1 VANGUARDAS CONSAGRADAS VERSUS

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I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular
Tendências e convergências da música na cultura midiática
21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA.
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VANGUARDAS CONSAGRADAS VERSUS NOVAS VANGUARDAS NO CAMPO DE
PRODUÇÃO CULTURAL DO INDIE ROCK:1
Autonomia para produzir, compartilhar, distribuir e amaldiçoar o segundo disco
Cynthia de Lima Campos2
PPGS/UFPE
RESUMO:
Este ensaio teve como objetivo mostrar o funcionamento do campo de produção cultural do
indie rock – gênero diretamente ligado à vanguarda musical – à luz da teoria dos campos de
produção cultural de Bourdieu. À medida que os conceitos teóricos são apresentados
buscamos situa-los empiricamente dentro do próprio campo estudado. O debate central gira
em torno das estratégias de consagração das novas vanguardas, e em como, muitas vezes,
essas estratégias são abandonadas na medida em que músicos e bandas alcançam a
consagração.
PALAVRAS-CHAVE: Bourdieu, Campo de Produção Cultural, Indie, Música Independente
1 INTRODUÇÃO
O primeiro problema que se coloca quando nos propomos discutir o indie rock à luz
de qualquer teoria da sociologia da arte e/ou do consumo de bens culturais, refere-se à sua
própria definição: o que é indie, o que é independente, de que se é independente ou em que
sentido se é independente. Mais problemático ainda é o próprio conceito de rock, uma vez que
mais de cinqüenta anos depois de seu surgimento, o gênero já se desmembrou em tantos
outros gêneros (punk, heavy metal, progressivo, pop, para mencionar os mais óbvios) e já se
mesclou a tantos outros (reaggae, electro, samba).
Se o primeiro problema se constitui em definir o gênero, neste caso, o indie rock,
outro problema que se põe é discuti-lo à luz da teoria dos campos de produção cultural de
Bourdieu, considerando-o como obra artística, o que sugere analisa-lo em termos estéticos, e
em relação às suas condições de produção e consumo. Mais ainda porque o indie rock está
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Trabalho apresentado no I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular – MUSICOM,
realizado de 21 a 23 de outubro de 2009, na UFMA, São Luis – MA.
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Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Bolsista de Doutorado pelo CNPq. Tem
mestrado em Sociologia também pela Universidade Federal de Pernambuco. Tem desenvolvido pesquisas na
área de produção e consumo musical, tendo como áreas de interesse: música, comunicação, literatura, moda,
cultura e consumo, entre outras. É membro do Nupesc, Núcleo de Pesquisa em Cultura, Comunicação e
Sociedade e Secretária da Revista Estudos de Sociologia, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia –
UFPE.
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sempre em trânsito entre o campo de produção de larga escala e o campo de produção restrita.
Além disso, o indie como campo de produção cultural sugere estar muito mais relacionado ao
princípio da autonomia, porque reivindica para si o status de alta cultura, obra de arte que
para ser apreciada requer o domínio de certos códigos que somente membros da comunidade
detêm. Fato que é devido ao alto grau de possibilidade de experimentalismo e inovação.
Nosso propósito, então, é discutir, a partir dos princípios de autonomia e heteronomia
apontados por Bourdieu na teoria dos campos de produção cultural, como se dá a luta pela
tomada de posição das novas vanguardas, ou seja, das novas bandas/músicos de indie rock,
quais as estratégias utilizadas por parte delas de forma que elas sejam aceitas nesse campo,
uma vez que a transgressão e o experimentalismo também podem estar presentes no trabalho
das bandas já consagradas. Para tanto, nos propomos a definir e descrever o funcionamento do
campo, que critérios definem se uma banda é indie ou não, como também discutir alguns
pontos que aparecem na discussão de Bourdieu, tais como tomada de posições, legitimação do
trabalho de arte e o princípio dominante de hierarquização.
Assim é que iremos nos basear empiricamente em alguns dados recentes a respeito do
campo em questão, como a produção autônoma e a distribuição via internet, além de
fundamentar nossos argumentos em exemplos concretos, como Cansei de Ser Sex, Radiohead,
Mallu Magalhães, The Killers, entre outros.
2 O CAMPO DE PRODUÇÃO CULTURAL DO INDIE ROCK
O ponto de partida de Bourdieu no sentido de teorizar sobre a produção de bens
culturais foi a ideologia carismática da criação à qual ele se opõe, justamente porque segundo
esta os olhares do público estão voltados apenas para os produtores aparentes das obras de
arte (pintores, escritores, músicos), cujo poder de transubstanciação impede o público de
questionar quem realmente está por trás daquela. Sobre o campo literário, Bourdieu afirma
que a construção de um objeto requer uma quebra radical com o modo de pensamento
substancialista, cuja tendência é colocar o indivíduo ou as interações entre os indivíduos em
destaque à custa das relações estruturais entre as posições sociais que são tanto ocupadas e
manipuladas por agentes sociais. Tais agentes tanto podem ser indivíduos isolados quanto
grupos ou instituições (BOURDIEU, 1993, p. 29). Para Bourdieu, definir um campo artístico,
referindo-se ao campo literário como um campo de posições e tomada de posições liberta o
analista do dilema usual de ler o trabalho de arte internamente, assim como de analisá-lo
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externamente, que seria a análise das condições de produção dos produtores e consumidores
baseada na hipótese da correspondência espontânea ou da competição deliberada. Da mesma
forma, a sua abordagem exclui ao mesmo tempo o “dilema correlativo” da imagem
carismática da atividade artística como pura, como uma criação desinteressada por um artista
isolado (BOURDIEU, 1993, p. 34).
Bourdieu reconhece que em alguns setores é possível glorificar “grandes indivíduos”,
entretanto no caso da produção artística, Bourdieu propõe pensa-la a partir do seu conceito de
campo, definido como um “espaço estruturado de posições em que estas e suas inter-relações
são determinadas pela distribuição dos diferentes tipos de recursos ou capital” (THOMPSON,
1991 apud HESMONDHALGH, 2006, p. 212, tradução nossa). O campo onde as obras
culturais são produzidas compreende um espaço de relações objetivas entre posições (a
vanguarda consagrada, a nova vanguarda, por exemplo), cujo funcionamento só pode ser
compreendido se cada agente ou cada instituição for situada em suas relações objetivas com
os demais (BOURDIEU, 2007, p. 60).
2.1 Afinal, o que é indie rock?
O campo de produção cultural do indie rock especificamente formou-se a partir de
outro campo de produção, qual seja o do punk, que surgiu na década de 1970 como reflexo da
insatisfação com a espetacularização que havia tomado conta do rock and roll: bandas que
realizavam mega-concertos com músicas longas e cansativas. O punk, ao contrário, propôs
uma estética musical com acordes sujos de guitarra, além de ter inaugurado o modo de
produção do-it-yourself (DIY) – faça você mesmo. O DIY possibilitou o surgimento de selos
mantidos pelos próprios músicos, novas formas de divulgação fora do circuito comercial e
independente das majors, além de liberdade criativa e experimentalismo musical. Esses
elementos somados à mistura de gêneros, inclusão de instrumentos, além do baixo, guitarra e
bateria, sintetizadores, ruídos e tudo o que pudesse soar musicalmente, constituiu o mote para
o surgimento do indie rock.
O que nos interessa não é definir o que é indie rock, e sim quais os critérios que
demarcam o campo de produção do indie rock.
Os conceitos de autonomia e heteronomia surgem na teoria de Bourdieu no sentido de
estabelecer uma diferenciação entre o campo de produção restrita e o campo de produção de
larga escala. O primeiro é descrito por Bourdieu como dotado de alto grau de autonomia,
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embora não totalmente, ao passo que o segundo seria dotado de alto grau de heteronomia, mas
também, a exemplo do primeiro, não totalmente. Ambos os conceitos constituem-se como
princípios de hierarquização dentro de um campo. O princípio heterônomo de hierarquização
é representado pelo sucesso, medido pelas vendas, no caso do indie rock, de discos, execuções
em rádio, permanência nas paradas de sucesso, discos de platina. O princípio autônomo de
hierarquização seria o grau específico de consagração, o grau de prestígio e de
reconhecimento pela crítica, por exemplo. Assim é que quanto mais autônomo for o campo,
maior a chance de reverter o princípio dominante de hierarquização, embora
independentemente do seu grau de autonomia, o campo continua sendo afetado por leis de
campos nos quais ele se inclui como o campo econômico e o campo político (BOURDIEU,
1993, p. 38-9).
Sendo o grau de sucesso público o principal fator de diferenciação entre o campo de
produção restrita e o campo de produção de larga escala, como poderia ser definido o campo
do indie rock? Em primeiro lugar, é importante considerar que, de acordo com Bourdieu
(1993, p. 35) a obra de arte só é obra de arte porque existe uma crença coletiva que a conhece
e reconhece como tal.
O termo indie corresponde a uma abreviação de independent, exatamente porque os
primórdios do indie rock foram as bandas de garagem, que faziam um rock sujo, mas
extremamente criativo. A principal característica dessas bandas é que a produção e
distribuição dos discos eram feitas de forma independente (das grandes gravadoras), com o
dinheiro dos próprios músicos, vindo daí a origem do rótulo independente. Assim, é possível
afirmar que o campo do indie rock surgiu como um campo de produção restrita e com alto
grau de autonomia, cujo primeiro critério de demarcação seria a forma de produção e
distribuição musical. Ademais, esse também seria um critério de hierarquização dentro do
campo, a partir do qual a busca de reconhecimento estaria muito mais associada ao capital
simbólico do que ao capital econômico.
A independência que a cena mantinha dos circuitos comerciais e das grandes
gravadoras desembocou em outro critério de demarcação e hierarquização dentro do campo, a
saber, o excesso de experimentalismo e criatividade. Nesse sentido, os artistas consagrados
dentro do campo são aqueles que conseguem, como diria a crítica especializada, “dar o último
sopro (de criatividade e novidade) ao rock and roll”. Bourdieu (1993, p. 42-43) argumenta
que o campo de produção cultural é um campo de lutas em que as tentativas de demarcação
estão vinculadas ao poder para se impor a definição dominante do campo, assim como
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delimitar a população que deve ser atingida pela definição. Assim, num primeiro momento o
campo de produção do indie rock pode ser definido como predominantemente marcado por
uma produção independente e criativa e, baseando-se na primeira oposição que define a
estrutura de um campo, qual seja, a oposição entre o sub-campo de produção restrita e o subcampo de produção de larga escala, que para Bourdieu (1993, p. 53) representam duas
economias e duas audiências, o indie rock estabelece-se como campo de produção restrita,
tentando fazer uma música que não seja tratada como mercadoria. Seria o que Bourdieu
chama, ao se referir ao campo literário, do interesse no desinteresse (1993, p. 40).
Ainda de acordo com o argumento de Bourdieu (1993, p. 47-48), a hierarquia de um
campo em relação a outros pode se dar de duas maneiras: do ponto de vista econômico e do
ponto de vista simbólico. Segundo o primeiro ponto de vista, o sucesso, a legitimação do bem
cultural está associado às grandes vendagens, aos lucros, ao passo que conforme o segundo
ponto de vista estaria associado tanto ao reconhecimento de uma audiência detentora de alto
status social quanto de uma crítica especializada.
As primeiras bandas a serem reconhecidas como indie talvez nem pretendessem o
rótulo como é o caso do Pixies, uma banda de Chicago que entre o final da década de 1980 e
início da década de 1990 produzia uma música com alto grau de autonomia e criatividade em
que mesclava surf music com punk e em cujas letras misturavam-se inglês e espanhol, além de
apresentar um vocal distorcido e cheio de noise. A década de 1990 foi o período de
sedimentação do campo do indie rock, bandas com estética glam, como Pulp, Blur, Suede e
Placebo (todas britânicas), com letras que faziam referência ao universo gay, visual alegre,
colorido e cheio de luzes e vocalistas andróginos se transformaram em “queridinhos” do
público indie, que ainda não se definia como tal. Outra banda igualmente britânica e
igualmente surgida nos anos 90 foi a Radiohead, que propôs um rock melancólico, de fácil
assimilação, mas bastante inteligente e que também garantiu seu lugar como banda de indie
rock.
Fato é que não demorou muito para que as grandes gravadoras passassem a se
interessar pelo gênero, pretendendo, inclusive atingir o seleto público dessas bandas, mas
também ampliar esse público. O termo indie passou assim a ser também um rótulo de
prateleira para venda de discos. Para citar mais uma vez como exemplo, a Radiohead manteve
por muito tempo contratos com grandes gravadoras. Mas o mais curioso é que mesmo
apresentando grandes vendagens de discos e até tendo marcando presença nos Top Hits, a
banda não abandonou a criatividade e o experimentalismo. Ao contrário, já no terceiro disco,
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Ok Computer (1996), é possível identificar muito mais experimentalismos do que nos dois
primeiros, que para um público de pop rock, por exemplo, soaria como “esquisitice”, embora
ainda não tão presente quanto nos discos seguintes. Ainda assim, a banda continuou
vendendo.
Para Bourdieu (1993, p. 40), o campo artístico encontra-se todo o tempo marcado por
lutas entre o princípio heterônomo – favorável àqueles que dominam o campo tanto
econômica quanto politicamente – e o princípio autônomo de hierarquização, que é advogado
por aqueles que recebem menos investimento e possuem menos capital específico, tornandose por isso independentes das regras da economia. O estado das relações de poder nesta luta
depende do grau de autonomia possuído pelo campo, ou seja, a extensão que o campo alcança
para impor suas próprias normas e sanções sobre os produtores, incluindo aqueles que estão
mais próximos do pólo dominante. A luta no campo de produção cultural sobre a imposição
do modo legítimo de produção cultural é inseparável da luta dentro da classe dominante para
impor o princípio dominante de dominação. Nesta luta os artistas que mais detêm capital
específico e mais considerados por sua autonomia são consideravelmente enfraquecidos pelo
fato de que alguns dos competidores identificam-se com os princípios dominantes de
hierarquização. Ainda de acordo com Bourdieu, o mais heterônomo dos produtores culturais,
ou seja, o que detém menos capital simbólico, pode oferecer a menor resistência às demandas
externas.
No caso do campo do indie rock, que pode ser classificado como um campo de
produção restrita, o critério mais forte de legitimação diz respeito ao capital simbólico
específico muito mais do que ao capital econômico. Quanto mais inovadora e criativa for a
proposta da banda, maior a chance de ser elevada ao pólo dominante e se consagrar por meio
da crítica e da audiência. O Radiohead, por exemplo, alcançou a consagração, mas manteve e
até aperfeiçoou o capital simbólico que o elevou ao pólo dominante. Outras bandas mais
recentes também conseguiram o feito: The Killers, um quarteto de Las Vegas se consagrou no
campo do indie rock, segundo a crítica (CAFFARENA, 2008) devido ao “blaser rosa, gloss,
bigode, terno dourado, gravatas cowboy ou borboleta”, além da proposta de misturar new
wave com “pitadas de ironia moderna”. Ainda segundo a crítica (THE KILLERS, 2006), o
primeiro disco do The Killers foi construído em cima de uma sonoridade que não causaria
estranhamento ao ouvido daqueles com mais de vinte e cinco anos, mas a estratégia de
consagração é que o trabalho não se tratava apenas de uma retomada, exatamente porque a
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banda foge da nostalgia “ao incorporar pós-modernidade em suas canções, mesclando gêneros
musicais”.
Inúmeros outros exemplos podem ser citados de bandas que utilizaram estratégias
várias na tentativa de se consagrar no campo do indie rock, até porque a banda pode até ser
criativa, experimentar, mas se não trouxer um elemento novo, “o último sopro”, vai soar
apenas como repetição.
2.2 Vanguardas Consagradas versus Novas Vanguardas
Mais exatamente, que princípios de competição estariam por trás da legitimação de
um artista dentro de um campo? De acordo com Bourdieu (1993, p. 50-51), em primeiro lugar
há o princípio específico de legitimação, ou seja, o reconhecimento garantido por uma parcela
de produtores que produzem para outros produtores, que seria o princípio da arte pela arte. O
segundo princípio de legitimação corresponderia ao gosto burguês, a consagração legitimada
por tribunais privados, academias, crítica, etc. E por fim, o princípio de legitimação popular, a
consagração concedida pela audiência, pelo consumidor comum.
É justamente nesta luta por consagração que Bourdieu (1993, p. 55-58) visualiza a
possibilidade de mudanças dentro de um campo artístico. Quando os iniciantes, que seriam a
nova vanguarda, não estão dispostos a participar do ciclo de simples reprodução, baseada no
reconhecimento do “velho” pelo “jovem” e o reconhecimento do jovem pelo velho, e trazem
com eles disposições e tomadas de posições que questionam as normas dominantes de
produção e as expectativas do campo. Entretanto, para Bourdieu o sucesso da nova vanguarda
só pode ser obtido mediante o auxílio de mudanças externas, que podem ser de ordem
política, podem ser representadas por uma crise econômica, pelo surgimento de novas
tecnologias ou simplesmente podem decorrer de mudanças no gosto do público, que por
afinidade ao os novos produtos passa a consumi-los.
Alguns exemplos empíricos do campo do indie rock podem ser apontados no sentido
de reforçar a abordagem de Bourdieu. É fato que o público de indie rock põe-se como um
público bastante exigente, como se os demais, os que se encontram fora do campo fossem
“simples almas ignorantes” (HIBBERT, 2005), daí a legitimação dentro do campo de indie
rock de estilos tão diferenciados.
O Belle and Sebastian, por exemplo, lançou seu primeiro disco, Tigermilk, em 1996,
como resultado de um trabalho de conclusão de curso de um dos integrantes da banda.
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Esteticamente o trabalho trazia claramente “influências sessentistas” e do “pós-punk”,
mescladas a “uma farta dose de humor CDF e desolação loser” (VILELA, 2006). Foram mil
cópias em vinil lançados por uma gravadora universitária. “Belas melodias [...], melancolia,
histórias sobre jovens deslocados, referências cult”, além de “aura de mistérios” (VILELA,
2006), que se formou em torno da banda, já que eles nunca apareciam, constituíram os
principais elementos de consagração do Belle and Sebastian.
A lista de artistas que se consagraram, ou que vêm se consagrando, no campo do indie
rock é vasta. Merecem ainda destaque artistas mais recentes como Cat Power, considerada
musa do indie e que se consagrou fazendo uma música minimalista, com vocal ora rouco, ora
grave. A dupla CocoRosie, duas irmãs meio havaianas, meio francesas, que mesclam rock,
com hip hop, harpa, ópera e extrai som de sinos, chocalhos, brinquedos infantis e tudo o que
puder funcionar como instrumento musical. Bem mais recente (e ainda em vias de
consagração) e tão experimental quanto, Owen Pallet, violonista da Arcade Fire, banda de
indie canadense já consagrada, desenvolve um trabalho paralelo a que nomeou de Final
Fantasy (em homenagem ao jogo de computador). O único integrante do Final Fantasy é o
próprio Owen Pallet, cujo som é produzido por um violino e por um sintetizador que cria
loops com o som do violino.
Mas em que essas estratégias de consagração contribuem para provocar mudanças no
campo de produção cultural do indie rock? Segundo Bourdieu (1993, p. 58), no campo de
produção restrita, cada mudança em determinado ponto no espaço das posições é
objetivamente definido pela diferença e pela distância que induz à mudança generalizada, o
que significa dizer que a mudança não se dá apenas num local específico. Ainda para
Bourdieu (ibidem) a iniciativa de mudança parte dos iniciantes, que são os mais desprovidos
de capital específico. Exatamente porque num universo em que existir é ser diferente, ocupar
uma posição distinta e distintiva, a nova vanguarda deve impor suas diferenças, torná-las
conhecidas e reconhecidas, tentar impor novos modos de pensamento e expressão diferentes
das formas de expressão já consagradas no campo. E Bourdieu vai mais além (ibidem)
afirmando que toda nova posição ao impor-se determina um deslocamento de toda a estrutura
do campo, que, pela lógica da ação e reação, leva a todo tipo de mudanças na tomada de
posições dos ocupantes de outras posições.
Exemplo bem concreto dentro do campo do indie rock seriam as novas formas de
produção, distribuição e consumo da música. O compartilhamento via MP3 possibilitou
mudanças nessas três vias. Na produção, porque muitos músicos passaram a compor
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fragmentos da música e encaminha-los para outros membros da banda ou do projeto para que
o trabalho fosse completado. É o caso do The Kills, cujos membros (um homem e uma
mulher) residem na Inglaterra e nos Estados Unidos. Na distribuição porque na tentativa de
garantir a sua posição dentro do campo, as bandas iniciantes passaram a disponibilizar suas
músicas via internet através de sites de relacionamento, como o My Space. No consumo,
porque começaram a surgir sites de armazenamento de arquivos e blogs de música com links
para o download de discos inteiros. A possibilidade de adquirir música pela rede é tamanha,
que praticamente se tornou impossível para os fãs conhecer em tempo real todas as bandas
que surgem nesse campo específico.
Exemplos não faltam: em terras distantes podemos mencionar o Artic Monkeys, que
disponibilizou suas músicas para download na internet antes mesmo de lançar seu primeiro
álbum e teve o mesmo disco em formato físico esgotado das prateleiras das lojas no primeiro
dia do seu lançamento; além deles podemos citar o Clap Your Hands Say Yeah!, que também
se tornou conhecido via internet. Em território nacional temos o exemplo do Cansei de Ser
Sexy (hoje CSS), que também disponibilizou músicas através do My Space e de um fotolog e
Mallu Magalhães que obteve a consagração de forma bastante semelhante.
É claro que para que esses músicos tenham se consagrado, seria preciso ter algum
ingrediente a mais além da ousadia de divulgar seu trabalho na rede. Se tomarmos os
exemplos nacionais, o CSS agradou porque “mal conseguia tirar som de seus instrumentos e
por isso sua sonoridade se aproximava ao punk, mas pavimentada pelo sintético caminho do
electro” (CAFFARENA, 2008). O CSS, composto por sete meninas e um rapaz, fazendo um
som despretensioso, com letras engraçadas e roupas coloridas foi alvo de críticas no Brasil,
mas foi ovacionado (e consagrado) no Reino Unido e Estado Unidos. Outra “queridinha” do
indie, mas que ainda não cruzou o Atlântico, é Mallu Magalhães, uma garota que aos quinze
anos de idade, divulgou suas músicas no My Space e teve sua vida mudada. As composições
fortemente influenciadas pelo folk, eram em sua maioria em inglês. O público e a crítica
garantiram seu lugar no campo do indie rock.
A mudança provocada no campo foi tamanha, que atualmente é possível baixar um
disco dias antes do seu lançamento. Algumas bandas já consagradas aceitaram a mudança e
também passaram a divulgar seu trabalho na rede. O exemplo mais emblemático foi o do
Radiohead, que em outubro de 2007, sem contrato com nenhuma gravadora, disponibilizou o
seu disco In Rainbows para download.
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È claro que há também os artistas consagrados que se opõem a essa mudança, além de
outros agentes do campo como as grandes gravadoras, mas o fato é que essa mudança veio
pra ficar, inclusive porque algumas gravadoras também já estão disponibilizando discos para
download grátis em seus sites, como a Trama Virtual, por exemplo.
3 E A MALDIÇÃO DO SEGUNDO DISCO? ALGUMAS CONCLUSÕES
Se este ensaio fosse um programa televisivo, cujo tema central fosse a biografia das
(ou de algumas bandas) citadas acima, terminaria assim:
- O Radiohead, após lançar dois álbuns certinhos, deu uma guinada nas composições e
começou a produzir uma música ainda mais experimental, culminando com o álbum In
Rainbowns (2008), lançado inicialmente para download na internet, e sem a mediação de uma
gravadora. Permitiu-se, portanto, continuar experimentando.
- O Belle and Sebastian deixou “para trás fórmulas pré-concebidas de twee pop” e inclui em
suas composições elementos de “soul, funk e psicodelia setentista” (VILELA, 2006).
- O The Killers encontra-se no seu terceiro disco, Day & Age (2008) que, segundo a crítica
(CAFFARENA, 2008; FLÁVIO JÚNIOR, 2009), tem enorme potencial radiofônico e soa
mais acessível, o que ainda segundo a crítica distancia a banda dos seus primeiros fãs e revela
o seu empenho em se tornar uma banda com o mesmo alcance do U2.
- O CSS perdeu dois integrantes, mas alcançou, enfim, um tom profissional, embora venha
sendo acusada de deixar de lado no segundo disco, Donkey (2008), justamente o que os
consagrou: a imaturidade poética e a despretensão musical (CAFFARENA, 2008). Além de
trazer um som mais “polido, redondo” e sem a criatividade inicial (L., 2008).
- E, finalmente, Mallu Magalhães, para quem não faltam elogios da crítica: a garota vendeu
um single para um comercial da Vivo, cujo rendimento viabilizou seu disco independente
(ANTENORE, 2008).
A partir de tais exemplos, é possível constatar que, enquanto alguns artistas
consagrados não abandonam o elemento que os consagrou, seja a criatividade, o
experimentalismo, é possível que outros rendam-se à possibilidade de lotar estádios e passem
a produzir um trabalho artístico mais comercializável, mas próximo de um campo de
produção de larga escala. Certo é que as fronteiras que delimitam tais campos, elas mesmas
são muito fluidas (BOURDIEU, 1993), o que justifica essa movimentação entre uma posição
e outra.
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Nossa pretensão não foi resolver tal dilema, e sim expor o funcionamento de um
campo de produção muito pouco explorado intelectualmente. Nosso inquietamento tornou-se
ainda maior, o que nos leva muito mais a questionar: afinal, todo artista, mesmo
independente, quer mesmo fazer sucesso e, por isso, aceita as regras de mercado e faz acordo
com produtores certinhos, ou Bourdieu (1993, p. 61-69) estaria certo ao afirmar que as
tomadas de posições e a permanência nessas posições é algo muito mais ligado á história de
cada de indivíduo e às suas predisposições para ocupá-las? No final de tudo, a produção
artística será sempre influenciada pelo capital cultural e simbólico ou o indivíduo pode
“aprender” a ser artista com produtores e pessoal especializado em transformá-lo? Enfim, que
relações podem existir entre o habitus do artista e a arte que ele produz?
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<revistaymsk.wordpress.com/2006/08/01/belle-and-sebastian/>.
I Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular
Tendências e convergências da música na cultura midiática
21 a 23 de outubro de 2009, UFMA, São Luis – MA.
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