.
Uma primeira estimativa foi divulgada pelo USDA
(Departamento de Agricultura dos Estados Unidos)
em 31 de março último. As primeiras informações
(Agricultural Outlook Fórum) de fevereiro passado indicavam estabilidade da área com milho, enquanto
trigo, algodão e amendoim cederiam áreas para a
expansão da soja. No caso do USDA as estimativas
em 31 de março eram: soja, 0,7%; milho, -1,1%; trigo,
-7,0%; algodão, -7,0%. Os preços nas bolsas internacionais tiveram forte alta em 31 de março último. É
preciso aguardar um pouco mais.
tabela 2 – preços de grãos nas bolsas internacionais
(US$/t)
Algodão
Soja
Trigo
Milho
2003
1.316
233
123
92
2004
1.227
277
127
99
2005
1.106
223
117
82
2006
1.151
218
148
103
4º/2006
1.114
235
181
136
2007
1.261
316
234
147
2008
1.403
451
294
207
1º/2008
1.577
499
343
226
2008/09
1.342
413
264
213
2008/10
1.102
339
209
162
2008/11
930
329
198
147
2008/12
982
317
195
141
Será que o fundo do poço do mercado internacional já
foi alcançado? O mesmo Agricultural Outlook Forum nos
Estados Unidos em fevereiro último menciona uma
utilização de 104 milhões de toneladas de milho para
a produção de etanol em 2009, contra uma previsão
mais pessimista, de 91 milhões de toneladas há poucos
meses. O preço do milho na Bolsa de Chicago teve
uma pequena alta neste mês de março.
Visando conseguir uma evidência que nos aproxime
da resposta à indagação feita acima, comparamos
a seguir as médias dos preços dos quatro grãos da
Tabela 2 no primeiro trimestre de 2009 com o último
trimestre de 2008. Nossa hipótese é de que este último
período foi o fundo do poço:
4º/2008
1.005
328
201
1150
2009/01
1.079
364
216
154
2009/02
1.014
344
197
143
• Soja:
5,8%
2009/03
940
334
191
148
• Trigo:
zero
1º/2009
1.011
347
201
148
• Algodão: 0,6%
• Milho: - 1,1%
Fontes:Bolsas de Chicago e Nova York; nossa elaboração.
• 01/09:
R$ 2,3044 / US$
• 02/09:
R$ 2,3146 / US$
• 03/09:
R$ 2,3130 / US$
• MÉDIA 1º/2009:
R$ 2,3107 / US$
Na comparação com a média do primeiro trimestre
de 2008, a depreciação do real foi de 33,1%. Portanto,
lenta e gradualmente, a depreciação de nossa taxa de
câmbio vai compensando a queda dos preços internacionais após setembro de 2008.
Portanto, com a exceção do milho, os dois primeiros
grãos tiveram preços maiores agora em 2009. O do
trigo ficou estável. É claro que essa não é uma evidência conclusiva, mas corrobora a hipótese de que
o último trimestre de 2008 pode ter sido o fundo do
poço. A recente reação dos preços do milho na Bolsa
de Chicago poderá, logo, retirar a variação negativa
de seu preço. Entretanto, novas observações serão
necessárias para maior convicção.
abril de 2009
Três dos quatro grãos, algodão, soja e trigo, conforme
mostrados na Tabela 2, tiveram em março uma pequena queda em seus preços nas bolsas internacionais na
comparação com os de fevereiro. O milho teve uma
pequena alta. O nosso índice de preços internacionais
que inclui, além dos quatro grãos indicados, os preços
de café, açúcar, suco de laranja e cacau também teve
uma pequena redução em março, de 1,1%, após a alta
de 9,9% em janeiro e a queda de 2,9% em fevereiro.
Aparentemente, os preços ainda estão em processo de
ajuste. Com relação à taxa de câmbio os respectivos
valores foram os seguintes:
(*) Professor Titular do Departamento de Economia da FEA-USP e
Pesquisador da FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas. (E-mail:- [email protected]).
11
Dante Mendes Aldrighi (*)
abril de 2009
o programa de investimento
público-privado de Geithner
O Secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, anunciou, no dia 23 de março, o novo programa
de ajuda aos bancos, intitulado “Public-Private Investment Program” (PPIP). O programa tem como
missão fornecer condições e incentivos para que os
bancos retomem a concessão de empréstimos ao setor
privado.
o FED e o Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC)
para promoverem a “limpeza” dos balanços bancários
por meio da concessão de empréstimos subsidiados e
de garantias de empréstimo a investidores privados
que adquirirem esses ativos problemáticos.
O diagnóstico que fundamenta o programa é que a
permanência dos empréstimos problemáticos e dos
ativos tóxicos nos portfólios dos bancos paralisa o
em ativos ruins dos bancos, notadamente ativos
relacionados a hipotecas, que constituem o cerne da
atual fragilidade dos bancos. O Legacy Loans Program
consiste na oferta pelos bancos de pacotes de hipotecas para venda em leilões organizados pelo FDIC,
que, ademais, supervisionará os fundos de investimento público-privado (PPIFs), constituídos com o
propósito de adquirirem esses ativos. Os incentivos
principais para atrair capital de investidores privados
(como, por exemplo, fundos de investimento, fundos
de pensão, hedge funds, private equity funds, investidores estrangeiros, investidores individuais e até mesmo outros bancos) para estes fundos são garantias
de dívida do FDIC e coinvestimento do Tesouro: o
FDIC assegura uma alavancagem de até seis vezes o
capital investido, desembolsado na mesma proporção
pelos investidores privados e pelo Tesouro. Assim,
o FDIC garante empréstimos até 85,8% do preço de
compra de cada portfólio de hipotecas, e o Tesouro e
investidores privados investem, cada, 7,1% na forma
de capital.
mercado de crédito, obstruindo a reativação da economia. Entretanto, os bancos não se desfazem desses
ativos porque os valores que potenciais investidores
pagariam por eles estariam exageradamente depreciados, por causa tanto do agravamento do problema
da seleção adversa (a assimetria de informações entre
bancos e investidores sobre o valor e risco dos ativos
dos primeiros) como do elevado nível de incerteza
no ambiente macroeconômico e político, reforçando
a aversão ao risco dos investidores. Vendendo seus
ativos problemáticos aos preços correntes de mercado,
os bancos teriam que reconhecer as correspondentes
perdas em seus balanços, forçando aqueles com carteiras mais problemáticas a levantar mais capital em
um contexto em que os mercados financeiros estão
travados.
Com o diagnóstico de que o empecilho principal à
concessão de novos empréstimos bancários reside na
retenção nas carteiras dos bancos dos legacy loans e
legacy securities (eufemismos empregados pelo Tesouro
para designar os empréstimos podres e os títulos tóxicos lastreados em hipotecas residenciais e comerciais
emitidos antes de 2009), o PPIP mobiliza o Tesouro,
12
O PPIP compreende dois programas que, conjuntamente, podem financiar a compra de até US$1 trilhão
No próprio anúncio do PPIP, o Tesouro explica o legacy
loans program por meio da situação hipotética de um
banco que quer se desfazer de uma carteira de hipotecas residenciais com valor de face de $100. O banco
recorre ao FDIC, que se dispõe a alavancar a carteira
com uma relação dívida/capital de 6 para 1 e, em seguida, promove o leilão. Aquele que oferecer a maior
quantia — no exemplo, $84 — tem o direito de formar
um FIPP para adquirir a carteira de hipotecas. Dos $84
do preço de compra, $72 provêm de financiamento
com garantia do FDIC e os $12 restantes representam
capital, com o Tesouro contribuindo com 50% ($6). O
investidor privado seria responsável pela gestão do
serviço da carteira de ativos, e seus gestores têm que
ser aprovados e serão supervisionados pelo FDIC (ver
www.treas.gov/press/releases/tg65.htm).
O outro programa que constitui o PPIP, denominado
Legacy Securities Program, visa atrair capital privado
para a aquisição de títulos lastreados em hipotecas
(mortgage-backed securities). Para isso, o Tesouro fornece
capital na mesma proporção dos investidores privados para a constituição de PPIFs, abertos também a
investidores individuais.
Mas além destes dois programas, o Tesouro, em parceria com o Federal Reserve, podem disponibilizar
adicionalmente quase US$1 trilhão na compra de
legacy securities por meio da Term Asset-Backed Securities
Loan Facility (TALF), uma linha de financiamento já
existente, mas que seria ampliada para a aquisição de
MBSs. Mesmo investidores privados que não sejam
parceiros do Tesouro no PPIP poderão recorrer ao
TALF para adquirir títulos tóxicos.
propostas ao Tesouro, que os pré-qualifica para captar
capital privado visando à parceria nos programas de
investimento. O Tesouro se compromete a fornecer
montante de capital equivalente ao levantado pelo
gestor junto a investidores privados, e também a
assegurar alavancagem para o fundo proposto. Se o
gestor consegue captar $100 de capital privado para o
PPFI, o Tesouro coinveste $100, empresta mais $100,
e pode ainda considerar uma solicitação adicional de
$100. Com recursos totalizando $300 ou $400, o gestor
compra títulos elegíveis do programa, que ficarão em
carteira por um período longo. Se o gestor quiser, o
fundo pode ter acesso também ao TALF ampliado
para legacy securities.
A rationale comum aos programas de legacy loans,
legacy securities e TALF ampliada é liberar capital
dos bancos vinculado a estes ativos para a concessão de novos empréstimos. No caso do Legacy
Securities Program e do TALF ampliado, um objetivo
intermediário é a reativação do mercado deste tipo
de títulos.
Na exposição de motivos, o Tesouro argumenta que
o PPIP assenta-se em três pilares:
a) Economia de recursos do contribuinte: a parceria
com o FDIC e com o Fed no financiamento e o
envolvimento de investidores privados possibili-
abril de 2009
Segundo a Secretaria do Tesouro, os dois programas juntos poderiam financiar a compra de US$500
bilhões a US$1 trilhão de ativos problemáticos. O
Tesouro aportaria recursos de capital variando entre
US$75 bilhões a US$100 bilhões, provenientes do
Troubled Asset Relief Program (TARP), programa de
socorro financeiro aos bancos criado em outubro de
2008, no final do governo Bush, envolvendo no total
cerca de US$700 bilhões, dos quais restam apenas
US$300 bilhões.
as seguintes etapas: gestores de fundos submetem
tariam um efeito multiplicador sobre os recursos
públicos alocados para o socorro dos bancos (com
US$75 a US$100 bilhões de capital do TARP, o PPIP
poderia disponibilizar para a compra de ativos
problemáticos de US$500 bilhões a US$1 trilhão;
b) Partilha de riscos e de lucros com os investidores
privados que participarem do programa: investidores privados podem perder seus investimentos
se os preços dos ativos adquiridos se revelarem
De acordo com o exemplo da Secretaria do Tesouro, o
funcionamento do Legacy Securities Program envolveria
muito altos enquanto contribuintes podem lucrar
no caso inverso.
13
c) Determinação dos preços dos ativos pela disputa
option ao aumento da leverage depende da variância da
entre investidores privados, evitando assim a in-
distribuição (a sensibilidade será tanto maior quanto
terferência do governo, que poderia resultar em
maior o risco, medido pela variância), o governo deve
limitar a alavancagem a casos em que a incerteza
é baixa ou moderada. Permitindo-se alavancagem
alta em situações de risco elevado, o seguro contra
downside seria exagerado, implicando transferência
de renda para bancos e investidores (estes pagariam
muito pelos pacotes de ativos).
preços elevados.
a avaliação inicial do PPIP
Ricardo Caballero considera que o PPIP acerta no
diagnóstico e no enfrentamento da crise financeira.
Para ele, a dificuldade em superá-la radica sobretudo
na aversão forte e generalizada à elevada incerteza,
cujo antídoto mais adequado seria o fornecimento
pelo governo de seguro e garantias. O programa faz
isso concedendo empréstimos governamentais do
tipo non-recourse, isto é, empréstimos que, na contingência de não serem pagos, o governo só pode executar o colateral subjacente (por exemplo, a casa; se as
abril de 2009
hipotecas ou os títulos gerarem perdas que excedem
as perdas esperadas, o governo, e não os investidores
privados, tem que assumi-las). Para Caballero, esses
empréstimos reduzem o risco de perdas extremas
(left-tail risk) para os investidores e elevam o retorno
esperado, contribuindo para aumentar o preço de
compra dos ativos e atenuando, assim, o problema
de insuficiência de capital dos bancos.
Michel Spence segue a mesma linha de argumentação, avaliando positivamene o arranjo do programa
de combinar seguro governamental contra o risco de
perdas elevadas para os investidores (via empréstimos
do tipo non-recourse, que equivalem a uma put option
no caso em que o valor dos ativos se revele inferior a
um dado nível acordado) e warrants que se convertem
em participação acionária no caso em que o valor
final dos ativos excede o da dívida. A rationale do
empréstimo de non-recourse é eliminar do cálculo do
valor do pacote de ativos os riscos de perdas muito
elevadas, tornando os ativos atraentes para os investidores. Por sua vez, dado que o governo participará
em várias transações, é provável que o custo do seguro
que fornece possa ser recuperado com as warrants.
Uma vez que a sensibilidade do valor implícito da put
14
Por outro lado, na interpretação de outros economistas, como Krugman, Buiter, Stiglitz, e Sachs, o PPIP
é inferior a outras alternativas disponíveis (como a
separação do banco insolvente em duas entidades,
uma retendo os ativos bons e outra sendo depositária
dos ativos ruins), subestima os custos fiscais e implica
uma forte transferência de riqueza dos contribuintes
e governos para bancos e investidores. Para Stiglitz, o
programa oferece “incentivos perversos” e representa
“um roubo do povo Americano”. Buiter, por sua vez,
acha assimétrica a distribuição de riscos e ganhos
potenciais entre setor público (Tesouro e FDIC, no
exemplo mencionado no release do Tesouro, arriscam
$78 em um total de $84) e investidores privados (que
arriscam apenas $6 e obtêm o mesmo lucro). No caso
dos títulos tóxicos, o Tesouro arrisca capital de $300
contra apenas $100 do setor privado, mas no caso de
sucesso ambos têm o mesmo retorno.
Buiter lembra, também, que o FDIC não dispõe de
recursos próprios para cumprir a atribuição de financiar a alavancagem do PPIP. Portanto, o custo de
fornecimento de garantias caberá de fato ao Tesouro.
Analogamente, o TALF ampliado será financiado pelo
Fed, reforçando os temores de pressões inflacionárias
no médio prazo e ecoando o questionamento do dólar
como moeda de reserva internacional.
Outro problema é que, entregue à iniciativa dos próprios bancos, a oferta de seus ativos problemáticos
pode se revelar muito baixa. Bancos podem contabilizar os empréstimos nos balanços pelos valores
contratados (e não a preços de mercado). Assim, para
muitos bancos comerciais, vender seus ativos a valores
depreciados os forçaria a registrar perdas contábeis
elevadas, tornando improvável que muitos sobrevivam ao teste de stress que os órgãos reguladores
estão para aplicar.
Há dúvida também sobre se os preços dos ativos
indesejáveis vão se recuperar a ponto de viabilizar o
pagamento dos empréstimos. Dada a escala de seus
empréstimos em relação ao capital dos investidores
privados, o governo se expõe ao risco de elevadas
perdas. Impelidos pelos subsídios do governo, esses
investidores tenderão a oferecer pelos ativos tóxicos
mais do que seus atuais valores de mercado.
(*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP.
(E-mail: [email protected]).
abril de 2009
15
Otaviano Canuto (*)
abril de 2009
the developing world1in a
post-bubble economy
Aggressive and innovative monetary and financial
sector policy actions in developed economies have
pulled the global financial system back from the brink
of an abyss. But impaired assets are not yet properly
valued and neutralized. And new negative feedback
loops may be forming between the financial and real
sectors. In any case, even after banking circuits are
eventually unclogged, confidence restored, and risk
appetite revived, the financial euphoria of the recent
past is unlikely to revive any time soon. The changed
financial landscape has several implications for the
developing economies.
Many features of developing economies’ recent evolution, and of their prospects, can only be fully grasped
if one understands the rise of the global financial
dynamics based on securitization. The boom-andbust of housing finance, shadow banking, and the
myriad of financial innovations provided the turning
point of an evolutionary process in finance. This process built a powerful liquidity-generating machine,
whose apparently smooth handling of risks reduced
financial intermediation costs but in fact blew serial
bubbles in asset markets.
First, the liquidity-generating machine inflated US
asset values and fed the exuberant growth of US household spending. US consumers have accounted for
more than one-third of the growth in global private
consumption since 1990. Increasingly, their spending
was made possible by the wealth effect generated by
the rising prices of housing and household financial
assets and stocks, whose values were in turn expected
to more than outstrip those of household debt. It was
this upswing in consumption by US households, and
others as debt-based consumers-of-last-resort in the
global economy, that essentially made possible the
16
extraordinary structural transformation and productivity increases experienced by some manufacturing
exporters and commodity producers among developing economies.
Also relevant to developing economies were the easier
and cheaper capital inflows that were a by-product
from the liquidity machine. These flows supported
not only domestic investments in developing countries but also the accumulation of reserves, especially
in those countries that maintained current-account
surpluses. Of course, the recycling of developing
countries’ reserves through US financial markets
helped to lubricate the liquidity machine—which
partly explains the “Greenspan conundrum,” i.e. the
perseverance of low US long-term interest rates while
US monetary policy was gradually tightening. But the
point to emphasize is that the piling up of reserves,
growth of current-account surpluses, and emergence
of “savings gluts” that took place in some developing
countries would have been less significant were it not
for the liquidity machine operating at full steam in
core developed economies.
Looking ahead, the agenda regarding developing
economies has several parts. One is urgently to reinforce global financial safety nets, in time to mitigate
the effects of the sudden unwinding of leveraged
positions in these economies that has accompanied
the new financial introspection in developed countries. Even if corporate and sovereign liabilities can be
rolled over and/or replaced by new sources of finance,
thus avoiding additional rounds of negative feedback
in the global economy, there remains the question of
how to leverage investments in developing economies
without the support of the previous liquidity machine. One can ensure that the string is not pulled apart,
but not that it can be pushed.
For the time being, no new virtuous cycle of rising
demand and matching productivity increases is likely
to fill the void left by the evaporation of global growth.
Given the tendency to reconstitute household savings
in crisis-afflicted developed economies, as well as the
temporary character of the aggressive counter-cyclical
fiscal policies being implemented, the best hope is that
these countries will sustain their aggregate demand
above stagnation levels. Thus we are unlikely to see a
resumption of the past pattern, of absorption growth
above Total Factor Productivity increases in developed
economies coupled with supply expansion in fasttransforming developing economies.
The time may now have come for better matching
of increases in production and consumption within
developing countries. This is not to be confounded
with pursuing isolationism through higher local
integration per se. Channels for international trade
and investment need to be kept wide and open, so
that growth-spurts, including the eventual revival
of economic dynamism in developed economies, can
complement each other. Programs of investment in
How then to tap the potential for virtuous dynamics? How
to reanimate and redirect “animal spirits” in that direction?
To escape from a global scenario of mediocre growth may
require a successful multilateral effort to address these
issues.
1 Originalmente publicado nos sítios: www.growthcommissionblog.org/ e www.rgemonitor.com.
abril de 2009
In fact, the best opportunities for sparking virtuous
cycles in the global economy now lie within the realm
of developing economies, where the scope for gains
from structural transformation and technological
catching-up is still substantial. Investments in infrastructure and other capital-intensive industries, for
instance, are strongly needed in order to overcome
bottlenecks, while the equivalent investments in
already-better equipped economies may be partially
redundant. Faster catching up of consumption in
developing economies would help to absorb the
increases from this expanded production capacity.
After World War II, Europe and Japan sustained a long
growth cycle through a process of technological and
mass-consumption catching up with the US frontier.
And from the 1990s until recently, many developing
economies achieved high growth as the result of innovations in IT and other fields (including finance),
combined with globalization—notwithstanding their
ultimate dependence on developed countries for absorption of their output.
infrastructure and human capital, poverty reduction,
and social inclusion in developing countries would
stimulate local consumption and investment, producing positive feedback loops. As long as countries
stay committed to economic openness, gains of scale
and scope can be accrued, and such a process might
take place in all economies regardless of their size.
This will not be easy. Most developing economies
lack the fiscal space and the flexibility in the balance
of payments that they would need to ignite their
own growth spurts. The liquidity machine might
eventually join in, benefit from, and support such
a developing country-led process, but it is likely to
remain impaired for some time, given the current
attitudes of investors and lenders.
(*) Vice President and Head of Network of the World Bank
(www.worldbank.org/prem) as of May 4th.
(E-mail: [email protected]).
17
Maria Helena Zockun (*)
abril de 2009
as propostas de reforma tributária
do Executivo e do Senado e o
federalismo fiscal no Brasil
O federalismo é uma organização política intermediária entre Estados independentes, de um lado, e sua
união num Estado unitário, de outro. Para a existência
de uma federação de fato são necessárias duas condições: regiões ou Estados com culturas e aspirações
divergentes, e um nível mínimo de renda que lhes
permita a independência econômica.1
impediram o desenvolvimento harmônico de comunidades locais. Nosso fazendeiro, geralmente ausente
e com vocação extrativista, dedicado quase sempre às
culturas de exportação, não se constituiu em agente
de formação de instituições, autoridade e poderes
originalmente locais, i.e., que tenham tido origem nos
próprios grupos locais.
O ideal federalista requer, primeiro, que os Estados
membros tenham “aspirações locais” diferenciadas
quanto aos serviços públicos, costumes, leis etc.; e, segundo, que os Estados membros possuam uma renda
per capita não muito diferenciada entre si.
Também ao contrário das primeiras colônias espanholas da América do Sul, que fundaram repúblicas
após a independência e ainda mantêm profundas
distinções culturais, o Brasil instituiu uma monarquia
constitucional em 1822 sobre todo o território nacional, o qual ainda mantém as profundas diferenças
de renda e níveis de desenvolvimento, mas não de
cultura e aspirações sobre serviços públicos. Ao contrário, a melhor distribuição de renda e equidade na
oferta de serviços públicos são as grandes aspirações
da população brasileira.
O regime federativo brasileiro não surgiu da união
de Estados independentes como nos Estados Unidos,
no Canadá, na Suíça, Bélgica, Itália, Alemanha, Indonésia, Índia, China e tantos outros, muitos dos quais
não compartilhavam originalmente (e alguns ainda
não compartilham) nem da mesma língua. Nos países
formados por Estados independentes, as atribuições
e direitos do governo central são apenas residuais.
Neles, os serviços públicos locais e as receitas são em
grande parte providos e arrecadados localmente.
Essas noções não se aplicam à formação do Brasil.
Ao contrário da formação dos Estados Unidos da
América do Norte (federação que serviu de inspiração
para a nossa2), cuja ocupação ia deixando para trás comunidades independentes e consolidadas, a ocupação
do território brasileiro pelos desbravadores em busca
do índio, metais e pedras preciosas ia deixando atrás
de si imensos espaços vazios. Ocupados às pressas,
esses espaços vazios foram sendo preenchidos por
latifúndios que, se autoabastecendo e se isolando,
18
O Brasil está muito longe de alcançar esse ideal. O
quadro abaixo mostra que, a despeito da autonomia
para tributar e do complexo sistema de transferências
de recursos entre os entes da federação, mantemos as
profundas diferenças de renda e de disponibilidade
de serviços públicos entre os brasileiros residentes nas
várias regiões do País. O maranhense, por exemplo,
tem disponível apenas um terço dos recursos públicos
que tem o brasileiro residente em Roraima; o cearense
conta com 53% dos recursos públicos disponíveis ao
residente em São Paulo. Os centros mais desenvolvidos do País precisam de mais recursos totais porque
oferecem serviços públicos para todo o País; mas,
sendo mais populosos, isso ocorreria naturalmente,
mesmo se houvesse perfeita equidade na distribuição
dos recursos públicos.
tabela 1 - recursos públicos per capita – média do período 2001-2005 (1) – R$/hab-ano
Total
Arrecadação Tributária
Estadual
Roraima
3.136
535
73
2.527
Acre
2.668
520
46
2.102
Amapá
2.555
412
49
2.095
São Paulo
2.287
1.445
358
484
Tocantins
2.213
561
53
1.599
Distrito Federal
2.185
1.561
337
287
Espírito Santo
2.090
1.324
157
609
Arrecadação Tributária
Municipal
Transferências da União
2.068
1.170
115
783
2.049
1.166
175
708
Rio Grande do Sul
1.927
1.149
198
580
Santa Catarina
1.891
1.055
209
627
Rio de Janeiro
1.859
1.099
360
400
Amazonas
1.778
1.023
113
643
Rondônia
1.761
761
70
929
Sergipe
1.745
632
77
1.036
Goiás
1.672
926
133
613
Paraná
1.669
858
196
615
Minas Gerais
1.599
907
145
548
Rio Grande do Norte
1.488
556
74
859
Pernambuco
1.334
650
91
593
Paraíba
1.288
406
48
835
Alagoas
1.270
364
62
844
Bahia
1.267
611
74
582
Ceará
1.205
470
78
657
Piauí
1.157
274
34
849
Pará
1.116
408
63
645
Maranhão
1.028
262
36
731
Média
1.744
944
193
606
abril de 2009
Mato Grosso
Mato Grosso do Sul
(2)
Fonte: Balanço Geral da União; STN; SRF; Anuário Estatístico da Previdência Social; Ministério da Saúde - FNS; Ministério da Educação FNDE
Elaboração: economista Cecília Cukierman
(1) A preços de 2005: deflator IPCA
(2) Transferências da União a Estados e municípios: a) constitucionais e legais: recursos do FPE, FPM, FUNDEF, CIDE, ITR, IOF-ouro, FPEX,
Lei Compl. 87/96, Cota-parte do Salário-Educação e SUS; b) voluntárias.
A formação de Estados nacionais pela aglutinação de
Estados independentes sempre foi movida estrategicamente pela necessidade de fortalecimento comum
diante de agressões externas. Não é incomum que,
desaparecida essa emergência por longos períodos,
voltem a se manifestar as diferenças culturais e as
aspirações de reconquistar a identidade e independência cedidas.
Os exemplos que se podem buscar na história brasileira não são dessa natureza, não são movidos pela
diferenças culturais.
19
abril de 2009
O Brasil está atravessando uma fase de desenvolvimento em que a necessidade de enfrentar a concorrência do mundo globalizado, mesmo na ausência de crises como a que se atravessa, funciona como o inimigo
externo que levou os antigos Estados independentes
a se aglutinar. A autonomia para tributar, conferida
aos Estados pelo ICMS, é uma ameaça concreta ao
desenvolvimento de todos. Os custos impostos ao
contribuinte pela complexidade do tributo, da guerra
fiscal, da instabilidade normativa, das disparidades
regionais, da intensificação da regressividade não
justificam a autonomia dos Estados nessa matéria:
isso só retira competitividade da produção brasileira,
distorce e reduz os investimentos, reduz a capacidade
de o País inteiro criar empregos, tudo em prejuízo da
população, especialmente da mais pobre.
Um exemplo é emblemático: os pobres dos Estados
mais pobres têm cesta básica mais tributada do que
os pobres dos Estados mais ricos porque estes podem
abrir mão dessa receita enquanto os Estados mais
pobres, tendo uma base econômica e tributável mais
estreita, não podem fazê-lo.
tabela 2 – conteúdo de tributos indiretos nas despesas de
alimentação das famílias com até 2 salários
mínimos de rendimentos
Região Metropolitana
% da renda disponível das famílias
Fortaleza
13,23
Belém
12,38
Curitiba
11,00
São Paulo
8,34
Fonte: POF /IBGE (1996) microdados, elaborado por Vianna et al.
(2000).
Nota: Inclui ICMS, IPI, PIS e Cofins: as diferenças apontadas na
tabela devem-se às diferenças regionais de hábitos de consumo e às diferenças de alíquotas de ICMS sobre os produtos
entre Estados.
Cada Estado deve, e tem, autonomia para alocar seus
recursos de acordo com as aspirações de sua população, mas ela não está sendo beneficiada pela autonomia do seu Estado em legislar sobre o ICMS.
A proposta de reforma tributária do Executivo, em
tramitação na Câmara Federal, propõe que a legis-
20
lação do ICMS seja única para todos os Estados, e a
guerra fiscal é combatida com a redução da alíquota
interestadual, ampliando a parcela da arrecadação que
cabe ao Estado de destino da mercadoria ou serviço
tributado.
É de se prever a dificuldade de implementar essas normas e as distorções que seu insucesso deve produzir. Na
negociação para a legislação única, cada Estado tentará
incluir seu próprio entendimento da matéria, estendendo a todo o território nacional os seus conflitos internos.
Por outro lado, a redução da alíquota interestadual
(para 2%) amplia a oportunidade de fraude através do
“passeio da nota fiscal”, que a proposta pretende coibir
pela ampliação do regime de substituição tributária
no Estado de origem, sendo os recursos pertencentes
ao Estado de destino transferidos, pelo Estado de origem, através de Câmara de Compensação. Trata-se de
manter o mesmo modelo, mudando marginalmente algumas regras e simplificando especialmente as tarefas
da fiscalização: para o contribuinte, esses expedientes
poderão representar aumento da carga tributária e não
simplificação da tributação.
A proposta do Senado3 coloca a solução do problema
federativo em outros termos: muda o modelo, funde
os principais tributos indiretos (ICMS, IPI, PIS, COFINS, CIDE e outros fundos) em um IVA nacional,
arrecadado no Estado de origem e transferido automaticamente a cada unidade da federação e à União
pela rede bancária, de acordo com participações previamente acordadas. A presença da União como parte
interessada na legislação do IVA nacional faz prever
normas gerais e mais simples para o tributo.
A proposta do IVA nacional formulada pelo Senado
rompe o círculo de giz em torno da autonomia dos
Estados para tributar. É a primeira proposta de mudanças no sistema tributário que realmente tem condições de entregar o que promete: simplificação para
o contribuinte, redução de distorções alocativas e distributivas, aumento da competitividade da produção
nacional e aplanamento do caminho para a alocação
mais equânime dos recursos públicos no território
nacional, corrigindo o grande engano que o País cometeu há 40 anos, na última reforma tributária.
referências
Longo, Carlos Alberto. A disputa pela receita tributária no
Brasil. Série Ensaios Econômicos, v. 34. SP: IPE/USP, 1984.
3 Proposta pelo relator da Subcomissão Temporária da Reforma
Tributária, senador Francisco Dornelles.
Vianna, S.W.; Magalhães, L.C.G; Silveira, F.G.; Tornich, F.A. Carga tributária direta e indireta sobre as unidades
familiares no Brasil: avaliação de sua incidência nas grandes regiões
urbanas em 1996. Brasília: IPEA, setembro de 2000. (Texto para
Discussão, n. 757).
1 Esse e os próximos parágrafos são baseados em Longo
(1984).
2 O regime federativo no Brasil foi criado na constituição de
1891, redigida por Ruy Barbosa e Prudente de Moraes, inspirados na experiência norte-americana.
(*) Pesquisadora da FIPE.
(E-mail: [email protected]).
abril de 2009
21
Antonio Lanzana (*)
Luiz Martins Lopes(**)
estabilização, crescimento e impactos
da crise sobre o País em 2009
abril de 2009
A crise financeira internacional, irrompida no 2º
semestre de 2008 a partir do mercado “sub-prime”
dos Estados Unidos, está impactando de forma significativa o lado real dos países mais desenvolvidos.
A recessão se generaliza entre os países da Europa,
Estados Unidos e Japão. Da mesma forma, o nível de
atividade no Brasil deu sinais claros de retração no
último trimestre de 2008.
O objetivo deste texto é analisar os possíveis desdobramentos da crise e os impactos sobre a economia
brasileira em 2009. A abordagem é efetuada a partir
de três tópicos: uma rápida descrição sobre a questão estabilização versus crescimento; a situação da
economia brasileira até o momento em que a crise
atingiu o Brasil; e, finalmente, os impactos da crise
sobre o Brasil.
1. estabilização versus crescimento
Para se analisar os impactos da crise financeira sobre
o País é preciso, em primeiro lugar, abordar a questão
da estabilização versus crescimento.
Para entender essa questão de forma mais clara, é
necessário considerar os objetos básicos da política
econômica de curto prazo: crescimento e estabilização. A estabilização é entendida como o controle
do processo inflacionário (estabilização interna) e a
manutenção do equilíbrio nas contas externas (estabilização externa). Muitos analistas, talvez envolvidos
pela emoção, esquecem de considerar que a estabilização é pré-requisito para a retomada sustentada do
crescimento econômico.
As tentativas de expansão do nível de atividade, via
incremento da demanda agregada, na presença de
22
descontrole inflacionário, fazem com que os estímulos à demanda agregada acabem por acelerar o ritmo
inflacionário, até porque a demanda vai responder
mais rapidamente do que a oferta. Nesse quadro,
a aceleração da inflação teria de ser combatida, e o
crescimento do PIB seria “abortado” num momento
posterior.
A mesma conclusão pode ser obtida em relação ao
setor externo. Num quadro de déficit nas contas externas, tentativas de expansão do PIB, via estímulos à
demanda agregada, deterioram ainda mais a situação
externa pelo aumento das importações, provocado
exatamente pelo incremento da demanda.
É importante considerar, portanto, que a estabilização
(entendida como a manutenção da inflação sob controle e o equilíbrio das contas externas) é pré-requisito
para a retomada autossustentada do crescimento. Em
outras palavras, estímulos e expansão da demanda
somente podem ser adotados num quadro de garantia
desses dois “pilares”.
É comum observar, em várias circunstâncias, cortes
no nível de demanda agregada para se alcançar a estabilização, impondo ao País períodos de recessão ou
de redução no ritmo de crescimento do produto. Há
momentos em que os ajustes na demanda agregada se
fazem necessários para corrigir riscos domésticos de
política econômica, como ocorreu no início dos anos
80, no Plano Cruzado, no final do governo Sarney,
início do governo Collor e na transição da 1ª fase do
Plano Real (1994/1998) para a 2ª fase (pós-1999). Há
situações, porém, em que os ajustes de demanda se fazem necessários em função de mudanças que ocorrem
no cenário internacional e provocam desequilíbrio no
balanço de pagamentos, como ocorreu nas crises do
petróleo (1974 e 1979), da dívida externa do início dos
anos 80, e nas sucessivas crises financeiras da década
de 90 e início dos anos 2000 (México, Ásia, Rússia,
Argentina etc.).
Independentemente, porém, dos fatores que as justifiquem, são as oscilações no nível de demanda agregada para se buscar a estabilização que vão explicar
a volatilidade das taxas de crescimento. Isto posto,
para se avaliar os impactos da crise em termos de
estabilização no curto prazo, é importante verificar
como essa mesma crise vai afetar a inflação, o setor
externo e, por conseqüência, o nível da demanda
agregada. A nova ordem econômica mundial passa
por redução forte na produção dos industrializados,
desaceleração significativa nos emergentes, queda de
preços internacionais de commodities, crédito escasso,
redução de fluxos de investimentos diretos entre
outros, que impactarão decisivamente o “equilíbrio”
inflação x setor externo x crescimento.
Esse equilíbrio será afetado também por canais
domésticos como, por exemplo, a taxa de câmbio,
as medidas de políticas fiscal e monetária, e assim
sucessivamente.
∆Y
I
Y =
•
Y
Y K
(1)
onde:
∆Y
= taxa de crescimento do produto potencial
Y
I
= taxa de investimento (investimento/PIB)
Y
Y
= relação produto-capital
K
Em outras palavras, o ritmo de crescimento do PIB
potencial  ∆Y  depende da taxa de investimento da


 Y 
economia  I  e da produtividade do capital  Y 
K
Y 
mente em relação à produtividade do capital  Y  ,
K
é importante destacar que ela refletirá, de um lado,
a capacidade do capital de gerar produto e, de outro,
de acelerar o ritmo de crescimento do produto, se o
investimento (I), que é o acréscimo de capital (k),
for mais produtivo que o estoque de capital existente.
Em outras palavras:
∆Y I ∆Y = •
Y
Y
I
(2)
onde
∆Y
= é a relação incremental produto/capital
I
Vale observar que o investimento somente gerará
acréscimo de produto potencial se esse mesmo investimento for superior à taxa de depreciação do estoque
de capital. Isso porque há um processo de desgaste
do estoque de capital na produção de bens. Se o investimento for exatamente igual à depreciação estará
ocorrendo somente uma “reposição”. Na realidade, o
crescimento da capacidade de produção depende do
investimento líquido (investimento total menos a depreciação). Como a poupança é igual ao investimento
(S=I), o modelo ficará:
∆Y (I - d) Y
=
• Y
Y K
(3)
abril de 2009
No que se refere a um prazo mais longo, a situação já é
diferente. Os modelos de desenvolvimento econômico
mostram que a capacidade de crescimento dos países
ao longo do tempo depende da taxa de investimento e
da produtividade do capital. O modelo estabelece:
que refletirá a relação produto/capital. Particular-
∆Y ( I - d ) ∆Y
, onde
ou, em termos incrementais,
=
•
Y
Y
I
“d” é a depreciação.
No que se refere ao investimento, embora haja consenso de que para a sua realização seja necessária
a existência da poupança, há divergências sobre a
formação de poupança como pré-requisito para o
investimento. De acordo com alguns analistas, a
poupança é um pré-requisito e sua formação prévia
deve ser estimulada. Outros analistas, porém, entendem que a poupança “aparece” sempre que há bons
projetos de investimento. Entende-se que no caso do
setor público, a primeira versão parece mais realista,
enquanto para o setor privado prevalece a segunda
abordagem. Isto posto, para enriquecer a discussão, é
23
preciso analisar a composição do investimento, a qual
também influenciará a produtividade do capital. Na
realidade, o investimento pode ser público, privado,
ou estrangeiro, cada um deles com características
muito distintas. Em termos gerais, tem-se:
Conjugando a equação (1) e a composição do investimento, pode-se mostrar a dinâmica do processo de
crescimento do produto através de:
∆Y I  Yg  Kg Yp Kp Ye Ke 
= •
+
•
+ •
•

Y
Y  Kg  K Kp K Ke K 
(4)
abril de 2009
onde:
∆Y
= taxa de crescimento do produto potencial
Y
I
= taxa de investimento
Y
Yg
= relação produto-capital (sendo “g” no setor
Kg
público, “p” no setor privado e “e” nas empresas multinacionais)
Kg
= participação no estoque de capital (“g” no seK
tor público, “p” no setor privado e “e” nas empresas
multinacionais).
Relacionando esse arcabouço com as mudanças trazidas pela crise, será importante analisar: a) como
se comportará a poupança pública, dado que é
pré-requisito para “alavancar” os investimentos do
governo e, particularmente, a infraestrutura; b) no
que diz respeito ao investimento privado, três pontos
são fundamentais: a transferência de investimentos
em infraestrutura para o setor privado evoluirá
favoravelmente, com privatizações e marcos regulatórios atraentes?; como a escassez de crédito vai
afetar as decisões de investimento; como a escassez
de crédito vai afetar a formação de expectativas;
e c) em termos de investimento direto estrangeiro
no mundo é esperada uma redução, em função da
contração do crédito e da recessão mundial, o que
certamente afetará o Brasil.
24
2. economia brasileira até o momento da crise
No seu conjunto, o Plano Real, principalmente a partir
de 1999, trouxe resultados extremamente favoráveis ao
País em termos de estabilização, tanto externa como
interna. A adoção do câmbio flutuante e do programa
de metas de inflação vem garantindo resultados importantes a partir do controle do déficit público.
No que se refere à inflação, verifica-se que o Brasil
se encontra entre os países emergentes mais bem
posicionados em termos de ritmo de crescimento dos
preços. Passados os efeitos da desvalorização cambial
em 1999 e das incertezas geradas durante a eleição de
Lula em 2002, a inflação cedeu e vem se posicionando
na casa dos 5% nos últimos anos. A pesquisa FOCUS
já mostra expectativa de inflação convergindo para o
centro da meta (4,5%) em 2009.
Da mesma forma, a situação externa vinha mostrando
fortalecimento, com forte acúmulo de reservas.
É importante observar algumas questões em relação
à situação externa: a) além da adoção do câmbio
flutuante, as condições internacionais favoreceram
a evolução do setor externo do País; além do maior
crescimento da economia mundial, o surgimento de
novos “comandantes” do PIB global (como China e
Índia) favoreceu a elevação do preço das commodities,
pela expansão da demanda; b) em 2008 as condições
estavam voltando à situação pré-1999, mas nesse período o País conseguiu alavancar reservas superiores a
US$ 200,0 bilhões; c) num quadro de crédito internacional mais farto, o déficit não causaria preocupação,
o que não é o caso para 2009.
Cabe destacar, porém, que o mesmo sucesso alcançado
em termos de estabilização (interna e externa) não
foi observado em relação ao desempenho do nível
de atividade. Relativamente a outras economias, o
comportamento do nível de atividade deixa a desejar. O PIB brasileiro tem crescido em ritmo inferior
ao PIB mundial e cerca da metade do observado nos
emergentes (1994/2008).
Embora o ritmo de crescimento do País tenha se acelerado nos anos recentes, o Brasil situa-se na “lanterna”
dos países que compõem o chamado BRIC.
É importante observar que, mesmo crescendo abaixo
dos emergentes, o Brasil tem conseguido progressos
importantes, também, em termos de aceleração do
crescimento, a partir de 1999. O País saiu de uma expansão média de 0,3% em 1999 para 5,3% em 2008.
A questão relevante agora é verificar como essa
situação está sendo alterada pela crise financeira
internacional. Para isso, é importante entender os
mecanismos de transmissão sobre o Brasil, bem como
as medidas que o governo brasileiro vem adotando
para enfrentá-la.
3. impactos na economia brasileira
Apesar da atuação do BC, a economia brasileira
está sendo afetada pelo desenvolvimento da crise
financeira internacional. Inicialmente, o impacto
ocorreu através da alta volatilidade nos indicadores
(principalmente ações e taxa do câmbio), característica
comum em períodos de incertezas, em que qualquer
informação, positiva ou negativa, leva a uma radicalização de posições.
As exportações são afetadas também pela escassez de
crédito, uma vez que 50% das exportações brasileiras,
o que corresponde a cerca de US$ 100,0 bilhões/ano,
eram realizadas com ACC. A falta de crédito, porém,
é mais ampla, com a indústria de transformação
enfrentando o maior aperto de crédito dos últimos
anos. A escassez de crédito externo tem levado muitas
empresas a desviarem a demanda de crédito para o
mercado doméstico, criando pressões adicionais num
momento em que a cautela dos bancos aumenta em
função do risco de inadimplência.
abril de 2009
Apesar de a crise ter um efeito reduzido sobre o sistema financeiro nacional, o Banco Central (BC) adotou
medidas importantes de precaução para evitar um
agravamento da situação. Para resolver o problema
da insuficiência de liquidez, o BC decidiu recorrer a
uma liberação parcial e progressiva do recolhimento
compulsório sobre os depósitos. Num primeiro momento, usou o compulsório como um incentivo para
os bancos de maior porte comprarem carteiras de
créditos de bancos menores, ampliando a importância
do patrimônio das instituições cuja carteira for comprada. Para resolver o problema das necessidades de
recursos para o financiamento do comércio exterior, o
BC preferiu usar mais intensivamente “swap cambial”,
que não afeta suas reservas, em lugar da venda de
divisas, que utiliza somente quando a desvalorização
do real se mostra exagerada.
Os impactos adversos se ampliaram e atingiram a
produção e o mercado de trabalho. Nesse sentido, é
importante destacar os mecanismos de transmissão
da crise sobre os países: exportações, crédito e taxa de
câmbio. A recessão, que se observa nos países desenvolvidos, reduz a demanda por exportações no mundo
todo. Isso, além de afetar diretamente as exportações
brasileiras, tem efeito indireto importante na medida
em que reduz a taxa de crescimento dos países emergentes. Ao longo da última década, os países emergentes (notadamente China e Índia) converteram-se num
dos principais destinos das exportações brasileiras. A
elevada taxa de crescimento desses países pressionou
os preços de commodities exportadas pelo Brasil (minério de ferro, soja etc.) e gerou elevados superávits
na balança comercial brasileira. O menor crescimento
mundial e dos emergentes provoca diminuição dos
preços dessas commodities. Ou seja, tanto os preços dos
produtos quanto as quantidades exportadas já estão
contribuindo para a queda no volume de exportações
do País.
Um terceiro mecanismo de transmissão é a taxa de
câmbio, com a redução do fluxo de entrada de recursos (menos exportações, menos financiamentos)
e aumento da saída de recursos (importações, saída
de investidores, aumento de remessas etc.). Essa forte
desvalorização afetou diretamente os resultados de
grandes empresas exportadoras que haviam apostado na manutenção da valorização do real gerando
prejuízos de bilhões de dólares.
Os impactos sobre a produção e o emprego se fazem
sentir de forma intensiva nos últimos meses − a situ-
25
ação extremamente favorável do nível de atividade
até setembro de 2008 mostrou reversão brusca (-3,6%)
durante o quarto trimestre de 2008.
US$ 200 bilhões em 2008, relativamente a 2007).
c) a taxa cambial observada antes da crise era insustentável e estava levando o País a registrar
Como seria de se esperar, a contração do nível de atividade vem impactando o mercado de trabalho, com
“destruição” de muitos empregos formais (demissões
menos contratações).
Apesar de algumas melhoras pontuais, derivadas de
incentivos fiscais (como redução do IPI na indústria automotiva), a situação mostra um quadro de gravidade.
abril de 2009
4. perspectivas para 2009
Três questões são importantes para analisar o tripé
inflação x equilíbrio externo x crescimento. No que
se refere à inflação, apesar das dificuldades de ação
do Banco Central causadas pela incerteza em relação
à crise, as visões mais recentes dão conta de que a
inflação deve convergir para o centro da meta (4,5%)
em 2009. Na realidade, a pressão que poderia vir do
câmbio foi amenizada pela queda dos preços das
commodities e contração da demanda, tanto externa
como interna.
Na área externa, pode-se esperar uma significativa
redução do saldo comercial. A queda no preço das
commodities, a escassez de crédito externo e ainda a
recessão nos países desenvolvidos e forte desaceleração nos emergentes trarão dificuldades às exportações
brasileiras. Ao mesmo tempo, apesar da desaceleração
interna do PIB, o processo de substituição de importações (que é viabilizada com o novo patamar da taxa
de câmbio) não é efetuado de forma imediata.
Em termos de taxa de câmbio, há motivos para supor
que o real se mantenha próximo da desvalorização
verificada. Há razões para isso:
a) Com a queda dos preços das commodities, ocorre
déficits perigosos em transações correntes, o que
é preocupante num cenário de escassez de crédito
internacional.
Apesar disso, não há razões para se esperar “explosão”
da taxa de câmbio, uma vez que os fundamentos do
País permanecem sólidos; elevado nível de reservas
internacionais, sistema financeiro sólido, déficit
público controlado, relação dívida pública/PIB relativamente menor do que em alguns anos passados,
País classificado como “investment grade” e assim
sucessivamente.
O nível de atividade está sendo fortemente afetado em
2009, em função do comportamento dos componentes
da demanda agregada: consumo, investimento, gastos
públicos e exportações-importações.
O consumo é impactado, de um lado, pela redução do
emprego e, do outro, pelo crédito. Mesmo com medidas de liberação do crédito, está havendo resistência
por parte dos bancos de empréstimo pela perspectiva
de aumento da inadimplência. Basta observar que
86% dos bancos acreditam que haverá elevação da
inadimplência no primeiro trimestre de 2009.
Desaceleração (ou até mesmo queda dos investimentos) é esperada para 2009. Em termos de IDE (investimento direto estrangeiro), a situação externa deve
reduzir o fluxo de reservas para o País. Na área privada, os investimentos que já foram iniciados devem
prosseguir normalmente, mas novos investimentos,
mesmo os que já haviam sido anunciados, devem ser
suspensos, até pela incerteza quanto ao tempo que
se levará para voltar à normalidade; várias empresas,
inclusive, já anunciaram suspensão dos novos investimentos e novas aquisições.
uma redução no fluxo de entrada de dólares.
b) A escassez de crédito internacional deve provocar
uma redução no fluxo de investimento direto no
País (a ONU já aponta queda do IDE de pelo menos
26
Na área externa a contribuição para o PIB de 2009
deverá ser negativa, uma vez que é esperada uma
queda mais pronunciada das exportações do que das
importações.
Esse cenário mostra que a economia brasileira sofrerá
forte processo de desaceleração em 2009, podendo-se
esperar um crescimento do PIB próximo de zero.
Diante desse cenário, muitos analistas têm defendido
uma forte expansão dos gastos públicos. Embora a
expansão do investimento seja indispensável, a opção
de manter aquecida a economia pode representar
ônus excessivos ao País:
internacional (expectativa de crescimento quase
nulo em 2009); no caso das commodities, a situação
se agrava com a queda dos preços.
d) Setores que substituem importações serão beneficiados ao longo do tempo (papel, aço, tecidos,
máquinas e equipamentos, pequenos eletrodomésticos e brinquedos).
e) Bens de reduzido valor unitário serão beneficiados
a) Num quadro de recessão mundial, queda no preço
com o aumento de salário mínimo (12% a partir
das commodities e escassez de crédito internacional
de fevereiro) e com a elevação do valor da bolsa-
seria um erro “abrir” o déficit em conta corrente,
família e inclusão de novas famílias.
o que inevitavelmente ocorreria num quadro de
aquecimento da economia;
f) Empresas fornecedoras para o governo também
deverão ser menos afetadas.
b) A receita tributária começa a declinar e deve continuar nessa tendência no início de 2009; aumento de
g) No setor financeiro é esperado um novo “round”
gastos, com redução da receita, pode levar a uma
de concentração, com crescimento dos grandes
perigosa evolução do déficit e da dívida pública,
bancos e dos estatais.
com riscos sobre a credibilidade internacional do
País.
Duas questões merecem uma avaliação mais detalhada: a evolução dos segmentos e a duração da crise.
No que se refere ao primeiro aspecto, é importante
destacar que os segmentos da economia não serão
afetados de maneira uniforme.
Nesse sentido, cabe destacar:
a) Setores mais afetados serão os mais dependentes
Quanto à duração da crise, há dúvidas se ela tem
formato de “U” (desacelera, estabiliza e volta a crescer), de “V” (cai e volta imediatamente) ou de “L” (cai
e fica num processo depressivo). Mesmo diante da
dificuldade de se fazer estimativas num quadro de
tanta incerteza, um cenário provável é de que o primeiro semestre será muito difícil, com estabilização
num nível de atividade muito baixo e alguma melhora
no segundo semestre. A maior parte das projeções
para a economia mundial indica melhora a partir de
2010, embora em ritmo inferior ao verificado antes
da crise.
abril de 2009
Em outras palavras, a manutenção da estabilização
interna e externa passa, necessariamente, por forte
desaceleração do PIB em 2009. A Pesquisa FOCUS ratifica essa tendência, com expectativa de crescimento
nulo neste ano.
A crise vem tendo em 2009 um caráter mais acentuado
do que inicialmente esperado. Num horizonte mais
longo, a expectativa é de que a recuperação seja tímida
para o próximo semestre e para 2010.
de crédito (bens de consumo duráveis e construção
civil residencial).
b) Os consumidores de renda mais elevada sofrerão
maiores quedas em função do efeito-riqueza (ações,
fundos etc.).
c) As exportações, embora beneficiadas com as desvalorizações cambiais, se defrontarão com a recessão
(*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP.
(E-mail: [email protected]).
(**) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP.
(E-mail: [email protected]).
27
Ana Maria de Paiva Franco (*)
uma análise de rankings de escolas
brasileiras com dados do SAEB
1
abril de 2009
1. introdução
Existe uma preocupação crescente com a “responsabilidade” atribuída à escola e aos educadores no processo de aprendizado. O Chile e os Estados Unidos são
exemplos de países em que o desempenho das escolas
em testes padronizados é utilizado pelo governo para
nortear a alocação de recursos, recompensas, sanções
e assistência às escolas. O Brasil também caminha
em termos de desenhar mecanismos de incentivos
que tomam como base os resultados que emergem
de avaliações em testes padronizados para nortear
políticas de “responsabilização”.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB), proposto pelo Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira (INEP), é
um exemplo de indicador de qualidade educacional
obtido por uma combinação de informações sobre
desempenho em exames padronizados (Prova Brasil
ou SAEB, ao final da 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio) e de rendimento
escolar (nível de aprovação nas escolas). Ele pode
servir para o governo monitorar as redes de ensino e
exigir contrapartidas de desempenho das escolas, em
termos de um avanço esperado no indicador, quando
da liberalização de recursos. 2
Contudo, de acordo com alguns estudos realizados
para o caso do Chile (MIZALA et al.,2007), pode existir
um “trade-off” entre construir rankings de escolas que
não espelhem majoritariamente o status socioeconômico (SSE) de seus alunos e, por outro lado, não
apresentem muita volatilidade de um ano ao outro.
A volatilidade tende a ocorrer devido à elevada estratificação social do sistema e ao problema de reversão
para a média (ver Chay et al., 2005).
28
Neste trabalho são calculadas cinco medidas de
desempenho com base nos exames do SAEB de matemática e português para a 4ª série, seguindo-se a
abordagem dada por Mizala et al. (2007). São analisados se os rankings de escolas que emergem de tais
medidas também apresentam o “trade-off” entre não
refletir majoritariamente o status socioeconômico
(SSE) dos alunos e apresentar baixa volatilidade,
como observado para o caso do Chile. Na ausência
de informações sobre a renda dos alunos das escolas,
foram utilizadas como variáveis de controle do SSE
uma dummy para sexo do aluno, seis dummies para o
nível de escolaridade da mãe e uma dummy para se o
aluno possui computador em casa.
Os dados utilizados nas análises que se seguem
provêm do SAEB. Os levantamentos do SAEB são
amostras representativas da população de escolas no
Brasil. A subamostra aqui utilizada restringe-se a 480
escolas que se repetem nas avaliações de 1999, 2001 e
2003, formando um painel de escolas balanceado de
três anos. Esta subamostra também é representativa
da população, pois não apresenta viés de seleção.
Serão utilizados os resultados das provas de português e matemática dos alunos na 4ª série do ensino
fundamental para se construir os rankings de escolas.
O número de alunos avaliados em 1999, 2001 e 2003
é de 5.819, 13.629 e 13.114, respectivamente.
2. metodologia
Das cinco medidas usadas para se construir os rankings
que serão analisadas neste trabalho, quatro delas são
obtidas após o ajuste de um modelo de regressão,
como descrito na Tabela 1.
tabela 1– descrição de 4 medidas de desempenho de escolas obtidas por meio de uma regressão
Equações*
Covariáveis
Resposta
Medida utilizada para a escola j
yij = αj +uij
i=1,... nj ; j=1,...480
(1)
Dummies de escolas (αj)
Nota SAEB por aluno i no
ano
Estimativa a do coeficiente α da
dummy de escola j
yij =δj + Xijβ + uij
i=1,... nj ; j=1,...480
(2)
Dummies de escolas (δj) e SSE
dos alunos (Xij)
Nota SAEB por aluno i no
ano
Estimativa d do coeficiente δ da
dummy de escola j
yij = α0 + Xijβ + vij
i=1,... nj ; j=1,...480
(3)
Intercepto (α0) e SSE dos alunos
(Xij)
Nota SAEB por aluno i no
ano
Média dos resíduos vi relativos à
escola j
Intercepto (α0) e média SSE por
Nota média SAEB por
escola no ano
j-ésimo resíduo v j
y j = α0 + X jβ + v j
(4)
escola ( X j )
j =1...480
* Nas quais: yij é a nota do aluno i na escola j, αj e δj são interceptos específicos da escola j, Xij é um vetor linha 1xp com as características
de SSE do aluno i na escola j, β é um vetor px1, e uij e vij são erros idiossincráticos.
A quinta medida é dada pela diferença no desempenho médio das escolas de um ano (t =0) para o
ano seguinte (t =1). Levando-se em conta as notas
médias nos testes por escolas e as características de
SSE médias de seu corpo discente, esta medida pode
ser representada pela diferença entre as equações (5a)
e (5b), dada em (5c).
(5a)
y j1 = α j + X j1β + v j1
(5b)
∆y j = y j 1 − y j 0 = v j 1 − v j 0 (5c)
j = 1...480
Nas equações (5a) a (5c), y jt é a nota média dos alunos
da escola j no tempo t, αj é o efeito-escola específico
da escola j e t = 0,1. Se a composição socioeconômica
média da escola é estável no tempo, a diferença entre
(5a) e (5b) elimina a sua influência bem como o efeito
específico da escola que não varia no tempo. Assim,
a volatilidade da medida (5c) dependerá da diferença ∆y j = v j1 − v j 0 , muito influenciável por choques
ocorridos em apenas um dado momento que podem
ou não perdurar no tempo.
Na Tabela 2 estão os resultados esperados para o caso
de o ranking de escolas ter caráter completamente
estável, caso de volatilidade esperada nula (coluna
1), ou ter o comportamento de uma loteria, caso de
volatilidade esperada máxima (coluna 2). 3 Estas duas
situações extremas servem de parâmetro para se comparar a volatilidade dos rankings obtidos pelas cinco
diferentes medidas acima apresentadas.
O comportamento do ranking que emerge das médias
“puras” das notas por escolas na equação (1) pode ser
visto na coluna 3 da Tabela 2. Neste caso, verifica-se
que 72,08% das escolas nunca apareceram entre as
20% melhores nos três anos analisados. Esta proporção é muito próxima do caso de “certeza”, que seria
de 80%. Ainda segundo esta medida, 11% das escolas
aparecem nos três anos entre as 20% melhores. Esses
dados mostram que esta medida gera rankings com
caráter certo, o que é bastante desejável, mas reflete
muito o status socioeconômico dos alunos − ver Franco
(2008) para uma análise mais detalhada desta questão.
Como Mizala et al. (Op. cit.) encontraram para o caso
do Chile, aqui o ranking é estável mas reflete fundamentalmente o SSE.
abril de 2009
y j 0 = α j + X j 0β + v j 0 3. resultados
29
tabela 2 – distribuições teóricas de frequências percentuais do “número de vezes (k) em que uma escola aparece entre as
20% melhores em 3 anos” nos casos de “certeza” e “loteria” comparadas com frequências percentuais “número
de escolas que aparecem k vezes/ número total de escolas (480)” segundo várias medidas
Dados anuais
K
0
1
2
3
Modelos teóricos
Certeza
Loteria
(1)
80,0
0
0
20,0
Diferenças temporais
Usando medidas definidas por
Modelos teóricos
Usando diferenças
Médias
ajustadas
(4)
Resíduos
indivíduos
(5)
Resíduos
escolas
(6)
Certeza
Loteria
Ganhos
(2)
Médias
de escola
(3)
(7)
(8)
(9)
51,2
38,4
9,6
0,8
72,08
6,88
10
11
78,75
1,04
1,04
18,54
61,5
22,7
10,2
5,6
58,3
25,8
13,3
2,5
80,0
0
20,0
-
64,0
32,0
4,0
-
∆y j
73,9
12,5
13,6
-
abril de 2009
Fonte: Cálculos próprios a partir de 480 escolas que se repetem nas amostras do SAEB 1999, 2001 e 2003. Rankings com base em medidas
obtidas a partir dos dados de alunos da 4ª série em matemática e português.
Quanto à volatilidade do ranking com base em d que
surge da equação (2), a coluna 4 da Tabela 2 mostra
que a distribuição desta medida é ainda mais estável
do que o resultado apresentado pelas médias puras.4
Porém, mais uma vez, embora a estabilidade seja
desejável, esta medida reflete muito o SSE dos alunos das escolas, pois há uma forte correlação entre
as estimativas a e d dos interceptos nas equações (1) e
(2) (precisamente de 81,95% em 1999, 86,96% em 2001
e 99,90% em 2003). Isto sugere que o sistema apresenta
uma forte estratificação social, e que a escolha de onde
se matricular já transmite muito das características de
SSE observáveis do aluno e, possivelmente, também das
características não-observáveis que contribuem para o
aprendizado.
A coluna 5 da Tabela 2 mostra que a medida resultante do modelo de regressão da equação (3) apresenta
grande volatilidade, pois sua distribuição aproxima-se
da distribuição de uma loteria. A coluna 6 da Tabela 2
mostra que também há uma elevada volatilidade na
medida resultante do modelo gerado pela equação
(4), apesar desta medida controlar bem pelo SSE e os
efeitos específicos não-observados das escolas. Com
respeito à quinta medida, dada por (5c), o que se pode
observar na coluna 9 da Tabela 2 é que a distribuição
resultante da utilização das diferenças nas médias
de notas de um ano para o outro apresenta um caráter bastante estável, o que é desejável, e ao mesmo
tempo expurga de seus resultados os efeitos do SSE
dos alunos.
30
4. comentários finais
Os resultados acima alertam para o cuidado que os
agentes econômicos devem ter ao tomar como base
os rankings de escolas, construídos a partir de exames
de avaliação educacional como o SAEB, para fazer
inferências sobre a qualidade nas escolas ou para o
desenho de incentivos e sanções num contexto de
“políticas de responsabilização”.
A elevada estratificação do sistema e o processo de
reversão para a média que tende a ocorrer nos resultados de um momento no tempo para outro geram
ruídos nas medidas de desempenho utilizadas para
a construção de rankings; estes podem apresentar
resultados influenciados principalmente pelo status
socioeconômico dos alunos ou uma grande volatilidade de um período de avaliação para outro.
Das cinco medidas avaliadas neste trabalho para a
construção de rankings, apenas a resultante da equação
(5c) não apresentou o “trade-off” entre não ser fortemente determinada pelo SSE dos alunos e apresentar
pouca volatilidade. Porém, para que se afirme com
maior certeza este resultado, é necessário aguardar
os levantamentos da Prova Brasil, que tem caráter
censitário, por um número maior de anos. No Brasil,
como é crescente a preocupação com a qualidade do
ensino público, e se caminha para políticas nos moldes
de “responsabilização”, os resultados aqui encontrados
são bastante importantes para serem levados em conta
na definição de índices de desempenho e de metas a
serem atingidas pelas escolas.
referências
CHAY, Keneth Y. et al. The central role of noise in evaluating
interventions that use test scores to rank schools. American
Economic Review, v. 4, n. 95, p. 1237-1258, 2005.
FRANCO, Ana Maria de Paiva. Os determinantes da qualidade
da educação no Brasil. 2008. Tese (Doutorado em Economia)
– Programa de Pós-Graduação em Economia, Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade da Universidade
de São Paulo. São Paulo.
3 A loteria é simulada encarando-se cada julgamento de
escola como um ensaio de Bernoulli independente dos
demais ensaios, com M sendo o número de ensaios e
0,20 a probabilidade de sucesso. Assim, a probabilidade
de K sucessos é dada pela Binomial (M= 3, P= 0,2): P
k
M-k
(Número de sucessos = k) = M!/[ k! (M-k)!] 0,20 (0,80) ,
k=0,1,2...M.
4 Este resultado é esperado, uma vez que o que se está
medindo é o efeito específico não-observado da escola
que, no contexto de uma regressão, não varia no tempo.
MENEZES-FILHO, Naercio A. et al. Definição de metas de
desempenho para as escolas estaduais paulistas. 2008. (Mimeografado).
MIZALA, Alejandra et al. Tradeoffs in the generation of school
quality information. Journal of Development Economics, n. 84,
p. 61-75, 2007.
1 Este artigo é o segundo de uma série de três textos nos
quais a autora resume os principais resultados encontrados em sua tese de doutorado, intitulada Os determinantes
da qualidade da educação no Brasil, apresentada ao Departamento de Economia da FEA-USP em fevereiro de 2009.
2 Outro exemplo é o que vem ocorrendo no governo do
(*) Doutora em Economia pelo IPE-FEA-USP.
(E-mail: [email protected]).
abril de 2009
Estado de São Paulo, que busca meios de aperfeiçoar o
monitoramento das escolas estaduais paulistas a partir
da definição de uma métrica nos moldes do IDEB (ver
MENEZES-FILHO et al., 2008).
31
Leandro Martins (*)
aprenda a investir
abril de 2009
Este artigo é um breve resumo de sua obra, intitulada
Aprenda a investir – saiba onde e como aplicar seu dinheiro,
1ª edição (2008), publicada pela Editora Atlas. (www.
seuconsultorfinanceiro.com.br/livro.php). Neste livro, qualquer pessoa que receber uma remuneração
conseguirá aprender a investir, e quem já investe
poderá melhorar a qualidade de suas aplicações. Em
uma linguagem acessível e didática, o autor ensina
como economizar, como entender a economia e onde
investir.
Ao dominar essas três áreas, o leitor será capaz de:
Aprender a economizar e negociar; Planejar e definir
suas metas e objetivos; Entender os principais fundamentos da economia; Aplicar diretamente em renda
fixa; Conhecer tudo sobre os fundos de investimento;
Criar seu próprio clube de investimento em ações;
Utilizar a análise gráfica para especular com ações;
Montar sua carteira de investimento.
Destinada ao público em geral e com linguagem acessível, esta obra é completa para quem quer aprender
a economizar com disciplina e investir sem erros e
de forma inteligente. Guia obrigatório a todos que
sonham em possuir, num futuro próximo, sua liberdade financeira.
guirá manter-se consciente quanto às suas opções de
administração dos recursos, pois, com o panorama
da economia global modificado através da utilização
de computadores e da Internet, conseguimos operar
diretamente na bolsa em nossa própria casa (pelo
sistema home broker) e ter acesso em tempo real a acontecimentos ocorridos em todo o mundo, e com isso
analisar seus efeitos ocorridos em nossa economia.
Esta obra pretende auxiliá-lo em todos os processos,
orientando na economia dos recursos, formas de
aplicação, análises dos investimentos disponíveis e
introdução à economia, esta que servirá como auxílio
na decisão do melhor investimento nos diferentes
momentos econômicos.
Apenas a obtenção de maior conhecimento o auxiliará no processo de desenvolvimento de suas habilidades financeiras, capacitando-o corretamente em
suas escolhas e nas definições de metas e objetivos.
É necessário entender e antecipar as mudanças da
economia, planejar e definir estratégias para as suas
decisões de curto, médio e longo prazos. Contudo,
devemos compreender os movimentos dos mercados
para desenvolvermos as estratégias adequadas.
O livro é dividido em três capítulos, conforme sintetizados a seguir:
introdução
adquirindo inteligência financeira
32
O objetivo do livro Aprenda a investir – saiba onde e como
aplicar seu dinheiro é auxiliá-lo na escolha do melhor
caminho para investir seus rendimentos, alcançados a
partir de um controle eficaz de seu orçamento. Acredito que possuir o mínimo de orientação financeira seja
dever de todos, para assim valorizar seu patrimônio
conquistado com muito sacrifício e trabalho.
O mercado financeiro oferece-nos uma grande gama de
investimentos, mas para isso precisamos, antes de tudo,
ficar afastados das dívidas e dos altos gastos, para depois
conseguirmos obter certa disciplina que nos mantenha
sempre com reservas destinadas às aplicações. Abaixo,
extraio algumas dicas presentes na obra.
O leitor irá obter informações econômicas e financeiras, e, reconhecendo seus limites e objetivos, conse-
Maus hábitos, como comprar por impulso ou como terapia contra a depressão, devem ser cortados. A utilização
sem controle do cartão de crédito e do talão de cheques
deve ser restringida. Há pessoas que, ao possuírem talões de cheque e cartão de crédito, acabam por esquecer
o valor gasto e confundi-los com pedaços de papel e
plástico com fundos ilimitados, mas não são.
Uma prática que adoto e considero eficaz para melhorar o controle orçamentário é mensurar a magnitude
das despesas mensais e avaliar sua presença na composição do orçamento considerando o gasto anual e não
apenas o mensal. Por exemplo, uma tarifa bancária
de R$ 22,00 resulta após um ano em R$ 264,00; ao
incorporar juros de 1% ao mês (que receberíamos em
uma aplicação financeira), temos um montante final
de R$ 279,00. Esse valor em dez anos é mais que R$
5.000,00 gastos em tarifa bancária.
Vale ressaltar que vivemos em um país subdesenvolvido, no qual é incerta nossa situação em um futuro
próximo, e não podemos depender da previdência
social; contudo, é de extrema importância termos um
fundo de reserva de economias geradas, e todo corte
no orçamento é de extrema importância para isso.
Algumas pequenas ações podem fazer a diferença,
como por exemplo, você mesmo vender seu carro,
em vez de entregá-lo como forma de pagamento na
aquisição do novo automóvel. Com isso, você estará
economizando a margem de lucro da concessionária,
que gira em torno de 20%, pois eles precisam ganhar
também na revenda do seu automóvel usado. Com
certeza, vale a pena, mesmo porque, com a Internet, seu
carro é divulgado em minutos para seus possíveis compradores. Há inúmeros sites que oferecem esse canal
entre o vendedor e o comprador; as próprias agências
atraem seus principais compradores desse modo.
decifrando a economia
Você deve estar se perguntando por que é preciso
entender de economia para aprender a investir, mas
seu entendimento fará a diferença na escolha da melhor opção de investimento. Digamos que a economia
esteja caminhando para uma verdadeira recessão;
você deslocaria seus recursos aplicados em um fundo
DI para o mercado acionário? Com certeza, após certo
conhecimento, você jamais faria isso. Também saberia
o momento certo de procurar ativos mais rentáveis ao
verificar uma melhora nos fundamentos econômicos
de nossa economia – como queda da inflação, diminuição do risco país e aumento das reservas internacionais,
aliados à queda da taxa de juros nominal.
Com melhor entendimento da macroeconomia, você
irá, por exemplo, realocar seus investimentos de um
fundo DI para um fundo de renda fixa prefixado após
saber que o governo pretende a longo prazo baixar a
taxa Selic ou investir em ações de empresa de consumo após divulgação da diminuição da taxa de desemprego e/ou aumento do Produto Interno Bruto.
abril de 2009
Elabore uma planilha com seus gastos e controle-a
para não ultrapassar seu rendimento. Anote todo o
gasto com cartão de crédito, cheque, saques etc. É
importante planejar também os gastos anuais, como
presentes de Natal, férias, manutenção de carro, IPVA
etc. Como não ocorrem todos os meses, é fácil esquecer
estes gastos – faça as contas de quanto eles irão lhe
custar. Planeje-se de forma a montar uma reserva para
fazer frente a estes gastos.
Venda seus bens patrimoniais dispensáveis (segundo
carro, casa no campo etc.); em vez de gerarem gastos
e serem depreciados, os recursos gerados com suas
vendas podem ser aplicados no setor financeiro e
gerar juros ou dividendos. Nunca peça dinheiro emprestado, principalmente se tiver dinheiro aplicado.
Você estaria recebendo 1% da aplicação e pagando
juros no mínimo cinco vezes maiores. Evite as multas
em geral, principalmente as de trânsito e as de atraso
no pagamento de contas. Atualmente, é arrecadado em
multa somente na cidade São Paulo quase meio bilhão
de reais por ano.
Por isso, a compreensão da economia será fator
fundamental para a escolha dos investimentos mais
propícios em cada momento atravessado. Para isso,
é preciso entendê-la como um todo e também seus
principais predicados e instrumentos de condução
da política econômica.
Na obra, são comentadas as principais variáveis
agregadas da macroeconomia, como Produto Interno
33
Bruto, inflação, juros e câmbio. Os instrumentos de
políticas do governo são: política monetária (juros),
política fiscal (tributos e gastos), política cambial (câmbio) e política de renda.
abril de 2009
onde investir
Ao optar pelos investimentos que irão compor sua
carteira, você deverá considerar três principais fatores:
sua meta, o horizonte de investimento e seu perfil de
risco. É sempre válido analisá-los pela ótica da relação
risco e retorno, isto é, comparar os produtos financeiros com o intuito de descobrir qual oferece melhor essa
relação – maior retorno e menor risco. Recomenda-se,
também, sempre ter aplicado uma parte do capital
em investimentos com maior liquidez, para serem
utilizados em emergências, como por exemplo, os
fundos DI, que efetuam o pagamento do resgate em
D+0, isto é, no próprio dia. O gráfico a seguir ilustra
os ativos de acordo com seu risco e retorno.
gráfico 1 – relação risco × retorno dos investimentos
Você já deve ter ouvido alguém reclamar com a
seguinte frase: “Na bolsa eu subo de escada e desço de
elevador.” Quem já operou na bolsa sabe que uma alta
de +X% não recupera uma baixa de –X%. Uma ação
que estava valendo R$ 100,00 e caiu 30% foi para R$
70,00. Se no pregão seguinte ela subir 30%, valerá R$
91,00. Uma perda de 9%. Com isso, é necessário alongar os lucros (apenas com o uso do stop-gain) e parar
os prejuízos (com o uso do stop-loss).
Existem duas técnicas básicas de análise de investimento: fundamentalista e gráfica, esta última também chamada de técnica pelo mercado. Na primeira,
a recomendação de investimento parte dos resultados da análise dos fundamentos macroeconômicos,
setoriais e econômico-financeiros da companhia
emissora. No segundo tipo, o analista estuda o comportamento histórico do preço e volume negociado
do ativo em questão, para traçar tendências de comportamento de preço.
Embora existam debates sobre a eficácia de cada uma
das técnicas, elas podem ser consideradas complementares. Por exemplo, o analista estuda o setor e a situação econômico-financeira da companhia para fazer
uma recomendação de investimento. Seu trabalho é
completado com a análise gráfica, que apontaria o
melhor momento de compra ou venda.
Os ativos dispostos nos extremos exigem recomendações cuidadosas, pois o mercado de derivativos possui
elevados riscos, e a poupança e o aluguel de imóveis
possuem baixos retornos.
Na obra, são apresentados todos os ativos presentes
no gráfico acima, assim como os principais produtos
financeiros brasileiros como tesouro direto, mercado
de ações, fundos e clubes de investimentos, mercados
derivativos etc.
34
técnicas de análise de investimento
Na prática, julgamos que, apesar das disparidades conceituais, o domínio dos instrumentos das duas escolas
só melhora as chances de ganho de um investidor em
ações. No entanto, é sabido que, por diversas oportunidades, as ações encontram-se em fortes tendências
de alta ou de baixa, e apenas conseguimos identificar
tais movimentos pelo uso da análise gráfica.
Generalizando, as informações da escola fundamentalista oferecem ao usuário elementos para decidir o
que comprar; por outro lado, as ferramentas da escola
técnica se prestam a sinalizar quando comprar (ou
vender). Há quem entenda que toda empresa possa
apresentar ganhos ao especulador e trabalhe com a
análise gráfica, sem olhar os dados financeiros das
companhias, estes passíveis de diferentes interpretações e até mesmo de fraudes contábeis.
indicações
O livro apresenta em seguida ilustrações de análise
gráfica, e de fundos e clubes de investimento. Ao
final do livro há uma seção com muitas indicações,
como recomendações de sites, livros com sinopse,
entre outras.
(*) Formado pela FIPE no curso de Economia e Setor Financeiro
MBA USP - 2006, e Mestre em Economia pela
Universidade de Grenoble-França.
(E-mail: [email protected]).
abril de 2009
35
Rodrigo Octavio Marques de Almeida (*)
ciclos econômicos de longo prazo e
o comportamento cíclico dos
ativos financeiros
abril de 2009
1. introdução
O objetivo deste artigo é discutir os impactos dos ciclos
econômicos globais nos preços dos ativos financeiros.
As flutuações econômicas geram ciclos de preços em
diversos ativos como commodities, ações, títulos públicos e privados e imóveis. Dessa forma, podem-se
determinar trajetórias de longo prazo para os preços
dos ativos. Isso é relevante porque muitas decisões
de investimento levam em consideração horizontes
superiores a cinco anos. De forma complementar, a
determinação da fase do ciclo em que a economia se
encontra permite implementar a alocação tática de
carteiras de investimento, de forma a maximizar sua
relação risco-retorno.
Este artigo está dividido da seguinte forma: primeiro,
resenham-se alguns tipos de ciclos comentados na
literatura; a seção seguinte procura uma forma geral
para conceituar as fases intermediárias do ciclo usando a metáfora das estações do ano, e dá um indicativo
da atual fase do ciclo na economia mundial. O último
tópico está reservado às conclusões.
anos, enquanto outros são marcados por mudanças
demográficas e tecnológicas e se desenvolvem em
longos períodos de tempo. A duração do ciclo está
relacionada à natureza específica da atividade. Nessa
seção, seis tipos de ciclo serão explorados. Cada um
deles pode estar relacionado a uma flutuação nos
mercados financeiros, representando oportunidades
na alocação de ativos.
Os seis tipos de ciclo são:
1. Ciclos Agrícolas
2. Ciclos de Estoques
3. Ciclos Eleitorais
4. Ciclos de Investimento em Capital
5. Ciclos de Construção
6. Ciclos de Kondratieff
2.1. ciclos agrícolas
2. tipos de ciclo
36
1
Sabe-se que a flutuação nos preços dos ativos é um
processo natural de mudança de expectativas e incorporação de informações e que pode conduzir a um
comportamento cíclico. Existem diferentes tipos de
ciclos econômicos que podem ser divididos em função
de suas causas ou de sua duração, e muitos têm efeitos
sobre os mercados financeiros.
Os preços dos produtos agrícolas estão sujeitos a
flutuações regulares, seja porque a produção é determinada pelos preços passados, seja porque os preços
no mercado são determinados pela produção corrente.
Um ciclo agrícola também pode ser iniciado por um
desastre climático em qualquer região produtora, o
que reduz a oferta disponível do produto. O ciclo
evidentemente depende da cultura.
Algumas flutuações são consequência de ciclos de
estoques que duram em média de dois a quatro
Labys (2006) apresenta uma série de metodologias de
cálculo da duração de ciclos de commodities.
2.2. ciclos de estoques (Kitchin)
Ciclos de até 40 meses estão associados à variação
de estoques. Os estoques ganharam importância na
análise dos ciclos por serem um dos componentes
mais voláteis do produto real. Em 1920, Joseph Kitchin
sugeriu que um ciclo de negócios pode ser visto como
consistindo de dois ou três ciclos menores de 40 meses
de duração inseridos em uma onda maior. Kitchin
examinou séries históricas de preços de commodities e
taxas de juros nos Estados Unidos e Inglaterra entre
1890 e 1922, mostrando que havia comovimentos entre
as variáveis. No entanto, não ofereceu uma explicação teórica para os movimentos cíclicos da atividade
econômica, sugerindo que o processo apenas refletia
movimentos de psicologia de massas. Essa idéia de
miniciclos foi depois renovada e incorporada por
Schumpeter (1939). Outros autores como Meltzer
(1941) desenvolveram modelos que explicavam o
comportamento cíclico dos estoques.
2.3. ciclos eleitorais
No entanto, uma categoria de ciclo que vem gerando
mais estudos é aquela gerada pelas eleições nos Estados Unidos. Uma explicação para a existência destes
ciclos pode ser a tendência de o presidente eleito tomar
medidas para o ajuste da economia nos primeiros anos
depois de sua posse. Esse tipo de comportamento também tem impacto no mercado de ações. Historicamente, o mercado acionário é um indicador antecedente
do ciclo de negócios. Existem vários estudos que relacionam o desempenho do mercado de ações ao ciclo
eleitoral nos Estados Unidos. Allivine e O’neill (1980),
Gartner e Wellershoff (1995), Hensel e Ziemba (1995),
Huang (1985) e Booth e Booth (2003) mostraram que a
diferença entre os retornos da primeira metade e os da
Stovall (1992) também descobriu um padrão de baixos
retornos para o mercado acionário nos dois primeiros
anos do mandato presidencial e altos retornos nos
últimos dois anos. A amplitude do ciclo varia entre
40 e 53 meses em função das defasagens das políticas
fiscal e monetária.
Beyer, Jensen e Johnson (2007) encontram evidências
de que o FED é sistematicamente mais acomodativo,
em termos de política monetária, no terceiro ano do
mandato presidencial.
Examinando o retorno de cada ano do mandato
presidencial, Foerster e Schmitz (1997) descobriram
que tanto no mercado americano quanto no mercado internacional (uma amostra de 18 países) estes
são mais baixos no segundo ano de uma administração nos Estados Unidos em relação ao primeiro,
terceiro e quarto anos. Recente estudo de Wong e
McAleer (2007) mostra que entre janeiro de 1965 e
dezembro de 2003, os preços das ações americanas
seguiram o padrão do ciclo de eleição presidencial:
após um período de queda correspondendo ao
primeiro ano da administração, as ações atingem o
fundo no segundo ano e se recuperam no terceiro e
quarto anos. A existência de um ciclo político com
impacto global pode ser considerada uma anomalia de mercado, que pode ser útil na formação de
carteiras de risco.
abril de 2009
Existe certa dificuldade de calcular precisamente a
amplitude de alguns ciclos econômicos conhecidos
em função das mudanças estruturais que a economia mundial apresenta no longo prazo. O caso mais
emblemático refere-se à mudança na duração do ciclo
de estoques em razão das novas técnicas de administração de materiais.
segunda metade do período presidencial é econômica
e estatisticamente significante.
Considerando-se a extrema interdependência dos
mercados, é provável que a parte mais dinâmica da
alta dos preços das ações internacionais já tenha
ocorrido, mesmo quando se considera a possibilidade de um “rally” de final de ano em 2007. O ajuste
que a economia global deverá passar nos próximos
meses poderá ser atenuado exatamente pela existência de um ciclo político. O mercado acionário
americano é uma boa “proxy” do comportamento da
economia global e isso tem impactos diretos sobre as
principais variáveis financeiras e macroeconômicas
brasileiras.
37
2.4. ciclo de investimentos em bens de capital
(Juglar)
Quando se analisa o comportamento dos gastos com
equipamentos e estruturas, nota-se que estes têm uma
duração maior.
abril de 2009
Um dos primeiros a documentar este tipo de ciclo foi
Clement Juglar (1819-1905). Até antes da 2ª Guerra
Mundial, os ciclos de investimentos variavam entre
7 e 11 anos. E era considerado a principal influência
para o ciclo de negócios.
Conforme descrito em Niemira (1994), existem evidências de que a duração do ciclo se encurtou depois
do pós-guerra. Uma possível razão pode ser a utilização das políticas fiscal e monetária, que podem ter
sido mais agressivas que no passado. Outra possível
explicação é que a informação é mais rapidamente
disseminada. Dessa forma, os empresários podem
capturar oportunidades de investimentos e avanços
tecnológicos de forma mais rápida do que no passado
encurtando o ciclo.
2.5. ciclos de construção civil
2
Os ciclos de imóveis e de construção civil têm componentes de curto e de longo prazos. No curto prazo
as oscilações são geradas pela disponibilidade de
crédito enquanto as flutuações de longo prazo são
determinadas por questões demográficas.
O ciclo pode ser dividido em quatro fases distintas.
A primeira está associada ao aumento da demanda
por imóveis sem aumento proporcional da oferta.
Esta fase caracteriza-se por altas taxas de ocupação
e elevação de aluguéis. Em paralelo, os preços dos
terrenos tendem a subir de forma acelerada. Quando
o número de lançamentos ultrapassa a demanda o
setor entra na fase do “overbuilding”. A fase seguinte é
de ajuste, quando as construtoras ajustam o número
de lançamentos à demanda declinante. Na última
etapa, as taxas de ocupação dos imóveis despencam
com a redução do nível de atividade.
38
Tvede (2006) também tem uma conceituação para uma
mudança de tendência em um mercado imobiliário
aquecido. Para o autor, quatro são os indicativos de
que o mercado imobiliário encontra-se em um topo
de preços. Primeiro, a demora crescente para vender
imóveis. Segundo, o aumento de residências não
vendidas e terceiro, o aumento do número de propriedades à venda por mais de 120 dias. Outro sinal
é o aumento da compra de propriedades para fins de
investimento.
2.6. ciclos de Kondratieff
Kondratieff (1926-1984) identificou quatro fases distintas para a economia. 3 Se, por um lado, a datação
desse ciclo é razoavelmente controversa, por outro é
possível descrever suas características.
No período de expansão, a inflação é positiva mas
estável, o preço das commodities encontra-se relativamente baixo, as taxas de juros estão estáveis e o
preço das ações começa a se elevar. O período em
geral é caracterizado pelo crescimento do lucro das
empresas e por inovações tecnológicas. Na etapa
seguinte, a inflação se acelera, o preço das commodities começa a subir, mas as taxas de juros nominais
acompanham enquanto as ações tendem a perder
valor real. No pico do ciclo, a taxa de inflação é
estável ou cadente, o preço das commodities cai,
taxas de juros internacionais também caem, cresce
o endividamento de empresas e consumidores, o
crescimento dos lucros é positivo, mas sem o dinamismo das fases anteriores. Dívidas em excesso e
facilidade de crédito contribuem para a formação
de “bolhas especulativas”.
Na fase de depressão a inflação cai, algumas commodities como o ouro se elevam, taxas de juros estáveis
no fundo, os lucros das empresas desabam, o estoque
de dívida começa a ser reduzido pelo crescimento
da inadimplência e escândalos financeiros surgem.
Aumenta a probabilidade de um conflito armado
que marca o fim dessa fase, e um novo período de
crescimento se inicia.
Schumpeter (1939) expandiu a teoria de ciclos de forma a incluir três ciclos: ciclos de Kondratieff (50-60
anos), Ciclos de Juglar ( 9-11 anos) ciclos de Kitchin
(40 meses). Schumpeter atribuía a todos os três ciclos
o processo de inovação.
O diagrama abaixo mostra a formação de ciclos e
subciclos de forma ideal. Um ciclo de Kondratieff
contém vários ciclos de Juglar e de Kitchin seguindo
Schumpeter (1939).
figura 1 – padrão ideal dos ciclos econômicos de longo prazo
Fonte: Tvede (2006).
2.7. ciclos e tendências dos ativos financeiros
Uma maneira de dividir as distintas fases dos ciclos é
compará-los com estações do ano. Dessa forma, podemos
dividir quaisquer ciclos, sejam de curto prazo − até quatro
anos − ou de longo prazo − de 10 a 50 anos − em quatro
fases distintas: primavera, verão, outono e inverno.
Na primavera dos ciclos econômicos, o otimismo impera
entre os investidores e a economia cresce de forma sólida.
O preço das ações sobe para refletir os melhores resultados
esperados. Em função do nível de atividade crescente, as
taxas de juros também iniciam uma trajetória de alta. Esta
fase é marcada por desaquecimentos curtos e recuperações
econômicas fortes.
No verão, a inflação começa a aquecer, o nível de endividamento também cresce e as ações perdem valor real. No
Já o outono chega após uma breve recessão de “verão”. O
endividamento continua a crescer e a liquidez internacional
é elevada. Esta etapa é marcada pela grande especulação
financeira e o crescimento econômico é positivo, mas
baixo. Outras características são o aumento do movimento de fusões e aquisições e um “boom” nos lançamentos
primários de ações. Bolhas especulativas são comuns e o
final desse ciclo é marcado pelo “crash” de uma bolha no
mercado de ativos de risco.
abril de 2009
O objetivo da literatura descrita nas seções anteriores é o
de buscar regularidades usando o comportamento histórico
da Economia. Estas regularidades podem fazer parte do
cenário econômico e ajudar a determinar uma alocação de
ativos para investidores.
fim dessa fase, o preço das commodities atinge o pico e as
taxas de juros continuam a subir, refletindo o novo nível
inflacionário.
A principal característica de um inverno econômico é
a tendência de queda dos mercados financeiros. Ações,
commodities e taxas de juros entram em tendência de
queda e o excesso de capacidade é purgado por falências
e depreciação tecnológica. As recuperações são breves
em função do ciclo de estoques e o sistema financeiro
entra em colapso. Lentamente, as condições para uma
nova fase de crescimento começam a surgir com a introdução de novas tecnologias. Os investidores tornam-se
avessos ao risco e mais conservadores. No final, uma nova
39
economia emerge, com baixos níveis de endividamento
e novas tecnologias.
Para cada estação os gestores de recursos devem fazer
uma alocação diferente. Se a economia encontra-se no
“verão”, é provável que o investimento em ações seja a
melhor opção. No caso do “inverno”, a busca pela preservação de capital com uma carteira conservadora é o mais
indicado.
A divisão descrita acima pode ser aplicada tanto a um
país isoladamente quanto em termos globais. No entanto,
o avançado grau de integração econômica atual implica
que é cada vez mais difícil um país atravessar um ciclo
isoladamente. Como se pode perceber, crises financeiras
geradas por excesso de endividamento tanto de empresas
como de países prenunciam a chegada do “inverno”, quando os preços dos ativos são recalculados. Em geral, cabe
aos gestores da política econômica suavizar e encurtar tais
ciclos, mas eles continuam existindo. Em que fase estamos?
O Gráfico 1 mostra o desempenho do índice SP500 no
período 2001-2009 comparado ao índice Dow Jones Industrials entre 1931 e 1933. Evidentemente, a “coincidência”
verificada serve apenas para reforçar a idéia de que os
ativos financeiros têm comportamento semelhante, mesmo
quando as “estações” ocorrem em décadas completamente
diferentes.
abril de 2009
gráfico 1 – comparação entre o desempenho dos índices de ações americanos em décadas diferentes
Nas crises financeiras globais das últimas décadas, o
remédio foi uma redução rápida e eficiente da taxa de
juros internacional. O diagnóstico parecia ser que uma
súbita queda no preço dos ativos financeiros contagiaria
a economia real − o canal seria a queda na confiança do
consumidor. Nos primeiros anos deste século, a taxa de
juros americana foi mantida em patamares historicamente
40
baixos, e os mercados financeiros, então, voltaram a ter
mais um ciclo de alta vigorosa. Aparentemente, os gestores da política econômica descobriram uma fórmula eficaz que suavizaria os efeitos
danosos de um "inverno" econômico prolongado sem gerar
inflação. No entanto, parece apenas que o ajuste mais seve-
ro foi postergado. O que se nota nos últimos anos é o crescimento do endividamento das empresas e consumidores e
o aumento da alavancagem nos países desenvolvidos para
volumes superiores aos do ciclo de crescimento anterior
ao ano 2000. Essa tentativa de suavização gerou severas
distorções que apenas agora estão sendo sentidas. Ao analisar os casos do Japão em 1980 e 1990, e Estados
Unidos em 2000, Oppers (2002) argumenta que para uma
escola de pensamento em particular, o crescimento econômico gerado por uma expansão de crédito apenas posterga
um ajuste estrutural.
Os países emergentes foram beneficiados pelo último ciclo
de crescimento internacional e de expansão de crédito. A
busca global por altos retornos favoreceu, até recentemente,
a forte apreciação das moedas desses países em relação ao
dólar. As bolsas de valores seguiam uma alta que parecia
constante, apenas cortada por pausas de curta duração,
função da sazonalidade dos fluxos de capitais. Booth, J. R.; Booth, L. C. Is presidential cycle in security
returns merely a reflection of business conditions? Review of
Financial Economics, v. 12, n. 2, p. 131-159, 2003.
Foerster, S.R.; Schmitz, J.J. The transmission of U.S. election cycles to international stock returns. Journal of International Business Studies, v. 28, n. 1, p. 1-27, 1997.
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fluctuations, growth and economic stabilization: a reader. New
York: Random House, 1963.
Os desenvolvimentos recentes do cenário econômico global implicam uma coincidência de “invernos” de ciclos de
diversas amplitudes. Isso significa que do ponto de vista
de gestão de ativos, carteiras de investimento precisam ser
geradas de forma a preservar o capital dos investidores.
Niemira, M. Forecasting financial and economic cycles. New York:
Willey, 1994.
3. conclusão
Schwert, G. W. Stock returns and real activity, a century of
evidence. Journal of Finance, v. 45, n. 4, p. 1237-1257, 1990.
Este artigo procurou mostrar uma aplicação possível
para a teoria de ciclos econômicos de longo prazo. A
busca de regularidades históricas é uma ferramenta
importante na determinação dos cenários e na elaboração de estratégias e de carteiras. Os responsáveis
pela implementação da política econômica podem
suavizar os ciclos, mas não têm como evitá-los. Isso
dá espaço para a obtenção de lucros acima do “bench
mark” em estratégias de prazos mais longos.
Stovall, R. H. Forecasting stock market performance via
the presidential cycle. Financial Analysts Journal, v. 48, n. 3,
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Allivine, F. D.; O’Neill, D. D. Stock market returns and the
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1939.
abril de 2009
referências
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2002.
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Tvede, L. Business cycles – history, theory and investment reality.
John Willey & Sons, 2006.
Wong, W.; McAlEer, M. Mapping the presidential election cycle
in US stock markets. 2007. Mimeo.
1 Para uma resenha mais completa sobre os tipos de ciclo, ver Berry
(1991).
2 Esse ciclo está associado ao trabalho de Kuznets (1930).
3 Conforme interpretação de Niemira (1994).
(*) Estrategista da Planner Investimento e Professor de
MBA na área de Economia e Setor Financeiro.
(E-mail: [email protected]).
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