156 SERVIÇO SOCIAL E A COSMÉSTICA DO FETICHE Olavo

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SERVIÇO SOCIAL E A COSMÉSTICA DO FETICHE
Olavo Augusto (Estácio de Sá, RJ).
RESUMO
A presente pesquisa busca apurar a criação e o desenvolvimento do Serviço Social como (re)
produtor das relações sociais derivada do enfrentamento da questão social. E assim, transpor o
entendimento do que seja o fetiche do capital, como um fetiche do social na prática do assistente
social, coadunando com frentes originárias e conservadoras da profissão. Faremos uma análise
de como a prática fetichizada se liga ao pensamento positivista e colabora para a coesão da
sociedade de classes, e manutenção da ordem capitalista fornecendo uma imagem fictícia de
amparo social com finalidades escusas. Valeremos também da possibilidade de transformação
da sociedade pela atuação profissional a partir de quando ela se cristaliza em posicionamentos
ético-políticos consistentes, produzindo pelo direito material e formal, formas de resistência
para um essencial apoio popular, juntamente com profunda produção teórico-dialética.
Finalizaremos fazendo um balanço da precária e massificada formação acadêmica que se atrela
estruturalmente às demandas do mercado e despolitiza a categoria, dando retorno ao tom
fetichizante e incrementando o postulado do voluntariado obtuso e a submissão ideológica
profissional. Teremos em mente que a especialização do trabalho social quando subjugada à
condição assalariada perde boa parte da sua áurea crítica-dialética, por isso precisamos
tangenciar a importância da reflexão e formação acadêmica no potencial revolucionário
profissional. E assim, fazendo do cotidiano banal um inspirado direcionamento que encontre
brechas operacionais para subverter a ordem vigente de exploração, espoliação e ludíbrio que
a-sujeitam milhares de pessoas atualmente.
Palavras chaves: 1. Serviço Social 2. Fetiche do Social 3. Transformação Social 4. Formação
Acadêmica.
INTRODUÇÃO
Inicialmente iremos traçar nosso pensamento contextualizando o surgimento do
capitalismo. Iremos também nos orientar por uma posição histórico-dialética para análise do
determinado modo de produção. Veremos como o Serviço Social, profissão originada no
sistema tratado, surge como “uma estratégia de intervenção amortecedora no tecido social, com
vistas a evitar um conflito direto com o proletariado” (Martinelli, 2011, p. 11). Nossa orientação
crítica apenas será manifestada a partir dos anos 80 no Serviço Social brasileiro, o qual dará o
aporte para todo trabalho pelas pesquisas bibliográficas e a possibilidade de superar o caldo
conservador originário da profissão e, ainda assim, afirmar a luta dos trabalhadores para sua
real emancipação humana e política.
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Primeiro é importante deixar bem claro que o sistema capitalista é um sistema específico
de produção, inevitavelmente marcado pelo envolvimento de uma fase histórica e também um
modo de pensar específicos e implícitos aos processos gerados. No começo do século XV
vamos ter uma descaracterização paulatina da simplicidade das relações de troca das sociedades
medievais. As trocas vão se tornando complexas com o avanço mercantil, o lucro e a
acumulação de riqueza, ensejando o princípio da lógica capitalista, na qual ainda existem
algumas amarras para sua plena efetivação devido ao pensamento religioso e o poder
monárquico. A divisão social do trabalho, ou seja, a separação do camponês e da terra, do
produtor e do meio de produção também vai se ampliando. O dono de terra se metamorfoseia
em comerciante, em burguês, expandindo-se financeiramente pelo comércio exterior,
acumulando grande poder político e econômico.
Tais fatores evidenciaram maior monopólio dos burgueses e o controle do mercado
urbano. Os pequenos produtores e artesãos acabam submetidos totalmente ao controle político
e econômico destes burgueses, num panorama que se tornou comum em boa parte da Europa.
Martinelli (2011, p. 32), em raciocínio sobre a questão, afirma que: “Os centros de poder se
deslocam dos feudos para os burgos. Quanto mais acumulam riqueza, maior é o seu poder
político, o que permite aos burgueses manter um controle exclusivo sobre o governo urbano, já
no século XV”.
Especificamente na Inglaterra, já no século XVI, temos toda uma nova estrutura social
montada, onde o trabalhador vende sua força de trabalho e torna-se assalariado, o que é uma
forma de obter lucro da burguesia, pela mais-valia, a parte do trabalho não pago que gera um
sobre valor no ciclo produtivo. Com uma grande necessidade de mão de obra e uma legislação
repressiva que tirava os camponeses da terra e os obrigavam a trabalhar na cidade, vai se
ampliando cada vez mais o poderio do capital.
Mesmo assim, é difícil marcar um momento específico para o surgimento do
capitalismo, pois são várias as circunstâncias e condições que propiciam o seu despontar.
Entretanto, é bom deixar claro como a desigualdade social é inerente ao sistema capitalista,
devido à sua definição e seu traço distintivo essencial:
(...) a posse privada dos meios de produção por uma classe e a exploração da força de
trabalho daqueles que não os detêm. Esta separação entre meios de produção e
produtor e a consequente subordinação direta deste ao dono do capital permitem que
instaure o ciclo de vida do capital, o seu processo de acumulação primitiva.
(MARTINELLI, 2011, p. 31)
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A história das duas classes sociais, burguesia e proletariado, define a história do
capitalismo, uma vez que o processo capitalista de produção expressa:
(...) uma maneira historicamente determinada de os homens produzirem e
reproduzirem as condições materiais da existência humana e as relações sociais
através das quais levam a efeito a produção. Neste processo se reproduzem,
concomitantemente, as ideias e representações que expressam estas relações e as
condições materiais em que se produzem, encobrindo o antagonismo que as permeia.
(IAMAMOTO, 2012, p. 36)
Logo, entendemos que a produção é a transformação da natureza, mas diante dela
teremos também uma produção que não será apenas de objetos materiais, mas também das
relações sociais entre pessoas diante da produção, o que se chama produção social. O novo
sentido que ganha o capital é não ser apenas uma natureza monetária, mas uma determinada
relação social que gera todo o processo de vida social.
Capital não é uma coisa material, mas uma determinada relação social de produção,
correspondente a uma determinada formação histórica da sociedade, que toma corpo em uma
coisa material e lhe infunde um caráter social específico. O capital é a soma dos meios materiais
de produção produzidos. É o conjunto dos meios de produção convertidos em capital, que, em
si, tem tão pouco de capital como o ouro e a prata, como tais, de dinheiro. É o conjunto dos
meios de produção monopolizados por uma determinada parte da sociedade, os produtos e as
condições de exercício da força de trabalho substantivados frente à força de trabalho viva e a
que este antagonismo personifica como capital. (MARX apud IAMAMOTO, 2012, p. 37)
Quando temos a identificação do capital, determinada relação social de produção, por
apenas seu viés material, estamos apreendendo somente a aparência de um fenômeno, pois
vemos o processo apenas como uma relação entre coisas, o que se chama reificação. Esse
processo esconde a relação social que anima essas coisas, escondem uma relação de classes
antagônicas do qual as produzem, tirando de cena a historicidade da questão e se plasmando
em uma forma mistificada de se apresentar.
Retomando nosso contexto histórico, depois de um breve aporte teórico vamos
encontrar dois acontecimentos que marcaram definitivamente o estabelecimento do
capitalismo, que será a Revolução Industrial e a Revolução Francesa. Vamos ter um
aceleramento agudo de transformações nas áreas econômicas, políticas e culturais a partir do
Século XVIII. Muito mais que avanços técnicos nos métodos produtivos, como a utilização da
máquina a vapor, teremos um definitivo estabelecimento da indústria capitalista que, com a
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concentração de terras, máquinas e ferramentas, transformará grandes contingentes de pessoas
em proletariado, trabalhadores despossuídos dos meios de produção.
A utilização da máquina na produção não apenas destruiu o artesão independente, que
possuía um pequeno pedaço de terra, cultivando nos seus momentos livres. Este foi também
submetido a uma severa disciplina, a novas formas de conduta e de relações de trabalho,
completamente diferentes das vividas anteriormente por ele. (MARTINELLI, 1982, p. 12)
Como vemos a atividade fabril praticamente acabou com a atividade manufatureira e
artesanal, colocando uma nova realidade em cena, um grande crescimento das cidades que não
tinham estrutura nenhuma para abrigar as pessoas, em variados aspectos, como moradia e
serviços sanitários. Além disto, evidenciou também um novo lugar de trabalho, a fábrica, fator
este que permitiu uma definição mais homogênea dos trabalhadores.
No entanto, as condições de trabalho não eram das melhores. Mulheres e crianças
trabalhavam mais de 12 horas por semana, sem férias e feriados. Sofrendo junto o imperialismo
da máquina, os trabalhadores começavam a caminhar para a construção de sua identidade de
classe, e assim, começam a se conscientizar de seu papel na produção.
O modo de produção capitalista e o ideário que lhe dá sustentação haviam penetrado
fundo na estrutura da sociedade, representando para a burguesia não uma fase da história, mas
sim o seu momento final, o momento da completude histórica. Para o proletariado, a ascensão
do capitalismo significava a exploração de suas próprias vidas, o dilaceramento de sua história.
A expressão material e concreta de tais antagonismos será a luta de classes. (MARTINELLI,
2011, p. 37)
Na época da Revolução Francesa, o proletariado ainda era disperso, e pouco
homogêneo, ou seja, seus interesses não entrariam em jogo, mas haveria uma nova forma de se
estabelecer as coisas, muda-se totalmente a estrutura do Estado, mudam também os hábitos e
costumes. O interesse burguês vence a batalha e novos direitos políticos e individuais são
criados, a liberdade para os cidadãos não é apenas a política, há uma intensa liberdade de ser
passível, não sofrer a opressão do estado, mas diante da imensa desigualdade social, temos
milhares de pessoas com pouca escolha, a não o assujeitamento ao intenso trabalho fabril. A
produção social intensifica-se, mas a apropriação de suas riquezas é exclusivamente privada,
ou seja, a igualdade jurídica só permite à maioria das pessoas que trabalhem, e não de se
apropriarem coletivamente dos bens produzidos. A liberdade é liberdade para consumir, de
incrementar o mercado com o consumo, mas não de ter uma realização efetiva de seus direitos.
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Vamos tendo noção aos poucos de como a riqueza socialmente produzida não é
distribuída, e quanto mais se desenvolve o capitalismo, mais desigualdade social é gerada.
Como há uma produção social, quando ela se amplia, suas condições antagônicas também se
ampliam, ou seja, o mote do capitalismo será este: a acumulação de capital é proporcional ao
acúmulo de miséria. Diante de tantos distúrbios já registrados, vamos ter por um lado o
surgimento das ciências sociais querendo explicar a sociedade como se explica a natureza, ou
seja, idealizando uma formação que deve ser coesa e sujeitar a uma ordem pré-definida. Por
mais que buscassem a neutralidade, hoje podemos ver o intenso jogo de interesses, mesmo não
muito explícito. Teorizava-se muito em busca de uma ordem, seja axiológica, ou uma forma de
legitimar a crescente sociedade capitalista, que sofreu muitas crises de estabelecimento social
e político com a Revolução Francesa.
Para perturbar essa ordem idílica vamos ter uma afirmação mais acirrada da classe
proletária, seja com sua formação mais homogênea nas cidades, seja com o sofrimento com a
miséria e as terríveis condições de trabalho. Essa consciência que vai se criando visa combater
o status quo capcioso capitalista, onde era naturalizada sem muitos problemas a pobreza, como
se ela fosse um destino ou uma própria necessidade do sistema para existir, um mal necessário.
Teremos afirmações profundamente maldosas para legitimar o status quo, como do pastor
anglicano Joseph Townsend, que afirma:
O trabalho obtido por meio de coação legal exige grande dose de aborrecimentos,
violência e barulho, enquanto a fome pressiona pacífica, silenciosa e incessantemente,
e, sendo o motivo mais natural para a diligência e para o trabalho, leva a que se façam
os maiores esforços. (Apud MARTINELLI, 2011, p.82)
Outra afirmação muito drástica é de Bernard de Mandeville:
Os que ganham sua vida com o trabalho quotidiano só têm como estímulo, para prestar
seus serviços, suas necessidades. Por isso é prudente mitiga-las, mas seria loucura
curá-las. (...) Para tornar feliz a sociedade e para que o povo viva contente mesmo em
condições miseráveis, é necessário que a maioria permaneça ignorante e pobre. O
saber aumenta e multiplica nossos desejos, e quanto menos um homem deseje mais
fácil é satisfazer suas necessidades. (Apud MARTINELLI, 2011, p.83)
Vamos tomando conta de como o pensamento do valor do capital para a classe
dominante supera e muito o valor da vida humana. Não se via o trabalhador como um ser
humano, mas sim como um instrumento, uma máquina sem alma, utilizada e valorizada apenas
pela sua força de trabalho. Não é à toa que vemos boa parte do pensamento filosófico da época
interpretar o mundo de uma forma mecanicista.
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As primeiras manifestações dos trabalhadores eram levadas a cabo pela destruição das
máquinas que os oprimiam, até a legislação ser tão pesada ao ponto de condenar à morte
trabalhadores ou quaisquer cidadãos que destruíssem máquinas fabris. Aos poucos, o
proletariado veria que a máquina não era responsável pelo mal, pois ela não tinha consciência
disso, e sim o dono do capital, do meio de produção que mandava na máquina. A manifestação
dos trabalhadores passa, então, por várias fases, e percebemos aos poucos a criação de uma
cultura de oposição, de uma classe mais conscientizada dos seus reais interesses. Atos de
destruição passam para atos de associação, movidos pela gana dos princípios libertários e
igualitários da Revolução Francesa. Cria-se uma própria literatura de conscientização,
sociólogos pensam no poder da ação e de modificar a sociedade.
Neste ínterim, várias formas de combate despontam representadas, sobretudo, por
greves e pressões para mudanças legislativas, às quais beneficiavam apenas a burguesia. Como
o número da classe trabalhadora só aumentava, já começava a ficar bem preocupante para a
burguesia a realidade das manifestações que ocorriam. O injusto regime já era totalmente
combatido pelos ideários comunistas já em voga na época. O Estado, antigo Leviatã, começa a
se reestruturar para combater o avanço do comunismo, seu lado continua bem definido em
proteger a nova camada poderosa, a burguesia.
A busca de estabilidade política marcará as estratégias do Estado liberal burguês, diante
do eminente perigo da conscientização da força proletária, o seu grande volume e os grandes
problemas sociais gerados pela pobreza e miséria. Tentando esconder os grandes fardos da
exploração e opressão, será elaborada alguma forma “que permitissem ajustar os interesses do
capital tanto os movimentos dos trabalhadores como a expansão dos problemas sociais”
(Martinelli, 2011, p. 60). Assim, buscando a legitimidade da ordem social burguesa, teremos a
racionalização da assistência filantrópica, sendo marcadamente feita pelo enfrentamento da
questão social, aqui entendida como “o amplo espectro de problemas sociais que decorrem da
instauração e da expansão da industrialização capitalista. ” (Martinelli, 2011, p. 63)
A origem do Serviço Social como profissão é marcada por esse processo ardiloso que
envolve alienação, contradição e antagonismo. Esse projeto de hegemonia do jeito de pensar
capitalista será sancionado pelo Estado e pela Igreja, gerando a ilusão do servir, uma prática
humanitária mistificada que procurava se aproximar do proletário para doutrina-lo e controlalo, deixando a impressão que alguém se importava realmente com suas condições de vida e,
assim, desestimula-lo a mobilizações e reivindicações coletivas.
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Está feita a primeira análise do nosso processo. Agora vamos esmiuçar o que
chamaremos de fetiche social na prática profissional. Primeiramente na análise econômica de
Marx será chamado capital fetiche, aquele capital que se reproduz, mas não é fruto do trabalho,
e que gera uma imagem de legitimação pelo valor gerado no final, mas não passou realmente
por instâncias do trabalho.
Desta forma, podemos ter de um lado um trabalhador fabril que trabalhe 8 horas por dia,
para que no final do mês ganhe um salário mínimo, e podemos de ter, do outro lado, uma pessoa
que tenha um capital aplicado em determinado investimento, seja na poupança ou no mercado
de ações, e gere assim um salário mínimo no final do mês, apenas com sua aplicação. Temos,
portanto, um fetiche.
Para ser mais claro, tomamos o exemplo de fetiche, que a maioria das pessoas
conhecem: o fetiche sexual. Determinada parte do corpo pode ser alvo de fetiche, e gerar uma
ilusão, ignorando que é apenas uma parte e correspondendo ao todo. Só o manejo ou o olhar
para aquela parte corresponderá a todas as potencialidades do ato sexual. Ou seja, temos a ilusão
de que algo separado realize a concretude de todo um processo real. Transpondo os conceitos
elucidados para o Serviço Social, temos em sua origem uma prática fetichizante, onde temos
uma forma de ludibriar, que não realiza verdadeiras intenções de reconhecimento de dignidade
humana e de solidariedade, mas sim corrobore para legitimar uma forma espoliante da condição
humana, nos fornecendo uma imagem de prática totalizante e integrante do ser humano.
A base do posicionamento mencionado se valerá de um nítido pensamento moralizante.
Como já visto, uma corrente sociológica que se destacará na época será a positivista, seu
fundamento será o da ordem e a devida organização das engrenagens da sociedade para ela
progredir e evoluir. Qualquer disfunção ou desordem como pode se ver com o movimento do
proletariado, exigirá uma resposta diretiva, que precisará legitimar a ordem do capital e da
burguesia. Haverá uma centralidade no “eu”, como na propriedade, e este será responsável
moralmente por não se encaixar no padrão, tendo que tomar posições de consenso para aceitar
a ordem do sistema. Além de toda psicologização do tema, a responsabilidade da miséria será
única e exclusivamente do pobre, ou que é preguiçoso, ou não tem habilidade, ou até mesmo
não tem o jeito de pensar capitalista inscrito em seu caráter.
Vemos assim que muito além da produção material haverá uma (re) produção da
produção espiritual da sociedade capitalista, seja os ditames morais, modo de ser e agir que
mais coaduna com o pensar capitalista, além de normas jurídicas, religiosas e artísticas. Há um
tipo exato de consciência que deve ser proliferado e manifestado, o que desmotive qualquer
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levante popular, que geraria um mal-estar social, e o consenso da ordem burguesa préestabelecida, como que a posse dos meios de produção fosse uma dádiva divina e não uma
construção histórica. Diante dessa realidade teremos o Serviço Social para plasmar consciências
diletantes com o cotidiano da vida em sociedade. A grande chave mestra que nos dará acesso a
uma crítica severa de tal trabalho será a demanda por ele feita, que não partirá das classes
trabalhadoras e sim da burguesia. O tom paterno que o Estado ganhará, a mando das classes
burguesas, será o fetiche social. Uma reflexão interessante que podemos ver em Iamamoto
(2012, p.91) é que:
Este caráter de cunho impositivo que marca grande parte da atuação do profissional
não aparece limpidamente no discurso da instituição Serviço Social. Ao contrário,
tende a expressar-se na representação dos profissionais ao reverso, como reforço à
ideologia do desinteresse, do altruísmo, do dom de si, do respeito à livre-iniciativa do
cliente, do princípio da não ingerência, da neutralidade etc. (IAMAMOTO, 2012,
p.91)
Como vemos, a instituição Serviço Social plasma outra ideia de apresentação de seu
caráter, isso é o que podemos chamar: cosmética do fetiche. A palavra cosmética deriva de
cosmos, ou seja, ordem. Cosmética seria, assim, uma manipulação de algo para transmitir uma
ordem que aparentasse beleza. Logo, temos o Serviço Social inaugurando a cosmética do
fetiche, uma forma transmudada de se apresentar, mostrando um brilho humano, mas
escondendo atrás dessa maquiagem outra aparência, uma aparência do interesse e do ludibrio.
Vamos agora dar um grande salto nas ideias, nos focar no Brasil e nos anos 70 e 80.
Infelizmente, não iremos acompanhar toda evolução e transformação do Serviço Social, mas
apenas focar na época em que pode mudar e criticar seu caldo conservador e fazer uma nova
consciência da profissão aparecer.
Boa parte da nossa análise feita foi gerada com a produção bibliográfica do período de
intenção de ruptura com o Serviço Social tradicional, a partir dos anos 70 e 80. Vimos como a
profissão é contraditória e entra no ciclo de produção e reprodução social. Os avanços em
pesquisa acadêmica, em completa ligação à conjuntura de contestação política e social do
período ditatorial, potencializou o processo crítico geral, principalmente pelo apoio aos levantes
e manifestações populares prol democracia.
O aporte crítico-dialético trouxe muitos avanços político-metodológicos, mas não
possibilitou muitas alternativas de práticas revolucionárias, justamente por o Serviço Social ter
um caráter de assalariamento e perder muito do seu saber, da sua teoria na hora da prática. Esse
velho dilema: “teoria é uma coisa e a prática é outra”, permeia o imaginário da profissão, pois
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essa profissão mesmo sendo considerada liberal, deve atender uma demanda institucional.
Mesmo assim, percebemos avanços na postura profissional, não mais como mentora e protetora
das classes desfavorecidas, mas sim, um forte componente de “empoderamento” para tais
populações, principalmente, pelo meio comunicação e informação, esclarecendo a natureza das
políticas públicas, e do ordenamento do direito material e formal. O profissional intermedeia as
relações, oferecendo a liberdade de a própria população apreender as informações dadas pelo
profissional e tomar o direcionamento pensado em grupo para uma manifestação de suas reais
necessidades e anseios.
Não podemos dizer que o profissional deseje uma neutralidade, como demonstrado no
Código de Ética de 1993, em que os princípios fundamentais regem a maturidade da profissão.
A título de reflexão, citamos alguns:
I – Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a
ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais;
(...) III – Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefe primordial de
toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes
trabalhadoras;
(...) IV – Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da
participação política e da riqueza socialmente produzida;
(...) VIII – Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de
uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero.
(Apud BARROCO; TERRA, 2012, p.121-125, 126, 129).
Através da leitura destes princípios percebemos grandes avanços decorridos no
entendimento político da profissão e em sua prática. Entrementes, será que a profissão ainda
pratica a cosmética do fetiche? Podemos pensar que não a partir do momento em que pensamos
na qualidade da formação do futuro profissional, se ele teve as bases certas de estudo, a
profundida crítica e a chance de visualizar a prática e o cotidiano profissional. Mas podemos
pensar que sim, a partir do momento em que vemos o ensino superior ser cada vez mais
privatizado, submetendo a educação aos interesses empresariais. A educação, ainda que um
direito adquirido, torna-se uma mercadoria.
Não podemos deixar de considerar também, que com a regulamentação do ensino à
distância cabalmente vinculado ao ensino privado, temos uma despolitização do profissional,
além do agravamento da precariedade das condições de trabalho, fatores estes decorrentes de
processos múltiplos de reprodução social, que enfraquecem o projeto norteador do Serviço
Social, criando uma larga margem para uma massificação do ensino, e não a sua
universalização, além de formar pelo mau entendimento da profissão um voluntariado obtuso e
submisso na atuação profissional.
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Concluindo, visualizamos de forma breve o principal trajeto da formação do Serviço
Social. Apesar de um início marcadamente incoerente com os anseios da classe trabalhadora,
tivemos um grande desenvolvimento teórico-político na profissão até os dias de hoje, obtido
pelo reconhecimento de novas matrizes críticas na compreensão do significado da profissão.
Legitimações no projeto norteador do profissional vieram marcadas com avanços nos direitos
políticos e civis da sociedade brasileira. O fetiche o qual presenciamos pode ser combatido, e
dinamitado com uma formação íntegra e consciente, que entenda as máculas, mas também
entenda as possibilidades de transformação que o Serviço Social pode provocar,
principalmente, no “empoderamento” de indivíduos e grupos para exercerem e fazerem parte
de uma democracia plena e efetiva.
Talvez a dimensão do cotidiano faça perder o tom fascinante das ferramentas teóricas,
e várias formas de contestação e elucidação. Mas temos diante de nós um “front” que nem todas
as áreas do saber mais abstratas e puras enfrentem, e por isso engessem em suas teias do
conhecimento, a realidade do enfrentamento de políticas sociais. Assim, não se esquecendo da
pesquisa, temos um grande campo de estudo, que apesar de esbarrar em nossos limites de ação,
nos dê a chance de lidarmos com a realidade de uma forma criativa e transformadora. Essa
realidade cotidiana pode transmutar numa vivência realizadora de direitos quando se abre para
uma sensibilidade não inscrita na razão cartesiana. Percebendo e compreendendo várias
demandas, caminhos e sonhos, pode se traçar e delinear o saber enfrentar e responder, de uma
forma lúcida e ativa, a parte do latifúndio que nos pertence.
REFERÊNCIAS
BARROCO, M.L. Ética e Serviço Social: Fundamentos Ontológicos. Ed. Cortez. 8ª Edição,
São Paulo, 2010.
BARROCO, M. L/ TERRA, S. H (Org.). Código de Ética do/a Assistente Social –
comentado. Ed. Cortez, São Paulo, 2012.
FALEIROS, V. P. Saber profissional e poder institucional. Ed. Cortez, 10ª Edição. São
Paulo, 2011.
IAMAMOTO, M. V. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma
interpretação histórico-metodológica. Ed. Cortez, 37ª Edição, São Paulo, 2012.
165
IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro,
trabalho e questão social. Ed. Cortez, 7ª Edição, São Paulo, 2012.
MARTINS, C. B. O que é sociologia. Ed. Brasiliense, Coleção Primeiros Passos - 57. São
Paulo, 1982.
MOTA, A. E (Org.) O mito da assistência social: Ensaios sobre Estado, Política e
Sociedade. Ed. Cortez, 4ª Edição. São Paulo, 2008.
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