nº 36 (1) ISSN: 1980-8976 agoa Comprida (Macaé-RJ) Foto: L. P. Nielsen Maio de 2007 Foto: Alex Enrich-Prast Editor Alex Enrich-Prast [email protected] Editores Executivos Ana Lúcia Santoro Angela M. Sanseverino Breno A. Guimarães-Souza Humberto Marotta Luana Q. Pinho Luiz Fernando J. Bento [email protected] SBL 2005 - 2007 Presidente Ricardo Motta Pinto Coelho [email protected] Primeira Secretária Renata Panosso [email protected] Primeiro Tesoureiro Marcos Callisto [email protected] Vice Presidente Antônio Fernando M. Camargo [email protected] Segunda Secretária Andrea Figueiredo [email protected] Segundo Tesoureiro Luís Maurício Bini [email protected] Mensagem do presidente ................................. 1 Mensagem do Editor do Boletim ..................... 2 Mensagem do Editor da Acta........................... 3 Métodos e Equipamentos ................... 4 Tópicos Especiais................................12 Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) Maio de 2007 ISSN: 1980-8976 Mensagem do Presidente Prezados Limnólogos Este é o último trimestre da atual diretoria. Ainda não deu tempo para que pudéssemos fazer uma avaliação mais detalhada do que pudemos ou não fazer nesse período. No entanto, já estamos disponibilizando para os nossos sócios uma prestação preliminar de nossas contas que já pode ser acessada a partir do nosso portal na internet: http://www.sblimno.org.br/. Através dessa prestação de contas, o nosso associado poderá perceber que não foram dois anos muito tranqüilos e que a SBL enfrentou pesadas turbulências nessa gestão. No momento, estamos muito envolvidos nos preparativos do XI Congresso Brasileiro de Limnologia que será realizado entre os dias 24 e 28 de agosto em Macaé. Já estivemos no Rio de Janeiro (UFRJ) em duas ocasiões. Recentemente, recebemos a vista do Prof. Vinicius Farjalla, um dos membros do comitê organizador aqui na UFMG e, logo em seguida, o nosso tesoureiro, Marcos Callisto, esteve em Macaé onde encontrou-se com o Prof. Francisco Esteves. A nossa secretária Andréa Figueiredo tem trabalhado em conjunto com o comitê organizador atuando principalmente no delineamento e na captação de recursos para uma série de eventos centrais que serão oferecidos no XI CBL. E a nossa secretária, a Profa. Renata Panosso, apesar da distância (ela está em Natal, RN), tem dado constante apoio em diversas questões administrativas. Ela também tem atuado no sentido de afinar a sintonia entre a diretoria da sociedade e o comitê organizador. Apesar da constante troca de e-mails, avaliamos o quanto foram (e são) importantes esses contatos pessoais. Organizar um congresso do porte do XI CBL não é fácil. Ainda mais quando temos que enfrentar muitas dificuldades sejam elas no âmbito da falta de infra-estrutura administrativa (ver abaixo). Os nossos sócios podem até imaginar que a S.B.L dispõe de muitos recursos, ao consultarem nº 36 (1) os nossos extratos na internet. No entanto, quando comparamos os orçamentos de alguns congressos de grandes sociedades científicas brasileiras (exemplo: Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRH) é fácil constatar que a S.B.L ainda tem um longo caminho a percorrer não só em termos de ter uma capacidade de alocar maiores investimentos, mas sobretudo em trabalhar com uma maior antecedência na organização dos nossos grandes eventos científicos. Hoje, o ideal seria se a S.B.L. já tivesse uma comissão organizando o XII C.B.L. Apesar dos percalços, estamos muito felizes com os números parciais de inscrições e envio de resumos ao XI C.B.L. O prazo final para as inscrições e envio de resumos expira-se em 30 de maio, mas os nossos números de hoje (dia 11/5) indicam 1.455 inscrições feitas das quais 381 delas já estão efetivamente pagas. 266 resumos já foram enviados ao nosso portal. O total arrecadado é de R$ 51.020,00 (11/5). O portal da SBL tem se mostrado eficaz para o gerenciamento das inscrições bem como no gerenciamento dos resumos recebidos. Temos tido alguma dificuldade em termos de apoio por telefone aos usuários do portal, um serviço que demanda considerável investimento em mão de obra devidamente treinada para essa finalidade. Esperamos que esse serviço seja disponibilizado pela comissão organizadora, em breve. Outro serviço que será implantado em breve será a introdução do pagamento das inscrições via cartão de crédito VISA o que irá facilitar muito o acesso dos limnólogos estrangeiros ao XI CBL. Embora existam muitos desafios a serem vencidos, estamos confiantes com a equipe que concebeu e vem administrando todo o software de gerenciamento de inscrições e de resumos. Ela foi montada integralmente com estudantes de pós-graduação da UFMG e tem se mostrado competente para administrar e promover contínuas melhorias no sistema. Para que nossos sócios tenham uma idéia do desafio, quase todos os dias o nosso servidor tem sido alvo de ataques http://www.sblimno.org.br 1 de todo tipo de hackers. O sistema desenvolvido tem se mostrado bastante eficiente. Uma série de ferrramentas tais como o back up em disco rígido externo, atualizações de sistema operacional feitas em freqüência diária, vários tipos de firewall e o uso de antivírus mais potentes têm garantido uma grande estabilidade e confiabilidade nos acessos dos usuários do portal da SBL. Apesar de estarmos muito focados na organização do XI C.B.L., um outro aspecto positivo nos chamou a atenção, recentemente. Tratase da constatação do Editor Chefe da Acta Limnologia Brasiliensia, Prof. Raoul Henry, do claro aumento do número de novas submissões que vem ocorrendo em 2007. Esse fato possivelmente reflete toda uma série de medidas que vem sendo tomadas não somente pela diretoria da SBL, mas também pelo editor chefe da revista que somente agora começam a aparecer. Dentre essas medidas, podemos mencionar o suporte dado pelo CNPq à editoração da Acta e a criação da web site da revista que culminou com a sua inclusão no portal da CAPES no início de 2007. Apesar de todos esses avanços, a diretoria entende que a Acta deve mudar em muitos aspectos. Nesse sentido, estamos propondo uma reunião com o editor chefe da revista em junho próximo, em Belo Horizonte. Essa reunião pretende gerar um conjunto de sugestões de melhorias para essa revista que possa ser oferecido para a devida apreciação em nossa próxima Assembléia Geral. Gostaria ainda de lembrar aos nossos sócios que este é um ano muito importante para a S.B.L pois ela está completando 25 anos de vida. A SBL foi fundada em uma reunião da S.B.P.C. em Campinas, no longínquo ano de 1982. Como seria de se esperar, a sociedade passou por bons e maus momentos desde então. Hoje, eu não tenho dúvidas em afirmar que, apesar do grande crescimento em termos quantitativos e de termos atingido metas gloriosas, a S.B.L. ainda necessita de cuidados especiais por parte dos seus associados. Quando eu assumi a S.B.L., em agosto de 2005, o expresidente Fábio Roland já alertava para a atual diretoria sobre a urgência para o estabelecimento de uma sede fixa, com um corpo administrativo estável que garantisse a continuidade na gestão da sociedade. Na atual gestão, não tivemos condições concretizar essa antiga aspiração da S.B.L. Esperamos que a próxima diretoria possa ter as condições para realizar essa importante tarefa. A criação de uma sede fixa é de fundamental importância para toda a vida administrativa da S.B.L. Contamos hoje com um número elevado de sócios e já estamos décima primeira versão de nosso congresso. A simples administração desses dois aspectos já demanda um considerável esforço em termos de trabalho de secretaria. Inúmeras pendências são direcionadas para a diretoria todos os dias. Hoje, sabemos que as grandes sociedades científicas brasileiras já organizam seus congressos até com quatro anos de antecedência. Fora isso, ainda existe a questão da administração do portal de internet que a cada dia fica mais complexo e, em futuro próximo, ele deverá oferecer toda uma série de serviços adicionais tais como novas publicações on line, pesquisas com os sócios, fóruns de discussão e uma variada gama de atividades e novos serviços. Sendo assim, está mais do que na hora da S.B.L. se preparar de forma adequada para esses novos desafios. Não gostaria de terminar esse texto sem antes estimular a todos os limnólogos atuantes no Brasil a comparecerem ao XI CBL em Macaé. Tenho a convicção de que esse será um excelente congresso. Precisamos também do comparecimento do maior número possível de associados em nossa Assembléia Geral da sociedade. A SBL necessita de tomar importantes decisões que somente podem ser tomadas com o apoio de todos. Ricardo Motta Pinto Coelho [email protected] Universidade Federal de Minas Gerais Mensagem do Editor do Boletim Mais um volume com importantes contribuições foi finalizado. A nossa principal novidade é a obtenção do ISSN, o “Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas” para o Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia (BSBL). A obtenção deste número possibilita uma maior Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 2 visibilidade e reconhecimento ao BSBL. Na próxima assembléia da Sociedade Brasileira de Limnologia será discutido se o BSBL continua sendo publicado apenas eletronicamente, se seus artigos deveriam ser submetidos à revisores externos, e quais rumos ele deveria tomar. A seção “Tópicos Especiais” deste volume tem como tema a Microbiologia Aquática. Diversos autores deram excelentes contribuições nesta área, e mais uma vez agradecemos a todos eles. Como recebemos poucas submissões espontâneas sobre outros assuntos, a maioria dos artigos publicados nesta edição refere-se àquele tema. Novamente faço um apelo para que limnólogos colaborem e submetam artigos, comentários e opiniões. O BSBL é mais do que a seção “Tópicos Especiais”. Existe espaço para a publicação de opiniões, comunicações, resumos de eventos científicos, resenhas de livros, novos métodos, dentre outros. Há muito que comentar e discutir sobre Limnologia e temas afins, e todos nós do corpo editorial gostaríamos de incentivar o envio de contribuições para a divulgação de idéias. A próxima edição do BSBL será comemorativa aos 25 anos da Sociedade Brasileira de Limnologia, e o vice-presidente da SBL, Prof. Antonio Camargo, vem gentilmente me auxiliando em sua editoração. Vários limnólogos já estão preparando artigos relacionados à história da Limnologia no Brasil. Estamos também fazendo um levantamento dos congressos, diretorias da SBL e da Acta Limnologica Brasiliensia, dentre outros assuntos. Além disso, alguns limnólogos foram convidados a escrever sobre os desafios e o papel da SBL nos próximos anos. Gostaríamos de pedir a vocês que escrevam dando sugestões de limnólogos brasileiros e estrangeiros que tenham contribuído para o avanço da Limnologia brasileira, bem como enviem artigos, fotos e textos com estórias interessantes para que esta edição comemorativa enriqueça a história da Limnologia e da nossa Sociedade. Mensagem do Editor da Acta Limnologica Brasiliensia Alex Enrich-Prast [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro Raoul Henry [email protected] UNESP- Botucatu Aos colegas, informamos que o apelo feito no último boletim foi atendido. De fato, o número de trabalhos submetido para a revista aumentou substancialmente a partir de 01 de janeiro de 2007. Até a presente data (30 de março 2007), 20 (vinte) manuscritos foram enviados (média acima de 6 por mês). O auxílio pleiteado junto ao CNPq (Programa de Apoio às Publicações) foi aprovado, mas somente receberemos aproximadamente 1/3 (um terço) do montante solicitado. Isto não permite ainda que dispensemos a cobrança-auxílio feita aos autores quando do envio da “prova”. Na realidade, o valor da contribuição dos autores corresponde ao pagamento das separatas. Nesta oportunidade, gostaria de falar sobre o papel dos assessores. A revisão e emissão de pareceres garantem à revista um padrão mínimo de qualidade nas informações científicas que são divulgadas pela revista. Este é um trabalho gratuito desenvolvido por pesquisadores veteranos e jovens com produção já comprovada, selecionados pelo editor em função da temática do trabalho apresentado. Sempre é pedido que se faça a emissão do parecer em um mês, para que se possa manter a continuidade e a regularidade da revista. Muitos atendem a essa solicitação; para alguns, é necessário um lembrete (cobrança!), o que implica num atraso na reformulação do artigo e, por conseqüência, da revista. Uma minoria de assessores não responde, nem devolve os trabalhos, quando eventualmente, por sobrecarga de atividades, doença, férias, viagens ou outro motivo não pode atender a nossa solicitação. Para todos os assessores, faço um apelo por uma agilidade maior e, para a minoria mencionada anteriormente peço, por favor, uma satisfação: devolvam imediatamente os trabalhos quando houver a impossibilidade do atendimento. Tenho certeza que este apelo será entendido por todos. http://www.sblimno.org.br 3 Métodos e Equipamentos Determinação das Taxas Potenciais de Nitrificação em Ambientes Aquáticos O processo de nitrificação é realizado por dois grupos de bactérias aeróbicas obrigatórias e é constituído por duas reações principais: a oxidação da amônia (NH4+) a nitrito (NO2-) e a posterior oxidação deste a nitrato (NO3-). Este processo conecta as fases reduzidas e oxidadas do ciclo do nitrogênio e representa a principal fonte autóctone de substrato para desnitrificação, processo anaeróbico de redução do nitrato a nitrogênio atmosférico (N2). Existem várias metodologias para obtenção das taxas de nitrificação. Isótopos estáveis são utilizados para determinação das taxas reais deste processo, mas esta metodologia necessita da disponibilidade de um espectrômetro de massa, um equipamento relativamente caro. Os espectrômetros de massa quadrupolos, cujo preço é mais reduzido, também têm sido utilizados para trabalhos com isótopos estáveis. Dependendo do objetivo da pesquisa, uma das metodologias mais simples e bastante utilizada é o acompanhamento das concentrações de nitrato ao longo de um período de tempo. Em alguns procedimentos a oxidação do nitrito a nitrato é inibida por acetileno ou nitrapirina e a taxa é obtida através do aumento das concentrações de nitrito (Belser & M ays 1980. Appl. Environ. Microb. 39: 505 a 510). No entanto, o uso de um inibidor ao processo de oxidação do nitrito pode alterar a atividade das bactérias oxidadoras de amônia, dependendo das condições de incubação. O valor potencial representa a taxa máxima de atividade da comunidade presente, que ocorre quando todo o substrato necessário é fornecido em abundância, impedindo qualquer tipo de limitação. Estas geralmente não são as condições naturais e as taxas obtidas não representam a atividade in situ no processo. Entretanto, bactérias nitrificantes possuem taxas de duplicação de no mínimo 8 horas e em incubações curtas não há mudanças na densidade bacteriana. Deste modo, as taxas mensuradas representam a atividade potencial das bactérias presentes no meio e muitas vezes são próximas às taxas reais. Esta taxa potencial é aplicada como um indicativo da densidade da comunidade nitrificante, e pode ser utilizada para demonstrar a importância ou a influência de determinado parâmetro ou fator sobre o processo de nitrificação (Belser 1979. Annu. Rev. Microbiol. 33: 309 a 333; Risgaard-Petersen et al. 2004. Appl. Environ. Microb. 70: 5528 a 5537). Este método pode ser aplicado à água, ao sedimento, ao perifíton ou à rizosfera de macrófitas aquáticas. O objetivo deste artigo foi descrever o procedimento para obtenção das taxas potenciais de nitrificação no sedimento através da variação das concentrações de nitrato após um período curto de incubação. Esta metodologia foi utilizada para avaliar a influência da densidade de algas bentônicas sobre as taxas de nitrificação no sedimento de algumas lagoas do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba em Macaé (estado do Rio de Janeiro). O sedimento pode ser coletado com testemunhos do tipo “core”, reservando-se o primeiro centímetro, visto que é a faixa onde ocorre a maior densidade de bactérias aeróbicas e, conseqüentemente, onde as bactérias nitrificantes estão mais ativas em virtude da disponibilidade de oxigênio (Fig. 1). Sugere-se que o primeiro centímetro de 5 cores sejam incubados separadamente, como réplicas verdadeiras. Deve ser destacado que o sedimento geralmente é um compartimento extremamente heterogêneo, e que o desvio padrão entre as amostras é bastante elevado. Além disso, ressalta-se a necessidade de coleta de água do ambiente para a incubação. Figura 1: Sedimento coletado em um testemunho. O primeiro centímetro do perfil de sedimento aparece em destaque. Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 4 Em laboratório o primeiro centímetro de cada amostra deve ser homogeneizado e uma amostra de volume conhecido (aprox. 2-3ml) é então transferida para um tubo de plástico (tipo “falcon”) de 50ml. Neste tubo acrescenta-se de 20 a 30ml de água do próprio ambiente, a fim de manter as mesmas condições abióticas como salinidade e pH. Adiciona-se então 1ml de NH4Cl (20mM) e 1ml de KH2PO4 (4mM) para que não haja limitação por substrato. Os tubos devem ser submetidos à incubação por 3 a 5 horas em mesa agitadora a 100 rpm de maneira que a mistura água-sedimento mantenha-se oxigenada (Fig. 2). É importante que, para isso, o tubo não esteja totalmente cheio permitindo que a rotação provoque a oxigenação da mistura. Figura 3: Exemplo de regressão linear das concentrações de nitrato produzidas ao longo de 4,5h de incubação. O valor de a (35,5) foi utilizado no calculo da taxa de nitrificação que no caso foi de 177 nmol NO3- cm-3 h-1, que equivaleria a 65 nmol NO3- cm-2 h-1. Figura 2: Disposição dos tubos de mistura na mesa agitadora. Várias amostras podem ser incubadas simultaneamente. Em intervalos que podem ser de 0,5, 1 ou até de 2 horas, alíquotas de 6ml devem ser retiradas e centrifugadas a 5000 rpm (ou mais) para posterior análise das concentrações de nitrato (nitrato + nitrito) do sobrenadante. Esta sub-amostra deve ser rapidamente centrifugada, evitando que o meio se torne anóxico permitindo a atuação de bactérias desnitrificantes. No caso de ambientes húmicos as amostras de NO3- não devem ser acidificadas ou congeladas para evitar a floculação das substâncias húmicas, o que pode eventualmente interferir na determinação das concentrações de nitrato da amostra e provocar a subestimativa das taxas potenciais de nitrificação. O cálculo da taxa potencial é realizado a partir do ângulo de inclinação (α) da reta obtida com a regressão linear das concentrações de nitrato ao longo do tempo (Fig.3), e em função dos volumes de água e sedimento, perifíton ou rizosfera utilizados na incubação. A taxa é então calculada a partir da seguinte fórmula: A taxa potencial de nitrificação é obtida em nmol NO3- cm-3 h-1, onde á é expresso em nmol NO3- L-1 h-1, o volume de água em litros e o volume de sedimento em cm3. Quando as taxas forem obtidas em amostras d’água, estas serão expressas em nmol NO3- L-1 h-1 e quando obtidas em amostras de perifíton, o volume de sedimento pode ser substituído pelos valores de material em suspensão (mg L-1) ou de clorofila-a (µg L-1). Através do volume de sedimento e da área do core utilizado é possível converter os valores e obter a taxa potencial de nitrificação por área de sedimento. O volume total de sedimento coletado corresponde ao conteúdo volumétrico do primeiro centímetro do core de diâmetro conhecido. Este volume corresponde à área do cilindro de 1 cm de altura. A partir deste, calculase a área correspondente aos 2 ml de sedimento utilizados na incubação para se obter o valor potencial de nitrificação por área. Ana Lúcia Santoro [email protected] Alex Enrich-Prast [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro http://www.sblimno.org.br 5 Hibridização in situ Fluorescente (FISH) como Opção de Ferramenta em Ecologia Microbiana Aquática “- Como saber que estão lá, se não posso enxergá-los?” O conhecimento científico sempre esteve ligado às descobertas de novas tecnologias e metodologias. Ciência e tecnologia sempre caminharam juntas e têm importância recíproca uma no avanço da outra. Tratando-se de pesquisas com microrganismos, isto se torna mais evidente. A constatação da existência destes seres vivos só se tornou inquestionável com o advento do microscópio no século XVII. A partir de então, a presença de bactérias vem sendo registrada nos mais diversos ambientes, incluindo os aquáticos. Conseqüentemente à constatação da presença de microrganismos nos ambientes aquáticos, veio sua quantificação, que foi intensificada a partir da contagem direta de bactérias em filtros de membrana (Hobbie et al.1977. Appl. Environ. Microbiol. 33: 1225-1228). Assim, o número e o metabolismo têm revelado a importância dos microrganismos nos ciclos biogeoquímicos e na cadeia alimentar aquática. Durante a quantificação e as medidas de produção e respiração microbiana, este vasto mundo invisível é agrupado dentro de uma “caixa” denominada MICRORGANISMOS ou somente BACTÉRIAS. Nesta “caixa”, são colocadas bactérias de diferentes formas e tamanhos, que podem ou não pertencer ao mesmo grupo taxonômico. Levando em consideração a classificação taxonômica e filogenética, constatamos que a diversidade de microrganismos é grande também nos ambientes aquáticos. Entretanto, nem todos os microrganismos têm a mesma participação na dinâmica destes sistemas, nem todos são abundantes e nem estão distribuídos uniformemente nos mais diversos ambientes aquáticos (Kirchman 2002. FEMS Microbiol. Ecol. 39: 91-100). O que nos leva a seguinte questão: “Como saber quem está lá?”. São várias as metodologias utilizadas para responder esta pergunta. Nos últimos 20 anos, técnicas e métodos de biologia molecular vêm sendo empregados como ferramentas no nível filogenético. Hibridização in situ fluorescente (FISH) como uma opção. O FISH, abreviatura do inglês “Fluorescence In Situ Hybridization”, é uma destas ferramentas da biologia molecular e vem sendo empregada em análise da comunidade microbiana aquática há quase 20 anos (Giovannoni et al. 1988. J. Bacteriol. 170: 720726). É basicamente uma técnica que utiliza marcadores fluorescentes e que permite a identificação filogenética de bactérias de assembléias misturadas sem a necessidade de cultivo prévio. Os marcadores fluorescentes podem ser delineados para serem altamente específicos e reconhecerem apenas um gene ou grupos de espécies. Podem ser construídos a partir de oligonucleotídeos de RNAr (Amann et al. 1990. J. Bacteriol. 172: 726-770), de polinucleotídeos de DNA (DeLong et al. 1999. Appl. Environ. Microbiol. 65: 4973-5563), de RNAtm de plasmídeos ou de RNAm (Zwirglmaier 2005. FEMS Microbiol. Lett. 246: 151-158). Os primeiros e mais utilizados são os marcadores construídos a partir de oligonucleotídeos de RNAr pela propriedade conservativa deste RNA e por estar presente em todos os organismos. Os marcadores podem também ser construídos com diferentes fluorocromos, sendo o Cy3 (carbocianina) o mais utilizado. Ao longo dos anos, esta técnica vem sendo aprimorada, inclusive sendo combinada com outras técnicas. Estas modificações têm permitido uma melhor visualização dos resultados e também uma avaliação da atividade das células identificadas, ligando estrutura e funcionalidade da comunidade microbiana. FISH e algumas combinações 1) CARD-FISH (do inglês: “catalysed reporter deposition”) ou TSA-FISH (Schonhuber et al. 1997. Appl. Environ. Microbiol. 63: 3268-3273): é a técnica que utiliza a deposição de catalizador nos sítios de hibridização com deposição de tiramida (TSA do inglês: “tyramid signal amplification”). Uma melhor visualização das células hibridizadas é Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 6 2) 3) 4) 5) conseguida mesmo em condições de baixa atividade celular. RING-FISH (Zwirglmaier et al. 2004. Mol. Microbiol. 51: 89-96): técnica que permite a detecção in situ de genes individuais ou fragmentos de genes em plasmídeos e DNA cromossômico em uma única célula. Nesta metodologia, utiliza-se uma grande concentração de marcadores polinucleotídeos. Uma estrutura secundária é formada, o que facilita a sintetização de marcadores com seqüências menores e, portanto, mais específicos. Um “anel” (em inglês, “ring” que também é a abreviatura de “recognition of individual genes”) é formado pelo sinal fluorescente entorno da célula marcada. RAINBOW-FISH (Sunamura & Maruyama 2005. FEMS Microbiol. Ecol. 55: 159-166): metodologia desenvolvida para visualização de grupos bacterianos corados com fluorocromos diferentes em uma mesma amostra. Após captura e tratamento de imagens, as bactérias marcadas resultam em sete cores, como um arco-íris. A imagem formada se dá através da coloração, saturação da cor e intensidade de cada fluorocromo. FISH-DC (Maruyama & Sunamura 2000. Appl. Environ. Microbiol. 66: 22112215): técnica baseada na contagem direta das células hibridizadas simultaneamente com diferentes marcadores ligados a diferentes fluorocromos. STAR-FISH, FISH-MAR e MICROFISH (respectivamente, Lee et al. 1999. Appl. Environ. Microbiol. 65: 1289-1297; Ouverney & Fuhrman 1999. Appl. Environ. Microbiol. 65: 1746-1752; Cottrell & Kirchman 2000. Appl. Environ. Microbiol. 66: 5116-5122): são diferentes nomes para as técnicas que combinam o FISH com a microautoradiografia. Estas técnicas permitem identificar qual célula está ativa, ou melhor, qual está absorvendo compostos marcados radioativamente. Essa combinação das técnicas permite ainda saber a qual grupo bacteriano estas células ativas pertencem. Assim, além da análise da estrutura, temos uma análise funcional da comunidade microbiana presente. 6) DVC-FISH (Nishimura et al. 1993. J. Oceanogr. 49: 51-56): a técnica baseiase na incubação das amostras em antibióticos e nutrientes. Os antibióticos utilizados agem na inibição da síntese de DNA. Assim, evitam a divisão celular, permitindo apenas o crescimento em tamanho das células bacterianas. Dessa forma, a quantidade de RNAr intracelular aumenta nas amostras, melhorando a eficiência de detecção das bactérias alvos pelos marcadores específicos. Uma limitação desta técnica é a possibilidade de resistência bacteriana aos antibióticos utilizados. Fundamentos Metodológicos – “Como fazer o “FISH”? Os protocolos de preparação de FISH estão constantemente sendo adaptados às rotinas dos laboratórios, proporcionando diferentes e importantes avanços. Assim como têm contribuindo para aumentar de forma exponencial a disponibilidade comercial de marcadores e de softwares para a construção dos mesmos. Os principais itens que devem ser considerados durante a aplicação da técnica de FISH são: o tipo fixador, o tamanho e seqüência do marcador, a composição do tampão de hibridização e da solução de lavagem, a temperatura de hibridização e o método de contagem (Bouvier & del Giorgio 2003. FEMS Microbiol. Ecol. 44: 3-15). A especificidade de um marcador para se ligar a um sítio alvo depende principalmente das condições de fixação da amostra, hibridização e lavagem. O fixador está diretamente relacionado a permeabilização da célula para a entrada do marcador. O tempo de fixação (1-24 horas) é variável de acordo com o tipo de fixador usado e a origem da amostra a ser analisada. Este tempo é menor para amostras com bactérias ativas. Depois de fixadas, as amostras podem ser estocadas por vários meses até o processo de hibridização. Durante o processo de hibridização propriamente dito, marcadores são adicionados http://www.sblimno.org.br 7 a tampões em concentrações de saturação de formamida para maximizar a ligação à unidade alvo. Diferentes concentrações de saturação são utilizadas para cada marcador. Na hibridização, as amostras são incubadas em elevadas temperaturas em frascos fechados com vapor de tampão de hibridização para evitar alteração na concentração devido à evaporação. A etapa de lavagem, também em altas temperaturas, serve principalmente para retirar o excesso de moléculas dos marcadores, evitando ligações não específicas. A concentração de cloreto de sódio (NaCl) na solução de lavagem varia com o tipo de marcador. A visualização dos resultados pode ser realizada em microscopia de epifluorescência, em microscopia de varredura ou, ainda, em citometria de fluxo. Na Fig. 1, podem-se observar bactérias coradas com DAPI (à esquerda) e bactérias coradas com um marcador específico (à direita) em um mesmo campo observado em microscopia de epifluorescência. – Marine Microbiology. Academic Press, 207226). Na revisão de Bouvier & del Giorgio (2003. op. cit.), a variação de EUB338, o marcador mais comum para identificar o grupo das Eubactérias, foi de 1 a 100% em diferentes trabalhos, com média de 56%. Estes autores acreditam que existe um componente metodológico nesta variação, mas também que existe um componente ambiental forte. O tipo de ecossistema e o grupo filogenético dominante influenciam a proporção das eubactérias. Mesmo assim, melhores instrumentos e facilidades na aquisição de marcadores tem tornado o FISH um método atrativo para ecologistas microbianos, muitas vezes avessos ou resistentes à biologia molecular. Porém, o mais desafiante no uso de FISH em amostras ambientais não está na técnica de corar em si, mas na construção e aplicação de novos marcadores dentro de um contexto particular da comunidade microbiana não conhecida. Lembrando sempre que, antes da técnica vem a pergunta a ser respondida. Da mesma forma que a escolha do nível filogenético apropriado para cada marcador depende da questão específica de cada estudo. Algumas aplicações e contribuições da FISH Fig. 1. Bacterioplâncton corado com DAPI (à esquerda) e corados com probes específicos (à direita). Neste caso, o probe utilizado foi CF319a * para o grupo Cytophaga-Flavobacter. Como qualquer técnica, limitações também existem nos protocolos de FISH. O maior problema seria a baixa intensidade de sinais. Isto pode ser atribuído à permeabilidade insuficiente das células aos marcadores usados (Zwirglmaier 2005. op cit.). As primeiras pesquisas utilizando, com sucesso, esta metodologia para amostras ambientais foram em ambientes altamente eutróficos, onde bactérias crescem rapidamente e melhores sinais de hibridização podem ser observados. Como grande parte das bactérias de ambientes aquáticos são pequenas, com crescimento lento, ou ainda, inativas, a intensidade de sinais de células do bacterioplâncton hibridizadas pode se encontrar abaixo do limite de detecção ou se perder nos altos níveis de fluorescência (Pernthaler et al. 2001. Em Paul (eds). Methodos in Microbiology * * * As informações geradas pelos estudos de ecologia microbiana, utilizando a técnica de FISH sob as mais variadas condições ambientais, têm papel fundamental na identificação da composição da comunidade microbiana em diferentes níveis filogenéticos. Flutuações espaciais e temporais na composição das comunidades microbianas têm sido observadas através da técnica de FISH, mesmo quando a densidade bacteriana total não é alterada. O FISH também tem sido utilizado em estudos que comparam a composição microbiana entre ambientes. Resultados obtidos com FISH confirmam que diferentes grupos de bactérias podem absorver diferentes quantidades e qualidade de matérias orgânica e inorgânica com diferentes taxas de absorção e, ainda, que pode haver Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 8 * * predação seletiva entre os microrganismos. O FISH, com o avanço de metodologias diferenciadas, começa a ser utilizado também para identificação de infecções virais, ou de organismos eucariontes aquáticos. Indicadores microbiológicos de qualidade ambiental mais confiável e de fácil determinação têm sido identificados utilizando marcadores específicos para FISH. -”E o futuro?” A diversidade de microrganismos está diretamente relacionada à diversidade funcional dos microrganismos derivada da complexidade de rotas de matéria e energia e, das cadeias tróficas dos ecossistemas aquáticos. Nós estamos só começando a examinar a ligação entre a função e a estrutura da comunidade microbiana. Portanto, avaliar esta diversidade, independente da metodologia utilizada, torna-se essencial para um melhor conhecimento do sistema. Passamos a perguntar: “-Quem está lá e fazendo o quê?”. Ainda assim, FISH e suas combinações e adaptações continuarão a ser uma opção de ferramenta. ainda por muito tempo. Assim, desde a década passada, quando se verificou que a grande maioria dos microrganismos não estava representada nos experimentos de isolamento, a busca por ferramentas para estudar essa parcela das comunidades microbianas se tornou prioridade para grande parte dos microbiologistas ambientais. Deste modo, técnicas como DGGE, TGGE, FISH, T-RFLP, RISA, ARISA e seqüenciamento de bibliotecas de clone vêm sendo empregadas para avaliar a diversidade microbiana nos mais diversos ambientes. Dessas técnicas, iremos nesse manuscrito detalhar o seqüenciamento de bibliotecas de clones, dando ênfase na montagem de uma biblioteca e seqüenciamento dos clones e ao fim exemplificar algumas metodologias de análise dos dados obtidos. Observe esquema que demonstrando a ordenação metodológica envolvendo a técnica de seqüenciamento na figura 1. Alessandro Del´Duca [email protected] Dionéia César [email protected] Universidade Federal de Juiz de Fora Métodos Moleculares para Análise de Comunidades Microbianas em Ambientes Aquáticos: IV. Seqüenciamento. Hoje, sabemos que cerca de 99% dos microrganismos presentes em qualquer ambiente não são cultiváveis pelas metodologias convencionais e, como as novas metodologias de cultivo estão ainda em sua infância, esse número deve persistir nesta ordem de grandeza Fig. 1: Ordenação metodológica discutidas envolvendo a técnica de seqüenciamento. A primeira etapa de todos os trabalhos envolvendo ecologia molecular é a obtenção dos ácidos nucléicos. Podendo ser tanto o DNA quanto o RNA. A qualidade desse material é crucial na qualidade do resultado final das análises, pois inicialmente, um DNA de má qualidade poderá conter substancias inibitórias das enzimas utilizadas nas técnicas a serem usadas em seguida. Em seguida, existem duas possibilidades de estratégia de clonagem, uma clonagem guiada por seqüência, onde a biblioteca gerada conterá somente incertos de um único gene (amplificado por PCR). Esse tipo de estratégia é muito utilizada http://www.sblimno.org.br 9 para descrever-se a diversidade genética de uma dada comunidade ou comparando comunidades microbianas. Utilizando-se da PCR pode-se gerar bibliotecas de uma ampla gama de genes, entre eles pode-se destacar o rrs que codifica para o rRNA 16S, esse é o gene utilizado na grande maioria dos trabalhos que se utilizam desta metodologia. Podemos citar também diversos genes funcionais ligados a ciclos biogeoquímicos (amoA, nifH, pamoA, etc.) degradação de xenobiontes (catA, tmoA, etc.). A segunda envolve a clonagem aleatória de fragmentos de DNA de origem ambiental. No entanto, como a diversidade bacteriana é muito grande e pouco se conhece ainda sobre o metabolismo da parcela não cultivada desses trabalhos envolvem mais trabalho e também maior custo. Assim, nesse manuscrito só será descrito trabalhos envolvendo clonagem e sequenciamento de produtos de PCR. Com o amplicon obtido por PCR, a etapa subseqüente é a sua purificação. Isso é necessário devido a presença de restos de primers na reação. Como os primers são fragmentos de DNA de tamanho menor que o amplicon da reação, esses tem maior facilidade de se ligar ao plasmídeo assim, ao se realizar a clonagem, esses clones formados por esses insertos seriam falsos positivos. Nessa etapa é indicada a utilização de kits comerciais, pois seu maior rendimento e rapidez facilitam as etapas subseqüentes. Muitos pesquisadores não realizam essa etapa e acabam obtendo poucos falso positivos ao não realizarem essa etapa. Como muitos kits de clonagem de produtos de PCR utilizam a característica da Taq polimerase de acrescentar uma adenina ao terminal 3' ao amplicon ao fim da amplificação além de utilizar polimerases que não apresentam essa função (ex.: Pfu polimerase), é importante realizar uma adenilação desse terminal. Essa reação consiste em acrescentar ATP na presença de polimerase com função de adenilação do 3' dos fragmentos (ex.: Taq polimerase) a um certo volume de amplicon. Com os fragmentos devidamente purificados, é possível prosseguir com a ligação deste ao plasmídeo com uso de kits comerciais. Nessa etapa deve-se prestar atenção a concentração de incerto com relação à concentração de plasmídeo. Os kits comerciais sempre indicam a concentração ideal de incerto e a margem na qual se obterá uma boa quantidade de clones. Ao se montar uma biblioteca de clones de um determinado gene, deve-se evitar que a ligação seja um dos fatores a inserir uma tendência a sua analise, assim é preferível sempre trabalhar na margem superior da faixa desta relação de modo a se obter uma quantidade de clones superior à que será amostrada. Nas indicações de cada Kit devese observar detalhes sobre a ligação, como tempo e temperatura e sempre procurar realizar a ligação de modo a se maximizar a quantidade de clones obtidos no final. A etapa a seguir, a clonagem, pode ser realizada, principalmente, de duas maneiras: eletroporação e “heat-shock”. O primeiro utiliza um choque elétrico para abrir poros na membrana da bactéria por onde o DNA irá entrar. O segundo, baseia-se no uso de incubação das células a frio na presença de cátions divalentes (normalmente cálcio) que iriam formar poros na membrana por onde entrará o DNA através de choque térmico (42°C por 30-60s). A escolha do método vai depender principalmente da infra-estrutura e histórico do laboratório. Infelizmente, no Brasil é muito difícil comprar células competentes de boa qualidade, principalmente devido ao transporte ineficiente do material. Desta maneira, é normalmente necessário realizar a preparação dessas no laboratório o que requer pelo menos um dia de trabalho longo e enfadonho. Essa é a etapa mais complicada e é indicado que seja realizada com supervisão de pessoas com experiência na técnica, pois envolve a organização dos materiais que otimizem o trabalho e aumentem o rendimento da reação e da clonagem. Assim como a preparação de células competentes, durante a clonagem é importante que se tenha ajuda de alguém com bastante experiência com o procedimento. Dessa maneira pode-se assegurar que todos os detalhes estão sendo seguidos para aumentar a eficiência da análise. Posteriormente, o vetor contendo o gene de interesse pode ser inserido na E. coli selecionada de acordo com o tipo de transformação que será realizada (algumas cepas são mais apropriadas para um tipo de transformação que outras). As células transformadas são então inoculadas em meio sólido, contendo antibiótico, esse é acrescentado para seleção das células contendo Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 10 o plasmídeo desejado, pois esse contém gene de resistência ao antibiótico em questão. Isso, porém, não garante que todas as células conterão o inserto, assim um segundo marcador existente nos plasmídeos é examinado, o operon para catabolismo da galactose. Quando algo é inserido no plasmídeo esse gene não pode ser expresso devido ao inserto entrar no meio do gene, sendo assim incapaz de expressar essa característica. Para isso se acrescenta ao meio de cultura X-gal, que é uma molécula de galactose contendo um radical que confere a colônia capaz de utilizar galactose uma coloração azul. Assim, apenas as colônias brancas (cor normal das colonias de E. coli) contem algo inserido no plasmídeo delas. Outro detalhe é o número de clones que seriam necessários para representar um ambiente, vários autores já calcularam esse número e obviamente esse valor varia dependendo do ambiente. Porém, ao se analisar a literatura, podese observar que a maioria dos trabalhos publicados possuem um número de clones que varia de 96 a 300 por amostra. Embora esse valor seja extremamente baixo se comparado com o número de clones teórico que se consideraria ideal para uma amostra ambiental (alguns autores indicam até um milhão de clones para amostras de solo, que apresentam cerca de 10.000 a 100.000 espécies bacterianas em um grama), já se obtém informações o suficiente para se comparar diferentes bibliotecas utilizando-se os métodos que serão descritos abaixo. Um jeito prático e rápido de se manipular os clones é a extração do DNA direto da colônia. Como as E. coli são bactérias Gram negativas que possuem uma parede celular bastante frágil é bastante fácil lisar as células apenas com uma simples fervura, assim pode-se pegar as colônias diretamente da placa e extrair seu DNA após suspende-las em água Milli-Q ou um tampão contendo EDTA. E utilizar esse material para a amplificação por PCR, esse material será em seguida usado para seqüenciamento. O seqüenciamento, normalmente, é realizado pelo método de Sanger, método que se baseia no fato de a polimerase duplicar o DNA adicionando uma nova base a fita de DNA que está sendo alongada pelo oxigênio ligado ao carbono 3' do ultimo nucleotídeo desta. Quando se coloca um nucleotídeo que não apresenta o oxigênio no carbono (dideoxinucleotídeo) a replicação do DNA cessa após sua adição desse. Os seqüenciadores atuais usam esses dideoxinucleotídeos ligados a moléculas de fluorescentes (uma cor pra cada um dos 4 nucleotídeos diferentes) para identificar qual a molécula que está naquela posição. Assim, ao se correr as amostras em eletroforese (gel de acrilamida ou capilar) pode-se separar as moléculas por seu tamanho e identificar o nucleotídeo utilizando-se laser e sensores para captar a fluorescência das moléculas. Assim, somando-se o tamanho das moléculas e o nucleotídeo terminal, pode-se saber a seqüência da molécula em questão. Existem outros métodos de seqüenciamento menos populares. Um, porém, tem se mostrado bastante promissor e foi inclusive empregado no seqüenciamento do genoma do Neanderthal, o Pyrosequencing. Nesse método uma reação de quimioluminescência enzimática ocorre a cada vez que um nucleotídeo é acrescentado a uma fita, e como cada um dos nucleotídeos é disponibilizado para a polimerase em momento diferente é possível saber qual está sendo acrescentado a cada fita a cada momento. Embora este método gere seqüências curtas, se comparado com o método de Sanger, pela sua velocidade e capacidade de seqüenciar um número muitas vezes maior de amostras, ele é capaz de seqüenciar o genoma completo de uma bactéria com apenas uma máquina em menos de uma semana. A parte mais importante, e com certeza onde está a ciência de tudo, é a análise dessa grande quantidade de dados. Inicialmente, vamos imaginar que o objetivo do trabalho é apenas identificar os componentes de uma determinada comunidade. Para isso o ideal seria construir uma biblioteca de seqüências do gene para o rRNA 16S. A ferramenta mais simples e completa para se analisar esses dados é o RDPII (ribossomal database project; http://rdp.cme.msu.edu/). Nesse site se encontram ferramentas diversas que permitem a análise em varias etapas, desde a qualidade da seqüência obtida até classificação e montagem de árvores filogenéticas. Porém, esse site é um tanto incompleto, por sofrer uma curação cuidadosa dos dados lá disponíveis, e portanto ainda não possui em seus bancos alguns grupos de bactérias. Desta maneira é importante também checar a seqüência no bancos de dados http://www.sblimno.org.br 11 não específicos como o Genebank do NCBI (www.ncbi.nlm.nih.org), que embora não curada apresenta um banco de dados mais completo. Caso o objetivo do trabalho seja a comparação das comunidades de dois ou mais ambientes, estão disponíveis algumas ferramentas estatísticas específicas para realizar tais comparações. A primeira e mais completa é o software DOTUR (Distance based OTU and richness determination; http://rdp.cme.msu.edu/ ). Esse software é bastante útil para, como o nome já diz determinar quais sequências são a mesma OTU (operational taxonomic unit). A riqueza de espécies baseado na determinação das OTUs e construção de curvas de rarefação, são usadas para comparar as comunidades. Essa comparação se baseia no número de seqüências necessárias na nossa amostragem para se ter uma boa cobertura da comunidade. Porém, duas comunidade diferentes, mas apresentando diversidade similar vão apresentar um comportamento semelhante em suas curvas de rarefação, sendo assim, necessário uma outra ferramenta para avaliar se duas comunidades são iguais ou diferentes. Uma ferramenta desenvolvida, especificamente, para comparação de duas ou mais comunidades é o Libshuff (http:// whitman.myweb.uga.edu/libshuff.html). Essa analisa o quanto uma determinada amostra representa a outra, ou seja, quanto mais similares forem duas comunidades melhor elas se representaram. Deste modo, a comparação de duas comunidades é feita com base não na diversidade nela contida, mas sim no conteúdo desta. Com esses dados na mão, além dos demais coletados em campo, o pesquisador pode então explicar os eventos observados tanto na comunidade como no ambiente. Infelizmente, ainda é muito difícil analisar por seqüenciamento um número grande de amostras, devido ao custo. No entanto, a cada dia que passa o custo de seqüenciamento é menor, e, um maior número de trabalhos contendo um número maior de amostras seqüenciadas e mais clones por amostra é encontrado na literatura. Por esse motivo, a análise de bibliotecas de clone de amostras ambientais é hoje uma metodologia padrão nos estudos de microbiologia ambiental. Rodrigo Gôvea Taketani [email protected] Natália Oliveira Franco [email protected] Alexandre Soares Rosado [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro Tópicos Especiais Ecologia Microbiana Macroecologia de Microorganismos: Uma Perspectiva Ecológica à Diversidade Microbiana A extraordinária diversidade de espécies é considerada por muitos cientistas como uma das mais intrigantes características da vida na Terra, e um dos principais objetivos da ecologia de comunidades é encontrar explicações para os padrões de abundância e riqueza destas espécies observadas no espaço e no tempo. A distribuição da abundância de indivíduos entre diferentes espécies, a relação entre a distribuição geográfica e a abundância, a variação na diversidade entre diferentes localidades e o aumento da diversidade com o aumento da área, em particular, são temas amplamente abordados em estudos ecológicos. Eles formam parte do campo da Macroecologia (Brown 1995. Macroecology, The University of Chicago Press, Chicago, 269p. ) que se volta para a descrição e interpretação de padrões ecológicos mais amplos. Estes padrões fornecem importantes pistas sobre os mecanismos que influenciam a estrutura das comunidades e são fundamentais para estabelecer prioridades em conservação. Relações espécies-área, distribuições de abundância relativas, padrões espaciais de ocupação foram extensivamente discutidos teoricamente e verificados em campo, porém a maioria do conhecimento gerado deriva de estudos com plantas e animais. Poucos são os Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 12 estudos que forneçam este tipo de informação a respeito de comunidades microbianas, embora microorganismos detenham talvez a maior parcela da biodiversidade de todo planeta e exerçam um papel decisivo nos ciclos biogeoquímicos e no funcionamento de ecossistemas. É possível que a falta de perspectiva ecológica da diversidade bacteriana tenha origem nas restrições técnicas da microbiologia. Quantificar a diversidade bacteriana representa um grande desafio. A maioria dos microorganismos procariontes e eucariontes não podem ser identificados morfologicamente e o uso de métodos de cultura revela apenas uma fração da diversidade real. Recentemente, com o avanço de técnicas moleculares na identificação dos microorganismos, alguns pesquisadores iniciaram estudos mais precisos sobre a abundância e a diversidade bacteriana (Head et al. 1998. Microbial Ecology 35:1-21). Por exemplo, a partir de técnicas moleculares, Lambais et al. (2006. Science 312) quantificaram a riqueza microbiana associada às folhas de árvores tropicais (filosfera) e, através de extrapolações estes alcançaram o número de 2 a 13 milhões de novas espécies de bactérias. Uma das questões mais importantes em estudos biogeográficos tradicionais é determinar a importância relativa dos fatores ambientais locais e dos eventos históricos regionais nos padrões de distribuição das espécies. Se considerarmos a distinção entre províncias e habitats, quatro diferentes hipóteses podem ser traçadas a respeito da diversidade microbiana (Fig. 1). No entanto, historicamente foi estabelecido que devido seu pequeno tamanho e grande abundância populacional, microorganismos apresentariam altas taxas de dispersão, o que implicaria na anulação de eventos evolutivos e ecológicos do passado. Portanto a biogeografia microbiana seria influenciada apenas pela variação das características ambientais contemporâneas, historicamente conhecida como a hipótese de Baas-Becking “todos estão em todos os lugares – o ambiente seleciona”. No entanto, assim como plantas e animais, estudos recentes mostram que a diversidade microbiana pode ser influenciada tanto por processos históricos quanto por fatores ambientais. Alguns estudos realizados tanto em ambientes aquáticos quanto terrestres encontraram correlações entre a composição da comunidade e características ambientais, como concentração de matéria orgânica, salinidade e profundidade. Estes estudos evidenciam que a heterogeneidade espacial pode ser determinante para os padrões espaciais da diversidade de microorganismos, embora pouco se saiba sobre o efeito destas variáveis no número de taxa da comunidade. Em contrapartida, o isolamento geográfico tanto em escala global (entre continentes) quanto local (entre habitats) foi responsável por influenciar padrões biogeográficos de comunidades microbianas que habitam fontes termais, não apresentando qualquer correlação com variáveis ambientais, evidenciando desta forma certo provincianismo. Apesar da maioria dos estudos se focarem em avaliar estes mecanismos isoladamente, um crescente número de trabalhos que avaliam ambos os processos apontam que tanto a heterogeneidade ambiental quanto fatores históricos podem atuar simultaneamente na estruturação de comunidades microbianas numa escala local. No entanto, a despeito do aparente avanço na identificação dos mecanismos que atuam na estruturação destas comunidades, pouca atenção foi dada ao papel das interações entre as espécies neste contexto. Talvez isto se deva a um legado histórico da ecologia geral, apenas Fig. 1: Quatro hipóteses sobre a contribuição dos fatores históricos e ambientais na biogeografia microbiana. Características ambientais e históricas influenciariam a diversidade microbiana se a similaridade biótica for correlacionada com a similaridade ambiental ou com a distância geográfica respectivamente. A palavra província refere-se a uma região em que a diversidade resulta de conexões passadas e isolamento com outras regiões. Já a palavra habitat refere-se ao conjunto de variáveis bióticas e abióticas locais que influenciam a composição microbiana. (adaptado de Martiny et al. 2006. Nat. Microbial Rev. 4: 107-112). http://www.sblimno.org.br 13 em meados da década de 60, após o desenvolvimento da teoria clássica de competição, é que as interações entre as espécies passaram a ser consideradas como um importante fator estruturador das comunidades. Por apresentarem curtos tempos de geração e facilidades metodológicas quanto sua manipulação, microorganismos podem se tornar valiosas ferramentas na avaliação do papel das interações bióticas na comunidade e assim contribuir de forma decisiva para consolidar, ou não, a importância das interações na teoria ecológica. A relação espécies-área (relação entre a riqueza de espécies e a área amostrada –REA), um dos padrões mais estudado em ecologia, nos fornece evidencias adicionais da biogeografia de microorganismos. Embora nenhuma relação espécies-área possa ser generalizada para todos os habitats, grupos taxonômicos ou escalas espaciais, uma função potencial (S=cA z) é freqüentemente empregada. Valores empíricos de “z” (taxa do aumento do número de espécies com o aumento da área) para plantas e animais variam em torno de 0,10 a 0,35 considerando habitats contínuos e ilhas. Já os valores de “z” observados para bactérias e outros microorganismos geralmente encontram-se abaixo de 0,10, embora valores mais altos (0,26) foram observados em estudos realizados em corpos aquáticos descontínuos (Bell et al. 2005. Science 308). Algumas razões foram apontadas para explicar os baixos valores de “z” na relação entre a diversidade microbiana e a área quando comparados com os obtidos para plantas e animais. A maioria dos trabalhos com microorganismos que investigaram a REA a fez em habitats contínuos com baixa heterogeneidade onde a colonização de áreas adjacentes rapidamente homogeneíza a comunidade, conseqüentemente, diminuindo o valor de “z”. Outro fator importante é a resolução taxonômica empregada em trabalhos com microorganismos. Valores de “z”, em geral, aumentam com o aumento da resolução taxonômica. A definição operacional de unidade taxonômica mais comumente utilizada para bactérias assume 70% de homologia do genoma. Se o mesmo critério fosse aplicado para macroorganismos, lêmures, chimpanzés, gorilas e seres humanos seriam considerados uma única espécie. Apesar das semelhanças qualitativas (relação positiva) entre a REA para micro e macroorganismos, as diferenças quantitativas observadas ainda não possuem uma explicação definitiva, o que encoraja um maior número de estudos que visem desvendar que características e processos contribuem para estas diferenças. O esforço de se compreender a diversidade microbiana não se limita em apenas determinar padrões, mas descobrir os processos que geram tais padrões. Isto implica basicamente em entender como os processos de dispersão, especiação e extinção se dão no nível microbiano. Baseando-se em propriedades alométricas e excetuando o processo de dispersão ativa, acredita-se que dado seu tamanho de corpo, microorganismos apresentem maiores taxas de dispersão e densidade populacional, além de apresentarem maior potencial para rápida diversificação genética e baixas taxas de extinção. Deste modo, alguns aspectos biogeográficos podem ser comuns para todas as formas de vida (plantas, animais e microorganismos), mas existem determinados aspectos que são únicos aos microorganismos e portanto, os processos que influenciam sua diversidade seriam fundamentalmente diferentes daqueles observados para organismos de maior tamanho. Historicamente a ecologia microbiana como disciplina desenvolveu-se separada da ecologia geral, nascendo como uma subdisciplina da microbiologia ambiental e apresentando suas próprias abordagens e perspectivas. O resultado final desta separação é a falta de bases sólidas teóricas a ecologia microbiana e, por outro lado, a ausência dos microorganismos na construção do conhecimento ecológico. A perspectiva ecológica sobre a diversidade bacteriana se faz crucial para a união entre estas duas disciplinas. Embora os detalhes individuais de cada organismo e de sistemas ecológicos tenham sua relevância, ecólogos em geral ganhariam mais ao tentar desvendar os padrões e processos que regem a natureza (Lawton 1999. Oikos 84: 177–192). Portanto, Uma visão sintética da ecologia microbiana, de animais e de plantas não é apenas possível, mas fundamental para o aprimoramento e desenvolvimento das bases teóricas do conhecimento ecológico geral. Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 14 Vinicius Fortes Farjalla [email protected] Rafael Dettogni Guariento [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro Bactérias Magnetotáticas Bactérias magnetotáticas ou magnéticas são microrganismos que se orientam e navegam propelidas pelos seus flagelos ao longo das linhas de campos magnéticos devido às partículas denominadas magnetossomos. Os magnetossomos são considerados organelas formadas por um cristal magnético envolvido por uma membrana lipo-protéica. Cada cristal é composto pelo óxido de ferro magnetita (Fe3O4) ou pelo seu isomorfo magnético de enxofre, a greigita (Fe3S4). No interior de cada célula, os magnetossomos formam cadeias, de 10 a 30 partículas, que impõem à célula bacteriana um momento de dipolo magnético capaz de orientála ao longo das linhas de um campo magnético, tal como o campo geomagnético ou mesmo um campo externo aplicado. Os magnetossomos bacterianos são caracterizados pela distribuição de tamanho restrita à faixa dos 50 a 200nm, pela morfologia e hábitos cristalinos únicos. Eles são espécieespecíficos, ou seja, cada espécie bacteriana produz invariavelmente o mesmo tipo de magnetossomo, embora haja exceções. As bactérias magnetotáticas são capazes de sintetizar cristais magnéticos de magnetita ou greigita, a temperatura e pressão ambientes, por processos desconhecidos, porém muitos menos drásticos do que aqueles atualmente empregados na síntese inorgânica de compostos magnéticos. Os magnetossomos não são encontrados na natureza oriundos de fontes não-biológicas, além de não serem reproduzidos por processos inorgânicos de síntese. A formação de cristais altamente organizados, com características magnéticas e cristalográficas altamente definidas, é um exemplo marcante de um processo de mineralização biologicamente controlado, que tem estimulado pesquisas em diversas áreas desde a sua descoberta. Acredita-se que a membrana biológica que circunda cada magnetossomo seja a principal estrutura envolvida na sua formação e que várias proteínas presentes na membrana desempenhem papel fundamental na síntese e na disposição dos magnetossomos na célula (Bazylinski & Frankel, 2004. Nat. Rev. Microbiol. 2: 217-230). Os mecanismos de formação dos magnetossomos podem ser relevantes para a síntese de biomateriais avançados, com propriedades definidas. As principais características que tornam os magnetossomos atraentes do ponto de vista biotecnológico são: propriedades magnéticas e cristalográficas perfeitas; presença de uma membrana envolvendo cada cristal, o que permite o acoplamento químico de substâncias de interesse; alta pureza química; distribuição de tamanhos estreita e controle biológico de formação. Aplicações biotecnológicas e comerciais de magnetossomos já foram sugeridas, incluindo a manufatura de meios magnéticos para a indústria, separação celular e aplicações médicas como agente de contraste em ressonância magnética (Schüler & Frankel, 1999. Appl. Microbiol. and Biotech. 52: 464-473). Portanto, o entendimento da estrutura, composição e mecanismo de formação dos magnetossomos é de interesse crucial para o desenvolvimento de futuras aplicações tecnológicas. A formação dos magnetossomos bacterianos é um bom modelo para o estudo de biomineralização de materiais magnéticos e biomagnetismo em outros organismos, uma vez que cristais de magnetita semelhantes aos encontrados nos magnetossomos foram encontrados em uma grande variedade de organismos superiores, incluindo seres humanos (Kirschvink et al. 1992. Proc. Nat. Acad. Sci. USA 89: 7683-7687). Recentemente, partículas de magnetita ultra-finas de um meteoro de origem marciana, que lembram os cristais dos magnetossomos em bactérias recentes, foram citados como evidência para que a vida tenha tido uma origem extraterrestre, em Marte (Thomas-Keprta et al., 2000. Geochim. et Cosmochim. Acta 64: 4049-4081). http://www.sblimno.org.br 15 Nos ambientes aquáticos, acredita-se que as cadeias de magnetossomos são usadas para navegação na coluna d’água ou entre os grãos do sedimento, utilizando o fraco campo magnético da Terra. No hemisfério Norte, o campo magnético aponta para baixo (Fig. 1). Quando as bactérias obtêm a informação de que estão em um ambiente oxidante elas nadam para baixo, no mesmo sentido Fig. 1: Presume-se que o fenômeno da magnetotaxia seja fundamentalmente igual nos dois hemisférios: a bactéria utiliza o campo geomagnético (B geo) como um eixo para encontrar eficientemente concentrações ideais de compostos redutores e oxidantes, geralmente na Zona de Transição Óxica-Anóxica (ZTOA) de ambientes estratificados. A orientação magnética dos magnetossomos no interior de cada bactéria é oposta em cada hemisfério, como mostrado pelas setas dentro de cada célula. O sentido do nado é modificado pela mudança no sentido de rotação flagelar. (Figura modificada de Bazylinski & Frankel, 2004. Nat. Rev. Microbiol. 2: 217-230). do campo geomagnético. Se, ao contrário, a informação é de que elas estão em um ambiente redutor, a bactéria inverte o sentido de rotação do flagelo e nada para cima, antiparalelo ao campo geomagnético. No hemisfério Sul, o campo magnético da Terra aponta para cima. Como as bactérias preferem os mesmos ambientes, em condições oxidantes, elas também nadam para baixo, mas agora antiparalelo ao campo geomagnético. Já em condições redutoras, elas nadam para cima, paralelamente ao campo magnético da Terra. A propriedade de orientação e navegação ao longo das linhas de campos magnéticos exibida por bactérias é conhecida como magnetotaxia e as bactérias que a apresentam são denominadas bactérias magnetotáticas (Fig. 1). De uma maneira geral, nos dois hemisférios, as bactérias magnetotáticas tendem a parar em ambientes com pouco ou nenhum oxigênio. No equador geomagnético encontram-se os dois tipos em quantidades aproximadamente iguais. A detecção de bactérias magnetotáticas é relativamente simples podendo ser feita com um ímã comum e um microscópio de luz. Uma gota contendo sedimento e água do local de coleta é colocada sobre a lâmina no microscópio e um ímã é posicionado ao lado da amostra. Após alguns minutos, as bactérias magnetotáticas estarão acumuladas na borda da gota mais próxima ou na oposta ao ímã. Invertendo o ímã, as bactérias magnetotáticas nadam para o outro extremo da gota. Quando as bactérias morrem, elas não se deslocam, mas giram em torno do próprio eixo, devido ao seu alinhamento passivo ao campo magnético aplicado. Como as bactérias magnetotáticas se orientam e nadam conforme o sentido do campo magnético, podemos isolar bactérias magnetotáticas de vários ambientes. Na fig. 2 são apresentadas algumas bactérias magnetotáticas e suas estruturas. O cultivo em laboratório de bactérias magnetotáticas é muito difícil. Até hoje umas poucas cepas de espécies pertencentes a um espirilo do gênero Magnetospirillum e alguns isolados de cocos e víbrios são mantidos em culturas puras. Fisiologicamente, as bactérias do gênero Magnetospirillum são desnitrificantes, utilizando oxigênio e nitrato como aceptores terminais de elétrons. A fixação do nitrogênio Fig. 2: Bactérias magnetotáticas encontradas nas lagoas Encantada e do Robalo, no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, por microscopia eletrônica de transmissão. (a) Cocos magnetotáticos, vistos também por microscopia óptica (detalhe); (b) Uma célula que se soltou de um morfotipo semelhante ao MMP; (c) Bacilos magnetotáticos e (d) Espirilo magnetotático. As setas apontam os magnetossomos, que podem ser arredondados, prismáticos ou em forma de ponta de lança. As cabeças de seta em (a) e (b) mostram os flagelos e os asteriscos em (c) indicam as inclusões citoplasmáticas. Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 16 pode ser uma capacidade muito útil na zona de transição óxica-anóxica, onde fontes de nitrogênio fixado podem ser limitadas e, portanto, alvo de intensa competição. Algumas bactérias magnetotáticas crescem autotroficamente; outras parecem ser heterotróficas anaeróbicas, reduzindo sulfato ou ferro. No entanto, alguns métodos independentes de cultivo podem ser utilizados para estudar a diversidade, ecologia e geoquímica das comunidades de bactérias magnetotáticas no ambiente, assuntos hoje pouco conhecidos. Ainda há dúvidas se a magnetotaxia ou a síntese dos magnetossomos são subprodutos do metabolismo energético, mas há indícios que a síntese de magnetita não possa prover energia suficiente para o crescimento celular. De qualquer forma, é possível que a quantidade significativa de energia investida pelas bactérias para captar grandes quantidades de ferro e biomineralização dos magnetossomos possa ter vantagens adicionais à magnetotaxia. Recentemente, os aspectos ecológicos das bactérias magnetotáticas começaram a ser estudados. O papel das bactérias magnetotáticas no ciclo do ferro sempre foi cogitado, em função do grande acúmulo citoplasmático desse elemento nos magnetossomos. Elas podem ser as maiores contribuintes não reconhecidas para os fluxos mais importantes de ferro reduzido no ambiente. No entanto, tem-se pouca informação nesse sentido. Talvez a biomassa bacteriana retenha concentrações nanomolares de ferro. Também se especula o envolvimento dessas bactérias com os ciclos de enxofre, nitrogênio e carbono. Sabe-se, contudo, que as bactérias magnetotáticas habitam preferencialmente ambientes marinhos estratificados nas colunas d’água ou sedimento, e ambientes de água doce, podendo chegar a números relativamente grandes, 104 células/mL, na interface óxica-anóxica e em regiões estritamente anóxicas ou em ambas. Há apenas um relato de bactérias magnetotáticas em solos alagados. Em ambientes de água doce encontramse apenas bactérias produtoras de magnetita, enquanto que em ambientes marinhos já foram descritas produtoras de magnetita e de greigita. Acredita-se que a zona de transição óxicaanóxica seja uma região propícia à ocorrência de reações redox espontâneas ou mediadas por microrganismos. As bactérias magnetotáticas são típicas bactérias de gradiente, pois obtém energia para o crescimento da proximidade entre compostos redutores e oxidantes na interface química e ocorrem em finas camadas horizontais, transversais ao gradiente vertical. Pela sua relação com o elemento ferro, as bactérias magnetotáticas podem estar envolvidas pelo menos em reações químicas com o par FeII/FeIII. Em estudos com microcosmos, as bactérias magnetotáticas são mais abundantes nas condições subóxicas imediatamente abaixo da interface óxica-anóxica. Em Salt Pond, Massachusetts, foram realizados os primeiros experimentos correlacionando a presença de bactérias magnetotáticas com as condições abióticas do local (Simmons et al. 2004. Appl. Environ. Microbiol. 70: 6230-6239). Foi observado um gradiente decrescente de oxigênio de acordo com o aumento da profundidade por causa do consumo de matéria orgânica por organismos heterotróficos aeróbicos. Uma quimioclina de extensão variável se desenvolve onde o oxigênio acaba, produzida pelo fluxo ascendente de sulfeto continuamente gerado pelas bactérias redutoras de sulfato na região anóxica. Um pico de ferro reduzido particulado está presente no topo da quimioclina, devido ao fluxo desse ferro em direção às águas com oxigênio. Os cocos magnetotáticos são as bactérias magnetotáticas predominantes nessa profundidade. Já na base da quimioclina, podese observar um pico de ferro reduzido dissolvido, pois as concentrações de sulfeto são insuficientes para seqüestrar o ferro em sulfetos sólidos. Relacionados a esse pico, estão os microrganismos multicelulares magnetotáticos (MMM), um conjunto de bactérias magnetotáticas que apresenta características de multicelularidade. Entre a zona rica em cocos e a rica em MMM estão as cadeias de diplococos (“barbells”) que vivem supostamente na região de menor concentração de oxigênio e sulfeto. Um pouco abaixo dos MMM estão os bacilos, que são as bactérias magnetotáticas que requerem maiores concentrações de sulfeto. A concentração mínima de ferro dissolvido para a presença de bactérias magnetotáticas em qualquer parte da quimioclina ainda é desconhecida. A presença de oxidantes e redutores na quimioclina, assim como o gradiente físico de densidade entre as águas mornas da superfície e as águas frias da base, http://www.sblimno.org.br 17 resultam em um alto número de bactérias e placas densas de microrganismos fototróficos anaeróbicos onde há luz disponível. A classificação das bactérias foi feita com bases morfológicas porque ainda não foram estabelecidos genes para a detecção e identificação das bactérias magnetotáticas a partir de amostras naturais. Não foi estudado nessa ocasião o fluxo de ferro para fora da quimioclina, mas os protistas predadores podem colaborar com essa exportação. Esse trabalho forneceu evidências que a composição química do ambiente pode ser tanto o número total de bactérias magnetotáticas como a abundância relativa das diferentes espécies. Sugeriu-se que magnetossomos fossilizados das bactérias magnetotáticas pudessem se tornar indicadores paleoambientais em registros rochosos ou de sedimentos, visto que os magnetossomos têm características morfológicas que os distinguem de minerais inorgânicos e podem ser responsáveis por parte considerável do magnetismo remanescente de registros fósseis. O maior fator limitante ao uso dos magnetossomos como paleo-indicadores é a falta de informações quantitativas sobre os ambientes redox, favorecendo a produção de greigita ou magnetita pelas bactérias nos dias de hoje, para que essa informação possa ser extrapolada para paleoambientes. Pouco ainda se sabe sobre a biologia das bactérias magnetotáticas, mas certamente a abordagem multidisciplinar que esses microrganismos proporcionam tem contribuído para a elucidação desse fascinante fenômeno microbiológico. Thaís Souza Silveira [email protected] Ulysses Lins [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro Cadeia Microbiana Heterotrófica em Fitotelma A família Bromeliaceae, muito representativa em restingas (Araújo 1992. Em Seeliger (eds.) Coastal plant communities of Latin America. Academic Press, San Diego, p.337-347), pode formar microhábitats para diversos grupos de organismos. Esse fato é devido à capacidade das bromélias em guardar umidade na base das folhas e, dependendo da espécie, formar um reservatório de água no centro da sua roseta. Bromélias da espécie Neoregelia cruenta tipicamente formam fitotelma. Esta espécie apresenta diferentes morfotipos que se encontram muitas vezes dispostos em famílias com estágios de vida distintos, isto é, apresentam indivíduos jovens, adultos e senescentes em um mesmo estolão. Muitos estudos relacionando comunidades de macrofauna que habitam bromélias já foram realizados, porém pouco se conhece ainda sobre a comunidade microbiana em fitotelma de bromélias. Brighigna et al. (2000. Rev. Biol. Trop. 48: 511-517) determinaram a densidade de bactérias e fungos associados a folhas de bromélias do gênero Tillandsia, comparando plantas encontradas em áreas poluídas e não poluídas da cidade de San José, Costa Rica. A importância da alça microbiana para os ambientes aquáticos faz com que estas bactérias devam ser avaliadas e quantificadas na teia alimentar, visto que insere uma nova visão da atividade microbiana em todos os ambientes. Segundo a teoria de Biogeografia de Ilhas de MacArthur & Wilson (1963. Inter. J. Org. Evol. 54: 970 – 984), o tamanho e a idade de uma ilha podem determinar a sua abundância e riqueza de organismos. Diante desta teoria, caso ela seja aplicada a fitotelmas como ilhas, temos que: bromélias com maior volume de fitotelma, tenderiam a ter maior riqueza de espécies e que em bromélias mais velhas, este padrão se repetiria. Temos que a teoria de Biogeografia faz referencia também a distância da ilha em relação ao continente, considerando este como uma fonte de espécies. Desta forma, ilhas mais próximas ao continente, teriam uma maior abundância e riqueza de espécies que uma ilha mais distante. Por não haver aparentemente, relação entre esta afirmação com o presente trabalho, decidimos não analisá-la. O objetivo deste estudo foi avaliar a cadeia microbiana heterotrófica em fitotelma de Neoregelia cruenta em diferentes estágios de Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 18 vida, além de verificar se a teoria de Biogeografia de Ilhas também se aplica ao fitotelma. As coletas foram realizadas em matas de dominância de Clusia sp. no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, município de Macaé, Rio de Janeiro, em agosto de 2006. Foram escolhidas céls.105.mL-1. Nas bromélias adultas, a densidade variou entre 3 e 77 céls.105.mL-1, enquanto as bromélias jovens apresentaram valores entre 2 e 5 céls.105.mL-1. Foi observada uma correlação entre a densidade bacteriana e a estágio de 120 Tab. I : Caracterização das bromélias e fitotelma encontrada em N. cruenta. 110 Família 1 2 3 4 5 S1 A1 J1 S2 A2 J2 S3 A3 J3 S4 A4 J4 S5 A5 J5 85 73 35 54 70 22 65 56 34 59 59 33 61 60 36 4,5 5,5 5,5 3,5 4,0 3,5 4,5 5,0 6,5 3,0 5,0 5,0 2,5 4,0 3,5 19,5 18,5 15,0 21,5 23,0 13,0 25,0 18,5 16,0 18,5 16,0 12,0 18,5 20,0 13,5 24,6 25,3 24,7 28,0 26,5 24,2 25,4 25,8 28,7 29,3 28,8 29,3 29,4 3,3 2,7 4,2 6,4 3,4 4,1 3,6 4,4 3,6 5,3 3,0 2,8 5,4 Volume (mL) pH 110 250 60 80 100 30 100 70 90 55 180 40 35 100 40 7,2 6,2 5,8 3,7 5,1 4,8 4,1 5,3 5,0 4,0 5,2 5,0 7,5 7,1 4,6 aleatoriamente cinco famílias de bromélias em que se encontravam pelo menos três indivíduos distintos quanto ao ciclo de vida (um jovem, um adulto e um senescente), totalizando 15 bromélias. A altura e volume de água encontrado foram os parâmetros utilizados para caracterizar as bromélias quanto a sua estrutura física. A caracterização das bromélias e dos fitotelmas encontra-se na Tab. I. As amostras retiradas das bromélias foram acondicionadas em frascos. As alíquotas para a análise de densidade bacteriana foram fixadas com formalina 40 % , filtradas e coradas com DAPI. Então, 20 campos aleatórios foram analisados em microscópio de epifluorescêcia Olympus IX-71. Para a análise da comunidade zooplanctônica, as amostras foram fixadas com formalina 4% e concentradas em rede de 68 mm. Posteriormente, foram analisadas quantitativamente através de uma câmara de Sedgwick-rafter em microscópio óptico Olympus BX-41. Testes estatísticos de regressão linear, ANOVA e Teste de Tukey foram realizados no programa Statistica 6.0. A densidade bacteriana nas bromélias senescentes apresentou valores entre 3 e 120 Densidade Bacteriana (cels.10 5/mL) 100 Altura Diâmetro Perímetro base Temperatura Oxigênio Bromélia 0 (cm) tanque (cm) (cm) (mg/L) ( C) 90 80 70 60 50 40 30 20 Mediana 25%-75% Whiskers 10 0 S A J Fig. 1. Box Plot da densidade bacteriana (cels.105/mL) nos diferentes estágios de senescência (S = senescente, A = adulto, J = jovem). senescência das bromélias (p<0,05). O teste de Tukey mostrou que a densidade bacteriana apresentou diferença entre jovens e senescentes (Fig. 1 e Tab. II). A densidade bacteriana não apresentou diferença entre as cinco famílias analisadas (p>0,05). A densidade bacteriana foi dez vezes maior nas senescentes quando comparada aos indivíduos jovens da mesma família, o que pode ser explicado pela Teoria de Biogeografia de Ilhas (MacArthur & Wilson 1963 op. cit.). Entretanto, alguns trabalhos questionam se realmente existe uma biogeografia Tab. II: Densidade (ind/mL) e riqueza de táxons de organismos zooplanctônicos e densidade de bactérias (céls.105/mL) nas bromélias estudadas. Densidade Família Bromélia Nematódeo Tacameba Zooplanctônica 1 2 3 4 5 S1 A1 J1 S2 A2 J2 S3 A3 J3 S4 A4 J4 S5 A5 J5 http://www.sblimno.org.br 42,0 0,0 0,4 0,0 0,8 0,0 0,2 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1 0,0 11,3 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 1,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,2 0,0 0,0 5,1 0,6 29,4 0,6 1,0 0,2 0,5 1,4 0,3 0,3 0,3 1,5 2,9 3,8 0,5 Riqueza de Densidade táxons do Bacteriana Zooplâncton 4 5 4 5 8 4 6 3 4 4 4 1 5 6 4 120 5 3 116 59 5 61 77 2 3 3 4 76 4 4 19 microbiana, já que potencialmente os microrganismos conseguiriam estar dispersos por todos os ambientes. As barreiras geográficas seriam, de certa forma, irrelevantes para distribuição espacial das bactérias. No entanto, nem todos os taxas microbianos estariam distribuídos em mesma proporção pelos ambientes (Dolan 2005. Aquat. Microb. Ecol. 41: 39-48; Dolan 2006. J. Biogeogr. 33: 199-200). O padrão da distribuição da densidade bacteriana não foi observado para a comunidade zooplanctônica. Os rotíferos foram encontrados em todas as bromélias (exceto em um indivíduo jovem). As fases larvais de insetos, organismos que apresentaram menor densidade, foram encontradas apenas em indivíduos jovens. As análises da comunidade zooplanctônica não demonstraram relação entre o estágio de senescência das bromélias e a riqueza de espécies, e nem relação entre as cinco famílias estudadas e a riqueza de espécies (p>0,05). Mesmo assim, observou-se que as bromélias adultas e senescentes apresentaram maior riqueza de grupos zooplanctônicos do que as jovens. O que pode ser explicado por serem ambientes ecologicamente mais maduros, portanto mais estáveis, logo suportariam uma maior diversidade. Dolan (2005. op. cit.) afirma, em sua revisão, que a riqueza taxonômica de microrganismos cresce com o tamanho do sistema e a composição da comunidade pode se relacionar com os corpos de água vizinhos. Entre as famílias de bromélias analisadas, encontramos maiores densidade bacteriana e riqueza de espécies zooplanctônicas na família 2. Em contra partida, a família 4 apresentou os menores valores para estas mesmas variáveis (Tab. II). Através da análise de regressão linear simples, foi observada correlação positiva entre densidade bacteriana e densidade de nemátodos e de tecamebas (p<0,05). Resultados diferentes foram encontrados por Mayhew & Stephenson (1997. Environ. Technol. 18: 883-892). Estes autores, observaram que o crescimento de protozoários, rotíferos, nematódeos e oligoquetas reduzem a biomassa bacteriana por predação. A disponibilidade de nutrientes e a predação controlam não apenas a densidade bacteriana total, bem como a estrutura, a atividade e o crescimento desta comunidade (Gasol et al. 2002. Limnol. Oceanogr. 47: 62-77; Simek et al. 2005. Appl. Environ. Microbiol. 71: 2381-2390). Também foi observada ausência de correlação entre as densidades das comunidades bacteriana e zooplanctônica (p>0,05). Entretanto, a menor densidade bacteriana foi encontrada na bromélia onde a densidade de ciliados foi a maior. Através das relações encontradas no estudo de fitotelma de N. cruenta, podemos sugerir que a teoria de Biogeografia de Ilhas também é aplicável neste microhabitat. Assim como, sugere que a alça microbiana é importante na manutenção e sustentação deste ambiente. Agradecimentos Agradecemos ao Dr. Carlos Eduardo Grelle, coordenador do Curso de Campo do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro realizado em Macaé (RJ) no ano de 2006, e a todos os professores que colaboraram com essa disciplina. Agradecemos ao auxílio dos alunos do curso no trabalho de campo. Agradecemos ao Msc. Marcos Figueiredo pela ajuda nos métodos estatísticos e a Priscila Gomes Rosa pela colaboração na identificação da comunidade zooplanctônica. Agradecemos ao Dr. Alex Prast e à Dra. Dionéia Cesar pelas valiosas sugestões para a realização deste trabalho. Carlos Henrique Duque-Estrada [email protected] Alessandro Del´Duca [email protected] Universidade Federal de Juiz de Fora Aplicações da Citometria de Fluxo na Ecologia Microbiana A ecologia microbiana pertence a uma nova linha que tem se desenvolvido bastante com a aplicação de tecnologias modernas voltadas para outras áreas. Uma delas é a citometria de fluxo (FCM, do inglês Flow Citometry). Originalmente desenvolvida para o estudo de células de sangue e câncer (Shapiro 2003. Practical Flow Cytometry, John Wiley & Sons, 4th ed., 736p.), a Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 20 Fig. 1: (a) Detalhe da formação do fluxo laminar. (b) Esquema da iluminação da amostra por um laser, e o espalhamento frontal, lateral e as diferentes fluorescências. Figuras modificadas de Purdue. FCM é uma poderosa técnica que atua através de análises múltiplas em células individuais. É importante destacar que dois de seus principais inventores (Howard Shapiro e Leonard Heizemberg) jamais protegeram suas descobertas por patentes, que hoje fornecem muito dinheiro às principais indústrias de FCM, como a Dako, Becton, Dickinson & Co., Partec. A FCM é a técnica de medida, em fluxo, de processos celulares. O termo citometria de fluxo muitas vezes é confundido com a sigla FACS (Fluorescence Activated Cell Sorting), o processo desenvolvido por Leo Heizemberg, em Stanford, para separar células, baseado em propriedades medidas em fluxo, técnica muito usada na imunologia. Na FCM, a detecção dos eventos ou células é baseada na fluorescência emitida pelas células, tanto a auto-fluorescência, como a fluorescência emitida por marcadores específicos. Para conhecer mais sobre a FCM, é necessário entender o que é o processo de fluorescência, a relação inversa entre comprimento de onda e energia, o que são comprimentos de onda para a excitação e emissão. As bases do processo de FCM são (1) os fluídos, (2) a ótica, e (3) a eletrônica. No que diz respeito à fluídica, as células devem estar suspensas e mantidas em fluxo, em sentido único na direção da cubeta. Na maioria dos instrumentos isto é feito injetando um fluído carreador (sheat fluid, solução salina tipo PBS ou mesmo água deionizada), que passa sob pressão por um orifício (entre 70 e 300 µm). Se a geometria do aparelho for adequada, a amostra ao ser injetada fluirá por uma área central dentro do fluxo de carreador, não se misturando com ele. Isto é denominado fluxo laminar (Fig. 1a). Os detalhes dependem do fabricante e da construção do aparelho, em alguns sistemas (Dako) é grande a pressão diferencial entre o fluxo da amostra e do carreador, permitindo grandes velocidades de análise. Em qualquer sistema, a configuração ideal é quando o fluxo laminar está bem ajustado (velocidade e volume), de forma que uma célula passe a cada vez em frente à fonte de iluminação, recebendo a(s) excitação(ões) e emitindo fluorescência(s). Os diferentes aparelhos existentes podem permitir contagens de células/ partículas em velocidades de 100 eventos por segundo até 50 mil por segundo. Para amostras ambientais (bactérias), uma boa medida é realizar contagens em até mil eventos por segundo, o que torna possível contar 10 mil células em menos de 1 minuto. Quanto à ótica, é necessária uma fonte de luz, que deve ser focalizada no exato ponto da cubeta onde as células passam enfileiradas. Os lasers são as melhores opções para esta fonte de luz na FCM, pois fornecem luz monocromática, unidirecional e em fase. Após a iluminação das partículas, elas absorvem a luz e emitem fluorescências diversas. Todos os aparelhos coletam ao menos a fluorescência frontal (foward scatter ou FSC), a lateral (side scatter ou SSC) e algumas cores (verde, laranja e vermelho). A Fig. 1b ilustra o processo. Cada ponto significa um evento ou uma célula analisada. O segredo é treinar o olho e o cérebro junto ao software para reconhecer esses eventos e separá-los de qualquer outro que não interesse. As fluorescências ou emissões das células analisadas podem ainda ser selecionadas por filtros específicos, que apenas deixem passar alguns comprimentos de onda, tornando o processo ainda mais seletivo. No que se refere à eletrônica, os sinais são percebidos por fotodetectoras, e aí transformados http://www.sblimno.org.br 21 de analógicos para digitais. São necessários bons recursos computacionais para realizar estas tarefas seqüenciais em velocidades da ordem de milhares por segundo. Esta é uma complexa área e cada indústria tem seu padrão e procedimentos, sendo grande parte das boas idéias patenteadas. Existem várias opções de software, alguns poucos livres (WinMDI e CytoWin) e muitos pagos (FloJo, Summit, Cell Quest – este último para Mac). O uso de um bom programa pode fazer uma grande diferença no potencial de produção de informações a partir de dados de FCM. Os arquivos gerados não são pequenos, e como podem ser muitas amostras de muitos usuários e projetos, necessita-se de espaço para o armazenamento de dados. Inicialmente os pesquisadores utilizavam citômetros grandes, complicados e de alto custo (mais de US$ 250,000), equipados com lasers Fig. 2: Número de publicações no período entre 1995 e 2006 contendo as palavras chave “bacterioplankton” e “flow cytometry” (fonte Web of Science). emitindo UV para o uso de fluorocromos como o DAPI e o Hoechst 33342. Um fato importante foi o aparecimento, na década de 1990, de citômetros relativamente mais simples e portáteis, a e de menor custo (na faixa de US$ 100,000), com lasers azuis (488 nm). Em paralelo a isto, houve o desenvolvimento de corantes excitáveis com alta eficiência por estes lasers azuis. Desta forma, os protocolos foram simplificados e uma enorme quantidade de artigos, de muitos pesquisadores utilizando citometria em fluxo para contagem de bactérias, vem sendo publicada (Fig. 2). Pode-se afirmar que a contagem de células e análise de populações naturais de bacterioplâncton por citometria em fluxo é rotina em muitos laboratórios, e está se tornando uma técnica essencial em estudos de microbiologia aquática (Gasol & del Giorgio 2000. Sci. Mar. 64:197224). Metodologia e cuidados Para a determinação de bactérias, o procedimento mais comum é coletar as amostras, fixar com paraformaldeído 2% (ou em amostras mais sensíveis, paraformaldeído 1% + glutaraldeído 0,01%) durante 15 minutos, e congelar em nitrogênio líquido. Depois, pode-se manter a -196°C, ou transferir para um freezer 80°C. A transferência para freezer a -20°C pode ser suficiente, mas descongelamentos acidentais produzem resultados catastróficos. De qualquer modo, manter em geladeira ou congelar em freezer comum não é recomendado na literatura. No laboratório, pequenas alíquotas (250 µL) são coradas com algum marcador de ácidos nucléicos (syto13 e sybr green são os mais usados), adicionadas de microesferas de látex (1,0 ou 1,5 µm), e analisadas em um citômetro de fluxo. As esferas são importantes marcadores para: (1) normalizar os sinais de fluorescência tanto quanto ao local e a intensidade e (2) quantificar as bactérias. Um parâmetro comumente utilizado para a separação por tamanho é o espalhamento frontal. Para bactérias, o espalhamento lateral (SSC) é comprovadamente uma proxi de tamanho até mais adequada que o FSC. Os ácidos nucléicos das bactérias vão fluorescer em verde, e a clorofila vai autofluorescer em vermelho. Usando Fig. 3: Citogramas típicos com os diferentes painéis e informações obtidas da FCM, ilustrando em verde bactérias HNA, em azul bactérias LNA, em amarelo as microesferas de látex de 1,5 µm. (a) Espalhamento lateral (SSC) contra a fluorescência verde (FL1). (b) Fluorescência verde (FL1) contra a fluorescência vermelha (FL4). (c) Histograma da fluorescência verde (FL1). Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 22 estes parâmetros mais o espalhamento lateral, podem se analisar as diferentes populações de bactérias com facilidade. Os resultados da análise são nuvens de pontos em gráficos escolhidos pelo operador. O mais usual é dispor os dados em (1) gráfico do espalhamento lateral contra a fluorescência verde, (2) gráfico da fluorescência verde contra a fluorescência vermelha e um histograma da fluorescência verde (Fig. 3). Além da contagem total de células, uma informação interessante que pode ser obtida é a separação de células por “conteúdo aparente de ácidos nucléicos”. As células de bactérias podem ser divididas em pelo menos dois grupos, de acordo com as características do espalhamento lateral (SSC), da fluorescência (do syto13 ligado aos ácidos nucléicos) e a auto-fluorescência da clorofila (quando se retiram os autotróficos da contagem). Na Fig. 3 podem ser vistos estes grupos: em verde são as bactérias com alto conteúdo aparente de ácidos nucléicos (HNA), em azul as bactérias com baixo conteúdo aparente de ácidos nucléicos (LNA). Neste mesmo gráfico, em amarelo, estão as microesferas de látex de 1,5 µm e, em cinza, o ruído. Estes grupos podem representar bactérias com diferentes estados metabólicos. Além da contagem de bactérias, também existem outras aplicações da FCM na microbiologia aquática. Empregando a autofluorescência dos pigmentos encontrados nas células, é possível discriminar os organismos autotróficos em uma população de bactérias, em especial para avaliar as populações de Prochlorococcus e Synecococcus. Ainda empregando a auto-fluorescência, também se pode analisar células do fitoplâncton, existindo até citômetros especiais dedicados a esta finalidade (como a Citoboia – www.cytobuoy.com), capazes de analisar a forma das células. Outros organismos também analisados por FCM são as leveduras e protistas. Todas estas são abordagens diretas de estimativa de números de organismos, mas também podem ser investigados inúmeros processos celulares (atividade, divisão celular, apoptose, etc.), desde que baseados em marcadores fluorescentes. Outra importante aplicação da FCM é a separação celular ou “cell sorting”, que consiste na separação de células durante o processo de fluxo. Este tema será objeto de outro artigo. Uma parte significativa dos citômetros instalados no mundo está localizada em instituições médicas ou de áreas afins, visto sua aplicação na área de saúde. Outra enorme utilização e que compra quase 1/3 dos citômetros produzidos no mundo, bem menos conhecida, é na separação de sêmen X e Y de bois, cavalos, porcos e carneiros. O aparelho para esta aplicação custa cerca de 1 milhão de dólares, mas agrega muito valor ao produto, pois permite ao produtor escolher que tipo de rebanho (p. ex., corte ou leiteiro) deseja criar. As técnicas tradicionais de microscopia não se adaptam a estudos em larga escala, como operações oceanográficas e monitoramentos em alta freqüência amostral, que geralmente produzem mais amostras do que a capacidade de analisá-las. Então uma das maiores vantagens da FCM é a capacidade de avaliar um grande número de células (10 mil) em pouco tempo (menos de 1 minuto), e ainda possibilitando ensaios multiparamétricos. Devido à possibilidade de analisar dezenas de milhares de células em minutos, a citometria em fluxo pode realmente reduzir o tempo necessário para a determinação da abundância bacteriana, o tamanho das células e sua atividade, oferecendo informações simultâneas sobre a estrutura (heterogeneidade) de uma população bacteriana com uma incomparável vantagem estatística sobre as contagens ao microscópio. Apesar das muitas vantagens da FCM descritas neste texto, nem tudo é assim tão maravilhoso. Por esta abordagem técnica não é possível avaliar a forma das células analisadas, pois elas são pontos de luz. Outra enorme desvantagem é o custo do equipamento (a partir de 100 mil dólares), proibitivo para muitas instituições no mundo. A necessidade de uma maior especialização do operador também acaba sendo um impedimento para o avanço desta aplicação nas ciências ambientais. Mas são problemas contornáveis e minorados pelas vantagens da abordagem. No Brasil: As atividades de citometria de fluxo aplicadas a pesquisas ambientais foram iniciadas no Brasil em 1996, quando começamos a operar um FacsCalibur (BD) gentilmente cedido pelo Dr. Alberto Nóbrega (Instituto Microbiologia, http://www.sblimno.org.br 23 Universidade Federal do Rio de Janeiro). Os citômetros são dedicados a análises médicas de imunologia, e em geral seus operadores não costumam analisar amostras de água. Mas este nobre colega, por seu espírito colaborador e gentileza, foi o pilar do desenvolvimento desta área no país. Em 2003 foi obtido um financiamento da Finep para a compra de um citômetro dedicado às pesquisas em meio ambiente. Um citômetro CyAn (Dako) foi adquirido e instalado em 2005, e com isto pode ser criada a Unidade de Citometria Aplicada a Ecologia Aquática e a Oceanografia – UCEA, instalada no Departamento de Biologia Marinha do Instituto de Biologia (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Nestes 10 anos de citometria de fluxo aplicada ao meio ambiente no Brasil, foram analisadas amostras da Baía de Guanabara, da Lagoa Rodrigo de Freitas, do Oceano Atlântico, e de muitos rios do Brasil durante o projeto Brasil das Águas (ver p. ex., Andrade et al. 2003. J. Microbiol. Meth. 55: 481-490). Nossos objetivos futuros envolvem ampliar as colaborações da UCEA, de forma a avançar na técnica de citometria, pois boa parte do que se faz no mundo hoje é relativamente simples em termos da técnica em si. Em um primeiro momento estamos ampliando o uso para amostras de sedimento e ar. Portanto, existe um grande espaço para o desenvolvimento de novas aplicações e colaborações, assim como projetos interessantes e de qualidade. Rodolfo Paranhos [email protected] Luciana Andrade [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro Relações entre Microorganismos e Luz Solar na Degradação da Matéria Orgânica Dissolvida em Ecossistemas Aquáticos Bactérias planctônicas são microorganismos extremamente importantes para o ciclo de energia e matéria nos ecossistemas aquáticos, uma vez que tem papel central na remineralização de nutrientes orgânicos e porque formam a base de uma cadeia trófica planctônica alternativa conhecida como alça microbiana. Nesse contexto, as bactérias absorvem a matéria orgânica dissolvida (MOD) do meio, transformando-a em biomassa (através da produção secundária), disponível para os níveis tróficos superiores, e em dióxido de carbono (CO 2), como produto final do processo de obtenção de energia (respiração). Muitos estudos vêm sendo realizados sobre a demanda energética e capacidade produtiva desses organismos (Roland & Cole 1999. Aquat. Microb. Ecol. 20: 31-38), porém os mecanismos que determinam o balanço do carbono destinado ao crescimento ou a obtenção de energia ainda são bastante obscuros. Temperatura, disponibilidade de nitrogênio e fósforo, assim como a qualidade do carbono orgânico dissolvido (COD) são reconhecidos como fatores importantes e limitantes para o metabolismo bacteriano (Farjalla et al. 2002. Arch. Hydrobiol. 156: 97-119). O processo de foto-degradação da MOD (ou do COD) consiste na interação dos raios solares com alguns compostos orgânicos dissolvidos na água. Essa reação pode resultar na decomposição total ou parcial desses compostos, produzindo moléculas inorgânicas (e.g. CO2) e/ou alterando a composição e a disponibilidade dos mesmos para o crescimento bacteriano (para revisao ver Suhett et al. 2006. Oecol. Bras. 10: 186-204). Sendo assim, a fotodegradação e a degradação bacteriana podem ser estudadas como processos paralelos uma vez que ambas são consideradas relevantes para a mineralização da MOD em ambientes aquáticos (Jonsson et al. 2001. Limnol. Oceanogr. 46: 1691-1700; Amado et al. 2006. FEMS Microbiol. Ecol. 56: 8-17). Por exemplo, Amado et al. (2006 op. cit.) demonstraram que a importância relativa destes dois processos pode variar sazonalmente em um mesmo ecossistema, e estes se complementam na degradação total da MOD. Entretanto, não menos importante é o resultado da integração entre estes dois processos, uma vez que ambos atuam sobre o mesmo conjunto de moléculas (Cotner & Biddanda 2002. Ecosystems 5: 105-121). O objetivo desse artigo Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 24 é mostrar as possíveis relações entre a fotodegradação e a produção e respiração bacterianas e propor alguns mecanismos reguladores destas relações. Alguns estudos mostraram que a fotodegradação da MOD pode resultar na redução das taxas de produção e respiração bacteriana, enquanto que outros registraram aumento dessas taxas (e.g. Anesio et al. 2000. Microb. Ecol. 40: 200-208). Diante desse panorama, poder-se-ia concluir que as interações entre a degradação bacteriana e a foto-degradação da MOD são incertas e ambíguas. Tranvik e Bertilsson (2001. Ecol. Lett. 4: 458-463), em uma revisão com inúmeros ambientes que formam um gradiente de produtividade, concluíram que quando algas planctônicas são uma importante fonte de MOD para a coluna d’água (ambientes mais produtivos), o processo de foto-degradação resulta na redução do metabolismo bacteriano. Por outro lado, quando a MOD é fundamentalmente de origem húmica (substâncias húmicas), o processo de fotodegradação resulta no aumento do metabolismo bacteriano. Entretanto, os mecanismos que levaram a esses diferentes resultados não foram explicados por aqueles autores (Tranvik & Bertilsson 2001 op. cit.). A produção bacteriana é um processo dependente da disponibilidade de COD (energia e substrato para o crescimento) e de outros nutrientes, como o nitrogênio (N) e o fósforo (P), usados principalmente na formação de proteínas, material genético (DNA, RNA) e armazenamento de energia (ATP) (Makino et al. 2003. Funct. Ecol. 17: 121-130). A foto-degradação da MOD pode liberar nutrientes, como N e P, antes imobilizados no interior de complexas moléculas orgânicas, tornando-os disponíveis para utilização microbiana (Cotner & Heath 1990. Limnol. Oceanogr. 35: 1175-1181; Vahatalo et al. 2003. Arch. Hydrobiol. 156: 287-314). Dessa forma, o aumento na produção bacteriana em função da foto-degradação indica não somente que a fotodegradação forma compostos orgânicos mais lábeis para o crescimento bacteriano, mas também que esta possivelmente promove a liberação de outros nutrientes que estimulem o crescimento das células com a mesma quantidade de energia disponível. Por outro lado, a redução das taxas de produção bacteriana pode ser explicada pela fotodegradação de moléculas lábeis ou pela formação de compostos mais complexos e mais refratários, pelo processo de humificação (Kieber et al. 1997. Limnol. Oceanogr. 42: 1454-1462). Finalmente, as alterações na respiração bacteriana em função da foto-degradação parecem estar apenas relacionadas a alterações na disponibilidade do COD (Amado et al. 2006 op. cit.). As bactérias, por sua vez, ao utilizarem o carbono como fonte de energia e matéria, transformam o estoque de MOD presente no ecossistema aquático. De maneira geral, as bactérias excretam na água compostos ricos em anéis aromáticos que promovem um escurecimento do estoque de MOD, aumentando a foto-reatividade (Nieto-Cid et al. 2006. Limnol. Oceanogr. 51: 1391-1400). Dessa forma, pode existir, em certos ambientes, uma cooperação na degradação da MOD entre os processos de degradação biológica e fotoquímica, na qual a luz forma moléculas mais lábeis para o crescimento bacteriano e as bactérias transformam o estoque de MOD liberando moléculas mais reativas à foto-degradação. Por outro lado, conforme citado anteriormente, há moléculas específicas que são simultaneamente lábeis à degradação microbiana e à fotodegradação. Sendo assim, pode existir em alguns casos uma relação de competição entre os processos biológico e fotoquímico pela degradação de compostos específicos que compõem a MOD (Cotner & Biddanda 2002 op. cit.; Obernosterer & Benner 2004. Limnol. Oceanogr. 49: 117-124). O balanço final das interações entre a degradação bacteriana e a foto-degradação está fortemente ligado à identidade e abundância dos compostos que formam o estoque de MOD. Por exemplo, estudos recentes sugerem que a competição tende a ocorrer em ambientes produtivos (Amado et al. submetido). Esses ambientes apresentam assinaturas químicas, como a presença de aminoácidos ricos em compostos aromáticos, que indicam uma alta atividade bacteriana. Esses aminoácidos (triptofano, histidina, metionina, tirosina e cisteína), por exemplo, além de serem importantes fontes de nitrogênio para as bactérias, são extremamente reativos ao oxigênio singleto (1O2) (Ronsein et al. 2006. Quim. Nova 29: 563-568), um estado excitado de moléculas de oxigênio (O2), resultado da interação dos raios http://www.sblimno.org.br 25 solares com a MOD, sobretudo de origem húmica (Latch & McNeill 2006. Science 311: 1743-1747). Dessa forma, em ambientes nos quais esses aminoácidos, ou outros compostos de comportamento similar, representam uma grande fração da MOD, a competição, como balanço final entre a foto e a bio-degradação, e provável de ocorrer, culminando com a redução das taxas de degradação de ambos os processos. Após uma explosão nos estudos sobre a foto-degradação da MOD em ecossistemas aquáticos na década passada, principalmente relacionada à questão do aumento do buraco da camada de ozônio, hoje observamos um decréscimo do número destes estudos possivelmente associado a um comprovado processo de recuperação desta camada. Porém, várias questões permanecem sem resposta e vários padrões encontrados continuam sem explicação. Recentemente, o ciclo do carbono têm tido grande destaque na comunidade científica mundial, devido ao aumento do Efeito Estufa. Tal aumento está relacionado ao aumento da concentração atmosférica de gases biogênicos, como o CH4 e o CO2. O estoque de MOD presente nos ecossistemas aquáticos é um dos maiores estoques de carbono no planeta, superando o estoque de carbono fixado nas plantas terrestres e nos organismos marinhos combinados. Processos que atuem diretamente neste estoque, liberando CO2 na água e aumentando o grau de heterotrofia dos ecossistemas aquáticos, são de grande importância para o entendimento do balanço de carbono no planeta. Assim, em outra questão climática de larga de escala, a fotodegradação da MOD volta a ganhar destaque na comunidade científica, agora acompanhada da respiração microbiana, como dois dos principais processos mineralizadores da MOD presente nos ecossistemas aquáticos. André Megali Amado [email protected] Vinicius Fortes Farjalla [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro O Papel dos Fungos nos Ecossistemas Aquáticos Em praticamente todos os ecossistemas aquáticos, sejam marinhos ou continentais, lóticos ou lênticos, preservados ou impactados, existem fungos, que são microrganismos predominantemente sapróbios possuidores de características taxonômicas, ecológicas e fisiológicas complexas, além de elevada adaptabilidade ao meio ambiente. Atualmente o grupo dos fungos possui representantes em três diferentes reinos: Protozoa, Chromista (Straminipila) e Fungi (Kirk et al. 2001. Ainsworth & Bisby´s Dictionary of the Fungi, CAB International, 655p.). Basicamente podem ser encontrados dois grupos de fungos nos ecossistemas aquáticos: os fungos zoospóricos e os fungos “nãozoospóricos”. Os zoospóricos são organismos que possuem estruturas especializadas para a mobilidade, as quais são extremamente importantes para sua dispersão. De maneira contrária, os “não-zoospóricos” são desprovidos de estruturas locomotoras, porém apresentam modificações morfológicas e metabólicas que conferem adaptabilidade para a vida aquática (Schoenlein-Crusius & Malosso 2007. Em Deshmukh & Rai (eds), Fungi – multifaceted Microbes, Anamaya Publishers, 321p.). Os fungos zoospóricos, com representantes nos três reinos, são microrganismos de origem polifilética, providos de esporos flagelados denominados zoósporos, quando assexuados e, planogametas, quando sexuados. São dependentes da água em pelo menos algum momento do ciclo de vida, já que muitos necessitam viver inteiramente em corpos d’água, e outros podem habitar ambientes terrestres, nos quais podem ser encontrados sob a forma de resistência (Moore-Landecker 1996. Fundamental of the fungi, Prentice-Hall Inc., 574p.). Esses microrganismos possuem elevada resistência às condições hidrológicas adversas, como amplas variações de pH, temperatura, saturação de oxigênio e eutrofização. Eles apresentam ampla distribuição geográfica e são capazes de colonizar substratos celulósicos, quitinosos e queratinosos presentes nos diversos ambientes aquáticos, com algumas espécies parasitas de macrófitas, algas planctônicas e Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 26 bentônicas, peixes, anfíbios, crustáceos, outros fungos e, até mesmo do homem (Alexopoulos et al. 1996. Introductory mycology, John Wiley & Sons Inc., 869p.). A essas potencialidades somamse a tolerância e a capacidade biossortiva de alguns metais, como o cobre, chumbo e zinco, evidenciadas em linhagens procedentes de locais contaminados (Souza 2006. Mucorales de solo contaminado com metais pesados na região do pólo cerâmico de Santa Gertrudes, SP: ocorrência e capacidade de biossorção de chumbo e zinco, Tese de Doutorado, UNESP, Rio Claro, 221p.). A micota não-zoospórica é composta por representantes de Ascomycota, Basidiomycota, leveduras, Hyphomycetes aquáticos e fungos de origem terrestre denominados geofungos, com diferentes proporções de acordo com as condições do ambiente aquático (Schoenlein-Crusius et al. 2004. Em Bicudo & Bicudo (eds), Amostragem em limnologia, Editora RiMa, São Carlos, p.179191). Os fungos, cuja reprodução é somente possível com a presença da água, como no caso dos fungos zoospóricos, dos Hyphomycetes aquáticos e de algumas espécies de Ascomycota e Basidiomycota, têm sido considerados verdadeiramente aquáticos. Entretanto, relatos destes fungos em substratos terrestres, ou seja, em condições adversas no que se refere à disponibilidade de água, dificultam a circunscrição deste conceito (Schoenlein-Crusius & Grandi 2003. Braz. J. Microbiol. 34: 183-193). Os Hyphomycetes aquáticos são fungos anamórfos, isto é, apresentam reprodução assexuada, com formação de conídios em estruturas diferenciadas e semelhantes às estruturas somáticas, denominadas conidióforos que ficam livres no micélio (Ingold 1975. An illustrated guide to aquatic and water-borne Hyphomycetes (Fungi Imperfecti) with notes on their biology, Freshwater Biological Association, 96p.). Os conídios apresentam formas hidrodinâmicas, sigmóides ou tetrarradiadas, leves, o que permite flutuação e rápida fixação em novos substratos. As condições hidrológicas, como teor de oxigênio, temperatura e turbulência, têm grande influência sobre o desenvolvimento e distribuição das espécies. Devido às peculiaridades das formas de seus conídios, os Hyphomycetes aquáticos são denominados fungos tetrarradiados e ingoldeanos, em homenagem ao Prof. Dr. C. T. Ingold, que os estudou intensivamente após a década de 40 (Bärlocher 1992. The ecology of aquatic Hyphomycetes, Springer Verlag, 225p.). A importância dos fungos para os diversos ecossistemas é amplamente reconhecida, já que estes são importantes organismos decompositores de matéria orgânica e possuem grande capacidade de degradação de resíduos compostos por carbono e nitrogênio, como açúcares simples, celulose, hemicelulose, lignina, pectinas, proteínas (quitina e queratina), além de xilano, ácidos húmicos, entre outras substâncias Em um dos estudos pioneiros sobre a importância dos fungos nos ambientes aquáticos, Kaushik & Hynes (1968. J. Ecol. 56: 229-543) verificaram acréscimos de proteínas acima de 11% em folhas colonizadas por fungos, baixas concentrações em folhas colonizadas apenas por bactérias e em folhas tratadas com antifúngicos. Posteriormente diversos estudos comprovaram que, da matéria orgânica particulada total que é incorporada aos ambientes aquáticos, apenas uma pequena parte é prontamente utilizada pelos detritívoros, sendo necessária prévia colonização destas por microrganismos, principalmente pelos fungos, que as tornam mais palatáveis e iniciam transformações de grande quantidade de estoque de energia em formas mais prontamente aceitas por esses organismos (Bärlocher 1992 op cit.). A decomposição de folhedo e a atividade dos fungos podem afetar as concentrações de nutrientes na água dos ecossistemas. Também é fato conhecido que os microrganismos associados aos substratos submersos em decomposição podem obter nitrogênio e fósforo diretamente da água (Suberkropp 1995. Can. J. Bot. 73: 1361-1369). Uma vez estabelecido o papel desses fungos na cadeia trófica, os estudos abrangeram a investigação da riqueza das espécies, potencial de produção de unidades reprodutivas e, sobretudo, a produção de biomassa, como expressão da intensidade de colonização dos substratos. Entretanto, os fungos são organismos de difícil quantificação por conta do tipo de associação existente entre a biomassa fúngica e os substratos, no qual o micélio fúngico http://www.sblimno.org.br 27 encontra-se imerso, dificultando a separação e quantificação (Newell 1992. Em Carrol & Wicklow (eds), The fungal community: its organization and role in the ecosystem, Marcel Dekker, p.521-561). Para se entender a cadeia de detritos e a decomposição de serapilheira, tanto em ambientes aquáticos como terrestres, tornase necessário conhecer os mecanismos decompositores e as interações microbianas que resultam na ciclagem de nutrientes, adicionando informações quanto à importância desses microrganismos no processamento da matéria orgânica e na dinâmica trófica dos diferentes ecossistemas (Gessner & Chauvet 1997. Limnol. Oceanogr. 42 (3): 496-505). Suberkropp (1997. Freshwater Biol. 38: 169-178) estudou a contribuição fúngica durante a decomposição de folhas submersas e encontrou relação significativa entre a quantidade de esporos, biomassa (ergosterol) e de folhas encontradas no ambiente aquático, verificando decréscimo da diversidade das espécies e da biomassa fúngica nas folhas durante o verão, como conseqüência da menor quantidade de matéria orgânica disponível. Em trabalho realizado por Gessner & Chauvet (1997 op cit.), foram verificadas elevações crescentes nas concentrações de biomassa fúngica durante a decomposição, semelhante ao ocorrido no lago hipereutrófico estudado por Moreira (2006. Avaliação da diversidade e biomassa de Fungos associados a folhas em decomposição de Tibouchina pulchra Cogn. submersas em reservatórios de Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (PEFI), São Paulo, SP. Dissertação de Mestrado, Instituto de Botânica, São Paulo, 111p.) e aos resultados obtidos por Kuehn et al (1999. Microb. Ecol. 38: 50-57) em estudo sobre decomposição de macrófitas aquáticas). Nos países de clima temperado, os Hyphomycetes aquáticos apresentam comportamento sazonal bem definido, ocorrendo predominantemente no final do verão e outono, quando a senescência das folhas é maior do que em outras épocas (Bärlocher 1992 op cit.). Nos estudos em regiões de clima tropical (Sridhar & Kaveriappa 1989. Nova Hedwigia 49(3-4): 455467), incluindo os estudos Brasileiros (Schoenlein-Crusius & Malosso 2007 op cit.), a ocorrência dos Hyphomycetes aquáticos parece estar mais associada ao estágio de decomposição das folhas, em especial aos teores de nutrientes do que a sazonalidade expressa por variações climáticas das épocas secas e chuvosas. Apesar dos Hyphomycetes aquáticos serem associados a ambientes lóticos bem aerados e com águas moderadamente turbulentas (Bärlocher 1992 op cit.), a presença de diversas espécies têm sido reportada em ambientes altamente poluídos por efluentes orgânicos (Au et al. 1992. Can. J. Bot. 70: 1071-1079) e metais pesados, sendo encontrados também em águas subterrâneas contaminadas por cobre (Krauss et al. 2005. Arch. Hydrobiol. 162(3): 417-429). Nos estudos realizados em sistemas lóticos de regiões de clima temperado, os fungos zoospóricos foram considerados colonizadores primários de persistência reduzida nos substratos, ao contrário dos geofungos, que, dependendo da tolerância às condições do ambiente aquático, poderiam permanecer por mais tempo. Como a diversidade, atividade e produção de biomassa dos Hyphomycetes aquáticos suplantaram a dos outros fungos, a estes foi atribuído o papel principal na decomposição dos substratos vegetais submersas (Bärlocher 1992 op cit.). Deve-se salientar, no entanto, que a metodologia utilizada nesses estudos permitiu somente a observação de alguns representantes de Oomycetes (Achlya, Saprolegnia, Pythium, entre outros), pois não foi utilizada a técnica de iscagem múltipla (Milanez 1989. Em Fidalgo & Bononi (eds), Técnicas de coleta, preservação e herborização de material botânico. Instituto de Botânica, p. 17-20), a qual possibilita o isolamento de Chytridiomycetes e Hyphochytriomycetes. No entanto, em estudos conduzidos na Mata Atlântica de Paranapiacaba, SP (PiresZottarelli et al. 1993. Rev. Microbiol. 24 (3): 192197; Schoenlein-Crusius & Milanez 1998. Rev. Bras. Bot. 21(1): 73-79), verificou-se que a associação das técnicas de iscagem múltipla, observação direta e a utilização de meios de cultura tornou possível a observação e o isolamento de Hyphomycetes aquáticos, geofungos e elevada diversidade de fungos zoospóricos, havendo entre estes o predomínio de quitridiomicetos, com Polychytrium aggregatum Ajello ocorrendo abundantemente diretamente no interior das folhas, confirmando a importância dos fungos zoospóricos na Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 28 decomposição de substratos submersos. Esta observação também tem sido corroborada pela utilização de técnicas moleculares, que revelaram a existência de elevada diversidade de fungos no folhedo submerso, entre os quais os zoospóricos fizeram-se presentes de forma bastante expressiva (Nikolcheva & Bärlocher 2004. Mycol. Progress 3(1): 41-49). Outro grande grupo de fungos presentes nos ambientes aquáticos são as leveduras, que constituem um grupo polifilético de fungos ascomicetos e basidiomicetos, caracterizadas por possuir uma fase de crescimento unicelular e um estágio sexual que não está relacionado à produção de corpos de frutificação. Aproximadamente 100 gêneros e 700 espécies são conhecidas. Estes fungos são cosmopolitas e podem ser encontrados em ambientes aquáticos e terrestres. Muitos são sapróbios, sendo importantes decompositores de material vegetal ou animal. Embora a maioria das espécies seja decompositora, algumas são parasitas para as plantas, animais e para os homens (Kurtzman & Fell 2004. Em Muller et al. (eds), Biodiversity of Fungi: inventory and monitoring methods, Elsevier Academic Press, p.337-342). As leveduras aquáticas, também caracterizadas como fungos nativos do ambiente aquático, possuem crescimento rápido por brotamento e elevada produção de enzimas capazes de degradar variados tipos de substratos. Algumas são sensíveis às variações ambientais, como presença de poluentes; outras mais resistentes, assemelhando-se aos fungos cosmopolitas terrestres (Schoenlein-Crusius & Milanez 1996. Em Bicudo & Menezes (eds), Biodiversity in Brazil, a first approach, p. 31-48). São classificadas de acordo com o ciclo de reprodução e por meio de certas características morfológicas e fisiológicas, como ausência de produção de esporos formados por reprodução sexuada, método de brotamento do esporo, produção de urease, morfologia química e ultraestrutural da parede celular, assimilação de carboidratos e fermentação (Alexopoulos et al. 1996 op cit.). No Brasil, estudos sobre leveduras podem ser diferenciados como de importância médica (Paula et al. 1983. Rev. Microbiol. 14(2): 136143) e ambiental. A diversidade de leveduras em ambientes aquáticos e terrestres, bem como em frutos, demonstram heterogeneidade na composição das comunidades quando comparados os diferentes ecossistemas (Rosa et al. 1995. Hydrobiologia 308: 103-108). O estudo de diversidade e distribuição de leveduras em ambientes aquáticos indica que hábitats diferentes podem apresentar comunidades de leveduras características, revelando diversos biótipos diferentes que provavelmente representam novas espécies (Hagler et al. 1995. Oecologia 1: 225-244). A influência do grau de trofia dos sistemas aquáticos sobre a diversidade dos fungos é bastante complexa. Com base nos resultados citados na literatura, Bärlocher (1992 op cit.) considera que a adição de poluição orgânica pode modificar a abundância de espécies fúngicas individuais, retardando a decomposição de folhas e outros substratos. O autor afirma, ainda, que para avaliar a extensão dos efeitos antrópicos, que podem acarretar uma expressiva redução da quantidade de espécies, a situação ideal é que se conheça a diversidade da micota nativa antes da ocorrência do impacto, podendo-se prever com maior precisão quais as conseqüências para o ecossistema e quais as alternativas para recuperá-lo. Diante do comportamento bastante plástico dos fungos frente aos fatores de stress, Niyogi et al. (2002. Ecosystems 5: 554-567) postularam que a diversidade da micota geralmente é sensível ao stress baixo a moderado, enquanto a biomassa da comunidade e as funções da mesma no ecossistema podem permanecer estáveis ou até apresentam um enriquecimento, decrescendo somente quando o nível de stress for consideravelmente elevado. Entretanto, a remoção ou a diminuição do stress, podem tornar a comunidade vulnerável à invasão por outras espécies, antes limitadas pelas condições do ambiente. Esta hipótese explica porque a velocidade de decomposição de folhas submersas em águas poluídas pode permanecer inalterada enquanto a diversidade dos fungos apresenta declínio significativo e porque acréscimos de fósforo e nitrogênio em águas lóticas podem elevar a concentração de conídios de Hyphomycetes aquáticos, redefinindo a diversidade da micota (Gulis & Suberkropp 2004. Mycologia 96(1): 57-65). http://www.sblimno.org.br 29 De maneira geral, os fungos aquáticos apresentam tolerância e elevada adaptabilidade a condições adversas do ambiente, sendo que a especificidade de substrato e o comportamento sazonal são mais flexíveis do que no caso de outros microrganismos. Entretanto, verifica-se que cada espécie possui potencialidades inerentes que se combinam no ambiente de forma sinergética, como no caso da decomposição de folhedo submerso, realizada pela ação conjunta de detritívoros, bactérias e fungos (Hieber & Gessner 2002. Ecology 83(4): 1026-1038). Relacionar espécies com os ecossistemas tem sido um dos maiores desafios para a ecologia contemporânea (Cardinale et al. 2000. Oikos 91: 175-183). Uma das maneiras de fazê-lo consiste em analisar os efeitos dos atributos da comunidade como riqueza ou diversidade sobre algum processo relevante como produção primária, decomposição e mineralização de folhedo (Emerson et al. 2001. Nature 411: 73-77) e a quantificação do papel individual das espécies ou da comunidade. Estima-se que nos trópicos há aproximadamente 300 espécies de Hyphomycetes aquáticos observados em águas continentais, distribuídas em 143 gêneros e 280 espécies (Goh 1997. Em Hyde (ed), Biodiversity of tropical microfungi, Hong Kong University Press, p.189227). Na América do Sul, os Hyphomycetes aquáticos são em torno de 90 espécies, com predomínio no Brasil devido a maior quantidade de estudos ecológicos e taxonômicos do grupo (Schoenlein-Crusius & Grandi 2003. Braz. J. Microbiol. 34: 183-193). No caso dos fungos zoospóricos, se conhece 328 táxons no Brasil, o que corresponde a somente 18% dos táxons atualmente conhecidos por literatura. As estimativas mostram que ainda há muitas espécies de fungos aquáticos zoospóricos ou não a serem descobertas para a Ciência, e que a compreensão do papel de cada uma nas águas ainda está longe de ser totalmente elucidada. Iracema Helena Schoenlein-Crusius [email protected] Instituto de Botânica, Secretaria de Estado de Meio Ambiente Carolina Gasch Moreira [email protected] Universidade Federal de Santo Amaro Carla Lídia Amorim Pires-Zottarelli [email protected] Instituto de Botânica, Secretaria de Estado de Meio Ambiente Importância, Desafios e Perspectivas no Estudo da Ecologia Aquática Microbiana no Brasil Introdução A compreensão do funcionamento de um ecossistema aquático passa pelas relações e fluxos de energia entre os produtores, consumidores e decompositores. Pensando neste termo e em ecossistemas aquáticos, existem ecossistemas onde os produtores, consumidores e decompositores são todos microrganismos, mas não existe ecossistema terrestre ou aquático sem a presença destes. Refletindo sobre a afirmativa de Reynolds (1984, The ecology of freshwater phytoplankton, Cambridge University Press, 384 pp) que foi salientada pela Profa. Vera Huzsar (2006, BSBL 35: 91-93), penso que se “a importância do fitoplâncton esta fora de questão...”, como definir a importância das bactérias, vírus e outros microrganismos em qualquer ecossistema? O objetivo deste texto é ressaltar a importância do estudo sobre microrganismos em geral e o papel destes no funcionamento de ecossistemas aquáticos continentais, bem como sobre os desafios e as perspectivas da nova área do conhecimento Ecologia Aquática Microbiana no Brasil e no mundo. História Os estudos em microbiologia ecológica vem se intensificando sobremaneira nas últimas décadas. Este avanço é atribuído principalmente ao avanço de técnicas que possibilitaram demonstrar e quantificar a importância dos microrganismos em ecossistemas aquáticos ou terrestres. Embora muitos pesquisadores sempre apontassem para a importância dos Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 30 microrganismos em ambientes aquáticos, a ausência da disponibilidade de metodologias que demonstrassem esta importância fazia com que o estudo desta comunidade fosse negligenciado, por exemplo, em relação ao fito e zooplâncton. Pomeroy (1974. Bioscience 24: 499-504) discutiu a importância dos microrganismos em teias tróficas marinhas, e Hobbie et al. (1977. Appl. environ. microbiol. 33: 1225-1228) quantificou a densidade de bactérias na água. Segundo Duarte et al. (1997. Aquat.Microb. Ecol. 13: 101-111), o artigo de Hobbie et al. é o mais citado em Ecologia Aquática Microbiana. Os resultados obtidos em estudos posteriores resultaram na publicação do artigo “The role of water-column microbes in the sea” (Azam et al. 1983. Mar. Ecol. Prog. Ser. 10: 257-263), que cunhou o termo “microbial loop”, um marco no estudo da Fig 1: Árvore filogenética universal demonstrando os 3 domínios e os diferentes ramos de cada um. Notar a reduzida representatividade em termos de diversidade genética dos organismos macroscópicos em relação aos outros Eucarya. Adaptado de Pace (1997. Science 276:734740). Ecologia Aquática Microbiana. Após a publicação deste artigo, o papel dos microrganismos nos ambientes aquáticos passou a ser mais estudada, e sua importância relativa cada vez mais confirmada. Embora este termo tenha sido cunhado dentro de um contexto aquático, na verdade este fenômeno também descreve o fluxo de energia da maioria dos ecossistemas terrestres, pois a maior fração de sua produção primária é degradada por microrganismos. Outro importante artigo foi o de Carl Woese (1987. Microbiol. Rev. 51: 221-271), que modificou não somente a visão da microbiologia, mas de toda a Biologia. Baseado em nas seqüências de rRNA, Woese (1987 op. cit.) e Woese et al. (1990. Proc. Natl. Acad. Sci. 87: 4576-4579) propuseram uma árvore filogenética com a divisão de 3 domínios: Archaea, Bacteria e Eucarya. Desde então, esta árvore filogenética vem sendo melhor estudada, vários trabalhos sobre relações filogenéticas, com base molecular, de integrantes destes domínios vem sendo realizados, e a importância relativa da diversidade de microrganismos em relação aos organismos eucariotos (Eucarya) tem ficado cada vez mais evidente (Pace 1997. Science 276: 734-740; Fig. 1). Importância geral dos microrganismos Atualmente reconhece-se o papel chave dos microrganismos no funcionamento de qualquer ecossistema. Podemos encontrar ecossistemas sem a presença de eucariotos, mas nunca sem procariotos (Archaea e Bacteria). No entanto, a importância dos microrganismos não se restringe ao seu atual papel nos ecossistemas. Em todas as considerações sobre a origem da vida no nosso planeta, não se questiona o fato do ancestral comum ter sido um microrganismo. Durante anos, debateu-se se este ancestral seria um organismo heterótrofo, fotoautotrófo ou quimioautotrófo, e hoje, a hipótese mais aceita, é de que caso a vida tenha surgido neste Planeta, ela ocorreu quimioautotroficamente. A evolução dos ciclos biogeoquímicos, logo após o surgimento da vida no Planeta, também foi determinada pela ação de microrganismos. O próprio acúmulo de oxigênio na atmosfera que se iniciou há cerca de 2 bilhões de anos é atribuído às cianobactérias. A diversidade de microrganismos também é muito superior a de todos os eucariotos juntos (Fig. 1). Estimativas sugerem que o número de espécies de insetos, que durante muito tempo foi considerado o grupo mais diverso deste Planeta, pode chegar a 30 milhões. A estimativa atual da diversidade de microrganismos em nosso Planeta chega a 1 bilhão de espécies!!! E deve-se considerar que, para a obtenção destas estimativas, assume-se como espécie organismos com menos de 97% de homologia de 16S rRNA (ou 70% de homologia de todo o genoma). Como foi mencionado anteriormente nesta edição por Farjalla e Guariento, se o mesmo critério fosse http://www.sblimno.org.br 31 aplicado para macroorganismos, lêmures, chimpanzés, gorilas e seres humanos seriam considerados uma única espécie. Nos ambientes aquáticos, os microrganismos participam da produção de matéria orgânica através das produções foto (energia solar) e quimiosintetizante (energia oriunda da oxidação de compostos reduzidos), além de atuar como consumidores. Embora organismos superiores tenham participação ativa na cadeia detritívora, o papel dos microrganismos no fluxo de energia sobrepõe o destes organismos superiores em até duas ordens de magnitude. A degradação de matéria orgânica realizada pelos microrganismos é essencial para redisponibilização dos nutrientes aos produtores primários. Também foi demonstrado que a produção bacteriana é o principal condutor entre os ambientes terrestre e aquático, pois a matéria orgânica dissolvida de origem terrestre pode ser incorporada em biomassa bacteriana e posteriormente ser transferida à cadeia trófica via o “microbial loop”. Desafios na área da Ecologia Microbiana Um dos principais objetivos da Ecologia Microbiana é combinar a identificação e atividade de microrganismos nos ecossistemas. As perguntas “Que bactérias estão lá?” e “O que elas esta fazendo?” tem movido ecólogos microbianos há muitas décadas. Os avanços metodológicos obtidos nos últimos 20 anos têm auxiliado nas respostas a estas perguntas, pois possibilitaram uma maior compreensão do mundo microbiológico. Na verdade, “mundo microbiológico” não é nem de longe um termo apropriado. Para se ter idéia dos desafios da Ecologia Microbiana, o número de bactérias em nosso planeta é maior do que o número de estrelas em nosso universo (Curtis 2007. Environ. Microbiol. 9(1): 1). Várias questões básicas, como a distribuição espacial e temporal dos microrganismos, sua biogeografia e sua biodiversidade funcional, ainda estão longe de terem resposta (Dubilier 2007. Environ. Microbiol. 9: 2-3). Embora na biologia o conceito de espécie, às vezes, seja colocado em discussão, zoólogos e botânicos conseguem diferenciar e classificar espécies. O conceito de espécie para microrganismos é ainda mais obscuro em virtude do percentual de homologia do genoma ser totalmente arbitrário (99%). Além disso, entre microrganismos ocorre transferência horizontal de genes, o que dificulta ainda mais uma definição clara de espécie. Apesar dos enormes avanços metodológicos nos últimos anos, as ferramentas atualmente utilizadas ainda estão longe de ser as ideais. Um exemplo é o trabalho realizado por Sogin et al. (2006. Proc. Natl. Acad. Sci. 103: 12115-12120), que, utilizando uma nova metodologia, demonstrou que os estudos até então subestimavam a diversidade de microrganismos marinhos em até duas ordens de grandeza. Novos métodos vêm sendo desenvolvidos e novos equipamentos são disponibilizados no mercado, possibilitando avanços ainda maiores nesta área. Enquanto um seqüenciador tradicionalmente utilizado nos laboratórios de microbiologia seqüencia cerca de 70kbp de DNA por análise, os mais modernos podem produzir cerca de 30Mbp, e existem perspectivas de equipamentos que produzam 1Gbp. Uma nova metodologia denominada nanoSIMS (“Secondary Ion Mass Spectrometry”), que combina a técnica de FISH (DeLucca e César, nesta edição) com a espectrometria de massa de íons secundários, possibilita a determinação da composição química, radio-isotópica ou de isótopos estáveis em níveis individuais e submicrométricos (p. ex. uma única bactéria). Kuypers e Jorgensen (2007. Environ. Microbiol. 9: 6-7) consideram que, em virtude da elevada sensibilidade e resolução espacial desta técnica, será possível, em um futuro próximo, identificar e definir a função metabólica de indivíduos em estudos realizados em campo. É opinião de muitos especialistas que o desenvolvimento de novas tecnologias possibilitará o obtenção de respostas em nível celular e no ambiente onde o microrganismo se desenvolve. Atualmente, o maior desafio a ser superado é a proposta de novas teorias. Prevê-se que, nos próximos 2-3 anos, milhares de genomas serão seqüenciados, milhares de espécies de microrganismos serão descritas, mas muitas vezes sem o embasamento teórico. Jim Prosser e colaboradores publicaram um excelente artigo que merece ser lido não somente por limnólogos, mas por biólogos de todas as áreas (Prosser et al. Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 32 6 artigos.ano -1 5 4 750 Número publicações Panorama da Ecologia Aquática Microbiana no Brasil O número de trabalhos produzidos na área de Ecologia Aquática Microbiana no Brasil ainda é muito reduzido. Thomaz (2006. BSBL 35: 2327) realizou uma pesquisa no na base Thomson ISI (Thomson Scientific) com as palavras “macrophyte” e “Brasil or Brazil”, e demonstrou que o número de publicações no estudo de macrófitas aquáticas aumentou consideravelmente, e que nos últimos 20 anos o fatores que justifiquem esta baixa quantidade de artigos publicados nesta área no Brasil. Uma comparação entre o número total e o número de artigos na área de Microbiologia Aquática, entre os periódicos Limnology & Oceanography (L&O), Hydrobiologia e Acta Limnologica Brasiliensia (Acta) nos últimos 20 anos, mostra que o número total de trabalhos publicados nas duas primeiras revistas é mais elevado do que na Acta (Figs. 2A e 2C). Este resultado certamente pode ser atribuído ao fato da L&O e Hydrobiologia serem revistas internacionais, que recebem uma maior quantidade de submissões de pesquisadores de todo mundo, além é da maior disponibilidade de recursos financeiros. A L&O, por exemplo, publica majoritariamente artigos de pesquisadores americanos, sendo os Estados Unidos o país que mais investe em Ciência e A 500 250 0 25 Microrganismos (%) 2007. Nature Rev. Microbiol. 5: 384-392). Segundo estes autores, a Ecologia Microbiana sofre uma revolução no momento, com um rápido acúmulo de dados que, no entanto, estão sendo obtidos sem a aplicação de teorias que possibilitem a organização e favoreçam o aumento do poder preditivo dos mesmos. O avanço da Ecologia Microbiana, baseada no desenvolvimento de novas tecnologias e não em um avanço teórico, levará esta nova área do conhecimento a um avanço cego, custoso economicamente e não-generalista. Segundo Jim Prosser (com. pess.), embora os estudos de “genomics, transcriptomics, proteomics e metabolomics” sejam muito importantes, o que realmente está faltando nesta nova ciência emergente é a proposta de novas teorias, ou “theoromics”. B 20 15 10 5 3 0 2 50 0 1985 1990 1995 2000 2005 2010 Fig 2: Número de trabalhos (total = 23) encontrados na base Thomson ISI utilizando-se “bacterioplankton*” no campo “topic” e “Brasil or Brazil” no campo “address”, entre os anos de 1986 e 2006. número total de artigos publicados foi de 151. Repeti esta análise com as palavras “bacterioplankton” e “Brasil or Brazil” e obtive um padrão relativamente parecido, porém com um número total bem mais reduzido de 23 trabalhos. O desenvolvimento recente de técnicas para o estudo de comunidades de microrganismos em ecossistemas aquáticos pode ser um dos Microrganismos (n) 1 40 30 C LO Hydro Acta 20 10 0 1985 1990 1995 2000 2005 Ano Fig 3: Avaliação dos artigos publicados nos periódicos Limnology & Oceanography (LO); Hydrobiologia (Hydro) e Acta Limnologica Brasiliensia (Acta) entre 1986 e 2006. Número total de artigos publicados por ano (A); Percentual de artigos publicados sobre microrganismos (B) e Número de artigos publicados sobre microrganismos (C). http://www.sblimno.org.br 33 Tecnologia e que tem a maior produção científica mundial. No entanto, uma comparação entre o percentual de trabalhos publicados na área da Ecologia Aquática Microbiana entre as 3 revistas (Fig. 2B) mostra que na L&O houve um aumento de 4 % no final da década de 80 para 17% no início deste século. Na Hydrobiologia e na Acta, este percentual passou de cerca de 1 % do final da década de 80 para cerca de 4% no início deste século. Este resultado sugere que, em termos percentuais, nossa produção na área de Ecologia Aquática Microbiana está bem próxima a Hydrobiologia. No entanto, este percentual é cerca de 4 vezes menor do que publicado pela L&O. Uma comparação entre o percentual dos trabalhos sobre diferentes comunidades aquáticas, encontrados na Revista Brasileira de Biologia (RBB), Acta, Hydrobiologia e L&O de 2003 a 2006, e nas apresentações do IX Congresso Brasileiro de Limnologia (IX CBL, 2003, Juiz de Fora) indica uma dominância das seguintes comunidades (Fig. 3): Acta - macroinv. > zooplâncton > peixes; RBB - peixes >> macróf. aquát. > zooplâncton e IX CBL - macróf. aquát. > fitoplâncton > zooplâncton Este resultado contrasta um pouco com a dominância dos estudos de fito, zoo e ictioplâncton observado para Hydrobiologia e L&O, mas demonstra claramente que o número 40 de pesquisas sobre Ecologia Aquática Microbiana no Brasil precisa aumentar, para que esta área tão importante possa enriquecer a Limnologia Brasileira. Desafios no Brasil Antes de iniciar este artigo, reli os trabalhos de Thomaz (2006. BSBL 35: 23-28), Nessimian & e Ferreira-JR (2006. BSBL 35(2): 54-56) e Huzsar (2006. BSBL 35(3): 91-93) e percebi que os desafios para o estudo das comunidades de macrófitas aquáticas, de macroinvertebrados bentônicos e de fitoplânton, em nosso país, não são pequenos, o que provavelmente ocorre em muitas outras áreas também. No entanto, percebi que a situação é ainda mais crítica quanto ao conhecimento sobre a Ecologia Aquática Microbiana no Brasil. Embora muito ainda precise ser feito em todas as áreas, os padrões limnológicos de várias comunidades como de fito, zôo e ictioplâncton, de macrófitas aquáticas e de macroinvertebrados bentônicos nos ecossistemas aquáticos brasileiros são relativamente compreendidas. O conhecimento existente sobre a ecologia de microrganismos aquáticos é muito incipiente, defasado e muitas vezes inexistente se comparado com outras comunidades. Segundo Thomaz (2006 op. cit.) e vários pesquisadores brasileiros por ele citados, a ausência de produção de conhecimento novo (novas teorias) é um dos principais problemas 49 63 P u b lic a ç õ e s X C o m u n id a d e s Percentual 30 L&O H y d ro A c ta RBB IX CBL 20 10 pe ix es m ac ró fit as pe rif íto n m ac ro in v. ba ct er io pl . o fit zo o 0 Fig 4: Percentual de artigos publicados nos periódicos Limnology & Oceanography (L&O); Hydrobiologia (Hidrob); Acta Limnologica Brasiliensia (Acta); Revista Brasileira de Biologia (RBB) entre 2003 e 2006 e resumos do IX Congresso Brasileiro de Limnologia ocorrido em Juiz de Fora em 2003 (IX CBL). Foram consideradas as comunidades de zooplâncton (zoo); fitoplâncton (fito); bacterioplâncton (bacteriopl.); macroinvertebrados bentônicos (macroinv.); perifíton; macrófitas aquáticas e peixes. Notar que o valor máximo de cada categoria encontra-se ao lado da barra, quando o percentual ultrapassa 40%. Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1) 34 no estudo, não somente da limnologia, mas sobretudo da Ecologia Brasileira. Embora consigamos desenvolver de forma competente vários estudos realizados em países que lideram o cenário científico internacional, estes são muitas vezes uma repetição. No entanto, como a necessidade do desenvolvimento de novas teorias nesta área não é um “privilégio” brasileiro, mas sim um obstáculo a ser superado por todos os cientistas que se dedicam ao estudo de microrganismos, nossa distância dos países desenvolvidos não é tão grande. Segundo Prosser et al. (2007 op. cit.), um dos principais obstáculos à elaboração de novas teorias em ecologia microbiana é a falta de ferramentas e disciplinas da ecologia teórica, que deveriam fazer parte da formação da maioria dos microbiólogos. Considerando que a maioria dos limnólogos brasileiros tem sua formação básica em ecologia, acredito que tenhamos as mesmas condições de desenvolver novas teorias nesta nova área do conhecimento. Em minha opinião, há muito o que se fazer e propor em termos de pesquisas para o futuro da Ecologia Aquática Microbiana no Brasil. A maioria dos trabalhos em Ecologia Aquática Microbiana refere-se à ambientes temperados. Inicialmente temos que olhar e tentar interpretar os resultados já disponíveis na literatura, usando nosso conhecimento para propor teorias à luz de resultados obtidos em ambientes temperados. Podemos repetir estudos de outras regiões em nossos ecossistemas com o objetivo de testar hipóteses, discutir e comparar os resultados. A quantidade de informação e de dados na literatura é cada vez maior, e a necessidade de se extrair padrões destes dados é premente não somente no Brasil, mas em todo o mundo. Estudos que descrevam os padrões ecológicos e microbiológicos em nossos ecossistemas aquáticos certamente são necessários. Estas investigações devem ir além das repetições e comparações de padrões, elas devem ser inovadoras e aplicadas ao conhecimento dos nosso ambientes tropicais. Por último, precisamos de uma mudança em relação aos equipamentos já existentes nas instituições de pesquisa. A dificuldade em se conseguir financiamento de órgãos públicos e privados para aquisição de equipamentos é enorme, e a falta de pessoal técnico especializado para o uso e a manutenção desses equipamentos é um sério problema em nossas instituições de pesquisa. Como conseqüência, os equipamentos conseguidos arduamente pelos pesquisadores para seus laboratórios muitas vezes têm seu acesso a outros pesquisadores dificultado ou mesmo negado. Como conseqüência, provoca-se uma corrida por recursos para aquisição de equipamentos muitas vezes já existentes na mesma instituição, fato que por princípio deveria ser considerado inaceitável em um país com tantas carências como o nosso. Como os equipamentos para se estudar Ecologia Aquática Microbiana são onerosos e de cara manutenção, seria fundamental que pesquisadores unissem esforços não somente para a obtenção, mas também para o uso conjunto e colaboração. Esta união de esforços iria facilitar o desenvolvimento de pesquisas, intercâmbio de aprendizados e idéias, contribuindo para o avanço da ciência brasileira. Finalizo este artigo com as inspiradoras palavras de E. O. Wilson (1997. O Naturalista, 368p.), muito bem citadas por Farjalla (2003. Fontes de matéria orgânica dissolvida (MOD) e seu consumo pelas bactérias planctônicas em lagoas costeiras e em um lago amazônico, Tese de doutorado, PPGE, UFRJ, 240p.): “Se eu pudesse começar tudo de novo e reviver minha visão no século XXI, seria um ecólogo microbiano. Dez bilhões de bactérias vivem em um grama de solo comum, uma simples pitada mantida entre o indicador e o polegar. Elas representam milhares de espécies, ignoradas pela ciência em sua esmagadora maioria. Abriria meu caminho por florestas clônicas que se estendem por grãos de areia, viajaria em um submarino imaginário pelo meio de gotas d’água que equivalem ao tamanho de lagoas e rastrearia predadores e presas a fim de descobrir novos sistemas de vida e estranhas redes alimentares. Para tudo isso não precisaria aventurar-me a mais de dez passos do prédio do meu laboratório. As onças, formigas e orquídeas ainda ocupariam florestas distantes em todo o seu esplendor, mas a elas se juntaria agora um mundo vivo virtualmente sem fim, ainda mais estranho e muitíssimo mais complexo, com possibilidades infinitas...” Alex Enrich-Prast [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro http://www.sblimno.org.br 35 Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 36 (1)