TRF 4a Região - Agravo de Instrumento - Site da PFDC

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EGRÉGIA 4ª TURMA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 2008.04.00.045466-6
AGRAVANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA
AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERESSADA: UNIÃO FEDERAL
INTERESSADO: MUNICÍPIO DE JOINVILLE
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL EDGARD ANTÔNIO LIPPMANN JÚNIOR
PARECER
RELATÓRIO
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Estado de Santa
Catarina, em face de decisão interlocutória - proferida pela Juíza da 2ª Vara
Federal de Joinville/SC, nos autos da ACP n.º 2008.72.01.003722-0 - que deferiu o
pedido de tutela antecipada, para garantir “o fornecimento do medicamento
"Yondelis (trabctedin)" ao paciente Juliano Michels de Oliveira, portadora de
sarcoma sinovial, no prazo de 30 (trinta) dias, na rede pública ou privada de
saúde, às expensas do SUS”.
O Relator deferiu parcialmente o pedido de efeito suspensivo, de modo a,
tão somente, reduzir a multa (fl.160).
FUNDAMENTAÇÃO:
PRELIMINARES
Legitimidade do Ministério Público para a defesa de direitos individuais
indisponíveis.
No presente caso trata-se de direito individual indisponível, cuja
legitimidade do Ministério Público é reconhecida pelo STJ no que se refere a
fornecimento de medicamentos:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MENOR. DIREITO
INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. CONFIGURAÇÃO. PRECEDENTES DO STF E STJ.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. A Primeira Seção deste
Tribunal Superior pacificou o entendimento das Turmas de Direito
Público no sentido de que o Ministério Público possui legitimidade
para ajuizar medidas judiciais para defender direitos individuais
indisponíveis, ainda que em favor de pessoa determinada: EREsp
734.493/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 16.10.2006; EREsp
485.969/SP, Rel. Min. José Delgado, DJ de 11.9.2006. 2. No mesmo
sentido, os recentes precedentes desta Corte Superior: EREsp
466.861/SP, 1ª Seção, Rel. Min Teori Albino Zavascki, DJ de
7.5.2007; REsp 920.217/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ
de 6.6.2007; REsp 852.935/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ
de 4.10.2006; REsp 823.079/RS, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado,
DJ de 2.10.2006; REsp 856.194/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto
Martins, DJ de 22.9.2006; REsp 700.853/RS, 1ª Turma, Rel. p/
acórdão Min. Luiz Fux, DJ de 21.9.2006; REsp 822.712/RS, 1ª
Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 17.4.2006. 3.
Embargos de divergência providos. (EREsp 737958/RS, Rel.
Ministra
DENISE ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
12.09.2007, DJ 15.10.2007 p. 219)
Legitimidade Passiva do Estado:
Além das demandas postulando prestações materiais em relação à saúde –
em sua maioria fornecimento gratuito de medicamentos – outra discussão se
tornou freqüente nos tribunais, concernente à legitimidade dos entes federativos
para figurar no pólo passivo destas ações.
Apesar da orientação da jurisprudência do STJ e do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região ser no sentido de considerar como responsabilidade solidária
a relação entre as três esferas de governo – União, Estados e Municípios – em se
tratando de fornecimento gratuito de medicamentos, entendo que a questão deve
ser analisada com certo cuidado, à luz da diretriz de descentralização do SUS e das
normas que regem o Sistema Único de Saúde.
A Constituição Federal, no artigo 196, estabelece que “a saúde é direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.” Em
relação ao SUS, diz a Constituição, no art.198, que as ações e serviços públicos de
saúde integram “uma rede regionalizada e hierarquizada”, constituindo sistema
único baseado na descentralização, na integralidade do atendimento e na
participação da comunidade. Sobre a regulamentação dos serviços de saúde, diz o
art. 197 que cabe “ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle (...)”.
A norma regulamentadora é a Lei 8.080, de 1990, a qual define o SUS, no
art. 4°, como sendo o “conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por
órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração
direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público (...)” e prevê, no art.
7°, inciso IX, a “descentralização político-administrativa, com direção única em
cada esfera de governo: a) ênfase na descentralização dos serviços para os
municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde”.
Os objetivos da organização prevista no art. 198 da Constituição e nos
incisos do artigo 7° da Lei 8.080/90 são de evitar a sobreposição de estruturas e
de promover a otimização dos serviços de saúde, prestando-os de forma eficiente
e ágil, para que os princípios da universalidade e da integralidade sejam
cumpridos.
Com relação ao princípio da descentralização, a letra “a”, do art. 7°, inciso
IX, acima transcrito, refere o já disposto no art. 30 da Constituição Federal, em seu
inciso VII, que também atribui aos municípios a tarefa precípua de prestar os
serviços direitos de saúde:
Art. 30 – Compete aos Municípios: VII - prestar, com cooperação
técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento
à saúde da população;
No que tange às responsabilidades dos entes federativos de prestação dos
serviços de saúde, assim estipula a Lei 8.080/90:
Art. 16. A direção nacional do Sistema Único da Saúde (SUS)
compete:
(...)
III - definir e coordenar os sistemas:
a) de redes integradas de assistência de alta complexidade;
b) de rede de laboratórios de saúde pública;
c) de vigilância epidemiológica; e
d) vigilância sanitária;
(...)
X - formular, avaliar, elaborar normas e participar na execução da
política nacional e produção de insumos e equipamentos para a
saúde, em articulação com os demais órgãos governamentais;
(...)
XIII - prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios para o aperfeiçoamento da sua
atuação institucional;
(...)
XV - promover a descentralização para as Unidades Federadas e
para os Municípios, dos serviços e ações de saúde,
respectivamente, de abrangência estadual e municipal;
(...)
Parágrafo único. A União poderá executar ações de vigilância
epidemiológica e sanitária em circunstâncias especiais, como na
ocorrência de agravos inusitados à saúde, que possam escapar do
controle da direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) ou
que representem risco de disseminação nacional.
Art. 17. À direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS)
compete:
I - promover a descentralização para os Municípios dos serviços e
das ações de saúde;
(...)
IV - coordenar e, em caráter complementar, executar ações e
serviços: a) de vigilância epidemiológica;
b) de vigilância sanitária;
c) de alimentação e nutrição; e
d) de saúde do trabalhador;
(...)
VIII - em caráter suplementar, formular, executar, acompanhar e
avaliar a política de insumos e equipamentos para a saúde;
Art. 18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete:
I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de
saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde;
II - participar do planejamento, programação e organização da rede
regionalizada e hierarquizada do Sistema Único de Saúde (SUS),
em articulação com sua direção estadual;
III - participar da execução, controle e avaliação das ações
referentes às condições e aos ambientes de trabalho;
IV - executar serviços:
a) de vigilância epidemiológica;
b) vigilância sanitária;
c) de alimentação e nutrição;
d) de saneamento básico; e
e) de saúde do trabalhador;
V - dar execução, no âmbito municipal, à política de insumos e
equipamentos para a saúde; (grifo nosso)
É igualmente neste sentido a orientação do Ministério da Saúde que, através
da edição dos atos normativos NOB-SUS 01/96 – Norma Operacional Básica, NOASSUS 01/01 e, posteriormente, NOAS-SUS 01/02, veio detalhar a participação da
União, dos Estados e dos Municípios na prestação dos serviços de saúde.
Com relação à NOB-SUS 01/96:
“A presente Norma Operacional Básica tem por finalidade
primordial promover e consolidar o pleno exercício, por
parte do poder público municipal e do Distrito Federal, da
função de gestor da atenção à saúde dos seus munícipes
(Artigo 30, incisos V e VII, e Artigo 32, Parágrafo 1º, da
Constituição Federal), com a conseqüente redefinição das
responsabilidades dos Estados, do Distrito Federal e da União,
avançando na consolidação dos princípios do SUS.”
“Esse exercício, viabilizado com a imprescindível cooperação
técnica e financeira dos poderes públicos estadual e federal,
compreende, portanto, não só a responsabilidade por algum tipo
de prestação de serviços de saúde (Artigo 30, inciso VII), como, da
mesma forma, a responsabilidade pela gestão de um sistema que
atenda, com integralidade, à demanda das pessoas pela
assistência à saúde e às exigências sanitárias ambientais (Artigo
30, inciso V).”
“Busca-se, dessa forma, a plena responsabilidade do poder
público municipal. Assim, esse poder se responsabiliza como
também pode ser responsabilizado, ainda que não isoladamente.
Os poderes públicos estadual e federal são sempre coresponsáveis, na respectiva competência ou na ausência da
função municipal.”
“Isso implica aperfeiçoar a gestão dos serviços de saúde no país e
a própria organização do Sistema, visto que o município passa
a ser, de fato, o responsável imediato pelo atendimento
das necessidades e demandas de saúde do seu povo e das
exigências de intervenções saneadoras em seu território.”
Como visto, a Lei Orgânica da Saúde, Lei 8.080/90, a Constituição Federal e
as Normas Operacionais do SUS, atendendo ao princípio da descentralização,
atribuem a execução direta dos serviços de saúde primordialmente aos municípios,
com cooperação financeira e técnica da União e dos Estados. Neste sentido,
observa a doutrina o seguinte:
“Com a descentralização, o SUS remete a execução das ações e
serviços públicos de saúde para os entes locais, que, próximos da
população, possuem a melhor condição de avaliar as necessidades
mais premente e desenvolver as conditas mais eficazes de
prevenção e tratamento”.
(...)
“O SUS, ao combinar o princípio da descentralização com o da
hierarquização, acaba por adotar internamente, relativamente à
execução dos serviços, o princípio da subsidiariedade, no sentido
de atribuir aos Estados e à União somente as tarefas que
municípios e estados, respectivamente, não puderem executar
satisfatoriamente, ou que requeiram dimensão regional ou
nacional.” (WEICHERT, Marlon Alberto. Saúde e Federação na
Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 166167).
Especificamente sobre o fornecimento de medicamentos, a Política Nacional
de Medicamentos, instituída pela Portaria n° 3.916/GM de 1998, veio para
“garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a
promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados
essenciais”, e assim discorre sobre a descentralização dos serviços:
“O processo de descentralização, no entanto, não exime os
gestores federal e estadual da responsabilidade relativa à
aquisição e distribuição de medicamentos em situações
especiais. Essa decisão, adotada por ocasião das programações
anuais, deverá ser precedida da análise de critérios técnicos e
administrativos”.
Segundo a Política Nacional de Medicamentos, item “3. Diretrizes”,
“Integram o elenco dos medicamentos essenciais aqueles produtos considerados
básicos e indispensáveis para atender a maioria dos problemas de saúde da
população.” A Organização Mundial de Saúde define seu conceito desta forma:
São aqueles que satisfazem as necessidades prioritárias de saúde
da população. Devem ser selecionados considerando sua
pertinência para a Saúde Pública, assegurada a eficácia, segurança
e eficácia comparativa em relação ao custo. Os medicamentos
essenciais devem estar disponíveis nos sistemas (serviços) de
saúde, em todos os momentos e em quantidades suficientes, nas
formas farmacêuticas apropriadas, com garantia da qualidade e
informação adequada, a preços que os pacientes e a comunidade
possam pagar (OMS, 2002.)1.
A respeito dos medicamentos denominados excepcionais, por seu turno,
importa consignar que o Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional
iniciou em 1982, sendo responsável por disponibilizar medicamentos para o
tratamento de doenças específicas, que atingem um número limitado de
pacientes, os quais na maioria das vezes utilizam-nos por períodos prolongados.
Algumas das condições de utilização destes medicamentos englobam: Doença de
Gaucher, Doença de Parkinson, Alzheimer, Hepatites B e C, pacientes renais
crônicos, transplantados, portadores de asma grave, anemia, dentre outras. São
medicamentos de custo unitário geralmente elevado, cujo fornecimento depende
de aprovação específica das Secretarias Estaduais de Saúde.
O Ministério da Saúde é o maior financiador deste componente da
assistência farmacêutica, que também conta com recursos das Secretarias
Estaduais de Saúde, que participam na qualidade de co-financiadoras. Os recursos
são repassados mensalmente aos estados, em conta específica, os quais são
responsáveis pela programação, aquisição e dispensação dos medicamentos.
Cada medicamento tem um valor de repasse específico, o qual é ressarcido ao
estado mediante a emissão de Autorização de Procedimento de Alta
Complexidade/Custo – APAC, não havendo limite de atendimento aos usuários.
Alguns medicamentos (alfainterferona, epoetina, imunoglobulina e imiglucerase)
são adquiridos diretamente pelo Ministério da Saúde e enviados trimestralmente
aos estados.
A Portaria GM/MS nº 2.577, de 27 de outubro de 2006, regulamenta
atualmente o Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional da
Assistência Farmacêutica – CMDE, definindo, dentre outros, a lista de
medicamentos (102 fármacos em 208 apresentações farmacêuticas), os CID para
1
MINISTÉRIO DA SAÚDE, O SUS de A a Z. Disponível em:
http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/topicos/topico_det.php?co_topico=436&letr%20a=M
os quais a prescrição é autorizada, valores de repasse aos estados e normas de
acesso2.
Em 2006, foi editado pela Escola Superior do Ministério Público da União o
“Manual de Atuação – Medicamentos Excepcionais PFDC”, elaborado pelo “Grupo
de Trabalho – Saúde - PFDC”, integrado pelos Procuradores da República
Alexandre Amaral Gavronski – Procurador da República em São Paulo; Nara Soares
Dantas – Procuradora da República na Bahia; Oswaldo José Barbosa Silva –
Procurador Regional da República da 1a Região e Ramiro Rockenbach da Silva –
Procurador da República em Sergipe.
“Os integrantes do Grupo estabeleceram como produto final das
atividades a publicação de um manual dirigido aos membros do
Ministério Público Federal, que compendiasse experiências e
informações sobre os medicamentos excepcionais, como apoio
para qualificar a atuação do Ministério Público Federal em defesa
do direito constitucional à saúde, bem como para viabilizar um
mínimo de uniformidade na resposta institucional às demandas da
sociedade”.
(Apresentação da Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão,
Dr.a Ela Wiecko V. de Castilhos).
O “Manual” orienta quanto ao seguimento das normativas do Ministério da
Saúde sobre medicamentos excepcionais, em especial o disposto na Política
Nacional de Medicamentos (Portaria MS n. 3.916/1998).
O Manual, então, tece as seguintes considerações sobre os medicamentos
excepcionais (páginas 19 a 21):
De início, cumpre salientar que os medicamentos comuns, que
compõem uma farmácia básica, normalmente de baixo custo
unitário, e que, em seu conjunto são destinados ao tratamento da
maior parte das enfermidades que acometem a população
brasileira, denominam-se medicamentos essenciais. São, pois, a
regra em contraste com a excepcionalidade dos medicamentos
excepcionais.
Os medicamentos excepcionais, ou de alto custo, ou de
dispensação em caráter excepcional, a seu turno, são
conceituados, na terminologia da Política Nacional de
Medicamentos (item 7 da Portaria MS n. 3.916/1998), como
aqueles “utilizados em doenças raras, geralmente de custo
elevado, cuja dispensação atende a casos específicos”.
O então Secretário de Assistência à Saúde1 (Ministério da Saúde),
ao discorrer sobre o tema, referiu que medicamentos excepcionais
ou são aqueles “de elevado valor unitário”, ou que, “pela
2
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/texto_excepcionais.pdf
cronicidade do tratamento, se tornam excessivamente caros para
serem suportados pela população. Utilizados em nível
ambulatorial, a maioria deles é de uso crônico e parte deles integra
tratamentos que duram por toda a vida”.
A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos
(Ministério da Saúde), a seu tempo, salienta que medicamento
excepcional é aquele utilizado no tratamento de doenças crônicas,
consideradas de caráter individual e que, a despeito de atingirem
um número reduzido de pessoas, requerem tratamento longo ou
até mesmo permanente, com o uso de medicamentos de custos
elevados. Por serem, em sua maioria, medicamentos
excessivamente
onerosos,
são
também
chamados
de
medicamentos de alto custo.
Cumpre consignar, entretanto, que nem todas as patologias podem
ser consideradas raras, porquanto existem aquelas “com
prevalência marcante na população”. Depreende-se, pois, que num
primeiro momento o conceito de medicamento excepcional evoluiu
no que se refere a “doenças raras”, predominando a essência de
que são aqueles destinados ao tratamento de moléstias crônicas,
de caráter individual e cujo custo é elevado, seja pela própria
cronicidade, seja pelo elevado valor unitário da substância
medicamentosa.
A própria qualificação de “excepcional”, em verdade, revela que o
medicamento é aquele que constitui exceção, envolvendo doenças
que, embora nem sempre raras, atingem um número reduzido da
população. Logo, são mais caros, porque são produzidos em menor
escala. E a produção é pequena por serem de utilização menos
freqüente, o que, enfim, eleva o custo e as despesas com o
tratamento respectivo. São excepcionais, mas não deixam de ser
essenciais, na medida em que, dentro de sua excepcionalidade,
asseguram a vida e o bem estar do usuário.
O Ministério da Saúde, é imperioso salientar, instituiu,
recentemente, por meio da Portaria n. 2.577, de 27 de outubro de
2006, o denominado Componente de Medicamentos de
Dispensação Excepcional (CMDE), como parte integrante da
Política Nacional de Assistência Farmacêutica (aprovada pela
Resolução n. 338, de 2004, do Conselho Nacional de Saúde). A
edição de normas complementares para a operacionalização do
CMDE cabe à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos
Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Outrossim,
estabeleceu-se o prazo de junho de 2007 para implantação de
sistema informatizado para o gerenciamento técnico e operacional
do CMDE (artigos 3o e 4o da Portaria n. 2.577/2006).
O CMDE “caracteriza-se como uma estratégia de a política de
assistência farmacêutica, que tem por objetivo disponibilizar
medicamentos no âmbito do Sistema Único de Saúde”.
A disponibilização de medicamentos, em termos de CMDE, é
aquela destinada ao tratamento de agravos inseridos nos
seguintes critérios (item I.1 do Anexo I da Portaria n. 2.577/2006):
a) doença rara ou de baixa prevalência, com indicação de uso de
medicamento de alto valor unitário ou que, em caso de uso crônico
ou prolongado, seja um tratamento de custo elevado; e
b) doença prevalente, com uso de medicamento de alto custo
unitário ou que, em caso de uso crônico ou prolongado, seja um
tratamento de custo elevado, desde que: b.1) haja tratamento
previsto para o agravo no nível de atenção básica, ao qual o
paciente apresentou necessariamente intolerância, refratariedade
ou evolução para quadro clínico de maior gravidade, ou b.2) o
diagnóstico ou estabelecimento de conduta terapêutica para o
agravo estejam inseridos na atenção especializada.
Já em relação à atribuição de cada esfera de governo, os principais itens
assim estabelecem:
5.2. GESTOR FEDERAL
Caberá ao Ministério da Saúde, fundamentalmente, a
implementação e a avaliação da Política Nacional de
Medicamentos, ressaltando-se como responsabilidades:
n) promover a revisão periódica e a atualização contínua da
RENAME e a sua divulgação, inclusive via Internet;
r) destinar recursos para a aquisição de medicamentos, mediante o
repasse Fundo-a-Fundo para estados e municípios, definindo, para
tanto, critérios básicos para o mesmo;
t) promover a revisão, atualização e ajuste diferenciado do grupo
de medicamentos incluídos na composição dos custos dos
procedimentos relativos à assistência hospitalar e ambulatorial
faturados segundo tabela;
u) adquirir e distribuir produtos em situações especiais,
identificadas por ocasião das programações tendo por base
critérios técnicos e administrativos referidos no Capítulo 3,
“Diretrizes” , tópico 3.3. deste documento;
5.3. GESTOR ESTADUAL
Conforme disciplinado na Lei n.º 8.080/90, cabe à direção estadual
do SUS, em caráter suplementar, formular, executar, acompanhar
e avaliar a política de insumos e equipamentos para a saúde.
Nesse sentido, constituem responsabilidades da esfera estadual:
g) assegurar a adequada dispensação dos medicamentos,
promovendo o treinamento dos recursos humanos e a aplicação
das normas pertinentes;
l) definir a relação estadual de medicamentos, com base na
RENAME, e em conformidade com o perfil epidemiológico do
estado;
m) definir elenco de medicamentos que serão adquiridos
diretamente pelo estado, inclusive os de dispensação em
caráter excepcional, tendo por base critérios técnicos e
administrativos referidos no Capítulo 3, “Diretrizes”, tópico 3.3.
deste documento e destinando orçamento adequado à sua
aquisição;
q) orientar e assessorar os municípios em seus processos de
aquisição de medicamentos essenciais, contribuindo para que esta
aquisição esteja consoante à realidade epidemiológica e para que
seja assegurado o abastecimento de forma oportuna, regular e
com menor custo;
r) coordenar o processo de aquisição de medicamentos pelos
municípios, visando assegurar o contido no item anterior e,
prioritariamente, que seja utilizada a capacidade instalada dos
laboratórios oficiais.
5.4. GESTOR MUNICIPAL
No âmbito municipal, caberá à Secretaria de Saúde ou ao
organismo correspondente as seguintes responsabilidades:
a) coordenar e executar a assistência farmacêutica no seu
respectivo âmbito;
h) definir a relação municipal de medicamentos essenciais,
com base na RENAME, a partir das necessidades
decorrentes do perfil nosológico da população;
g) assegurar a dispensação adequada dos medicamentos;
i) assegurar o suprimento dos medicamentos destinados à atenção
básica à saúde de sua população, integrando sua programação à
do estado, visando garantir o abastecimento de forma permanente
e oportuna;
j) adquirir, além dos produtos destinados à atenção básica,
outros medicamentos essenciais que estejam definidos no
Plano Municipal de Saúde como responsabilidade concorrente do
município;
Com efeito, ao menos em se tratando de medicamentos de caráter
essencial, tanto a União quanto os Estados e Municípios devem elaborar listas
próprias, de acordo com as necessidades epidemiológicas locais. Entretanto, a
RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) serve apenas como base
para a formulação das listas locais, não tendo a União a responsabilidade direta
pela dispensação dos medicamentos essenciais. Esta tarefa, como se depreende
dos itens destacados acima, é de responsabilidade dos Estados e dos Municípios,
bem como a aquisição dos medicamentos. A União figura com o repasse de verbas
para aquisição de medicamentos essenciais e aquisição de determinados
medicamentos apenas em situações especiais.
É possível, então, definir a responsabilidade do gestor de acordo com o
medicamento que se está buscando judicialmente. Caso seja possível identificar
qual gestor é responsável pela aquisição e dispensação, de acordo com a
respectiva lista, este será o responsável direto pela omissão em fornecer este
medicamento.
No caso concreto, cumpre verificar se o medicamento YONDELIS
(TRABECTEDIN) encaixa-se no conceito de medicamento excepcional ou essencial
e se o seu fornecimento no âmbito do Sistema Único da Saúde deve seguir as
diretrizes da Política Nacional de Medicamentos.
In casu, a medicação requerida, cujo custo é elevado, é importante ao
tratamento de Sarcoma Sinovia. O Sr. Juliano Michels de Oliveira, conforme
prescrição médica (fl. 53), necessita fazer uso de Yondelis (Trabectedin) por 24
horas a cada 21 dias, medicamento o qual é incompatível com suas possibilidades
financeiras.
Frente à essa conjuntura, legitimado está o Estado de Santa Catarina a
compor o pólo passivo da presente lide, uma vez que a medicação requerida
encaixa-se entre aquelas ditas excepcionais.
Saliento, ademais, que a legitimidade passiva do Estado de Santa Catarina
não se embasou, unicamente, na solidariedade existente entre os entes
federativos, mas sim no fato de estar de acordo com a legislação e com as
diretrizes aplicáveis à matéria.
MÉRITO
1. Trata-se de mais um caso em que o Judiciário e o Ministério Público têm de
manifestar-se diante de situações dramáticas em que pacientes enxergam
nestas instituições a última chance para defesa de seus direitos à vida e à
saúde.
2. As dificuldades para uma correta solução deste tipo de demanda indicam o
esgotamento do paradigma dedutivista de aplicação da lei mediante silogismos
apodídicos e apontam para a necessidade de abertura do Direito a argumentos
de outras áreas do conhecimento (Medicina, Economia, Bioética, etc).
3. Entendo que, do ponto de vista da dogmática constitucional, o preceito da
proporcionalidade oferece uma metodologia adequada para a solução de casos
envolvendo direitos prestacionais, como é o caso do direito à saúde (este é
objeto de livro de minha autoria: “Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais”,
publicado pela Livraria do Advogado).
4. De qualquer modo, não pode ser ignorado o status de direitos fundamentais
conferido pela Constituição Federal de 1988 aos direitos sociais (art. 6º), a
aplicação imediata destes direitos (§ 1º do art. 5º). Além disso, sua legitimidade
que decorre do paradigma do Estado Social que assume tarefas de
compensação e de distribuição de bens e serviços sociais como educação e
saúde.
5. No campo do direito à saúde, ele ainda deve ser associado com direitos de
defesa e de primeira geração, como é o caso do direito à vida, cuja garantia
implica não só medidas negativas, mas também medidas positivas e
prestacionais.
6.
Dentro dos preceitos parciais da adequação, necessidade e proporcionalidade
em sentido estrito, é mister proceder à avaliação da reserva do possível, que
não significa a impossibilidade de judicialização de direitos sociais, mas
simplesmente que a carência de recursos e os custos das demandas devem ser
consideradas em um cotejo com as necessidades dos titulares dos direitos
sociais.
7. Além disso, é necessário considerar que muitas vezes o entendimento do
médico prescrebente de um medicamento não coincide com consensos ou
posições majoritárias encontradas na literatura médica mais recente, o que
exige que se leve em consideração os parâmetros estabelecidos pela medicina
baseada em evidências.
8.
Os operadores do Direito têm ainda de se apropriar do debate existente na
chamada Ética dos Recursos Escassos, em que são apresentados critérios para
alocação de recursos de saúde escassos. Tais critérios devem ser
compatibilizados com as preferências estabelecidas em lei, como é o caso de
idosos e crianças (esta questão é objeto de artigo de minha autoria, publicado
pela
Revista
Brasileira
de
Bioética,
disponível
on
line:
http://www.prr4.mpf.gov.br/pesquisaPauloLeivas/arquivos/revista_bioetica.pdf .
9.
A economia da saúde oferece bons indicadores de saúde, de qualidade de vida,
de eficácia, de modo que se possa mensurar, para uma correta decisão no
âmbito da proporcionalidade, a importância relativa dos direitos dos indivíduos
necessitados de tecnologias médicas versus direitos de outros indivíduos que
compõem a sociedade. Tais parâmetros compõem a proposta de “Diretrizes
Metodológicas para Estudos de Avaliação Econômica de Tecnologias para o
Ministério da Saúde”, atualmente em consulta pública no site do Ministério da
Saúde - Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos Departamento de Ciência e Tecnologia. Dentro destas diretrizes encontramos,
por exemplo, modelos de avaliações de tecnologias de saúde, como custobenefício, custo-efetividade, mensuração de qualidade de vida, etc. Ver: http://
portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/diretrizes_metodologicas_ave.pdf .
10.A análise econômica traz o risco sempre de posições utilitaristas que não se
coadunam com o sistema de direitos humanos fundados na dignidade humana
e em direitos individuais, uma vez que a satisfação das necessidades da
maioria pode implicar na não-satisfação das necessidades de alguns indivíduos.
Ou seja, tal avaliação econômica deve passar por um crivo de sua
constitucionalidade e de sua moralidade.
11.De qualquer modo, o ponto de partida que permitirá a discussão correta e
abrangente no presente feito é a realização de uma avaliação econômica, ética
e médica, neste último caso a ser realizada por médico capacitado a interpretar
evidências científicas segundo os parâmetros da medicina baseada em
evidências.
12.
A medicina baseada em evidências traz a lume uma posição teórica e moral
de que os médicos devem aliar a sua experiência médica com os
conhecimentos teóricos balizados pela literatura médica mais atual. Ou seja,
não é suficiente que o médico fundamente sua prescrição com base em
observações individuais, uma vez que a ciência exige uma quantidade de
repetições de fenômenos e a possibilidade de que as conclusões sejam
submetidas a testes de falseabilidade, conforme a teoria de Karl Popper,
amplamente aceita pela teoria da ciência contemporânea.
13.
É mister reconhecer, contudo, que tais exigências acima elencadas só podem
ser cumpridas em sede de cognição ordinária, salvo se já existissem tais
avaliações no âmbito dos gestores do Sistema Único da Saúde.
14.Portanto, em juízo de verossimilhança, exigido em sede de antecipação de
tutela, tais exigências devem ser mitigadas, de modo que se deve atribuir aos
réus o ônus de demonstração da incorreção dos laudos e prescrições juntadas
pelo autor com a inicial.
15.Assim, em sede de tutela antecipada, não há outra alternativa ao julgador do
que aceitar a prescrição médica, salvo se os réus apresentarem laudos médicos
e econômicos que contestem tal prescrição. Do ponto de vista de um processo
civil interpretado em conformidade com os direitos fundamentais, é mister
valorar a prova consubstanciada em uma prescrição médica. Tal prova,
contudo, não prevalecerá diante de um laudo médico baseado em evidências
em sentido contrário. Além disso, o próximo passo é uma avaliação econômica
e ética, considerando os modelos de avaliação acima referidos. A seguir, a
decisão judicial deve decidir a partir de um modelo de argumentação jurídica
não-dedutivista e aberto a argumentos não estritamente jurídicos, como é o
caso dos princípios substanciais de justiça, objeto do artigo acima referido.
16.Com isso, penso, garante-se a proteção judicial de todos os direitos
fundamentais, no caso do direito à saúde, sem o risco de violação do princípio
constitucional que determina que “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5ª, XXXV).
O CASO CONCRETO: PEDIDO DE MEDICAMENTO TRABECTEDIN
(YONDELIS)
17.Em relatório médico referente a Juliano Michels de Oliveira, acostado aos autos
às fls. 53-55, Dr. Célio Kassumoto atestou:
Paciente portador de Sarcoma Sinovial com metástases
pulmonares. Já tratado com cirurgia, radioterapia e
quimioterapia com as seguintes medicações: Adriamicina,
Ifosfamida, Cisplatina, Etoposide. Atualmente, iniciado
tratamento com quimoterapia com finalidade paliativa com
Gencitalina. Proposto tratamento com Yondelis com
finalidade paliativa em caso de progressão da doença com o
esquema atual.
18.Ao responder solicitação, promovida pelo Ministério Público Federal, de
informações acerca do medicamento prescrito, assim o fez a ANVISA (fl. 61):
Em atenção ao Ofício PRM/JLLE-GAB4-DHC n. 119/2008, informo a
Vossa Senhoria que, de acordo com os esclarecimentos prestados
pela Gerência de Pesquisas, Ensaios Clínicos, Medicamentos
Biológicos e Novos desta Agência, a solicitação de registro do
medicamento Yondelis foi protocolada na Anvisa pela empresa
Janssen-Cilag Farmacêutica Ltda. em 07/03/2008. O pedido de
registro se encontra em análise técnica pela referida Gerência
e desta forma o medicamento ainda não está aprovado para
comercialização no País.
Não há no Brasil nenhum medicamento registrado com o
mesmo princípio ativo constante no medicamento Yondelis
e que o registro do mesmo será concedido após a empresa cumprir
todos os requisitos legais necessários para sua aprovação.
A Gerência de Medicamentos Genéricos, por sua vez, comunica
que, de acordo com consulta realizada no banco de dados
Datavisa, não foram encontrados registros de medicamentos
genéricos ativos com o princípio ativo trabectedin.
Quanto ao questionamento referente a informações da
compatibilidade do medicamento para tratamento da doença, não
há registros de medicamentos genéricos com o princípio
ativo em questão.
19.Igualmente, trouxe-se aos autos, às fls 62-64, Relatório Público Europeu de
Avaliação (EPAR), cujo “objectivo é explicar o modo como o Comité dos
Medicamentos para Uso Humano (CHMP) avaliou os estudos realizados, a fim
de emitir recomendações sobre as condições de utilização do medicamento.” E
assim dispõe:
O que é o Yondelis?
O Yondelis é um pó que se destina à preparação de uma solução
para perfusão (administração gota-a-gota numa veia). Contém a
substância activa trabectedina.
Para que é utilizado o Yondelis?
O Yondelis é utilizado para o tratamento de doentes com
sarcoma avançado dos tecidos moles, um tipo de cancro que
se desenvolve a partir dos tecidos moles de suporte do organismo.
É utilizado quando o tratamento com antraciclinas e
ifosfamida (outros medicamentos antineoplásicos) deixou
de funcionar ou em doentes em que a utilização destes
medicamentos esteja contra-indicada. Dado o reduzido
número de doentes com sarcoma dos tecidos moles, a doença é
considerada “rara” e o Yondelis foi designado “medicamento
órfão” (medicamento utilizado em doenças raras) a 30 de Maio de
2001.
O medicamento só pode ser obtido mediante receita médica
Como se utiliza o Yondelis?
O tratamento com Yondelis deve ser administrado sob a supervisão
de um médico experiente na utilização de quimioterapia. Este
medicamento deve ser utilizado apenas por oncologistas
(especialistas em cancros) qualificados ou outros profissionais de
saúde especializados na administração de medicamentos
citotóxicos (que matam as células).
A dose recomendada do Yondelis é de 1,5 mg/m2 de área
de superfície corporal (calculada a partir da altura e do
peso do doente), administrada sob a forma de uma
perfusão intravenosa (administração gota-a-gota numa
veia) única durante 24 horas, de três em três semanas. O
tratamento deve ser mantido enquanto continuar a ser benéfico
para o doente. Recomenda-se a administração de Yondelis através
de um cateter venoso central (um tubo fino que vai da pele até às
grandes veias localizadas mesmo acima do coração). Antes de
cada dose de Yondelis, deve ser administrada uma perfusão de
dexametasona (um corticosteróide) para evitar os vómitos e para
proteger o fígado.
A perfusão com Yondelis deve ser atrasada ou a dose deve ser
reduzida se o doente apresentar anomalias na contagem de
células sanguíneas (tais como redução do número de glóbulos
brancos ou de plaquetas). O medicamento deve ser utilizado com
precaução em doentes com problemas no fígado. O Yondelis não
deve ser utilizado em crianças até que esteja disponível mais
informação. Não deve ser utilizado em doentes com elevados
níveis de bilirrubina (um indicador de alguns problemas no fígado)
ou que tenham problemas renais graves. Para mais informações,
consulte o Resumo das Características do Medicamento (também
parte do EPAR).
Como funciona o Yondelis?
A substância activa presente no Yondelis, a trabectedina, é um
medicamento antineoplásico. Trata-se de uma versão sintética de
um composto químico originalmente extraído de uma espécie de
um tunicado ou “ascídia” (um molusco marinho). O cancro é uma
doença em que as células se dividem de forma demasiado rápida,
normalmente devido a um mau funcionamento dos seus genes. A
trabectedina liga-se ao ADN, a molécula química de que são feitos
os genes, impedindo que alguns genes das células humanas
desempenhem a sua função. Isto pode impedir que as células se
dividam de uma forma demasiado rápida, retardando o
crescimento de vários tipos de cancro, incluindo o sarcoma.
Como foi estudado o Yondelis?
Os efeitos do Yondelis foram primeiro testados em modelos
experimentais antes de serem estudados em seres humanos. Os
efeitos do Yondelis foram igualmente estudados num estudo
principal que envolveu 266 doentes com liposarcoma (um sarcoma
que surge nas células de gordura) ou com leiomiosarcoma (um
sarcoma que surge nas células do músculo liso ou involuntário) em
estado avançado ou com metástases (espalhado por outras zonas
do organismo). Todos os doentes do estudo tinham sido
previamente tratados com uma antraciclina e com
ifosfamida mas esse tratamento tinha deixado de
funcionar. No estudo foram comparados dois esquemas
posológicos diferentes para o Yondelis: três vezes por mês ou em
intervalos de três semanas. O principal parâmetro de eficácia foi o
tempo decorrido até ao agravamento da doença. O estudo ainda
estava a decorrer no momento da avaliação.
Qual o benefício demonstrado pelo Yondelis durante os estudos?
O Yondelis foi mais eficaz quando administrado em intervalos de
três semanas do que com o esquema posológico alternativo. Nos
doentes que receberam o medicamento em intervalos de três
semanas, o tempo médio decorrido até ao agravamento da doença
foi de 3,8 meses comparativamente a 2,1 meses nos doentes que
receberam Yondelis três vezes por mês.
Qual é o risco associado ao Yondelis?
Os efeitos secundários mais frequentes associados à utilização do
Yondelis (observados em mais de 1 doente em cada 10) são o
aumento dos níveis séricos de creatina fosfocinase (um indicador
de destruição muscular) e de creatinina (um indicador de
problemas renais), diminuição dos níveis sanguíneos de albumina
(um indicador de problemas no fígado), neutropenia (níveis baixos
de neutrófilos, um tipo de glóbulos brancos) trombocitopenia
(baixos níveis de plaquetas no sangue), anemia (baixos níveis de
glóbulos vermelhos), leucopenia (baixos níveis de leucócitos ou
glóbulos brancos), dores de cabeça, vómitos, náuseas
(indisposição), obstipação, anorexia (perda do apetite), fadiga
(cansaço), astenia (fraqueza), hiperbilirrubinemia (elevados níveis
de bilirrubina no sangue) e aumento dos níveis sanguíneos das
enzimas
hepáticas
(alanina
aminotransferase,
aspartato
aminotransferase, fosfatase alcalina e gama-glutamiltransferase).
Para a lista completa dos efeitos secundários comunicados
relativamente ao Yondelis, consulte o Folheto Informativo
O Yondelis não deve ser utilizado em pessoas que possam ser
hipersensíveis (alérgicas) à trabectedina ou a qualquer um dos
outros ingredientes. Não deve ser utilizado em doentes com um
infecção grave ou não controlada, nem administrado em
associação com a vacina da febre-amarela ou a mulheres a
amamentar.
Por que foi aprovado o Yondelis?
O Comité dos Medicamentos para Uso Humano (CHMP)
concluiu que os benefícios do Yondelis são superiores aos
seus riscos no tratamento dos doentes com sarcoma
avançado dos tecidos moles, após o tratamento com
antraciclinas e ifosfamida deixar de funcionar, ou em
doentes em que a utilização destes medicamentos não seja
adequada. O Comité salientou que a informação que comprova os
efeitos do Yondelis se baseia essencialmente nos dados sobre o
tratamento do liposarcoma e do leiomiosarcoma. O Comité
recomendou que fosse concedida uma Autorização de Introdução
no Mercado para o Yondelis.
O
Yondelis
foi
autorizado
sob
"Circunstâncias
Excepcionais". Isto significa que, uma vez que a doença é
rara, não foi possível obter uma informação completa sobre
o Yondelis. Anualmente, a Agência Europeia do Medicamento
(EMEA) reavaliará qualquer nova informação disponibilizada sobre
o medicamento e este resumo será actualizado se necessário.
Que informação ainda se aguarda sobre o Yondelis?
O fabricante do Yondelis irá continuar a avaliar os doentes com
maior probabilidade de responder ao tratamento com o
medicamento e irá conduzir um estudo para investigar os efeitos
do Yondelis em doentes com um tipo de cancro denominado
”liposarcoma mixóide”.
20.
À fl. 58 dos autos, juntou-se reportagem, publicada pela Folha Online
(disponível
no
sítio
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u436673.shtml), que trata do
tratamento ao qual se submete o vice-presidente da República, José Alencar:
O vice-presidente da República, José Alencar, foi internado nesta
sexta-feira no hospital Sírio Libanês, em São Paulo, para
tratamento de um câncer no abdome. Ele passará pela segunda
sessão de tratamento com o medicamento Yondelis. A
primeira ocorreu no último dia 1º.
A expectativa é que Alencar tenha alta por volta das 12h deste
sábado. De acordo com seus assessores, ele passará pelo
tratamento a cada três semanas;
21.Desta feita, a despeito de não haver elementos suficientes para uma decisão
definitiva, que deve ser embasada na medicina baseada em evidências, estão
presentes os pressupostos para a concessão de tutela antecipada.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, o Ministério Público Federal opina pelo desprovimento
do presente agravo de instrumento, e requer:
1. Seja requisitado ao Ministério da Saúde, ou determinado ao juízo de primeiro
grau que assim o proceda, laudo pericial, conforme o questionário anexo.
Porto Alegre, 02 de março de 2009.
PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
Procurador Regional da República
Quesitos
Sobre o medicamento Yondelis e a patologia Sarcoma Sinovial
1) Fornecer todas as informações disponíveis sobre tal medicamento e a patologia
em questão, sobre o seu uso em associação com outros medicamentos e/ou
tratamentos, sobre medicamentos/tratamento alternativos.
2) Fornecer dados comparativos sobre o medicamento solicitado com outros
medicamentos/tratamentos, em especial sobre: custo/mês; melhora de
qualidade de vida; aumento da sobrevida; eficácia; segurança; efeitos
colaterais; estágio de pesquisa ou alguma outra qualificação que indique
cautelas no seu uso enquanto não forem ultimadas pesquisas conclusivas?
Sobre as evidências, consensos de sociedades profissionais e protocolos
terapêuticos:
1) O que é Medicina Baseada em Evidências e quais são os critérios para qualificar
um trabalho científico como baseado em evidência?
2) Existe protocolo clínico no Brasil ou em outras países ou de organismos
internacionais a respeito do situação clínica descrita?
3) É possível obter informações se algum país do mundo disponibiliza, em seu
sistema público de saúde, o medicamento em questão?
4)
Que o médico perito aponte a sua formação e o seu conhecimento sobre a
patologia; assim como explicite se possui (ou possuiu) algum tipo de vínculo
com a indústria produtora do medicamento (declaração de conflito de
interesses prevista pelo Conselho Federal de Medicina).
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