Leia este texto na íntegra.

Propaganda
Biodiversidade
em Minas Gerais
S E G U N D A
E D I Ç Ã O
ORGANIZADORES
Gláucia Moreira Drummond
Cássio Soares Martins
Angelo Barbosa Monteiro Machado
Fabiane Almeida Sebaio
Yasmine Antonini
Fundação Biodiversitas
Belo Horizonte
2005
FLORA
As diferentes formas de relevo em Minas Gerais, somadas às especificidades de solo
e clima, propiciaram paisagens muito variadas, recobertas por vegetações características, adaptadas a cada um dos inúmeros ambientes particulares inseridos no domínio de três biomas
brasileiros: o Cerrado, a Mata Atlântica e a Caatinga. É possível, assim, entender a ocorrência de
vegetações distintas em ambientes semelhantes do ponto de vista topográfico e climático, mas
com características locais particulares (Martins, 2000).
Enquanto o domínio do Cerrado, localizado na porção centro-ocidental, ocupa
cerca de 57% da extensão territorial do Estado, o domínio da Mata Atlântica, localizado na
porção oriental, perfaz mais de 41% da área do Estado. O domínio da Caatinga, restrito ao norte
do Estado, ocupa menos de 2% do território mineiro. De modo geral, a paisagem transita para o
cerrado ao sul e a oeste, para a região dos campos rupestres ao centro e para a floresta atlântica a
leste, exibindo fases de transição de difícil caracterização, ou como manchas inclusas em
outras formas de vegetação. As comunidades hidromórficas, como as veredas e os campos de
várzeas, aparecem em menor escala, incluídos nos biomas.
Ao longo do processo de ocupação de Minas Gerais, amplas áreas de vegetação de
cerrado foram substituídas por culturas agrícolas e florestais ou transformadas para a implantação
de atividades agropecuárias. A construção de Brasília estimulou a instalação de uma extensa
malha viária ao longo de regiões ocupadas por esse tipo de vegetação, explorado como fonte de
matéria-prima para carvoarias que abasteceriam o parque siderúrgico mineiro, em expansão.
Como conseqüência, as áreas de cerrado ao sul da rodovia BR-040 (Rio-Brasília) ficaram restritas
a remanescentes muito fragmentados e esparsos. A cobertura vegetal desse bioma reduziu-se de
maneira drástica, sobrevivendo apenas no norte de Minas Gerais, particularmente nas bacias dos
rios São Francisco e Jequitinhonha.
Diante da enorme lacuna de conhecimentos sobre a composição florística do
Cerrado no norte do Estado, a priorização da criação de unidades de conservação nesses locais
de vegetação natural não alterada coloca a política conservacionista um passo à frente da alteração das áreas de cerrado pelo atual modelo de desenvolvimento (Meira-Neto, 2001). E, apesar
do pouco conhecimento sobre a flora do Cerrado, as estimativas a esse respeito sugerem grande
riqueza florística devida especialmente à variedade de paisagens e tipos fitofisionômicos.
Os campos rupestres aparecem como formações bem individualizadas, geralmente
em altitudes superiores a 900m, de distribuição descontínua. As veredas constituem cabeceiras de
drenagem com características muito especiais e um importante significado ecológico, socioeconômico e estético-paisagístico. A grande maioria dos afluentes da margem esquerda do rio São
Francisco e praticamente todos os afluentes do baixo rio Grande têm cabeceiras sob forma de
veredas. A demanda intensiva por terras agricultáveis, aliada ao crescimento demográfico, à
página anterior:
Teia de aranha
(Nephila sp.)
página ao lado:
Bromélia
Fotografias: Miguel Aun
expansão da pecuária e à exploração do carvão vegetal, têm causado forte impacto sobre esse
ecossistema particularmente sensível às transformações, provocando o ressecamento dessas fontes
de água. Além disso, pelo fato de quase sempre se desenvolverem sobre terrenos de alta permeabilidade, as veredas estão sujeitas a contaminações por agrotóxicos, podendo contaminar também
os aqüíferos a que estão ligadas. Considerando o estágio atual de sua degradação no Estado,
sobretudo nas regiões Noroeste, Alto Paranaíba e Triângulo, uma das medidas mais urgentes é o
mapeamento e a seleção de áreas prioritárias para recuperação, em função de sua importância
para a manutenção da disponibilidade hídrica regional (Boaventura, 1988).
Na região Central, a Serra do Espinhaço constitui um conjunto orográfico que se estende por cerca de 1.100 km, com altitudes médias entre 800 e 1.200 m e máximas entre 18002000m, formado de um corredor limitado, ao sul, pela Serra de Ouro Branco e, ao norte, pelas
áreas de Monte Verde e Montezuma. O corredor do Espinhaço exibe uma grande diversidade de
paisagens, dotadas de uma riqueza florística com elevado grau de endemismos, constituindo-se
no centro de diversidade de numerosos gêneros de muitas famílias, como as de Compositae,
Melastomataceae, Ericaceae, Leguminosae, ou mesmo famílias inteiras, como as de
Velloziaceae, Eriocaulaceae e Xyridaceae (Pirani et al., 2003). Destacam-se nesse corredor áreas
de importância biológica Especial, como o Quadrilátero Ferrífero, ambiente único com campos
ferruginosos, a RPPN Serra do Caraça, a Serra do Cipó, o platô de Diamantina — 47% das espécies de Eriocaulaceae de todo o mundo são endêmicas dessa área — e onde ocorrem 50% das
espécies de Encholirium (Bromeliaceae), quase todas endêmicas. Foram consideradas também
ambientes especiais as Serras do Ambrósio e de Grão-Mogol, essa última com uma flora vascular
composta de 1.073 espécies, segundo Pirani et al. (2003). A Serra do Cabral, situada em posição
disjunta, foi priorizada por ser considerada uma das únicas áreas em que ocorrem campos
rupestres e veredas.
Apesar da riqueza da biodiversidade existente na Serra do Espinhaço, diversas pressões ameaçam seus ecossistemas, como a extração de sempre-vivas, de canelas-de-ema e de madeiras, a alteração dos campos pelas pastagens e queimadas, as atividades de mineração e o turismo
desordenado. É urgente a criação de unidades de conservação, principalmente ao norte do paralelo 18º S, dando preferência àquelas de uso mais restritivo, priorizando áreas de cerrado não alterado, ainda que a composição florística seja desconhecida.
A região noroeste de Minas Gerais engloba áreas com enorme diversidade de ecossistemas: cerrado, veredas, mata seca, caatinga arbórea, caatinga sobre afloramentos calcários, florestas estacionais semideciduais. Nessa região foram priorizadas as áreas de Jaíba, Vale do
Peruaçu, Grande Sertão Veredas, Brasilândia de Minas, São Romão, Arinos/Buritis, Urucuia,
Santa Fé de Minas, Natalândia, Januária/Bonito de Minas, Manga, Cabeceiras do Rio Coxá,
formando um grande corredor. A atividade antrópica sobre os diferentes tipos de vegetação é marcante em toda a região: a agropecuária, o extrativismo, a extração de pedras e o carvoejamento.
No Triângulo, as regiões de cerrado outrora expressivas, localizadas nos chapadões,
foram substituídas por lavouras de soja e milho, estando hoje restritas a áreas não mecanizáveis
(Brandão, 2000). Destacam-se como áreas de importância biológica as seguintes: a região de
Uberaba (Estação Ecológica de Panga e cabeceira do rio Uberabinha); Itumbiara, com ocorrência de floresta atlântica no domínio do Cerrado; RPPN Galheiro, cuja área se propõe ampliar
para conexão com remanescentes no entorno. Em Abadia dos Dourados, divisa com Goiás, ocorrem matas secas, campos rupestres e matas de galeria, afloramentos rochosos com intensa atividade de extração mineral e atividades agropecuárias. Em Gurinhatã/Campina Verde ocorrem
remanescentes de vegetação nativa de cerrado típico, hoje raro na região do Triângulo, propícios
para o estabelecimento de unidades de conservação. Nas margens do rio Araguari e afluentes
ocorrem fragmentos de floresta atlântica com grande potencial de conectividade.
Na região do alto São Francisco destaca-se o Parque Nacional da Serra da Canastra,
área de importância biológica Especial, onde ocorre a invasão de espécies exóticas. Ressalta-se a
área Arcos/Pains/Iguatama, de importância biológica Muito Alta, devido à ocorrência de floresta
estacional decidual sobre afloramento calcário e floresta estacional semidecidual, ambas com alta
94
riqueza de espécies em geral e espécies de distribuição restrita à área. A área sofre alto grau de
ameaça devido à extração de calcário e à atividade agropecuária, sendo sugerida a criação urgente
de unidade de conservação.
No domínio da Mata Atlântica foram identificados quatro regiões que poderiam ser
configuradas corredores: leste, sudeste, Mucuri/Jucuruçu e Jequinhonha. O corredor leste
envolve as áreas de importância biológica Especial – Serra do Brigadeiro e Parque Nacional do
Caparaó,– conectando-se com o grande corredor central da floresta atlântica (sul da BA, ES e
MG). Estão incluídas também a APA Pedra Dourada e Santa Rita do Itueto, extensa área ainda
bem preservada, porém desconhecida floristicamente. O corredor sudeste engloba remanescentes primários de floresta atlântica com alta conectividade, incluindo as florestas urbanas de
Juiz de Fora, as áreas prioritárias do Parque Estadual do Ibitipoca, de Bom Jardim de Minas, de
Bocaina de Minas e de Monte Verde – APA Fernão Dias. A região é altamente explorada pela
atividade agropecuária e reflorestamento de pinus e ameaçada pela especulação imobiliária.
Ambos os corredores unem-se na área Diogo Vasconcelos/Porto Firme, que apresenta alta densidade de fragmentos passíveis de conexão.
A região da floresta atlântica norte, acima do rio Doce, apresenta-se em expressivos
fragmentos, em sua maioria desconhecidos floristicamente. O corredor Mucuri/Jucuruçu proposto preserva remanescentes de floresta atlântica onde a agropecuária expande suas fronteiras.
O corredor Jequitinhonha inclui áreas de importância biológica Muito Alta, como Santa Maria
do Salto, que apresenta remanescente florestal em bom estado de conservação, com alta riqueza
específica e com influência florística da floresta atlântica do sul da Bahia e da Serra do Mar, no
sudeste do Brasil. As pressões são o desmatamento e a extração seletiva de madeiras. A Reserva
Biológica da Mata Escura guarda remanescentes significativos de floresta atlântica e cerrado, de
grande importância ecológica.
No domínio da Caatinga, foram priorizadas as áreas de Pedra Azul e Berizal, por
ocorrer ali vegetação de caatinga sobre afloramentos graníticos.
Apesar do fortalecimento da consciência ecológica na sociedade e da existência de
inúmeros instrumentos legais para a proteção de espécies e ecossistemas, a degradação da flora do
Estado continua avançando de forma preocupante. A identificação de áreas e ações prioritárias
para conservação da biodiversidade é fundamental para a elaboração de estratégias que permitam
concentrar os esforços e recursos disponíveis, de modo a subsidiar as políticas de ordenamento
territorial.
Nesse sentido, foram indicados os seis corredores, anteriormente relacionados, nos
diferentes biomas do Estado, conectando unidades de conservação, áreas prioritárias de diferentes categorias de importância biológica e remanescentes de vegetação natural ainda pouco
conhecidos. O estudo das variações florísticas e estruturais, através de esforços imediatos na
realização de levantamentos detalhados da flora em conjunto com outros grupos taxonômicos,
considerando também aspectos físicos sócio-econômicos, permitirá a identifição de fragmentos
mais bem preservados e ordenará as ações para a instalação desses corredores. As principais
ações recomendadas pelo grupo Flora, para a maioria das áreas prioritárias, foram a investigação científica, a criação de unidades de conservação e a promoção de conectividade entre
fragmentos de vegetação natural.
página seguinte:
Parque Estadual
do Ibitipoca
Fotografia: Adriana Moura
ÁREAS PRIORITÁRIAS PARA A CONSERVAÇÃO
DA FLORA DE MINAS GERAIS
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47
Região de Manga
Jaíba
Vale do Peruaçu
Cabeceiras do Rio Coxá
Região de Januária / Bonito de Minas
Corredor Cerrado Noroeste
Grande Sertão Veredas
Região de Arinos / Buritis
Urucuia
Região de Natalândia
Região de Unaí
Veredas do Rio São Marcos
Região de Paracatu
Baixo Córrego Rico
Região de Brasilândia de Minas
Região de Santa Fé de Minas
Região de São Romão
Região de Campo Azul
Região de Monte Azul
Região de Montezuma
Região de Grão Mogol
Corredor Espinhaço
Parque Estadual Acauã
Região de Itinga / Araçuaí
Região de Berizal
Região de Pedra Azul
Região de Jequitinhonha
Corredor Jequitinhonha
Região de Bandeira
Fazenda Santana
Região de Santa Maria do Salto
Corredor Mucuri / Jucuruçu
Região de Novo Cruzeiro / Poté
Região de Pirapora
Serra do Cabral
Região de Lassance / Curvelo
Região de Pedra Menina / Serra do Ambrósio
Platô de Diamantina
Região de Congonhas do Norte /
Santana de Pirapama
Serra do Cipó
Florestas da Encosta Sudeste do Espinhaço
Região Cárstica de Lagoa Santa /
Sete Lagoas
Quadrilátero Ferrífero
Serra da Moeda
Serra de Ouro Branco
Parque Estadual do Itacolomi
APA Cachoeira das Andorinhas
48
49
50
51
52
53
54
55
56
57
58
59
60
61
62
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
73
74
75
76
77
78
79
80
81
82
83
84
85
86
87
88
89
90
91
92
93
94
95
RPPN Serra do Caraça
Região de Mariana / Ouro Preto
Região de Diogo de Vasconcelos /
Porto Firme
Serra do Brigadeiro
APA Pedra Dourada
Parque Nacional do Caparaó
Corredor Leste / Resplendor
RPPN Mata do Sossego
RPPN Feliciano Miguel Abdala
Região de Santa Rita do Itueto / Resplendor
RPPN Fazenda Macedônia
APA Lagoa Silvana
Parque Estadual do Rio Doce
Região de Estrela do Indaiá
Região de Matutina
Vereda Grande
Serra da Carcaça
RPPN Galheiro
Região de Uberaba
Região de Gurinhatã / Campina Verde
Região de Itumbiara
Região de Araguari
Vale do Araguari
Região de Abadia dos Dourados
Parque Nacional Serra da Canastra
Região de Arcos / Pains / Iguatama
Região de Guaxupé
Região de Campo do Meio
Região de Furnas
Região de Poços de Caldas
Região de Andradas
Região de Pouso Alegre
Região de Santa Rita do Sapucaí
Serra da Pedra Branca
Região de Luminárias / São Tomé das Letras
Região de Carrancas
Serra de São José / Lenheiro
Região de Barroso
Corredor Sudeste
Represa do Grama
Região de São João Nepomuceno
Volta Grande
Região de Além Paraíba
Região de Santana do Deserto
Região de Bom Jardim de Minas
Parque Estadual do Ibitipoca
Região de Bocaina de Minas
Região de Monte Verde / APA Fernão Dias
Relação das áreas indicadas para a conservação da flora de Minas Gerais
Número
da Área
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47
48
49
50
51
52
100
Nome da Área
Pressões
Antrópicas
Recomendações
Categoria
Região de Manga
Jaíba
Vale do Peruaçu
Cabeceiras do Rio Coxá
Região de Januária / Bonito de Minas
Corredor Cerrado Noroeste
Grande Sertão Veredas
Região de Arinos / Buritis
Urucuia
Região de Natalândia
Região de Unaí
Veredas do Rio São Marcos
Região de Paracatu
Baixo Córrego Rico
Região de Brasilândia de Minas
Região de Santa Fé de Minas
Região de São Romão
Região de Campo Azul
Região de Monte Azul
Região de Montezuma
Região de Grão Mogol
Corredor Espinhaço
Parque Estadual Acauã
Região de Itinga / Araçuaí
Região de Berizal
Região de Pedra Azul
Região de Jequitinhonha
Corredor Jequitinhonha
Região de Bandeira
Fazenda Santana
Região de Santa Maria do Salto
Corredor Mucuri / Jucuruçu
Região de Novo Cruzeiro / Poté
Região de Pirapora
Serra do Cabral
Região de Lassance / Curvelo
Região de Pedra Menina / Serra do Ambrósio
Platô de Diamantina
Região de Congonha do Norte /
Santana de Pirapama
Serra do Cipó
Florestas da Encosta Sudeste do Espinhaço
Região Cárstica de Lagoa Santa /
Sete Lagoas
Quadrilátero Ferrífero
Potencial
Especial
Extrema
Potencial
Potencial
Corredor
Extrema
Alta
Alta
Potencial
Muito Alta
Muito Alta
Alta
Potencial
Muito Alta
Potencial
Alta
Potencial
Alta
Alta
Especial
Corredor
Potencial
Alta
Potencial
Potencial
Muito Alta
Corredor
Extrema
Muito Alta
Extrema
Corredor
Muito Alta
Potencial
Especial
Alta
Especial
Especial
Muito Alta
Serra da Moeda
Serra de Ouro Branco
Parque Estadual do Itacolomi
APA Cachoeira das Andorinhas
RPPN Serra do Caraça
Região de Mariana / Ouro Preto
Região de Diogo de Vasconcelos /
Porto Firme
Serra do Brigadeiro
APA Pedra Dourada
Extrema
Alta
Alta
Alta
Especial
Extrema
Muito Alta
Especial
Muito Alta
Muito Alta
Especial
Especial
Muito Alta
Número
da Área
Nome da Área
Pressões
Antrópicas
Recomendações
Categoria
53
54
55
56
57
58
59
60
61
62
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
73
74
75
76
77
78
79
80
81
82
83
84
Parque Nacional do Caparaó
Corredor Leste / Resplendor
RPPN Mata do Sossego
RPPN Feliciano Miguel Abdala
Região de Santa Rita do Itueto / Resplendor
RPPN Fazenda Macedônia
APA Lagoa Silvana
Parque Estadual do Rio Doce
Região de Estrela do Indaiá
Região de Matutina
Vereda Grande
Serra da Carcaça
RPPN Galheiro
Região de Uberaba
Região de Gurinhatã / Campina Verde
Região de Itumbiara
Região de Araguari
Vale do Araguari
Região de Abadia dos Dourados
Parque Nacional Serra da Canastra
Região de Arcos / Pains / Iguatama
Região de Guaxupé
Região de Campo do Meio
Região de Furnas
Região de Poços de Caldas
Região de Andradas
Região de Pouso Alegre
Região de Santa Rita do Sapucaí
Serra da Pedra Branca
Região de Luminárias / São Tomé das Letras
Região de Carrancas
Serra de São José / Lenheiro
Especial
Corredor
Muito Alta
Extrema
Potencial
Muito Alta
Alta
Especial
Potencial
Potencial
Muito Alta
Especial
Alta
Alta
Potencial
Alta
Alta
Potencial
Alta
Especial
Muito Alta
Potencial
Potencial
Potencial
Alta
Potencial
Potencial
Potencial
Alta
Muito Alta
Muito Alta
Extrema
85
86
87
88
89
90
91
92
93
94
95
Região de Barroso
Corredor Sudeste
Represa do Grama
Região de São João Nepomuceno
Volta Grande
Região de Além Paraíba
Região de Santana do Deserto
Região de Bom Jardim de Minas
Parque Estadual do Ibitipoca
Região de Bocaina de Minas
Região de Monte Verde / APA Fernão Dias
Muito Alta
Corredor
Muito Alta
Muito Alta
Muito Alta
Potencial
Potencial
Alta
Especial
Extrema
Muito Alta
Consulte legenda dos ícones desta tabela na orelha da página 202.
101
Veredas
Uma parte significativa da rede de drenagem da região dos cerrados é constituída por
um ecossistema peculiar que, na sua forma mais típica, é caracterizado por um substrato de
gleissolos, planossolos e organossolos e fundos planos alagados onde cresce a palmeira buriti
(Mauritia vinifera Mart.), disposta em alinhamentos ou então em agrupamentos. No entorno da
área embrejada ocorre uma faixa herbácea menos úmida, que, tradicionalmente, era utilizada
como caminho pelos viajantes, tropeiros e pela população local. Essa função de caminho ou vereda serviu então para designar todo o ecossistema.
O reconhecimento de outra importante função das veredas, o de manancial perene
e regulador da vazão da rede de drenagem, assegurou-lhes o amparo legal por meio da Lei estadual nº 9.375, de 1986, parcialmente alterada pela Lei nº 9.682, de 1988, que as enquadrou como
áreas de preservação permanente (APPs) e estabeleceu faixas de proteção marginal com larguras
variáveis em função de sua tipologia.
A classificação das veredas, segundo as suas características morfológicas e evolutivas,
foi baseada nos estudos de Boaventura (1981 e 1988), que estabeleceu as seguintes categorias:
• Veredas de encosta: áreas de exsudação do lençol freático, com solo arenoso, eventualmente argiloso, com cobertura vegetal herbácea, com a presença ou não de buritis, que
ocorre nas bordas das chapadas, em declives pouco acentuados, em formas semelhantes
a meia lua;
• Veredas de superfície aplainada: áreas de exsudação do lençol freático, com solo
argiloso, freqüentemente turfoso na zona encharcada e solo arenoso ou siltoso na zona
menos úmida, com a presença ou não de buritis e matas de galeria;
• Veredas-várzea: áreas de exsudação do lençol freático, em transição para áreas de
acumulação de sedimentos aluviais, típicos de planície de inundação ou várzea, com vegetação transicional, de espécies herbáceas e buritizais para mata de galeria.
Para o primeiro tipo, estabeleceu-se uma área de proteção de 50 metros e, para os
dois outros, assegurou-se uma faixa de proteção de 80 metros.
O mapa de Veredas de Minas Gerais mostra a distribuição espacial das veredas em
Minas Gerais. A informação foi obtida a partir dos mapeamentos executados pelo CETEC, em
1981 e 1983, para a bacia do rio São Francisco, e complementada em 2000 para o restante do
Estado. Essa última etapa foi realizada por solicitação do IGAM, órgão estadual responsável pela
gestão dos recursos hídricos, com o objetivo de fornecer subsídios para a análise dos processos de
cessão do direito de uso da água.
A distribuição das veredas está condicionada por fatores físicos, tais como superfícies
planas, camada superficial permeável superposta à camada impermeável e condições de exorreísmo
(Boaventura, 1981). Com isso, observa-se a grande concentração de veredas no Triângulo e no
Noroeste do Estado, regiões que reúnem as melhores condições para a sua ocorrência, tanto nas
chapadas como nas depressões. Em direção leste, no vale do rio São Francisco, as ocorrências tornam-se esparsas e concentram-se em alguns trechos de depressões, chapadas e áreas da Serra do
Espinhaço. Em uma situação marginal, as veredas estão presentes também nos vales dos rios
Jequitinhonha e Pardo, mas somente as áreas de chapadas apresentam os condicionantes físicos
necessários à sua ocorrência.
Pesquisas recentes permitem dizer que as veredas típicas surgiram a partir do final do
Pleistoceno, considerando que a ocorrência de pólen de buriti é indicadora da sua distribuição
na região dos cerrados. O ecossistema está presente no Brasil Central desde 32.400 anos A.P.,
como atestam os estudos de Salgado-Labouriou et al. (1998), que utilizaram a técnica de análise
polínica e datações de carbono 14 (C-14) efetuadas na vereda Águas Emendadas (DF) e em uma
vereda próxima a Cromínia (GO). Entre 32.390 e 19.000 anos A.P., apesar de o clima continuar
úmido, o resfriamento ocorrido na região durante o último período glacial restringiu o desenvolvimento dos buritis, que declinaram até desaparecer. Durante o período compreendido entre
19.000 e 7.000 anos A.P., as evidências apontam para um clima semi-árido e frio, com ausência
102
Veredas de Minas Gerais
de buritis, e com o predomínio de uma vegetação herbácea esparsa sobre acumulações arenosas
nas veredas. Entre 6.680 e 5.000 anos A.P., os buritis retornaram lentamente após a umidificação
do clima, até que, cerca de 4.600 anos A.P., o ecossistema das veredas assumiu as feições
características que hoje são encontradas na área do Cerrado.
Os processos morfogenéticos atuantes nas veredas promovem a sua ampliação ou a
sua degradação. Assim, o recuo das cabeceiras das veredas amplia a sua bacia de drenagem e contribui para aumentar seu comprimento. Por outro lado, o aprofundamento da rede de drenagem
acarreta uma erosão remontante e a destruição progressiva da vereda a montante desse ponto.
Além disso, processos erosivos normais que atuam nas vertentes, tais como processos de erosão
laminar ou em sulcos, levam ao assoreamento dos fundos das veredas se a capacidade de transporte do canal for inferior ao volume de sedimentos que para ele são carreados. Com o assoreamento, ocorre um outro tipo de transformação nas veredas, que é o aparecimento da floresta
ciliar, onde se destaca um ou outro buriti em fase senil. Brandão et al. (1991) discriminaram as
etapas dessa evolução, que implica o aumento da diversidade de espécies e de hábitats, e relacionaram as espécies vegetais características de cada uma das etapas. A vereda típica passa para
uma fase de vereda com buritis, arbustos e subarbustos, seguindo-se as fases de vereda arbustivoarbórea, vereda mista e culminando com a mata ciliar/vereda.
O padrão florístico das matas ciliares do Brasil Central, entre as quais se incluem as
veredas, mostra a sua importância como conexão entre as províncias fitogeográficas Amazônica e
Atlântica-Paranaense, que serviu para a dispersão de espécies compartilhadas entre elas. Oliveira
Filho & Ratter (2001) ressaltam ainda que “as matas ciliares do Brasil Central apresentam interfaces com vários outros tipos de vegetação, incluindo florestas ombrófilas, mesofíticas e do próprio
Cerrado. Elas estão, portanto, sujeitas a diversas influências florísticas, resultando em uma
impressionante diversidade de espécies”.
103
“Baixada toda avistada,
com uma lagoa muito
correta, rodeada
de buritizal dos
mais altos:
buriti-verde que afina
e esveste, belimbeleza...”
Guimarães Rosa,
em Grande Sertão: Veredas
Vereda na região
do Parque Nacional
Grande Sertão
Veredas.
Fotografia: Robero Murta
O reflexo da diversidade de hábitats e espécies vegetais aparece na fauna de
mamíferos, segundo os estudos de Marinho Filho & Gastal (2001). As florestas ciliares abrigam
metade do total das espécies endêmicas que ocorrem na região dos cerrados, apesar de ocuparem
apenas 5% da sua superfície. Os autores ressaltam ainda a sua importância como suporte para 14
das 69 espécies de mamíferos brasileiros incluídas na lista oficial de espécies ameaçadas de
extinção. Em relação à avifauna, as florestas ciliares da região dos cerrados são reconhecidas
como uma relevante unidade biogeográfica, pois abrigam cinco táxons estritamente endêmicos.
Além disso, fornecem suporte para várias espécies de distribuição mais ampla e espectro ecológico largo, que as utilizam em uma parte de seu ciclo biológico (Silva & Vieilliard, 2001).
Outro aspecto a ser considerado é o valor econômico das veredas, dado o grande
potencial do buriti no fornecimento de diversos produtos. Essa palmeira, que ocorre nas veredas
e em planícies da floresta amazônica, pode atingir alturas entre 20 e 50 metros e diâmetros entre
30 e 60 centímetros, produzindo de 2.000 a 6.000 frutos por colheita. Vários produtos podem ser
obtidos dos buritis, tais como bebidas fermentadas, óleos, doces, fécula, açúcar, sabão, cordas e
materiais para construção.
Para se falar das estratégias para conservação, devemos inicialmente relembrar as
causas de degradação do ecossistema de veredas. Apesar da importância das veredas em vários
aspectos analisados, a crescente demanda por água no meio rural para atender às necessidades
das diversas atividades, como abastecimento doméstico, dessedentação de animais e irrigação de
lavouras, tem colocado em risco o ecossistema, com prejuízo para a fauna, a flora e populações
humanas a jusante, que dependem dos rios que são mantidos pelas veredas na época de estiagem.
Além disso, outras atividades, como lavouras, pastagens, extração de argila e construção de
açudes, têm sido implementadas nas veredas de forma crescente, desrespeitando a legislação em
vigor, que é específica para o caso, embora com definições muito técnicas e linguagem hermética para o cidadão comum. Deve-se acrescentar ainda que há áreas do Estado sujeitas a permanentes conflitos entre usuários e legislação, principalmente as bacias cuja área de drenagem é
composta integralmente por veredas. Para completar, temos uma fiscalização ineficiente, subdimensionada para o tamanho da área a supervisionar, o que faz com que os infratores quase nunca
sejam punidos.
Posto isso, enumeramos algumas das possíveis estratégias para a conservação das
veredas. Em primeiro lugar, destacamos as atividades educativas, apesar de reconhecermos que
os efeitos dessas ações só se fazem sentir a longo prazo. Elas podem começar pelas escolas, onde
devem ser feitas palestras e propostas incursões no campo, para visita a locais tomados como modelo. A rede pública de educação, os agentes de extensão rural do Estado e os ligados a entidades
privadas (ONGs) devem cuidar dessa tarefa. É necessário destacar aqui a importância do repasse
das informações científicas atualizadas para extensionistas e professores, a fim subsidiá-los na tarefa de convencimento sobre a necessidade de conservação das veredas. Com relação ao valor
econômico do ecossistema, devem-se mostrar aos agricultores as possibilidades de retorno financeiro advindas da preservação das veredas, enfatizando-se o valor econômico dos produtos do
buriti, além das crescentes oportunidades de lazer ligadas ao ecoturismo.
Finalmente, há que se falar de pesquisa, cujo intento primeiro seria levantar uma
sólida base de conceitos no campo da hidrologia, demonstrando os mecanismos de funcionamento das veredas, comparando vazões em veredas conservadas e degradadas e quantificando
suas contribuições para o caudal dos rios. No âmbito da entomologia e da pesquisa agrícola, é
necessário investigar o funcionamento das veredas como barreiras ecológicas para proteção das
lavouras e seu efeito na produtividade destas. Os trabalhos no campo da botânica para o conhecimento da biodiversidade desses ambientes são também de fundamental importância para a
investigação de novas espécies com potencial econômico e para a recuperação de áreas
degradadas.
“Baixada toda avistada, com uma lagoa muito
correta, rodeada de buritizal dos mais altos:
buriti-verde que afina e esveste, belimbeleza...”
Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas
LEGENDA DOS ÍCONES
DAS TABELAS
Pressões Antrópicas
Agropecuária e Pecuária
Agricultura
Assoreamento
Barramento
Caça
Desmatamento
Espécies exóticas invasoras
Expansão urbana
Extração de madeira
Extração vegetal
Isolamento
Mineração
Monocultura
Pesca predatória
Piscicultura
Queimada
Turismo desordenado
Recomendações
Educação ambiental
Fiscalização
Inventários
Monitoramento
Plano de manejo
Promover conectividade
Recuperação
Regularização fundiária
Unidades de Conservação
Download