Project Finance

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REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 9, N. 18, P. 241-280, DEZ. 2002
Project Finance:
Considerações sobre a
Aplicação em
Infra-Estrutura no Brasil
LUIZ FERREIRA XAVIER BORGES
VIVIANA CARDOSO DE SÁ E FARIA*
RESUMO
Partindo da
conceituação e do histórico do project
finance, este trabalho tenta demonstrar
algumas conseqüências decorrentes de
suas características, estrutura e riscos,
bem como medidas mitigadoras e
garantias. Também usa as formas e
fontes de financiamento existentes
para extrair conclusões de sua prática
no Brasil e traça as vantagens e
desvantagens dessa modalidade de
engenharia financeira, comparando as
operações de corporate e as de project
finance. As conclusões permitem
inferir que as operações de project
finance no Brasil têm se mostrado
dispendiosas, demoradas em sua
estruturação e sempre em ambiente de
elevado risco, entre outros motivos,
pela falta dos instrumentos financeiros
(mercado de capitais e securitário
maduros, mercado de negociações
secundárias que permitam a
securitização e a reciclagem etc.) e
pelas limitações do arcabouço legal,
como pela existência de preferências
legais em caso de liquidação.
This paper begins
with the concept and historical
description of project finance,
presenting some considerations about
its characteristics, structure and risks
involved, as well as warranties and
other mitigations. It describes project
finance financial structures, sources
of credit, advantages and
disadvantages, comparing them with
corporate finance-oriented ones.
Conclusions show project finance in
Brazilian infrastructure projects as an
expensive, risky and long term
negotiated experience, mostly because
of gaps in legal and institutional
framework, as well as the lack of
maturity of capital and financial
markets.
ABSTRACT
* Respectivamente, advogado do BNDES e economista do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura.
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PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
1. Introdução
E
ste trabalho tem por objetivo refletir sobre aspectos comuns aos
project finances no Brasil em operações de infra-estrutura, com
ênfase nos setores elétrico e de telecomunicações, por serem emblemáticos
para este estudo, no momento, na visão dos autores.
Ainda que cada caso deva ser analisado em função de suas características
próprias, as generalizações aqui buscadas são importantes elementos para a
compreensão dessa engenharia financeira como um todo e facilitam as
escolhas das equipes de análise, acompanhamento e estruturação de operações, especialmente quanto às vantagens e desvantagens das operações de
crédito em bases corporativas (corporate) ou de project finance.
Um objetivo secundário é propor essas conclusões como temas de discussão
da matéria, diante da atenção que vêm despertando em diferentes segmentos
empresariais, especialmente para quem estiver iniciando seu estudo. Esse
objetivo didático levou os autores a mesclarem o jargão em inglês com suas
traduções ou contextualizações em português, de modo a facilitar o estudo.
Este trabalho divide-se em duas partes. Na primeira buscou-se encontrar,
através de uma pesquisa teórica, as características gerais e comuns, apontando suas vantagens e desvantagens. Para isso foi feito um trabalho de levantamento bibliográfico do que existe de mais abrangente em nossa literatura
recente e foram selecionados os textos que melhor poderiam contribuir.
Note-se que a bibliografia existente tem a tendência a avaliar os riscos em
projetos dessa natureza do ponto de vista do patrocinador (sócio), espelhando a experiência e o ambiente de negócios anglo-saxões, nos quais existem
limites regulatórios e maior proteção legal para os demais participantes. No
Brasil, isso não é percebido pela produção acadêmica nacional, que tende a
reproduzir essa postura sem criticá-la, como se iguais proteções existissem
entre nós. Neste trabalho, procurou-se fugir dessa limitação.
A experiência dos autores com casos reais de infra-estrutura submetidos ao
BNDES foi agregada a esse levantamento bibliográfico. Assim, este trabalho tem uma grande base empírica pelo estudo de mais de trinta operações
de apoio a projetos de infra-estrutura, especialmente em telecomunicações (telefonia fixa e celular, bandas A e B) e energia, desenvolvidos de
1997 a 2002.
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A definição e a análise histórica mostram que se trata de uma concepção
antiga, mas que deve ser entendida, hoje, na forma que adotou na segunda
metade do século 20. Detalhadas a suas características, estruturas, participantes e fontes de recursos, as conclusões aparecem naturalmente por
observação.
Na segunda parte deste texto, foi feito um exame comparativo pontual e
sintético entre as operações montadas como crédito corporativo ou como
project finance.
As conclusões, colhidas durante o desenvolvimento do estudo, foram destacadas em negrito no texto para permitir as generalizações desejadas ao
final e serem propostas como instrumento de debate.
Este trabalho apresenta o arcabouço teórico1 referente à estrutura do project
finance aplicado a projetos de infra-estrutura. Não é seu objeto estudar as
variações caso seja utilizado para projetos industriais e/ou comerciais.
2. Definição
O project finance, project-oriented finance ou project financing é um
conceito originário da língua inglesa, mas não significa simplesmente
“financiamento de projeto”. De acordo com Azeredo (1999), o project
finance consiste em uma modalidade específica de financiamento de projetos. A expressão “financiamento de projetos” pode abranger não só o project
finance como também outras alternativas disponíveis, tais como a utilização
de recursos próprios dos sócios para tocar um projeto sob a forma de
subscrição de títulos subordinados, empréstimos corporativos, emissão de
títulos com garantias corporativas ou instrumentos mais elaborados como a
securitização de recebíveis.
Na prática brasileira, o corpo técnico da Petróleo Brasileiro S/A (Petrobras)
[Guimarães et alii (2002)] vem utilizando a expressão “projeto financeiro”,
que, infelizmente, tem outras conotações em Finanças, gerando dúvidas no
trato externo. Outros interessados vêm defendendo, em congressos e seminários, a expressão “financiamento-projeto” como um substantivo composto. Entretanto, os mercados financeiro e de capitais, que são os maiores
1 Os conceitos apresentados nesta parte do trabalho estão baseados em Nevitt & Fabozzi (1995),
Razavi (1996), Finnerty (1999) e Azeredo (1999).
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PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
usuários desse instrumento, nunca tiveram problema em usar largamente a
expressão inglesa project finance. Aliás, usam também a maior parte das
expressões relacionadas ao tema naquele idioma. Como serão objeto de
exame neste trabalho as considerações gerais e as conclusões advindas da
experiência, foi mantida a praxe do mercado.
Finnerty (1999) define o project finance como captação de recursos para
financiar um projeto de investimento de capital economicamente separável,
razão de ser das SPEs (Sociedades de Propósito Específico). Neste caso, os
provedores de recursos vêem o fluxo de caixa e/ou ativos do projeto como
fonte primária de recursos para atender ao serviço da dívida (juros), mais a
amortização do principal, a fim de fornecer um retorno compatível sobre o
capital investido. Os prazos de vencimento da dívida e dos títulos patrimoniais são estabelecidos de acordo com as características do fluxo de caixa
do projeto. Para sua garantia, os títulos da dívida do projeto dependem, ao
menos parcialmente, de sua lucratividade e do valor dos seus ativos.
Uma das características que distingue o project finance das demais
modalidades de financiamento é a concessão de crédito a uma entidade
jurídica segregada. O project finance é estruturado de forma a alocar
retornos financeiros e riscos com mais eficiência do que aquela obtida
através do financiamento corporativo.2 Embora, normalmente, seja a operadora do projeto, podem-se apontar exemplos em que essa entidade ou
veículo serviu exclusivamente para a captação de recursos, como no exemplo da Companhia Petrolífera Marlin [Bononi e Malvessi (2002)].
Conforme abordado por Nevitt e Fabozzi (1995), o termo project finance
pode ser utilizado para descrever as diversas modalidades de financiamento
de projetos, com e sem responsabilidade solidária de terceiros (recourse).
De acordo com eles, o termo merece uma definição mais precisa:
A financing of a particular economic unit in which a lender is satisfied to look
initially to the cash flows and earnings of that economic unit as the source of
funds from which a loan will be repaid and to the assets of the economic unit as
collateral for the loan.
2 O termo financiamento corporativo significa a concessão de crédito calcada em uma abordagem
tradicional de análise e de instrumentos de garantia. Ou seja, avaliação usual de crédito em função
do histórico, do balanço patrimonial e, principalmente, da reputação do tomador do crédito.
Adicionalmente, utilizam-se garantias normais, como: patrimônio, carta de fiança e demais ativos
oferecidas pelos acionistas e/ou avalistas. Nesse caso, a preocupação dos credores limita-se à
capacidade financeira dos devedores em saldar as suas dívidas e, a princípio, não há nenhuma
preocupação em relação à alocação dos recursos.
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Para os autores, o termo project finance define-se como uma modalidade de
financiamento cujo processo de avaliação, estruturação e concessão dos
recursos está calcado, primordialmente, na capacidade financeira do projeto.3 A decisão dos credores se baseará na capacidade do projeto em saldar
suas dívidas e remunerar o capital, sem contar com os fluxos de caixa de
outros empreendimentos dos acionistas (ou seja, sem solidariedade), não
sendo, portanto, um meio de financiar projetos economicamente fracos.
Diferentemente do financiamento corporativo, os financiadores só poderão
acionar os acionistas da SPE, caso essa possibilidade seja definida em
contrato. Um dos objetivos do project finance é financiar projetos viáveis
economicamente, mesmo estando sediado em países com elevado risco,
como é o caso do Brasil. Muitas vezes, exatamente para desfrutar de
custos menores de financiamento, os acionistas direcionam os seus
melhores projetos para serem financiados via essa modalidade, com o
objetivo de obterem um melhor rating.4 A empresa otimiza seu custo de
capital quando financia seus projetos menos atrativos através de crédito
corporativo.
Nem sempre foi assim, entretanto. No decorrer da história econômica
podemos observar diferentes processos que guardam semelhanças com o
que chama-se hoje de project finance.
3. Histórico
A trajetória do financiamento baseado no fluxo de caixa do projeto inicia-se
com os grandes empreendimentos relatados pela história mundial. A lógica
não é nova. Portanto, os arranjos financeiros modernos e as sofisticadas
opções oferecidas pelo mercado são o que é realmente inovador. Hoje,
há uma redução dos riscos envolvidos nessa engenharia financeira, alavancando a capacidade das empresas em contrair empréstimos, o que viabiliza
simultaneamente a implementação de novos projetos de grande porte.
Em 1299, a coroa britânica negociou um empréstimo com o Frescobaldi –
um dos principais bancos de investimento italianos da época – para desenvolver as minas de prata da região de Davon com uma estrutura financeira
3 Entenda-se capacidade financeira do projeto como: recursos próprios de capital, ativos, fluxo de
caixa, contratos etc.
4 Os ratings são classificações de risco indicando a probabilidade de inadimplência, atribuídos a
partir de informações fornecidas pela própria empresa, principalmente as suas demonstrações
financeiras. Eles dependem da probabilidade de inadimplência da empresa e da proteção dada pelo
contrato de empréstimo em caso de inadimplência. As principais classificadoras de rating são a
Moody’s Investor Service e a Standard & Poor’s [Ross, Westerfield & Jaffe (1995)].
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PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
baseada em ativos. A estrutura do projeto permitia ao Frescobaldi retirar a
quantidade desejada de minério não-refinado, durante um ano, desde que
assumisse integralmente o custo de operação das minas. No contrato firmado
entre as partes, não havia cláusulas referentes a pagamento de juros e nem
qualquer tipo de garantia oferecida pela coroa britânica, caso a quantidade
de prata extraída durante o período não fosse suficiente para recompor o
capital investido [Finnerty (1999)].
Outro exemplo de financiamento baseado em ativos, ocorrido alguns séculos
mais tarde, foi a utilização, pelos países ibéricos, desse tipo de estrutura no
financiamento das grandes navegações. A burguesia mercantil estava por
trás de quase todos os empreendimentos de porte por ser a detentora do
capital capaz de financiar a nobreza na expansão do seu território. A garantia
oferecida eram as especiarias encontradas ao longo das expedições ou as
terras conquistadas, ou seja, o fluxo de caixa do empreendimento.
Devido a diferentes momentos de escassez de recursos no mercado internacional, na segunda metade do século 20, começam a surgir novas engenharias financeiras, cujo objetivo é criar alternativas de financiamento,
principalmente para o setor de infra-estrutura. Essa afirmação pode ser
comprovada pelos casos citados pela literatura pertinente ao tema. 5 Referente ao setor de energia, destacam-se os financiamentos do Trans Alaska
Pipeline System (TAPS), entre 1969 e 1977, e o financiamento de plataformas de petróleo no Mar do Norte.
Conforme explicitado por Finnerty (1999), a disseminação do project finance nos EUA é fruto da implementação da Lei da Política de Regulamentação
de Serviços – Public Utility Regulatory Policy Act6 (Purpa). Esse marco
regulatório representou um passo fundamental na estruturação dessa
modalidade de financiamento baseada em ativos, ao estabelecer as
obrigações contratuais de longo prazo e tornou-se bastante difundida
nos EUA e na Inglaterra, cujas legislações são baseadas na cultura
anglo-saxônica em que os contratos possuem maior importância legal.
Já em países como o Brasil, onde o respeito aos contratos privados é
diferente (por exemplo, o interesse público sobrepõe-se ao privado, em
contratos administrativos), seus instrumentos tornam-se frágeis; conseqüentemente, há maior cautela por parte dos investidores internacionais em
participar de financiamentos nesses países.
5 Para maiores informações, consultar Finnerty (1999).
6 Mais detalhes em relação ao Purpa encontram-se em estudos setoriais do BNDES (1999).
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Esse modelo de engenharia financeira, que parece novo entre nós, vem
crescendo através de experiência há vinte anos nos EUA e países da
Commonwealth, consolidando técnicas calcadas em seus sistemas legais
e culturais. Isso pode explicar a preponderância de institutos jurídicos e
fórmulas contábeis de origem anglo-saxônica. Os primeiros projetos tratados
nessa modalidade, no Brasil, trouxeram pessoal estrangeiro ou treinado no
exterior, que reproduzia as técnicas (e o jargão) lá utilizadas.
No Brasil, a introdução do project finance ocorreu somente na década
de 1990, depois do processo de privatização, quando os setores de
infra-estrutura, que haviam sido concedidos à exploração pela iniciativa privada, passaram a necessitar de novas fontes para seus investimentos. A mudança de gestão produziu relevantes alterações no cenário
econômico brasileiro, tornando necessário recriar e/ou inventar arranjos
financeiros, capazes de financiar um setor vital para impulsionar o crescimento econômico. Os investimentos em infra-estrutura são elevados, com
alto risco político, a impossibilidade de oferta de garantias reais (bens
reversíveis ao poder público) e supõe longa maturação, o que foge à lógica
vigente no setor financeiro local.
Para tanto, o project finance apresentou-se como uma alternativa ao financiamento para os projetos de infra-estrutura, anteriormente de domínio
estatal (quando não tinham necessidade de oferecer garantias aos entes
financeiros públicos). Adiante, serão destacadas as características que compatibilizam a utilização dessa modalidade para os projetos do setor. Conforme explicitado por Azeredo (1999), a estratégia de expansão e financiamento dos investimentos em energia elétrica, por exemplo, privilegia o
financiamento através de capitais de terceiros, principalmente por project
finance, no qual o risco do empreendimento é compartilhado, reduzindo a
exposição dos sócios à sua participação no projeto. Adicionalmente, proporciona-lhes maior alavancagem financeira ao permitir que participem de
vários projetos simultaneamente.
4. Características
É desejável que os projetos a serem financiados pela modalidade de project
finance tenham as seguintes características, que coincidem com as do setor
de infra-estrutura:
i)
existência como um investimento econômico separado, preferencialmente segregado em uma sociedade de propósito específico (SPE);
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PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
ii)
porte elevado de investimento, exigindo um alto grau de alavancagem
por parte dos acionistas caso fosse financiado através de financiamento
corporativo;
iii) bom nível de previsibilidade sobre o fluxo de caixa e a taxa de retorno,
como no caso de um monopólio natural, reduzindo assim o risco
mercadológico do serviço ou produto ofertado;
iv) segregação e alocação de riscos entre necessariamente múltiplos participantes, com a redução de solidariedade dos sócios; e
v) possibilidade de os credores/interessados poderem tomar medidas efetivas para trazerem a si a execução ou operação do projeto em caso de
necessidade.
Esses itens caracterizam uma situação ideal, o que nem sempre pode ser
aplicável na prática. O último item, por exemplo, é de muito difícil execução
no Brasil, quando se tratar de concessão de serviço público.
Também é preciso lembrar que, embora normalmente se pense em um
project finance como aplicável a um projeto novo (green field), como
ocorreu com todas as operadoras de Banda B em telefonia celular, também
é comum utilizar-se dessa engenharia financeira para projetos existentes,
em ampliação (brown field), como foi o caso de campos ou refinarias de
petróleo em projetos da Petrobras [Bononi e Malvessi (2002)].
Neste último caso, providencia-se uma auditoria física, econômico-financeira e legal (due diligences), além das demais providências antes da
montagem de parceria, buscando identificar todas as contingências decorrentes do histórico da operação. Uma auditoria legal, por exemplo, envolveria aspectos processuais, societários, contratuais, tributários, trabalhistas,
fundiários/imobiliários e regulatórios.
Em um projeto empreendido diretamente pelo Estado os recursos são
orçamentários, não costumando haver financiamento e, se houver, no caso
de empréstimo externo, o projeto é classificado de acordo com o risco
soberano. Na hipótese de tratar-se de uma empresa pública ou de uma
sociedade de economia mista, os financiamentos obtidos são de agentes
públicos ou, no caso de crédito externo, geralmente têm o aval do Tesouro.
Isso, em princípio, reduziria o risco de crédito para os bancos e credores em
geral, tendo em vista que a arrecadação tributária, associada ao governo, é
uma fonte de receita permanente, que afastaria (em tese) a possibilidade de
falência do negócio. Esse raciocínio conduz, em nosso Direito, à conclu-
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são de que só há project finance para pessoas jurídicas de direito
privado, de controle público ou privado.
A mudança de paradigma pós-privatização da infra-estrutura está relacionada à mudança do perfil de risco a ser assumido pelos entes privados e pela
forma utilizada para mitigá-lo. A escolha pelo project finance, muitas vezes,
ocorre em função da substituição das garantias usuais, geralmente recursos
oferecidos pelos acionistas (fiança ou aval), conhecidas como garantias
solidárias (full recourse), por duas novas modalidades: a de recurso limitado
(limited recourse) e a de empréstimo sem garantias (non-recourse) de
terceiros.
As garantias de um financiamento sem solidariedade (sem fiança ou aval,
por exemplo) dada por terceiros (non-recourse) podem ser classificadas
como as ideais de um project finance, do ponto de vista do patrocinador,
embora representem uma parcela mínima das operações de project finance
no mundo. Essas garantias são constituídas, primordialmente, pelas receitas
do projeto apoiado, bem como pela oneração de ativos da empresa-projeto
(SPE):7 ações; contas bancárias, inclusive da conta caução para o serviço da
dívida; contratos; apólices de seguro; hipoteca dos bens móveis e imóveis
da SPE. A grande desvantagem para o empreendimento desse tipo de arranjo
financeiro é o aumento do risco do negócio para os demais parceiros, que
não o patrocinador, podendo encarecer o custo do financiamento. Como todo
project finance concentra o risco dos interessados em um único projeto, não
há o benefício da diluição desse risco pelos diferentes projetos que são
tocados ao mesmo tempo em uma corporação. Ao concentrar o risco
(teoricamente) aumenta o custo até onde o mercado aceite.
Já o empréstimo utilizando a modalidade de solidariedade limitada (limited
recourse) figura como uma alternativa intermediária. Por exemplo, os sócios
(ou fornecedores ou construtores etc.) oferecem fiança ou aval (ou pagam
uma fiança bancária) enquanto durar a fase de construção, que é o momento
mais arriscado (e sem receita) do projeto. Essa garantia oferecida por
terceiros pode ter um prazo determinado ou ser dada apenas em um
empréstimo-ponte que cubra o risco de construção ou ter uma previsão,
em contrato de longo prazo, de migração para uma garantia calcada na
receita do projeto. A inclusão de garantias adicionais temporárias ou
limitadas no tempo ou no valor, oferecidas por terceiros (acionistas etc.),
reduz os riscos envolvidos no empreendimento e, conseqüentemente, torna
7 A definição desse termo encontra-se em trabalho do co-autor na Revista do BNDES (1999).
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PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
o custo do financiamento menos elevado. Pelos motivos apontados, essa
modalidade é a mais utilizada pelo mercado [Finnerty (1999)].
O maior problema para a aplicação dos fundamentos de um project finance
no setor de infra-estrutura no Brasil, especialmente quando houver concessão de serviços públicos envolvida, é a impossibilidade de os credores
(bancos, seguradoras, fornecedores etc.) poderem assumir a conclusão da
implantação ou a operação do projeto. Pela lei brasileira de concessões de
serviços públicos, a assunção do projeto por terceiros pode ser entendida
(inclusive judicialmente) como fraude ao processo de licitação da concessão, ainda que busque atingir os fins do interesse público.
5. Estrutura e Participantes
A estrutura básica desse instrumento apresenta a SPE (Sociedade de Propósito Específico) no centro, cercada pelos seguintes agentes: poder concedente; acionistas8 (sponsors); compradores (off-takers); Financiadores9 (lenders); operadores (operators); banco líder10 (arranger); fornecedores (suppliers); construtores (constructors); seguradoras (insurance companies);
conselheiro financeiro11 (financial advisor); engenheiro independente12 (independent engineer); agente fiduciário13 (trustee); e assessoria jurídica14
(legal advisors). Para que o financiamento seja caracterizado como um
project finance é preciso que todos os participantes assumam algum tipo de
responsabilidade. A Figura 1 mostra a estrutura de uma operação no setor
hidroelétrico, sendo o Pacote de Garantias referente ao crédito de longo
prazo ou às debêntures.
As relações contratuais entre as partes envolvidas são o cerne da modalidade
de financiamento em questão. É através dos contratos que os riscos serão
8 Acionistas: têm interesse direto no projeto, o qual torna-se mais uma oportunidade de negócio.
9 Financiadores: os principais financiadores dessa modalidade de financiamento são bancos, agências bilaterais e multilaterais, ACEs, fundos de pensão, fundos de investimento etc.
10 Arranger ou estruturador é um dos bancos envolvidos no financiamento, que possui a missão de
estruturar o financiamento, sendo o responsável pelos termos do empréstimo e pela documentação.
11 Financial advisor ou consultor financeiro é o conselheiro financeiro independente, cujo papel é
instruir os acionistas quanto aos riscos envolvidos e quais seriam os instrumentos e as fontes de
financiamento que poderiam mitigá-las. Geralmente, um banco comercial de reconhecida reputação internacional.
12 O engenheiro independente desempenha um papel semelhante ao dos auditores independentes, ou
seja, assegura aos demais participantes a viabilidade e as condições técnicas do projeto.
13 Trustee ou agente fiduciário é o agente responsável pela administração do fluxo de caixa, realização
de pagamentos e o controle sob o recebimento de receitas do projeto.
14 O assessor jurídico é uma das figuras mais importantes na fase de análise e preparação do
financiamento, devido à complexa estrutura contratual.
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FIGURA 1
Estrutura do Project Finance
Poder
Concedente
Acionistas
Debêntures
Instituições
de Crédito e
Financiadores
Capital
Construtores
SPE
((Locais
Locais ee Externas)
Externas
Externas))
Fornecedores
Operadores
Seguradoras
Trustee:
Recebíveis
Recebíveis
+
Conta
Conta Reserva
Reserva
Receitas/
/Serviços ee
Receitas
Receitas/Serviços
Produto
Produto Final
Final
Usuários
Pacote de
Garantias
Caução de Ações
Direitos Emergentes
Penhor de
Recebíveis
Conta-reserva
alocados, substituindo, dessa forma, as garantias usuais (carta de fiança, hipoteca, aval, carta de crédito etc.) pelas garantias de construção, de performance e assemelhadas, mais adaptadas a esse tipo de engenharia financeira.
Essa técnica requer um arranjo contratual complexo (pela quantidade de participantes envolvidos) e oneroso (pelos estudos e pareceres
exigidos pelas partes), além de longos prazos para a sua elaboração (envolvendo desde legislação comparada até problemas de relações humanas). Tais arranjos necessitam de um ambiente em que os contratos sejam
instrumentos confiáveis e respeitados, pois neles baseiam-se todas as responsabilidades, garantias e divisão de riscos.
Antes de buscar parceiros para a formação do project finance é preciso que
os acionistas já tenham desenvolvido o plano de negócios (business plan)
do projeto. Além disso, as autorizações do órgão responsável pelo meio
ambiente e do poder concedente, bem como o comprometimento por parte
dos consumidores, são aspectos relevantes na projeção do fluxo de caixa e,
conseqüentemente, facilitam a montagem das fontes do projeto.
O envolvimento prévio de fornecedores, construtores e operadores favorece
a estruturação financeira do project finance, partindo do princípio de que a
participação efetiva desses agentes minimizará os riscos relativos a não
conclusão e operação do projeto.
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PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
Adicionalmente, a participação de fornecedores poderá significar mais uma
fonte de financiamento, já que a maioria dos países desenvolvidos dispõe
de agências que concedem financiamento aos compradores de seus bens
exportáveis pelos grandes fornecedores de equipamentos. Elas são chamadas de ACE (Agências de Crédito, ou de Fomento, à Exportação), em inglês,
ECA (Export Credit Agencies), muito ativas nesse tipo de estruturação
financeira.
6. Riscos Ponderados
A análise e a avaliação de um projeto devem identificar os riscos incidentes,
quais seus impactos no fluxo de caixa e as ações que devem ser implementadas para mitigá-los. Por exemplo, o apoio inicial ao projeto através de
empréstimos-ponte corporativos (por causa do risco e da ausência de
receita), que depois poderão migrar para um project finance, quando a
receita estiver estabilizada nos níveis pactuados entre as partes. Essa
ausência de características de project finance nos financiamentos durante a fase de implantação é observada no Brasil e no exterior. Deriva
da simples lógica de não haver forma de recuperação para um empreendimento nessas bases, caso ele não chegue a ser completado. Essa fase
é, normalmente, de risco exclusivo do construtor, do sócio ou do fornecedor
de equipamentos.
Diferentemente da estrutura de project finance, no financiamento corporativo os riscos são assumidos quase integralmente pelos financiadores e pelos
patrocinadores, em condições em que se sintam confortáveis. A exposição
do fornecedor ao risco, que aceita receber em função do início da receita do
projeto, é uma forma adicional de financiamento, podendo acarretar custos
mais elevados para os tomadores de recursos, por cobrirem a fase de
implantação, ou menores, se fizerem parte de uma estratégia de vendas.
A assunção de risco obedece à lógica risco/retorno. Como o patrocinador
tem o maior risco, tem direito ao maior retorno. Como o agente financeiro
assume, em princípio, apenas o risco financeiro, atribuirá ao patrocinador/operador todos os riscos operacionais. Embora sempre haja espaço
negocial em um project finance.
Os riscos15 mais comuns aos projetos dos setores de infra-estrutura adiante
listados (sem pretensão de esgotá-los) vêm sendo mitigados através de
15 Cabe ressaltar que a avaliação dos riscos é pertinente às duas fases: construção e operação.
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instrumentos disponíveis, conhecidos na prática brasileira e internacional.
Por exemplo, a alocação e mitigação dos riscos poderão ser feitas através
de seguros, contratos, instrumentos de mercado, oneração de ativos, participação de instituições de crédito internacionais, consórcio (sindicato) de
agentes financeiros, conta-garantia bloqueada (escrow account) etc.
Há diversas formas de classificar esses riscos. Este trabalho não tem a
pretensão de descrevê-los ou esgotá-los, mas apenas mostrar relações lógicas entre eles e as medidas de mitigação. Por exemplo, o risco tecnológico
pode ser visto como um risco isolado ou desmembrado no risco de construção (ou implantação) e no risco de operação. De qualquer forma, os
riscos, listados aqui de maneira pontual, correspondem a alguns dos mais
importantes utilizados em matrizes de análises de projetos já realizadas no
Brasil e sempre avaliados como um todo e não isoladamente.
Em uma ótica de credor, pode-se dividir os riscos, também, em operacionais
e financeiros. Os riscos operacionais afetam a geração operacional de caixa,
tais como os riscos comerciais, setoriais, de caso fortuito e de força maior
(cobertos por seguros). A partir daí, temos os riscos financeiros propriamente ditos, os soberanos (de uma forma geral) e os legais, que também
permeiam os operacionais.
Risco Comercial
O sucesso comercial do projeto depende de uma série de fatores, entre os
quais: a conclusão (recebimento do projeto, desobrigando o fornecedor ou
o construtor); a escolha de uma tecnologia adequada; a correta avaliação
econômico-financeira (demanda, custo e o fornecimento de matéria-prima
e a avaliação do projeto); a operação e o cumprimento das exigências
regulatórias, especialmente as ambientais.
É interessante observar que o conceito ideal de fim da implantação e início
do risco comercial não é a conclusão da obra ou o início da produção, mas
a estabilização das receitas geradas pelo projeto. Esse será o fator fundamental para a definição do fim do período de carência dos empréstimos
e do início da amortização.
Risco Financeiro
O risco de financiamento refere-se à exposição aos efeitos de possíveis
desequilíbrios no fluxo de caixa do projeto decorrentes da descontinuidade
em relação às projeções quanto a inflação, taxa de juros e de câmbio.
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PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
Projetos modulares admitem financiamentos através de diferentes subcréditos com diferentes prazos e condições, permitindo carências intermediárias ou cobranças em função de eventos previstos contratualmente. Outra
forma de lidar com esse risco é a utilização mesclada de instrumentos de
mercado financeiro e de capitais, dando flexibilidade (e complexidade) ao
projeto.
Diante do risco em project finance, é comum a formação de consórcios de
diferentes agentes financeiros para a diluição desse risco, exigindo a contratação de pactos entre esses credores para tratar de questões relativas a
tratamento de inadimplência, cobrança, taxas, execução judicial etc. Também é comum que esses financiadores repassem seus riscos, no todo ou em
parte, a terceiros, numa espécie de resseguro. Assim como também é comum
que as sociedades operadoras do projeto sejam joint-ventures com vários
sócios que compartilhem o poder de decisão e os riscos relativos a aportes
extraordinários de capital. Isso exigirá a elaboração de acordos de acionistas
suficientemente complexos para definir o comprometimento individual das
partes.
Normalmente os project finances têm vários patrocinadores (sócios) e
vários credores, tomadores primários de risco e tomadores residuais.
Risco do País (ou Soberano)
O risco soberano, ou do país, envolve aspectos políticos partidários (credibilidade em uma mudança de poder), de moeda ou de câmbio (moratória ou
transferências para o exterior), regulatórios (setorial, ambiental, de concentração econômica etc.) e legal. É também conhecido, em termos jurídicos,
como Risco de Atos de Império ou Atos de Poder do Príncipe, quando
interfere em relações privadas já pactuadas, como no caso de um confisco
ou um programa de racionamento obrigatório.
O risco de câmbio pode apresentar-se através de um embargo ou boicote ao
projeto quando decide pelo não pagamento de suas dívidas ou pela interrupção nas remessas de divisas devidas por força do comércio exterior ou
atos de guerra, afetando negativamente a política do país de captação de
divisas em moedas fortes.
O risco político pode ser assumido pelos acionistas do projeto, mas quando
isto não é possível, os financiadores, algumas vezes, assumem tais riscos.
A securitização dos recebíveis associados aos contratos de venda da produ-
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ção de petróleo e gás natural, pelos países em desenvolvimento, é um
exemplo de assunção de risco político.
O risco político pode ser atenuado tomando-se recursos financeiros para o
projeto com bancos locais. Supõe-se que estes sofreriam financeiramente
menos ou teriam outras formas de ressarcimento, se o projeto vier a ser
impedido de liquidar sua dívida devido à expropriação de seus ativos.
Também pode ser mitigado tomando-se os recursos financeiros para o
projeto com o Banco Mundial (Bird), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ou com outro órgão multilateral de financiamento, os quais
possuem subsidiárias que cobrem risco político para países em desenvolvimento. Várias agências multilaterais, empresas e fontes governamentais
oferecem seguros contra riscos políticos. A cobertura e o montante a ser
coberto variam no tempo. Geralmente, as taxas são altas e o montante
disponível a ser a assegurado é limitado.
O risco legal refere-se, ainda, à execução dos contratos em bases jurídicas
distintas daquelas contratadas. Por exemplo, o arcabouço legal do país onde
o projeto estará sediado pode não ser o mesmo dos financiadores, gerando
avaliação incorreta de riscos. Com o objetivo de minimizar o risco legal nas
duas pontas, utilizam-se conselheiros locais ou escritórios de advocacia
internacionais.
Risco de Caso Fortuito ou Força Maior
O risco de caso fortuito ou força maior (Acts of God) – catástrofes provocadas pelo homem ou pela natureza – pode ser segurado até um certo limite,
através de contratos de seguro existentes no mercado. De todos os tipos de
riscos citados, é o que não pode ser controlado pelas partes envolvidas no
project finance.
Refere-se a algum determinado evento que possa prejudicar, ou impedir
completamente, a operação do projeto por um período de tempo prolongado,
já desde o período de construção e sua entrada em operação. No âmbito mais
geral, destacamos a ocorrência de guerras, revoluções, enchentes, terremotos, furacão, podendo ocorrer alguns eventos restritos à área de atuação
daquele empreendimento, inviabilizando a sua operação devido a uma falha
técnica, incêndio etc.
Certos eventos de força maior, como incêndios e terremotos, podem ser
garantidos por seguro. Os credores exigirão das partes financeiramente
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PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
capazes garantias de que as exigências de serviço da dívida do projeto serão
atendidas no evento de uma ocorrência de força maior. Se da ocorrência de
um evento de força maior resultar o abandono do projeto, os credores
geralmente exigirão a amortização da dívida em bases aceleradas. No caso
de eventos cobertos por seguro, os credores exigirão que os acionistas dêem
ao projeto seu direito de recebimento de indenizações de seguro como
garantia parcial dos empréstimos.
Risco Setorial
O risco setorial está relacionado a variáveis que influenciam o desempenho
do setor no qual está alocado o projeto. Podemos destacar o arcabouço
regulatório (visto como interferência nas regras de mercado do setor), o grau
de competição e de concentração.
São exemplos de setores com características específicas, o setor elétrico com
expressiva demanda de recursos e prazos dilatados; o setor de telecomunicações com produtos diferenciados, competitivo e com alto risco tecnológico; setores, como gás de cozinha e transporte urbano, que são sensíveis à
influência política em sua tarifação. Também devem ser tratados de forma
diferenciada os setores com baixa transparência contábil ou capazes de
mobilizar a mídia.
Risco Legal
O risco legal, examinado do ponto de vista microeconômico, envolve
primeiramente o exame da existência e regularidade das partes, as técnicas
de estruturação, segregação e securitização, bem como o conteúdo das
cláusulas contratuais, que consubstanciam os objetivos do projeto e suas
condições financeiras. O risco legal também trata do exame da regularidade
dos diferentes processos decisórios envolvidos e da competente representação das partes nos instrumentos contratuais.
Em especial, o risco legal cuida da constituição e registro de garantias ou de
medidas mitigadoras de riscos, do acompanhamento de medidas legislativas
e administrativas pertinentes ao projeto, bem como da negociação da inadimplência e efetividade, em juízo, das medidas coercitivas necessárias.
Estuda também as obrigações de fazer e de não fazer (covenants), que
representam interferências diretas sobre os gestores da SPE e dos demais
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intervenientes, obrigando-os à prática de certos atos (affirmative covenants)
ou restringindo outros (negative covenants), buscando a solvência do projeto
e a realização do fluxo de caixa projetado, que devem ser observados durante
a existência do projeto. Podem ser também dirigidos à prática de atos que
permitam a manutenção da posição dos credores, como a proibição de dar
garantias reais ou pessoais a terceiros e a autorização plena de acesso à
contabilidade da SPE.
São exemplos de covenants as obrigações da manutenção de indicadores
financeiros que obriguem a manutenção de um capital de giro mínimo ou
uma relação própria entre capital de risco e capital de empréstimo. O seu
descumprimento resultará em um evento que dará eficácia a alguma ação
concreta, exigida por uma das partes. Por exemplo, a verificação do desequilíbrio entre capital próprio e de terceiros pode obrigar alguém (um sócio)
a aportar capital à conta de patrimônio líquido da SPE.
Esses indicadores financeiros normalmente tratam de alguns índices mínimos de liquidez que dêem conforto às partes envolvidas na operação,
especialmente que dêem conforto aos credores para o repagamento. Os
eventos determinados em contrato exigem a criação de um banco ou empresa
de auditoria como mandatário das partes para fazer o acompanhamento
detalhado do risco emergente do projeto e a tomada de medidas mitigadoras
próprias.
7. Medidas Mitigadoras16
As medidas mitigadoras envolvem um elenco de hipóteses que englobam
atos como o controle ou acompanhamento do projeto através de contratos,
o financiamento de riscos emergentes (como um crédito de reserva –
stand-by – para financiar filtros de proteção ambiental, exigidos em legislação inexistente à época da implantação), a realização de estudos ou
pesquisas, a sua alocação a um (ou mais) dos participantes (para ser coberto,
absorvido ou assumido) e até a decisão de não investir acima de certo limite,
vender a posição a partir de certo estágio ou retirar-se do projeto em
circunstâncias determinadas.
Em relação ao setor de infra-estrutura, o maior entrave é a falta de liquidez
dos ativos tradicionalmente oferecidos como garantia pelos acionistas. Não
é possível receber em garantia, em um projeto de uma hidrelétrica, por
16 Para maiores detalhes, ver Fabozzi & Nevitt (1995), Finnerty (1999) e Azeredo (1999).
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PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
exemplo, o reservatório, as construções civis ou os equipamentos, seja
por restrição legal, seja pela impossibilidade de retirá-los ou ter um
comprador para eles. Essa característica reforça a opção dos projetos
de infra-estrutura pelo project finance.
O pacote de garantias de empréstimos recai em duas categorias gerais: as
medidas que asseguram a conclusão e operação do projeto e as que asseguram o pagamento pontual do serviço da dívida após a conclusão do
projeto. Cada um dos riscos e exposições demanda um tipo de tratamento
específico, adaptando-os às características econômicas do projeto e às
escolhas de risco e retorno das várias partes envolvidas no projeto.
O próximo passo será estudar os principais instrumentos utilizados na
mitigação dos riscos, ainda que de forma superficial, já que este não é o
escopo principal deste trabalho.
Contratos17
Cabe ressaltar que o simples uso das obrigações contratuais não minimiza completamente os riscos envolvidos nesse tipo de transação financeira. É preciso que os contratos sejam compatíveis com a legislação
local e internacional. A maioria dos contratos citados adiante foi concebida seguindo a base legal anglo-saxã, exigindo adaptação ao regime
romano-germânico usado no Brasil, sob pena de não serem efetivos ao
serem demandados em juízo.
• Contrato Take-or-Pay
Nesse tipo de contrato o consumidor da produção ou dos serviços do projeto
se compromete a pagar periodicamente por uma quantidade estipulada da
produção ou serviços, independentemente do fato de recebê-los ou não.
• Contrato Take-If-Offered
O contrato obriga o comprador da produção ou dos serviços do projeto a
receber e pagar pelos serviços ou produção apenas se o projeto for capaz de
entregá-los. O pagamento só é feito mediante a entrega.
17 As definições para os contratos destacados nesta seção, estão baseadas em Finnerty (1999).
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• Contrato de Compra de Energia (PPA – Power Purchase Agreement)
Esse tipo de contrato assegura, ao produtor, garantia de venda da energia
gerada, sendo um importante instrumento na estruturação de um financiamento de projetos de energia elétrica.18
• Contrato de Custo de Serviço (Cost of Service Contract)
O contrato exige que cada devedor pague sua parte proporcional dos custos
do projeto à medida que forem efetivamente incorridos, em troca de uma
parcela, definida em contrato, da produção ou dos serviços disponíveis do
projeto.
• Contrato de Supply-or-Pay
Obriga o fornecedor de matéria-prima a entregar as quantidades necessárias
de matéria-prima especificadas no contrato ou então realizar pagamentos à
entidade-projeto que sejam suficientes para cobrir o serviço da dívida.
• Contrato de Pedágio (Tolling Agreement)
A empresa-projeto cobra pedágio pelo processamento de matérias-primas
que geralmente são de propriedade dos acionistas do projeto e por eles
entregues.
Garantias Complementares19
Apesar de a estrutura de project finance privilegiar as garantias de performance, as garantias usuais, como carta de fiança, ativos, hipoteca, aval dos
acionistas etc., também podem ser acionadas como suporte financeiro.
Muitas vezes são pedidas, pois, embora ineficazes como retorno, elidem o
risco de uma concordata, significam uma posição privilegiada no quadro de
credores na falência ou servem de instrumento de negociação numa execução singular (distorções derivadas do rito processual de cobrança judicial).
A garantia mais compatível com a lógica do project finance é a retenção de
receitas futuras do projeto, o que pode ser feito através de contas em um
18 Este tópico foi abordado em trabalho do co-autor, na Revista do BNDES (1998).
19 Mais detalhes, ver Finnerty (1999).
260
PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
agente fiduciário (trustee), sob diversas modalidades, especialmente meio
de pagamento ou escrow account.
O suporte financeiro pode tomar a forma de uma carta de crédito. Pagamentos realizados sob carta de crédito ou de garantia são geralmente tratados
como empréstimos subordinados feitos à empresa-projeto. Em alguns casos,
é vantajoso comprar a garantia de um terceiro financeiramente capaz para
fornecer suporte creditício às obrigações da SPE. Tais formas de suporte de
crédito são utilizadas em conjunto com financiamentos com benefícios
fiscais e financiamentos através de commercial papers.20
Seguros
A compensação dos investidores por eventuais sinistros (por exemplo,
acidentes) e a concessão de seguros garantia contra riscos de força maior e
o político21 funciona não só como uma medida mitigadora para estes riscos,
mas também como uma forma de financiamento que se difere das demais
por não estar vinculada necessariamente a desembolso de recursos. Os
seguros garantia são ideais para projetos com garantias a serem constituídas
durante a sua implementação.
O seguro garantia é um contrato acessório que visa assegurar a plena
satisfação do objeto contratual, garantindo a sua consecução na forma
planejada pelas partes. São exemplos de seguro garantia: executante (performance bond), concorrência (bid bond), adiantamento de pagamento,
retenção de pagamento, perfeito funcionamento, aduaneiro e imobiliário.
O seguro garantia assegura obrigações de fazer (obras, entregas etc.) e não
substitui as garantias reais ou pessoais, que exigem a execução do contrato
para o ressarcimento de obrigações financeiras. O pagamento decorrente de
fiança, por exemplo, é feito a primeiro requerimento, enquanto as indenizações decorrentes de seguro garantia só serão feitas após a verificação
do prejuízo pela seguradora e se não estiver incluído em casos de exclusão
de pagamento. Isso ocorre também no caso do seguro garantia financeira,
que é o produto concorrente da fiança bancária.
20 Commercial papers ou notas promissórias comerciais dizem respeito a um título de curto prazo
emitido por instituições não financeiras, sem garantia real, podendo ser garantido por fiança
bancária, negociável em mercado secundário e com data de vencimento predefinida. Essa modalidade de captação de recursos foi criada, no Brasil, em novembro de 1990, com o objetivo de que
as empresas utilizassem esse instrumento para obter recursos de curto prazo que resolvessem seus
problemas de caixa.
21 Ver maiores detalhes em artigo do co-autor na Revista do BNDES (1998).
REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 9, N. 18, P. 241-280, DEZ. 2002
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Seguros garantia de construção são feitos por, no máximo, 50% da obra.
Ocorrida a paralisação com a realização de mais de 50% da execução física
da obra, a seguradora assume e termina a obra; em percentual inferior, a
seguradora pagará aos credores o valor desembolsado.
Um contrato de seguro abrangente torna a seguradora mais uma parte a
acompanhar o andamento do projeto, a ter acesso a seus controles físicos e
contábeis, a ser ouvida em caso de alterações e a ter acesso a contragarantias.
Instrumentos de Mercado
A medida indicada para mitigar os riscos financeiros seria a utilização de
instrumentos modernos disponíveis no mercado de capitais, como os derivativos, conhecidos como um dos instrumentos de hedging22 (contratos a
termo, contratos futuros,23 opções,24 cap/floor25 e o swap26). Cabe salientar
que esses instrumentos são de curto e médio prazos, dificilmente podem ser
utilizados para projetos de longa maturação. No Brasil, o prazo mais longo
que o mercado dispõe é de um ano, não cumprindo a finalidade a que é
22 Os instrumentos de hedging procuram proteger o investidor de uma determinada exposição. Tais
instrumentos são usados de forma a compensar eventuais perdas, quanto a exposições atuais
relativas a expectativas inversas no futuro. Assim, quando uma posição gerar perdas, a outra estará
ganhando. Ou seja, o hedge é uma espécie de “seguro”, o qual recebe uma dinâmica muito similar
à das ações cotadas em bolsa, i.e., a sua cotação depende da demanda e oferta de contratos a serem
oferecidos no mercado com características compatíveis. O uso desse instrumento nem sempre está
associado ao objetivo de proteção. Muitas vezes, são usados para arbitragem e podem gerar ganhos
consideráveis numa aposta acertada, ou perdas, em caso contrário. A liquidez desses contratos nos
mercados financeiros se dá através desse uso.
23 As operações envolvendo o mercado de futuros representam a compra e venda de contratos de um
determinado ativo hoje para ser exercido no futuro a um preço prefixado. O caso do investidor que
possui uma dívida cotada em dólar é um exemplo, pois ele poderá comprar contratos futuros
que garantam comprar uma quantidade dessa moeda, cujos data e preço estão estabelecidos em
contrato. Esse tipo de operação pode ser estendido para outras variáveis (commodities, ações, juros
etc.).
24 As opções possibilitam maior flexibilidade na redistribuição dos riscos entre os agentes que são
avessos ao risco e os que aceitam. Esses papéis dão aos seus compradores o direito de comprar ou
vender um determinado número ou quantidade de um ativo no futuro, a um preço preestabelecido
(Nota Técnica ANP 08/1999).
25 Contrato de teto (Cap) de taxas de juros obriga o vendedor do contrato a pagar ao seu comprador
a diferença entre a taxa de juros do mercado e a taxa-teto especificada sempre que a taxa de juros
do mercado exceder a taxa-teto. Contratos de piso (floor) de taxas de juros permitem uma
remuneração mínima.
26 Fortuna (1997) define o swap como troca ou permuta e designa como uma operação cada vez mais
procurada pelo mercado financeiro internacional, envolvendo inclusive várias empresas brasileiras. As operações de swap são largamente utilizadas por empresas com dívida em dólar corrigidas
por taxas flutuantes, as quais contratam para as transformarem em dívidas com taxas fixas ou
vice-versa. O Banco Central, através da Resolução 1.902, autorizou as operações de swap de taxas
de juros. Existem quatro tipos de swap: swap de moeda, swap de taxa de juros, swap de commodities
e o swap de ações.
262
PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
proposta. Isso explica o caráter quase monopolista que bancos públicos,
como o BNDES (que tem garantida fonte de longo prazo), têm em nosso
mercado.
Essas opções permitem oportunidades para reduzir, sobretudo, os riscos
relacionados aos custos financeiros (funding costs), ou seja, taxas de juros
e de câmbio, e aos custos associados às flutuações de preços de commodities.
Os credores geralmente emprestam recursos a um projeto se seus empréstimos forem expostos a riscos econômicos ou de negócios. Os credores estão
dispostos a assumir algum risco financeiro, mas insistirão em ser compensados por esse risco. Por essa razão faz-se tão necessária a identificação dos
riscos (e do grau de riscos) que os credores se dispõem a assumir. Quanto
maior a confiança no sucesso do projeto e na previsibilidade do fluxo de
caixa, maior o nível de envolvimento financeiro por parte dos credores, por
exemplo, pelo aumento do volume financiado. A identificação dos riscos
significativos do projeto e a elaboração de disposições contratuais para
alocá-los, entre as partes dispostas a assumi-los ao menor custo possível,
não são uma tarefa fácil. Esse processo demanda tempo, profissionais
qualificados e um ambiente econômico-legal favorável.
7. Formas de Financiamento
Conforme ressaltado por Benoit (1995), operações de project finance envolvem várias formas de financiamento. Os principais tipos geralmente
presentes nesse tipo de estrutura de financiamento são:
Recursos Próprios dos Acionistas (Equity)
Usualmente, uma operação de project finance começa com o aporte de
capital por parte dos acionistas. O aporte inicial de recursos tem como
contrapartida o direito sobre a participação acionária da empresa e, conseqüentemente, nos seus lucros. Entretanto, esse acionista ou patrocinador
tentará limitar ao máximo sua responsabilidade solidária (non- ou
limited recourse). No Brasil, a aplicação da teoria da desconsideração
de personalidade jurídica praticamente inviabiliza o non-recourse.
Existem basicamente dois tipos de equity em project finance:
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– equity direto, no qual os investidores participam da administração ou da
operação ou de ambos; e
– equity passivo (portfólio), no qual os investidores somente investem os
seus recursos, delegando a administração aos demais acionistas ou a
profissionais especializados.
Recursos de Terceiros (Debt)
Os recursos de terceiros significam uma forma de financiamento isenta de
participação direta no projeto e/ou empresa em questão. No caso do project
finance, a captação de recursos necessários para o seu financiamento é um
ponto central. O atributo principal da dívida (debt) é especificamente o
retorno sobre o investimento, compatível com o retorno tradicionalmente
auferido em operações de crédito, mas provisionando proteção contra perdas
provenientes, principalmente, dos ativos do projeto.
Esse tipo de financiamento é freqüentemente provido por colocações privadas (quer dizer, negociações entre o acionista e os investidores). Alternativamente, esse financiamento pode, em certas circunstâncias, ser viabilizado
via mercado de capitais (por exemplo, títulos públicos).
Os créditos concedidos por construtores contratados (contractors), fornecedores (suppliers) e compradores (purchasers) são mais uma forma de
financiar as estruturas de project finance. Além desses, o leasing é também
muito utilizado para o financiamento de máquinas e equipamentos, ou
mesmo imóveis no caso de lease back. Muitas vezes, determinados projetos
destinam-se a atender às necessidades de determinado comprador (consumidor). O caso do setor elétrico é bem ilustrativo, pois as distribuidoras de
energia elétrica constroem, ou incentivam a construção, de plantas de geração para que, dessa forma, haja capacidade para atender à sua demanda.
Fornecedor não se restringe apenas ao fornecedor do insumo utilizado, por
exemplo, na produção de energia, mas são também as máquinas e equipamentos necessários à sua perfeita operação. No que tange ao comprador,
podemos citar as distribuidoras, os comercializadores e os grandes consumidores de energia elétrica. Os contratos de garantia firme de compra da
energia viabilizam a concessão de financiamentos; caso em que a classificação de risco de um projeto em operação desloca-se da SPE para o rating
das compradoras.
264
PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
Muitas agências governamentais (Eximbanks) oferecem, diretamente ou
através de repasses dos fabricantes de equipamentos, financiamentos condicionados a compras de certos produtos ou serviços (suppliers’ e tied
credits). São também comuns os financiamentos com um teto de juros, após
o qual os valores devidos são transformados em capital (sweat capital).
Recursos Híbridos (Quasi Equity)
Essa terceira forma de investimento, como o próprio nome exprime, é uma
mescla das duas alternativas apresentadas anteriormente, a qual denominase quasi equity. Significa uma modalidade de financiamento que freqüentemente tem a forma de recursos de terceiros, mas com algumas características
de recursos próprios. Estão incluídas, nesta categoria, as debêntures conversíveis, os commercial papers de curtíssimo prazo, entre outros investimentos que possuem atributos de debt e equity. Sua característica jurídica
é o fato de serem preferidos pelos demais credores em caso de quebra, só
preferindo aos sócios, o que dá aos demais credores a certeza de não dividirem pro rata o retorno judicial.
Utilizemos o caso de uma debênture que é um instrumento típico de recursos
de terceiros, pois não pressupõe uma possível participação acionária. Já no
caso de uma debênture conversível em ação, ela pode ser caracterizada como
recurso “próprio”, caso a opção seja realizada. Para tanto, o mercado de
capitais é o canalizador dessa modalidade de financiamento, pois é através
dele que os demais agentes são acionados.
8. Fontes de Financiamento27
Os investimentos no setor de infra-estrutura demandam alto volume de
recursos, sendo necessário envolver diferentes fontes de financiamento a
fim de levantar os recursos necessários para a implementação do projeto.
Para tanto, serão relacionadas a seguir as principais fontes de financiamento
utilizadas pela estrutura de project finance. Cada uma delas desempenha
uma função dentro dessa estrutura, mas o grande diferencial do project
finance é obter o comprometimento de todos agentes na viabilidade do
projeto.
27 As informações dos órgãos citados neste trabalho estão disponíveis em seus sítios eletrônicos na
internet.
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Os investidores mais importantes de um project finance em infra-estrutura,
além dos fornecedores na fase de construção, são agentes que tenham
disponibilidade de fontes (funding) de longo prazo e que necessitem de recursos perenes, tais como fundos de pensão e as reservas técnicas de instituições financeiras e de seguradoras.
Em operações internas, há uma grande distorção pelo peso expressivo
do BNDES no papel de provedor de recursos de longo prazo, atuando
quer diretamente, quer através de agentes repassadores, quer em renda
fixa, quer em renda variável.
Em operações internacionais ou com parceiros internacionais, podem participar agências multilaterais e agências bilaterais (agências de crédito à
exportação, agências de seguro e garantia e agências de desenvolvimento),
tema já bastante explorado na literatura [Azeredo (1999)]. Também têm
participado de operações de project finance bancos comerciais, que atuam
não só como financiadores, mas muitas vezes também como consultores
financeiros. Dessa forma, difere-se das modalidades convencionais de concessão de crédito, pois, em geral, os recursos são viabilizados através de
consórcio (ou sindicalização) de bancos.
Um dos principais fatores de sustentabilidade do crescimento de uma
economia é a geração de poupança interna, de forma continuada, a fim de
ser canalizada para financiar o setor produtivo via sistema financeiro. Nesse
campo destacam-se os investidores institucionais: as EFPPs (entidades
fechadas de previdência privada), os fundos mútuos de investimento, as
seguradoras [Pereira, Miranda e Silva (1997)].
As EFPPs são mais conhecidas como fundos de pensão, sendo elas instituições mantidas pela contribuição periódica de seus associados e acionistas que, com o objetivo de valorizar seus patrimônios, aplicam suas reservas
em vários ativos, contudo respeitando os limites legais.
A maioria dos países centrais, com exceção do Japão e da Alemanha,
apresentou um expressivo crescimento dos ativos de seus fundos de pensão,
como proporção da poupança financeira pessoal e do PIB. Apesar de as
percentagens serem distintas, vale ressaltar a sua importância na geração de
poupança interna a fim de financiar os setores demandantes. Dessa forma,
configura-se como o grande desafio a criação de um mercado atuante
de empréstimos de longo prazo e instrumentos financeiros apropriados
à demanda do setor.
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PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
As seguradoras podem participar do financiamento de um projeto de duas
formas. Na primeira, elas atuam na mitigação dos riscos através da concessão de seguros e garantias, em que não há necessariamente desembolso de
recursos.
Já a segunda modalidade, diz respeito ao potencial e às necessidades que
essas empresas possuem em encontrar produtos ou projetos de investimento
que se enquadrem com seu perfil de compromissos de médio e longo prazos
(reservas técnicas etc.).
Os fundos mútuos de investimento são constituídos sob a forma de condomínios abertos e administram recursos de poupanças do público, destinados à aplicação em carteira diversificada de títulos e valores mobiliários.
Sendo assim, uma fonte de recursos para investimento em capital permanente de empresas.
Os fundos de investimento em infra-estrutura são investidores bastante
recentes no mercado internacional, cujo crescimento iniciou-se na década
de 1980. Tais fundos podem apoiar projetos de infra-estrutura ou empresas
que atuam no setor, basicamente de duas formas: investimentos através de
participações acionárias e financiamentos. A maior parte dos fundos estabelecidos atua através de participações acionárias, buscando altos retornos, normalmente associados ao investimento como acionista.
Os principais investidores desses fundos são: fundos de pensão; empresas
fornecedoras de equipamentos e serviços para projetos de infra-estrutura,
com interesse de promover as vendas do seu produto; agências multilaterais,
como o BID, o IFC e a Opic; bancos comerciais; seguradoras, como a AIG;
e grandes investidores, como Soros Capital Inc., entre outros.
As fontes locais de financiamento variam de país para país, sendo as mais
usuais os investimentos públicos concedidos pelos bancos estatais e pelas
agências de fomento; mercado de capitais; a oferta de matéria-prima e
sistema de transporte subsidiado etc.
Tomar recursos ou levantar capital no mercado de capitais local, muitas
vezes, é uma boa maneira de reduzir o risco político, ao julgarmos que o
governo não empreenderia ações que pudessem prejudicar o desempenho
do projeto.
As formas usuais de se levantarem recursos no mercado de capitais são
através de certificado de depósito bancário (CDB), commercial papers,
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debêntures, lançamento de ações etc. Elas constituem uma importante fonte
de recursos de curto prazo para esse tipo de financiamento. A sua venda não
se limita exclusivamente ao mercado local, podendo ser estendida a investidores estrangeiros e até mesmo ser lançada em outros mercados.
O mercado de capitais é uma fonte potencial de financiamento, mas os
países em desenvolvimento ainda não podem contar com essa fonte de
recurso em função de sua incipiência. Esperava-se que o desenvolvimento das economias dos países emergentes impulsionasse também os
seus mercados de capitais, embora a realidade venha mostrando a concentração dos mercados de capitais em poucos centros internacionais.
A esperada retomada dos investimentos no Brasil questionaria a possibilidade de reprodução do antigo modelo de financiamento, apresentando
como alternativas: a) a expansão do mercado de capitais, de modo a viabilizar o financiamento direto em larga escala; e b) a formação de um sistema
de crédito bancário privado de longo prazo, em substituição ao crédito
público e externo.
Como se procurou mostrar neste trabalho, devido ao risco envolvido, um
project finance tem, normalmente, vários patrocinadores (sócios ou não) e
vários financiadores (bancos ou não). Isso gera a contratação de uma infinidade de prestadores de serviços acessórios, tais como, corretoras, agentes
fiduciários, auditores, escritórios de advocacia, firmas de engenharia, árbitros, consultores etc, dando mais complexidade e encarecendo a operação.
9. Project Finance no BNDES
O resultado da experiência do BNDES em operações corporativas e o exame
dos pontos aqui citados, tanto na bibliografia como nos estudos realizados
dentro do BNDES, permitiu que se pinçassem alguns instrumentos que foram utilizados originalmente em operações do setor de telecomunicações e
depois no setor de energia. Todas as operações de financiamento de telecomunicações (1997/2002) e as do setor de energia de 2001/02 foram utilizadas para esta análise.
O aspecto central foi a lenta evolução da compreensão de que não seria
possível a aplicação de princípios puros de project finance no Brasil. Nos
setores mencionados não é possível trabalhar simplesmente com os recebíveis dos projetos, pois o valor fundamental, que é a concessão, não pode ser
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PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
objeto de transação, impedindo os credores de trazerem para si o projeto.
Isso obrigou a exigência de garantias, que foram além dos recebíveis e dos
ativos dos projetos em questão.
Entretanto, a possibilidade de constituírem-se SPEs (segregação), o consórcio de bancos, as garantias de fornecedores (alocação diferenciada de riscos)
e a utilização de covenants constituíram-se em operações híbridas com muito mais sofisticação que as experiências anteriores (pólos petroquímicos).
Por exemplo, pelo uso de empréstimos-ponte através de repasses, totalmente
em bases corporativas, cobrindo a fase de implantação, mas permitindo a
migração para garantias de recebíveis a partir da fase de operação.
As parcerias com os demais partícipes da operação (bancos, fornecedores,
operadores etc.) deram novo contorno aos contratos do BNDES, tomando
como exemplo os contratos de Depósito, Cobrança e Outras Avenças,
utilizados pelos bancos credores como forma de usar os recebíveis do projeto
como meio de pagamento ou como garantia. Isso sem que o BNDES fizesse
parte dos consórcios de seus agentes repassadores. Compostos sempre de
dois ou mais bancos, entrando com risco e sua experiência operacional em
abertura e controle de contas centralizadoras de receita ou pagadoras. As
garantias foram sempre compartilhadas e as negociações de eventuais
problemas tocadas em conjunto.
Os covenants sempre foram utilizados pelo BNDES, existindo até cláusulas-padrão publicadas em Diário Oficial para serem tornadas parte integrante dos contratos. Entretanto, sua utilização como instrumentos de conforto
ou de acompanhamento de indicadores financeiros foi levada a extremos de
sofisticação que permitem demonstrar a nova qualidade dessa engenharia
financeira moderna. Os contratos feitos com o setor de telecomunicações,
muitos deles de domínio público, são exemplos dessa nova postura de
acompanhamento de crédito. Também, os covenants foram utilizados para
induzir a compra de equipamentos e serviços com origem no País.
Respeitou-se o limite mínimo de 20% de capital próprio, sendo 30% um
patamar mais desejável. As operações de empréstimo de longo prazo tiveram, normalmente, 70% de repasses e 30% de participação direta do BNDES.
Sob esses aspectos podem-se reavaliar as características descritas no item 3
retro, deste trabalho, da seguinte forma:
i)
existência como um investimento econômico separado preferencialmente segregado em uma SPE: embora as operadoras de telefonia ce-
REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 9, N. 18, P. 241-280, DEZ. 2002
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lular pudessem ser identificadas como projetos economicamente isolados, as operações em telefonia fixa comumente abriam-se em diversos
outros negócios como call-centers e outros serviços (como atividade
direta ou sob controladas), tornando o fluxo de caixa mais de acordo
com operações de crédito corporativo, fazendo com que várias operações apenas utilizassem instrumentos de project finance, sem poderem
ser caracterizadas como tal.
ii) porte elevado de investimento, exigindo um alto grau de alavancagem
por parte dos acionistas caso fosse financiado através de financiamento corporativo: sem dúvida, as operações do setor hidrelétrico seriam
aí enquadradas, mas não necessariamente as termoelétricas, nem tampouco as de TV a cabo, levando também a operações híbridas;
iii) bom nível de previsibilidade sobre o fluxo de caixa e a taxa de retorno,
como no caso de um monopólio natural, reduzindo assim o risco
mercadológico do serviço ou produto ofertado: embora o setor de
eletricidade seja um monopólio (natural e/ou legal), mesmo aí a previsibilidade da receita provou-se falha com os problemas ligados à
escassez de água, igualmente, o setor de telefonia celular jamais gozou
de um bom patamar de previsibilidade, levando-se em conta a competição (incluindo os novos entrantes); ou seja, temos novamente poucas
aplicações de embasamento puro em fluxo de caixa do projeto;
iv) segregação e alocação de riscos entre os múltiplos participantes, com
a redução de solidariedade dos sócios: a diluição de riscos entre vários
participantes foi a característica das operações de telefonia e de energia
na qual mais amplamente pudemos encontrar o uso de instrumentos
próprios do project finance, seja pela intervenção dos fornecedores e
construtores assumindo risco nos dois setores, seja pela prática constante dos consórcios de bancos credores. Em compensação, o pedido
normalmente feito de fiança (do acionista ou bancária), ainda que
limitada, descaracterizou completamente a quase totalidade dessas
operações como project finances;
v) possibilidade de os credores/interessados poderem tomar medidas
efetivas para trazerem a si a execução ou operação do projeto em caso
de necessidade: essa característica provou-se inviável na prática brasileira, devido às limitações para se tomar uma concessão de serviços
públicos do grupo a que ela foi concedida. A semelhança com um
project finance ficou na utilização de indicadores financeiros como
covenants nos contratos, servindo como eventos de mitigação de risco
dos credores.
270
PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
Assim, com base no exame feito pelos autores, apontando sempre a existência de elementos estranhos à centralização do risco no fluxo de caixa do
projeto, pode-se dizer que não houve nenhum project finance puro nas
operações realizadas pelo BNDES em Telecomunicações ou Energia, embora seja claro que os instrumentos de project finance passaram a fazer parte
corriqueira das análises e dos contratos.
10. Vantagens de um Project Finance
As vantagens proporcionadas pela utilização do project finance, como
mecanismo de financiamento, já foram de alguma forma mencionadas
anteriormente, cabendo, a seguir, uma descrição mais detalhada de cada uma
delas.
Aumento da Alavancagem Financeira
Essa modalidade de financiamento proporciona uma significativa alavancagem financeira para os acionistas, possibilitando que eles participem de diversos projetos, comprometendo um reduzido volume de
capital, oferecendo a possibilidade de diversificação de sua carteira de
projetos e o aumento do retorno sobre o capital investido, desde que o
custo da dívida (líquido do impacto do imposto de renda28) seja inferior
ao retorno do projeto sem dívida. No exterior, a dívida pode vir a participar
em até 100% dos recursos necessários para o investimento (apesar de os
níveis normalmente praticados variarem de 60% a 80% do projeto, dependendo da capacidade financeira e dos riscos do projeto). Portanto, as
vantagens para o acionista privado também se convertem em vantagens
para o Estado, uma vez que o project finance se trata de uma forma de
alavancar investimentos em áreas nos quais os altos montantes envolvidos, os diversos riscos e o longo prazo de maturação são fatores
limitadores para que a iniciativa privada29 comprometa seu capital
[Azeredo (1999)].
28 Custo líquido da dívida: i x (1-T), onde i = taxa de juros e T = alíquota do imposto de renda, cálculo
adotado considerando-se o benefício da dedutibilidade dos juros para fins fiscais.
29 O investimento de um patrocinador privado persegue uma lógica distinta da pública, por exemplo,
o investidor privado é, naturalmente, propenso à diversificação e mais preocupado com o retorno
sobre o capital investido. Quanto menor for a exposição do patrocinador no projeto, maior poderá
ser a sua atratividade final.
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Tratamento Contábil Distinto entre a Empresa-Mãe e a SPE
Muitos autores30 argumentam que uma das principais vantagens do project
finance é a obtenção de financiamento “fora do balanço” (off balance sheet),
evitando uma possível contaminação entre os balanços da empresa-mãe e o
da SPE. O tratamento contábil distinto proporciona aos credores uma maior
transparência em relação à capacidade financeira da SPE, justamente por
terem abdicado da carteira de ativos bem como do fluxo de caixa de outros
negócios dos acionistas. Já os acionistas, principalmente os que têm as suas
ações negociadas em bolsa de valores, vislumbram, com essa modalidade
de financiamento, reduzir os indicadores de endividamento.
Outros autores, como Finnerty (1999), questionam essa vantagem utilizando
a seguinte justificativa:
O risco financeiro não desaparece simplesmente porque a dívida relacionada
ao projeto não é registrada no corpo do balanço. A atividade contábil, pelo
menos nos EUA, apertou as exigências de divulgação em notas de rodapé, nos
últimos anos. Num mercado razoavelmente eficiente – aquele em que investidores e órgãos classificadores processam todas as informações financeiras
disponíveis de forma inteligente –, os benefícios do tratamento fora do balanço
provavelmente se mostrarão ilusórios.
Além disso, a multiplicidade de participantes (sócios, financeiras, seguradoras, fornecedores, compradores, construtores etc.) exige práticas
sofisticadas de governança corporativa, adequadas a joint ventures.
Compreendendo-se governança corporativa como o estudo da distribuição
do poder em sociedades privadas e de sua contestabilidade. O project
finance vem contribuindo com inúmeros exemplos de acordo de acionistas,
contratos de compartilhamento de garantias através de um agente fiduciário,
criação de covenants acompanhados por auditorias especializadas (contábeis,
ambientais, legais etc.). Todos esses contratos representados por instrumentos
cujas cláusulas exigem transparência e diferentes graus de parceria.
Segregação de Riscos
A segregação dos riscos e, conseqüentemente, de recursos entre os participantes torna essa estrutura de financiamento mais atrativa para os setores
intensivos em capital, como o de infra-estrutura.
30 Podemos citar Nevitt & Fabozz (1995); Garcia (1995), entre outros.
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PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
Segundo Finnerty (1999), o processo de avaliação e análise pelo qual passa
o projeto reduz sensivelmente a assimetria de informações, podendo refletir
positivamente numa redução dos custos de financiamento.
A segregação de risco e maior previsibilidade em relação ao retorno do projeto atraem os diversos investidores31 devido às taxas de remuneração do
capital compatíveis com as praticadas pelo mercado.
Substituição de Garantias Usuais por Garantias de
Performance
O grande benefício da disseminação dessa modalidade de financiamento diz respeito à substituição de garantias usuais (pouco efetivas pela
exigência da execução de contratos) pelas de performance. Ou seja, as
garantias de performance permitem maior flexibilidade a acionistas e
credores.
Em relação aos acionistas, a principal vantagem é dispor da possibilidade
de utilizar os ativos e os resultados do projeto ao invés de oferecer os seus
ativos como garantia. Sem dúvida, para os credores, o fluxo de caixa do
projeto constitui-se numa garantia mais líquida do que os ativos, por
exemplo, de uma usina hidrelétrica.
A utilização dos covenants é um grande avanço, ao permitir um monitoramento da performance financeira e administrativa do projeto, podendo
implicar redução de custos de financiamento justamente pela qualidade das
garantias retidas pelos credores.
11. Desvantagens
Como foi dito anteriormente, a participação de um número maior de
agentes constitui uma vantagem ao diluir os riscos entre eles. Por outro
lado, a tentativa de compatibilizar os diferentes interesses dos agentes
envolvidos pode se tornar uma desvantagem, devido à complexa estrutura contratual necessária nesse tipo de operação. Geralmente, esse
tipo de estrutura consome inicialmente mais tempo que a modalidade
de financiamento corporativo.
31 Principalmente os investidores estrangeiros mais agressivos, tendo em vista as baixas taxas de juros
praticadas no mercado internacional.
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A maior complexidade dessa estrutura também eleva os custos de
transação em razão das despesas legais envolvidas na elaboração do
projeto, pesquisa e gerenciamento de informações e questões fiscais,
preparação de documentação e o grande investimento de tempo de
gerência. Quanto mais desconhecido o cenário do projeto, maiores
serão o tempo de pesquisa e a busca por instrumentos de mitigação.
Pode-se dizer que um primeiro project finance levará mais tempo para
ser estruturado e sairá mais caro que uma operação tradicional. A
partir daí, o tempo e o custo caem com a reutilização dos instrumentos
e das parcerias.
Cabe ressaltar que ao utilizar o project finance, o sócio está também se
comprometendo a relatar todas as suas decisões e atos administrativos
e financeiros aos financiadores, através de relatórios regulares: de
investimentos físicos, operacionais e situação contábil e financeira. Essa
abertura de informações – somada ao fato de todos os contratos relacionados
ao projeto constituírem parte das garantias fornecidas aos credores, garantindo a estes, portanto, poder de intervenção em muitas das decisões a
serem tomadas –, pode ser considerada mais uma desvantagem (para o
patrocinador) na medida em que restringe o poder de decisão do sócio sobre
o projeto [Azeredo (1999)].
Em alguns casos, os riscos do projeto a ser financiado são tão altos que os
custos de captação da SPE supera o dos seus sócios, anulando, dessa forma,
uma das principais vantagens dessa modalidade, que é proporcionar à SPE
um rating melhor do que o de seus sócios. Nesse caso, o project finance
poderia ser justificado por motivos estratégicos. Teoricamente falando,
como um project finance concentra todos os riscos em um só projeto,
em vez de diluí-los, como numa operação tradicional corporativa, sua
classificação de risco tenderia a ser maior que a de seu grupo originador.
A análise das vantagens e dificuldades de se implementar o project finance
é o primeiro passo para a decisão de adotar ou não essa modalidade. O
conhecimento do contexto macroeconômico, político, regulatório e legal do
país onde o projeto será instalado também é relevante para essa análise. A
implementação do project finance exige um ambiente macroeconômico e
legal razoavelmente estável, que permita um nível aceitável de previsibilidade da geração de caixa do projeto, assim como do comportamento dos
agentes envolvidos e da validade jurídica dos contratos firmados. Este é um
dos principais desafios para a implementação dessa modalidade de financiamento em mercados emergentes [Azeredo (1999)].
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PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
12. Comparação entre Project Finance e
12. Financiamento Corporativo
De uma forma sintética e utilizando os conceitos de Finnerty (1999), são
comparados, a seguir, diversos pontos da modalidade de financiamento
usual corporativo e do project finance.
• Quanto à Organização
Grandes empresas (atividades econômicas) são geralmente organizadas de
forma corporativa (através de sociedades comerciais), incluindo vários
empreendimentos econômicos em seu bojo, em que fluxos de caixa de diferentes ativos e negócios podem se misturar. Se uma operação for estruturada a partir dessas sociedades com múltiplos projetos não há segregação
de risco por projeto. Diz-se, então, que a operação é (em base) corporativa
(corporate finance).
No project finance, ativos e fluxos de caixa relacionados a um determinado
projeto são segregados das demais atividades dos acionistas (investidores
de capital de risco) através de uma sociedade de propósito específico (SPE)
ou special purpose company (SPC). O projeto pode ser organizado como
parceria (sociedade, consórcio, condomínio ou associação) ou como sociedade de responsabilidade limitada (S.A. ou Ltda.) para utilizar, de forma
mais eficaz, os benefícios desejados, por exemplo, fiscais (decorrentes de
vantagens legais reconhecidas a certas propriedades) ou, no caso mais comum para financiamento de projetos, buscando um equacionamento melhor
das fontes a partir dos méritos de um projeto de exploração econômica.
• Quanto ao Controle e ao Monitoramento
No corporate, há alguma modalidade de direito de regresso dos credores
contra os acionistas do projeto, e os riscos são diversificados entre os ativos
da carteira deles. Certos riscos podem ser transferidos a terceiros, através
da contratação de seguros, atividades de hedging etc., mas sem eximir os
sócios controladores do amplo direito de gestão e da responsabilidade
residual.
No project finance, deve haver um limite claro de risco a ser assumido pelos
sócios e a exposição financeira dos credores é específica para cada projeto.
As condições contratuais redistribuem riscos relacionados ao projeto entre
REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 9, N. 18, P. 241-280, DEZ. 2002
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as partes que melhor possam assumi-los (fornecedores, construtores, operadores etc.). O project finance pressupõe alguma medida de compartilhamento das decisões entre os tomadores de risco.
• Quanto à Flexibilidade Financeira
Um financiamento de projeto pode ser rapidamente montado no crédito
corporativo (com base na classificação de risco da sociedade multiprojetos
original), e os recursos gerados internamente (nos múltiplos projetos existentes) podem ser usados para financiar outros projetos, evitando as exigências e os custos dos mercados financeiro e de capitais.
No project finance, os arranjos financeiros são altamente estruturados,
complexos e grandes consumidores de tempo, envolvendo maior volume de
informações, contratos e custos de transação. Fluxos de caixa, gerados
internamente nos múltiplos projetos em bases corporativas do grupo, podem
ser reservados para os projetos considerados prioritários, mas com baixa
atratividade para o mercado, deixando as operações estruturadas como
project finance para alavancarem sozinhas seus recursos, em função de
sinergias percebidas pelos terceiros interessados (venda de equipamentos,
garantias de suprimento de insumo etc.).
• Quanto ao Fluxo de Caixa
No corporate, os administradores têm amplo arbítrio com relação à alocação
do fluxo de caixa líquido entre dividendos e reinvestimento. Os fluxos de
caixa misturam-se e depois são alocados de acordo com a política corporativa do grupo econômico a que pertencem.
No project finance, os administradores da SPE têm arbítrio limitado com
relação à alocação do fluxo de caixa líquido. Por contrato (por exemplo,
conta corrente centralizadora de recebíveis), normalmente, o fluxo de caixa
líquido pode ser distribuído aos investidores de capital de empréstimo, antes
de qualquer distribuição de dividendos, por exemplo.
• Quanto a Custos de Intermediação
Investidores de capital de risco estão expostos sozinhos aos custos financeiros para o desenvolvimento de um projeto, no corporate. É mais difícil
segregar a captação de recursos específicos para um determinado projeto,
pois os recursos são captados tendo em vista uma necessidade multiprojetos,
276
PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
além das dificuldades em oferecer uma remuneração diferenciada para os
diversos fornecedores de capital. No corporate, os custos de intermediação
provavelmente serão menos elevados, para os investidores de risco individualmente, do que no project finance, pois, devido à baixa complexidade
de sua estruturação, os custos de intermediação como um todo são substancialmente menores para o corporate e para seus usuários, que pagarão
pelo serviço/produto final.
No project finance, os custos de intermediação dos recursos devem ser,
embora menos racionalizados, diluídos e deduzidos dos ganhos finais do
projeto. Incentivos à gerência de captação, realizada por terceiros, podem
ser atrelados ao desempenho do projeto e o problema do subinvestimento
pode ser atenuado pela fiscalização dos parceiros. O monitoramento mais
rigoroso por parte dos investidores é facilitado, ficando os custos (mais
altos) de intermediação, teoricamente, mais condizentes com os riscos do
próprio projeto do que no financiamento corporativo.
• Quanto aos Contratos de Dívida
No corporate, os credores valem-se de toda a carteira de ativos do acionista
para o serviço da dívida. Há uma segregação clara de interesses quanto à
efetiva conclusão do projeto apoiado, desde que haja garantias consideradas
suficientes pelos credores. Os credores financeiros buscam uma posição
protegida em relação aos demais.
No project finance, os credores valem-se de um ativo ou conjunto de ativos
específicos para o serviço da dívida, e os contratos de dívida são elaborados
sob medida para as características específicas do projeto. Os credores podem
adotar as debêntures conversíveis como instrumento de crédito, o que lhes
permitiria migrar para o capital de risco após a maturação do fluxo de caixa
do projeto apoiado.
• Quanto à Capacidade de Endividamento
O financiamento da dívida utiliza parte da capacidade de endividamento dos
acionistas no corporate, normalmente através de fiança. Teoricamente o
spread de um projeto corporate, em que há diluição de risco, é menor que
em um project finance, se esse fosse o único fator a ser considerado.
No project finance, o suporte de crédito proveniente de outras fontes, como
fornecedores de equipamentos ou compradores da produção do projeto,
REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 9, N. 18, P. 241-280, DEZ. 2002
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pode (e deve) ser canalizado para dar suporte aos empréstimos tomados pelo
projeto. A capacidade de endividamento do sócio pode, assim, ser expandida
para a realização de outros projetos do grupo econômico a que pertença,
podendo alcançar uma mobilização de maior volume de recursos do que
aquela com a qual o sócio garantiria o projeto diretamente.
• Quanto à Inadimplência de Obrigações Financeiras
No corporate, dispendiosos e demorados arranjos financeiros podem ser
evitados. Através de instrumentos como a fiança ou o aval, os credores têm
o benefício de direito de acesso a toda a carteira de ativos dos sócios, em
caso de inadimplência (full-recourse). Dificuldades em um negócio-chave
poderão drenar dinheiro de bons projetos.
No project finance, o custo de resolução de apuros financeiros para o
empreendimento é antecipado, através dos arranjos de garantia. Em caso de
ingresso em curso problemático, as eventuais soluções já estarão previamente definidas e acordadas. O projeto pode ser isolado da possível insolvência
do sócio (non-recourse). As chances de os credores recuperarem seu principal e encargos são mais limitadas, pois a dívida geralmente não é pagável
com recursos de outros projetos (externos à SPE) ou somente até certo limite
(limited-recourse).
13. Conclusões
As conclusões apresentadas neste texto têm como objetivo facilitar a compreensão desse novo instrumento de engenharia financeira: o project finance. Devido à complexidade da composição de interesses entre partes com
objetivos conflitantes, a montagem de um project finance pode levar, em
sua primeira experiência, mais tempo e ser mais cara (pelos estudos e
assessorias envolvidos) que uma operação tradicional. Somente após alguns
projetos é que os contratos e relações comerciais tornam-se padronizados e
reduzem prazos e custos.
A literatura nacional existente tem o seu foco na visão do patrocinador e
deve ser vista com ressalvas por quem for mitigar riscos a serem assumidos
pelas instituições financeiras e demais credores.
O project finance exige uma atividade econômica independente e um ente
jurídico segregado da empresa-mãe, que seja pessoa jurídica de direito
278
PROJECT FINANCE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL
privado, como operador do projeto ou como captador de recursos de risco
ou de empréstimo. Serve, especialmente, a projetos com boa previsibilidade
do fluxo de caixa e volumes altos de recursos, que permitam diluir o seu
custo. Prevê a segregação e a diluição de riscos entre uma infinidade de
agentes envolvidos.
A impossibilidade virtual de os credores poderem assumir o projeto, em caso
de necessidade, por exemplo, permite dizer que há, sim, operações em bases
corporativas com instrumentos sofisticados de project finance. A ausência
de mercados financeiro e de capitais impede uma real diluição do risco, ainda
concentrado em agentes públicos, como o BNDES.
Não se faz project finance de projetos julgados ruins e que podem ser financiados através de crédito corporativo mais barato. Essa engenharia financeira só se presta a operações que podem, sozinhas, alavancar os recursos
necessários e que possuam uma classificação de risco conveniente. Sua flexibilidade jurídica implica complexidade e um desenho individualizado.
Embora não seja uma novidade em termos históricos, as características do
project finance de direito anglo-saxão foram desenvolvidas nas últimas duas
décadas pela sua aplicação nos países que utilizam esse direito. Isso exige
dos participantes locais um esforço de tropicalização para utilizá-lo no
Brasil (ou em qualquer país de direito romano-germânico), ainda que a
operação tenha partes originadas de agentes estrangeiros. Essa característica, entre outras, fez com que não haja nenhum exemplo de project finance
puro que possa ser apontado em nosso País. É mais correto dizer que as
operações, que poderiam ser sob essa forma, acabaram por adotar um híbrido
de corporate e project finance, especialmente quanto à exigência de garantias pessoais ou uso de empréstimo-ponte corporativo na fase de implantação.
O project finance, mesmo híbrido, tem se mostrado adequado apenas para
projetos de alto valor e, em geral, em infra-estrutura, pelas características
de monopólio legal ou natural. Alguns exemplos de projetos industriais têm
sido bastante mais morosos em suas negociações. Receitas oriundas de
monopólios legais ou naturais dão mais conforto aos participantes.
No Brasil, o project finance não vem sendo uma opção, mas um destino
alternativo ao abandono do projeto.
REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 9, N. 18, P. 241-280, DEZ. 2002
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