INFORMAÇÕES TÉCNICAS Mosca branca: histórico dos surtos e medidas de controle como praga e vetora de vírus A ocorrência de mosca branca em praticamente todas as regiões do Estado de São Paulo tem gerado enormes prejuízos e constituído fator de intensa preocupação dos agricultores paulistas. Embora ocorram diversas espécies de mosca branca, a Bemisia tabaci tem sido a mais importante, tanto como praga como vetora de vírus. O aparecimento de um novo biótipo dessa espécie causou surtos severos, como o ocorrido entre 1997 e 1998 nos municípios paulistas de Guaíra e Miguelópolis. A espécie Bemisia tabaci (Genn.) foi descrita por Bondar (1929) e sua ocorrência, portanto, é anterior a essa data. O conhecimento de sua relação com a transmissão de vírus também é antigo. Uma correlação da ocorrência de Valdir Atsushi um mosaico em algodoeiro e de um mosaico-amarelo em espécies de guanxuma foi relatada por Costa (1937), que considerou o agente causal idêntico ao vírus do mosaico do Abutilon (“Abutilon mosaic virus”-AMV). Isso foi confirmado por Orlando e Silberschmidt (1946), quando demonstraram ser vetora desse vírus a mosca-branca B. tabaci. Até o final da década de 60, vários vírus transmitidos pela mosca-branca já tinham sido determinados, mas todos considerados como causadores de doenças secundárias, sem importância econômica, em razão da baixa incidência com que ocorriam nas culturas (Costa, 1975). As epidemias das doenças causadas por geminivírus estão diretamente relacionadas a surtos das moscas-brancas vetoras. Costa et al. (1973) relataram que, em 1968, ocorreram populações extremamente altas da B. tabaci em algumas regiões do norte do Paraná. Nos anos seguintes, embora a população da mosca-branca tivesse diminuído, verificou-se um incremento nas moléstias por ela transmitidas em culturas de feijoeiro. No início de 1973, a população da mosca-branca atingira níveis elevadíssimos em culturas de soja, feijão, algodão, girassol e outras, 22 Mosaico dourado: importante virose do feijoeiro no norte do Paraná e sul de São Paulo. Em 1975, populações também elevadíssimas foram observadas no norte do Estado de São Paulo, em culturas de soja e algodão. Paralelamente, verificou-se aumento na incidência de geminivírus em algumas culturas, especialmente o feijoeiro. Apesar da redução da população da mosca-branca vetora nos anos subseqüentes, a incidência do vírus do mosaico dourado do feijoeiro (“Bean golden mosaic virus” - BGMV) continuou elevada, principalmente no plantio da seca, de fevereiro a abril. As maiores populações foram observadas em cultura de soja, principalmente de plantio tardio, ou seja, em janeiro; em plantios feitos na época normal, em novembro, a população de ninfas e pupas era menor. Verificou-se ainda alta população de adultos em culturas de algodão em fins de ciclo, evidenciando uma migração em massa da soja para o algodão. A população da mosca-branca em outras culturas e ervas daninhas, pertencentes principalmente às famílias Compositae, Leguminosae e Malvaceae, apesar de alta, era bem inferior à encontrada em soja, no mesmo período (Costa et al., 1973). Por volta do início da década de 70, mes- mo que em culturas de tomateiro a população da mosca-branca fosse inferior, a incidência de geminivírus era elevada. Já se conheciam seis diferentes moléstias transmitidas por B. tabaci. Três delas, as denominadas chita ou mosaico dourado do tomateiro (“tomato golden mosaic virus”-TGMV), encarquilhamento e engrujo, específicas do tomateiro, apresentam agente etiológico facilmente transmissível de tomateiro para tomateiro em condições experimentais. Outras três moléstias, provocadas pela passagem ocasional do vírus de outras plantas hospedeiras para a cultura de tomate, são o mosaico da eufórbia (“Euphorbia mosaic virus”-EMV), que causa o mosaico das nervuras em tomateiro, o AMV provocando mosaico internerval e uma moléstia conhecida como nervuras amarelas (“yellow net”). A transmissão experimental de tomateiro para tomateiro, no caso dessas três últimas moléstias, foi realizada com muita dificuldade (Costa, 1974). Na década de 80, parece ter ocorrido um equilíbrio na população de B. tabaci em São Paulo. Não foi noticiado nenhum surto significativo de mosca-branca, embora, no País, em algumas outras regiões de expansão geográfica nova como Barreiras (BA), teO Agronômico, Campinas, 53(1), 2001 nham ocorrido surtos, especialmente após o aumento do cultivo da soja. Epidemias do BGMV foram observados em feijoais. Nesse período, verificou-se, inclusive, uma certa tendência na redução da incidência desse vírus, nas épocas já esperadas de epidemia (cultivo das secas) em São Paulo. O novo biótipo de Bemisia tabaci Lourenção e Nagai (1994) constataram surtos elevadíssimos de mosca-branca em São Paulo em 1991, em estufas cultivadas com flores, especialmente crisântemo e bico de papagaio, nos municípios de Holambra, Jaguariúna, Artur Nogueira, Campinas e arredores. Seguindo a infestação de flores, foram observados surtos em culturas de tomate estaqueado no município de Paulínia, cujas ninfas e pupas cobriam toda face inferior das folhas. Verificaram ainda o deslocamento massal desse inseto quando visto em fundo escuro. Essa mesma observação foi relatada por Costa et al. (1973) para B. tabaci. Altas infestações, embora não tão intensas como em tomate, foram observadas em culturas de berinjela e feijão. Ervas daninhas como a guanxuma, corda-de-viola, serralha e joá-bravo também apresentavam intensa colonização. Outras culturas infestadas foram as de algodão, abóbora, brócolos e berinjela. Nas lavouras de tomate observaram-se sintomas evidentes de amadurecimento irregular dos frutos do tomateiro e de prateamento das folhas em aboboreiras. Essa mosca-branca, que tem sido relatada como Bemisia argentifolii, foi identificada como Bemisia tabaci (Lourenção e Nagai, 1994) e, segundo esses autores, provavelmente seria o biótipo B, o que mais tarde foi confirmado (Lourenção, A.L., informação pessoal). Após essas primeiras infestações da mosca-branca B. tabaci biótipo B, houve rápida dispersão e após dois anos já era encontrada em todo o Estado de São Paulo, com exceção do extremo norte e regiões serranas de clima mais ameno. Os surtos foram de proporções variadas. Paralelamente, a incidência de geminiviroses também se elevou, principalmente em culturas de tomateiro. Souza Dias et al. (1996) observaram incidências em torno de 19% em Sumaré, em tomateiros variedade Santa Clara, com apenas 20 dias de idade e 50% em tomateiros em plena colheita, em Lins. Nesse mesmo período, houve ainda notícias de elevadas perdas pelo amadurecimento irregular dos frutos, nas regiões de Araçatuba e Presidente Prudente, em tomateiros rasteiros para indústria. Em fins de 1997, inspeções realizadas em culturas de tomate em Campinas, Paulínia e Monte Alto revelaram incidências superiores a 70% de geminiO Agronômico, Campinas, 53(1), 2001 Tomateiro afetado por Geminivirus vírus nas duas últimas localidades e sintomas no cultivar Rio Orinoco (rasteiro) mais fortes do que aqueles do cultivar Carmem (estaqueado), plantados na mesma propriedade (Yuki et al., 1998a ). Relatos de incidências relativamente elevadas de geminivírus em tomateiro, na região oeste de São Paulo, na safra colhida no início de 1998, tiveram certa freqüência. Desde o final de 1997, e principalmente no início de 1998, surtos elevadíssimos de B. tabaci biótipo B foram observados nos municípios de Guaíra e Miguelópolis, localizados no norte do Estado de São Paulo. Aparentemente, o surto foi iniciado nas culturas de soja, passando posteriormente para as de algodão. As perdas foram elevadas. Observações realizadas em hortas constataram também altas populações em brócolos, abóboras, couve, repolho e tomate, entre outras espécies incluindo inúmeras plantas daninhas. Todas as aboboreiras apresentavam sintomas muito fortes de prateamento das folhas; uma cultura de tomateiro havia sido totalmente destruída pela mosca-branca e os frutos apresentavam sintomas evidentes do amadurecimento irregular. Folhas de brócolos apresentavam-se praticamente cobertas de ovos, ninfas e pupas de mosca-branca, com o aspecto murcho e os talos esbranquiçados. Em uma área de soja praticamente destruída pelo inseto, verificou-se um alto índice de parasitismo das ninfas por um fungo identificado como Aschersonia cf. goldiana (Lourenção et al., 1999). Os surtos de mosca-branca ocorridos até hoje, correlacionadas com a epidemiologia dos vírus por ela transmitidos, são semelhantes. Contudo, os surtos ocorridos nos últimos anos, foram de proporções muito maiores, tanto em população, quanto em distribuição geográfica. Em todos os locais em que ocorreu, o novo biótipo da moscabranca B. tabacci causou prejuízo muito maior do que o provocado pelo biótipo comum da mesma espécie. A mesma epidemiologia do BGMV dos anos 70 parece estar ocorrendo com os geminivírus do tomateiro. A mosca branca B. tabaci biótipo B é vetora tanto do BGMV (Yuki et al., 1998b), como de geminivírus em tomateiro em 1998 (Valdir A. Yuki, dados não publicados). Medidas de controle As medidas gerais de controle para as moscas brancas e os vírus que elas transmitem devem ser baseadas no manejo da cultura. Atualmente são conhecidos vários aspectos da biologia, ciclo de vida, migração e dispersão desse inseto, além de características da transmissão dos vírus. Com base nesses conhecimentos, onze medidas gerais de controle podem ser recomendadas, conforme listado em seguida: Destruir todo resto de cultura após a colheita - O ciclo da mosca branca ocorre somente nas plantas hospedeiras; portanto, destruir os restos de culturas, incorporandoos ao solo logo após a colheita, fará com que a população desse vetor se reduza. Deve ser sempre lembrado que os ovos e formas jovens estão nas plantas e só poderão sair delas quando adultas; portanto, destrua-as antes. Evitar o escalonamento da cultura - O plantio seqüencial no mesmo local fará com que culturas velhas sirvam de fonte tanto da mosca branca como de vírus para culturas mais jovens. Realizar o preparo antecipado do solo - Como a mosca branca depende de plantas para sobreviver, se o solo for preparado com antecedência e não deixar que as 23 plantas daninhas cresçam sobre ela, haverá uma redução natural da mosca branca, iniciando a cultura com uma população bem menor. Evitar a proximidade de hortas caseiras às culturas - Hortas caseiras são um dos principais focos, tanto da mosca branca quanto dos vírus por ela transmitidos. Podese dizer que lá estão as fontes permanentes do vírus e do vetor. Plantar espécies e cultivares resistentes ou tolerantes - O uso de cultivares da mosca branca, em geral, inicia-se por focos (reboleiras) dentro da cultura. seu ciclo reduz-se muito, aumentando o número de gerações. Aplicar corretamente os agrotóxicos - Hoje existe uma grande quantidade de inseticidas registrados para o controle da mosca branca e de ação bem específica, ou seja, que atuam diferentemente sobre ovos, larvas ou adultos. Por esse motivo, há necessidade de uma boa orientação técnica para saber o que aplicar. Deve ser feito ainda um correto controle da praga no início da cultura, para evitar que haja alta proliferação do meio para o final da cultura. Em condições de cultivo protegido devem ainda ser tomados os seguintes cuidados adicionais: Aumentar o espaçamento entre plantas - Permite a ocorrência de melhor arejamento e maior facilidade na aplicação de defensivos. resistentes ou tolerantes é uma das formas mais baratas de controle. É claro que isso vai depender de cada produtor, pois nem sempre existe uma boa combinação entre o cultivar preferido e o resistente. Mas em épocas ou regiões de alto risco de surtos da mosca branca ou epidemias de vírus podese até pensar em plantio de outra espécie vegetal. Reduzir o período de plantio - Esta é uma forma de evitar o efeito do escalonamento. Plantando-se toda a cultura praticamente num espaço de tempo curto, evita-se que haja seqüências de hospedeiras. Isso pode ser aplicado apenas numa propriedade ou numa região como um todo, o que seria preferível. Fazer o monitoramento constante da mosca branca - Inspecionar freqüentemente, pelo menos três vezes por semana, a cultura e pulverizar os locais onde está começando ocorrer mosca branca é também uma das formas de combate. A colonização 24 Controlar plantas daninhas dentro e em volta da cultura - As fontes primárias, tanto da mosca branca, quanto dos vírus, são as plantas daninhas e culturas vizinhas; portanto, mantenha a cultura e os locais em volta sempre limpos, fazendo o controle principalmente de espécies de folhas largas. Eventualmente deve-se até pulverizar as plantas daninhas próximas às culturas. Aproveite a sobra do tanque para pulverizar os carreadores e em volta da cultura, principalmente o lado do vento predominante. Evitar o trânsito de material vegetal na propriedade - Muitas pragas e doenças são introduzidas na propriedade por material vegetal trazido de fora. Não deixe que nenhum material vegetal entre ou transite em sua propriedade. ORLANDO, A. & SILBERSCHMIDT, K. Estudos sobre a disseminação natural do vírus da clorose infecciosa das malváceas (Abutilon virus I Baur) e a sua relação com o inseto vetor Bemisia tabaci (Genn.)(Homoptera-Aleyrodidae). Arquivos do Instituto Biológico, v.17, p.1-36, 1946. Produzir mudas fora da área de plantio comercial - A área de produção de mudas deve ser isolada e, além disso, é indispensável a realização de um controle fitossanitário rigoroso. As mudas para transplante devem ser levadas no dia. Leve somente as mudas que for transplantar. As sobras não devem retornar ao local de produção. Separar os lotes de plantio por idade - Isso deve ser feito para que as moscas brancas não se dispersem rapidamente das mais velhas para as mais novas. É aconselhável que lotes de idade diferente sejam separados com tela de malha fina ou mesmo plástico utilizado na cobertura. Esse plástico não necessita ser novo, podendo ser utilizado o proveniente da renovação da cobertura de estufas. Formas jovens de B. tabaci biótipo B Bellows & Perring no Estado de São Paulo. Anais da Sociedade Entomológica do Brasil, v.28, n.2, p.343-345, 1999. Eliminar fontes de mosca branca e de vírus – As áreas dentro e ao redor da estufas devem ser mantidas sempre limpas. Dar atenção especial à retirada de todas as plantas que possam servir como de fonte de mosca branca e/ou dos vírus por ela transmitidos. Pulverizar as ervas daninhas - Muitas moscas brancas protegem-se das pulverizações voando para as plantas daninhas e depois retornam para a cultura. Fazer uma saia em volta das estufas - Circunde as estufas com uma saia de plástico já usado na cobertura, com pelo menos 50 cm de altura. Em condições normais a mosca branca não realiza vôo alto. SOUZA DIAS, J.A.C; YUKI, V.A.; RIBEIRO, S.G. & RAVAGNANE, V.A. Risca amarela da nervura do tomateiro é causada por geminivírus que infecta a batata. Summa Phytopathologica, v.22, n.1, p.57, 1996. Adultos e ovos de B. tabaci biótipo B pelo menos uma parte das moscas brancas serão eliminadas da cultura, reduzindo-se assim a sua população. Além disso, haverá um melhor arejamento das plantas e maior facilidade de cobertura de inseticidas. Nunca abandonar a cultura - Assim que terminar a colheita destrua totalmente as plantas e mantenha a área bem limpa até o próximo plantio. Com referência à mosca branca, quando a população dessa praga e vetora de vírus atinge níveis elevados, quase nunca existe medida que controle e não há alternativa senão esperar que a população venha a baixar naturalmente, influenciada por fatores climáticos, ação de inimigos naturais, alteração da qualidade e quantidade de plantas hospedeiras. Assim, o manejo adequado da cultura constitui a forma mais racional para evitar altas populações da mosca branca e as viroses, tanto no campo como em condições de cultivo protegido. É claro que, quanto maior o número de medidas de controle forem tomadas, maiores serão as possibilidades de sucesso da cultura. COSTA, A.S. Increase in the populational density of Bemisia tabaci a threat of widespread virus infection of legume crops in Brazil, p. 27-50. In: J. Bird & K Maramorosch (eds.). Tropical Diseases of Legumes. Academic Press, New York, 1975. COSTA, A.S., COSTA, C.L. & SAUER, H.F.G. Surto de mosca-branca em culturas do Paraná e São Paulo. Anais da Sociedade Entomológica do Brasil, v.2, n.1, p.20-30, 1973. YUKI, V.A.; KUNIYUKI, H. & BETTI, J.A. Alta incidência de geminivírus em tomateiros em algumas regiões do Estado de São Paulo, em 1997. Summa Phytopathologica, v.24, n.1, p.61, 1998a. YUKI, V.A.; KUNIYUKI, H; BETTI, J.A. & LOURENÇÃO, A.L. Transmissão experimental do vírus do mosaico dourado do feijoeiro por Bemisia argentifoli Bellows & Perring. Anais da Sociedade Entomológica do Brasil, v.27, n.4, p.675-678, 1998b. LOURENÇÃO, A.L. & NAGAI, H. Surtos populacionais de Bemisia tabaci no Estado de São Paulo. Bragantia, v.53, n.1, p.53-59, 1994. LOURENÇÃO, A.L.; YUKI, V.A. & ALVES, S.B. Epizootia de Aschersonia cf. goldiana em Bemisia argentifolii Valdir Atsuhi Yuki IAC-Centro de Fitossanidade Telefone: (19) 3241-5188 ramal 362 Endereço eletrônico: [email protected] REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Remover e destruir folhas mais velhas - Nas folhas mais velhas ficam as ninfas de mais idade e as pupas, que estão prestes a eclodir e dar origem a adultos. Retirando e enterrando ou queimando essas folhas, BONDAR, G. Aleyrodideos do Brasil (2ª contribuição). Boletim do Laboratório de Pathologia Vegetal, Bahia, v.5, p.2734, 1928. COSTA, A.S. Nota sobre o mosaico do algodoeiro. Revista de Agricultura, Piracicaba, v.12, p.453-70, 1937. COSTA, A.S. Moléstias do tomateiro no Brasil transmitidas pela mosca-branca Bemisia tabaci. Fitopatologia, Lima, Peru, v.9, n.2, p.47, 1974. Tomar cuidados redobrados no verão - No período de novembro a março, quando as moscas brancas estão em maior atividade de alimentação e reprodução, o O Agronômico, Campinas, 53(1), 2001 O Agronômico, Campinas, 53(1), 2001 Prateamento das folhas em abóbora: característica do novo biotipo de Bemisia tabaci 25