documento associado - Ordem dos Farmacêuticos

Propaganda
INTERACÇÕES EM DOENTES SOB NUTRIÇÃO ENTÉRICA
A administração da medicação a doentes a receber nutrição
entérica (NE) é frequentemente efectuada através da sonda.1
Os eventuais problemas resultantes do uso desta via podem
dever-se à administração de um fármaco concreto, de um tipo
de forma farmacêutica, ou da administração de fármacos a doentes que recebem NE.2
As interacções que envolvem fármacos administrados a estes
doentes incluem as que causam problemas de compatibilidade
e as que influenciam a estabilidade do fármaco ou nutriente,
podendo resultar em oclusão da sonda, alteração da biodisponibilidade dos fármacos, da absorção dos nutrientes ou da função
do tracto gastrointestinal (GI).1
A NE pode atrasar, atenuar ou, mais raramente, reforçar o efeito
de um fármaco. De uma maneira geral, o esvaziamento gástrico é
atrasado pela presença de nutrientes; os medicamentos administrados ao mesmo tempo que a NE podem ser retidos no estômago, o que pode implicar um atraso no início da acção. A absorção
do medicamento pode aumentar ou diminuir em função do teor
em lípidos, fibra e proteína da NE, ou devido a incompatibilidade
com os seus componentes, com formação de complexos.3
Os fármacos podem causar incompatibilidade física com a NE,
resultando em alterações físicas da NE ou da forma farmacêutica
administrada, resultando em formação de precipitado ou modificação da viscosidade, que podem resultar em oclusão da sonda,2,4,5 dificuldade na absorção de fármacos ou nutrientes e/ou
uma inactivação dos mesmos. Um exemplo é a incompatibilidade
causada pela administração de soluções de fármacos com valores
extremos de pH,2 como xaropes ou elixires acídicos, o que pode
resultar em agregação ou espessamento, por desnaturação das
proteínas da fórmula, sendo mais afectadas as que contêm proteínas intactas ao invés de aminoácidos ou proteínas hidrolisadas.4,5
Para a maioria dos fármacos, não existem dados específicos de
compatibilidade com a NE; assim, os fármacos não devem ser adicionados directamente à NE, devendo esta ser interrompida e a
sonda lavada antes e após a administração dos medicamentos.1,3
A falha terapêutica devida a interacção com NE pode ser um problema grave, especialmente em doentes sob cuidados intensivos.6 Os fármacos com intervalo terapêutico estreito devem ser
monitorizados através dos seus níveis plasmáticos3,4,6 ou dos parâmetros biológicos correspondentes (ex. anticoagulantes orais);3
aqueles para os quais não é possível determinar as concentrações plasmáticas devem ser avaliados pelo efeito clínico.4,6
Iremos referir adiante alguns fármacos implicados em interacções fármaco-NE.
ÁCIDO VALPRÓICO. Nenhum dos dados disponíveis actualmente indica a existência de interacção com a NE; a sua administração com alimentos pode diminuir a taxa de absorção, o que terá
uma importância clínica mínima em condições de “steady-state”.
Recomenda-se a monitorização dos níveis séricos.7
CARBAMAZEPINA. Alguns estudos sugerem diminuição da sua
absorção.4 O mecanismo não está ainda estabelecido,4,6 mas
pensa-se que o fármaco adira à sonda.4,6-8 Recomenda-se a diluição da suspensão com igual volume de água estéril,4,7 soro
fisiológico ou glucose a 5%, para prevenir perdas significativas
do fármaco7 e a interrupção da NE duas horas antes e após
a administração.8 É necessária uma cuidada monitorização dos
níveis séricos4,6 e o ajuste da dosagem com base neles.7
CEFALEXINA. A sua absorção diminui por união a proteínas da
NE. Interromper a NE duas horas antes e após a administração.8
FENITOÍNA. Existe alguma controvérsia acerca da gravidade da
interacção,6,9-11 mas há evidências de que a administração concomitante com NE pode reduzir largamente a sua absorção.4,5,7
Não se conhecem completamente os factores contribuintes
para a diminuição da biodisponibilidade da fenitoína;10 pensa-se
que possa ocorrer por adesão à sonda,4,7,10 união a proteínas4,7-9
ou sais de cálcio da NE.4,8,9 Também pode ser mal absorvida se
a extremidade distal da sonda se situar no duodeno e não no
estômago; a administração no jejuno parece ter um efeito ainda
mais danoso, dado que diminui ainda mais o tempo para uma
absorção adequada. Outros factores que podem contribuir para
a interacção são o tempo de trânsito GI, a fonte de azoto, o teor
em cálcio e pH da NE, a forma farmacêutica da fenitoína ou a
sua diluição antes da administração.10
Entre as opções possíveis para minimizar a interacção contam-se
suspender a NE duas horas antes e após a toma,2,5,6,8,9 apesar de
haver descrição de doentes em que esta suspensão não evitou
a necessidade de aumento da dose.10,11 De forma a minimizar o
tempo de interrupção da NE, a administração poderá ser efectuada duas vezes ao dia,5-7,10 com suspensão da NE uma hora antes
e outra após.6,7,10 A dosagem da fenitoína poderá também ser aumentada.4,7,10 Outra abordagem seria optar-se pela administração
intravenosa,2,10 numa fase inicial, de modo a estabelecer níveis
séricos terapêuticos, ou se a obtenção destes comprometer o
aporte nutricional.10 É necessária uma cuidada monitorização dos
níveis séricos e da resposta clínica do doente.2,4
FLUOROQUINOLONAS. A biodisponibilidade desta classe de
antibióticos pode ser reduzida pela toma com catiões,4,9,10 como
o cálcio, magnésio, alumínio e ferro,4,9 presentes na NE em quantidades variáveis, que podem dificultar a sua absorção por formação de quelatos insolúveis.4,7,10 Os estudos até agora efectuados
apresentam limitações que dificultam conclusões consistentes.4
Um estudo in vitro não provou a formação de quelatos com cálcio
e magnésio, indicando que possam estar implicados outros catiões divalentes, ou que as quinolonas possam ser adsorvidas por
outros iões metálicos, proteínas ou lípidos da NE, ou que ocorra
influência do pH.10
Apesar de ser considerada um efeito de classe,4,5 a extensão
desta interacção parece variar entre as quinolonas: a ciprofloxa-
cina parece ser a mais afectada, com menores efeitos sobre a
levofloxacina e a ofloxacina, sendo que a absorção da moxifloxacina não parece ser afectada.4
Ciprofloxacina. Interacção que pode ser clinicamente importante, por exemplo em doentes com infecções graves em que ocorra conversão de terapêutica intravenosa para oral.10 Pode ser
preferível a administração parentérica,5 recomendando-se que
o tratamento de infecções graves seja iniciado pela via intravenosa.7 Para se obterem níveis equivalentes, é necessária a
administração de uma dose oral mais elevada.4,7
A NE deve ser interrompida uma hora antes e duas após a administração.4,7,8 Há que monitorizar os níveis, ou estar atento a
sinais de menor eficácia e aumentar a dosagem, se necessário.
Utilizar formulações de NE com menor teor de catiões divalentes pode resultar em melhor absorção da ciprofloxacina.10 Dado
que a ciprofloxacina é principalmente absorvida no duodeno, a
sua administração jejunal deve ser evitada.4,7,9
Levofloxacina. Nenhum dos dados disponíveis actualmente indica a existência de interacção com a NE, mas a administração
da levofloxacina com alimentos resulta em diminuição do Tmax
e da Cmax. A NE deve ser interrompida uma hora antes e duas
após a administração; se a infecção for grave, recomenda-se a
administração intravenosa.7
HIDRALAZINA. Faltam estudos adequados.10 A sua co-administração com NE resulta em diminuição da absorção7,8 e
dos níveis séricos do fármaco. Dado que a hidralazina apresenta
uma boa biodisponibilidade quando administrada com alimentos, não se recomenda a interrupção da NE,7 mas sim a monitorização de alterações na PA do doente.7,8
LEVODOPA. A ingestão de quantidades elevadas de proteína
pode dificultar a absorção da levodopa, originando perda de eficácia e flutuações nos sintomas da doença de Parkinson. Os
aminoácidos das proteínas podem competir com a levodopa
para absorção intestinal e transporte através da barreira hemato-encefálica. Esta potencial interacção pode ser controlada através da diminuição do teor de proteínas ingerido diariamente,
opção que deverá ser cuidadosamente avaliada face ao risco
de má nutrição,12,13 mediante a separação da administração da
fonte de proteínas e do fármaco, administrando a NE de forma
cíclica ou em bólus, ou aumentando a dose de levodopa.12
LEVOTIROXINA. A sua administração por esta via pode resultar
em diminuição de eficácia, por adsorção na sonda. Pode ocorrer
diminuição da absorção quando a levotiroxina é co-administrada
com alimentos. Se a administração por sonda durar menos de
7 dias, não são necessárias modificações na administração; se
for por um período superior, a NE deve ser interrompida durante
uma hora antes e outra após a toma. A função tiroideia deve ser
monitorizada semanalmente.7
METILDOPA. Diminuição da concentração com perda de actividade da metildopa. Interromper a NE duas horas antes e duas
após a administração do fármaco.8
SIROLÍMUS. Nenhum dos dados disponíveis actualmente indica
a existência de interacção com a NE, mas refeições com elevado
teor lipídico alteram a sua biodisponibilidade. Para minimizar a variabilidade, o sirolímus deve ser tomado de forma consistente relativamente às refeições, não se recomendando a interrupção da
NE; contudo, os seus níveis séricos devem ser monitorizados.7
SUCRALFATO. Liga-se às proteínas da NE7,8,10 e forma complexos insolúveis que podem obstruir as sondas.7,10 Por outro lado,
o pH alcalino das formulações de NE não permite a sua activação; assim, o sucralfato deve ser administrado uma hora antes
ou duas horas após os alimentos.7
TACROLÍMUS. Refeições com elevado teor lipídico ou em hidratos de carbono alteram a sua biodisponibilidade. Não se recomenda a interrupção da NE, contudo, os seus níveis séricos
devem ser monitorizados.7
TEOFILINA. Têm sido relatados níveis diminuídos de teofilina
quando administrada com NE;7 a sua absorção é reduzida por
precipitação, inactivação e aumento do seu metabolismo.8
Interromper a NE uma hora antes e uma a duas horas após a
administração do fármaco pode ajudar a obviar esta interacção,7,8
devendo monitorizar-se cuidadosamente os níveis séricos de teofilina,7,10 dado que podem ser necessários ajustes de dose.10
VARFARINA. Há diversos casos relatados de resistência à
varfarina em doentes a receber NE.4,9 Estes casos foram originalmente atribuídos ao elevado teor de vitamina K contido nas
formulações.4,9,10 Dado o reduzido teor de vitamina K presente
nas formulações actuais,4,7,9 pensa-se que a interacção também
se possa dever à união da varfarina às proteínas da NE,4,7,9,10
dado tratar-se de um fármaco com elevada afinidade para proteínas.4,9 Adicionalmente, a diminuição da eficácia da varfarina
também se pode dever a má absorção.6
Um estudo recente, embora num pequeno número de doentes,
parece confirmar a resistência aos efeitos da varfarina causada
pela administração concomitante com NE contínua.14
A NE deve ser interrompida uma hora antes e após a administração do fármaco para minimizar o risco de interacção.4,7,9,14
Recomenda-se um horário de administração consistente.10
O INR deve ser cuidadosamente monitorizado quando a varfarina é utilizada concomitantemente à NE.4,5,7 Pode ser necessário
aumentar a dose ou mudar a terapêutica.4,5
VORICONAZOL. A área sob a curva (AUC) de doses múltiplas de
voriconazol é reduzida em cerca de 22% quando administrada com
alimentos em vez de em jejum; recomenda-se a monitorização dos
níveis séricos em tratamentos de duração superior a 7 dias.7
Os dados clínicos relativos ao impacto da NE sobre a absorção
dos fármacos são limitados, mas se a eficácia do fármaco parece estar a ser comprometida pelo suporte nutricional, deve
considerar-se o recurso a outro fármaco ou a modificação do regime de administração da NE.2
Ana Paula Mendes
Farmacêutica
Bibliografia
1. Bankhead R, Boullata J, Brantley S, Corkins M, Guenter P, Krenitsky J. et al. Enteral
Nutrition Practice Recommendations. JPEN J Parenter Enteral Nutr published online 26
January 2009 [acedido a 07.07.2011] doi: 10.1177/0148607108330314.
2. Izco N, Creus N, Massó J, Codina C, Ribas J. Incompatibilidades fármaco-nutrición enteral: recomendaciones generales para su prevención. Farm Hosp. 2001; 25(1): 13-24.
3. Vogt-Ferrier N, Guignard B. Administration de medicaments par sonde. Recommandations pratiques chez l’adulte. CAPP-INFO. 2009; (54).
4. Williams NT. Medication administration through enteral feeding tubes. Am J Health-Syst
Pharm. 2008; 65: 2347-57.
5. Beckwith MC, Feddema SS, Barton RG. A Guide to Drug Therapy in Patients with Enteral Feeding Tubes: Dosage Form Selection and Administration Methods. Hosp Pharm.
2004; 39(3): 225-37.
6. Magnuson BL, Clifford TM, Hoskins LA, Bernard AC. Enteral Nutrition and Drug Administration, Interactions, and Complications. Nutr Clin Pract. 2005; 20: 618-24.
7. Wohlt PD, Zheng L, Gunderson S, Balzar SA, Johnson BD, Fish JT. Recommendations
for the use of medications with continuous enteral nutrition. Am J Health-Syst Pharm.
2009; 66: 1458-67.
8. Moriel MC, Huerta C, Roldán E, Lorenzo S, Vázquez MJ, Segura M. et al. Administración
de medicamentos y NE por sonda nasogástrica. Aten Farm. 2002; 4(5): 345-53.
9. Dickerson RN. Medication Administration Considerations for Patients Receiving Enteral
Tube Feedings. Hosp Pharm. 2004; 39(1): 84-9, 96.
10. Baxter K. ed. Stockley’s Drug Interactions, 9th ed. London, The Pharmaceutical Press,
2010.
11. Klang M. Recommendations for Compounding Medications for Feeding Tube Administration. Int J Pharm Compound. 2010; 14(4): 276-82.
12. Cooper MK, Brock DG, McDaniel CM. Interaction Between Levodopa and Enteral Nutrition. Ann Pharmacother. 2008; 42: 439-42.
13. Bonnici A, Ruiner C-E, St-Laurent L, Hornstein D. An Interaction Between Levodopa and
Enteral Nutrition Resulting in Neuroleptic Malignant-Like Syndrome and Prolonged ICU
Stay. Ann Pharmacother. 2010; 44; 1504-7.
14. Dickerson RN, Garmon WM, Kuhl DA, Minard G, Brown RO. Vitamin K-Independent Warfarin Resistance After Concurrent Administration of Warfarin and Continuous Enteral
Nutrition. Pharmacotherapy. 2008; 28(3): 308-13.
Download