Artigo 10

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Relato de Caso
Metástase de carcinoma folicular da tireoide em portador
de doença de Paget óssea: relato de caso
Metastasis of follicular thyroid carcinoma in bearer Paget´s
disease of bone: case report
Resumo
Introdução: o carcinoma folicular da tireoide pode evoluir com
metástases a distância em até 30% dos casos. A doença de
Paget óssea - ou osteíte deformante, por sua vez, caracteriza-se
por alterações na estrutura óssea com possibilidade, inclusive,
de desenvolvimento neoplásico associado. Objetivo: relatar a
associação de metástase óssea de carcinoma folicular da tireoide
em portador de doença de Paget óssea com alterações prévias no
sítio metastático. Relato de caso: homem de 87 anos, portador de
doença de Paget óssea, evoluiu com intensificação da dor em pelve
com aumento de volume local. Exames de imagem demonstraram
tumor com biópsia sugestiva de carcinoma tireóideo metastático.
Diagnosticado, então, nódulo em glândula tireoide, com 1,7 cm, e
com confirmação de carcinoma folicular após tireoidectomia total
(estágio pT1pN0). O paciente foi submetido a radioiodoterapia
e radioterapia externa com persistência neoplásica. Encontrase vivo, passados 41 meses da tireoidectomia. Conclusão: o
carcinoma folicular da tireoide, mesmo como neoplasia bem
diferenciada, não deve ser subestimado especialmente em
indivíduos com idade avançada. A concomitância de doença de
Paget óssea com lesões metastáticas é rara, mas não deve ser
descartada e seu diagnóstico dependerá de biópsias incisionais.
Descritores: Tireoidectomia; Osteíte Deformante; Neoplasias da
Glândula Tireoide; Metástase Neoplásica.
INTRODUÇãO E REVISãO DE LITERATURA
O carcinoma folicular da tireoide representa cerca
de 10-15% das neoplasias malignas desta glândula
e é normalmente observado em indivíduos em faixas
etárias superiores aos 40 anos.1 Os principais sítios
metastáticos deste carcinoma são pulmões, seguido de
ossos, cérebro e fígado2 e essas podem ocorrer entre
10-30% dos casos, inclusive como sintoma inicial (4%),3
correspondendo à principal causa de óbito relacionada.2
Beatriz G. Cavalheiro 1
Adriana Sondermann 2
José de Sousa Brandão Neto 3
Fábio Roberto Pinto 4
Cláudio Roberto Cernea 5
Lenine Garcia Brandão 6
Abstract
Introduction: Follicular thyroid carcinoma may evolve with distant
metastases in 30% of cases. Paget’s disease of bone (osteitis
deformans), in turn, is characterized by changes in bone structure
with the possibility of tumor development association. Objective:
To report the association of bone metastasis of follicular thyroid
carcinoma in a patient with Paget’s disease with previous changes
in bone metastatic site. Case report: An 87 years old man, with
Paget’s disease of bone, developed increased pain in the pelvis
with local volume increase. Imaging studies demonstrated a tumor
with biopsy suggestive of metastatic thyroid carcinoma. It was
diagnosed, then, a nodule in the thyroid gland, with 1.7 cm, and
with confirmation of follicular carcinoma after total thyroidectomy
(stage pT1pN0). The patient underwent radioiodine and external
radiotherapy with persistence neoplastic. He is alive 41 months
after thyroidectomy. Conclusion: follicular thyroid carcinoma,
even as well-differentiated tumor, should not be underestimated
especially in individuals with advanced age. Concomitant Paget’s
disease of bone with metastatic lesions is rare, but should not be
discarded and its diagnosis depends on biopsy specimen.
Key words: Thyroid Neoplasms;
Thyroidectomy; Osteitis Deformans.
Neoplasm
Metastasis;
A disseminação hematogênica é preferencial à linfática,
apesar de caracterizar-se por neoplasia de crescimento
lento e bom prognóstico em longo prazo.4
A doença de Paget óssea é uma entidade de
transmissão autossômica dominante e que pode
associar-se a eventos auto-imunes e infecções
virais. Caracteriza-se pela substituição dos espaços
medulares e trabeculares ósseos por tecido conjuntivo
fibroso. Sua evolução inclui deformidades e dores
musculoesqueléticas, fraturas patológicas e até o
1)Doutorado. Assistente Doutor do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer.
2)Cirurgiã de Cabeça e Pescoço. Assistente do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer.
3)Cirurgião de Cabeça e Pescoço. Assistente do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer.
4)Doutorado. Médico (a) Assistente - Instituto do Câncer do Estado de São Paulo - Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
5)Professor Livre-Docente. Professor Associado da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo.
6)Professor Livre-Docente. Professor Titular da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo)
Instituição: Clínica privada.
São Paulo / SP – Brasil.
Correspondência: Beatriz G. Cavalheiro - Rua Tuim, 929 - São Paulo / SP – Brasil – CEP: 04514-103 – E-mail: [email protected].
Artigo recebido em 11/07/2012; aceito para publicação em 13/07/2012; publicado online em 31/03/2014.
Caso apresentado sob a forma de pôster no XXIII Congresso Brasileiro de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Santos, 3-6 setembro, 2011.
Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.
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Metástase de carcinoma folicular da tireoide em portador de doença de Paget óssea: relato de caso.
Cavalheiro et al.
desenvolvimento de tumores ósseos associados a
dor e aumento da temperatura da pele adjacente em
função da hipervascularização local. A maioria dos
pacientes a manifesta após os 40 anos de idade e sua
associação com carcinomas é descrita. No entanto, as
neoplasias observadas são na sua grande totalidade
osteossarcomas.5-7 Ossos da pelve são frequentemente
acometidos em por tais sarcomas associados ao Paget.8
A concomitância, por sua vez, do Paget com neoplasias
metastáticas é rara,9 embora possa ser subestimada
em função da dificuldade do seu diagnóstico diferencial
com as alterações esqueléticas decorrentes da doença
de base, quando a biópsia faz-se necessária.9 Não
existem casos descritos na literatura especializada de
associação de Doença de Paget óssea e metástases de
carcinomas tireóideos.
CASO CLíNICO
Paciente do sexo masculino, 87 anos, natural e
procedente de São Paulo, aposentado. Há oito meses da
admissão, referia dor limitante em topografia de osso ilíaco
à direita com discreto e progressivo aumento do volume
local (Figura 1). Através de ultrassonografia de partes
moles em de região glútea direita (Figura 2) observouse formação heterogênea bem delimitada, com intensa
vascularização central e periférica, com acometimento
de plano muscular e em contato com o osso ilíaco. A
ressonância magnética da bacia (Figura 3) demonstrou
lesão expansiva com epicentro em ilíaco direito, com
acometimento de articulação sacro-ilíaca, sacro e partes
moles, inclusive musculatura glútea circunjacente, com
realce ao contraste e com 9 cm em seu maior diâmetro. A
biópsia incisional da lesão sugeriu carcinoma metastático
com colorações imuno-histoquímicas positivas para
tireoglobulina e TTF-1, favorecendo a hipótese diagnóstica
de carcinoma tireóideo metastático.
Portador de doença de Paget diagnosticada há
3 anos da admissão, o paciente já apresentava dores
progressivas em topografia de coluna lombar e quadril,
inclusive na área acometida supra descrita, porém sem
desenvolvimento de tumores ósseos até o momento.
Negava casos de cânceres em familiares próximos,
embora a filha tenha sido submetida a tireoidectomia por
carcinoma papilífero um ano após.
Ao exame físico encontrava-se em bom estado geral.
Apresentava nódulo em topografia de lobo direito da
tireóide, bem delimitado, com 1,5 cm, móvel à deglutição.
Ausência de adenomegalias palpáveis. Notava-se
abaulamento discreto em região lombar direita, com
cerca de 10 cm em seu maior diâmetro, mal delimitado,
endurecido, sem sinais flogísticos associados.
Em ultrassonografia de tireoide foram observados
dois nódulos em lobo direito, o maior sólido, heterogêneo,
com calcificações de permeio, circunscrito, com
vascularização predominantemente central e 1,5 x 1,5 x
1,4 cm, em polo inferior. O outro nódulo, com 0,9 x 0,8 x
0,6 cm, localizava-se em terço médio e caracterizava-se
Figura 1. Discreto abaulamento lombar ao exame físico.
Figura 2. Ultrassonografia lombar direita - formação heterogênea bem
delimitada com vascularização central e periférica.
Figura 3. Imagem de ressonância magnética lombar.
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Metástase de carcinoma folicular da tireoide em portador de doença de Paget óssea: relato de caso.
por lesão mista, regular e com vascularização apenas
periférica. Notou-se também calcificação grosseira em
terço médio de lobo esquerdo com 0,5 x 0,4 cm. Não
foram observadas adenomegalias cervicais.
Realizada a tireoidectomia total, diagnosticou-se
um foco único de carcinoma folicular, encapsulado,
moderadamente diferenciado, com 1,7 x 1,6 cm nos
maiores diâmetros, com extensão capsular multifocal e
embolização vascular, associado a bócio. Estadiamento
pT1pN0 (Figura 4). Foi submetido a dose terapêutica de
iodo radioativo (300 mCi), mantendo captação pélvica
pós-dose, e radioterapia considerada paliativa em pelve
(dose total de 25 Gy em 5 frações de 5 Gy).
O paciente manteve o quadro álgico lombar, com
melhora parcial com analgesia oral.
Manteve retornos ambulatoriais mensais até 6
meses após a tireoidectomia e então abandonou os
seguimentos clínicos. À época contava com dosagem
sérica de tireoglobulina > 300 ng/mL em vigência
de TSH sérico de 0,179 mUI/L (0,4 – 4,0 mUI/L) e
anticorpos antitireoglobulina indetectáveis. Sua lesão
lombar mantinha as mesmas dimensões da época de
seu diagnóstico (9 cm em seu maior diâmetro), segundo
exame físico e tomografia computadorizada.
Encontra-se vivo, passados 41 meses da
tireoidectomia, mas sem seguimento clínico.
Cavalheiro et al.
Figura 4. Corte histológico do carcinoma folicular identificado (HE).
DISCUSSÃO
Embora o carcinoma folicular da tireoide, como
neoplasia bem diferenciada, proporcione um bom
prognóstico aos seus portadores - quando adequadamente
tratados - o desenvolvimento de metástases ósseas
compromete significantemente a evolução desses
indivíduos e sua resposta à tentativa de ablação com
iodo radioativo não é normalmente efetiva, apesar do
alto grau de diferenciação. 10 A radioiodoterapia, porém,
é a modalidade terapêutica sistêmica de primeira
escolha para o tratamento de pacientes com metástases
distantes de carcinomas bem diferenciados da tireoide e
sua administração repetida justifica-se mesmo quando
não é claramente efetiva.2,10 A ressecção operatória da
metástase óssea é uma opção terapêutica em casos de
metástases isoladas e ressecabilidade,10 o que não era
o caso deste paciente. Apesar do diagnóstico inicial de
metástase a distância, a tireoidectomia é indicada,3,10
e assim foi realizada logo ao diagnóstico dos nódulos
tireóideos. A captação de iodo radioativo pela metástase
favorece a evolução,2,11 mas o principal critério prognóstico
é a idade do indivíduo ao diagnóstico, favorecendo
aqueles mais jovens.3,11 Novas sessões de radioterapia
e radioiodoterapia haviam sido programadas para o
paciente em questão, mas como comentado no relato,
esse abandonou o tratamento e o seguimento clínico.
Mantém-se relativamente ativo e deambula com apoio.
O desenvolvimento de sarcomas é a mais grave
complicação decorrente da doença de Paget óssea
e ocorre em menos de 1% dos casos.12 Pelve, fêmur,
Figura 5. Cintilografia óssea prévia à doença tireoidea demonstrando
intensa reação osteogênica em ossos da bacia, vértebra, úmero e
fêmur.
coluna, tíbia e úmero são, por sua vez, as regiões mais
comumente acometidas por neoplasias metastáticas
associadas à doença de Paget óssea, sendo de próstata,
brônquios, rins, mama e cólon as neoplasias primárias
mais frequentemente envolvidas.13 Seu não diagnóstico
ou a confusão com uma possível transformação
sarcomatosa é possível se o estudo limitar-se aos exames
de imagem. Não é consenso, porém, que a doença de
Paget óssea torne o osso acometido mais susceptível a
metástases, uma vez que seus sítios preferenciais são
coincidentes.13
A ressonância magnética da bacia deste paciente
mostrava também alterações difusas da medular e
espessamentos corticais. Ao diagnóstico da doença
de Paget, o paciente já havia sido submetido a uma
cintilografia óssea (Figura 5) que evidenciava alterações
osteogências em ossos pélvicos, coluna lombar, fêmur e
úmero, compatíveis com a doença.
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Metástase de carcinoma folicular da tireoide em portador de doença de Paget óssea: relato de caso.
COMENTÁRIOS FINAIS
Carcinomas
tireóideos
considerados
bem
diferenciados podem apresentar evoluções não usuais
e agressivas, inclusive em casos de tumores primários
relativamente pouco extensos e em estágios iniciais.
Ao diagnóstico da doença de Paget óssea,
manifestações clínicas exuberantes e alterações
em exames de imagem devem incluir o diagnóstico
diferencial com entidades neoplásicas ósseas, inclusive
metástases a distância.
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