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Hermenêutica, Volume 7, 1-18
2007 Centro de Pesquisa de Literatura Bíblica
A AMBIGÜIDADE DO MAL EM KARL BARTH E PAUL TILLICH.
Sílvio Murilo Melo de Azevedo, FASB (Brasil)
Doutor em Ciências da Religião
RESUMO
O presente artigo pretende retornar aos clássicos da Teologia
Evangélica, mais especificamente a assim chamada Teologia Dialética,
resultante da reflexão de Karl Barth e Paul Tillich. Nosso interesse,
desta feita, é sua crítica teológica e profética às pretensões da vaidade
humana, que aparecem, por exemplo, nas soluções definitivas para o
problema do Mal, tenham eles cunho político ou religioso, como, por
exemplo, as ideologias de esquerda ou direita e as abordagens
maniqueístas da religião, bem como qualquer outra forma de pensamento que pretenda prover-se de um critério decisório desta natureza. Este texto analisa sucintamente os fundamentos ontológicos e ônticos
do Mal nesses autores, bem como os conceitos de autonomia e
demonismo, e sua aplicabilidade hermenêutica aos tempos de corrosão moral e ética como aqueles em que vivemos.
ABSTRACT
This article intends to return to the Evangelical Theology,
specifically the so called Dialectical Theology, as it appears in K. Barth
and P. Tillich’s theories. Our regard lays upon the author’s theological
and prophetic critiques to the humam vanity, suach as final solution for
the evil problem, in either religious or political, left or right ideologies
as well as Manichean approach to religious or any other from of thinking
tha tintends to provide itself with this kind of decision criteria. This text
analizes the ontological and ontical foudations of Evil, and the concepts
of autonomy and demonism and its hermenetical applicability of
contemporary times of moral and ethical corrision in which we live.
INTRODUÇÃO
O problema do Mal é um tema recorrente na Teologia cristã.
Nada mais natural, dado que, no transcurso dos tempos, a questão
aparece ligada a praticamente todos os grandes problemas teológicos
A AMBIGÜIDADE DO MAL EM KARL BARTH E PAUL TILLICH
por causa da difícil síntese entre o espírito judaico e o espírito grego
de que é formada a Teologia Cristã. Primeiro, o problema ocorre basicamente porque, com a aparição das idéias religiosas judaico-cristãs num contexto filosófico grego dominado pelo Platonismo e pelo
Aristotelismo, também surge um concurso conflituoso do conceito grego
da matéria e da noção de Ser, cuja incompatibilidade alimentará os
debates cristológicos dos primeiros séculos quando o Cristianismo tentou refletir sobre a ligação do divino com o humano na pessoa de
Jesus Cristo.
O conceito de Ser enquanto princípio originador e coordenador
da realidade (desde os pré-socráticos até os estóicos) foi integrado
ao conceito do divino pela Filosofia Clássica (Platão e Aristóteles),1 a
qual desde logo rejeitou as deidades homéricas por sua péssima representação do divino. Mais tarde, sob o efeito das forças
sintetizadoras do Helenismo, as concepções de Platão e Aristóteles
irão se unir na teoria das emanações, em que o divino cria o mundo
involuntariamente porque dele emanam os seres, como que provenientes de um excesso espontâneo e incontrolável do divino. Com o
surgimento do Cristianismo este princípio originador e ordenador
metafísico é naturalmente incorporado à Teologia, que o inclui entre
os atributos divinos ao lado daquelas qualidades nitidamente hebraicas,
tais como a personalidade, a interatividade e a santidade. Acontece
que, no contexto da filosofia grega, há uma rejeição natural à atribuição dessas qualidades bíblicas do divino, porque o divino não pode
ser condicionado nem pela matéria nem pela história. Há um impedimento ontológico, em virtude da exigência de que a divindade deva
ser autônoma, sendo esta sua principal qualidade como matriz do Bem
e do Belo.2
1
A transcendência divina é reforçada e absolutizada em ambos pensadores: em
Platão Deus habita no mundo das formas puras e é o sol que ilumina e dá sentido às
idéias, restando a um deus operário a criação do mundo material; em Aristóteles,
Deus é o “primeiro motor imóvel” que movimenta causalmente o universo à distância,
por que é sua causa final.
2
A escola platônica valia-se de uma terminologia própria para explorar todos os
ângulos desta incompatibilidade: me on para a oposição dialética da matéria em
relação às essências, e ouk on para a oposição ontológica, sendo esta última ameaça
constante de subversão do kosmos.
2
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Mais tarde, no tempo dos debates antropológicos e
eclesiológicos, como o de Sto. Agostinho com Pelágio e quanto à natureza da Eucaristia entre católicos e protestantes, a mesma questão
de fundo permanece: respectivamente, como é possível a existência
do Mal face a um Deus bondoso, santo e onipotente e, admitida a
concessão da liberdade para explicar sua existência, como é possível
que Deus se relacione com seres humanos contaminados por este Mal?
As respostas possíveis fornecidas pela Teologia Sistemática são pelo
menos três: (a) a negação do Mal, (b) a negação da onipotência divina
e (c) a negação da liberdade.
O problema atravessou os séculos com a solução ora pendendo
para o Ser (Deus, Providência) ora para a matéria (materialismo, fatalismo, libertarianismo). Isto é o que percebe quem acompanha a evolução histórica de uma disciplina da Teologia Sistemática, a Teodicéia,
que justamente procura responder estas perguntas. Nos momentos de
crise, a humanidade tem se inclinado para a liberdade. Por exemplo,
na época do terremoto de Lisboa (1755), surgiu na Europa e América
do Norte o assim chamado Deísmo, sustentado por ataques iluministas
à bondade divina (Pope, Voltaire, Goethe e Kant). No século XX,
após a eclosão da primeira grande guerra o pessimismo varre a Europa causando a derrocada de sistemas filosóficos que haviam sobrevivido ao ocaso do século XIX (neokantismo e hegelianismo) que, de
algum tempo, já vinham sob cerrada crítica (Schopenhauer, Nietzche,
Kierkegaard e Karl Marx). É deste manancial entre escombros que
surge o existencialismo proclamando uma liberdade radical, cujo sentido não mais depende de uma intuição ontológica, mas de uma construção na história; sem esquecer aqueles que negam à existência qualquer sentido, como é o caso do existencialismo ateu de Albert Camus:
“a existência é um absurdo.”
Essa breve apresentação dos desenvolvimentos dessa parte da
Teologia Cristã nada mais pretende do que sugerir precariamente a
existência de uma multiplicidade de injunções quanto a estas considerações sobre o Mal, e que muito propriamente poderia ser chamada
de “o campo minado da Teologia Sistemática.” Com efeito, até hoje,
poucos se arriscaram a apresentar uma exposição teológica completa,
que dê conta de toda a complexidade resultante da tentativa de conciliação entre esses elementos filosóficos e teológicos. O transcurso da
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história da Teologia está juncada com as escolhas heréticas dos que
naufragaram por não terem conseguido se desviar das soluções fáceis
e ao mesmo tempo perigosas.
Nos anos mais recentes, depois de longo recesso em que a preocupação maior tinha sido histórico-dogmático e cristológico, a Teologia volta a se interessar pela questão, movida, talvez, pelos recentes
acontecimentos que horrorizaram o mundo: duas guerras totais, o
morticínio de milhões de pessoas e o absurdo que deu origem a tudo
isto: as heresias materialistas das quase-religiões, o Nazismo e o
Stalinismo. Neste contexto faz-se necessário repensar o Mal, na consideração do ser humano, de suas relações com seus semelhantes e
com Deus. Quanto a estas questões avulta a importância da assim
chamada Teologia Dialética, bem como de duas de suas figuras mais
exponenciais, Karl Barth e Paul Tillich, que já de algum tempo se tornaram autores obrigatórios para todos aqueles que querem compreender o que aconteceu no século XX e o que pode vir a ocorrer no
século que dá os primeiros passos. O encontro desses pensadores
religiosos com sua época produziu reflexões importantes sobre as dificuldades na identificação do Mal em virtude de tantas bifurcações
que geraram perigosas polarizações àquelas soluções fáceis mencionadas mais acima.
E aqui reside a principal qualidade da Teologia Dialética: ela
mantém as tensões dos elementos imbricados (Santidade e Onipotência divinas e Liberdade humana) e faz com que da distensão desses
nasça um critério para a compreensão do Mal mais dinâmico e eficiente para identificar um Mal, cuja principal qualidade é uma natureza
dissimulada, que procurar se ocultar por trás desses elementos na pretensão de fazer-se passar por eles.
Concluindo esta introdução, a meu juízo, a relevância dos teólogos dialéticos vai além de mero auxílio para a compreensão do que
aconteceu no século que desaparece no horizonte. Sua leitura é importante também para uma profunda compreensão de um dos elementos que compõem esta problemática: o ser humano, o hospedeiro
preferencial do Mal. A Teologia Dialética revela a falibilidade das pretensões do racionalismo, e, isto fazendo, acaba se tornando útil também para os pós-modernos e para incomodar a comodidade deles em
negar a existência do Mal e de qualquer valor de natureza universal.
4
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Em suma, numa época de aporias insolúveis, desde que mergulhadas
num ambiente relativista, é interessante aprender a caminhar na ausência de caminhos, ou antes, na ausência de critérios para a escolha de
caminhos.
TEOLOGIA DIALÉTICA
Os dois teólogos em questão têm uma base filosófica comum:
Barth nega a validade de uma resposta estritamente sistemática para o
problema: “a existência implica a inconsistência” (Church Dogmatics CD III / 1, p. 295), de modo que, a reposta tem que ser existencial e
não por meio da abstração de um sistema. Tillich opta por um caminho
médio, ele crê que se pode sistematizar a existência, por que a existência não tem sentido sem uma essência, ou seja, esta garante àquela
a possibilidade de tornar-se compreensível.3 Embora a divergência
metodológica vá ser motivo de antagonismo entre os dois autores, não
se pode deixar de perceber a influência que a filosofia existencialista
exerce sobre ambos: em Barth, especialmente, via Kierkegaard e em
Tillich via Schelling.
Apesar dos protestos de Tillich de que a hermenêutica de Barth
começa com a reposta da revelação, enquanto a dele começa com a
pergunta existencial do homem moderno, na verdade, o que tanto um
como outro pretendem é dar esta resposta existencial para que a vida
humana não mergulhe no absurdo camusiano. O que os diferencia é
uma questão de ênfase quanto às fontes: Barth baseia-se principalmente nas fontes histórico-dogmáticas da Tradição cristã (chanceladas
pelo ministério do Espírito Santo), enquanto Tillich fundamenta-se nas
fontes místico-filosóficas da Tradição religiosa Ocidental. Fica evidente em seus textos que o problema de fundo que eles querem resolver é o da relação entre Liberdade / Mal e a Onipotência / Bondade /
Santidade de Deus.
Achei por bem dividir a seguinte exposição em duas partes: (a)
o Mal e a criação e (b) o Mal e a história. Esta divisão não é gratuita,
ela se apresenta na obra dos autores citados. Em Karl Barth, sua fundamentação ontológica do mal aparece na doutrina da criação
3
Paul Tillich. Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX (São
Paulo, Aste, 1990), p. 226.
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(Dogmática Cristã); quanto à fundamentação ôntica ele a discute na
ética individual (tema que aparece disperso na obra imediatamente
citada, e em seus trabalhos de Teologia Política) (Against the Stream,
Community, State and Church).4 Em Paul Tillich a primeira discussão aparece em sua Teologia Sistemática (Systematic Theology – ST):
a doutrina de Deus (ST I); a segunda, também subdividida em duas: o
mal e o indivíduo (estrangement) (ST II), e o mal e a coletividade
(demonism) (ST III ).
O MAL E A CRIAÇÃO
Antes de tudo é preciso esclarecer que criação aqui não tem o
mesmo sentido das sistemáticas mais tradicionais, pois nem Barth e
tampouco Tillich aceitam pensar em criação como ação pontual de
Deus no ato de trazer as coisas à existência. Segundo Barth, acompanhando a crítica textual liberal, as protologias do livro de Gênesis são
expressões mitológicas e, além disso, são textos confusos, cheios de
lacunas e repetições.5 Para Tillich a historicidade dos relatos não é
sequer cogitada, pois, segundo ele, o próprio texto não tem a pretensão de ser relato temporal (ST II , p. 29). Ressalve-se, porém, que
quando ambos falam de “relatos mitológicos,” o sentido que querem
imprimir ao termo mito não se dá a partir de uma perspectiva exegética,
mas hermenêutica, conforme a noção bultmaniana.6 Ou seja, isto não
deve significar seu descarte, sua superação, mas a necessidade de
serem mantidos e reinterpretados para que o homem moderno os possa
compreender. A ênfase de Barth e Tillich recai, portanto, sobre a necessidade de se recriar a proclamação do evangelho para um mundo
secularizado, de modo que o projeto deles é responder à pergunta:
“qual o significado do relato da criação hoje?” Deixando as contenções que naturalmente receberiam na perspectiva exegética (se aqui
fosse o caso discuti-la), passemos a analisar suas idéias no campo
hermenêutico.
4
Esses textos foram reunidos em uma coletânea e publicados sob o título de Dádiva
e Louvor pela editora Sinodal / IEPG.
5
P. COURTHIAL. O conceito bartiano das escrituras (São Paulo, Casa Editora
Presbiteriana, s. d. ), p. 27.
6
É muito difícil expor adequadamente o pensamento de Bultmann, porque sua obra
abarca níveis epistemologicamente diversos e caracterizados, cada um, por
6
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A TEODICÉIA DE KARL BARTH
Muitos intérpretes têm dúvida de que Barth suponha em sua
sistemática a existência objetiva do Mal, personificada ou não na figura odiosa de Satanás.7 Há alguns motivos para isto:
(A) A dor, a morte, a tristeza, as doenças, são aspectos da criação que não devem ser percebidos em sentido negativo. Tudo isto
faz parte do “lado escuro da criação.” Sua exegese vê “no dia que se
opõe à noite, a terra à água, um indicativo inconfundível deste caráter
e aspecto dúplice da existência criatural” (CD III / 3, p. 295). Porém,
o maior motivo para o cristão crer na perfeição do mundo que serve
de morada, tanto no seu aspecto positivo como no negativo, é a
autorevelação encarnacional de Deus em Jesus Cristo (CD III / 1, p.
370).
(B) Barth não nega que um aspecto desta “criação” é inimiga de
Deus e é hostil à sua obra (CD III / 3 , p. 290, 302 – 304). Barth quer
evitar qualquer limitação da onipotência divina, porém também não
quer correr o risco de ser tornar priscilianista ou maniqueísta, por defender a causalitas mali in Deo. A solução encontrada será o conceito da negatividade (das Nichtige), palavra que conjuga as idéias de
negatividade e nulidade.8 Em certo sentido semelhante a ouk on da
escola platônica, com a diferença de que o das Nichtige tem origem
no próprio Deus.
(C) Das Nichtige ou não – criação é aquilo que Deus desprezou e ignorou, como quando um construtor humano escolhe um trabametodologias específicas. Poderíamos dizer que há em Bultmann três etapas no
estudo: exegese (crer), história (conhecer), hermenêutica (compreender). O primeiro
nível (exegese) trata-se de um estudo crítico dos documentos do NT, que busca
precisar sua índole própria para determinar o valor que podem ter como fontes para
se conhecer estas origens. O segundo nível (histórico) trata-se de reconstituir, a
partir de resultados da exegese crítica de tais documentos, o processo de nascimento
do cristianismo e sua evolução até começos do segundo século. O terceiro nível
(hermenêutico), refere-se a determinar que significado podem ter estes documentos,
hoje em dia, tanto os documentos do NT como a fé que caracteriza o cristianismo
primitivo como nos dá a conhecer a história. (BULTMANN, p. 25).
7
G. C. BERKOUWER , por exemplo.
8
Na versão inglesa consultada aparece traduzida pela palavra nothingness, que,
assim como o termo alemão, é igualmente intraduzível para o português.
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lho específico e rejeita ou ignora um outro e até muitos outros, deixando-os inexecutados (CD III / 3, p. 108); e não é só aquilo que Deus
rejeita, mas é também o que se opõe a Deus e a seu propósito. O fato
é que o ato de rejeição de Deus pontencializa a existência das coisas
rejeitadas: “porque não só o que Deus quer, como o que Ele não quer,
é potente, e deve ter uma real correspondência” (CD III / 3 , p. 352).
Portanto a não – vontade de Deus tem tanto poder criador quanto sua
vontade; Deus, assim, seria um rei Midas cósmico, que cria
involuntariamente, tal como na teologia emanacionista gnóstica: as emanações defluem espontaneamente de Deus, sem que ele as queira.
(D) Em Barth a realidade deste Mal é extremamente ambígua:
“opõe-se a Ele, resiste a ele, nega-o e é negado por Ele” (CD III / 3,
p. 305), mas é também uma realidade sui generis (CD III / 3, p.
352). Esta realidade “tem o ser do não – ser, e a existência daquilo
que não existe” (CD III / 3, p. 77).
(E) O mesmo paradoxo aplica-se ao pecado e à sua existência.
“É ontologicamente impossível” (CD III / 2, p. 176); “não pode ser
deduzido do mundo que Deus criou, nem da liberdade que ele concedeu ao homem” (CD IV / 1, p. 456). O pecado, porém, apesar dos
vários imperativos que o impossibilitam (a liberdade para o bem, a
graça de Deus, sua incompatibilidade em relação a uma criação perfeita), existe, é real, e é total responsabilidade do homem pecar ou
não (CD III / 3, p. 306).
A conclusão mais espontânea a quem quer que tenha lido as
linhas acima é a de que Barth é inconsistente, não que ele se importe
com esse juízo, já que, kierkegaadianamente, para ele a própria existência é inconsistente. Se atentarmos para suas idéias, perceberemos
que todo seu esforço teórico consiste em justamente acentuar esta
inconsistência através do constante recurso ao paradoxo, que é uma
tentativa de manter as coisas em constante tensão dialética, profundamente incômoda para mentes treinadas no racionalismo. Por isso em
Barth a relação liberdade / mal – onipotência / bondade / santidade de
Deus é precária e ambígua.
A TEODICÉIA DE PAUL TILLICH
Antes de tudo é bom esclarecer que o subtítulo, “a Teodicéia de
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Paul Tillich,” não deve ser entendido como usualmente, porque o projeto de Tillich não é harmonizar a liberdade / mal do homem com a
onipotência / bondade / santidade de Deus como se tratassem de dois
pólos antagônicos. O ponto de partida de Tillich não é dualista, pelo
contrário é um princípio monista que ele aprendeu do misticismo
germânico e de Hegel, o qual o faz ver a realidade como uma e una. Já
foi dito mais de uma vez que o conceito de Deus em Tillich aproximase mais de um panenteísmo, em que Deus é o fundamento da realidade, portanto os tradicionais atributos divinos (santidade / bondade)
não são mais do que símbolos.
Para Tillich, “a Teodicéia não é uma questão de mal físico, dor,
morte, etc.; e nem uma questão de Mal moral, pecado, autodestruição,”
etc. Mal físico é a natural implicação da finitude das criaturas; Mal
moral é a trágica implicação da liberdade das criaturas” (ST I, p. 269).
a) Desdobrando esta primeira parte da afirmação de Tillich, percebemos que, para ele, criação e queda são as duas faces da mesma
moeda, a segunda está implicada na primeira, na medida em que a
criação é transição da essência para a existência. Porém, isto não implica ser a criação má, ela é apenas autocontraditória (ST I, p. 81), ou
seja, ela é essencialmente boa até que venha a se concretizar: “a realização da criação e o alheamento existencial são idênticos” (ST I, p.
81). A partir daí ela mergulha na ambigüidade natural da existência.
Como indicado no primeiro parágrafo, a existência no tempo e
espaço implica finitude. E “a finitude está misturada ao não – ser e
está limitada por ele” (ST I, p. 189). Em outro lugar Tillich diz que a
“transição da essência para a existência é uma qualidade universal do
ser finito” (ST II p. 36). A exposição de Tillich faria pensar em uma
concatenação lógica entre a criação e o mal; ele, porém, rejeita esta
idéia. A coincidência entre uma e outra coisa é uma questão de ontologia
e não de lógica.
Nestas poucas linhas sobre o pensamento de Tillich já fica evidente sua dependência de Platão. Ou seja, embora interprete o Gênesis,
o pano de fundo da exposição é a relação do Ser (on) com o não –
Ser (me on) platônicos. A própria figura de Deus do livro de Gênesis
não cabe na complexa doutrina de Deus tillichiana, que também é platônica e kantiana: Deus é o Bem. Deus não é um ser pessoal transcendente, antes o fundamento de tudo o que existe e, por isso,
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transcendental; de modo que a existência, a finitude, por se localizar
exatamente nesta fronteira entre o Ser e o não – Ser tem esta natureza
ambígua. Nesse ponto de sua doutrina Tillich aproxima-se mais de
Aristóteles e do platonismo médio gnóstico do que de Platão mesmo.
Como um éon do sistema gnóstico, a finitude funciona como os
elos de uma corrente que começa com o Incorruptível e termina na
corrupção, cada sucessivo elo perde algo da perfeição que pertencia
ao elo superior e também produz uma imperfeição adicional no elo
abaixo (HAMILTON, 152).
b) Considerando agora a segunda parte da citação que abre
este título, vejamos como Tillich vê o Mal moral, pecado e
autodestruição.
O mal moral é a trágica implicação da liberdade criatural. A ‘criação’
é a criação da liberdade finita; é a criação da vida com sua grandeza
e seu perigo. Deus vive, e sua vida é criativa. Se Deus é criativo em
si mesmo, ele não pode criar o que se opõe a ele; ele não pode
criar os mortos, o objeto que é meramente objeto. Ele deve criar o
que une objetividade e subjetividade – vida que inclui liberdade e
com ela os perigos da liberdade (ST I, p. 269).
Os perigos da liberdade envolvem, na história humana, um elemento trágico que contradiz a natureza essencial do ser humano, naturalmente potencializada para a bem. Mas, o que seria este elemento
trágico? Um acontecimento que em um dado momento instila nele algo
estranho à sua natureza? Um ato pecaminoso isolado, como no relato
de Gn 3 ? Não. A criatividade naturalmente implica a liberdade e a
liberdade, o erro. A existência, portanto, reúne em si forças de criação e destruição, e nisto está sua autocontraditoriedade, porque o
alheamento decorre da capacidade humana de crescer, desde que esse
crescimento não pode ocorrer de modo harmonioso, como se o homem fosse a cada momento recriado ab novo; pelo contrário, ele ao
crescer entra em contradição consigo mesmo. Segundo uma explicação psicanalítica, esta condição ambígua de seres livres implica “a
autoperda, é a desintegração do eu (self) por forças disruptivas que
não podem ser trazidas à unidade” (TAYLOR, p. 35), a condição do
ser livre é naturalmente conflituosa, ainda mais se aliada à sua condi10
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ção finita e criatural, da feita que Deus sendo livre, ainda assim não
possui esta natureza ambígua.
Com isto Tillich dá a impressão de que há uma ordem de causa
e efeito nas relações entre o mal e a realidade: finitude é conseqüência
da realização da criação, alheamento é conseqüência da finitude e o
pecado e o Mal conseqüência deste alheamento; por outro lado, o
paradoxo está presente impedindo uma concatenação lógica para explicar estas relações. É a isto que ele chama de “elemento trágico”,
aquilo que contradiz a natureza essencial do homem, potencialmente
boa. Em outro lugar ele dirá que “o pecado não se deriva. Se o pecado procedesse de alguma coisa, não seria pecado, mas necessidade”
(TILLICH, 1992, p. 162). De modo que a conclusão fica dialeticamente
suspensa no ar. A essência luta com a existência num combate infindável
e insolúvel, as explicações racionalistas não fecham a questão; a existência do Mal moral compõe-se de um elemento trágico porque a
mesma liberdade que possibilita o aparecimento do mal, paradoxalmente, também torna seu fautor responsável e em estado de rebelião
contra o Criador.
O MAL NA HISTÓRIA
Os dois teólogos em questão usam conceitos comuns para explanar o Mal na história: trata-se do demônico ou demoníaco. É preferível a utilização do primeiro termo em lugar do segundo porque
esse já adquiriu um sentido muito marcado que o liga a poderes sobrenaturais inimigos de Deus. No caso dos autores em questão, o
demônico está ligado a poderes bem humanos de origem política, religiosa ou ambos, como é o caso das quase-religiões, ou seja, os totalitarismos, conforme os denomina Tillich.
O DEMÔNICO EM KARL BARTH
Barth diverge de Lutero e Calvino por não aderir à Teologia dos
dois reinos, segundo a qual Deus tem dois servos a seu serviço, a
Igreja e o Estado. À Igreja concedeu como instrumento a graça e ao
Estado, a espada. De acordo com BARTH, o senhorio de Cristo sobre o mundo é total (1959, pp. 32 e 33). Baseando-se no Novo Testamento (Fl. 2: 9 e 10 e Ef 1: 20 e 21) ele conclui que Jesus domina
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sobre os dois âmbitos. Para Barth as idéias de Lutero são escapistas
quanto aos problemas éticos da política, porque faz com que os cristãos se comportem acriticamente em relação aos desmandos perpetrados por líderes políticos, uma vez que, conforme a doutrina de
Lutero, eles são investidos por Deus com o poder que exercem
(WEST, p. 305). Barth chama a atenção para o fato de que o mesmo
poder secular (Roma Imperial) é retratado no Novo Testamento de
forma muito ambígua: em Romanos 13 é um governo instituído por
Deus e em Apocalipse 13 é a Besta que se opõe à vontade de Deus.
Para Barth o demônico é justamente isto, um poder político que
se opõe ao senhorio de Cristo, mas ao mesmo tempo tenta substituílo. De acordo com sua exegese, o termo grego antichristos,
ambivalentemente significa o que se opõe ou se coloca no lugar de
Cristo (BARTH, 1959, p. 16). A aplicação desta categoria políticoteológica ocorreu historicamente pela oposição de Barth ao Nazismo,
especialmente em sua luta contra o Cristianismo alemão, uma espécie
de heresia nacionalista que pretendia que o reino de Deus e o Reich
fossem completamente coincidentes. Para ele o governo nazista era
demônico, dada a pretensão humana ao divino, constituindo-se por
isso um poder idolátrico.
Daí decorre, contudo, o ponto falho, apontado por muitos, na
teologia política de Barth, a saber, a falta de um princípio claro que
tornasse suas idéias aplicáveis de maneira mais objetiva. Esta falha
evidenciara-se com o triunfo do Stalinismo depois do fim da II Grande Guerra. O mesmo Barth que, por oposição ao Nazismo, fez ouvir a
sua voz na Alemanha e posteriormente (depois da deportação) na
Suíça, calou-se inexplicavelmete diante das atrocidades bolchevistas,
merecendo por isso a reprovação de filósofos e teólogos (E. Brunner
e Richard Niebuhr, por exemplo). A pergunta pertinente, porém, é:
seria coerente com o resto do pensamento de Barth uma representação inambígua do demônico? Segundo Barth a ambigüidade do
demônico não nos permite identificá-lo sem problemas. O cuidado em
sua abordagem reflete-se na maneira como ele enfrentou o Nazismo:
primeiro fazendo oposição ao braço religioso do Nazismo, os cristãos
alemães (DEK), depois, opondo-se ao próprio Nazismo político. Com
relação à União Soviética, o problema para ele era o fato de o governo comunista ser abertamente ateu e profano e, portanto, sem aquela
ambigüidade que caracteriza o demônico.
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Com efeito, historicamente não se pode deixar de dar razão a
Karl Barth. Todas essas cobranças que o teólogo suíço sofreu ocorreram quando o pior já havia passado na União Soviética, quando os
expurgos já haviam cessado e o que o Ocidente deplorava era a falta
de liberdade e de democracia nos países da cortina de ferro. Ou seja,
a questão parecia ser colocar completamente no campo ideológico e
o que se exigia de Barth é que tomasse uma posição político-ideológica e não teológica. O que Barth por diversas vezes afirmaria era que
ainda não era hora de se posicionar teologicamente.
O DEMÔNICO EM PAUL TILLICH
Tillich começa a expor o seu conceito de demônico valendo-se
de uma análise de sua origem etimológica: daimonioi, na cultura grega
pagã, são seres divinos e antidivinos:
Eles não são simplesmente a negação do divino, mas participam de
um modo distorcido do poder e da sacralidade do divino. [...] O
demônico não resiste à autotranscendência como faz o profano,
mas ele distorce a autotranscendência por identificar um particular
portador de sacralidade com o santo mesmo (ST III, p. 109).
O demônico pode se manifestar nas religiões politeístas, nas igrejas cristãs ou nos governos. Onde quer que o condicionado se apresente como incondicionado, onde quer que seja negada a
transcendência divina, aí estará o demônico, de sorte que, tal como
para Barth, o demônico e o idolátrico são conceitos afins.
O demônico também pode ser identificado dentro da Teologia
da História de Tillich com a “heteronomia,” que segundo sua definição
impõe uma lei alheia, religiosa ou secular à mente humana (TILLICH,
1992, p. 48). Alguém pode ser levado a concluir, apressadamente que
Tillich teria pensando no Catolicismo Romano da Baixa Idade Média
como o único poder religioso demônico, dada a manifestação
heteronômica que pretendia submeter todos outros poderes e mesmo
toda a cultura da época à sua discrição e cuja culminação foram “os
tribunais do santo ofício.” Mas, o Protestantismo também apresenta
uma feição demônica por causa de sua “autonomia,” ou seja, a pretensão a uma independência absoluta, cujo desenvolvimento final se
manifesta no secularismo e o ateísmo contemporâneos. Cada um desHERMENÊUTICA 7 (2007): 1-18
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A AMBIGÜIDADE DO MAL EM KARL BARTH E PAUL TILLICH
ses poderes religiosos “pode tornar-se demônico sem o outro; e ambos são necessários para constituir o princípio do verdadeiro Cristianismo teonômico” (W. HORTON et alia, p. 43). Ou seja, o ideal
teonômico que Tillich acreditava ter ocorrido no tempo da Reforma
Protestante do século XVI, em que o espírito religioso não se esgotava em si mesmo, mas, humildemente, apontava para além de si, para a
transcendência de que o sagrado é apenas símbolo.
CONCLUSÃO
Na apresentação das idéias anteriores foram apontados muitos
problemas quanto a noções sobre a natureza de Deus e sua relação
com o mundo. Não quero polemizar sobre isto (até porque fazê-lo
requereria um outro artigo), mas, como disse em minha introdução,
quero apenas apontar as vantagens do método dialético no exame da
questão proposta: o ser humano e o mal. Com efeito, apesar das divergências quanto ao mal, tanto Barth como Tillich apresentam conclusões que refletem um princípio comum: a existência não dá respostas fáceis à questão.
Lutero dizia: “Deus usa máscaras para se revelar, ao passo que
nós seres humanos usamo-las para esconder-nos.” Não é fácil tirar as
nossas máscaras e aceitar as de Deus, mormente queremos fazer o
inverso. As teologias de Barth e Tillich são justamente uma tentativa
de tirar nossas máscaras, por isso elas tentam dizer-nos que o mal é
ambíguo, fundado num dinamismo que o faz sempre estar mudando de
lugar, portanto, não cabem rotulações e simplificações, sejam elas,
religiosas, filosóficas ou políticas. Por outro lado, essas teologias são
também tentativas de manter as máscaras de Deus, ou seja, ser um
“não” à pretensão humana de conhecer a Deus e à sua obra de modo
pleno e consistente, como se fosse possível definir a existência humana em face a Deus e ao que se opõe a Ele.
Tillich rejeitava qualquer tipo de absolutização do finito: “o reino
de Deus não pode ter a sua realização nos eventos históricos”
(TILLICH, 1960, p. 179); no entanto, pode ser apontado por ela (o
kairós). A análise ontológica de Tillich exige que todas as coisas sejam escrutinadas levando em conta o princípio da ambigüidade que
perpassa o Mal e o Bem, princípio que, por sua natureza dialética,
assemelha-se muito ao yin e o yang do Tao.
14
HERMENÊUTICA 7 (2007): 1-18
SÍLVIO MURILO MELO DE AZEVEDO
Barth, por sua vez, levado por preocupações pragmáticas quanto
ao ministério da Igreja, por causa desta ambigüidade do Mal, recomendava uma atitude prudente por parte dos líderes eclesiásticos,
conforme testifica sua copiosa correspondência com os líderes que
viviam para lá da cortina de ferro. Por este motivo foi exortado R.
Niebuhr a tomar uma menos equívoca com respeito ao Stalinismo:
Barth construiu uma teologia das catacumbas, que só podia lutar
com o demônico se ele se apresentasse com dois chifres e dois pés
fendidos, mas não podia fazer nada se se apresentasse só com um
chifre e um pé fendido (NIEBUHR apud HUNSINGER, p. 182).
A resposta de Barth foi de que ele tinha que esperar para ver se
nascia o outro chifre. Foi sua resposta irônica face à clara satanização
do Socialismo pelo Ocidente capitalista. Barth jamais aceitou que algum “ismo” tomasse o lugar da reflexão teológica, justamente porque
aceitar um “ismo” seria negar o “não” de Deus a todas as tentativas do
ser humano de perquirir os limites entre o Bem e o Mal, desde que,
qualquer critério a priori apresentado para tanto, é demônico, sendo
isto mesmo o maior de todos os pecados, visto ser a própria essência
da rebelião do homem contra seu Criador.
Numa glosa sobre “o conhecimento do Bem e do Mal”, diz a
Bíblia de Jerusalém em nota de rodapé:
Este conhecimento é um privilégio que Deus se reserva e que o
homem usurpara pelo pecado. Não se trata, pois, nem de
onisciência, que o homem decaído não possui, nem de discernimento
moral, que o homem inocente já tinha e que Deus não pode recusar
a uma criatura racional. É a faculdade de decidir por si mesmo o
que é o bem e o que é o mal e de agir conseqüentemente: a
reivindicação de uma autonomia moral, pela qual o homem nega
seu estado de criatura (Is. 5: 20). O primeiro pecado foi um atentado
a soberania de Deus, um pecado de orgulho. (nota de rodapé de
Gn. 2: 17).
A correção da interpretação dos glosadores da Bíblia de Jerusalém é confirmada pelo texto e pelo contexto. O conhecimento do
bem e do mal, embora o verbo hebraico não possa ser entendido como
conhecimento intelectual, mas experimental (conforme indica o uso do
verbo yadá - conhecer - e do substantivo da’ath - conhecimento),
HERMENÊUTICA 7 (2007): 1-18
15
A AMBIGÜIDADE DO MAL EM KARL BARTH E PAUL TILLICH
isto não significa que a experiência do Mal não implicava a mera atração ou desejo de passar ao lado escuro da existência, pois desejar
experimentar o Mal só é possível para aqueles que possuem alguma
experiência dele e não àqueles que totalmente o ignoram e, portanto,
para os quais nenhum tipo de propensão existe. Sto. Agostinho deixa
isto claro quando, em suas Confissões, relata como se sentia atraído
pelas pêras do pomar do vizinho e que não as desejava não por serem
especialmente apetitosas, mas porque seu coração era movido ao mal
pela perversidade (“excesso de maldade”), que, conforme diz o próprio Sto. Agostinho, é uma conseqüência do pecado original, mas não
sua origem (AGOSTINHO, p. 68 – II, iv, 9).
Para a boa compreensão do que está envolvido nesta
protomanifestação da hubris humana é preciso contrapor duas situações antagônicas. De um lado o conhecimento de Deus, disponível
pela disposição de Deus em vir entreter comunhão com os seres humanos (Gn 2); e de outro lado, a autonomia, a promessa do tentador
de ser como Deus, conhecendo o bem e o mal por si mesmos, por
meio da ingestão de uma fruta ordinária. Tratava-se, por conseguinte,
de um desejo demônico de ser igual a Deus, de dominar todas as
incertezas e inconsistências da realidade, de fundear a vida em algo
que não fosse a fé confiada na palavra de Deus. Daí Tillich ter afirmado que a autonomia e o demônico serem conceitos irmãos. A origem
da autonomia é ser independente de Deus; a do demônico é o desejo
de se ser igual a Deus. Ambas, portanto, dizem respeito à rebelião
humana contra os limites da contingência criatural, pela tentativa de
dominar a realidade conceitualmente, por meio de um discernimento
perfeito, infalível. Acontece que a realidade é inconsistente e por isso,
ela é apenas compreensível; às vezes.
Caminhando para o encerramento destas linhas, não posso deixar de cumprir minha última promessa, quando disse que a reflexão
dos teólogos dialéticos era de muita valia para o enfrentamento dos
desafios de nosso tempo. Com efeito, embora a era das bifurcações
tenha ficado para trás, as nossas disposições demônicas não terminaram, permanecem como prova de nossa rebelião contra Deus. Agora
que vivemos na era das aporias, cada um de nós dá-se o direito de
criar seus próprios caminhos. Atualmente, em vez de da pretensão à
capacidade de distinguir o Bem do Mal, negamo-los, dizendo a nós
mesmos que estas coisas não existem. Depois de assistirmos o fracas16
HERMENÊUTICA 7 (2007): 1-18
SÍLVIO MURILO MELO DE AZEVEDO
so de nossas projeções demônicas (já que aquilo que reputávamos
por Bem na verdade era um monstruoso Mal) não negamos nossa
autonomia espúria, apenas as provas de nosso fracasso. Assim, hoje,
demonicamente, queremos dizer que manufaturaremos o nosso próprio bem e o nosso próprio mal, a que outros de nós, inversamente,
poderão chamar de mal e bem, a seu talante. Portanto, consoante
nosso demonismo e autonomia atuais, para nós o grande “não” de
Deus encontra-se em Isaías 5:20: “ai dos que ao mal chamam bem e
ao bem mal, dos que transformam as trevas em luz e a luz em trevas,
dos que mudam o amargo em doce e o doce em amargo.”
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Hermenêutica, Volume 7, 19-37
2007 Centro de Pesquisa de Literatura Bíblica
UNDERSTANDING RELIGIOUS SYNCRETISM IN BRAZIL: CASES IN DUAL
ALLEGIANCE WITH IMPLICATIONS FOR ADVENTIST MISSION
Wagner Kuhn, Andrews University (EUA)
Ph. D. em Missiologia
ABSTRACT
The author seeks to describe the religious syncretism that exists
in Brazil today, mostly within the context of popular Catholicism,
charismatic Pentecostalism, and the Afro-Brazilian religions. The article
shows the relations between syncretism and dual allegiance within the
context of these Afro-Brazilian and Christian religions, and from that
perspective it helps to set the context in regard to implications for
Adventist mission. Through several case studies, it also seeks to
demonstrate the challenges the Seventh-day Adventist Church faces
as it encounters and deals with these realities.
RESUMO
O autor procura descrever o sincretismo religioso que existe
hoje no Brasil, principalmente no contexto do Catolicismo popular, do
Pentecostalismo carismático, e das religiões Afro-brasileiras. O artigo
mostra as relações entre o sincretismo e dupla fidelidade no contexto
destas religiões afro-brasileiras e cristãs e a partir desta perspectiva,
ajuda a estabelecer o contexto em relação às implicações para a missão adventista. Através de vários estudos de casos, o artigo também
procura demonstrar os desafíos que a Igreja Adventista do Sétimo dia
encontra ao se deparar e lidar com estas realidades.
INTRODUCTION
The African people who were sold to colonial Brazil brought
with them their religious beliefs and traditions. In order to survive the
inquisitorial atmosphere of the Portuguese colonizers, many of the
African slaves needed to mask their deities and saints or ancestors
with Roman Catholic names (Araujo 1988:297). This process gave
birth to the Afro-Brazilian religions—a form of dual allegiance that
UNDERSTANDING RELIGIOUS SYNCRETISM IN BRAZIL:...
blends together various elements of Roman Catholicism, African
Religions, and Kardecist spiritualism.1
Roman Catholicism and the animistic system of African religions
brought to Brazil were the major forces to produce the unique
syncretism 2 that is seen in popular Catholicism, charismatic
Pentecostalism, and in the Afro-Brazilian religions today. Since
spiritualism is an ideology followed by most practitioners of Catholicism
in Brazil (Van Rheenen 1991:11), the Afro-Brazilian spiritualistic
religions have been developed in order to accommodate the demands
of such a popular religion. Afro-Brazilian religions are very practical
indeed, and many appreciate that kind of religion because, “if one
medium does not help, another is tried; if one spirit does not help,
another is sought” (Van Rheenen 1991:160).
This unique religious syncretism permeates most aspects of
everyday life, practices, traditions and beliefs, of a very large proportion
1
In this paper the words spiritualism or spiritualistic will be used instead of other
accepted forms of the word like spiritism or spiritistic.
2
I have used the term syncretism in association with the term dual allegiance; and
although I have not provided a definition for both terms (see Bruce Bauer’s paper),
I have attempted, however, to provide an explanation for syncretism. André Droogers
says that syncretism is often and incompletely characterized with the observation
that it brings or blends together elements from different religious sources. He argues
that some scholars consider non-religious elements to be part of the process of
blending, while others note that the mixing of elements happens in varying degrees.
In this way they have distinguished different types of syncretism, with symbiosis at
one end of the spectrum and complete fusion at the other. These two or more
religious sources that provide elements for syncretization do not necessarily occupy
an equal position. One source maybe dominant, coloring the elements taken from
the other religion. Much syncretism seems to occur in an unreflective manner, as a
natural—cultural process. As a consequence, people who mix varied religious
elements may not do so intentionally and would not necessarily defend or propagate
their blended religious practices. Thus, seen in this perspective, syncretism serves
and is often used as a practical means of solving existential problems. If one religion
disappoints as a problem-solver, the other religion and its representatives may offer
compensation. And difficult situations may, therefore, stimulate people to appeal to
different forms of syncretization (2005:465). Also, for a broader view, description
and definitions of syncretism consult the article entitled: Syncretism, by Erich W.
Baumgartner. 2006. In Adventist Responses to Cross-Cultural Mission, Vol. I, Bruce
L. Bauer, ed., 205-218. Berrien Springs, MI: Department of World Mission, Andrews
University.
20
HERMENÊUTICA 7 (2007): 19-37
WAGNER KUHN
of the Brazilian population. Although it is difficult to assert numbers,
today Afro-Brazilian religions, along with popular Catholicism and
charismatic Pentecostalism, have become increasingly more popular in
Brazil (Prandi 2000:642).
This paper seeks to describe the syncretism that exists in popular religions in Brazil. It shows the relations between syncretism and
dual allegiance as seen in the cases of Afro-Brazilian and Christian
religions, and from that perspective helps to set the context in regard
to implications for Adventist mission. It also seeks to demonstrate the
challenges the Seventh-day Adventist Church faces as it encounters
and deals with these realities. No doubt that further studies will be
needed, as these cases are not limited to Brazil.3
HISTORICAL BACKGROUND
Portuguese colonialism in Brazil lasted almost three centuries.
The first settlers that arrived in Brazil built warehouses on the coast to
trade with the Indians. There was a need for agricultural products in
Europe, and for that the colonizers introduced sugar cane plantations.
When these plantations were initiated, the Portuguese colonizers tried
to turn the Brazilian Indians into slaves, but the Indians who were
accustomed to a nomadic life style did not show any aptitude to work,
especially for enslaved agricultural labor. When the natives did not fulfill
the work expectations, the Portuguese gradually replaced them by the
cheapest manual labor ever: the African slaves (Bastide 1978:31-33).
The big plantations had their own chapel as well as their own
priest who was a representative of the church, an official of the Sunday
mass, and a schoolmaster who would teach the sons of the Portuguese.
The chaplains soon became responsible for the regression of Catholicism
from a communal religion to a religion of family clans. It meant that the
owners of the plantations were the owners of the religion as well as the
owners of the priests. This caused Catholicism to suffer a serious
3
Although this paper describes mostly a Brazilian reality (past and present), its
implications are also for the territory of the South American Division, as syncretism
and dual allegiance is quite common there. Forms vary though, as these other
countries inherited the syncretism of Amerindian practices, Spanish Catholicism,
and various other mystical elements as well.
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21
UNDERSTANDING RELIGIOUS SYNCRETISM IN BRAZIL:...
transformation: the invasion of the patriarchate into the church, and its
repercussions reached far into the domain of symbols and values forming
a Catholicism centered on the worship of the patriarch’s guardian saints
and of the family’s dead. Worship service was highly animistic (the
beliefs in personal spiritual beings) and had little doctrinal content
(Bastide 1978: 40-46). Roman Catholicism gradually adapted itself to
the interests and concerns of the Brazilian patriarchate, and certainly
the Catholic faith lost its primary objectives when the owners of the
land became the owners of the church too.
The slave trade that started about 1550 continued until around
1850. The grand total of Africans imported to Brazil was around
3,500,000. Portuguese South America received four main
representations from the African continent: the Sudanese civilizations,
represented especially by the Yoruba, by the Dahomans, by the FantiAshanti, and by the smaller groups of Krumano, Ani, Zema, and
Timini; the Islamized civilizations, represented by the Peul, Mandingo,
Hausa, Tape, Bornu, and Gurunsi; the Bantu civilizations of the Angola-Congo group, represented by the Abunda of Angola, by the
Congo or Cabinda from Zaire, and by the Benguela; and the Bantu
civilizations of the east coast of Africa, represented by the Mozambique
(Macua and Angico) (Bastide 1978:35, 46). Those imported to Brazil
brought a variety of skills, customs, and traditions as well as religious
and cultural backgrounds. Bastide commented that:
Africa sent to Brazil cattle raisers and farmers, forest people and
savannah people, representatives of round-house and square-house
civilizations, totemic civilizations, matrilineal and patrilineal
civilizations, blacks familiar with vast kingships and others who knew
only tribal organization, Islamized Negroes and ‘animists,’Africans
having polytheist religious systems and others who worshiped chiefly
their lineal ancestors (Bastide 1978:46).
African religions were introduced to Brazil in this unique way.
From different communities and religious backgrounds, the slaves were
mixed aboard the ships and then, at the final trade centers they were
bought and also sent to different places of Brazil. This created a big
impact upon the new environment in which they were placed. It
transformed their reality. For they were lost, they were weak, and they
wanted to survive, so they found a way to maintain their religious
22
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WAGNER KUHN
tradition: they masked their deities with Christian names—Roman
Catholic ones.
Religious life in the slave communities was very difficult. The
African slaves could not have their own religious services in a normal
way. They were baptized into the Catholic faith without any regard of
their will. There “they were obliged to camouflage their cults and saints
with Christian names” (Araujo 1988:297), and so they gradually learned
to adapt themselves to the new system. Van Rheenen commented that
“although the slaves were forced to outwardly embrace Catholicism,
the gods that they brought from Africa were intertwined with this new
religion” (1991:255).
The slaves were used to a life of secrecy. In many places the
slaveholders would not allow them to participate in religious activities.
In some communities they were granted permission to attend church
(Raboteau 1978:219), but it was a church especially designed for them.
In a very precise way Bastide stated that “by permitting the blacks to
unite in brotherhoods, the church promoted the syncretism of
Catholicism with African religion rather than Catholicization of the
blacks” (1978:56).
This scenario described changed drastically during the twentieth
century in Brazil, with the emergence of many more forms of spirituality
and religious life. In practical terms, religion has been more effective in
the transformation of the Brazilian society than science (Sahr 2001:66).
Moreover, many elements of Roman Catholicism, Evangelical and
charismatic Pentecostalism, spiritualism, and African religions have
blended together; and science, mysticism, parapsychology, and new
age occultism have been added to these syncretistic neo-religions in an
unprecedented way. The result is a dual allegiance within the context
of a religious pluralism where the believer can seek for both God and
the world of spirits at the same time.
AFRO-BRAZILIAN RELIGIONS AND DUAL ALLEGIANCE
Most of the literature on religious syncretism in Brazil focuses on
the interplay between Catholicism and African belief systems. Well
known examples of such syncretism are Candomblé, Macumba,
Umbanda, and Quimbanda (Nugent 1992:907). These and several
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UNDERSTANDING RELIGIOUS SYNCRETISM IN BRAZIL:...
other Afro-Brazilian religions like Batuque, Paguelança, Xangô cult,
Catimbó, Tambor de Mina, etc., are part of a vast array of religions
where the issue of dual allegiance is part of life’s reality. In this paper,
only the three most relevant of them will be briefly presented: Macumba, Candomblé, and Umbanda.4
MACUMBA
Macumba is acknowledged as the oldest Afro-Brazilian religion,
and it was probably the first Brazilian religious syncretism of two different
systems: the Animistic system and the Catholic system. Macumba is
defined as a syncretism between Amerindian, African religions,
spiritualistic cults, and Catholicism (Bastide 1978:295). Macumba was
the popular term for any Afro-Brazilian religion anywhere in Brazil;
originally, the Afro-Brazilian sect was founded in Rio de Janeiro
(Leacock 1972:378). Later on, the Afro-Brazilian syncretism known
for centuries as Macumba or baixo espiritismo (lower-level
spiritualism) was called Candomblé (Ortiz 1989:91).
Macumba is also associated with white magic (good spirits);
however, Quimbanda, which is an extension of Macumba, is associated
with black magic (bad spirits or spirits of the devil). The Macumba
syncretistic religion can be good or bad, depending on the practitioner’s
own point of view or intentions. Some observers of Macumba rituals
say that it depends how one sees the symbolism that is applied to the
ritual. Moreover, Macumba can lead to social parasitism, to the
shameless exploitation of the lower classes, or to the unleashing of
immoral tendencies that may range from rape to murder (Bastide
1978:300). Macumba has become a more individualized rather than
collective religion, although it still remains a religion of the group. It
continues to grow and to provide a syncretistic religion to people of a
culture that counts on its magical and mystical elements for survival.
4
Along with these Afro-Brazilian religions there are several others referred to as
‘nations.’ Examples are Nagô nation, Efan nation, Angola nation, Ketu nation, JejeMahin nation, and Mina-Jeje nation. See Prandi, Reginaldo. 2000. African Gods in
Contemporary Brazil. International Sociology, Vol. 15 (4):645.
24
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WAGNER KUHN
CANDOMBLÉ
Candomblé is one of the most popular Afro-Brazilian practices,
and it was “diffused from [the] Yoruba area of West Africa to Bahia,
Brazil, via the slave trade” (Voeks 1990:118). Candomblé emerged in
Brazil probably at the end of the seventeenth century as a syncretism
between Macumba, African religions, and Roman Catholicism. Slaves
were forced to adopt Catholicism, but they were not converted; they
simply pretended to worship the most similar Catholic saints while
worshiping their orixas, the generic name for Yoruba deities (Cole
1986:93). The special features of Candomblé are African music, dance, herbs, and the worship of the Yoruba-inspired religion.
Certainly, one of the best definitions of the Candomblé of Brazil
is that of Renato Ortiz: “Candomblé is a celebration of the collective
African memory on Brazilian soil” (1989:91). The functions of Candomblé as the religion of a cultural group are:
to promote the security of individual members through close solidarity
in a mutual assistance group and through identification with the gods,
to help satisfy personal desire for prestige and improved social status
by linking the latter with religious status, and lastly to satisfy mass
esthetic or recreational needs through music, singing, and dancing
(Bastide 1978:221).
The religious services of Candomblé are carried out at holy
houses, and the main focus of “worship is the maintenance of a
harmonious relationship between religious followers and the African
gods” (Volks 1990:118). It is interesting to note that in this type of
religion of dual allegiance, the gods and goddesses, the Yoruba orishas,
are syncretized with Catholic saints, Jesus Christ and the Virgin. It is
very common for the ritual practices of Candomblé to be accompanied
by Catholic rites. For example, if on a particular night there is a
ceremony to honour a certain orisha, in the morning the followers attend
mass at the church of the saint that is syncretized with that orisha.
Also, after the initiation ceremonies, it is common for the newly initiated
person to undertake a pilgrimage to seven Catholic churches (Prandi
2000:647).
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UMBANDA
This singular name is a combination of three different
representations of religious structure: the priest, white magic, and an
African form of spiritualism (Bastide 1978:480). Umbanda has been
considered the biggest animistic religion in Brazil. In 1988 it was
estimated to have a membership of twenty million adherents and was
considered the leading religious group in Brazil if one measures beliefs
in terms of actual behavior and practice (Van Rheenen 1991:255).
Reginaldo Prandi has estimated that in São Paulo there are
approximately 50,000 Afro-Brazilian worship centers among close to
twenty million inhabitants (greater metropolitan area), of which 4,000
are Candomblé and the remaining are Umbanda (2000:644).
The roots of Umbanda are many, nevertheless this national
religion is a syncretism of indigenous Indian elements, Catholic beliefs,
Candomblé, various forms of spiritualism, Macumba, and Kardecist
spiritualism (Pressel 1978:23, 27). Umbanda is called the most
important popular religion in Brazil (Prandi 2000:642). Its two basic
ideologies are: “a belief in the active intervention of spiritual entities in
the lives of humankind, and the practice of spirit possession as the
central means by which these entities communicate with and help or
hinder humans” (Brown 1986:2).
In the pantheon of Umbanda there are two categories of spirits:
the spirits of light and the spirits of darkness. The spirits of light are the
Caboclos who are spirits of Brasil’s Indian ancestors, the Pretos-Velhos who are spirits of old slaves, and the Crianças who are spirits of
deceased children and represent the idea of purity and innocence. The
spirits of darkness are the Exus, and they are entities that work with
the dangerous dimensions of night-time (Ortiz 1989: 95-98). The
Umbandista universe of spirits and orixas is extensive, blending
together more cultural traditions and religious background than any
other religious movement in Brazil in the twentieth century.
According to Umbandistas there is an arrangement of seven
sacred lines of saints, and there is a clear syncretism (similar to Candomblé) of various backgrounds between these lines: the line of Oxalá is associated with Jesus Christ, Iemanja with the Virgin Mary, Orient
with Saint John the Baptist, Oxoce with Saint Sebastian, Xango with
26
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WAGNER KUHN
saint Jeronime, Ogum with Saint George, and the African line with
Saint Ciprian (Pressel 1978:67).
Umbanda has been one of the fastest growing religions in Brazil
(mostly during the last part of the twentieth century) and the reason is
“because it overtly provides a context for the latent animistic beliefs
long held by the majority of Catholics” (Van Rheenen 1991:74) as well
as by adepts of other religious groups.
SYNCRETISM AND AFRO-CATHOLICISM IN BRAZIL
Afro-Catholicism is a syncretism of African religions, animism,
and Roman Catholicism. It is a form of traditional Catholicism mixed
with African religions that blends religious material and mysterious magic
(Raboteau 1978:25). Afro-Catholicism is also referred to as FolkCatholicism. It is divided into two main branches: Black Catholicism
and Popular Catholicism.
BLACK CATHOLICISM
Black Catholicism was a lower class of Catholicism and existed
side by side with the Catholicism of the white. It was the official religion
of the slaves or black people who were free at the time of colonial
Brazil. Black Catholicism was Roman Catholic with exterior forms and
materials, but was African in its soul and beliefs. Black Catholicism
was also greatly influenced by Portuguese Catholicism, which already
had the custom of including masked dances and profane singing in
religious activities (Bastide 1978:124).
Although Black Catholicism is different in many ways from
Roman Catholicism, it resulted from a mixing of Christian beliefs and
traditions with African animistic beliefs in a world of magic, mysticism,
and spiritualistic rituals. In this context, African ceremonies were
incorporated into Catholic ones. In doing so the Catholic Church
permitted a form of dual allegiance or mystic religious syncretism.
Bastide noted that “Black Catholicism was the precious reliquary,
unwittingly presented to the Negroes by the church, in which they might
preserve some of the highest values of their native religions, not as
relics but as living realities” (1978:125).
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UNDERSTANDING RELIGIOUS SYNCRETISM IN BRAZIL:...
POPULAR CATHOLICISM
Popular Catholicism also contains syncretism of various religious
structures: Afro-Brazilian religions, folk religions, Animism, Catholicism,
charismatic Pentecostalism, etc. Popular Catholicism in Brazil is
characterized by the believer’s act of exercising faith in the mystical
element. Like Umbanda, popular Catholicism emphasizes the roles of
spirits as patrons and of all humans as their clients (Brown 1986:193).
The adherents of popular Catholicism are allowed to do everything
in the practice of their religion. Many of them go to the Catholic mass,
but as soon as it is finished they engage in spiritualistic rituals that are
similar to the Afro-Brazilian and charismatic cults. Their allegiance is
not to only one particular denomination or deity, but to both a Christian
church with its set of doctrines and beliefs and also to mystical
spiritualism or the animism of Afro-Brazilian religions.
SYNCRETISM AND CASES IN DUAL ALLEGIANCE: IMPLICATIONS FOR
ADVENTIST MISSION
Interestingly, during the past three to four decades, Afro-Brazilian
religions, popular Catholicism, and charismatic Pentecostalism,5 have
5
Philip Jenkins in his book The Next Christendom (see pages 63-66) provides the
example of the Brazilian-based Universal Church of the Kingdom of God (Igreja
Universal do Reino de Deus). The Universal Church has grown phenomenally in
the last two decades and some have estimated a membership in the millions (three to
six). Even with a short existence, this Pentecostal Church controls one of the largest
television station in Brazil, has its own political party, and owns a Rio de Janeiro
football team (an asset that is valuable in terms of social and political influence
[football in Brazil is considered by many as a religion of the masses, and as such
competes with the allegiance that any believer might want to have with Jesus Christ,
in fact it creates another kind of dual allegiance]). The Universal Church has also
expanded its activities to more than 40 countries. It has been criticized for mystical
and superstitious practices that exploit its largely uneducated members. The Church
sells special anointing oil for healing, and television viewers are encouraged to
place glasses of water near the television screen so they can be blessed by remote
control and healed from diseases and curses. Change of angels ceremonies offer the
option for believers to have another angel to solve their problems as their current
one is too weak to help. Also, for a detailed description of charismatic and Pentecostal
evangelicals in Brazil and their practices and beliefs, and how they have incorporated
mystical elements into their religious activities, please see the chapter entitled: O
Culto Pentecostal e Carismático (Pentecostal and Charismatic Worship], pages
28
HERMENÊUTICA 7 (2007): 19-37
WAGNER KUHN
been able to adapt to modernity by their rejection of the notions of sin
and guilt and also by being the religions of the oppressed (Motta
1999:77) and the poor—which, not surprisingly, comprise the majority
of the Brazilian population. Moreover, these religions are no longer
ethnic religions exclusive to the black population or the poor, but universal religions, without racial, ethnic or geographical barriers. They
are religions that congregate followers of all racial and social groups
(Prandi 2000:641). This religious context provides both opportunities
and challenges for the Seventh-day Adventist Church in Brazil.
Opportunities because “the process of de-catholicization in Brazil has
been visibly growing faster (Motta 1999:77) during the last five decades,
and that has allowed for more religious freedom for Adventist believers
to preach the Three Angels’ messages of Revelation 14:6-12. But at
the same time there are also many challenges due to the amount of
syncretistic elements that have become part of these popular religions
in Brazil. And unless there is true conversion (at the worldview6 level)
to Christ, a clear understanding of biblical truths, and a process of
discipleship within the context of the remnant church and the soon
coming of Christ, the new believer will continue to maintain allegiance
to his former ways of life and syncretistic religion. Note the following
real cases that are examples of the reality within our Adventist context:
SERVING TWO MASTERS
T. Medeiro lived in Belém de Maria (Pernambuco) and had been
a member of the Adventist Church for a couple of years. Although he
professed to believe in the Adventist truths as found in the Bible, he
still maintained some amulets and continue to practice some rituals
associated with his previous Afro-Brazilian spiritualist religion. During
a worship service in his local Adventist Church, he was suddenly and
mysteriously pushed up high and forward into the air, “flying” some
three to four meters before he landed on the floor. He spoke in a lone
73-141, in Vanderlei Dorneles, Cristãos em Busca de Êxtase [Christians in Search of
Ecstasy], 2nd edition, São Paulo, Brazil: UNASPRESS. 2002.
6
For a more comprehensive and in-depth study of worldview and implications for
the Seventh-day Adventist, see Paulo Candido de Oliveira, “Developing an
Interdisciplinary Analysis and Application of Worldview Concepts for Christian
Mission.” DMin Dissertation, June 2006. Berrien Springs, MI: Andrews University.
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UNDERSTANDING RELIGIOUS SYNCRETISM IN BRAZIL:...
tow and distorted voice—it was someone else’s voice. The devil’s
public manifestation indicated that there was a struggle—that allegiance
to Christ and the Church or to the former religious practices and its
spirits had to be defined and decided. Sadly, Medeiro had been serving
and maintaining allegiance to two masters.
DO NOT CONSULT THE SPIRITS
H. Santos Barbosa became an Adventist in Teófilo Otoni (Minas Gerais). Her husband was already an Adventist at the time of her
baptism. Few years after her baptism her brother became seriously
sick (cancer) and was expected do die soon. While her husband went
to visit her sick brother in another city, Barbosa stayed home with her
children. Because she really wanted to know if her brother had died
yet or not, and because she still continued to believe in the world of
spirits and the rituals of her former religion, she decided to go to her
room and wait for “an answer” about her brother’s condition. At night,
a being (spirit) come to her while she was in bed and stayed at her side
for a little while and then left. Barbosa was afraid as there was an eerie
and spooky atmosphere in her room, but at the same time she wanted
to understand the message this being/spirit was bringing her from her
brother. After the spirit left, she stood up and went out of her room,
called her children and told them that her brother had died. She told
them that the being that came to her room was the spirit of her brother,
who wanted to communicate to her that he had departed—died. In the
early morning hours of that night her husband arrived, bringing the news
that Barbosa’s brother had died.
DELIVER US FROM EVIL
F. Santos, the husband of H. Santos Barbosa, had been involved
in Macumba before he became Adventist. He believed that Jesus Christ
was more powerful than the spirits of Macumba. One day, after many
nights without been able to sleep properly, he complained to the police
about the noise caused by the Matuqueiros [those who beat the drums]
of the Macumba center. Later, his former “brothers” from that center
found out that he had complained and decided to do a despacho (spell
or curse) against him and his family. They got a frog, stuffed its inside
with some magical materials, sewed its mouth and placed the frog in
30
HERMENÊUTICA 7 (2007): 19-37
WAGNER KUHN
the doorsteps of Santos’ house. Although Santos tried to be a faithful
Christian, his wife still believed in the spirit’s direct interference in one’s
life. Interestingly, that same week brother Santos had a terrible car
accident. Fortunately though, he did not die, because God delivered
him from evil.
LEAD US NOT INTO TEMPTATION
Teenager R. Costa was very sick of his stomach having fever
and other serious complications. He lived in a favela (slam) in Rio de
Janeiro, a place quite distant from a decent hospital. His neighbors
advised his father and mother to get a couple of fresh eggs from a
certain “store” and rub them over his stomach and legs, moving them
up and down. They believed that the eggs would attract and catch the
evil spirits as well as any unclean element that was causing the sickness.
If his parents would do that the boy would be healed, was the promise.
Costa’s Adventist parents, former members of an Afro-Brazilian sect,
fell into temptation and decided to follow up with the recommendation,
clinging to their former beliefs and practices.
RISKY BUSINESS BUT IMMEDIATE RESULTS
After receiving Bible studies, Elaine Reis become a member of a
local Adventist church in São Paulo city. A couple of years later, while
still in university she met the son of an Adventist minister, they dated,
and latter on they married. Things went well for a while, but as Elaine
would go on vacations to her relatives, she reacquainted herself with
her grandmother’s Macumba. At first it was just a curiosity of
reminiscing her past with grandmother. But as she returned more often
for visits and shared some of her marital problems and life’s struggles
with grandmother, she believed that some of the “recipes” of Macumba could help her. She then started taking active part in the rituals and
works of Macumba, not only interested in getting some help for her
marriage and other problems, but also as a participant. Back home
she would carry on with her responsibilities as usual, working, attending
school, and going to church on Sabbaths with her husband.
Unfortunately, as Elaine decided that Macumba was more appealing
and provided immediate answers and help for her problems, the
Adventist Church was no longer seen as necessary. Consequently and
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sadly, she abandoned the church and the couple ended up divorcing.
I believe that the incidence of such cases in the Adventist Church
in Brazil is still low, as compared to other protestant churches, but it is
a reality. These cases do exist and for that matter the church must
realize that this is a challenge that must be considered seriously.
Ministerial colleagues have told me that some of their Adventist
relatives have resorted to various syncretistic practices in order to “help”
someone get healed, to be able to find a job, to be protected, to find a
spouse, to achieve success or material possessions, etc. The sad part
is that these Adventists also bring their prayer requests to the church,
while at the same time they try different simpatias (the use of certain
rituals, songs, combination of words, amulets, etc.) in order to get what
they are requesting or in need of.
Horoscopes and diviners are sought by church members and
their advices followed in a disguised way so that other Adventists would
not know what they are doing. Other times these members just place
and keep a horseshoe or thorns (in its branch) by the door of their
houses and such or other amulets have been used to ward off the evil
spirits, to protect from calamities and diseases, or to help avoid bad
things from happening. I have also heard from church members the
expression “lets do a saravá or simpatia (magical spell) so that won’t
happen to me/us,” or even worse, “I will do a saravá so my neighbor
will get sick, or he/she will have a car accident, or that my boss will
loose his job.”
The reason this happens so often in Brazil is because many people
are experiencing Christian conversions without worldview change (Van
Rheenen 1991:89). As such, these kinds of conversions without
worldview change remain a major challenge for the mission of the
Seventh-day Adventist Church in Brazil. When new believers experience
genuine conversion in Christ, they leave the old religious practices with
its dual allegiances behind and embrace the Adventist movement
wholeheartedly as new persons in Christ. Their allegiances now and
onwards are to Jesus Christ who through his death on the cross has
triumphed over the forces of evil.
Allegiance to one God and his Church happens only when a
person knows from where she comes from and who she is (history/
identity), where she is right now (saved and in God’s church), and
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HERMENÊUTICA 7 (2007): 19-37
WAGNER KUHN
where she is going to (purpose/prophetic perspective). Furthermore,
new church members have to continually learn the biblical truths
cognitively, but they must also be discipled at the worldview level—
where decisions are made, and questions of allegiance decided.7 This
must be based on a clear understanding of the spiritual realities of life,
in order for believers to fully grow in Christ and become mature and
committed Adventist Christians.
CONCLUSION
Brazil is the world’s largest Roman Catholic country. Close to
80% of the population, or some 155 million Brazilians “identify
themselves as Catholics, though many, perhaps even a majority, also
profess or practice Candomble and its variants” (Rohter 2000:A.3).
Additionally, about 15% of the population claim to be evangelical
Christians. This means that a large percentage of people who are being
baptized into the Seventh-day Adventist Church today have had a
syncretistic religious background. Consequently, popular Catholicism,
7
The Seventh-day Adventist church in Brasil has not been much affected by so
many forms of syncretism and a life of dual allegiance in the past. This was due
mainly because Adventists were the people of the book—the Bible, they were more
isolated from community life and society in general, and were a relatively small
protestant church, maintaining its American (and European) heritage. Also, prebaptismal Bible studies were solid and preparation for church membership was a
serious matter. The fact that our traditional theology was essentially anti-Catholic
and anti-spiritualist somehow served as a wall against such syncretistic influences.
Sadly though, the situation has changed. With the popularization of existentialism
and less emphasis on serious doctrinal and Bible studies, suggesting that the person
only needs to accept Jesus Christ to be baptized or to become a church member, the
church has opened its doors for semi-converted Christians that are infiltrating
syncretistic beliefs and practices in its midst (adapted from an e-mail letter from
Alberto R. Timm to the author, March 29, 2007). Also, for further considerations,
please see Alberto R. Timm, “Podemos ainda ser considerados o ‘povo da Bíblia’?”
[Can we still be considered the people of the Bible?], Revista Adventista (Brasil)
Junho de 2001:14-16; “Preparo para o batismo: assunto sério” [Preparation for
baptism: serious matter], Revista Adventista (Brasil) Junho de 1997:8-10; see also,
Paulo C. da Silva, Série de estudos bíblicos da Igreja Adventista do Sétimo Dia no
Brasil: breve história e análise comparativa do Seu conteúdo (Bible Studies Series
of the Seventh-day Adventist Church in Brazil: Brief History and Comparative
Analysis of Its Content], Engenheiro Coelho, SP, Brazil: Imprensa Universitaria
Adventista, 2002.
HERMENÊUTICA 7 (2007): 19-37
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UNDERSTANDING RELIGIOUS SYNCRETISM IN BRAZIL:...
charismatic Pentecostalism, and Afro-Brazilian religions with their many
syncretistic religious practices and beliefs that promote dual allegiance
do pose a major challenge to Adventist work in Brazil, for many church
workers are not aware of these realities, have not had the training to
deal with such syncretistic practices, or have ignored altogether the
reality of dual allegiance within the Brazilian religious identity.8
Moreover, the challenges of post-modernist existentialism,
secularism, materialism, and globalization—constant realities of the
Brazilian society—confirm that in today’s world, “religion encompasses
culture, the social encompasses the political, the invisible is in the visible,
the profane contains the sacred” (Soares 2002:56), and vice-versa.
Could that, combined with the appealing incentives and powers of
mystical and syncretistic religions with its immediate rewards and
benefits threaten even the identity of the Seventh-day Adventist Church
in Brazil? I hope not. However, we need to be cognizant of the fact
that “while the church is evangelizing the world, the world is secularizing
the church” (Froom 1949:131).
Given the content of this paper and its implications, I believe it is
imperative for the Seventh-day Adventist Church to urgently take
advantage of the message contained in Fundamental Belief # 11
(Growing in Christ).9 This biblical message must be unpacked, studied,
preached, and explained so that all church members, laity and clergy
alike, can understand that the victory of Jesus Christ and allegiance
only to Him give us victory over all evil forces. Indeed, “our struggle is
not against flesh and blood, but against the rulers, against the authorities,
against the powers of this dark world and against the spiritual forces of
evil in the heavenly realm” (Ephesians 6:12).
8
As an anthropologist, E. Abumanssur states that the Brazilian religious identity
has developed to the contrary of the purification of religious beliefs, instead it has
been produced precisely by the syncretism of different religions and cosmovisions.
For many, syncretism is seen as something suspect, impure, and incorrect, but it is,
however, precisely within this melting pot of cultures and religions that Brazilians
were produced (2002:79).
9
This fundamental belief is known by many as fundamental belief number 28; it is
entitled Growing in Christ and in reality is fundamental belief number 11. It states:
By His death on the cross Jesus triumphed over the forces of evil. He who subjugated
the demonic spirits during His earthly ministry has broken their power and made
34
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WAGNER KUHN
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certain their ultimate doom. Jesus’ victory gives us victory over the evil forces that
still seek to control us, as we walk with Him in peace, joy, and assurance of His love.
Now the Holy Spirit dwells within us and empowers us. Continually committed to
Jesus as our Saviour and Lord, we are set free from the burden of our past deeds. No
longer do we live in the darkness, fear of evil powers, ignorance, and meaninglessness
of our former way of life. In this new freedom in Jesus, we are called to grow into the
likeness of His character, communing with Him daily in prayer, feeding on His Word,
meditating on it and on His providence, singing His praises, gathering together for
worship, and participating in the mission of the Church. As we give ourselves in
loving service to those around us and in witnessing to His salvation, His constant
presence with us through the Spirit transforms every moment and every task into a
spiritual experience. (Ps 1:1, 2; 23:4; 77:11, 12; Col 1:13, 14; 2:6, 14, 15; Luke 10:17-20;
Eph 5:19, 20; 6:12-18; 1 Thess 5:23; 2 Peter 2:9; 3:18; 2 Cor. 3:17, 18; Phil 3:7-14; 1
Thess 5:16-18; Matt 20:25-28; John 20:21; Gal 5:22-25; Rom 8:38, 39; 1 John 4:4; Heb
10:25.)
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2007 Centro de Pesquisa de Literatura Bíblica
O BATISMO EM NOME DE JESUS
Demóstenes Neves da Silva, SALT/IAENE (Brasil)
Mestre em Teologia
RESUMO
Este artigo aborda alguns questionamentos acerca da autenticidade e confiabilidade da passagem de Mateus 28:19. Trata-se de uma
apresentação resumida de questões levantadas sobre o uso da fórmula batismal trinitária, como se encontra em Mateus 28:19 e o batismo
em nome de Jesus, como utilizado nos registros do livro Atos dos
Apóstolos.
ABSTRACT
This article focus on some questions about the authenticity and
confidence of Matthew 28:19. It makes a summary presentation about
questions on the use of the trinital formula, as it is found in Matthew
28:19 and the baptism in the name of Jesus, as used in the records of
Acts.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é uma apresentação resumida de questões
levantadas sobre o uso da fórmula batismal trinitária, como se encontra em Mateus 28:19, e o batismo somente em nome de Jesus, como
utilizado nos registros do livro Atos dos Apóstolos (Atos). Este estudo será apresentado em três etapas: a primeira tratará da refutação de
fontes questionáveis para desacreditar o texto de Mateus; a segunda
abordará a autenticidade e a confiabilidade da passagem do ponto de
vista bíblico e inspirado, bem como seu respaldo histórico; na terceira
etapa serão apresentadas algumas interpretações para a ênfase no
nome de Jesus como aparece no livro de Atos.
A passagem trinitária de Mateus 28:19, 20 encontra-se na Bíblia Almeida Revista e Atualizada como segue:
“Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizandoos em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os
a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou
O BATISMO EM NOME DE JESUS
convosco todos os dias até à consumação do século” (Mt 28:19).
Com o objetivo de negar a expressão trinitária, em destaque no texto
acima, foram feitas tentativas, mas sem sucesso, como veremos a seguir.
FONTES QUESTIONÁVEIS
As discussões sobre o texto de Mateus 28:19 são antigas, e
constam de grande número de comentários especializados, visando
identificar sua autenticidade e confiabilidade. Entretanto, as resistências atuais ao texto de Mateus 28:19, divulgadas através de vários
sites na internet, deixam claro que o objetivo da abordagem visa negar
a doutrina da trindade.
Nessa tarefa, alguns têm se utilizado de posições e análises superadas e refutadas, como se fossem novidades. Às vezes, desconhecendo os resultados das pesquisas em torno dos manuscritos originais, ou distorcendo suas conclusões, tais “pesquisadores” têm recorrido a enciclopédias genéricas, em vez de obras técnicas e a autores
“escolhidos” como seu recurso para “provar” que estão certos. Entre
os autores selecionados a dedo encontra-se a obra de Eusébio de
Cesaréia (263-340 d. C.) bem como utilizam outros autores que, para
negarem a porção trinitária de Mateus, se basearam em fontes islâmicas
e idéias tiradas de comentários da passagem feitos no século XIV.1
EUSÉBIO
DE
CESARÉIA
Uma das tentativas, para desfazer do texto original em questão,
tem sido a utilização do testemunho de Eusébio de Cesaréia como
palavra final sobre a fórmula de batismo, conforme registrada por
Mateus. Algumas razões podem ser apontadas para não aceitar
Eusébio como autoridade nesta questão:
1) A primeira delas vem do próprio Eusébio que apresenta em
suas obras, como testemunhos da verdadeira fé, fontes e autores como
Irineu, Tertuliano e Justino, os quais, como veremos, apontam a fór1
DAVIES, W. D.; ALLISON, D. C. A Critical and Exegetical Commentary on the
Gospel According to Saint Mathew. vol. 3. Edinburgh: T & T Clark, 1961, p. 684-685
(nota 41).
40
HERMENÊUTICA 7 (2007): 39-55
DEMÓSTENES NEVES DA SILVA
mula trinitária de Mateus 28:19 como autêntica.
2) Aliás, o próprio Eusébio menciona as três pessoas da trindade como crença da igreja em seu livro História Eclesiástica2 (p. 252).
3) Por outro lado, é preciso lembrar o costume de Eusébio,
apontado por pesquisadores, de citar o Novo Testamento de forma
imprecisa. Isso pode explicar a razão de ele citar incorretamente
Mateus 28:19.3
4) Tomar Eusébio como autoridade única da crença original da
igreja apostólica parece um recurso frágil. As pessoas que assim acreditam desconsideram que aceitar tudo o que ele diz em sua obra implica em acreditar também que a igreja estava fundada sobre Pedro,
segundo a doutrina da igreja católica romana, pois era essa a crença
de Eusébio (História Eclesiástica, p. 226).
5) Curiosamente, os que citam Eusébio pretendem resgatar o
texto “original” de Mateus, acusando que os manuscritos utilizados
para o texto trinitário da passagem em 28:19 foi um acréscimo do III
e IV séculos. No entanto, além de Eusébio ser impreciso na citação
do NT ele encontra-se exatamente no final do III até quase metade
do IV século, período questionado pelos que rejeitam a passagem
trinitária de Mateus.
6) Finalmente, ao usar Eusébio para “provar” que o texto de
Mateus 28:19 é incorreto, parece proposital o “esquecimento” de outros documentos e “pais da igreja” mais confiáveis e de até cem anos
antes de Eusébio, os quais já registravam Mateus 28:19 com a parte
que diz “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo,” confirmando-a como autêntica.
Talvez aqueles que tentam desfazer da Bíblia para apoiar seus
pontos de vista devessem levar em conta que, se consultarem os pais
da igreja indiscriminadamente, comentários “selecionados” com análises incompletas ou enciclopédias genéricas para definirem doutrina,
poderiam chegar a conclusões divergentes da Bíblia sobre qualquer
2
EUSÉBIO DE CESARÉIA. História eclesiástica: os primeiros quatro séculos da
igreja cristã. Rio de Janeiro: CPAD, 1997.
3
DAVIES, W. D.; ALLISON, D. C. , p. 684.
HERMENÊUTICA 7 (2007): 39-55
41
O BATISMO EM NOME DE JESUS
tema. Como exemplo de assuntos que, nessas fontes, aparecem com
interpretações diferentes das Escrituras, estão o “dia do Senhor,” a
“imortalidade da alma,” o “inferno” e “a besta do Apocalipse.”
A TEORIA DA “EXPANSÃO LITÚRGICA” DO EVANGELISTA
A teoria da expansão litúrgica considera que, embora Jesus não
tenha dito as palavras exatas como se encontram na fórmula trinitariana
de Mateus 28:19, essas palavras foram escritas, realmente, pelo próprio evangelista Mateus.4 Essa teoria, embora pareça negar a fórmula
batismal, na realidade ela está apenas admitindo que foi realmente
Mateus quem escreveu a fórmula em seu evangelho, e ou que a igreja
praticava o batismo trinitário desde o princípio como tradição apostólica evidenciada inclusive no Didaquê5 pertencente ao século I ou início do II, e, assim, a fórmula teria sido adicionada com base numa
prática real recebida do Salvador.
Para Albright e Mann (1971) “O erro de muitos escritores sobre o Novo Testamento encontra-se em tratar esta declaração como
uma fórmula litúrgica (no que se tornou mais tarde), e não como uma
descrição do que o batismo realizava.”6
Para aqueles que crêem que o Espírito Santo inspirou o
evangelista, a opinião desses autores que negaram a autenticidade de
Mateus 28:19 não passaria de mero erro interpretativo ou uma acusação de que Mateus “inventou” a doutrina. Certamente, se alguém poderia registrar, mesmo anos depois, o que realmente Jesus falou, este
seria Mateus. E isto se torna mais compreensível porque Marcos não
era apóstolo, não estava lá no dia da comissão, e como secretário de
Pedro é justificável que tenha omitido muitos detalhes como demonstra a natureza mais resumida do seu evangelho; Lucas também não era
apóstolo, não foi testemunha ocular, como ele mesmo admite (Lc 1:13) e deixou de registrar este detalhe; João estava lá, mas não
4
HAGNER, D. A. Word Biblical Commentary. Matthew 14-28, vol. 33a. Dallas,
Texas: Word Books, Publisher, 1995, p. 887.
5
HAGNER, D. A.. Vol. 33B: Word Biblical Commentary : Matthew 14-28. Word
Biblical Commentary. Dallas: Word, Incorporated, 2002. p. 887
6
ALBRIGHT, W. F.; MANN C. S, Matthew, The Anchor Bible. Garden City, NY:
Doubleday, 1971, p. 363.
42
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DEMÓSTENES NEVES DA SILVA
se ocupou deste aspecto em seu evangelho; somente Mateus esteve
naquele dia, ouviu aquelas palavras e achou por bem, ao escrever seu
evangelho, de registrar a fórmula batismal trinitária.
Portanto, o Espírito Santo, que inspirou os autores dos evangelhos, usou cada autor de acordo com o conhecimento e a experiência
vivida com Jesus. Parece que Mateus, judeu e apóstolo, foi o escolhido e o mais indicado para fazer o registro da fórmula trinitária na Bíblia, registro esse que aqueles que crêem ser a Bíblia inspirada pelo
Espírito Santo não precisam dele duvidar.
Quanto à sugestão de adição da fórmula trinitária no IV século
pela Igreja Católica e outras idéias semelhantes, estas devem ser rejeitadas, por causa da presença da passagem nos manuscritos mais
antigos e confiáveis, pela citação feita por líderes da igreja antes do
III e IV séculos e, finalmente, pela confirmação dada por inúmeros
especialistas e por Ellen G. White em seus escritos como veremos a
seguir.
Assim, deixando de lado as fontes questionáveis utilizadas pelos
que querem negar a fórmula batismal trinitária, resumiremos algumas
razões para sua validade em Mateus 28:19.
AUTENTICIDADE E CONFIABILIDADE DE MATEUS 28:19
A FÓRMULA TRINITARIANA DE MATEUS 28:19 ENCONTRA-SE NOS MELHORES
E MAIS COMPLETOS MANUSCRITOS DO NT
Mateus 28:19 aparece em vários manuscritos do século IV mas
a análise da origem e comparação do conteúdo desses manuscritos
com outros mais antigos mostrou que se tratava de documentos completos e dos mais confiáveis disponíveis para a recuperação do texto
do Novo Testamento. Assim, a autenticidade e confiabilidade de um
manuscrito, do ponto de vista técnico, depende do texto de onde foi
copiado. Isto pode ser identificado, por exemplo, pelo estilo literário
utilizado e pelas palavras e frases, próprias da época em que foi produzido, diferentes daquela em que foi copiado.
As pessoas, geralmente, desconhecem que há exemplos de documento “antigos” que eram adulterados, enquanto cópias “novas”
foram autenticadas como textos verdadeiros por descobertas posteriHERMENÊUTICA 7 (2007): 39-55
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O BATISMO EM NOME DE JESUS
ores. Por exemplo, um manuscrito pode ser antigo e conter
interpolações e outro pode ser recente, mas ter sido cuidadosamente
copiado de outro antigo e correto. Este “novo” manuscrito copiado
corretamente torna-se mais confiável do que um “antigo,” mas que foi
modificado.
No caso de Mateus 28:19 o texto consta dos melhores manuscritos do NT tanto nos chamados “maiúsculos” (unciais) como nos
“minúsculos.”7 Eis alguns deles: a (Álefe), A, B, D, E, F, K, H, M, S,
U, V, W, 0148vid, D (Selta), Q (Teta), M, f1 (família de quatro minúsculos) e f13 (família de 13 minúsculos). A única alegação que se poderia fazer em relação à integridade do seu texto seria uma variação em
sua composição, mencionada a seguir, que não altera em nada a idéia
da passagem.
Listamos abaixo alguns dos manuscritos considerados como os
mais confiáveis onde se encontra a variante junto à expressão “em
nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” de Mateus 28:19:
1) Os manuscritos B, W, D (Delta), Q (Teta), f1 contêm a fórmula trinitária do batismo e trazem a palavra “portanto” (ou=n - oun).
2) O manuscrito do NT denominado manuscrito D (também
chamado Códice de Beza ou Cambridge), entre outros, traz a frase
trinitária de Mateus 28:19. Neste manuscrito, em lugar de “portanto,”
o advérbio nu/n (nun) é traduzido como “agora.”
3) Mateus 28:19 com a ordem “em nome do Pai, e do Filho, e
do Espírito Santo” encontra-se também nos manuscritos a (álefe),
0148vid, f13 e M, e nestes não aparece nenhuma das duas alternativas
(nem “portanto” e nem “agora”).8
Muitos destes manuscritos foram produzidos em épocas diferentes, por pessoas e em locais diferentes e sem contato entre si. A
produção desses manuscritos nada teve a ver com autorização, conhecimento ou interferência da Igreja Católica Romana. Seu conteúdo
é repetido nas citações de outras fontes e nas citações dos primeiros
7
ALAND, K. et all., The Text of the New Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 1994.
p. xi-liii.
8
Cf. introdução ao texto grego e aparato crítico de Mateus 28:19 de ALAND, K. et
all., The Text of the New Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 1994.
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líderes da igreja cristã confirmando a fórmula batismal de Mateus 28:19.
Resumindo:
a) A passagem trinitária de Mateus 28:19 encontra-se nos melhores e mais confiáveis manuscritos do NT.
b) A fórmula trinitária também encontra-se no manuscrito mais
importante produzido no Egito, o a ou 01 (Códice Sinaítico), o que
desqualifica qualquer suposição de que tenha sido fruto de adulteração do texto.
O Códice sinaítico (a Álefe) é o manuscrito grego do século IV
considerado em geral a testemunha mais importante do texto, por
causa de sua antiguidade, exatidão e inexistência de omissões.9
Ainda, a idéia de que Mateus 28:19 seria uma interpolação
litúrgica posterior e que o apóstolo não teria escrito o texto, encontra
dificuldade de se sustentar diante das descobertas dos manuscritos do
NT. Além disso, existem as antigas traduções da Bíblia, citações dos
pais da igreja e o testemunho de documentos da igreja siríaca onde
Mateus teria sido escrito. Por essas razões, a idéia de Mateus 28:19
ser uma interpolação tem sido abandonada progressivamente, e não é
mais aceita pela maioria dos pesquisadores. Assim, a posição assumida por muitos no passado, de que uma forma curta de Mateus 28:19
(“em meu nome,” no lugar da trinitária) seria a redação original é,
hoje, metodologicamente impossível de ser sustentada.10 Com alguma
certeza é possível afirmar que a fórmula trinitária já era conhecida na
Síria, ambiente onde se teria originado o evangelho de Mateus, antes
do ano 100. 11
Assim, qualquer fonte secundária e genérica pode ser considerada ultrapassada ou desqualificada uma vez que discordem do testemunho dos próprios manuscritos que deram origem ao NT.
Passaremos, a seguir, para documentos que confirmam a fór9
GEISLER, M.; NIX, W. Introdução bíblica: como a Bíblia chegou até nós. SP: Vida,
2003, p. 142.
10
LUZ, U.; KOESTER, H. Matthew 21-28: A Commentary. Tradução de: Das
Evangelium nach Matthaus. vol. 3, trand. James E. Crouch, ed. Helmut Koester.
Minneapolis: Fortress Press, Augsburg, 2005, p. 616.
11
Ibidem.
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O BATISMO EM NOME DE JESUS
mula trinitária encontrada nos manuscritos acima mencionados, a partir de líderes da igreja cristã primitiva, que viveram próximo ao tempo
dos apóstolos e muito antes de Eusébio de Cesaréia (263-340 dC).
A FÓRMULA TRINITARIANA DE MATEUS 28:19 ENCONTRA-SE NO
TESTEMUNHO DA IGREJA ANTES DO IV SÉCULO
Algumas fontes históricas que demonstram a existência e uso da
fórmula trinitária muito antes do século IV:
1) Didaquê (70-150 d. C.). A fórmula batismal, conforme prescrita em Mateus 28:19, aparece em escritos cristãos primitivos como,
por exemplo, no Didaquê. Esta obra, conhecida também como O
ensino dos doze apóstolos, foi escrita na forma de uma carta circular
às igrejas cristãs na província romana da Síria perto da virada do primeiro século de nossa era.12 “Alguns estudiosos sugerem uma data
mais antiga que faria da obra o primeiro escrito cristão até hoje existente além do Novo Testamento.”13
Quanto ao batismo, batizareis na forma seguinte: tendo
antecipadamente disposto todas as coisas, batizai em nome do
Pai e do Filho e do Espírito Santo, em água viva, se não houver
água viva batizai em outra água; se não puderdes em água fria,
batizai em água quente. Se não tiverdes nem uma nem outra, derramai
água na cabeça três vezes em o nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo.14
É importante ressaltar que os elementos utilizados tanto por
Mateus quanto pelo Didaquê são idênticos e despertam três possibilidades: (1) O Didaquê copiou de Mateus, (2) Mateus copiou do
Didaquê ou (3) a prática do batismo segundo a fórmula trinitária ordenada por Jesus foi registrada por ambos a partir da prática batismal da
comunidade. A fonte comum, tanto para o Didaquê quanto para Mateus
28:19, se percebe pela comparação das redações originais conforme
12
OLSON, R. E. História da teologia cristã: 2000 anos de tradição e reformas. São
Paulo: Editora Vida, 2001, p. 43.
13
Ibidem.
14
Didaquê, 7. In: BETTENSON, H. Documentos da igreja cristã. São Paulo: ASTE,
s/d. p. 101 (Grifo nosso).
46
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em negrito abaixo,15 evidenciando que o batismo trinitário acontecia
no primeiro século d. C.:
Mateus: bapti,zontej auvtou.j eivj to. o;noma (em nome);
Didaquê: bapti,sate eivj to. o;noma (em nome);
Mateus: tou/ patro. j kai. tou/ ui` o u/ kai. tou/ a` g i, o n
pneu,matoj (do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo);
Didaquê: tou/ patro. j kai. tou/ ui` o u/ kai. tou/ a` g i, o n
pneu,matoj (do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo).
Portanto, a idéia de que o batismo em “nome de Jesus” seria a
redação mais antiga , em Mateus 28:19, não passa de especulação. O
mesmo pode ser dito da insustentável crença de que a fórmula “em
nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” teria sido criada no III
ou IV século d. C. Aliás, Mateus 28:19, cuja prática e fórmula trinitária
pode ser documentada desde antes do ano 100, não possui relação
direta com o conceito elaborado de Trindade que aparece posteriormente no IV século. Por outro lado, a presença do Pai, do Filho e do
Espírito Santo no batismo do próprio Jesus favorece a associação e
paralelo com Mateus 28:19, evidenciando que a tríplice presença está
vinculada ao batismo, não sendo um elemento novo no evangelho e
nem nas epístolas Paulinas e em Pedro (2 Cor 13:13; 1 Cor 12:4–6;
cf. 1 Cor 6:11; Gal 4:6; 1 Ped 1:2).
2) Clemente de Alexandria (Egito, 150-215 d. C.) também
utilizava a fórmula trinitária. O Didaquê desfrutava de tal prestígio na
igreja cristã primitiva que Clemente o considerava uma autoridade apostólica e o citava como “Escritura.”16
3) Justino, o Mártir (100-162 d. C.), por exemplo, foi morto
por defender o monoteísmo triúno cristão - “um só Deus, o Pai, o
Filho e o Espírito Santo” - em oposição ao politeísmo pagão, e por
15
NIEDERWIMMER, K.; ATTRIDGE, H. W. The Didache: A Commentary. Facsim.
on lining papers. Hermeneia—a critical and historical commentary on the Bible.
Minneapolis: Fortress Press, 1998, p. 126.
16
PELIKAN, J.; HOTCHKISS, V. Creeds and Confession of Faith in the Christian
Tradition, Yale University Press, New Haven and London, vol. 1, 2003, p. 43.
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O BATISMO EM NOME DE JESUS
isso foi martirizado exatamente em Roma que ainda era pagã.17 Justino,
contemporâneo de Policarpo, discípulo do apóstolo João, também
escreveu vários livros apologéticos dos quais somente três subsistiram. Em sua Primeira Apologia provavelmente escrita em 155 d.C
na ocasião do martírio de Policarpo,18 ele se dirige ao imperador Antonio Pio, conclamando-o a um tratamento mais justo dos cristãos.”19
No Capítulo LXI, intitulado Batismo Cristão Justino diz:
Então eles são trazidos por nós onde há água, e são regenerados
da mesma maneira na qual nós fomos regenerados. No nome de
Deus, o Pai e Senhor do universo, e de nosso Senhor Jesus
Cristo, e do Espírito Santo, eles o recebem lavando com água
então.20
No capítulo LXV da mesma obra, é dito:
Depois de termos lavado desta maneira (batizado) aquele que se
converteu e deu o consentimento seu, o conduzimos aos irmãos
reunidos para em comum oferecer orações por nós mesmos [...]
Ao terminar as orações, mutuamente nos saudamos com o ósculo
de paz e, logo, traz-se ao presidente o pão e um cálice de vinho
com água. Ele os recebe, oferecendo-os ao Pai de todas as coisas
num tributo de louvores e glorificações, em nome do Filho e do
Espírito Santo, dando graças por sermos considerados dignos de
tamanhos favores de sua clemência. 21
4. Irineu (França, 125-202 d. C.), bispo de Lião, foi instruído
em sua juventude por Policarpo de Esmirna, discípulo do apóstolo
17
Ibidem, p. 41.
OLSON, R. E, p. 58.
19
Ibidem.
20
JUSTINO MÁRTIR, Apologia I LXI (grifo nosso). Cf. Justino Apol. 1, 61.3: evpV
18
ovno,matoj gar tou/ patro,j tw/n o[lwn kai. despo,tou qeou/ kai. tou/ swth/roj
h`mw/n VIhsou/ Cristou/ kai. pneu,matoj a`gi,on to. evn tw/| u[dati to,te loutro.n
poiou/ntai (“they then perform the bath in the water, in the name of the Father of
the universe and of our Savior Jesus Christ and of the Holy Spirit”); e a seguir em
61.10 and 13. Citado em: NIEDERWIMMER, K.; ATTRIDGE, H. W. The Didache: A
Commentary. Facsim. on lining papers. Hermeneia—a critical and historical
commentary on the Bible. Minneapolis: Fortress Press, 1998, p. 126.
21
JUSTINO MÁRTIR, Apologia I, LXV. In: BETTENSON, H. Documentos da igreja
cristã. São Paulo: ASTE, s/d. p. 103 (Grifo nosso).
48
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João. Escreveu um pequeno manual de doutrinas cristãs denominado
Demonstração da Pregação Apostólica, conhecido também como
Epideixis, um resumo de sua obra mais complexa Contra Heresias.
Irineu morreu em Lião durante um massacre de cristãos em 202 dC.22
Em seu pequeno manual, no artigo 3, ele escreveu:
Agora a fé ocasiona isto para nós; até mesmo como os Anciões, os
discípulos dos Apóstolos, nos passaram. Em primeiro lugar nos é
lícito ter em mente que nós recebemos o batismo para a remissão
de pecados, no nome de Deus o Pai, e no nome de Jesus Cristo,
o Filho de Deus que era encarnado e morreu e subiu
novamente, e no Espírito Santo de Deus.23
5. Tertuliano (África, c.150-212 d. C.) também indica a tríplice
fórmula batismal como utilizada para o exame dos candidatos ao batismo em seus dias.24 Ele jamais foi ordenado sacerdote e nem canonizado pela igreja. Parece que morreu fora da igreja católica por não
aceitar sua decadência moral e teológica. Em seus escritos combateu
e desmascarou a heresia de Práxeas que dizia que o Espírito Santo
não era uma pessoa dentro da divindade, mas apenas outro nome ou
manifestação para o Pai e o Filho. Nesse debate antecipou formulações doutrinárias da trindade que os líderes cristãos do oriente e do
ocidente praticamente repetiram mais de um século depois. Poderia
ser considerado, em termos modernos, um teólogo conservador, pois
acreditava que os argumentos doutrinários deveriam estar firmemente
alinhados com as Escrituras.25 Assim, Tertuliano, como os outros líderes cristãos, mantinha o pensamento sobre a trindade bem antes do IV
século e independentemente de controle da igreja romana.
Este fato também mostra um uso da fórmula batismal, com as
três pessoas da trindade, bem próxima à época dos apóstolos, conforme a ordem dada por Cristo em Mateus 28:19, o que dificulta a
afirmação de que seria uma tradição posterior, originada no III ou IV
século.
22
OLSON, R. E, p. 67-69.
IRINEU, Proof of the Apostolic Preaching, p. 3 (grifo nosso)
24
DAVIES, W. D.; ALLISON, D. C. p. 685 (nota 46).
25
OLSON, R. E, p. 91-99.
23
HERMENÊUTICA 7 (2007): 39-55
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O BATISMO EM NOME DE JESUS
Dessa forma, fica evidente por esses, dentre outros exemplos
que poderiam ser citados, que o uso da fórmula batismal com o nome
do Pai, do Filho e do Espírito Santo era comumente empregado desde o início da Igreja Cristã.
A FÓRMULA TRINITARIANA DE MATEUS 28:19 ENCONTRA-SE AUTENTICADA
NOS ESCRITOS DE ELLEN WHITE
Entre os Adventistas do Sétimo Dia, os escritos de Ellen G. White
são considerados como autoridade inspirada para ratificar e esclarecer a Bíblia e como testemunha histórica das crenças doutrinárias na
denominação, por isso o seu testemunho será considerado neste artigo.
Ao citar várias vezes a passagem de Mateus 28:19 considerando-a como válida, Ellen G. White mostra que a fórmula batismal era
aceita pacificamente pelos pioneiros adventistas e, por ela mesma, como
autêntica no contexto da igreja cristã primitiva. Ela chama a comissão
evangélica de “a Carta Magna do reino de Cristo,” e diz que os discípulos “deviam trabalhar fervorosamente pelas almas, dando a todas o
convite de misericórdia. [...] Deviam batizar no nome do Pai, do
Filho e do Espírito Santo.”26 E diz expressamente que Jesus
revestido de autoridade ilimitada, deu a Seus discípulos sua comissão:
‘Ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do
Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas
que Eu vos tenho mandado; e eis que Eu estou convosco todos os
dias, até à consumação dos séculos.’ Mat. 28:19 e 20.27
Não foram somente os discípulos, mas também homens escolhidos pela igreja, aprovados por Deus e separados pela imposição
de mãos, que receberam a comissão e “saíram batizando no nome do
Pai, do Filho e do Espírito Santo.”28
26
WHITE, E. G., Atos dos apóstolos.Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1994,
p. 28 (Grifo nosso).
27
Ibidem, p. 30. (Grifo nosso).
28
WHITE, E. G. Primeiros escritos. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1998, p.
100-101.
50
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Ao falar de Paulo na cidade de Éfeso, quando encontrou doze
crentes que tinham sido discípulos de João Batista, mas não conheciam o Espírito Santo, Ellen White diz que Paulo “expôs perante eles as
grandes verdades que são o fundamento da esperança do cristão”29 e
“repetiu as palavras da comissão do Salvador aos discípulos: ‘É-me
dado todo o poder no Céu e na Terra. Portanto ide, e ensinai todas as
nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo’
Mat. 28:18 e 19.”30 Ao os doze discípulos ouvirem as palavras do
apóstolo “pela fé aprenderam a maravilhosa verdade do sacrifício
expiatório de Cristo, e receberam-no como seu Redentor. Foram então batizados em nome de Jesus.”31 Aqui o nome de Jesus aparece
como o destaque, por causa de seu sacrifício na cruz, embora a fórmula bíblica tenha sido, de acordo com Ellen White, a trinitária encontrada em Mateus 28:19.
Embora Ellen White não entre em detalhes sobre a declaração
acima, parece claro que a fórmula indicada por Jesus era a trinitária.
Na próxima seção, trataremos com mais detalhe da relação entre a
ordem trinitária de Mateus e o batismo em nome de Jesus no livro de
Atos.
O batismo trinitário é confirmado em outra citação da própria
Ellen White, e serve, nas palavras dela, como “sinal de entrada para o
Seu reino espiritual, [e que] Cristo o estabeleceu como condição positiva à qual têm de atender os que desejam ser reconhecidos como
estando sob a jurisdição do Pai, do Filho e do Espírito Santo.”32
Há três pessoas vivas pertencentes à trindade [trio] celeste; em
nome destes três grandes poderes - o Pai, o Filho e o Espírito
Santo - os que recebem a Cristo por fé viva são batizados, e esses
poderes cooperarão com os súditos obedientes do Céu em seus
esforços para viver a nova vida em Cristo.33
29
Ibidem, Atos dos apóstolos, p. 282.
Ibidem.
31
Ibidem, p. 283.
32
WHITE, E. G. Special Testimonies, Série B, Nº 7, págs. 62 e 63. In: Evangelismo.
Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1995, p. 307.
33
Ibidem, p. 615.
30
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51
O BATISMO EM NOME DE JESUS
Portanto, considerando o testemunho dos manuscritos antigos e
mais confiáveis do NT, o testemunho dos líderes cristãos da igreja
primitiva do século I e II e o testemunho de Ellen G. White, a passagem trinitária de Mateus 28:19 é autêntica. Essa autenticidade é admitida pela Igreja Adventista do Sétimo Dia que a adotou em seu Manual da Igreja como a fórmula a ser utilizada nas cerimônias batismais em
nível mundial.
Passamos, agora, para a segunda etapa deste estudo, que procura entender as razões de os discípulos utilizarem o nome de Jesus
ao realizarem os batismos no livro de Atos.
EXPLICAÇÕES PARA A DIFERENÇA ENTRE A ORDEM DE JESUS EM MATEUS E
O REGISTRO NO LIVRO DE ATOS
Uma vez que a hipótese de interpolação posterior na passagem
trinitária de Mateus foi descartada, os especialistas, em geral, apresentam várias explicações para a diferença entre a ordem do batismo
dada em Mateus e a cerimônia feita somente no nome de Jesus, registrada no livro de Atos. Vejamos algumas delas:
A primeira hipótese aponta para duas formas igualmente aceitas – Jesus realmente mandou batizar em nome da Trindade, mas ele
também declarou várias vezes que recebê-lo era receber ao Pai, e que
o Espírito era seu representante e substituto na Terra. Além disso,
Jesus é o Mediador da Salvação, o Nome pelo qual todos devem ser
salvos. Assim, batizar em nome de Jesus é estar em harmonia com a
Trindade. Por isso, a manifestação do Espírito Santo era uma forma
de legitimar o batismo em nome de Jesus (Atos 19:1-5). Assim, de
acordo com essa posição, podia-se batizar no nome de Jesus e em
nome da Trindade, especialmente quando se tratava de “todas as nações, até os confins da Terra” (Mat. 28:18). Também se alega que o
Didaquê menciona os batizados “em nome do Senhor” talvez indicando, para alguns, que a igreja cristã usava o batismo em nome de Jesus
como forma alternativa.
Em resposta à posição anterior pode-se dizer que: a) o Didaquê
é enfático na fórmula trinitária; b) os exemplos em Atos são somente
de judeus e gentios já convertidos ao judaísmo. Neste caso os gentios
convertidos ao judaísmo como Cornélio e outros, bem como os gen52
HERMENÊUTICA 7 (2007): 39-55
DEMÓSTENES NEVES DA SILVA
tios já batizados no batismo de João em Éfeso precisavam do rebatismo
no nome do Messias, Jesus. Daí o batismo em nome de Jesus estar
sempre ligado a judeus ou seguidores do judaísmo aos quais somente
faltava crer em Jesus para daí receberem o Espírito Santo; c) também
é preciso ter em mente que o livro de Atos não apresenta uma fórmula batismal, pois possui variações que mostram o interesse apenas em destacar a pessoa de Jesus como elemento novo, que passava
a fazer parte do ritual milenar do batismo judaico. As diferenças são
claras mesmo considerando os casos do livro de Atos. Três exemplos:
(1) Atos 2:38: “no nome de Jesus Cristo”; (2) Atos 8:16: “em nome
do Senhor”; e (3) “em nome do Senhor Jesus.” Finalmente, d) a
própria estrutura gramatical das frases estaria indicando um relacionamento com Jesus ao aceitarem seu nome, na hora do batismo, e não
uma nova fórmula para batizar.34 Isso nos leva à segunda posição a
seguir.
A segunda interpretação, já mencionada anteriormente, seria
a de um tipo de Rebatismo para indicar um novo relacionamento
com Jesus – com o objetivo de dar testemunho de que agora o aceitavam como Messias, especialmente para os que já tinham sido batizados
no batismo dos judeus que batizavam no Nome (os judeus já praticavam o batismo usando a expressão hebraica LêShem para referir-se
ao nome impronunciável de YHWH).
A terceira proposta seria uma ênfase no relato de Lucas (autor de Atos) no nome de Jesus como diferencial de outros batismos –
O batismo trinitário passou a possuir um elemento novo, até então
desconhecido e que era alvo de ataques e resistência dos judeus em
todo lugar onde os apóstolos evangelizavam. Este elemento novo era
o nome de Jesus de Nazaré como o Messias e membro da Divindade,
a ponto de ser colocado junto o LêShem (o Nome impronunciável de
Deus).
Assim, nesta proposta, a Trindade também estaria presente, pois
o batismo era feito no nome (LêShem) do Pai, do Espírito (sempre
ligado com o batismo no nome de Jesus, precedendo-o ou sucedendo-o) e, finalmente, no nome de Jesus, sendo, o nome do Senhor, uma
nova invocação, complementar à forma antiga. A conti34
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53
O BATISMO EM NOME DE JESUS
nuidade do batismo judaico adicionado de um elemento novo pode
ser percebido na expressão grega em Mateus “em nome de” (eis to
onoma), que encontra paralelo no hebraico LêShem, indicando que a
mesma idéia, tanto no grego como no hebraico, estaria por trás do
batismo “no nome.” Desse modo, a fórmula em grego tem uma origem
semítica,35 mostrando a idéia do Deus único no batismo trinitário evidenciando a mentalidade hebraica do evangelista ao registrar a fórmula batismal em grego. Com o nome de Jesus, o velho batismo era
substituído pelo batismo cristão. Invocar o nome de Jesus não somente funcionava como complementação ao batismo pela aceitação de
Jesus como Messias, mas indicava, também, que, em Jesus, estavam
presentes o Pai no envio do Filho e o derramamento do Espírito, significando, assim, a presença da Trindade.
Portanto, quando Lucas registrou os batismos em Atos, ele destacou que eram feitos no nome de Jesus, mas subtendendo o nome do
Pai e também do Espírito Santo. Como já eram conhecidos os batismos dos judeus e o de João, Lucas teria usado o nome de Jesus no
seu registro apenas como uma forma para diferenciar o batismo cristão, no qual aparecia o nome de Jesus na fórmula, dos outros dois
batismos, embora o batismo tivesse sido feito em nome da Trindade.36
Se os apóstolos batizaram os judeus, e os convertidos ao judaísmo, somente no nome de Jesus considerando o ato como rebatismo,
por causa da ausência de um conhecimento doutrinário e salvífico relevante, como no caso de Atos 19:1-3, é compreensível, sem trazer
choque com a forma trinitária. No entanto, é mais provável que Lucas
tenha feito o destaque ao nome de Jesus a partir da fórmula batismal
trinitária. A possibilidade de que a fórmula de Mateus tenha sido
interpolação posterior é praticamente nula.
CONCLUSÃO
Os argumentos normalmente utilizados para negar a autenticidade e confiabilidade da fórmula trinitária de Mateus 28:19 e a
35
FRIEDRICH, G.. Theological Dictionary of the New Testament. Vol 5. Grand Rapids,
MI: Eerdmans Publishing Company, 1967, p. 275.
36
Ibidem.
54
HERMENÊUTICA 7 (2007): 39-55
DEMÓSTENES NEVES DA SILVA
adoção do batismo em nome de Jesus têm sido apoiados em declarações de Eusébio de Cesaréia que é muito tardia (séc. III e IV) para
significar uma recuperação do texto original. Além disso, entre outras
razões, Eusébio é conhecido pelos estudiosos pela inexatidão em citar
textos do NT. Argumentos procedentes de fontes islâmicas e outras
do séculos XIV, bem como as declarações colhidas de fontes como
enciclopédias genéricas têm tido pouco valor para definir a questão.
Assim, a hipótese que admite que Mateus 28:19 é resultado de um
acréscimo do IV século d.C. não subsiste, especialmente se for considerado o testemunho dos manuscritos mais confiáveis do NT e o
testemunho dos documentos mais antigos da igreja cristã primitiva procedentes dos séculos I a III d. C.
Portanto, a posição que desfruta de mais amplo apoio a partir
dos manuscritos do NT, dos documentos da igreja cristã e de Ellen G.
White é a de que o batismo seguia a ordem trinitária. Porém, como
disse Ellen G. White, era feito “em nome de Jesus” evidentemente como
destaque para os que ainda não criam no Salvador, ou como batismo
complementar para judeus e aqueles já convertidos ao judaísmo. A
possibilidade de duas fórmulas de batismo, embora defendida por alguns, parece pouco provável, visto que Atos não apresenta explicitamente a estrutura de uma “fórmula” de batismo.
Uma vez que o texto trinitário de Mateus é autêntico e confiável,
e documentos da igreja desde o primeiro século e Ellen G. White indicam a fórmula como correta, só resta à igreja continuar fazendo o que
Jesus ordenou: batizar “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito
Santo.” Amém.
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55
Hermenêutica, Volume 7, 57-84
2007 Centro de Pesquisa de Literatura Bíblica
A PARÁBOLA DO SEMEADOR NO EVANGELHO DE MATEUS
Leonardo Godinho Nunes, SALT/IAENE (Brasil)
Mestre em Teologia
RESUMO
A parábola do Semeador – desde a perspectiva da mensagem
do Reino de Deus conforme ensinada pelo Evangelho de Mateus, e
tendo como pano de fundo a narrativa a respeito da incompreensão
do Reino (Mt 11:2 a 12:50) – trata de dois assuntos principais: a compreensão da palavra e dos mistérios do Reino como um requisito básico para se fazer parte do mesmo, e o cumprimento da missão de
espalhar a Palavra do Reino como necessário para a Sua efetivação.
ABSTRACT
The parable of the Sower – from the perspective of the message
of God’s kingdom as taught by the Gospel of Matthew, having as its
background the narrative about the Kingdom’s misunderstanding (Mat
11:2-12:50). It deals with two main themes: the comprehension of the
Kingdom mysteries and word as a basic requirement to be part of it,
and the mission accomplishment of spreading the Kingdom’s Word as
necessary for its fullfilment.
INTRODUÇÃO
O evangelho de Mateus tem suas peculiaridades. Seu objetivo e
mensagem influenciam diretamente na maneira de dispor as perícopes
do evangelho, bem como na forma de escrever os discursos e ações
de Jesus,1 como bem afirmou Westcott: “As peculiaridades da narrativa de Mateus são numerosas e uniformes em caráter ... nortearam a
escolha dos pontos da narrativa [e] influenciaram o modo como foram
tratados.”2 Por isso, para compreendermos de forma mais profunda o
conteúdo da Parábola do Semeador, como visto por Mateus, aborda1
Darrell L. Bock, Jesus Segundo as Escrituras, trad. Daniel de Oliveira, (São Paulo,
SP: Shedd Publicações, 2006), 24.
2
Brooke Foss Westcott, An Introduction to the Study of the Gospels (London:
Macmillan, 1895), 328.
A PARÁBOLA DO SEMEADOR NO EVANGELHO DE MATEUS
remos primeiramente o objetivo e a mensagem do evangelho de Mateus,
em seguida veremos o contexto em que aparece a Parábola do Semeador com suas respectivas implicações. Por último, observaremos o
texto da Parábola do Semeador e sua relação com o contexto, a mensagem e o objetivo do evangelho.
OBJETIVO DO EVANGELHO DE MATEUS
O Evangelho de Mateus era o “evangelho favorito dos escritores cristãos do II século.”3 Para Wikenhausen “no tempo de Ireneu a
Igreja e a literatura cristãs foram influenciadas mais pelo evangelho de
Mateus do que por qualquer outro livro do Novo Testamento.”4 A
igreja cristã do II século utilizou este evangelho para quatro propósitos práticos principais: (1) defender a igreja dos ataques doutrinários
tanto de judeus quanto de gentios, (2) instruir o recém-converso em
sua nova vida cristã, (3) auxiliar os membros no crescimento da fé e
da vida comunitária e (4) como leitura no serviço litúrgico semanal.5
Ou seja, o evangelho era utilizado para apologia, manual de instrução
e conservação e lecionário do culto. Nenhum desses, porém, seria o
objetivo principal que o autor de Mateus teria em mente ao escrever o
evangelho.
O objetivo principal do Evangelho de Mateus é mostrar que
Jesus é o Messias prometido pelo Antigo Testamento,6 “e dessa for3
R. V. G. Tasker, Mateus: Introdução e Comentário, trad. Odayr Olivetti, 20 vols.,
Série Cultura Bíblica, vol. 1 (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova
e Associação Religiosa Editora Mundo Cristão, 1980), 13; Leon Morris, Teologia do
Novo Testamento, trans. Hans Udo Fuchs (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa
Edições Vida Nova, 2003), 139.
4
A. Wikenhausen, New Testament Introduction, trad. Joseph Cunningham (New
York, NY: Herder and Herder, 1958), 158.
5
C. F. D. Moule, As Origens do Novo Testamento, trad. Josué Xavier, 17 vols., Nova
Coleção Bíblica, vol. 9 (São Paulo, SP: Edições Paulinas, 1979), 106, 108; Tasker, 13,
14; Robert H. Gundry, Panorama do Novo Testamento, trad. João Marques Bentes,
2ª ed. (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1981), 94; Donald
Guthrie, New Testament Introduction, 4th rev. ed., The Master Reference Collection
(Downers Grove, Ill: Inter-Varsity Press, 1996, c1990), 32-37.
6
William Barclay, Mateo I, trad. Marcelo Pérez Rivas, 2ª ed., 16 vols., El Nuevo
Testamento Comentado, vol. 1 (Buenos Aires: Associación Editorial La Aurora,
1983), 12, 13; Tasker, 16; Gundry, 93; Broadus David Hale, Introdução ao Estudo do
58
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
LEONARDO GODINHO NUNES
ma Israel deveria aceitá-lo.”7 Mateus cita mais de cem vezes os textos
do Antigo Testamento,8 podendo ser divididos em duas únicas categorias9: citações da LXX e citações do hebraico. As citações provenientes da LXX são introduzidas por fórmulas diversas ou encontramse no curso natural do texto, sem uma introdução especial. Já as citações oriundas do hebraico vêm precedidas pela fórmula “para que se
cumprisse o que fora dito”10 (i[na plhrwqh/| to. r`hqe,n), aparecendo
dezesseis vezes ao longo do evangelho.11 Mateus 1:22 é a primeira
vez em que o evangelista usa esta fórmula, e o faz com o intuito de
conectar o nascimento de Jesus à predição do nascimento do Messias
feita por Isaías (Is 7:14); e a última vez em que a expressão ocorre é
em Mateus 27:9, mencionando o preço da traição do Messias, conforme prenunciado pelo profeta Zacarias (Zc 11:12-13) e que se cumpriu na vida de Jesus. Em todo o livro pode-se notar o elo entre as
profecias do Antigo Testamento, concernentes ao Messias, cumprindo-se na pessoa de Jesus Cristo, Ele “portanto deve ser o Messias.”12
A MENSAGEM DO EVANGELHO DE MATEUS
A fim de que o objetivo de apresentar Jesus como o Messias
fosse alcançado de forma plena, o evangelista utiliza o tema do Reino
de Deus como a mensagem central do livro,13 pois “a impressão es-
Novo Testamento, trad. Cláudio Vital de Souza, 1ª ed. (São Paulo, SP: Editora Hagnos,
2001), 85.
7
David A. Fiensy, New Testament Introduction, The College Press NIV Commentary
(Joplin, Mo: College Press Pub. Co., 1994), 140.
8
Hale, 85.
9
Guthrie, 28.
10
Ibid.
11
Barclay, 12.
12
Ibid.
13
Donald A. Hagner, Word Biblical Commentary: Matthew 1-13, 52 vols., Word
Biblical Commentary, vol. 33A (Dallas, TX: Word, Incorporated, 2002), lx; Barclay,
16; John R. W. Stott, Homens com Uma Mensagem: Introdução ao Novo Testamento
e Seus Escritores, trad. Rubens Castilho (Campinas, SP: Editora Cristã Unida, 1996),
40; Tasker, 15.
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
59
A PARÁBOLA DO SEMEADOR NO EVANGELHO DE MATEUS
pecial que Mateus incorpora é a de realeza. Jesus é o Messias”14 e
Rei.15
Já no primeiro verso do livro o evangelista explicita a idéia de
que Jesus é o Messias, através da utilização do nome “Jesus Cristo,”16 e Rei, ao vinculá-Lo com Davi, através da expressão “filho de
Davi.”17 A fim de que não houvesse dúvidas acerca da realeza de
Jesus, o evangelista, no verso 6, afirma por duas vezes que Davi é rei
e, após o nome de Davi, há uma extensa menção dos reis de Israel até
o cativeiro babilônico (1:6-11), mas apenas Davi é chamado de rei e
somente Jesus Cristo é chamado de “filho de Davi” (1:1).18 A partir
daí a expressão “filho de Davi” (ui`ou/ Daui,d) é usada ao longo de
todo o livro,19 tanto pelo anjo do Senhor (1:20), quanto por cegos
(9:27; 20:30-31), tanto pela multidão (12:23; 21:9), quanto por uma
mulher de fora de Israel (15:22) e até mesmo pela boca de meninos
(21:15).
A idéia de realeza em Mateus também é encontrada nos eventos
finais de Sua vida na Terra.20 Quando o sumo sacerdote O desafia a
14
A. H. McNeile, The Gospel According to St. Matthew (Grand Rapids: Baker, 1915;
reprint, 1980), 17.
15
Tasker, 16; Stott, 36, 40.
16
A palavra “Cristo” é derivada do latim Chistus e do grego Christos, que na LXX e
no NT é o equivalente grego do aramaico mešîHä, correspondente ao hebraico
mäšîaH, e que por sua vez é transliterado para o português “Messias”. Por
conseguinte as palavras “Cristo” e “Messias” são correspondentes. Colin Brown e
Lothar Coenen ed., Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento,
trand. Gordon Chown, 4 vols., vol. 2 (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa Edições
Vida Nova, 1989), 488.
17
John F. Walvoord e Roy B. Zuck, The Bible Knowledge Commentary: An
Exposition of the Scriptures, vol. 2 (Wheaton, IL: Victor Books, 1983-c1985), 18;
Douglas R. A. Hare, Matthew, Interpretation, a Bible Commentary for Teaching and
Preaching (Louisville, KT: John Knox Press, 1993), 6.
18
Larry Chouinard, Matthew, The College Press NIV Commentary (Joplin, Mo:
College Press, 1997), Mt 1:1.
19
Hagner, 9. Para uma compreensão mais ampla da expressão “Filho de Davi” ver:
Craig Blomberg, Matthew, 38 vols., The New American Commentary, vol. 22
(Nashville, TN: Broadman & Holman Publishers, 2001, c1992), 27, 28; Hagner, lxi, 9.
20
Blomberg, 403; Ulrich Luz e Helmut Koester, Matthew 21-28: A Commentary, ed.
Helmut Koester, trad. James E. Crouch, Hermeneia, vol. 3 (Minneapolis, MN:
Augsburg Press, 2005), 428-430.
60
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LEONARDO GODINHO NUNES
dizer se é ou não “o Cristo, o filho de Deus” (26:63), Jesus quebra o
silêncio com uma afirmação: “tu o disseste, eu vos declaro que, desde
agora, vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu” (26:64). “Estes dois títulos ele
os reivindica para si e . . . a partir daquele momento seu real poder se
mostraria, e atingiria seu clímax quando ele próprio retornasse em glória.”21 Depois da ressurreição, nas últimas palavras de Cristo relatadas pelo evangelho de Mateus, no momento em que os Seus discípulos o adoram (28:17), Jesus demonstra que reconhece a Sua plena
soberania22 ao dizer: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra”
(28:18). “De agora em diante todos os poderes angelicais estão sujeitos a Ele, e sua autoridade [está posta] sobre todas as coisas criadas
. . . é com esta nota de majestade que termina o ‘real’ Evangelho de
Mateus.”23 Ao longo de todo o livro, portanto, o evangelista tenta
evidenciar que Jesus Cristo é Rei, e como veremos a seguir, é o Rei
do reino prometido pelo Antigo Testamento, o qual Ele mesmo veio
inaugurar.
O REINO DE DEUS NO AT E NO AMBIENTE PALESTINO-JUDAICO
Para Leonardo Goppelt “em Mateus, e só nele, . . . amiúde é
falado do ‘reino dos céus.’”24 O termo reino de Deus, contudo, não
era um conceito completamente novo, pois no ambiente palestino-judaico já havia considerações a respeito do tema,25 tanto no Antigo
Testamento, quanto nos escritos não-canônicos.
21
Tasker, 19.
Donald A. Hagner, Word Biblical Commentary: Matthew 14-28, 52 vols., Word
Biblical Commentary, vol. 33B (Dallas, TX: Word, Incorporated, 2002), 886.
23
Tasker, 20.
24
Leonhard Goppelt, Teologia do Novo Testamento, trad. Martin Dreher e Ilson
Kayser, 3ª ed. (São Paulo, SP: Editora Teológica, 2002), 81. A expressão “Reino dos
Céus” (basilei,a tw/n ouvranw/n) é usada no evangelho de Mateus (31 vezes ao
todo), onde a palavra “Céus” (ouvrano,j) é utilizada para substituir a palavra “Deus”
(qeo,j), seguindo o costume hebraico de evitar o uso direto do nome de Deus.
“Reino dos Céus” e “Reino de Deus” são, portanto, expressões sinônimas. D. R. W.
Wood I e Howard Marshall, New Bible Dictionary, 3 ed. (Downers Grove, IL:
InterVarsity Press, 1996, c1982, c1962), 647; Gundry, 95.
25
Goppelt, 81, 82.
22
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
61
A PARÁBOLA DO SEMEADOR NO EVANGELHO DE MATEUS
No Antigo Testamento não se encontra a fórmula “Reino dos
Céus,” e apenas duas vezes aparece a expressão “Reino do Senhor”
(1Crônicas 28:5; 2 Crônicas 13:8),26 mas a noção de Deus como Rei
é comum no Antigo Testamento,27 expressada através de quatro grupos textuais: (1) nos Salmos de ascensão ao trono (Sl. 47, 93, 9699), que confessam que “Jeová tornou-se rei” pois escolheu Jerusalém como a Sua cidade e Davi como Rei28 (Sl 89); (2) nas doxologias
que exaltam o domínio de Jeová por Seus atos salvíficos na história
(ex.: Êxodo 15; Salmos 44, 87, 89, 136) e/ou falam de Deus como
criador e mantenedor de suas criaturas (ex.: Salmos 74, 95, 103, 145,
146);29 (3) nas profecias clássicas que anunciam o reino escatológico
de Deus (ex.: Isaías 10, 33, 45, 52), Sua soberania não apenas como
objeto de louvor, mas como uma realidade histórica final, que trará
salvação para o povo eleito até os confins da Terra;30 e (4) na profecia apocalíptica (ex. Isaías 24-26; Daniel 2, 7), onde o reino de Deus
é outorgado ao remanescente fiel nos últimos dias31 através de acontecimentos cósmicos.32
Na literatura judaica não-canônica encontramos, também, alusões ao tema do reino de Deus. Na apocalíptica judaica o reino de
Deus não é um assunto dominante, mas quando é apresentado tem um
enfoque escatológico: Deus destruindo a Satanás, trazendo o castigo
sobre os gentios, extinguindo o mundo presente (o primeiro éon), e
26
David Noel Freedman, ed., The Anchor Bible Dictionary (New York, NY: Doubleday,
1996, c1992), 52.
27
Russel Norman Champlin e João Marques Bentes, Enciclopédia de Bíblia,
Teologia e Filosofia, 6 vols., vol. 5 (São Paulo, SP: Editora e Distribuidora Candeia,
1995), 623; Goppelt, 82.
28
Freedman, ed., 52; Goppelt, 82; Champlin e Bentes, 618.
29
Goppelt, 82, 83; Freedman, ed., 52; Champlin e Bentes, 623.
30
Goppelt, 83; Freedman, ed., 52.
31
Alan Richardson, Introdução à Teologia do Novo Testamento, trad. Jaci Correia
Maraschin (São Paulo, SP: ASTE, 1961), 91.
32
Goppelt, 84. Para uma visão mais ampla sobre o Reino de Deus no Antigo
Testamento ver: Paul P. Enns, The Moody Handbook of Theology (Chicago, Ill:
Moody Press, 1997, c1989), 27, 33-37; Eugene H. Merrill, Daniel as a Contribution
to Kingdom Theology, ed. Stanley D. Toussaint e Charles H. Dyer (Chicago: Moody,
1986), 211.
62
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
LEONARDO GODINHO NUNES
por fim, estabelecendo o Seu reino (o segundo éon) e trazendo a felicidade para Israel.33
Para o judaísmo farisaico-rabínico o reino de Deus estava associado primeiramente ao recebimento do jugo do reino do céu, ou seja,
obediência à Tora, aceitação do monoteísmo e declaração do Shema.
Em segundo lugar, estava relacionado à vinda do Messias-rei, que
libertaria Israel da escravidão dos povos do mundo, através de poderosos sinais cósmicos, instaurando afinal o Seu reino de Paz.34 Como
é dito na Kaddish, a última oração do culto sinagogal nos tempos de
Jesus:35 “possa Ele estabelecer o Seu reino durante a vossa vida e em
vossos dias e durante a vida de toda a casa de Israel, rapidamente e
em um tempo próximo.”36
Já os essênios, acreditavam que os anjos desceriam para ajudar
“os filhos da Luz” (a comunidade de Qunram) na guerra contra “os
filhos das trevas” (judeus paganizados e gentios) estabelecendo, então, o reino escatológico.37 O zelotes por sua vez, que também almejavam o estabelecimento do reino, criam que ele viria apenas por meio
de ação político-militar, e que lutar contra Roma era lutar a favor do
Reino de Deus.38
33
Richardson, 87; Goppelt, 84; Fiensy, 71; George Eldon Ladd, Teologia do Novo
Testamento, trad. Darci Dusilek e Jussara Marindir Pinto Simões (São Paulo, SP:
Editora Hagnos, 2001), 59; Freedman, ed., 53; George Eldon Ladd, “The Kingdom of
God in the Jewish Apocryphal Literature - Part 1” Bibliotheca Sacra 109, no. 433
(1952; c2002): 55-63. Ver também a Parte 2 e 3 do artigo “The Kingdom of God in the
Jewish Apocryphal Literature” no Volume 109.
34
Goppelt, 85; Fiensy, 73; Richardson, 88; Ladd, Teologia do Novo Testamento, 59,
60; Freedman, ed., 54, 55.
35
Goppelt, 85. Para uma melhor compreensão da liturgia judaica e da Kaddish ver:
Jacob Neusner, Alan J. Avery-Peck e William Scott Green, ed., The Encyclopedia of
Judaism, 5 vols., vol. 2 (Brill, Leiden: Koninklijke Brill NV, 2000), 825-827.
36
Freedman, ed., 54.
37
Ladd, Teologia do Novo Testamento, 59; Goppelt, 85; David Noel Freedman ed.,
54. A fim de conhecer mais acerca dos essênios ver: Don F. Neufeld, ed., The
Seventh-Day Adventist Bible Dictionary, 12 vols., The Seventh-Day Adventist
Bible Commentary, vol. 8 (Hagerstown, MD: Review and Herald Publishing
Association, 1979, 2002); Norman L. Geisler, Baker Encyclopedia of Christian
Apologetics (Grand Rapids, Mich: Baker Books, 1999), 187-189, 215, 216; Marshall,
339-341; Paul Lagass, ed., The Columbia Encyclopedia, 6 ed. (New York; Detroit:
Columbia University Press, 2000), Qumran.
38
Richardson, 87; Ladd, Teologia do Novo Testamento, 60; Fiensy, 60. Uma maior
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
63
A PARÁBOLA DO SEMEADOR NO EVANGELHO DE MATEUS
Foi nesse contexto ideológico e político que João Batista começa a proclamar39 que “está próximo o Reino dos Céus” (Mt 3:2-11) e
apontar para “Aquele que vem depois de mim” (Mt 3:11). A mensagem do Reino proclamada por João fala de um juízo iminente (Mt
3:7),40 quando Deus agiria na história de forma categórica. A fim de
desviar-se da ira divina, os homens deveriam arrepender-se (metano,ia)
e demonstrar tal arrependimento através do batismo e confissão de
pecados (Mt 3:6), bem como dos “frutos dignos de arrependimento”
(Mt 3:8). Assim sendo, com João Batista inicia-se “o tempo intermediário que forma o prelúdio de uma nova era . . . a irrupção do tempo
salvífico.”41
O Reino de Deus, porém, não é inaugurado por ele, pois o próprio João estava cônscio de que sua obra era apontar e preparar o
caminho para Aquele que viria depois dele (Mt 3:3),42 o qual lhe seria
superior (Mt 3:14), bem como traria um batismo superior, não apenas
com água, mas com o Espírito Santo e com fogo, possibilitando, assim, um arrependimento efetivo e uma renovação real, cumprindo cabalmente a profecia de Ezequiel 36:25-28 de criar um novo coração,
um novo homem e um novo povo de Deus.43 O Batista, portanto, proclama e espera; Jesus o Rei, contudo, é o portador do cumprimento.44
JESUS CRISTO E O REINO DE DEUS
Diferentemente das escrituras judaicas não-canônicas, com sua
ênfase apocalíptica, catastrófica, legalística, ritualística, terrestre, povisão a respeito dos zelotes pode ser obtida em: Gerhard Kittel, Gerhard Friedrich,
and Geoffrey William Bromiley, ed., Theological Dictionary of the New Testament
(Grand Rapids, Mich: W.B. Eerdmans, 1995, c1985), 297-299; Lagass, ed., Zealots;
M.G. Easton, Easton’s Bible Dictionary (Oak Harbor, WA: Logos Research Systems,
Inc., 1996, c1897), Zealots; Freedman, ed., 1045-1054.
39
Ladd, Teologia do Novo Testamento, 34.
40
Marshall, 647.
41
Joachim Jeremias, Teologia do Novo Testamento: A Pregação de Jesus, trad. João
Rezende Costa (São Paulo, SP: Edições Paulinas, 1977), 78, 79.
42
Morris, 141.
43
Goppelt, 76-79; Ladd, Teologia do Novo Testamento, 35-38.
44
Jeremias, 81.
64
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LEONARDO GODINHO NUNES
lítico-militar, exclusivista e final, Jesus Cristo apresenta o Reino de
Deus em consonância com o que foi delineado no AT, um reino davídico
e histórico (Sl 89, 44 e Mt 1:1), mas também espiritual e interior (Lc
17:21), um reino escatológico e final (Is 33 e Mt 24:29, 30), mas
também sem “visível aparência” (Lc 17:20)45 e presente agora (Mt
12:28).
Ao Jesus iniciar o Seu ministério (Mt 4:17), a mensagem de Sua
proclamação é sobre a proximidade46 do Reino e a conseqüente necessidade de arrependimento47 por parte daqueles que querem entrar
nele. No sermão do monte,48 em três ocasiões principais, Cristo fala
sobre essa proximidade. Nas bem-aventuranças Ele mostra a disposição divina em outorgar o reino para aqueles que já agora são necessitados (Mt 5:3-12);49 logo após a abertura da oração do Pai-nosUma explicação ampla sobre Lucas 17:20-21 e a expressão evnto.j u`mw/n pode ser
encontrada em: Gerald F. Hawthorne, “The Essential Nature of the Kingdom of
God,” Westminster Theological Seminary 25, no. 1 (1963, c2002): 35-47.
46
A locução verbal “está próximo” em Mateus 4:17 é a tradução do vocábulo grego
h;ggiken (verbo no perfeito do indicativo ativo, 3ª pessoa do singular de evggi,zw),
que pode ser traduzido como “aproximar” ou “estar à mão”, dando assim uma idéia
de proximidade tanto de tempo quanto de espaço, além do que o uso do perfeito
denota a idéia de algo que já começou e ainda continua. As versões e traduções em
Português trazem tanto “é chegado” quanto “está próximo” (NVI, BJ, RA, DO, RC,
TB); já a maioria das traduções e versões inglesas traduzem por “is at hand” (ASV,
AV, KJ21, NKJV, RSV). A. T. Robertson faz uso da locução “está à mão”, ou seja,
algo “tão próximo que alguém poderia provar e ver-lhe os sinais”. Archibald Thomas
Robertson, The Gospel According to Matthew and Mark, 6 vols., Word Pictures in
the New Testament, vol. 1 (Nashiville, Tennessee: Broadman Press, 1930), 24, 35;
Mário Veloso, Mateus, trans. Ranieri Sales, Comentário Bíblico Homilético (Tatuí,
SP: Casa Publicadora Brasileira, 2006), 71. Michael S. Bushell, Michael D. Tan e
Glenn L. Weaver, Bibleworks Ver. 7.0.012g (Norfolk, VA BibleWorks, LLC).
47
Sobre a relação entre o arrependimento e o reino ver: S. Lewis Johnson Jr., “The
Massage of John the Baptist,” Bibliotheca Sacra 113, no. 449 (1956, 2002): 30-36.
48
A revista Review and Expositor Volume 89 traz artigos esclarecedores à respeito
do Sermão da Montanha. “Review and Expositor,” Review and Expositor 89, no. 2
(1992, 2004): 161-278
49
Goppelt, 101-103; Ladd, Teologia do Novo Testamento, 69-70; Bock, 119-120;
Matthew Henry, Matthew Henry’s Commentary on the Whole Bible: Complete and
Unabridged in One Volume (Peabody, MA: Hendrickson Publishers, 1996, c1991),
Mt 5:3.
45
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
65
A PARÁBOLA DO SEMEADOR NO EVANGELHO DE MATEUS
so (Mt 6:9-13) Ele exorta50 que é preciso pedir pela vinda do reino
sobre nós agora, sendo este o pedido de bênção que antecede a todos os demais;51 Cristo ensina, também, que a busca pelo Reino de
Deus deve ser a primeira e mais importante ocupação da vida e que,
da mesma forma que no Pai-nosso, todas as outras bênçãos cotidianas vêm em sua esteira (Mt 6:33).52 Enquanto que para os escritos
não-canônicos a vinda do reino seria a consumação final de tudo, para
Jesus a inauguração do Reino é o sinal que antecede a todas as coisas.
A vinda presente do Reino de Deus pode ser percebida em pelo
menos quatro afirmações. Logo após expulsar o demônio de um homem cego e mudo, Jesus afirma que (1) “se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado53 o reino de Deus
sobre vós” (Mt 12:28), mostrando que o fato de Satanás ter sido expulso do seu reino (Mt 12:26) era a prova de que o Reino de Deus
havia chegado,54 pois quando um governo é posto em derrocada é
porque um domínio superior acabou de se estabelecer (Mt 12:29).
Em Mateus 6:9 o verbo proseu, c omai (orar) está no modo imperativo
(proseu,cesqe), trazendo dessa forma a idéia de “devem orar”. Bíblia Online Ver. 3.0
(Winterbourne, Ontário: Sociedade Bíblica do Brasil).
51
E. E. Thornton afirma que “assim como ‘venha o teu reino’ flui espontaneamente
da identidade daquele que está em relacionamento com o ‘Pai nosso,’ da mesma
forma os temas ‘dá-nos’… ‘perdoa-nos’ e ‘livra-nos’ fluem necessariamente de ‘venha
o teu reino.’” Edward E. Thornton, “‘Lord, Teach Us to Pray,’” Review and Expositor
76, no. 2 (1979): 232.
52
Uma explanação mais ampla sobre esse ponto pode ser obtida em: Hans Dieter
Betz, The Sermon on the Mount: A Commentary on the Sermon on the Mount,
Including the Sermon on the Plain (Matthew 5:3-7:27 and Luke 6:20-49), ed.
Adela Yarbro Collins, Hermeneia - a Critical and Historical Commentary on the Bible
(Minneapolis, MN: Fortress Press, 1995), 481-484.
53
A locução verbal “é chegado” é uma tradução de e;fqasen – verbo no aoristo do
indicativo ativo, 3ª pessoa singular de fqa,nw – que possui o seguinte espectro de
significado: vir antes de, preceder, antecipar, vir a, chegar, alcançar. Tendo em vista
tanto o espectro de significado quanto o tempo aoristo (ação pontilear) na voz
ativa, fqa,nw poderia ser traduzido como “chegou”, “já chegou”. James Strong,
Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong (Barueri, SP: Sociedade Bíblica do
Brasil, 2002, 2005), G5348; Kittel, Friedrich, e Bromiley, ed., 1258-1259; James Swanson,
Dictionary of Biblical Languages with Semantic Domains: Greek (Oak Harbor:
Logos Research Systems, 1997), DBLG 5777.
54
Dan G. McCartney, “Ecce Homo: The Coming of the Kingdom as the Restoration
of Human Vicegerency,” Westminster Theological Journal 56, no. 2 (1994, 2002): 910; Bruce A. Baker, “Progressive Dispensationalism & Cessationism: Why They
50
66
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
LEONARDO GODINHO NUNES
“Os exorcismos nos evangelhos, então, acontecem como demonstrações da inauguração do Reino de Deus.”55
As outras três declarações vêm em resposta à pergunta de João,
“És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro?” (Mt
11:3); ao que Cristo responde, (2) “os cegos vêem, os coxos andam,
os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados” (Mt 11:5a), citando Isaías 35, onde é abordado o tema do
reino escatológico de Deus, ou seja, para Jesus a prova de que o
Messias Rei havia chegado era que os milagres do Reino, prometidos
pelo AT, eram realizados por Ele;56 Cristo continua dizendo em Mateus
11:5b que (3) “aos pobres está sendo pregado o evangelho”, citando
Isaías 61:1, que faz parte da porção que diz respeito a restauração
final de Sião;57 portanto, para Jesus a pregação do Evangelho, que
em Isaías 61 era uma das características do renascimento de Jerusalém e da chegada do rei, 58 estava atestando não apenas a Sua
Are Incompatible,” Journal of Ministry and Theology 8, no. 1 (2004, 2005): 70-73;
Bock, 17, 244-245; Gundry, 157-158; Tasker, 102; Robert L. Thomas, Os Evangelhos
e a Vida de Cristo em Tabelas e Gráficos, trad. Solano Portela, 1ª ed. (São Paulo, SP:
Editora Vida, 2003), 102; Ladd, Teologia do Novo Testamento, 63; Hagner, Word
Biblical Commentary: Matthew 1-13, 343-344; G.H. Twelftree, Jesus the Exorcist
(Peabody, MT: Hendrickson Publishers, 1993), 173.
55
Tim Meadowcroft, “Sovereign God or Paranoid Universe? The Lord of Hosts Is
His Name,” Evangelical Review of Theology 27, no. 2 (2003): kingdom.
56
Para M. R. Saucy, porém, “a presença do reino nos milagres de Jesus era a presença
do poder do reino escatológico, e não tecnicamente a presença do próprio reino”,
Mark R. Saucy, “Miracles and Jesus’ Proclamation of the Kingdom of God,”
Bibliotheca Sacra 153, no. 611 (1996, 2002): 304. Essa idéia, no entanto, é refutada
por Raymond Brown, The Gospel Miracles, ed. John L. McKenzie, The Bible in
Current Catholic Thought (New York, NY: Herder and Herder, 1962), 187; Baker: 6670; Rudolf Schnackenburg, God’s Rule and Kingdom (New York, NY: Herder and
Herder, 1963), 127; H. Van Der Loos, The Miracles of Jesus (Leiden: E. J. Brill, 1965),
250-251; G. R. Beasley-Murray, Jesus and the Kingdom of God (Grand Rapids, MI:
Eerdmans Publishing Company, 1986), 80-83; O. Betz e Werner Grimm, Wesen und
Wirklichkeit der Wunder Jesu (Frankfurt: Peter Lang, 1977), 30-31.
57
J. Ridderbos, Isaías: Introdução e Comentário, trad. Adiel Almeida de Oliveira, 28
vols., Série Cultura Bíblica, vol. 17 (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa Edições Vida
Nova and Associação Religiosa Editora Mundo Cristão, 1986), 49.
58
John D. W. Watts, Word Biblical Commentary: Isaiah 34-66, 52 vols., Word
Biblical Commentary, vol. 25 (Dallas, TX: Word, Incorporated, 2002), 302, 305;
Ridderbos, 487-489. Esta visão de Isaías 61:1 pode ser obtida devido à relação
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
67
A PARÁBOLA DO SEMEADOR NO EVANGELHO DE MATEUS
messianidade, mas também a inauguração do Reino de Deus.59
Mateus 11:6 diz que (4) “bem-aventurado é aquele que não achar
em mim motivo de tropeço.” Jesus aqui está declarando que a prova
final da vinda do Messias Rei e, por conseguinte, do Reino de Deus,
não reside apenas nos Seus atos (milagres) ou ensino (pregação do
evangelho), mas em última instância, em Sua própria pessoa. Para Jesus Ele era o Cristo e o Reino.60
Assim sendo, de acordo com o ensino do Evangelho de Mateus,
o Reino de Deus é uma realidade presente, inaugurado por Jesus Cristo, e outorgado àqueles que O pedem e O buscam, colocando assim,
já agora, o homem em um novo relacionamento com Deus.61
Se por um lado Jesus articula sobre a vinda presente do Reino
de Deus, por outro lado demonstra que a vinda futura, escatológica e
final do Reino também é um fato. Após responder a pergunta dos
discípulos quanto ao tempo em que ocorreria a queda de Jerusalém, e
aos sinais da 2ª vinda e da consumação dos séculos (Mt 24:1-31),
Jesus Cristo se ocupa em alertá-los em relação à preparação pessoal
para esses eventos (Mt 24:32-25:46); e ao iniciar o relato da parábola das 10 virgens, diz: “Então, o reino dos céus será semelhante62 ...”
existente com o capítulo 60, conforme Francis D. Nichol, ed., The Seventh-Day
Adventist Bible Commentary, 12 vols., vol. 4 (Hagerstown, MD: Review and Herald
Publishing Association, 1978, 2002), 316-317.
59
Werner Grimm, Weil Ich Dich Liebe. Die Verkündigung Jesu und Deuterojesaja
(Frankfurt: Peter Lang, 1976), 129; Hare, 121; Hagner, Word Biblical Commentary:
Matthew 1-13, 300-301.
60
Goppelt, 93; Marshall, 648; Gösta Lundström diz que “ele [o reino] é o reino de
Deus, enquanto concentrado no Rei, que é um com o reino.” Gösta Lundström, The
Kingdom of God in the Teaching of Jesus, trad. Joan Bulman (Richmond: John Knox
Press, 1963).
61
Uma visão completa a respeito de Mateus 11:2-5 e o reino presente e futuro, pode
ser obtida em Ellen Gould White, The Desire of Ages (Boise, ID: Pacific Press
Publishing Association, 1898, 2002), 213-235, de onde destacamos esta citação:
“The works of Christ not only declared Him to be the Messiah, but showed in what
manner His kingdom was to be established ... As the message of Christ’s first advent
announced the kingdom of His grace [reino presente], so the message of His second
advent announces the kingdom of His glory [reino futuro]. And the second message,
like the first, is based on the prophecies” (217, 234).
62
A locução “será semelhante” é a tradução de o`moiwqh,setai (verbo no futuro do
68
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
LEONARDO GODINHO NUNES
(Mt 25:1). Posto que em todos os outros relatos Cristo inicia a narrativa das parábolas com a expressão “O reino dos céus é semelhante...” (Mt 13:24, 31, 33, 44, 45, 47, 52; 18:23; 20:1; 22:2), pode-se
inferir que Cristo está fazendo aqui (Mt 25:1) alusão a um reino futuro, estabelecido por ocasião da Segunda Vinda, bem como a uma
preparação para a entrada futura nesse reino.63 É importante notar,
também, que todo o relato dos capítulos 24 e 25 de Mateus é ladeado
por acontecimentos cósmicos, catastróficos, universais e escatológicos,
terminando com a cena do juízo final, onde os salvos afinal tomam
posse do reino (Mt 25:34), ligando-os assim com as narrativas do AT
que dizem respeito ao Dia do Senhor e ao estabelecimento escatológico
do Reino de Deus (Is 2:12; 13:6, 9; Jr 25:31; 30:7; 46:10; Ez 13:5;
30:2, 3; 48:35; Jl 1:15; 2:1, 11, 31; 3:14; Am 5:18, 20; Ob 1:15; Sf
1:7, 14, 15; Ag 2:15; Zc 14:1; Ml 4:5).
Outra menção do Evangelho de Mateus ao Reino de Deus futuro, encontra-se no relato da Ceia do Senhor (Mt 26:26-20). Mateus
26:29 versa: “E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo,
convosco no reino de meu Pai.”64 Essa mesma narrativa quando
comparada com a sua correspondente em 1 Coríntios (1Co 11:2426), traz no verso 26 o seguinte: “Porque, todas as vezes que comerdes
este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que
ele venha.” De acordo com o princípio tota scriptura a expressão
“até aquele dia ... no reino de meu pai” seria, então, uma referência ao
momento do retorno de Jesus a essa terra, quando os Seus discípulos
iriam cear novamente com Ele no Reino de Deus.65 Pode-se notar,
indicativo passivo 3ª pessoa do singular de o`moio,w), indicando que o cumprimento
da parábola estava no futuro.
63
Hagner, Word Biblical Commentary: Matthew 14-28, 727-730; C. Blomberg,
Interpreting the Parables (Downers Grove, IL: InterVarsity, 1990), 194; Joachim
Jeremias, As Parábolas de Jesus, trad. João Rezende Costa, 17 vols., Nova Coleção
Bíblica, vol. 1 (São Paulo, SP: Edições Paulinas, 1980), 49, 174-176; Chouinard, Mt
25:1-13; William Barclay, Mateo II, trad. Maria Teresa La Valle, 16 vols., El Nuevo
Testamento Comentado, vol. 2 (Buenos Aires: Associación Editorial La Aurora,
1983), 324-327.
64
A expressão “reino de meu Pai” em Mateus (26:29) tem em Marcos (14:25) a
expressão correlata “reino de Deus”. As frases “Reino de meu Pai” e “reino de
Deus” são, portanto, sinônimas.
65
O SDABC comentando Mateus 26:29 diz: “O beber do cálice da comunhão era
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
69
A PARÁBOLA DO SEMEADOR NO EVANGELHO DE MATEUS
portanto, que para Jesus Cristo o Reino de Deus também é futuro,
escatológico e final.
Assim sendo, é à luz da mensagem do Messias Rei e do Seu
Reino presente – onde hoje já podemos experimentar as bênçãos
salvíficas da presença de Cristo, em Cristo – e futuro – onde afinal
viveremos nas bênçãos preparadas por Cristo, com Cristo – que a
Parábola do Semeador deve ser analisada.
Como foi visto, o Reino de Deus é a mensagem que perpassa
todo o livro, e como observaremos a seguir, também é o tema que
auxilia na organização do material utilizado na composição do Evangelho de Mateus, bem como designa o contexto em que a Parábola do
Semeador se encontra.
A ESTRUTURA DE MATEUS E O CONTEXTO DA PARÁBOLA DO SEMEADOR
O Evangelho de Mateus tem em sua estrutura cinco discursos
de Jesus a respeito do Reino, e todos eles terminam com a fórmula
Kai. evge,neto o[te evte,lesen o` VIhsou/j tou.j lo,gouj tou,touj
(“quando Jesus acabou de proferir estas palavras” Mt 7:28; 11:1; 13:52;
19:1; 26:1).66 Cada discurso vem precedido de uma narrativa, que
descreve vários atos de Jesus, e serve como pano de fundo para os
discursos.67 Temos, portanto, uma organização de alternância narrativa/discurso para a macroestrutura de Mateus, mas esta ordem também está presente nos detalhes do evangelho. Como exemplo disso,
quando Jesus responde à pergunta de João a respeito de Sua
messianidade (Mt 11:2-5), a explicação vem em forma de alternância
narrativa/discurso, ou seja, no verso 4 Jesus diz “anunciai o que estais
ouvindo e vendo” e no verso 5 há a ordem milagres/pregação.68
‘anunciar a morte do Senhor até que ele venha’ (1 Cor. 11:26) ... o serviço de comunhão
foi designado para manter a esperança da segunda vinda de Cristo vívida na mente
dos discípulos” Francis D. Nichol ed., The Seventh-Day Adventist Bible
Commentary, 12 vols., vol. 5 (Hagerstown, MD: Review and Herald Publishing
Association, 1978, 2002), 523; White comenta que “o serviço de comunhão aponta
para a segunda vinda de Cristo.” White, 659.
66
Gundry, 93; Morris, 137; Stott, 31; Barclay, Mateo I, 15; Hale, 91; Fiensy, 140-141;
Hare, 2.
67
Guthrie, 39-41; Hagner, Word Biblical Commentary: Matthew 1-13, li
68
Hare, 121; Hagner, Word Biblical Commentary: Matthew 1-13, 300-301.
70
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
LEONARDO GODINHO NUNES
Logo, essa seria a forma que o evangelista estrutura o seu livro.
Para B. D. Hale a macroestrutura de Mateus é composta por
cinco blocos, como se segue:69
I – O Reino: Sua Natureza e Características (4:12-7:28)
1. Narrativa Introdutória (4:12-15)
2. Discurso: O Sermão da Montanha (5:1-7:28)
II – A Apresentação e Propagação do Reino (8:1-11:1)
1. Narrativa Introdutória (8:1-9:34)
2. Discurso: Missões (9:35-11:1)
III – A Inauguração do Reino (11:2-13:53)
1. Narrativa Introdutória (11:2-12:50)
2. Discurso: As Parábolas Acerca do Reino (13:1-53)
IV – A Relação de Jesus Para com o Reino (13:54-19:1)
1. Narrativa Introdutória (13:54-17:21)
2. Discurso: O Espírito Interno do Reino (17:22-19:1)
V – A Última Apresentação Formal do Reino à Nação Judaica
(19:2-26:1)
1. Narrativa Introdutória (19:2-23:39)
2. Discurso: Escatologia (24:1-26:1)
A estrutura e a nomenclatura desses cinco grandes blocos e seus
respectivos discursos difere entre os eruditos.70 Por exemplo, para
69
Hale, 92. Nessa apresentação, porém, há uma minimização tanto da encarnação e
infância, quanto do sofrimento, morte e ressurreição de Jesus.
70
Existem pelo menos três hipóteses principais para o arranjo da macroestrutura de
Mateus: (1) Os cinco discursos como os únicos pilares para a organização do
evangelho [B.W. Bacon, Studies in Matthew (New York, NY: Henry Holt, 1930), 80–
82, via um elo entre os cinco discursos de Mateus e o Pentateuco, e dessa forma
Jesus seria, para ele, um novo Moisés]; (2) os dois momentos pivotais iniciados
com a cláusula avpo. to,te h;rxato o` VIhsou/j (“Daí por diante, passou Jesus…” Mt
4:17; 16:20), que dividem o evangelho em três partes: a pessoa, a proclamação e o
sofrimento, morte e ressurreição do Messias [D. R. Bauer, The Structure of Matthew’s
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
71
A PARÁBOLA DO SEMEADOR NO EVANGELHO DE MATEUS
Barclay seria (1) a Lei do Reino (Mt 5-7), (2) os deveres dos dirigentes do Reino (Mt 10), (3) as parábolas do Reino (Mt 13), (4) grandeza e perdão no Reino (Mt 18) e (5) a vinda do Rei (24, 25).71 A
estrutura organizada na forma de alternância entre a narrativa/discurso, com cinco grandes discursos de Cristo sobre o reino, contudo,
seria o arcabouço escolhido pelo evangelista para abordar o tema do
Reino de Deus e mostrar que Cristo é o Messias.
A Parábola do Semeador faz parte do terceiro discurso, que é
precedido pela narrativa que se inicia em Mateus 11:2 e vai até 12:50.
Nessa narrativa há um tema recorrente, que pode ser percebido claramente já em Mateus 11:2: a incompreensão a respeito de Jesus como
o Cristo, e do Seu Reino.72
João tem dúvidas quanto a ser Ele o Messias: “És tu aquele que
estava para vir ou havemos de esperar outro?” (Mt. 11:3); os fariseus
em várias ocasiões põem em xeque o Seu messiado, acusando-O até
mesmo de ter pacto com “Belzebu, maioral dos demônios” (Mt 12:24);
a multidão também não compreendia bem a natureza do Reino, porque ao ver um milagre de exorcismo, ainda em dúvida e espanto, exclama: “É este, porventura, o Filho de Davi?” (Mt 12:23); e a própria
família de Jesus O procurava para prendê-Lo e assim impedir Sua
missão (Mt 12:46-50; cf. Mr 3:21). A resposta de Jesus vem (da mesma forma como está estruturado o evangelho) através de Seus atos e
discurso: atitudes imediatas às indagações e o discurso das pa-
Gospel (Sheffield: Almond, 1989)]; e (3) a estrutura quiástica de Mateus [C. H. Lohr,
“Oral Techniques in the Gospel of Matthew,” Catholic Biblical Quarterly 23 (1961):
403-435]. A alternância entre narrativa/discurso, todavia, está presente em quase
todas as hipóteses (Hagner, Word Biblical Commentary: Matthew 1-13, l-liii); para
uma possível conciliação entre as hipóteses ver: Blomberg, Matthew, 22-25; uma
extensa abordagem sobre a estrutura de Mateus pode ser encontrada em W. D.
Davies e Dale C. Allison, Jr., A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel
According to Saint Matthew, ed. J. A. Emerton, C.E.B. Cranfield, and G.N. Stanton,
3 vols., The International Critical Commentary on the Holy Scriptures of the Old and
New Testaments, vol. 1 (Edimburg: T&T Clark Ltd, 1998), 58-72.
71
Barclay, Mateo I, 15.
72
Tasker, 87-90; Jeremias, As Parábolas de Jesus, 153; Mike Stallard, “Hermeneutics
and Matthew 13 Part I,” Conservative Theological Journal 5, no. 15 (2001, 2003):
147-150.
72
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
LEONARDO GODINHO NUNES
rábolas do Reino de Mateus 13, onde Ele dá a “conhecer os mistérios 73 do reino dos céus” (Mt 13:11).
Esse discurso explicativo é composto por sete parábolas (do
semeador, do trigo e joio, do grão de mostarda, do fermento, do tesouro escondido, da pérola e da rede) que revelam aspectos cruciais
acerca do Reino de Deus.74 Todas as parábolas começam com a frase
o`moi,a evsti.n h` basilei,a tw/n ouvranw/n (“O reino dos céus é
semelhante a...,” Mt 13:24, 31, 33, 44, 45, 47, 52), a não ser a primeira parábola, a Parábola do Semeador, que veremos a seguir.
O TEXTO DA PARÁBOLA DO SEMEADOR
Na Parábola do Semeador, dois principais temas são abordados, o conhecimento dos mistérios do Reino e a missão do Reino.
Como diz White: “Pela parábola do semeador, ilustra Cristo as coisas
do reino dos Céus e a obra do Grande Lavrador.”75 É a respeito desses dois assuntos e nessa mesma seqüência que o texto da parábola
será abordado, tendo em vista que a Parábola do Semeador está dividida em três partes:76 (1) o relato da parábola em si (Mt 13:3-9), (2)
a discussão a respeito do porquê Jesus fala em parábolas (Mt 13:1017) e (3) a interpretação da parábola (Mt 13:18-23).
73
Na Bíblia, mistério é o conceito de que Deus revela Seus segredos ao homem que
está acessível a ouvi-lo (Dn 2:19, 27, 28, 30, 47). Para uma compreensão ampla sobre
o tema “mistério,” ver: Marshall, 794-795; Kittel, Friedrich, e Bromiley, ed., 615-619;
Gene R. Smillie, “Ephesians 6:19–20 a Mystery for the Sake of Which the Apostle Is
an Ambassador in Chains,” Trinity Journal 18, no. 2 (1997): 199-222; Andreas J.
Kostenberger, “The Mystery of Christ and the Church: Head e Body, “One Flesh”,”
Trinity Journal 12, no. 1 (1991): 79-94; Raymond E. Brown, The Semitic Background
of the Term “Mystery” in the New Testament (Philadelphia, PA: Fortress Press,
1968), 1-30; Charles C. Ryrie, “The Mystery in Ephesians 3,” Bibliotheca Sacra 123,
no. 489 (1966): 24-31; Ladd, Teologia do Novo Testamento, 89-90; Francis D. Nichol
ed., 405.
74
Ladd, Teologia do Novo Testamento, 87-98.
75
Ellen Gould White, Parábolas de Jesus, trad. Siegfried Julio Schwantes, 6ª ed.
(Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1980), 33.
76
W. D. Davies e Dale C. Allison, Jr., A Critical and Exegetical Commentary on the
Gospel According to Saint Matthew, ed. J. A. Emerton; C.E.B. Cranfield and G.N.
Stanton, 3 vols., The International Critical Commentary on the Holy Scriptures of
the Old and New Testaments, vol. 2 (Edimburg: T&T Clark Ltd, 1998), 370-373.
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
73
A PARÁBOLA DO SEMEADOR NO EVANGELHO DE MATEUS
CONHECER OS MISTÉRIOS DO REINO
Embora a Parábola do Semeador não comece com a expressão
o`moi,a evsti.n h` basilei,a tw/n ouvranw/n, foi em ligação imediata a
essa parábola que Jesus afirmou aos discípulos: “porque a vós outros
é dado a conhecer77 [gnw/nai] os mistérios do reino dos céus” (Mt
13:11). A Parábola do Semeador, portanto, tem a intenção de fazer
com que os discípulos gnw/nai ta. musth,ria th/j basilei,aj tw/n
ouvranw/n.
Essa intenção de Cristo, a respeito do conhecer (ginw,skw),
coadunava-se tanto com o ambiente palestino-judaico histórico, teológico e político, quanto com o contexto imediato vivenciado por Jesus. Diante da ampla incompreensão a respeito do Reino de Deus por
parte dos textos apocalípticos judaicos, da literatura rabínica e essênia
e da atitude dos zelotes, bem como da dúvida de João Batista, das
falsas acusações dos fariseus e da falta de percepção da multidão e da
família de Jesus, fazia-se necessário que h` basilei,a tw/n ouvranw/n
fosse compreendido de acordo com o que fora dito pelo AT e pelo
ensino do próprio Messias. Por isso, o ato de conhecer está
marcadamente presente em toda a extensão da Parábola do Semeador.
Quatro verbos principais são amplamente usados por Jesus, e
juntos tornam possível esse conhecer (ginw,skw). O primeiro é (1)
ble,pw que de maneira geral, significa “olhar,” a capacidade de ver
A palavra “conhecer” é a tradução do vocábulo grego gnw/nai que está na forma
do aoristo do infinitivo ativo de ginw,skw, que pelo seu espectro de significado
também pode expressar “aprender,” “averiguar,” “descobrir,” “entender,”
“compreender,” “perceber,” “reconhecer,” entre outros. Joseph Henry Thayer, A
Greek-English Lexicon of the New Testament (Grand Rapids, MI: Zondervan
Publishing House), 117-118. ginw,skw na filosofia grega era considerado a “visão
da alma,” não os fenômenos terrestres efêmeros e mutáveis, mas a “visão”
permanente e “real,” a natureza metafísica e imutável das coisas. No pensamento
hebraico ginw,skw é algo que surge continuamente de um encontro pessoal, e está
relacionado à revelação divina e leva o indivíduo à obediência. Conhecer a Deus
significa entrar no relacionamento pessoal que Ele mesmo possibilita. Colin Brown
e Lothar Coenen, ed., Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento,
trad. Gordon Chown, 1ª ed., 4 vols., vol. 1 (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa
Edições Vida Nova, 1989), 473-476; Kittel, Friedrich, e Bromiley, ed., 119.
77
74
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
LEONARDO GODINHO NUNES
como um dos sentidos físicos. 78 Jesus usa ble,pw em Mateus 13 (6
vezes em 4 versos) tanto no sentido de “ver,” “olhar” (v. 13 ble,pontej,
v. 14, 17) como no de “perceber” (v. 13 ble,pousin, v. 16). Intimamente relacionado com ble,pw, e fazendo par com ele, está o verbo
(2) o`ra,w, que tem como significado geral “ver,” “perceber,” ter uma
“visão espiritual” ou “intelectual,” “contemplar.”79 Jesus menciona o`ra,w
4 vezes em 3 versos, denotando “compreender” (v. 14), “ver,” “perceber” (v. 15, v. 17 ei=dan) e “contemplar” (v. 17 ivdei/n). Quando
esses dois verbos são considerados, não como palavras soltas, mas
dentro do curso natural do texto e conectados um ao outro, pode-se
notar que para Jesus todas as atitudes, desde um simples ble,pw (olhar)
até o` r a, w (contemplação), são necessárias para plenamente se
gnw/nai ta. musth,ria th/j basilei,aj tw/n ouvranw/n.
Combinando com a macroestrutura de Mateus, na sua forma de
narrativa/discurso e ver/ouvir, juntamente com a dupla de verbos
ble,pw/o`ra,w encontra-se o verbo (3) avkou,w, que aparece 15 vezes
em 11 versos. avkou,w significa literalmente ouvir ou escutar,80 e em
Mateus 13 tem o sentido de “entender” (v. 9, 13 avkou,ousin), “escutar” (v. 13 avkou,ontej, 14-15), “compreender” (v.16), “prestar atenção” (v. 18), e “ouvir” como algo mais significativo do que o simples
escutar (v. 17, 19-20, 22-23).
78
Colin Brown e Lothar Coenen, ed., Dicionário Internacional de Teologia do
Novo Testamento, trad. Gordon Chown, 1ª ed., 4 vols., vol. 4 (São Paulo, SP: Sociedade
Religiosa Edições Vida Nova, 1989), 702; Gerhard Kittel, Gerhard Friedrich, e Geoffrey
William Bromiley, ed., Theological Dictionary of the New Testament, vol. 5 (Grand
Rapids, MI: W.B. Eerdmans, 1995, c1985), 315.
79
Wiliam Carey Taylor, Dicionário do Novo Testamento Grego, 4ª ed. (Rio de Janeiro,
RJ: Casa Publicadora Batista, 1965), 152; Colin Brown e Lothar Coenen ed., 698-705;
Johannes P. Louw e Eugene Albert Nida ed., Greek-English Lexicon of the New
Testament: Based on Semantic Domains, 2 ed., 2 vols., vol. 1 (New York: United
Bible Societies, 1988, 1989), 276, 354, 380.
80
F. Wilbur Gingrich e Frederick W. Danker, Léxico do Novo Testamento Grego/
Português, trad. Julio P. T. Zabatiero, 1ª ed. (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa
Edições Vida Nova, 1993), 14; Johannes P. Louw e Eugene Albert Nida, ed., 281, 282.
Para poder observar diversas nuances em que avkou,w aparece, tanto no grego
clássico, como na LXX e no NT ver: Colin Brown e Lothar Coenen, ed., Dicionário
Internacional de Teologia do Novo Testamento, trad. Gordon Chown, 1ª ed., 4
vols., vol. 3 (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1989), 362-369.
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A PARÁBOLA DO SEMEADOR NO EVANGELHO DE MATEUS
O único dos quatro verbos que aparece nas três partes da parábola é avkou,w, e com um papel preponderante. Jesus, após contar a
parábola, termina com uma expressão de exortação enfática (v. 9), o`
e;cwn w=ta avkoue,tw81 (o que tem ouvidos ouça), conclamando todos
a que não apenas ouvissem a história, mas a que entendessem o seu
significado. Na segunda parte, Cristo chama de maka,rioi (bem-aventurados) os que ble,pousin (vêem) e avkou,ousin (ouvem, compreendem) a respeito dos ta. musth,ria th/j basilei,aj tw/n ouvranw/n
(mistérios do Reino dos Céus). E na explicação da parábola, cada
tipo de pessoa, representado por cada tipo de solo, o` to.n lo,gon
avkou,wn (“ouve a palavra,” v. 19, 20, 22, 23), independentemente de
sua aceitação ou não da palavra. Por analogia, o ato do semeador em
semear, compara-se ao ato de proclamar a Palavra do Reino de Deus
para que esta seja ouvida por todos, mesmo sabendo-se de antemão
que a mesma será aceita por uns e rejeitada por muitos. Todos, porém, devem ouvi-la.
A fim de se conhecer os mistérios do Reino dos Céus, contudo,
ouvir apenas não é o bastante. Por isso, intimamente relacionado, e
também fazendo par com avkou,w está o verbo (4) suni,hmi, que aparece 5 vezes em 5 versos (v. 13-15, 19, 23). suni,hmi tem, de maneira
geral, os seguintes significados: “perceber,” “notar,” “discernir,” “examinar,” “entender” e “compreender.”82 Nesse vocábulo está subentendido uma progressão no conhecimento: primeiramente a percepção, depois tomar nota, examinar, para então poder chegar a plena
compreensão.83 Na Parábola do Semeador o verbo suni,hmi é usado
tanto no sentido de “entender/compreender” (v. 13, 14, 19, 23), como
no de “apreender” (v. 15).
81
avkoue,tw está no presente do imperativo ativo de avkou,w. O imperativo no grego
tem, na maioria das vezes, a conotação de uma ordem, mas pode expressar também
uma exortação ou mesmo uma súplica. Lourenço Stelio Rega e Joahannes Bergmann,
Noções do Grego Bíblico: Gramática Fundamental (São Paulo, SP: Sociedade
Religiosa Edições Vida Nova, 2004), 267-276. Wiliam Carey Taylor, Introdução Ao
Estudo do Novo Testamento Grego, 3ª ed. (Rio de Janeiro, RJ: Casa Publicadora
Batista, 1966), 142-144.
82
Elsa Tamez L. e Irene W. de Foulkes, Dicionario Conciso Griego-Español Del
Nuevo Testamento (Nördlingen: C. H. Beck, 1978), 173; Thayer, 605; Gerhard Kittel,
Gerhard Friedrich, e Geoffrey William Bromiley, ed., Theological Dictionary of the
New Testament, vol. 7 (Grand Rapids, MI: W.B. Eerdmans, 1995, c1985), 888; Johannes
P. Louw e Eugene Albert Nida ed., 379, 382.
83
Colin Brown e Lothar Coenen, ed., 34.
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No contexto da Parábola do Semeador, dentre os quatro verbos principais, este é o mais significativo. Na LXX suni,hmi pode
significar “conhecer,” “entender,” “discernir,” entre outros. O objeto
desse conhecer é o fato de que Deus é Deus (Jr 9:23-24), e o “temor
do Senhor,” a “justiça e retidão” e o “bem e o mal” são objetos desse
discernir (Pv 2:5, 9; 1Rs 3:9). O ato de discernir (suni,hmi) está associado a atividade revelatória de Deus, e só pode ser adquirido como
dádiva de Deus, que Ele outorga em resposta ao pedido do homem
(1Rs 3:9; Dn 2:21).84
No NT, e de forma especial em Mateus 13, o vocábulo suni,hmi
teria seu significado derivado do AT. Das 26 vezes em que o verbo
suni,hmi é usado no NT, 13 estão relacionadas diretamente a passagens do AT, sendo que 7 vezes são citações diretas de Isaías 6:9-10.85
Das 9 vezes em que aparece em todo o Evangelho de Mateus, 6 vezes
suni,hmi está presente em Mateus 13,86 sendo que as primeiras três
aparições estão em Mateus 13:13-15 (que é uma citação de Isaías
6:9-10, extraída quase que completamente da LXX),87 e as três últimas (v. 19, 23, 51) estão intimamente ligadas as anteriores. Dessa
forma, na Parábola do Semeador, o verbo suni,hmi traz a idéia do
“discernimento” associado à revelação divina, concedido por Deus
como um dom àqueles que o buscam.
Dentro desse contexto, e tendo em vista o fato de que todos
ouvem e apenas um grupo de pessoas realmente compreende a palavra do reino, pode-se inferir que a falta de compreensão por parte do
homem, não se dá pela ausência de revelação – se todos ouvem é
porque Deus fala – nem por arbitrariedade divina, mas em que os
mistérios do reino dos céus só podem ser compreendidos por aqueles
que buscam e pedem esse dom a Deus. Como exemplo, em Mateus
13:10, após a exortação enfática a que todos entendessem a parábola, “se aproximaram os discípulos e perguntaram” e logo em seguida
Jesus afirma que u`mi/n de,dotai gnw/nai ta. musth,ria th/j basilei,aj
tw/n ouvranw/n (“a vós outros é dado a conhecer os mistérios do
84
Ibid., 35; Kittel, Friedrich, e Bromiley, ed., 1119.
Robert Young, Analytical Concordance to the Bible (Peabody, MA: Hendrickson
Publishers, 1984), 1014.
86
Michael S. Bushell, Bible Works 7.0.
87
Davies e Allison, Jr., 394.
85
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
77
A PARÁBOLA DO SEMEADOR NO EVANGELHO DE MATEUS
reino dos céus,” v. 11) ; no verso 18 Cristo cumpre sua promessa ao
dizer: u`mei/j ou=n avkou,sate th.n parabolh.n tou/ spei,rantoj (Atendei
vós, pois, à parábola do semeador), chamando-lhes novamente à atenção, e então começa a explicar os mistérios do Reino (v. 19-23). Por
fim, após contar as sete parábolas do Reino, Ele novamente usa a
palavra suni,hmi dizendo: Sunh,kate tau/ta pa,ntaÈ (entendestes todas estas coisas?), mostrando o Seu anseio em que os discípulos compreendessem ta. musth,ria th/j basilei,aj tw/n ouvranw/n, ao que
os eles responderam nai, (sim).
É importante ressaltar também, que na Parábola do Semeador,
toda vez que suni,hmi é usado, está ligado ao verbo avkou,w. Há aqui
uma associação óbvia de que para se gnw/nai ta. musth,ria th/j
basilei,aj tw/n ouvranw/n, meramente ouvir não é o bastante, compreender é imprescindível. Na explicação da parábola há uma gradação
na compreensão da to.n lo,gon th/j basilei,aj (palavra do reino).
Primeiramente há os que avkou,ontoj ))) kai. mh. sunie,ntoj (ouvem
… e não compreendem, v. 19); depois a palavra é ouvida, recebida, e
como não há um aprofundamento no solo, aquilo que “logo nasceu”
(v. 5) é “de pouca duração” (v. 21) e depressa morre (v. 6); no terceiro tipo de solo a palavra é ouvida e a semente germina, mas os espinhos que com ela “cresceram e a sufocaram” (v. 7), fazem com que
“fique infrutífera” (v. 22); é apenas no último tipo de terreno, onde há
abundância de frutificação, que a Bíblia afirma que ou-to,j evstin o`
to.n lo,gon avkou,wn kai. suniei,j (este é o que ouve a palavra e a
compreende, v. 23). Em toda a Parábola do Semeador, é apenas
nesse verso (v. 23), e exclusivamente a este último tipo de solo, que
Jesus usa positivamente o vocábulo suni,hmi, e afirma clara e objetivamente a respeito daquele que ouve e realmente compreende a palavra do Reino. Para Cristo não bastava ler nas Escrituras a respeito do
Messias e do Seu Reino, como os fariseus, essênios e zelotes continuamente faziam. Não era suficiente, também, ver os feitos miraculosos
e ouvir as Palavras do Reino de Deus, como testemunharam a grande
multidão e os discípulos de João Batista. Era insuficiente ter vivido
com Jesus a cada dia durante 30 anos, como a Sua mãe e a Sua família vivenciaram. Para Cristo o ler (avnaginw,skw), o ver (ble,pw e
o` r a, w ) e o ouvir ( av k ou, w ) deveriam levar à compreensão, ao
discernimento (suni,hmi) e ao conhecimento (ginw,skw) dos mistérios do Reino dos Céus, como revelados por Ele.
78
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
LEONARDO GODINHO NUNES
A compreensão sobre os mistérios do Reino de Deus passa, na
Parábola do Semeador, pela compreensão da missão do Reino, descrita pela atitude do semeador, como observaremos a seguir.
A MISSÃO DO REINO
Dentro do tema da missão, a frase ivdou. evxh/lqen o` spei,rwn
tou/ spei,rein (“Eis que o semeador saiu a semear,” Mt 13:3) é bastante reveladora. Ela é iniciada com a partícula demonstrativa ivdou,,
usada no intuito de chamar a atenção para a importância daquilo que
se vai dizer, podendo ser traduzida por “veja!”, “olhe!”, “contemple!”88
Essa é a única vez em todo o capítulo 13 em que a partícula é utilizada, demonstrando assim o valor daquilo que Jesus está prestes a pronunciar. O restante da frase revela quem é o agente da missão, qual é
o tempo da missão e qual é a atividade da missão.
O sujeito da frase e o protagonista da parábola é o` spei,rwn89 (o
semeador). É verdade que tanto na narrativa quanto na explicação da
parábola, todo o enredo e enfoque é a respeito dos solos e sua
receptividade. Nada disso seria possível, contudo, sem a primeira frase ivdou. evxh/lqen o` spei,rwn tou/ spei,rein. Além do que, o próprio
Jesus no v. 18 dá nome à parábola, chamando-a de th.n parabolh.n
tou/ spei,rantoj (“a parábola do semeador”). É ele quem sai a semear, quem vê a semente ser rejeitada, sufocada ou germinar e produzir
muito fruto.
A Parábola do Semeador não identifica explicitamente a identidade do semeador. O contexto amplo do Evangelho de Mateus, contudo, que tem como objetivo mostrar que Jesus é o Messias, fazendo
dEle o protagonista do livro, bem como o contexto imediato, que revela o tema da ampla incompreensão acerca de Jesus como o Cristo e
de Sua missão messiânica, fazendo-O protagonista dessa seção, tor-
88
Thayer, 297.
spei,rwn é o particípio presente ativo nominativo singular de spei,rw que
acompanhado de artigo o` demonstra que este particípio está na sua função nominal
substantiva. Como spei,rwn está no caso nominativo pode-se inferir que este
vocábulo realmente é o sujeito da oração. Abílio Alves Perfeito, Gramática de
Grego (Lisboa: Porto Editora, 1997), 152.
89
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
79
A PARÁBOLA DO SEMEADOR NO EVANGELHO DE MATEUS
nam possível a estreita comparação do semeador com Jesus.90 Como
o próprio Cristo afirma: o` spei,rwn ))) evsti.n o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou
(o semeador ... é o Filho do Homem, v. 37)91 e E. G. White corrobora:
“Assim saiu também Cristo, o Semeador celeste, a semear.”92 Jesus
Cristo, por conseguinte, é o protagonista da parábola e o modelo do
verdadeiro semeador, do verdadeiro proclamador “da palavra do reino.”
Na sentença em estudo dois verbos indicam o “quando” da missão: evxh/lqen e spei,rein. O verbo evxh/lqen demonstra o início e a
iniciativa, enquanto que spei,rein indica continuidade. Desde que
evxh/lqen está no 2º aoristo do indicativo ativo93 de evxe,rcomai, que
acompanhado do infinitivo significa sair a fim de fazer algo,94 pode-se
dizer que o semeador já saiu, e de forma completa. Visto que para
Mateus o Reino de Deus “é chegado,”95 a pregação “da palavra do
90
M. L. Bailey, “The Parable of the Sower and the Soils,” Bibliotheca Sacra 155, no.
618 (1998): 179, afirma que “a imagem de Deus como semeador e o povo como
diferentes tipos de solos era muito bem conhecida nos círculos judaicos (cf. 2
Esdras 4:26-32).” Hans-Josef Klauck, Allegorie und Allegorese in Synoptischen
Gleichnistexten (Münster: Aschendorff, 1978), 92-96 concorda e amplia esse
conceito.
91
Apesar de serem parábolas diferentes, a Parábola do Semeador e do Trigo e do
Joio estão inseridas em um mesmo contexto, estão inter-relacionadas e juntamente
com as outras parábolas do capítulo 13, revelam aspectos cruciais acerca dos
mistérios do Reino de Deus. Por isso, poderia ser afirmado que o semeador de uma
parábola seria o mesmo da outra. J. F. Walvoord e R. B. Zuck, The Bible Knowledge
Commentary: An Exposition of the Scriptures 2vols., vol. 2 (Wheaton, IL: Victor
Books, 1983-c1985), 50; Chouinard, Matthew 13:18; D. Carro, J. T. Poe e R. O. Zorzoli
ed., Comentario Bíblico Mundo Hispano: Mateo, 23 vols., Comentario Bíblico
Mundo Hispano, vol. 14 (El Paso, TX: Editorial Mundo Hispano, 1993-c1997), 187,
189; Henry, Matthew 13:1; Blomberg, Matthew, 222; Hagner, Word Biblical
Commentary: Matthew 1-13, 379.
92
White, Parábolas de Jesus, 36.
93
O aoristo refere-se à própria ação do verbo como um todo, de maneira pontilear,
toda a ação condensada em um momento, completa e acabada. O aoristo do indicativo
pode exprimir, na maioria das vezes, uma ação ocorrida no passado. A voz ativa
demonstra que o sujeito da oração realiza a ação expressa pelo verbo. Rega e
Bergmann, 30, 137-139.
94
Thayer, 223.
95
Dentro do discurso das parábolas do Reino, as parábolas do joio e das redes
focalizam explicitamente no Reino de Deus vindouro e final, (1) através de expressões
80
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
LEONARDO GODINHO NUNES
reino” já se iniciara. A missão do reino não está no futuro, é algo que
já se iniciou, de maneira decidida e integral. O Semeador “deixou Seu
lar seguro e cheio de paz, deixou a glória que possuía junto ao Pai,
antes de o mundo existir, deixou Sua posição no trono do Universo.”96
A noção do tempo da missão é complementada pela compreensão da palavra spei,rein. Na frase em análise (ivdou. evxh/lqen o`
spei,rwn tou/ spei,rein) o verbo spei,rein, que está no presente do
infinitivo ativo de spei,rw, vem acompanhado do artigo definido tou/,
que é a flexão de to, no genitivo/ablativo singular. Quando o infinitivo
vem acompanhado de artigo, pode exprimir a idéia do tempo verbal
ao qual pertence,97 nesse caso o presente. spei,rein, portanto, tendo
em vista tanto o tempo presente quanto o infinitivo, está indicando o
aspecto verbal linear, durativo e contínuo, que transcende o tempo e o
espaço. Consequentemente, o “quando” da missão é tanto agora, algo
que já começou (evxh/lqen), quanto constante e ininterrupto (spei,rein).
Além de apontar o tempo da missão, spei,rein indica qual é a
tarefa da missão através de duas características da palavra: (1) associação com o artigo tou/ e (2) a espécie da ação que o próprio verbo
expressa por meio do seu significado lexical (Aktionsart).
(1) Quando o infinitivo98 vem ligado ao artigo definido neutro
genitivo singular tou/, pode ser usado para modificar o verbo principal
tais como ceifa (v. 39), separação entre maus e justos (v. 49), consumação dos
séculos (v. 40, 49), fornalha acesa (v. 42, 50), etc.; e (2) através da utilização do tempo
futuro (ex. v. 30 evrw/, 40-43, etc.). A Parábola do Semeador, no entanto, enfoca o
Reino presente, o Reino da Graça que já havia chegado, porque a expressão temporal
da narrativa da parábola (v. 3-8) está no pretérito, onde a maioria dos verbos utilizados
encontra-se no aoristo ou no imperfeito e alguns no infinitivo. Já na explicação (v.
19-23) há uma grande predominância do tempo presente quer seja no indicativo ou
no particípio e em momento algum há a presença do tempo futuro. Kurt Aland, ed.
et al., The Greek New Testament, (Nördlingen: C. H. Beck, 2002), 46-47; Michael S.
Bushell, Bible Works 7.0.
96
White, Parábolas de Jesus, 36.
97
Perfeito, 151. Taylor, Introdução Ao Estudo do Novo Testamento Grego, 125, 365.
98
Jean Carrière, Sylistique Grecque: L’usage De La Prose Attique, 3 ed. (Paris:
Klincksieck, 1983), 157, afirma que “o infinitivo ou proposição infinitiva com sujeito
expresso, assinala a expressão de um dinamismo, de uma vontade, de um esforço,
de um alvo e também de um propósito tido ou de um pensamento que se exerce.”
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81
A PARÁBOLA DO SEMEADOR NO EVANGELHO DE MATEUS
ao indicar o propósito ou resultado da ação.99 Desse modo, quando a
parábola diz evxh/lqen o` spei,rwn (“o semeador saiu”), o propósito
pelo qual o semeador saiu, o resultado da ação do sair é definido por
tou/ spei,rein. (2) O significado lexical de spei,rein (cuja raiz é
spei,rw) é semear a semente, semear um campo,100 deitar ou espalhar
sementes para que germinem.101 O propósito e o resultado da ação
de sair do semeador é a de simplesmente semear, espalhar a semente
com dinamismo, vontade e esforço. A tarefa da missão, o propósito, o
alvo do sair é, no contexto da Parábola do Semeador, puramente semear. Ver, ouvir, compreender são atitudes imprescindíveis e que devem ser tomadas pelas pessoas que entraram em contato com a to.n
lo,gon th/j basilei,aj (“palavra do Reino,” v. 19), mas a tarefa do
semeador é unicamente semear. Semear continuamente, em qualquer
terreno, em qualquer pessoa, em qualquer circunstância, permanentemente, propositalmente,102 com dinamismo e vontade, dando a todos
os solos e pessoas a oportunidade de receber, ouvir, compreender e
99
William Sanford Lasor, Gramática Sintática do Grego do Novo Testamento, trad.
Rubens Paes, 2ª ed. (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1998),
78-79; E. D. W. Burton, Syntax of the Moods and Tenses in New Testament Greek
3ed. (Edinburg: T. & T. Clark, 1898), 157-158; William W. Goodwin, A Greek Grammar
(Boston: Ginn & Company, 1900), 332; Nigel Turner, A Grammar of New Testament
Greek J. H. Moulton: Syntax, 3 vols., vol. 3 (Edimburg: T&T Clark, 1998), 141; C. F.
D. Moule, An Idiom Book of New Testament Greek (Cambridge: Cambridge University
Press, 1990), 128.
100
H. Liddell, A Lexicon: Abridged from Liddell and Scott’s Greek-English Lexicon
(Oak Harbor, WA: Logos Research Systems, Inc., 1996), 739; R. L. Thomas, New
American Standard Hebrew-Aramaic and Greek Dictionaries: Updated Edition
(Anaheim: Foundation Publications, 1998, 1981), G4697.
101
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI
Ver. 3.0 (Editora Nova Fronteira and Lexikon Informática).
102
Há uma discussão sobre a intencionalidade do semeador ao semear, especulandose a respeito da preparação do solo. A parábola nada fala se ouve ou não um
preparo prévio. Esse assunto, não obstante, não teria tanta relevância para a
explanação daquilo que a parábola quer enfocar, dentro do contexto em que se
encontra. Várias opiniões sobre essa discussão podem ser obtidas em: Chouinard,
Mt 13:3; Davies e Dale C. Allison, 382; Ulrich Luz, Matthew 8-20: A Commentary,
ed. Helmut Koester, trad. James E. Crouch, Hermeneia, vol. 2 (Minneapolis: Fortress
Press, 2001), 240-241; Leon Morris, The Gospel According to Matthew, ed. D. A.
Carson, The Pillar New Testament Commentary (Grand Rapids, MI W.B. Eerdmans,
1992), 336; Hagner, Word Biblical Commentary: Matthew 1-13, 368.
82
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
LEONARDO GODINHO NUNES
conhecer a palavra e os mistérios do Reino do Céu, e então, frutificar.
A atitude do semeador é decidida e confiante (v. 4-7; 19-22), pois
apesar da realidade de que muitos rejeitam a palavra, ele sabe que
“enfim” (v. 8) a semente sempre encontra boa terra, germina e frutifica
em abundância (v. 8). O reino de Deus se realiza no cumprimento da
missão do semeador. Por isso ivdou. evxh/lqen o` spei,rwn tou/ spei,rein.
“Eis que saiu o semeador a semear.” Mat. 13:3. No oriente tão
incertas eram as circunstâncias, e as violências tão grande perigo
ocasionavam, que o povo morava principalmente em cidades
muradas, e os lavradores saíam diariamente para o trabalho. Assim
saiu também Cristo, o Semeador celeste, a semear. Deixou Seu lar
seguro e cheio de paz, deixou a glória que possuía junto ao Pai,
antes de o mundo existir, deixou Sua posição no trono do Universo.
Saiu como homem sofredor e tentado; saiu em solidão para semear
em lágrimas e para regar com o próprio sangue a semente da vida
para um mundo perdido. Igualmente, Seus servos precisam sair
para semear.103
De acordo com a Parábola do Semeador o modelo de semeador é Jesus, o tempo da missão é agora e sempre e a tarefa da missão
é espalhar as sementes da palavra com afinco, a fim de que germinem
e dêem fruto.
CONCLUSÃO
Ao longo desta pesquisa pretendeu-se considerar a Parábola
do Semeador desde a perspectiva do Evangelho de Mateus, que tem
por objetivo provar que Jesus é o Cristo, e que tem como arcabouço
a mensagem do Reino de Deus, presente e futuro, centralizado no
Cristo Rei, conforme o que fora previamente revelado pelo AT. Tendo, ainda, como pano de fundo a narrativa dos capítulos 11:2 a 12:50,
que aborda o tema a respeito da incompreensão do Reino, a Parábola
do Semeador trata de dois assuntos principais: a necessidade de se
compreender a palavra e os mistérios do Reino e a missão de espalhar
a palavra do reino.
Tendo em vista, também, que Mateus 13 é um discurso que tem
103
White, Parábolas de Jesus, 36.
HERMENÊUTICA 7 (2007): 57-84
83
A PARÁBOLA DO SEMEADOR NO EVANGELHO DE MATEUS
como finalidade revelar os mistérios do Reino dos Céus, a Parábola
do Semeador colabora com a intenção do Evangelho de Mateus ao
mostrar que (1) apesar de todos ouvirem a respeito do Reino de Deus,
a compreensão dos mistérios do Reino é um requisito básico para
aqueles que realmente querem fazer parte desse Reino. (2) É através
do cumprimento da missão do Semeador Rei que o Reino presente se
efetiva, dando assim a certeza de que o Reino futuro se concretizará.
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Hermenêutica, Volume 7, 85-101
2007 Centro de Pesquisa de Literatura Bíblica
JOSEFO: SUA VIDA, SUAS OBRAS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O
ESTUDO DA BÍBLIA
Clacir Virmes Junior, CePLiB, SALT/IAENE (Brasil)*
RESUMO
Este artigo tem como objetivo fazer uma retrospectiva da vida
do historiador judeu Flávio Josefo, ressaltar os pontos altos de sua
trajetória, descrever brevemente suas obras e o conteúdo delas e fazer um levantamento de algumas das muitas contribuições que seus
escritos trazem para nossa maior compreensão da Bíblia.
ABSTRACT
This article has as its goal to make a retrospective approach to
the life of the Jewish historian Flavius Josephus. So that we are able
to detach the main points of his trajectory, to describe briefly his works
and their content, and to survey some of the many contributions that
his writings bring to the Bible understanding.
INTRODUÇÃO
Os escritos de Flávio Josefo freqüentemente são citados em artigos e livros teológicos como fonte de informações para os mais diversos temas. Em anos recentes, sua obra tem sido exaustivamente
pesquisada.1 Durante a Idade Média, ele foi o autor da Antiguidade
mais lido na Europa, cuja influência não teve igual, sendo apenas sobrepujada pela Bíblia.2 “Eruditos bíblicos têm um grande débito de
gratidão para com o escritor judeu Flávio Josefo. Sem suas obras,
não saberíamos quase nada sobre a história política dos últimos dois
*
Aluno do 2º ano de Teologia do SALT/IAENE, sob a supervisão do Dr. Joaquim
Azevedo Neto, Ph. D. em Antigo Testamento.
1
Para uma discussão detalhada sobre as pesquisas envolvendo a obra de Josefo
nas últimas décadas do século XX, cf. o artigo de Helen K. Bond, “New Currents in
Josephus Research,” CurBS 8 (2000): 162-90.
2
Joseph Sievers, “New Resources for the Study of Josephus,” SBL Josephus
Seminar 1 (1999): 1-8, 1.
JOSEFO: SUA VIDA, SUAS OBRAS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA ...
séculos do período do Segundo Templo.”3 Mas quando o nome de
Josefo é citado, que tipo de pessoa deveria nos vir à mente? Quem é
este historiador cuja importância permanece mesmo depois de quase
dois milênios? Quantas e quais são as suas obras? Como elas ajudam
o pesquisador para sua maior compreensão da Bíblia? São estas as
perguntas que este artigo visa responder.
JOSEFO: SUA VIDA
Yosef bar Mattathyahu (em aramaico, ou Yosef ben Mattathias,
em hebraico)4 nasceu em Jerusalém entre os anos 37 e 38 AD.5 Era
descendente de linhagem sacerdotal por parte do pai e de linhagem
real por parte da mãe, cuja ascendência, segundo ele, poderia ser
traçada até o tempo dos asmoneus. A maior parte das informações
sobre a vida de Josefo vem de sua obra chamada Guerra dos Judeus
contra os Romanos6 (daqui em diante, Guerra) e de sua autobiografia, que pode ser considerada uma obra em separado7 (daqui em diante, Vida), encontrada, porém, na maioria das vezes, como um apêndice ao Antiguidades Judaicas (daqui em diante, Antiguidades).
3
Bond, “New Currents in Josephus Research,” 162.
Flavius Josephus, The New Complete Works of Josephus, trad. William Whiston,
coment. Paul L. Maier (Michigan: Kregel, 1999), 8.
5
Bromiley limita seu nascimento como acontecendo entre 13 de setembro de 37 e 16
de março de 38 AD. Freedman informa que, segundo Vida I.5, ele nasceu no primeiro
ano do reinado de Calígula. Cf. Geofrey William Bromiley, The International Standard
Bible Encyclopedia (5 vols. Michigan: Grand Rapids, 1986), 2:1132; David Noel
Freedman, The Anchor Bible Dictionary (6 vols. New York: Dobleday, 1992), 3:982.
6
Usa-se neste artigo a nomenclatura utilizada na quinta edição das obras de Josefo
em português da editora CPAD. Cf. Flavio Josefo, História dos Hebreus, trad. Vicente
Pedroso, 5ª ed. (Rio de Janeiro: CPAD, 1999).
7
Tenney, Bromiley, Maier e Bond afirmam que sua biografia é um apêndice ao
Antiguidades, enquanto Orr, Herbermann, e Macho parecem preferir classificá-la
como uma obra a parte. Cf. Merrill C. Tenney, Pictorial Encyclopedia of the Bible (5
vols. Michigan: Grand Rapids, 1976), 3:697; Bromiley, ISBE, 2:1132; Paul L. Maier,
Josefo: Las Obras Esenciales (Michigan: Editorial Portavoz, 1994), 12; Bond, “New
Currents in Josephus Research,” 172; James Orr, The International Standard Bible
Encyclopaedia (10 vols. Michigan: Grand Rapids, 1930), 3:1742; Charles Herbermann,
The Catholic Encyclopedia: An International Work of Reference on the
Constitution, Doctrine, Discipline, and History of the Catholic Church (16 vols.
New York: The Encyclopedia Press, 1922), 8:523; Alejandro D. Macho, Enciclopedia
de la Bíblia (6 vols. Barcelona: Garriga, 1964), 4:640.
4
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CLACIR VIRMES JUNIOR
Como tenho a minha origem numa longa série de antepassados de
família sacerdotal, eu poderia vangloriar-me da nobreza do meu
nascimento . . . Não sou somente oriundo da família dos
sacrificadores, eu sou também da primeira das vinte e quatro linhas
que a compõem e cuja dignidade está acima de todas. A isso, eu
posso acrescentar que, do lado de minha mãe, eu tenho reis, entre
meus antepassados. O ramo dos asmoneus, de que ela é proveniente
. . . . (Vida 1.1-2)8
Quando Josefo tinha por volta de dezesseis anos,9 buscou experimentar as diversas seitas que o judaísmo possuía em sua época.
Segundo ele, existiam “três: a primeira, a dos fariseus, a segunda, a
dos saduceus, a terceira, a dos essênios.”10 Maier11 destaca que,
concomitantemente a essa pesquisa das seitas judaicas,12 ele permaneceu durante três anos na companhia de um eremita chamado Bano,
vivendo uma vida ascética. Por fim, decidiu-se pela seita dos fariseus.
Essa forte formação dentro do judaísmo transpareceu em suas obras,13
principalmente em Resposta de Flávio Josefo a Ápio (daqui em diante Contra Ápio), seu maior tratado apologético.
8
Josefo, História dos Hebreus, 476.
Cf. Bromiley, ISBE, 2:1132; Josephus, The New Complete Works of Josephus, 8;
George Arthur Buttrick, The Interpreter’s Dictionary of the Bible: An Illustrated
Encyclopedia (4 vols. New York: Abingdon Press, 1986), 2:988. A edição da CPAD
das obras de Josefo, na tradução de Pedroso, verte o texto da seguinte maneira:
“Quando fiz treze anos desejei aprender as diversas opiniões dos fariseus, e dos
saduceus e dos essênios, três seitas que existem entre nós...” (Josefo, História dos
Hebreus, 476); grifo acrescentado. O texto grego de Niesse, disponível na plataforma
Perseus, usa a palavra ekkai,deka, dezesseis. Cf. N. Niesse, Flavius Josephus:
Flavii Iosephi Opera (Berlin: Weidmann, 1890). Disponível em:
<www.perseus.tufts.edu>. Acesso em: 29 maio 2007. Para maiores informações sobre
a plataforma Perseus, cf. Sievers, “New Resources for the Study of Josephus,” 2-3.
10
F. Leal Ferreira, Flávio Josefo: Uma Testemunha do Tempo dos Apóstolos (São
Paulo: Paulinas, 1986), 10.
11
Josephus, The New Complete Works of Josephus, 8.
12
Para uma breve explanação sobre as seitas judaicas, cf. Ronald F. Youngblood,
Dicionário Ilustrado da Bíblia (São Paulo: Vida Nova, 2004).
13
Como exemplo, cf. Herold Weiss, “The Sabbath in the Writings of Josephus,” JSJ
29, no. 4 (1998): 365-90.
9
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Os anos seguintes na vida de Josefo são obscuros. Segundo
Freedman, foi nessa época que ele aprendeu a língua grega e se tornou familiarizado com a literatura helenística de sua época.14 Ele reata
a narrativa de sua autobiografia quando, aos vinte e seis anos, viaja
em missão especial a Roma para libertar alguns sacerdotes acusados
por Félix, procurador da Judéia. Num episódio que se assemelha à
vida do apóstolo Paulo,15 o navio em que ele viajava naufraga no mar
Adriático. Dos 600 tripulantes, apenas 80 sobrevivem, sendo resgatados por um navio oriundo de Cirene, indo parar no porto de Puteoli,
na costa italiana.16
Este revés se mostrou de muito valor, pois Josefo conheceu
Alituros, um ator mímico judeu, favorecido por Popéia Sabina,17
consorte de Nero. Alituros o apresentou a Popéia, que, além de, por
sua influência, libertar os seus amigos sacerdotes, ainda deu-lhe alguns presentes.
Na idade de vinte e seis anos fiz uma viagem a Roma, por esta
razão. Félix, governador da Judéia, mandou por um motivo qualquer
alguns sacrificadores, homens de bem e meus amigos particulares,
para se justificarem perante o imperador; eu desejei, com muito
entusiasmo, ajudá-los, quando soube que sua infelicidade em nada
havia diminuído sua piedade e eles se contentavam em viver, com
nozes e figos. Assim, embarquei e corri um grande perigo, como
jamais em minha vida. O navio no qual estávamos, umas seiscentas
pessoas, naufragou no mar Adriático. Depois de ter nadado toda a
noite, Deus permitiu que ao nascer do dia, nós encontrássemos um
navio de Cirene, que recebeu oitenta dos que entre nós, haviam
conseguido nadar tanto tempo; o resto havia perecido no mar. Assim,
chegamos a Disearche, que os italianos chamam de Puteoli, onde
eu travei conhecimento com um comediante judeu de nome Alituros,
14
Freedman, ABD, 982.
Para uma análise dos pontos de contato entre a vida de Josefo e de Paulo, não
apenas nos acontecimentos de suas vidas, mas também em suas abordagens
apologéticas, cf. Robert Gnuse, “Vita Apologetica: The Lives of Josephus and Paul
in Apologetic Historiography,” JSP 13, no. 2 (2002): 151-69.
16
Orr, The International Standard Bible Encyclopaedia, 3:1742; Josephus, The
New Complete Works of Josephus, 8.
17
Segundo Whiston e Maier, e Ferreira, Popéia era simpatizante do judaísmo.
15
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o qual o imperador Nero muito apreciava. Esse homem levou-me
até a imperatriz Popéia e eu obtive sem dificuldade a absolvição e a
liberdade daqueles sacrificadores por intermédio dessa princesa,
que me deu grandes presentes, também, com os quais regressei ao
meu país. (Vida 1.13-14)18
É consenso na bibliografia pesquisada de que essa viagem foi
um marco na vida de Josefo. A imponência da capital romana o convenceu de que qualquer tentativa de insurreição seria mal sucedida.
Ou, talvez, os presentes a ele concedidos foram, na verdade, um suborno para que ele tentasse dissuadir seus conterrâneos da iminente
rebelião.19 O fato é que, ao voltar para Judéia, ele tentou convencer
seus compatriotas a desistir dos movimentos de revolta. Suas tentativas foram frustradas, e, ao fim, ele foi nomeado comandante-em-chefe na região da Galiléia. Antes do ataque das tropas de Vespasiano, o
então general Josefo se dedicou a treinar o exército, fortificar as cidades e nomear magistrados na região sob seu comando.
Mandaram . . . Josefo, filho de Matias, para exercer um cargo
semelhante na alta e na baixa Galiléia, acrescentando-se ao seu
governo, Gamal, que é a praça mais forte de todo o país.
. . . O primeiro cuidado de Josefo foi conquistar o afeto do povo,
para tirar grandes vantagens e reparar assim as faltas que pudesse
cometer. Para conquistar também os mais poderosos, dividindo com
eles sua autoridade, escolheu setenta dos mais sábios e dos mais
hábeis, que constituiu administradores da província e deu assim
àqueles povos a alegria de serem governados por pessoas do próprio
país e conhecedores dos seus costumes. Além disso estabeleceu
em cada cidade sete juízes, para julgar as pequenas causas, segundo
a forma que ele lhes havia determinado. Quanto às grandes, reservou
para si mesmo o julgamento. (Guerra 3.568-71).20
Porém, o cerco de Vespasiano foi mais forte, e, ao final, parte
do seu contingente militar e o próprio general Josefo foram cercados
em Jotápata, onde defenderam a cidade das tropas romanas por 47
dias, ao fim dos quais, ela foi tomada. Eles se refugiaram em uma
18
Josefo, História dos Hebreus, 471.
Freedman, ABD, 982.
20
Josefo, História dos Hebreus, 579-80.
19
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cisterna, onde Josefo decidiu entregar-se aos romanos. Seus compatriotas queriam obrigá-lo a desistir da idéia, e, para salvaguardar a
própria vida, ele propôs uma espécie de suicídio coletivo, onde a ordem de execução seria dada pela sorte.
Foi então lançada a sorte e o que era determinado apresentava o
pescoço ao que o devia matar; isso continuou até que restavam
somente Josefo e um outro; o que aconteceu, talvez, por uma especial
proteção de Deus ou por causalidade. Josefo, vendo que se ele
lançasse a sorte, ela, ou lhe custaria a vida, ou ele teria que manchar
suas mãos no sangue de um amigo, aconselhou-o a viver, dandolhe garantia de salvá-lo.
Assim, Josefo conseguiu escapar daquele tremendo perigo que
correra, quer do lado dos romanos, quer dos de sua própria nação
. . . . (Guerra 3.291-92)21
Logo em seguida a isso, Josefo é levado diante de Vespasiano,
onde “prediz” que o general e seu filho, Tito, serão imperadores.
Vespasiano, que era dado a presságios,22 resolve aprisioná-lo, ao invés de matá-lo. Algum tempo depois,23 Vespasiano é aclamado imperador romano, e solta-o, conferindo-lhe a cidadania romana. Além
disso, dá a ele uma pensão do império e propriedades na Judéia. Em
homenagem aos seus patronos, toma o nome de Flávio, em referência
a família Flaviana, da qual Vespasiano e Tito faziam parte.24
Tito, algum tempo depois, leva Flávio Josefo consigo para sua
investida final sobre Jerusalém. Ele é usado como intérprete e mediador entre as forças romanas e os rebeldes na cidade. Dia após dia, o
ex-general judeu conclama seus compatriotas a se renderem aos inimigos, numa atitude muito parecida com a do profeta Jeremias.25 Esse
21
Ibid., 601.
Orr, The International Standard Bible Encyclopaedia, 3:1742.
23
Segundo Macho, esse evento ocorreu dois anos após seu aprisionamento, em 1
de julho de 69 AD (Macho, Enciclopedia de la Bíblia, 639).
24
Bromiley, ISBE, 2:1132; Tenney, Pictorial Encyclopedia of the Bible, 3:697; Orr,
The International Standard Bible Encyclopaedia, 3:1742.
25
Russel Norman Champlin e João Bentes Marques, Enciclopédia da Bíblia,
Teologia e Filosofia (6 vols. São Paulo: Hagnos, 2001), 3:597; Bond, “New Currents
in Josephus Research,” 169.
22
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envolvimento dele na tomada final de Jerusalém lhe dá a oportunidade
de ser testemunha ocular dos eventos ali ocorridos, e que são detalhados em sua obra Guerra.
Depois disso, Flávio Josefo volta para Roma, onde se dedica à
vida literária, sustentado, sucessivamente, por Vespasiano, Tito e
Domiciano.26
A isso devo acrescentar que continuei a ser sempre honrado com a
benevolência dos imperadores, pois Tito não me demonstrou menos
que Vespasiano, seu pai, e jamais escutou as acusações que se
faziam contra mim. O imperador Domiciano, que o sucedeu,
acrescentou novos favores aos que eu já havia recebido . . . um
sinal de honra mui ilustre, como libertar todas as terras que eu possuía
na Judéia, e a imperatriz Domícia sempre teve prazer em me
obsequiar. (Vida 1.428-29)27
Sua morte é obscura. Os historiadores não têm maiores informações sobre as circunstâncias de seu falecimento, sendo que a data
provável é nos primeiros anos do II século. Segundo Freedman, Josefo
chegou a testemunhar os primeiros anos do imperador Trajano.28
JOSEFO: SUAS OBRAS
As obras de Josefo sobreviveram ao tempo principalmente por
causa da influência dos pais da Igreja. Eles se apegavam a uma passa26
Whiston e Maier comentam que seus empreendimentos literários, que ocorreram
no fim de sua vida, devem ter sido subsidiados por Epafródito, que, acredita-se, foi
um erudito literato que vivia em Roma por essa época. Três das obras de Josefo são
dedicadas a ele. Laqueur sugere que Josefo tenha perdido a patronagem da família
Flaviana após a morte do imperador Domiciano. Buttrick também nos informa que,
durante a época de Domiciano, a adoração ao imperador foi instaurada, fato que,
inclusive, levou o apóstolo João ao exílio. Nessa época, Domiciano chegou a executar
seu sobrinho Clemente, por adotar costumes judaicos. Talvez, Flávio Josefo tenha
perdido os favores imperiais nessa época, em conseqüência dessa política do
imperador. Richard Laqueur, Der Jüdische Historiker Flavius Josephus: Ein
Biographischer Versuch auf Neuer Quellenkritischer Grundlage (Giessen:
Münchow’sche Verlagsbuchhandlung, 1920), 31; George Arthur Buttrick, The
Interpreter’s Bible (12 vols. Nashville: Abingdon Press, 1957), 12:356.
27
Josefo, História dos Hebreus, 495.
28
Freedman, ABD, 982.
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91
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gem polêmica, chamada de Testimonium Flavianum,29 que aparece
em seu Antiguidades:
Nesse mesmo tempo apareceu JESUS, que era um homem sábio,
se todavia devemos considerá-lo simplesmente como um homem,
tanto suas obras eram admiráveis. Ele ensinava os que tinham prazer
em ser instruídos na verdade e foi seguido não somente por muitos
judeus, mas mesmo por muitos gentios. Era o CRISTO. Os mais
ilustres da nossa nação acusaram-no perante Pilatos e ele fê-lo
crucificar. Os que o haviam amado durante a vida não o abandonaram
depois da morte. Ele lhes apareceu ressuscitado e vivo no terceiro
dia, como os santos profetas o tinham predito e que ele faria muitos
outros milagres. É dele que os cristãos, que vemos ainda hoje, tiraram
seu nome. (Ant. 18.3.3.63-64)30
A grande maioria da bibliografia pesquisada divide as obras de
Flávio Josefo em quatro, como segue:
Guerra (Peri. tou/ VIoudaikou/ pole,mou): foi escrita antes de
79 AD,31 originalmente em aramaico, e posteriormente traduzida para
o grego com a ajuda de assistentes.32 Existe também uma versão eslava
da Guerra, mas é duvidoso afirmar que tal versão é baseada no
aramaico original no qual a obra foi escrita. Muitos eruditos são da
opinião de que a versão eslava é uma tradução da versão grega.33
Este livro conta a história da guerra travada entre os romanos e
29
Segundo Tenney, apesar dos debates, a evidência interna e externa não apóia a
teoria de que tal passagem seja uma interpolação cristã posterior. A passagem é
considerada autêntica, mas não na forma como se apresenta hoje (Tenney, Pictorial
Encyclopedia of the Bible, 697; Freedman, ABD, 991). Para uma discussão mais
acurada sobre a autenticidade da passagem, veja John P. Meier, “Jesus in Josephus:
A Modest Proposal,” CBQ 52, no. 1 (1990): 76-104. Para um estudo sobre a história
da controvérsia do Testimonium Flavianum, cf. Alice Whealey, Josephus on Jesus:
The Testimonium Flavianum Controversy from Late Antiquity to Modern Times
(New York: Studies in Biblical Literature, 2003).
30
Josefo, História dos Hebreus, 418.
31
Embora alguns autores coloquem a data para sua conclusão no ano 81 AD (Bond,
“New Currents in Josephus Research,” 171).
32
Otto Michel e Otto Bauernfeind, Flavius Josephus: De Bello Judaico. Der Jüdishe
Krieg (Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1982).
33
Buttrick, IDB, 2:987.
92
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os judeus entre 66 e 70 AD. Sobre esta obra, Tenney comenta que
“um dos propósitos para se escrever este livro foi certamente deter
outros de revoltar-se contra os romanos como os judeus haviam feito.”34 Contudo, pesquisas recentes têm sugerido que, muito mais do
que uma propaganda romana contra insurreições de outros povos
dominados, Guerra faz um retrato do povo judeu, tentando colocá-lo
sob uma luz melhor e ressaltando que não foi todo o povo que incitou
a revolta, mas apenas uma pequena minoria fanática.35
É dividida em sete livros:36 I, o período de Antíoco Epifânio até
Herodes, o Grande; II, de 4 AD até 66 AD, cobrindo os primeiros
eventos da guerra; III, acontecimentos na Galiléia em 67 AD; IV, o
curso da guerra até o cerco de Jerusalém; V e VI, a investida e a
queda de Jerusalém; e VII, os resultados da rebelião;
Antiguidades (VIoudaikh. VArcaiologi,a): foi escrito entre 70
e 94 AD. É a história37 do povo judeu desde a Criação até o início da
revolta judaica em 66 AD. Whiston e Maier comentam que
As fontes de Josefo para a primeira parte de Antiguidades é bíblica.
Ele algumas vezes cita ou parafraseia a tradução grega da
Septuaginta, mas algumas vezes parece mais próximo do texto
massorético. Ele também se utiliza de Targuns, do Midrash, e outras
tradições rabínicas para adicionar cor, drama, e embelezamento ao
registro escriturístico.38
Bond comenta que esta obra tem cunho apologético, demonstrando as origens do povo judeu, e o defende de acusações, tais como
a de que os judeus não gostam dos não judeus (gentios), ou que eles
34
Tenney, Pictorial Encyclopedia of the Bible, 3:697. Champlin comenta que ela foi
escrita por influência de Tito (Champlin e Marques, Enciclopédia de Bíblia, teologia
e filosofia, 597).
35
Bond, “New currents in Josephus research,” 171.
36
Orr, The Interntional Standard Bible Encyclopedia, 3:1742.
37
Como a primeira parte do Antiguidades é uma paráfrase do Antigo Testamento,
muitos eruditos buscam encontrar nela vestígios da maneira como Josefo se utilizava
de suas fontes para escrever seus livros. Contudo, talvez, é possível que ele tenha
feito um uso diferente das fontes nesta obra, por se tratar das Escrituras Sagradas
(Bond, “New currents in Josephus research,” 167).
38
Josephus, The New Complete Works of Josephus, 12.
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93
JOSEFO: SUA VIDA, SUAS OBRAS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA ...
fossem fracos e rebeldes. Flávio Josefo destaca o judaísmo como uma
religião antiga, com mérito, e que a religião judaica é atacada injustamente pelos seus oponentes. Para isso, suas descrições de personagens como Abraão, Isaque, Jacó, José, Moisés, Samuel e Davi (entre
outros) são cruciais, e nelas se destacam características tais como liderança, sabedoria, coragem, piedade, e generosidade, qualidades
apreciadas no mundo greco-romano.39
É dividida em 20 livros com cinco divisões:40 (a) I-X, da préhistória até o cativeiro babilônico; (b) XI, a época de Ciro; (c) XIIXIV, o início do período helenístico, de Alexandre, o Grande, incluindo a revolta dos Macabeus, até a ascensão de Herodes, o Grande;
(d) XV-XVII, o reinado de Herodes; e (e) XVIII-XX, da morte de
Herodes até a guerra em 66 AD;
Biografia (Flaouiou VIwsh,pou Bi,oj): além de ser uma espécie de autobiografia (segundo Freedman, a primeira autobiografia da
antiguidade que chegou a nós),41 é uma defesa de Josefo contra um
rival seu, Justo de Tiberíades.42 É opinião quase unânime de que Flávio Josefo era muito cheio de si, presunçoso e auto-suficiente, e nessa
obra, muitos desses traços de personalidade vêm à tona. Alguns eruditos chegam a postular que ele pretendia, de fato, ser um segundo
Jeremias, e que, algumas vezes, transparece em seus escritos uma certa
pretensão em ser o Messias.43 Contudo, Maier comenta que esse procedimento de auto-exaltação, totalmente estranho nos nossos dias por
parte de um escritor, era perfeitamente normal em sua época, sendo
que outros escritores, como Horácio e Cícero, também o fazem em
suas obras;44
Contra Ápio (Kata. VApi,wnoj): foi escrita entre 97 e 100 AD.
É uma obra apologética, onde Josefo defende a religião e antiguidade
39
Bond, “New Currents in Josephus Research,” 172.
Orr, The International Standard Bible Encyclopaedia, 3:1742.
41
Freedman, ABD, 982.
42
Para um estudo sobre a relação entre Josefo e Justo de Tiberíades, cf. Heinrich
Luther, “Josephus und Justus von Tiberias: Ein Beitrag zur Geschichte des Jüdischen
Aufstands” (Ph. D. dissertation, Friedrichs-Universität, 1910).
43
Bond, “New Currents in Josephus Research,” 169-70.
44
Josephus, The New Complete Works of Josephus, 8.
40
94
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do povo judaico contra os sistemas idólatras egípcio e grego. “Josefo
apresenta uma brilhante defesa do judaísmo contra todos seus
detratores, contrastando os confusos, contraditórios e não documentados primórdios da história grega com os bem organizados anais nas
escrituras hebraicas, que também têm, de longe, uma maior antiguidade.”45
É divido em dois livros: o primeiro é uma defesa geral do judaísmo, e o segundo é uma defesa direta aos ataques de Ápio de
Alexandria.46 Alguns eruditos declaram que uma das razões para o
escritor judeu compor esta obra seria a de que Ápio teria escrito uma
obra “contra os judeus” (kata. VIoudai,wn), sendo Contra Ápio uma
reação a esse tratado.47
Bilde, comentando sobre a totalidade dos escritos de Josefo e
seu significado, declara que “é o status político e espiritual do povo
judeu e do judaísmo no mundo grego-romano que constitui o tema
central de todas as obras de Josefo.”48
Muitos estudiosos, além de estudar o conteúdo das obras de
Josefo, também se interessaram pelas fontes que ele usou, tais como a
obra de Nicolau de Damasco, os comentários de Vespasiano e outros
generais romanos (às quais ele muito provavelmente teve fácil acesso
durante o tempo em que permaneceu na corte romana), e as memórias
de Agripa II. Contudo, estas obras não chegaram até nós e nos é
impossível detectar quais partes de seus escritos são mais ou menos
baseadas em cada fonte.49
Existem muitos estudos que abordam como Josefo reconta os
episódios bíblicos,50 e como sua abordagem reflete o uso de diversas
45
Ibid., 13.
Para uma discussão sobre quem era Ápio, não só nos escritos de Josefo, mas
também de seus contemporâneos, cf. Kenneth R. Jones, “The Figure of Apion in
Josephus’ Contra Apionem,” JSJ 36, no. 3 (2005): 278-315.
47
Ibid., 310-15.
48
Bond, “New Currents in Josephus Research,” 164.
49
Ibid., 167.
50
Como exemplos desses estudos, cf. Christopher Begg, “Joab’s Murder of Abner
According to Josephus,” Hermen 5 (2005): 59-94; Christopher Begg, “Samson’s
Final Erotic Escapades According to Josephus,” Hermen 6 (2006): 39-63; Michael
46
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fontes para que a narrativa se torne atrativa e atinja seu objetivo final,
que, na maioria dos casos, é a defesa do judaísmo.
Josefo queria escrever outras obras, como um tratado sobre a
lei mosaica, sobre o templo e Jerusalém, e sobre a natureza de Deus.
Mas não se sabe se ele chegou a produzí-las ou se elas se perderam
ao longo do tempo.
JOSEFO: SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO DA BÍBLIA
Hoje, temos disponíveis cerca de 130 manuscritos gregos e 230
manuscritos latinos das obras de Josefo.51 Os pais da Igreja, como
Eusébio de Cesaréia,52 grande historiador eclesiástico, e outros, como
Irineu, Clemente, Orígenes, Tertuliano e Jerônimo, utilizavam-se muito de seus livros para defender o cristianismo.53
Muitos são os aportes que os escritos de Flávio Josefo provêem para o melhor entendimento da Bíblia ou de questões a ela relacionadas. Algumas de suas contribuições são:
Entendimento do Novo Testamento: Josefo explica e amplia,
de maneira independente do relato do Novo Testamento, as biografias de muitos personagens do I século, principalmente personagens
contemporâneos de Jesus, como Pilatos e Herodes, e em menor grau
de outros, como João Batista54 e Tiago, irmão de Jesus, além de perAvioz, “Josephus’s Portrayal of Lot and His family,” JSP 16, no. 1 (2006): 3-13;
Michael Avioz, “Josephus’ Retelling of Nathan’s Oracle (2 Samuel 7),” SJOT 20, no.
1 (2006): 9-17; David A. DeSilva, “‘...And Not a Drop to Drink’: The Story of David’s
Thirst in the Jewish Scriptures, Josephus, and 4 Maccabees,” JSP 16, no. 1 (2006):
15-40.
51
Sievers, “New Resources for the Study of Josephus,” 1.
52
Para uma abordagem contra o Testimonium Flavianum e o papel de Eusébio em
perpetuar os escritos de Josefo, cf. K. A. Olson, “Eusebius and the Testimonium
Flavianum,” CBQ 61 (1999): 305-22. Laqueur sugere que o Testimonium Flavianum
seja uma espécie de “jogada de marketing” para se infiltrar dentro do cristianismo, já
que, segundo ele, Josefo perdera os subsídios tanto da família Flaviana quanto de
Epafródito (Laqueur, Der Jüdische Historiker Flavius Josephus, 277).
53
Josephus, The New Complete Works of Josephus, 10, 14. Norman L. Geisler, Baker
Encyclopedia of Christian Apologetics (Grand Rapids: Baker Books, 1999), 253.
54
Cf. John P. Meier, “John the Baptism in Josephus: Philology and Exegesis,” JBL
96
HERMENÊUTICA 7 (2007): 85-101
CLACIR VIRMES JUNIOR
sonagens do contexto da igreja primitiva, como os reis Agripa I e II,55
Félix e Nero.56
Ligação com o evangelho de Lucas e Atos: alguns estudos
apontam para os pontos de contato entre os escritos de Flávio Josefo
e os livros escritos por Lucas. Entre eles, se destaca que ambos falam
de certos personagens e lugares, usam o mesmo recurso da dedicatória e usam recursos historiográficos semelhantes. Essas e outras características ajudam a elucidar o método lucano na composição de
seus livros.57
Aspectos da vida de Jesus: apesar de ter citado Jesus em apenas uma de suas obras, seus escritos revelam alguns aspectos
esclarecedores sobre o contexto onde Jesus viveu e elucidam alguns
de Seus ensinamentos. Inclusive ele esclarece práticas que apóiam alguns fatos relevantes sobre a vida de Cristo. Como exemplo, podemos citar o estudo de Craig Ewans sobre as práticas funerárias entre
os judeus, como descritas por Josefo, e como elas apóiam a realidade
da ressurreição de Jesus.58
Dialeto koinê: as obras de Flávio Josefo estão escritas no mesmo dialeto koinê do Novo Testamento. Isso contribui para lançar luz
sobre termos e expressões59 utilizadas no texto neo-testamentário, pois
os seus livros se utilizam de palavras comumente utilizadas no I século, contemporâneas ao texto bíblico.60
Descrições geográficas: a arqueologia tem demonstrado que
Josefo foi, na maioria das vezes, muito acurado61 em suas descrições
111, no. 2 (1992): 225-37.
55
David Noel Freedman, The Anchor Bible Dictionary, eletronic ed. (6 vols. New
York: Doubleday, 1996), 98.
56
Josephus, The New Complete Works of Josephus, 10.
57
Contudo, não existem evidências de que Josefo tenha influenciado Lucas, ou vice
e versa (Bond, “New Currents in Josephus Research,” 179).
58
Craig A. Evans, “Jewish Burial Traditions and the Resurrection of Jesus,” JSHJ 3,
no. 2 (2005): 233-48.
59
Como exemplo, cf. Dorothy I. Sly, “1 Peter 3:6b in the Light of Philo and Josephus,”
JBL 110, no. 1 (1991): 126-29.
60
Cleon L. Rogers, The Topical Josephus: Historical Accounts that Shed Light on
the Bible (Michigan: Zondervan Publishing House, 1992), 12.
61
Para uma discussão sobre as contradições nos escritos de Josefo e seu método
HERMENÊUTICA 7 (2007): 85-101
97
JOSEFO: SUA VIDA, SUAS OBRAS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA ...
de cidades como Jerusalém e Massada, sendo, por isso, de grande
ajuda para a compreensão da topografia desses e outros lugares citados em suas obras.62
Aspectos do mundo do I século: os estudantes do Novo Testamento encontram em Flávio Josefo uma rica fonte de informações sobre a agricultura, indústria, religião e política deste período.63
Teologia judaica do I século: as obras de Josefo refletem o
pensamento teológico judaico do I século DC, ajudando na melhor
compreensão do judaísmo no período posterior a queda de Jerusalém
em 70 AD.64 Suas descrições das seitas e práticas judaicas são consideradas muito acuradas e concordam com outras fontes sobre o mesmo assunto.65
Historiador do período inter-testamentário: os tratados de
Flávio Josefo sobre o período inter-testamentário, principalmente a
helenização da época de Alexandre, o Grande e a revolta dos
Macabeus, em grande parte, ajudam na melhor compreensão dessa
época.66
Testemunha da extensão do cânon do Antigo Testamento:
alguns trechos das obras de Josefo são importantes testemunhas com
relação a quais livros pertencem ao escopo canônico67 dos escritos
judeus. Ele assevera que
histórico, cf. Steve Mason, “Contradiction or Counterpoint? Josephus and Historical
Method,” Review of Rabbinic Judaism 6, no. 2-3 (2003): 145-88.
62
Champlin e Marques, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, 597; L.
Monloubou e F. M. Du Buit, Dicionário Bíblico Universal (Petrópolis: Vozes, 1997),
437.
63
Tenney, Pictorial Encyclopedia of the Bible, 3:697.
64
Bond, “New Currents in Josephus Research,” 170.
65
Kenneth Atkinson, “Josephus’s Portrayals of the Pharisees, the Sadduceess, and
the Essenes in the Light of Qumran Texts and Pseudepigrapha,” SBL Josephus
Seminar 5 (2005): 1-25.
66
Maier, Josefo, 7.
67
Para uma discussão sobre o testemunho de Josefo quanto a extensão do cânon
judaico, cf. Peter Höffken, “Zun Kanonsbewusstsein des Josephus Flavius in Contra
Apionem und in den Antiquitates,” JSJ 32, no. 2 (2001): 159-78.
98
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CLACIR VIRMES JUNIOR
Temos somente vinte e dois [livros] que compreendem tudo o que
se passou, e que se refere a nós, desde o começo do mundo até
agora, e aos quais somos obrigados a prestar fé. Cinco são de
Moisés, que refere tudo o que aconteceu até sua morte, durante
perto de três mil anos e a seqüencia dos descendentes de Adão. Os
profetas que sucederam a esse admirável legislador, escreveram
em treze outros livros, tudo o que se passou depois de sua morte
até o reinado de Artaxerxes, filho de Xerxes, rei dos persas e os
quatro outros livros, contêm hinos e cânticos feitos em louvor de
Deus e preceitos para os costumes. (C. Ap. 1.8)68
Daniel: em Antiguidades 10-12, Flávio Josefo afirma a
historicidade do profeta Daniel como vivendo no sexto século AC,
autenticando a fidelidade das predições históricas feitas por intermédio dele e refuta a tese de que o livro de Daniel tenha sido escrito após
os eventos nele descritos.69
CONCLUSÃO
Segundo Champlin, “Tonybee, grande historiador norte-americano deste século [XX], considerava-o [Josefo] um dos cinco maiores historiadores do período helenista, juntamente com Heródoto,
Tucídides, Xenofonte e Políbio.”70
Apesar de sua importância, é claro que não podemos nos apegar cegamente aos escritos de Josefo na ânsia de defender qualquer
tipo de posição. Maier comenta que
O valor do historiador judeu [Josefo] é menor no que respeita ao
Antigo Testamento, mas cresce dramaticamente para o período intertestamentário até se fazer totalmente indispensável para compreender
o marco político, topográfico, social, intelectual e religioso da era
do Novo Testamento.71
68
Josefo e Pedroso, História dos Hebreus, 712. Cf. também Norman Geisler e William
Nix, Introdução Bíblica (São Paulo: Editora Vida, 2006), 63, 83; George Arthur Buttrick,
The Interpreter’s Bible (12 vols. Nashville: Abingdon Press, 1952), 1:38.
69
Geisler, Baker Encyclopedia of Christian Apologetics, 253.
70
Champlin e Marques, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, 598.
71
Maier, Josefo, 7.
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99
JOSEFO: SUA VIDA, SUAS OBRAS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA ...
Criteriosamente usados, seus escritos são uma preciosa fonte de informação e estudo.
Josefo não era perfeito nem um perfeito historiador. Muitas vezes, suas descrições parecem muito fantasiosas. Contudo, na sua época,
hipérboles exageradas eram a regra, não a exceção. e isso de maneira
nenhuma tira seus méritos em reportar o mundo do I século. Maier diz
que “de fato, ele foi mais confiável do que a maioria dos historiadores
dos seus dias.”72 Rogers acrescenta: “se fosse possível ter apenas uma
obra para usar no estudo do Novo Testamento, os escritos de Josefo
ben Matias, mais conhecido como Flávio Josefo . . . seriam a escolha
correta.”73 Bilde declara que “Josefo tinha as melhores qualificações
para fornecer informação confiável. Ele era bem familiarizado com as
escrituras judaicas e foi uma testemunha ocular da guerra.”74 Villalba e
Varneda concluem que ele se utilizou de muitos recursos historiográficos
e era um especialista na arte da narrativa.75
Por causa do incidente em Jotápata, muitos o consideraram um
covarde e um traidor,76 atitude que perdura até hoje, principalmente
em alguns círculos judeus.77 Porém, de maneira especial entre os judeus eruditos, esta atitude parece ter mudado muito em anos recentes.78
Sua contribuição para a compreensão da Bíblia, principalmente
sobre o período neo-testamentário, é de valor incalculável. Bond afirma que “ele é . . . [o] comentarista bíblico sistemático . . . de grande
importância para nosso conhecimento do texto bíblico e sua interpretação no primeiro século.”79 Seu trabalho nos ajuda a aprofundar-nos
72
Josephus, The New Complete Works of Josephus, 14.
Rogers, The Topical Josephus, 11.
74
Bond, “New Currents in Josephus Research,” 164.
75
Ibid., 166.
76
Ibid., 163.
77
Maier, Josefo, 9.
78
A Revista Morashá, de cunho judaico, publicou em setembro de 2001 um artigo
sobre Josefo, da professora Jane Bichmacher de Glasmann, da UERJ. O tom do
artigo é amistoso e ressalta o valor de Josefo como historiador. Cf. Jane Bichmacher
de Glassmann, “Flávio Josefo: Traidor ou Traído?,” Morashá 34 (2001): 1-4.
79
Bond, “New Currents in Josephus Research,” 162.
73
100
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CLACIR VIRMES JUNIOR
em muitos detalhes históricos e geográficos citados nos evangelhos.80
Além disso, ele é a principal fonte para o estudo da história judaica
entre o I século AC e o I século DC.81
Este é Josefo como visto, lido e interpretado após quase dois
mil anos de estudo de sua obra. As questões relativas à sua pessoa,
caráter e conduta talvez nunca tenham respostas satisfatórias. Todavia, é inegável a influência que seu trabalho alcançou e o aporte que
ele forneceu aos pesquisadores da Bíblia através dos séculos. A história e a teologia têm uma dívida de gratidão para com o comandante,
apologista, escritor e historiador judeu Flávio Josefo.
80
Bromiley, ISBE, 1133.
Tenney, Pictorial Encyclopedia of the Bible, 3:697; Champlin e Marques,
Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, 597.
81
HERMENÊUTICA 7 (2007): 85-101
101
Hermenêutica, Volume 7, 103-112
2007 Centro de Pesquisa de Literatura Bíblica
UM BREVE ESTUDO ENTRE DOIS RAMOS DAS LÍNGUAS
AFRO-ASIÁTICAS:
A EGÍPCIA (CAMITA) E A SEMITA
Joaquim Azevedo Neto, SALT, IAENE, Brasil
RESUMO
Esta é uma tentativa de apresentar um breve estudo a respeito
da relação entre as línguas semíticas (neste caso o hebraico) e a língua egípcia do Período Médio.
ABSTRACT
It is a tentative to present a brief study about the relationship of
the semitic languages (in this case hebrew) to the Egyption
Hieroglyphic.
INTRODUÇÃO
Este estudo tem como objetivo apresentar de forma sucinta alguns possíveis pontos de contato entre a língua hebraica e a egípcia,
do Período Médio (2000-1300 a.C.). O segundo milênio a.C. foi escolhido para este trabalho pelo fato de que houve neste tempo um
grande intercâmbio sócio-político-econômico entre as nações do Antigo Oriente Médio. Assim sendo, uma visão mais clara se terá do
intercâmbio sofrido por estes dois ramos lingüísticos, com respeito à
gramática e à semântica das palavras. Neste caso somente, a língua
hebraica (representando as semitas), como esta aparece no Códice
de Leningrado, será usada para alcançar o objetivo desta investigação. O alvo é de dar um exemplo, e não, o exaurir de todas as evidências da história do desenvolvimento destas línguas. E mostrar que há
evidências lingüísticas que podem ser um apoio à estada de Israel
pelo Egito neste período.
O ramo Afro-Asiático compõe-se das línguas berber, xadica,
cushita, egípcia e a semita. Cada um destes grupos se subdivide em
UM B REVE ESTUDO ENTRE DOIS R AMOS DAS LÍNGUAS...
vários ramos, com exceção da língua egípcia. As línguas semitas
que os egípcios entraram em contato por volta deste período poderiam ter sido as seguintes: do noroeste: cananéia (ugarítico, fenício,
hebraico, moabita, amonita e edomita) e aramaico; do sudoeste:
dialetos do sul da Arábia; línguas semíticas do nordeste: assíria e
babilônica.
POSSÍVEIS FATORES DE CONTATOS ENTRE
RAMOS LINGÜÍSTICOS
ESTES
Neste período da história egípcia existiram vários contatos entre a cultura egípcia e a região Siro-Palestina. Existem achados arqueológicos da península do Sinai que mostram a existência de minas de cobre que foram exploradas pelos egípcios usando mão de
obra escrava ou de trabalhadores semitas. Nestas minas, encontramse várias pedras e murais com escrituras classificadas como protosinaíticas, isto é, num nível embrionário do desenvolvimento do páleohebraico. Esta escrita já era alfabética e numa linguagem semita datada por volta do ano 1500 a.C.1 Não podemos esquecer que a cidade
fenícia de Biblos foi por muito tempo uma colônia portuária do Egito
durante este período da sua história. Nesta cidade, desenvolveu-se
um silabário com sinais gráficos semelhantes ou alfabeto dos
hieróglifos.2 Vários fortes foram construídos perto da região do atual
canal de Suez para evitar a invasão dos povos da Palestina dentro
do território egípcio.
Assim podemos ver que houve um controle por parte do Egito
desta região Siro-Palestina nesta época, porém não houve um total
domínio militar. Este controle foi comercial, pois a madeira, óleo de
olivas, vinho, etc. eram as riquezas desta região que os egípcios cobiçavam e não a terra em si. Isto pode ter sido devido ao fato de que
nenhum egípcio da alta classe gostaria de ser enterrado longe do rio
Nilo, o deus doador da vida. Outro fator foi a crença na vida após
a morte, somente aqueles enterrados na banda ocidental do Nilo,
1
W. Helck, Die Beziehungen Ägyptens zu Vorderasien no vl. 3 e 2; The ProtoSinaitic Inscription and their Decipherment (Cambridge: Cambridge University
Press, 1966).
2
Joaquim Azevedo Neto, “The Origin of the Proto-Cananite Alphabet,”
Hermenêutica 1(2001): 3-29; Joaquim Azevedo Neto, “The Origen of the ProtoCaninite Alphabet,” ( Mestrado, diss., Andrews University, 1994).
104
HERMENÊUTICA 7 (2007): 103-112
JOAQUIM AZEVEDO NETO
onde estão as pirâmides, poderiam obter a vida eterna.
Outra evidência deste contato é a lista chamada de Textos de
Maldições (Execration Texts List), datada deste período, que mencionando nomes de cidades, vilas e tribos da região Síro-Palestina e de
seus líderes.3 Já no Novo Reino, o Egito teve uma nova política internacional. Esta nova pólitica era mais imperialista do que antes e de
controle militar da região, mas ainda sem nenhuma intenção de povoála por egípcios.4
Na Décima Oitava Dinastia, os egípcios estabeleceram fortes
militares por vários lugares da região Siro-Palestina e há evidências
de que existiram muitos escravos, trabalhadores, diplomatas e comerciantes semitas no Egito nesta época como nunca antes. Por outro
lado, havia egípcios que comercializavam trazendo bens da região
Siro-Palestina para os mercados do Egito. Portanto, houve nestas
transações contatos mais intensos entre estas línguas por muitos séculos. No período de Amarna, a língua acadiana (semita), escrita em
cuneiforme, era a língua franca e da diplomacia daquela época no
Antigo Oriente Médio. Documentos e cartas eram trocados pela corte egípcia e os reis do Levante na língua franca. Biblos continuava
ainda a ser uma cidade portuária chave para a economia egípcia.
As evidências históricas e arqueológicas mostram que existiram
estes contatos entre estas línguas e o efeito sobre elas é o que se pode
ver ao compararmos ambas. A seguir daremos alguns exemplos do
efeito lingüístico possivelmente devido a estes contatos. Não se
pode deduzir baseado nas evidências quem sofreu mais os efeitos
destes contatos comerciais. O que se pode verificar claramente são
os notáveis efeitos sobre ambos os ramos lingüísticos. 5
3
G. Posener, Princês et pays dÁsie et de Nubie (Brussels: 1940).
R. O. Faulkner, “Egyptian Military Organization,” JEA 39 (1953), p. 43.
5
Hoch na sua conclusão apresenta que o maior índice de palavras são provenientes
da língua hebraica:
ex: o pronome relativo hz-ha que, qual//
4
8ô F
ÃX#
F ’i-tî i; hmda terra //
4
…XX´ëë<’i-d-ma-t; dm[ tomar uma posição contra //
òj ±Í
k¥ ´© ‘a-ma-di; lqm vara, bastão, cajado//
X±X©‘ôå ma-qi-ra ; fgn oprimir // // ga-ni-sa.
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105
UM B REVE ESTUDO ENTRE DOIS R AMOS DAS LÍNGUAS...
EFEITO DESTES CONTATOS SOBRE
ESTAS DUAS LÍNGUAS
A seguir apresentaremos alguns exemplos da influência que poderia ter vindo de ambos os lados. Observe-se abaixo uma lista de
palavras semitas que são encontradas no vocabulário egípcio deste
período, estas poderiam ser cognatas ou estrangeirismos devido a
este contato que perdurou por séculos. 6 O objetivo aqui não é exaurir
as evidências, mas apenas usar uma amostra delas para atingir o
propósito deste trabalho.
PEQUENA AMOSTRA DE ALGUMAS DAS PALAVRAS
COMUNS ENTRE AS DUAS LÍNGUAS
ba Pai
ë#ÎëëQ ’a-bi-ya
hmda terra, país, região,
7
chão de terra
…XX´ëë< ’i-d-ma-t
tyB casa
¾wëëÙëO
8
bi-ya-ta9
6
W. F. Albright, “The New Cuneiform Vocabulary of Egyptian Words,” JEA 12
(1926): 186-90; idem, “Northwest-semitic Names in a List of Egyptian Slaves from
the Eighteenth Century B.C.,” JAOS 74 (1954): 222-233; Albright e T. O. Lambdin,
“New Material for the Egyptian Syllabic Orthography,” JS 2 (1957): 113-127; E.
Dévaud, “Etude de lexicographie égyptienne at copte,” Kêmi 2 (1929): 3-18.
7
Hari, Répertoire onomastique amarnien (Geneva: 1976), n. 208; James E. Hoch,
Semitic Words in Egyptian Texts of the New Kingdom and Third Intermediate
Period (Princenton, New Jersey: Princenton University Press, 1994), n. 1, p. 17.
8
The Toponym List of Shoshonq: Relief and Inscriptions at Karnak, vol. 3 The
Bubastis Portal (Chicago: University of Chicago Press, 1954), pl. 4, Shishak List, n.
98-99, 22nd Dinastia; Hoch, n. 41, p. 46.
9
KRI, vol. 5, p. 95, n. 72; Hoch, n. 112, p. 91.
106
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l[b senhor, esposo, proprietário, dono
¥
¥
¾‘ôÙ b-‘-ra ou ¾ ô Ø b-‘-ra
10
11
COMPARAÇÕES GRAMATICAIS
Nesta seção, alguns elementos gramaticais comuns aos dois ramos lingüísticos serão levados em consideração. A ênfase será dada
à língua hebraica. Podemos ver que essa semelhança poderia ter ocorrido devido aos contatos mencionados acima, mas dificilmente se
poderia tomar uma posição com respeito à direção da origem destas
semelhanças. Portanto, os exemplos são apenas ilustrativos deste fenômeno lingüístico.
CONSTRUÇÃO DO GENITIVO 12
Conhecido pelo nome de genitivo direto pelos acadêmicos da
língua egípcia, este simplesmente consiste em colocar um substantivo
na frente do possuidor.
Por exemplo:
×
ô O
ô o dono [da] casa.
Aqui a preposição “da” é subentendida do contexto. Esta forma de expressar o caso genitivo é a mais comum, apesar de existirem
outras formas de expressar este caso usando as “preposições” chamadas nisba ( F n, derivadas de adjetivos), escritas explicitamente no texto.13 Abaixo apresentaremos uma tabela destas preposições nisba:
10
K. A. Kitchen, ed. Ramesside Inscriptions (KRI): Historical and Biogrphical, 7
vols. (Oxford: 1969-90), vol. I, p. 17, 14. Esta palavra B‘l é muito usada em nomes
pessoais nos textos egípcios; Hoch, n. 115, p. 93, nota 5.
11
University of Chicago Oriental Institute, Ramses III Inscriptions at Medinet Habu
(Chicago: University of Chicago Press 1930-), p. 86, 25; 20nd Dinastia; Hoch, n. 116,
p. 94 .
12
Veja as seguintes obras sobre a língua hebraica que explicam o caso do Genitivo:
Bill T. Arnold e John Choi, A Guide to Biblical Hebrew Syntax (Cambridge: Cambridge
University Press, 2003), 8-13;E. Kautzsch, ed., Geseniue´Hebrew Grammar, trans.
A. E. Cowley (Mineola, New York: Dover Publication, 2006, originária de 1910), §
129-130.
13
James E. Hoch, Middle Egyptian Grammar (Mississauga, Toronto: Benben
Publication, SSEA Publication XV, 1997), p. 30, § 22,b.
HERMENÊUTICA 7 (2007): 103-112
107
UM B REVE ESTUDO ENTRE DOIS R AMOS DAS LÍNGUAS...
TABELA DO GENITIVO (PREPOSIÇÕES) DE ORIGEM ADJETIVA (NISBA)
MASCULINO
SINGULAR
PLURAL
DUAL, RARO
Ex.:
F
ô,
FEMININO
n(y)
F
° n(y)t
n(y)w
F
° n(yw)t
´
F» n(y)yw
F
° ´ n(y)ty
O F¶! a casa do escriba
ô
@lMh sws O cavalo do rei
Assim, a língua egípcia possui duas formas de expressar o
genitivo, todavia a mais comum é a semelhante à forma semítica do
construto e absoluto, ex.: @lMh sws o cavalo do rei. O aramaico
possui a partícula lv de, para expressar o genitivo de maneira semelhante às preposições nisba.
CONSTRUÇÃO DA ORAÇÃO COM PREDICADO NOMINAL
Na língua egípcia existe a forma de escrever uma oração de
predicado nominal com o verbo de ligação elíptico, como acontece no
hebraico bíblico,14 sendo que na língua egípcia este uso é mais freqüente e abrangente, pois este é usado tanto para o presente como
para o passado sem nenhuma forma morfológica que ajude ao leitor,
14
Ver meu artigo sobre este fenômeno lingüístico na língua hebraica bíblica, Joaquim
Azevedo Neto, “A Oração de Elipse Verbal (ou Verbles Clause) do Hebraico Bíblico,”
Hemenêutica 6 (2006):81-87.
108
HERMENÊUTICA 7 (2007): 103-112
JOAQUIM AZEVEDO NETO
a não ser o contexto. Mesmo assim pouca ou nenhuma ambigüidade
é encontrada pelo leitor ao determinar pelo contexto qual seria o melhor tempo verbal para o verbo elíptico que deverá aparecer na tradução em português.
Ex.:
p
ë» $ô j O
ô O
homem [está] na casa / o homem
[estava] na casa
$m[ hwhy
Jeová [está] com você (Juiz. 6:12)
COMPARAÇÃO G RÁFICA DAS PALAVRAS SEMÍTICAS ENCONTRADAS
NOS ESCRITOS EGÍPCIOS DESTA ÉPOCA
James A. Hoch escreveu sua tese doutoral15 sobre este assunto
e algumas de suas conclusões são pertinentes a este trabalho. Apresentaremos algumas de suas conclusões nesta seção. Hoch catalogou 391 palavras semitas encontradas na língua egípcia desta época.
Ele apresentou na sua tese vários gráficos que ilustram de maneira
esclarecedora quais os setores sociais do antigo Egito que mais sofreram esta influência lingüística semita. A lista de palavras que Hoch
usa contém não somente palavras hebraicas mas também de várias
outras línguas semíticas da época, como o ugarítico e o acadiano:
Gráfico 1
Distribuição das Palavras Semíticas
nas Categorias
15
Ecologia
16,1%
Guerras
15,1%
Casa
12,8%
Economia
11,0%
Recreação
11,0%
Atividades
10,7%
Hoch, p. 473, gráfico 5.
HERMENÊUTICA 7 (2007): 103-112
109
UM B REVE ESTUDO ENTRE DOIS R AMOS DAS LÍNGUAS...
Abstrata
9,7%
Saúde
4,3%
Arquitetura
3,1%
Legal
1,8%
Política
1,8%
Religião
1,3%
Social
1,0%
Realeza
0,3%
Pelas informações do gráfico 1 podemos ver que as áreas da
sociedade egípcia mais influenciadas pelas palavras semíticas foram
aquelas que envolvem o cotidiano da população. Por exemplo, temos
muitas palavras referentes aos objetos comerciais, como alimentos,
utensílios domésticos, guerra, passatempos e outras atividades em
que o povo comum estava envolvido. A alta classe foi também influenciada, isto pode ser deduzido baseando-se no gráfico 2, citado
abaixo, quando a maior porcentagem de palavras estrangeiras aparecem em escritos didáticos escolares. Há certas áreas, porém, que
sofreram muito pouco esta influência lingüística semita. Isso pode ser
visto devido ao fato de haver poucos exemplos de palavras semitas
nas atividades em que estas classes participavam, por exemplo, a casta religiosa dos sacerdotes, o sistema legal de governo e leis, a realeza
e a política.
Gráfico 2
Incidência de Palavras Semitas por
Tipos de Documentos
Tipo de Textos Nº. de exemplos
Porcentagem
110
Textos Escolares
248
38,8 %
Econômico
108
16,9 %
Histórico
82
12,8 %
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JOAQUIM AZEVEDO NETO
Oráculos
35
5,5 %
Legal
37
5,8 %
Cartas
23
3,6 %
Miscelâneas
21
3,3 %
Religiosos
21
3,3 %
Realeza
15
2,3 %
Poemas de Amor
12
1,9 %
Lit. Sapiencial
Monumentos
Privados
Textos Médicos
10
1,6 %
10
1,6 %
8
1,3 %
Outro gráfico (n. 2) que Hoch apresenta na sua tese doutoral é
o da incidência de palavras semíticas em documentos separados por
assunto. Neste gráfico, vemos que os documentos didáticos usados
nas escolas contêm mais palavras juntamente com os textos referentes
à economia e aos textos que descrevem as façanhas dos reis. Isto
novamente suporta a idéia de que a população, em geral, sofreu essa
influência semita a tal nível que as escolas ensinavam com um vocabulário repleto de palavras semitas e as façanhas dos reis deveriam ser
escritas com tal vocabulário para serem apreciadas pelos ouvintes.16
CONCLUSÃO
Ainda que existam suficientes evidências lingüísticas, arqueológicas e históricas que comprovem o contato entre esses dois ramos
Afro-Asiático (e suas respectivas culturas) no aspecto sócio-políticoeconômico, não podemos concluir categoricamente com respeito a
que direção estas semelhanças lingüísticas se originaram.17
Foram estas originárias das línguas semitas influenciando a egípcia?, ou foram estas originárias da língua egípcias influenciando a
semita?
16
17
Ibid., p. 478.
Veja nota 5 com respeito àquelas palavras que com certeza vieram do Hebraico.
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UM B REVE ESTUDO ENTRE DOIS R AMOS DAS LÍNGUAS...
Mas, o que se pode concluir é que houve um contato lingüístico
que beneficiou ambas as línguas (e cultura) neste período da história
egípcia. Isto pode ser mais uma possível evidência, ainda que não direta, da estada do povo de Israel no Egito, como está relatado nos
livros de Gênesis e Êxodo.
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