Danielle Costa de Souza Simas

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS
ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL
Danielle Costa de Souza Simas
Transnacionalidade e globalização: novas perspectivas à soberania nacional sobre os
recursos hídricos da Amazônia brasileira
Manaus – AM
2015
DANIELLE COSTA DE SOUZA SIMAS
TRANSNACIONALIDADE E GLOBALIZAÇÃO: NOVAS
PERSPECTIVAS À SOBERANIA NACIONAL SOBRE OS RECURSOS
HÍDRICOS DA AMAZÔNIA BRASILEIRA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas,
como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito
Ambiental.
Orientador: Prof. Dr. Erivaldo Cavalcanti e Silva Filho
Manaus – AM
2015
Catalogação na fonte
Elaborada pela Universidade do Estado do Amazonas/UEA
S588t
Simas, Danielle Costa de Souza
Transnacionalidade e globalização: novas perspectivas à soberania
nacional sobre os recursos hídricos da Amazônia brasileira / Danielle
Costa de Souza Simas. – Manaus: Universidade do Estado Amazonas,
2015.
103 fls.: il; 30 cm
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito
Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas – UEA.
Orientador: Prof. Dr. Erivaldo Cavalcanti e Silva Filho
1. Transnacionalidade. 2. Globalização. 3. Recursos Hídricos. I. Título.
CDU 556.18
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS
Av. Castelo Branco, 670 – Cachoeirinha – Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental.
Cep. 69027-170 – Manaus-Am.
TERMO DE APROVAÇÃO
DANIELLE COSTA DE SOUZA SIMAS
TRANSNACIONALIDADE E GLOBALIZAÇÃO: NOVAS PERSPECTIVAS À
SOBERANIA NACIONAL SOBRE OS RECURSOS HÍDRICOS DA AMAZÔNIA
BRASILEIRA
Dissertação aprovada pelo Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da
Universidade do Amazonas, pela Comissão Julgadora abaixo identificada.
Manaus, 22 de Abril de 2015
Prof. Dr. Erivaldo Cavalcanti e Silva Filho
Universidade do Estado do Amazonas
Prof. Dr. Mauro Augusto Ponce de Leão Braga
Universidade do Estado do Amazonas
Prof. Dr. Juliano Ralo Monteiro
Universidade Nilton Lins
O homem não tramou o tecido da vida; ele é
simplesmente um de seus fios. Tudo o que
fizer ao tecido fará a si mesmo (Tribo indígena
de Seatle In: SIRVINSKAS, 2013, p. 61).
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Graça e Antônio Elias pelos
ensinamentos de vida, pelo exemplo de
honestidade, generosidade, ternura e temor a
Deus.
À minha pequena Maria Luíza, a luz dos meus
dias.
Ao meu esposo Jonathas Simas por me
mostrar a força do amor.
AGRADECIMENTOS
À Deus, meu refúgio, fortaleza, abrigo, pai, amigo e confidente, toda honra e toda glória.
Aos meus pais, Maria das Graças Pereira Costa e Antônio Elias de Souza, por terem sido
perseverantes em minha educação, por todo apoio, incentivo e amor sem os quais jamais
conseguiria concluir esta etapa.
Ao meu esposo Jonathas Simas de Lima, por sua paciência e companheirismo, pelos
incentivos em minhas empreitadas acadêmicas, por sonhar e realizar sonhos ao meu lado, por
nosso amor que doa beleza e sentido à arte de existir.
À minha filha Maria Luíza de Souza Simas, por me tornar mais forte e corajosa, por ser a luz
dos meus dias, por ser meu impulso diário para lutar por dias melhores.
Aos meus queridos irmãos, Gabrielle, Gabriela, Giulliane, Antônio Neto, Laís, Elias e
Larissa, por todo amor, amizade e apoio.
Ao meu orientador Erivaldo Cavalcanti, pessoa que admiro profundamente por seu exemplo
de profissionalismo e de humildade, por todo incentivo, presteza no auxílio e empenho na
melhor condução deste trabalho, tarefa auxiliada pelas firmes e gentis contribuições dos
Professores Doutores Mauro Braga, Juliano Ralo e Mônica Bonolo.
Aos meus professores de graduação, por me mostrarem e me auxiliarem a trilhar esta jornada,
em especial, aos professores Pontes Filho e Simone Minelli.
Aos professores e pesquisadores que mesmo não me conhecendo pessoalmente mostraram um
espírito de solidariedade à pesquisa, enviando textos, livros autorais, materiais inclusive já
esgotados e palavras de encorajamento que contribuíram enormemente para o enriquecimento
da dissertação. Em especial ao professor Naziano Filizola e Marcos Coimbra.
À José Carlos Torres pelo incentivo, compreensão, palavras de motivação e apoio diários.
À Salim David pelo auxílio e incentivo dados durante todo o curso.
Aos meus amigos de jornada acadêmica que me fizeram crescer intelectualmente, aos meus
amigos de batalha diária pelo incentivo, aos meus demais familiares por todo carinho.
Este trabalho materializa a realização do sonho de alguém que deposita na educação suas
esperanças de um futuro mais justo, humano, sustentável e feliz.
RESUMO
A concepção clássica de soberania, como una, absoluta e perpétua passou a ser questionada.
Fatores como a globalização, o avanço das comunicações, a redução das distâncias por
intermédio das tecnologias de transporte, a reconfiguração da economia e do comércio global
acabaram por reforçar essa demanda por uma visão do conceito. A globalização das
necessidades ambientais e da propriedade de tais bens contrapõem-se aos ideais propostos
pelas concepções clássicas de soberania, tornando-a um preceito tido hoje como fragilizado e
sujeito a mitigações. Diante desta realidade, verifica-se que, na seara ambiental, as novas
relações advindas do avanço tecnológico, o surgimento de leis de observância internacional
complexificaram a relação existente entre Soberania e Meio ambiente, sobretudo, quando se
observa que a escassez crescente do acesso aos bens ambientais e a imprescindibilidade que
guardam, fizeram com que os mesmos passassem a ser reputados como pertencentes ao
mundo. Dentre os bens ambientais vitais à sobrevivência humana, dá-se destaque à água cuja
precariedade no acesso tem sido cada vez mais acentuada, situação que tende a se agravar
ainda mais. Sabendo-se que a Amazônia brasileira é reduto abundante de tal recurso verificase que o questionamento da soberania brasileira em tal área fatalmente será uma constante na
ordem internacional, diante deste cenário é preciso pensar em alternativas que equalizem as
necessidades locais com as globais.
PALAVRAS-CHAVE: Transnacionalidade; Amazônia; Água doce; Soberania; Globalização
RESUMEN
La concepción clásica de la soberanía, como uno, absoluto y perpetuo comenzó a ser
cuestionado. Factores como la globalización, el avance de las comunicaciones, acortando
distancias por medio de las tecnologías de transporte, la reconfiguración de la economía y el
comercio mundial refuerzan que lo deseo de una nueva visión del concepto. La globalización
de las necesidades ambientales y de la propiedad de estos bienes se contraponen a los ideales
propuestos por las concepciones clásicas de soberanía, por lo que es un precepto frágil y
sujeto a la mitigación. Ante esta realidad, es evidente que, en la cosecha del medio ambiente,
las nuevas relaciones que resultan de los avances tecnológicos, la aparición de las leyes
internacionales hacen más complejas las relaciones entre la soberanía y el medio ambiente,
sobre todo, cuando se observa que la creciente falta de acceso a los bienes ambientales y su
indispensabilidad, hizo que comienzan a contarse como pertenecientes al mundo. Entre los
bienes ambientales vilales para la supervivencia humana, se pone de relieve a la escasez de
agua que ha sido cada vez más pronunciada, una situación que tiende a empeorar aún más.
Sabiendo que la Amazonia brasileña es abundante fortaleza de dicho recurso, parece que el
cuestionamiento de la soberanía de Brasil en esta área está destinada a ser una constante en el
orden internacional, ante este escenario es necesario considerar alternativas para igualar las
necesidades locales con las globales.
PALABRAS CLAVE: Transnacionalidad; Amazon; Agua Dulce; Soberanía; Globalización
LISTA DE ABREVIATURAS
ANA – Agência Nacional das Águas
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
CENSIPAM – Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia
CF – Constituição Federal
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONU – Organização das nações Unidas
OTCA – Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
PNRH – Política Nacional dos Recursos Hídricos
RAISG – Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada
REsp – Recurso Especial
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TCA – Tratado de Cooperação Amazônica
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1 – Amazônia e Amazônia Legal..................................................................................40
Figura 2 – Limites hidrográficos da Amazônia........................................................................51
Figura 3 – Hidrografia da Amazônia........................................................................................51
Figura 4 – Distribuição de água doce superficial no mundo....................................................64
QUADROS
Quadro 1 – Definições da Amazônia por país..........................................................................43
Quadro 2 – Atualização da Cartografia náutica........................................................................53
Quadro 3 – Ranking que mostra as diferenças de consumo em países situados em continentes
diferentes...................................................................................................................................65
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12
2 ESTADO, SOBERANIA, GLOBALIZAÇÃO E TRANSNACIONALIDADE ............ 15
2.1 DO ESTADO ANTIGO AO ESTADO MODERNO: BREVE ESCORÇO HISTÓRICO 15
2.1.1 Aspectos conceituais .................................................................................................. 15
2.1.2 Das fases do Estado: algumas considerações ............................................................ 16
2.2 CONCEPÇÕES HISTÓRICO-FILOSÓFICAS DA NOÇÃO DE SOBERANIA ............ 20
2.3 DA GLOBALIZAÇÃO .................................................................................................. 27
2.4 A SOBERANIA NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO E DA
TRANSNACIONALIDADE ................................................................................................ 33
3 ÁGUAS DA AMAZÔNIA ............................................................................................... 40
3.1 COMPREENDENDO A AMAZÔNIA........................................................................... 41
3.2 HIDROGRAFIA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA: GIGANTE EM DESCOBERTA .... 50
3.3 AMAZÔNIA: BIODIVERSIDADE QUE DESPERTA INTERESSES
INTERNACIONAIS ............................................................................................................ 54
4 RECURSOS HÍDRICOS AMAZÔNICOS FRENTE À ESCASSEZ DE ACESSO À
ÁGUA DOCE ..................................................................................................................... 63
4.1 ESCASSEZ DE ACESSO À ÁGUA DOCE EM NÍVEL PLANETÁRIO E CONFLITOS
DELA DECORRENTES...................................................................................................... 63
4.2 O ACESSO À ÁGUA DOCE E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA ........................................................................................................................... 70
4.3 SOBERANIA, GLOBALIZAÇÃO, TRANSNACIONALIDADE E OS RECURSOS
HÍDRICOS DA AMAZÔNIA BRASILEIRA ...................................................................... 76
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 88
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 92
12
1 INTRODUÇÃO
Um dos grandes desafios da humanidade consiste em conciliar o ritmo de crescimento
econômico e as demandas de um mundo cada vez mais globalizado, com a necessidade de se
conter a degradação ambiental, a qual já sinaliza, de modo muito claro, suas catastróficas
consequências.
O Brasil, detentor da maior porção de uma das biodiversidades mais cobiçadas e
relevantes do planeta - a Amazônia - defende, por intermédio de suas mais elevadas normas
jurídicas, que a dita região é patrimônio nacional.
Por outro lado, há uma forte pressão externa argumentando que a região é patrimônio
da humanidade e, portanto, a gestão da Amazônia Legal não pode estar adstrita ao território
brasileiro.
O cenário de escassez cada vez mais crescente de bens ambientais, assim como, a
ascensão geométrica da demanda por estes, em especial as referentes aos recursos hídricos,
tornam a Amazônia alvo de interesses ainda maiores pelos países poderosos.
Some-se a isto, a conscientização da finitude ambiental e a relação dos direitos
humanos (aqui representado pelo princípio da dignidade da pessoa humana) com o acesso à
água doce, argumentos estes que demandam uma transformação gradativa do conceito de
soberania, uma vez que tal elemento vincula-se à ideia de território, elo evidentemente
insuficiente para equalizar a relação entre meio ambiente e relações internacionais.
Todos estes fatores contribuem para que o questionamento sobre a soberania nacional
na região passe a ser uma constante.
É fato notório que as teses em prol do enfraquecimento da soberania nacional nem
sempre se direcionam aos interesses globais, em outras palavras, verifica-se que atrás dos
discursos que primam pela preservação da Amazônia, por ser esta uma região de interesse
mundial e sua manutenção relacionar-se a própria sobrevivência humana, há intenções
veladas de apropriação da biodiversidade amazônica, apoderamento que inclusive, é
constatado em diversos momentos históricos.
13
Por outro lado, não se pode fechar os olhos para as mudanças advindas com a
globalização, processo que mudou significativamente as relações e as fronteiras entre as
nações, de tal modo que manter-se isolado já não é uma opção. Deste modo, seria possível
pensar ou manter a soberania estatal como absoluta e perpétua - como propôs Bodin - na era
da informação, da tecnologia e da busca cada vez mais globalizada pelo resguardo e
efetivação de direitos?
Há anos o Brasil é alvo de argumentos positivos à relativização da soberania brasileira
em relação à Amazônia, tais discursos são motivados não apenas pelos novos paradigmas
impostos pela globalização, mas por debates acerca da possível incapacidade do país de gerir
e manter a biodiversidade da região.
Observa-se, portanto, que o tema apresenta especial relevância, ao passo que, a
Soberania, em países como o Brasil, tende a se tornar cada vez mais fragilizada ante a
crescente demanda por bens ambientais essenciais à vida humana, tais como a água. Verificase também que a consolidação da globalização desponta como reforço à mitigação da
soberania, pois tal processo pressupõe a quebra de barreiras entre os Estados, além disso, aliase a este fato a tese de que as necessidades humanas por recursos ambientais representam
essencialmente direito a vida, o qual, por sua essencialidade, sobrepõe-se aos demais
direitos em disputa.
Este “cabo de forças” entre os interesses nacionais e os globais, conduz a alguns
questionamentos: A quem a Amazônia Legal pertence? Ao mundo ou ao Brasil? Atualmente é
possível falar em soberania em seus conceitos clássicos, sobretudo, quando se está diante de
questões ambientais? Como o Brasil tem se posicionado ante estas situações? Existe um
caminho para conciliar os interesses nacionais e as necessidades cada vez mais urgentes e
globalizadas de proteção ambiental?
Distantes da pretensão de encontrar soluções matematicamente adequadas a cada uma
destas interrogações, a proposta é refletir sobre cada uma delas, sob o prisma da doutrina, da
lei, da jurisprudência e de casos concretos e atuais.
O
primeiro
capítulo,
denominado:
Estado,
Soberania,
Globalização
e
Transnacionalidade, buscará sob o viés teórico expor o que se compreende por cada um destes
conceitos. A fim de possibilitar a compreensão do elemento soberania, realizará inicialmente
uma reflexão acerca do próprio conceito de Estado. A abordagem relativa ao processo de
14
globalização analisará o fenômeno como um processo que parte do local para o mundial,
tendo por consequência a ampliação, o estabelecimento e, em alguns aspectos, até mesmo a
eliminação de fronteiras. Tal fato não apenas reflete diretamente no conceito tradicional de
soberania, mas, reforça a necessidade de se pensar em medidas que equalizem essas novas
relações globalizadas, é neste ponto que a transnacionalidade se insere.
O capítulo subsequente - Águas da Amazônia - trará uma abordagem acerca dos
recursos naturais da região, com destaque aos recursos hídricos, a gigante e ainda em processo
de descoberta bacia hidrográfica Amazônica. Fará também um estudo dos aspectos regionais
que ensejaram e ainda ensejam a cobiça externa sob o lugar e os discursos em prol da
relativização da soberania brasileira.
O último capítulo – Recursos Hídricos Amazônicos frente à escassez de água doce realizará uma análise mais profunda e articulada dos embates entre globalização, soberania,
transnacionalidade e os recursos hídricos da Amazônia Legal. Buscará compreender os
conflitos decorrentes da escassez do acesso à água doce em escala planetária, a relação que se
estabelece entre o acesso à água doce e o princípio da dignidade humana, se os recursos
hídricos amazônicos pertencem ao Brasil ou a humanidade e apontará um caminho que se
apresente como mais adequado às novas relações globais.
Quanto à metodologia adotada considera-se que a forma de abordagem é qualitativa
tendo em vista que se realiza uma interpretação profunda sobre o problema proposto. Os
métodos, por sua vez, compreendem-se como descritivos por explicar o porquê dos
fenômenos em questão. Diante disso, o método é indutivo em razão dos objetivos serem
criados de dentro para fora. A pesquisa é bibliográfica, a partir de livros, periódicos, artigos
em revistas especializadas, dissertações de mestrado e teses de doutorado, além dos veículos
virtuais compatíveis.
A dissertação está para além da análise meramente conceitual e teórica, sobretudo,
porque a luta que se trava hoje possui um sentido muito mais profundo que mera manutenção
de soberanias ou a compreensão do fenômeno da globalização e da transnacionalidade, a
interrogação proposta transcende o jogo de forças sobre o domínio da Amazônia posto que diz
respeito à própria manutenção da sobrevivência humana ante a finitude dos recursos naturais.
15
2 ESTADO, SOBERANIA, GLOBALIZAÇÃO E
TRANSNACIONALIDADE
Para que seja possível alcançar de maneira mais detida o que é a soberania, bem como,
os impactos causados pelo processo de globalização até o surgimento de discursos como o da
transnacionalidade, importa que se faça um breve escorço histórico acerca surgimento e
desenvolvimento do Estado.
2.1 DO ESTADO ANTIGO AO ESTADO MODERNO: BREVE ESCORÇO
HISTÓRICO
2.1.1 Aspectos conceituais
A compreensão do termo Estado conduz, inicialmente, à sua definição. Nesta busca
verifica-se que propor um conceito de Estado não é uma tarefa tão simples, não obstante este
fato é possível definir o Estado como uma sociedade de indivíduos:
O Estado é, portanto, uma sociedade, pois se constitui essencialmente de um grupo
de indivíduos unidos e organizados permanentemente para realizar um objetivo
comum. E se denomina sociedade política, porque, tendo sua organização
determinada por normas de direito positivo, é hierarquizada na forma de governantes
e governados e tem uma finalidade própria, o bem público. E será uma sociedade
tanto mais perfeita quanto sua organização for mais adequada ao fim visado e
quanto mais nítida for, na consciência dos indivíduos, a representação desse
objetivo, a energia e a sinceridade com que a ele se dedicarem (AZAMBUJA, 2008,
p.18).
Dallari (2010, p. 51) expõe que, numa perspectiva semântica, a palavra “Estado”, que
vem do latim status - estar firme, expressa “situação permanente de convivência e ligada à
sociedade política”. Ensina que “a expressão aparece pela primeira vez em ‘O Príncipe’ de
Maquiavel”.
16
Ao se analisar a obra de Maquiavel constata-se que a relação desta com as teorias e
estudos sobre o Estado ganha importância pelo fato de Maquiavel ter popularizado a versão
mais aceita da palavra Estado:
A popularização da palavra Estado, entendida como organização social estruturada a
partir do exercício do poder, segundo a versão mais aceita, é atribuída a Maquiavel,
introduzida logo nas primeiras linhas de sua obra “O Príncipe”, publicada em 1531.
Contudo, o seu uso só se consagrou muito depois, porquanto ainda lhe faltava o
conceito que a face jurídica lhe ministraria para associá-lo ao Estado como
instituição nascente, “definido já em seus elementos constitutivos e positivado num
sistema de organização permanente e duradoura”. Estava assim criada de forma
definitiva a expressão Estado no seu uso atual e correntio (ABREU, 2011, p. 59).
Gonçalves (2010, p.7) também reconhece a importância da obra de Maquiavel:
Com surgimento atribuído à Nicolau Maquiavel, o conceito de razão de Estado parte
do pressuposto político da impossibilidade de organização humana sem uma firme
égide centralizadora. Dessa forma, a necessidade de manutenção do bem da estrutura
estatal, inclusive com o controle absoluto dos monopólios estatais (força física,
impostos e leis), justificaria a supressão de interesses particulares e demais medidas
adotadas em prol dos interesses do Estado; cabe ao governante, através da razão de
Estado, zelar, acima de tudo, pela segurança do próprio Estado.
Das concepções vistas até este ponto constata-se que o Estado pode ser definido como
um espaço de convivência social, que é regido por normas e dotado de força de comando
hierarquizada.
2.1.2 Das fases do Estado: algumas considerações
Há pelo menos três principais teorias sobre o surgimento do Estado:
a)
Para muitos autores, o Estado, assim como a própria sociedade, existiu sempre,
pois desde que o homem vive sobre a Terra acha-se integrado numa organização
social, dotada de poder e com autoridade para determinar o comportamento de
todo o grupo. Entre os que adotam essa posição destacam-se Eduard Meyer,
17
historiador das sociedades antigas, e Wilhelm Koppers, etnólogo, ambos
afirmando que o Estado é um elemento universal na organização social humana.
Meyer define mesmo o Estado como o princípio organizador e unificador em
toda organização social da Humanidade, considerando-o, por isso, onipresente
na sociedade humana.
b) Uma segunda ordem de autores admite que a sociedade humana existiu sem o
Estado durante um certo período. Depois, por motivos diversos, este foi
constituído para atender às necessidades ou conveniências dos grupos sociais.
Segundo esses autores, que, no seu conjunto representam ampla maioria, não
houve concomitância na formação do Estado em diferentes lugares, uma vez
que este foi aparecendo de acordo com as condições concretas de cada lugar.
c) A terceira posição é a que já foi referida: a de autores que só admitem como
Estado a sociedade política dotada de certas características muito bem definidas.
Justificando seu ponto de vista, um dos adeptos desta tese, Karl Schmidt, diz
que o conceito de Estado não é um conceito geral válido para todos os tempos,
mas é um conceito histórico concreto, que surge quando nascem a ideia e a
pratica da soberania, o que só ocorreu no século XVII. Outro defensor deste
ponto de vista, Balladore Palliere, indica mesmo, com absoluta precisão, o ano
do nascimento do Estado, escrevendo que “a data oficial em que o mundo
ocidental se apresenta organizado em Estados é 1648, ano em que foi assinada a
paz de Westfália”. Entre os autores brasileiros adeptos dessa teoria salienta-se
Ataliba Nogueira, que, mencionando a pluralidade de autonomias existentes no
mundo medieval, sobretudo o feudalismo, as autonomias comunais e as
corporações, ressalta que a luta entre elas foi um dos principais fatores
determinantes da constituição do Estado, o qual, “com todas as suas
características, já se apresenta por ocasião da paz de Westfália” (DALLARI,
2010, p. 52: 53).
Pela primeira corrente o Estado surge com a própria organização humana. Segundo
esta ideia o Estado é, portanto, constituído pela agregação humana que se guia por normas e
hierarquia. Já a segunda corrente defende que a sociedade é preexistente ao Estado, e que este
surgiu apenas para atender as demandas desta organização humana. A terceira e última
corrente expõe que o Estado não é simples organização social, mas sim uma organização
humana e política que possui características bem definidas.
Sob uma perspectiva histórica, “a divisão clássica das fases do Estado, desde a sua
origem, compreende o Estado antigo, o Estado grego, o Estado romano, o Estado medieval e o
Estado moderno” (RICCITELLI, 2007, p.15).
Com base na cronologia proposta acima passa-se à análise, sintética, de cada uma
destas fases.
Quanto ao Estado antigo:
18
Há marcante presença do fator religioso. A autoridade dos governantes, bem como
as próprias normas de comportamento individual e coletivo, advinha de um poder
divino, Omnis potestas a Deo. O monarca era considerado um representante do
poder divino na terra, fato que fundamentava a teoria da irresponsabilidade do
Estado, vale dizer, o rei, monarca ou o príncipe, representante de Deus e do Estado,
não pode errar, não poder ser responsabilizado por seus atos (RICCITELLI, 2007,
p.16).
No Estado antigo ainda há uma mistura entre grupos mais restritos como a família e
entidades religiosas. O monarca era uma espécie de Deus de quem nada se poderia questionar.
É com base nas lições de Eyler (2014) que se busca compreender como se constituiu e
desenvolveu o Estado Grego. O tema desenvolvido pela mencionada autora baseia-se na
periodização da história grega. Segundo este estudo a organização grega pode ser dividida em
quatro partes: Realeza micênica, Período das trevas, Período arcaico, Período clássico e
Período helenístico.
Na Realeza micênica, compreendida entre os séculos XVI-XII a.C., “a vida social
aparece centralizada em torno do palácio cujo papel é, ao mesmo tempo, religioso, político,
militar, administrativo e econômico [...] Natureza e sociedade confundiam-se”. O período das
trevas também denominado Idade do Ferro, o qual compreende os séculos XI-IX a. C é
marcado pela invasão dos dórios a qual desagrega a civilização micênica. O comando se
divide, a vida social passa a girar em torno do Oikos aristocrárico o qual é uma unidade
econômica e humana. O poder se concentra nas mãos do basileu, o qual é uma espécie de
chefe tribal, este período baseia-se quase que exclusivamente nas obras de Homero (850-750
a.C): a Íliada e a Odisseia. O próximo período é o arcaico, datado entre os séculos VIII-VI
a.C., é neste período que surge a pólis grega a qual possui lei escrita e palavra publicizada,
Esparta e Atenas despontam como modelos de organização social, a filosofia ganha espaço.
Após, tem-se o período clássico, séculos V-IV a.C. as “cidades-estado estabelecem governos
democráticos ou oligárquicos. Atenas e Esparta tornam-se mais poderosas. É a época dos
sofistas, de Sócrates, Platão e Isócrates. Tem-se na sequência o período helenístico entre os
séculos IV-II a.C., é a época das escolas filosóficas (EYLER, 2014, p.12-14).
Quanto ao Estado Romano observa-se que:
Roma começa como cidade estado e gradativamente vai se transformando num
Estado Regional, depois num Estado Italiano. Mais tarde, acabou se transformando
num Estado Universal, que foi a grande criação romana. Roma chegou naquele
estágio em que todo o mundo conhecido é o Estado Romano. Quando se fala em
19
Estado Romano praticamente estamos falando de todo o mundo conhecido. Grande
parte da Europa, todo o Norte da África e uma parte da Ásia. Esta ideia de Estado
Universal começa com uma pequena cidade que se transformou num Estado, depois
passa a ser um Estado Mundial, que domina o mundo inteiro conhecido
(BELLOMO, 2000, p.57).
No Estado romano é marcante a centralização. Por meio desta se reconhece o poder
político como uno e indivisível, cuja plenitude poderia ou deveria ser atribuída a um príncipe.
Há também uma divisão entre o Direito Público (direito de voto e o de acesso a cargos
públicos) e o Direito Privado (direito de casamento legítimo e o de celebração de atos
jurídicos) (MORAES, 2005, p. 28 Apud STEFANO, 1962).
Já o Estado Medieval:
[...] Dissipado entre a fase da insegurança geral, na qual não havia um poder
universal, e a da segurança local, na qual havia alguns poderes particulares (feudos,
senhorios ou burgos), no período entre 476 d.C., desde a tomada de Roma e a quebra
do Império Romano do Ocidente, e 1453 d.C., até o triunfo de Constantinopla e a
queda do Império Romano do Oriente, é externado pelo dualismo, com a objeção
entre monarca e povo, sem embargo da oposição entre Igreja e Estado, diante da
constatação de que o Príncipe (centro pessoal), e não a Cidade (centro real), ocupava
o ponto de convergência da vida política (MORAES, 2005, p. 28-29 Apud GROSSI,
1996).
Muito embora seja possível identificar desde a antiguidade até a era medieval uma
organização social que evoluía para constituir-se em Estado, não havia ainda, uma noção que
se assemelhasse a de soberania, tal elemento ganha contornos apenas com o advento do
Estado Moderno.
O Estado moderno data do período compreendido entre a queda do império Romano
do Oriente, em 1453, e a Revolução Francesa, em 1789. Neste é forte e imponente a presença
do soberano o qual era a autoridade máxima dentro dos limites da nação, nem mesmo a
autoridade religiosa a ele se sobrepunha, de tal modo que todos passam a obedecer o
soberano. De início os Estados individuais adotam a monarquia absoluta como forma de
governo (OLIVEIRA, 2006, p. 547:548).
Nesta linha de intelecção, Carvalho (2008, p.81) leciona que a noção que se tem de
Estado surge conjuntamente ao Estado Moderno. É no Estado Moderno que nasce a ideia de
soberania, ao passo que, o poder político passa a ser uno, isto é, concentrado no rei que possui
imediata ligação com o indivíduo que se sujeita a seu poder. Além disso, o Estado obtém
20
correspondência com a ideia de nação, havendo referência territorial. Some-se a isto o fato de
que, no plano religioso, a autoridade papal começa a ser contestada pela Reforma Protestante,
e quanto ao aspecto econômico verifica-se a ascensão da burguesia, com o desenvolvimento
do capitalismo.
Seguindo esta visão moderna de Estado, Figueiredo (2007, p. 42:43) traz a seguinte
definição sobre o tema:
O Estado é uma organização jurídico-política, formada de povo, território e
soberania. Todo Estado é um organismo político. Sob o ângulo jurídico, titular de
direitos e obrigações na órbita internacional e interna, fruto de sua criação e de seu
direito.
Do que fora brevemente exposto no presente tópico, nota-se que, é no Estado Moderno
que a soberania se consolida como elemento vital à garantia da ordem social. A compreensão
da real importância e complexidade deste elemento demanda estudo próprio, portanto, é o que
se fará a seguir.
2.2 CONCEPÇÕES HISTÓRICO-FILOSÓFICAS DA NOÇÃO DE
SOBERANIA
A concepção de Soberania, nos moldes hodiernos, nem sempre esteve presente na
história das civilizações humanas.
Corroborando este entendimento Dallari (2010, p.75) descreve que:
No Estado da Antiguidade, desde a época mais remota até o fim do Império
Romano, não se encontra qualquer noção que se assemelhe à soberania. Em
Aristóteles, no Livro I de "A Política", apontam-se as peculiaridades da Cidade,
sobretudo aquelas que a diferenciam da sociedade familiar, afirmando-se então a
ideia de superioridade da cidade-Estado, por ser dotada de autarquia. Esta expressão,
entretanto, não indica supremacia de poder, significando apenas que ela era
autossuficiente, capaz de suprir às próprias necessidades. Do conceito de autarquia
nada se pode deduzir quanto à intensidade e à amplitude interna ou externa do poder
do Estado. Em Roma também não se chega a qualquer noção que se possa
considerar semelhante ou análoga à de soberania. Com efeito, os termos majestas,
imperium e potestas, usados em diferentes circunstâncias como expressões de poder,
ou indicam poderio civil ou militar, ou revelam o grau de autoridade de um
magistrado, ou ainda podem externar a potência e a força do povo romano.
Nenhuma delas, porém, indica poder supremo do Estado em relação a outros
poderes ou para decidir sobre determinadas matérias.
21
No mesmo intento são as palavras de Alarcón (2011, p. 70:71):
A antiguidade Greco-romana não considerou o conceito de soberania, muito embora
tivesse uma noção bastante clara do poder público encarnado na figura do príncipe,
monarca ou imperador, de autoridade irresistível sob a noção de imperium ou
potestas. Construiu-se, entretanto, o conceito de autarquia, para significar a unidade
econômica, é dizer, a capacidade de subsistência da polis.
Verifica-se, portanto, que embora ainda não houvesse uma noção exata de soberania as
primeiras referências direcionadas neste sentido, ainda que de forma bastante tímida, se
desenvolveram com o intento de reconhecer o poderio, a capacidade de autossubsistência,
bem como a aptidão para expressar a força de comando.
Sob análise mais profunda e mística verifica-se que:
Soberania é um conceito de elaboração religiosa, metafísica. Historicamente tem as
origens do seu conteúdo vinculadas ao sentido ideológico do poder terreno de um
chefe imperial, ao lado do poder cósmico dos deuses, criadores do mundo e da vida.
O chefe, na Antiguidade, julgava-se deus, ou descendente direto dos deuses
nacionais, em nome dos quais exercia os seus encargos e deveres. Essa ascendência
– essa representação deífica – dava-lhe poderes incontrastáveis, que nele se
encontravam na orla mística de uma encarnação da comunidade governada
(BOSON, 2011, p. 293).
Segundo a visão apontada acima o poder soberano, em seus primórdios, antes de ser
dotado de juridicidade, era legitimado por forças superiores e divinas as quais conferiam a seu
detentor a capacidade de ação irrefutável.
Sobre as bases teóricas formadoras da ideia de soberania estatal, do ponto de vista
jurídico (distanciando-se portanto das teorias metafísicas), Maluf (1995, p.33:34) informa que
tais premissas encontram origem nas escolas alemã e austríaca cujo expoente máximo foi
Jellinek, filósofo e jurista alemão. As teorias desenvolvidas por Jellinek pautavam-se no
entendimento de que a soberania configurava-se como a capacidade de autodeterminação do
Estado por direito próprio e exclusivo, ideia esta oriunda das bases lançadas por Ihering,
segundo a qual, o poder soberano é, em síntese, apenas uma qualidade do poder do Estado,
entendendo-se a soberania como um poder jurídico e que, por tal razão, tem sua fonte e
sentido de existência no próprio Estado.
22
Atz e Subtil (2010, p. 481) assentam que:
Originada no século XVI, ao mesmo tempo do surgimento do Estado moderno, a
soberania fora consubstancial na ordem monarquica europeia. Outrossim, constituise como instituição política e jurídica central das relações internacionais clássicas
incluindo o direito exclusivo de exercer os poderes de Estado sobre um determinado
território e sobre uma população nele localizada, bem como o direito de se
determinar livremente no plano jurídico, isto é, de autolimitar esses poderes,
subscrevendo obrigações jurídicas discricionariamente selecionadas. Nesse contexto,
a soberania surge como centro unificador da ordem estatal, em que as relações de
poder prevalecem para garantir a manutenção dos demais elementos constituintes do
Estado. A soberania nasce, nessa ordem de superação da descentralização feudal,
como elemento integrador, harmonizador e garantidor da própria noção de Estado
Moderno.
A concepção de soberania nasce, portanto, do reconhecimento da singularidade do
poder estatal, da sua juridicidade e da necessidade de consolidação do seu pleno
desenvolvimento. Nesta perspectiva, o exercício da soberania revela-se como uma qualidade
intrínseca do referido poder.
Do mesmo modo Pontes Filho (2004, p.73) destaca que a expressão soberania passa
efetivamente a se consolidar, como expressão de poder supremo do Estado, por meio das
ideias de Jean Bodin, no capítulo VIII do livro I de sua obra “Les Six Livres de la
Republique”obra publicada no ano de 1576. Para Bodin, a soberania, no francês Souveraineté,
é o poder absoluto e perpétuo da República.
Após a queda do Império Romano o poder passou por uma fragmentação, perdendo
sua unidade em favor de uma pluralidade de núcleos políticos-normativos. A Baixa idade
média é cenário germinal da soberania enquanto elemento que, anunciando o fim do
pluralismo, marcará indissoluvelmente o cenário político moderno. Neste contexto, a
discussão em torno da soberania evolui para o grau de verdadeira legitimação do poder real,
impulsionada pela dissociação entre religião e política. São nas ideias de Bodin que se
desenvolvem as mais profundas considerações sobre a natureza da soberania, a qual é
caracterizada como absoluta e perpétua. A relevância de Bodin reside no fato dele ter
colocado a soberania definitivamente no cenário da discussão teórica, seus argumentos
sinalizam que a tradicional estrutura medieval já não respondia aos fenômenos correntes
(GUSMÃO, 2009, p. 98-102).
23
Ao se debruçar sobre as ideias impressas na obra os seis livros da República
Chevallier (1993, p.55) explica que para Bodin:
A soberania é a força de coesão, de união da comunidade política, sem a qual esta se
deslocaria, ela cristaliza o intercâmbio de comando e obediência, imposto pela
natureza das coisas a todo grupo social que quer viver. É o poder absoluto e
perpétuo de uma República.
Neste sentido, Bodin partia do pressuposto de que a soberania é perpétua e absoluta de
tal modo que seria indispensável que os soberanos não estivessem, de forma alguma, sujeitos
a ordens externas. Explica Chevallier (1993, p.56) que a primeira característica do príncipe
soberano em Bodin, residia na faculdade que o soberano possuía de “dar lei a todos em geral e
a cada um em particular”, é a partir desta que todas as demais características de soberania se
desenvolveriam.
A soberania segundo Bodin:
Pode, teoricamente, residir tanto na multidão (democracia) ou em uma minoria
(aristocracia), quanto em um só homem (monarquia). Entretanto, antes mesmo que
Bodin nos dê suas razões para preferir a monarquia – sua teoria por si mesma, a
soberania in abstracto, já trabalha em favor do rei de França, retomando e
rematando o obstinado esforço dos velhos legisladores em derrotar definitivamente o
feudalismo, eliminando a teoria concorrente do governo misto, que os escritores
protestantes queriam transformar em máquina de guerra contra a realeza
(CHEVALLIER, 1993, p. 57).
Sob a ótica de Bodin a soberania não estaria vinculada a uma forma de governo, mas
ao caráter de indivisibilidade do poder soberano. Era, portanto, contrário à ideia de um Estado
misto, posto ser este diametralmente oposto ao principal escopo da soberania, a qual não
admite que seus direitos sejam divididos.
Na visão de Jellinek (1954, p. 286) a soberania não é um direito natural, mas fruto de
um pacto social “Así pues, la soberanía trascendente de Jehová no es un hecho natural, sino
24
que descansa en el sometimiento expreso del pueblo, llevado a cabo en la forma de un
contrato”1.
Sob o prisma temporal e espacial a noção de soberania foi, entre os séculos XIII a XV,
entendida como forma de poder entre a classe dominante e seus súditos (GUERRA, 2004, p.
05).
Alarcón (2011, p. 70:71) explica que:
Foi nos séculos XII e XIII que se tornou possível pensar na soberania como
capacidade de criar e impor leis. Na verdade, é somente com este sentido que pode
ser associada ao surgimento do Estado moderno, pois o poder de criação e
imposição de leis por um legislador passou a transformar-se mais e mais num
atributo de uma formação de poder territorial específica, definida em termos cada
vez mais leigos e independentes de normas e concepções divinas e universalistas.
Já o conceito de soberania surgido no século XIV, configura, contudo, uma
característica do absolutismo (ALARCÓN, 2011, p. 71).
No século XVII destacam-se as ideias do filósofo inglês Thomas Hobbes o qual
preconiza o absolutismo da soberania e sua indivisibilidade sendo, portanto, contrário à
proposta de um governo misto. Para Hobbes, dividir o poder é dissolvê-lo”. O soberano é o
único poder legislativo, de tal modo que o direito, não tem, nem pode ter senão uma fonte: O
Estado, isto é, o Poder, a ordem, a expressão da vontade. Para ele o soberano não se sujeitava
as leis que, estabeleceu, posto que, “ninguém pode submeter-se a si mesmo. Observava que a
discussão do poder soberano é fator que dissolve o Estado, o enfraquecimento do Estado se
daria na ausência de uma autoridade absoluta e indivisível (CHEVALLIER, 1993, p. 65-83).
Gusmão (2009, p.100) aponta que em Hobbes as questões apresentadas por Bodin
ganham relevo ou aprofundamento definitivo. As ideias de Hobbes trabalham no sentido de
acentuar o deslocamento do fundamento da soberania para uma realidade secular,
condicionada por um contexto secular e contingente, neste contexto, verifica-se que é o grau
de instabilidade e de risco existente no estado de natureza leva os homens a pactuarem entre si
a fim de construir uma estrutura que preserve a segurança, o que gerava o reforço da
autonomia política.
1
Assim, a soberania transcende à Jeová não é um evento natural, mas repousa sobre a subjugação expressa do
povo, realizada sob a forma de um contrato (livre tradução da autora).
25
Hobbes, portanto, como defensor do absolutismo, expõe suas ideias de modo
estritamente racional, dissociado de religiosidade e de sentimentalismos. Fundamenta a
necessidade de um Estado Soberano como forma de manter a paz civil. A soberania é
compreendida como absoluta e indivisível, pois de modo diverso haveria o enfraquecimento
do poder estatal.
Ainda no mesmo século destacam-se as ideias do filósofo inglês John Locke, as quais
se contrapunham à teoria da soberania absoluta. As ideias de Locke estavam centradas no
antiabsolutismo “o violento desejo da autoridade contida, limitada pelo consentimento do
povo, pelo direito natural, a fim de eliminar o risco do despotismo, da arbitrariedade, mesmo
abrindo uma brecha para a anarquia” (CHEVALLIER, 1993, p. 106).
Locke tinha por desejo intelectual abolir a doutrina do direito divino, em suas ideias
ele parte da distinção entre os poderes legislativo e executivo e defende o direito a insurreição
dos súditos. Para este autor o que origina e estabelece a sociedade política é o consentimento
de certo número de homens livres, capaz de ser representado pela maioria deles, fato este que
efetivamente pode legitimar um governo. Assim, para Locke o governo absoluto não se
legitima, ao passo que a soberania pertence ao povo, o qual conserva sempre uma soberania
potencial, em reserva (CHEVALLIER, 1993, p. 107-117).
As ideias expostas por Locke baseiam-se na noção de governo consentido, pelos
governados, da autoridade constituída e o respeito ao direito natural do ser humano - à vida, à
liberdade e à propriedade. Tais ideias vão ao encontro dos anseios das modernas revoluções
liberais: Revolução Inglesa, Revolução Americana e a fase inicial da Revolução Francesa,
oferecendo-lhes uma justificação da revolução e da forma do novo governo.
Locke traz consigo a renovada tese de limitação e equilíbrio de poderes e sujeição do
monarca à lei, fatores que passam a ser considerados na concepção de soberania, ideias estas
impressas nos movimentos revolucionários que, na América e na França, serviram à produção
de documentos de cunho constitucional, os quais, representaram etapa de destacada relevância
ao universo político ocidental (GUSMÃO, p.100-102).
No século XVIII, ganham relevo as ideias de Montesquieu especialmente em sua obra
o Espírito das Leis, na qual trata, dentre outros temas, da natureza do governo, a qual se refere
à estrutura específica que a separação entre governantes e governados recebe em diferentes
formas de governo. São três as possibilidades apontadas:
26
[...] o governo republicano é aquele em que o povo incorporado, ou somente uma
parte do povo, exerce o poder soberano; o monárquico, aquele em que um só
governa, de acordo, porém com as leis fixas e estabelecidas; enquanto que, no
despótico, um só indivíduo, sem lei e sem regra, submete tudo à sua vontade e a seus
caprichos (MONTESQUIEU, 1991, p. 45).
Ao interpretar as ideias de Montesquieu, Chevallier (1993, p. 126:127) explica que era
preciso distinguir, em cada governo, sua natureza e seu princípio. A natureza é o que faz o
governo tal como o é, já o princípio é o que o faz agir. As leis deveriam, portanto, estar
relacionadas à natureza dos governos e também com os princípios, os quais guardam
“suprema influência”.
Montesquieu preconizava a premência da divisão dos poderes, evidenciando a
necessidade de se fazer do judiciário um poder distinto “tudo estaria perdido se o mesmo
homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três
poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as
querelas entre os particulares” (MONTESQUIEU, 2000, p.168).
Sobre a visão de Montesquieu acerca do poder Soberano:
Mais que a divisão do poder em três braços, Montesquieu sinalizou a própria
divisibilidade do poder, isto é, mostrou que o poder não é necessariamente soberano
e por tal motivo, ganhou o lugar de grande teórico da Revolução Americana. Afinal,
o desafio dos founding fathers foi estabelecer uma república federativa capaz de
equilibrar todos os seus poderes constituintes sem que estes se anulassem, mas
garantindo também a união e a autonomia das regiões. Neste caso, a separabilidade
do poder, o controle do poder pelo poder e, consequentemente, a abolição da
soberania do corpo político da república foram as grandes inovações que garantiram
o sucesso do empreendimento político que os colonizadores americanos se
propuseram no século XVIII (BODZIAK JÚNIOR, 2011, p. 178:179).
Verifica-se que Montesquieu rompe com as ideias de uma soberania como expressão
de poder uno, demonstrando justamente a necessidade de se fazer o contrário, ou seja, extirpar
a soberania absoluta do corpo político.
No final do mesmo século, despontam as ideias de Rousseau que com sua obra “O
Contrato Social” inovou os pontos de vistas de Hobbes e Locke acerca da passagem do estado
natural ao estado social. Rousseau faz uma distinção radical e muito própria entre o soberano
e o governo, não mais relacionando-os como um só ente, mas como elementos paralelos.
27
Para Rousseau “o pacto social não pode ser legítimo senão quando se origina de um
consentimento necessariamente unânime, cada membro do corpo político é simultaneamente
cidadão e súdito”:
Cidadão membro do soberano, enquanto participante da atividade do corpo político
(chamado soberano quando ativo e Estado quando passivo) Súdito, enquanto
obediente às leis votadas por este corpo político, por esse soberano de quem é
membro (CHEVALLIER, 1996, p. 164).
Maluf (1995, p.32:33) destaca que Rousseau foi um dos mais destacados expoentes da
teoria da soberania nacional, por esta teoria o filósofo sustentava que “a nação é a fonte única
de poder de soberania. O órgão governamental só o exerce legitimadamente mediante o
consentimento nacional”. A soberania, no conceito da Escola Clássica de Rousseau é “una,
indivisível, inalienável e imprescritível”.
Sobre a soberania, diz Rousseau:
Digo, pois, que outra coisa não sendo a soberania senão o exercício da vontade
geral, jamais se pode alienar, e que o soberano, que nada mais é senão um ser
coletivo, não pode ser representado a não ser por si mesmo; é perfeitamente possível
transmitir o poder, não porém a vontade (ROUSSEAU, 1996, p.33).
Para Rousseau as características inerentes à soberania decorrem da origem contratual e
da definição do soberano. O soberano, o qual se constitui por meio do pacto social, é o povo
incorporado, ditando a vontade geral, cuja expressão é a lei. A soberania confunde-se com a
vontade geral, é inalienável, indivisível, infalível e absoluta (CHEVALLIER, 1996,
p.170:171).
2.3 DA GLOBALIZAÇÃO
A globalização é resultado de um processo deflagrado pelas grandes navegações que
ainda permanece em progressiva expansão. É caracterizada pela:
28
[...] integração das economias nacionais em uma economia internacional através do
comércio, do investimento estrangeiro direto (por parte de corporações e
multinacionais), fluxos de capital de curto prazo, fluxo internacional de
trabalhadores e pessoas em geral e fluxos de tecnologia (BHAGWATI, 2004, p.
3:4).
Para sociólogo inglês Giddens (1991, p.60:61):
A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais
em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que
acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de
distância e vice-versa. Este é um processo dialético porque tais acontecimentos
locais podem se deslocar numa direção anversa às relações muito distanciadas que
os modelam. A transformação local é tanto uma parte da globalização quanto a
extensão lateral das conexões sociais através do tempo e do espaço. Assim, quem
quer que estude as cidades hoje em dia, em qualquer parte do mundo, está ciente de
que o que ocorre numa vizinhança local tende a ser influenciado por fatores — tais
como dinheiro mundial e mercados de bens — operando a uma distância indefinida
da vizinhança em questão. O resultado não é necessariamente, ou mesmo
usualmente, um conjunto generalizado de mudanças atuando numa direção
uniforme, mas consiste em tendências mutuamente opostas. A prosperidade
crescente de uma área urbana em Singapura pode ter suas causas relacionadas, via
uma complicada rede de laços econômicos globais, ao empobrecimento de uma
vizinhança em Pittsburgh cujos produtos locais não são competitivos nos mercados
mundiais.
Torna-se claro, portanto, que a globalização não é apenas um processo de integração,
mas um meio efetivo de se possibilitar que Estados mais influentes, no sentido econômico,
possam penetrar em Estados menos influentes, podendo-se assim, deixar que estes últimos
fiquem em situação ainda menos autônoma, uma vez que a globalização traz não apenas
proximidades, mas deixa enormes abismos entre os que não são por ela absorvidos.
Neste sentido, afirma Tostes (2004, p. 48):
As condições contemporâneas de interdependência e globalização não trouxeram
necessariamente uma agregação pacífica ou uma integração solidária entre as
culturas e os diversos sistemas econômicos. Assim, podemos dizer que o que há de
novo é que esse aumento das interconexões e influências recíprocas no âmbito da
convivência internacional extrapolou o setor da economia, principalmente na última
década, com a aceleração e facilitação do acesso às novas tecnologias e da
microinformática, atingindo assim amplos setores da vida social e penetrando o
cotidiano das relações pessoais: ajudando a construir preferências e intervindo nos
comportamentos sociais – não apenas afetando as grandes relações de poder e a
política, mas com certeza, afetando micro relações de intimidade, de conformação
de opiniões e de identidades transnacionais a partir da facilitação de associações e
29
relações interpessoais, por conta da ampliação do acesso à informação e à
comunicação.
Refletindo sobre o que se entende por globalização, bem como, seus aspectos positivos
e negativos Sousa (2011, p.4), explica que:
A globalização pode ser entendida ainda, como um processo de integração de
economias e sociedades de vários países, especialmente no que se refere à produção
de mercadorias e serviços, aos mercados financeiros, e a difusão de informações. A
globalização ou processo de mundialização, de acordo com o entendimento
majoritário dos autores contemporâneos, caracteriza-se pela ampla integração
econômica, política, cultural e outros entre as nações. Contudo, a integração nos
seus mais variados aspectos se destaca pela economia, podendo ser de diversos
tipos, mas nenhuma integração econômica é melhor do que a outra. A escolha do
país pelo modelo de integração decorre de seus objetivos e do seu grau de
dependência entre as grandes potências. Os Estados, quando da adoção de medidas
ou adesões aos sistemas mundiais, deve se atentar para a questão da soberania
nacional ou interna de cada país. A observância visa evitar conflitos entre a
legislação interna e legislação estrangeira. O desenvolvimento da integração entre os
países trouxe o surgimento de um terceiro mercado, denominado de mercado
eletrônico ou virtual, decorrente do uso da internet. Neste mercado, a interferência
estatal é praticamente nula ou mínima, porque não existem donos ou porque todos
são donos. Característica que o diferencia, dos mercados até então existentes, quais
sejam, o mercado nacional e o mercado internacional. Assim, a globalização em
decorrência do avanço tecnológico trouxe várias consequências positivas e
negativas. Dentre os efeitos positivos pode-se enumerar a diminuição de barreiras
geográficas, políticas e econômicas, a criação de uma única moeda, maior fluxo de
capitais, pessoas e mercadorias, aproximando sobremaneira as pessoas de diferentes
regiões do mundo. Por outro lado, pode-se elencar, consequências negativas, como o
crime organizado, paraísos fiscais, tráfico de pessoas, de mercadorias, de
entorpecentes e órgãos, e de baixos salários. Referidas características tornam-se
mais presentes entre os países emergentes, onde o grau de dependência com países
desenvolvidos pode levar sobremaneira a amplo desemprego, formação de grandes
bolsões de ignorância e miséria, de grandes desigualdades sociais, acarretando
sociedades desequilibradas econômica e socialmente.
A globalização, portanto, transcende a economia, repercutindo nas relações mais
triviais do cotidiano das pessoas. Alia-se a este processo, o uso das tecnologias as quais são
base intrínseca fundamental à dinâmica das relações globalizadas, eliminando barreiras físicas
e muitas vezes jurídicas o que reflete diretamente na questão da soberania. Neste contexto, é
preciso observar que o mundo globalizado e tecnológico não apenas aproxima e transforma,
mas também, distancia e segrega.
Sobre o aspecto tecnológico inerente à globalização e às desigualdades geradas,
Bauman, incorporando as ideias de John Kavanagh, do instituto de pesquisa política de
Washington, diz que:
30
A globalização deu mais oportunidades aos extremamente ricos de ganhar dinheiro
mais rápido. Esses indivíduos utilizam a mais recente tecnologia para movimentar
largas somas de dinheiro mundo afora com extrema rapidez e especular com
eficiência cada vez maior. Infelizmente a tecnologia não causa impacto nas vidas
dos pobres do mundo. De fato, a globalização é um paradoxo: é muito benéfica para
muito poucos, mas deixa de fora ou marginaliza dois terços da população mundial
(BAUMAN, 1999, p. 79).
Muito embora a globalização tenha múltiplos aspectos, esta é enfatizada mais em seu
aspecto econômico:
Pelo visto, as análises dominantes sobre a globalização têm enfatizado os seus
aspectos econômicos. O certo é que estamos lidando com um termo muito amplo e
que possivelmente pode ser transformado em conceito, desde que exploremos certas
relações lógicas e delimitemos o alcance de suas implicações metodológicas. Mais
do que isso, se fizermos apelo a certas disciplinas que têm a ver com os fenômenos
(objetos) que lhes são implícitos: a economia, a geografia, a sociologia, a ciência
política, a antropologia e a demografia, dentre outras tantas, poderemos desenvolver
múltiplos olhares sobre esse fenômeno (FLORIANI, 2004, p. 49:50).
Confirma-se que a globalização, é um fenômeno complexo e que vai além dos
aspectos econômicos, tendo repercussão direta na vida social e nas relações políticas que se
estabelecem tanto no âmbito interno quanto no âmbito externo dos Estados.
Sob outro viés:
Globalização não significa o que parece significar: globalização. Também significa
localização. Nas condições de um mundo que se globaliza, de um mundo em que já
não se sustentam os antigos alinhamentos e fronteiras, a localidade adquire um
significado novo e central. Essa visão dialética da globalização como glocalização é
essencial. Ao mesmo tempo globalização não significa apenas a abolição das
fronteiras, mas a delimitação e a fortificação de novas fronteiras (BECK, 2003,
p.183:184).
Beck vai além da visão comum que se tem de globalização observando-a não apenas
na ampla dimensão que guarda, mas nas suas mais tímidas especificidades. A globalização
passa a ser interpretada como um fenômeno que parte do local para o mundial, o que permite
a ampliação e o estabelecimento de novas fronteiras, na medida em que o local deixa de ser
visto sob o prisma da “antiga estrutura, que o encapsula e aparta do mundo” e “passa a ser
visto como ponto nodal da rede global” (BECK, 2003, p.184:185).
31
Bauman é muito crítico em relação ao processo de globalização o que fica claro
quando expressa que:
O significado mais profundo transmitido pela ideia da globalização é o do caráter
indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais: a ausência
de um centro, de um painel controle, de uma comissão diretora, de um gabinete
administrativo. A globalização é a nova desordem mundial (BAUMAN, 1999, p.
67).
Para o autor a globalização nada mais é senão “a extensão totalitária de sua lógica
sobre todos os aspectos da vida” (BAUMAN, 1999, p. 73:74).
Compartilhando dessa visão pessimista acerca da globalização:
Os últimos anos do século XX testemunharam grandes mudanças em toda a face da
terra. O mundo torna-se unificado – em virtude de novas condições técnicas, bases
sólidas para uma ação humana mundializada. Esta, entretanto, impõe-se à maior
parte da humanidade como uma globalização perversa (SANTOS, 2013, p. 37).
A globalização teria no modo como as informações são transmitidas uma de suas
características perversas, isto porque, esta teria um caráter despótico na medida em que “as
técnicas da informação (por enquanto) são apropriadas por alguns Estados e por algumas
empresas, aprofundando assim os processos de criação de desigualdades” (SANTOS, 2013, p.
39).
No entanto, há quem reconheça que a globalização, muito embora traga desigualdades
também traz aspectos positivos:
Há também inúmeras boas novas trazidas pela globalização da nova economia da
informação em rede. [...] A sociedade em rede avançou em termos de democracia
em todo o mundo, ajudou a derrubar ditadores, abriu regimes opressivos, ampliou o
pluralismo, avançou os direitos humanos e acelerou o fim da Guerra Fria. [...] O
maior acesso à informação ajudou a delegar poder para os cidadãos, há mais opções
de consumo, funcionários e investidores socialmente responsáveis (HENDERSON,
2007, p.55).
Verifica-se que o processo de globalização não é um mal completo, mas também não é
a solução para todos os problemas. A globalização que segrega e causa desordem, também
32
traz proximidade, ascensão econômica e acesso a direitos fundamentais, tais como os direitos
relativos às questões ambientais.
Neste sentido, especialmente no tocante ao meio ambiente, há que se destacar as
mudanças positivas, advindas do processo de globalização:
A rápida proliferação e compartilhamento dos conceitos de desenvolvimento
sustentável, normalmente definido como o desenvolvimento que atende às
necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de
atender às suas próprias necessidades. As ideias inovadoras das tecnologias mais
verdes, a sustentabilidade local, a economia caseira, a agricultura orgânica baseada
em contratos com a comunidade e os novos indicadores além do PIB são
transmitidos na velocidade da rede. Nunca foi tão fácil compartilhar visões de nossa
sociedade e da economia global com base nos princípios da justiça social,
participação cidadã e consciência ecológica (HENDERSON, 2007, p. 56).
Notório, portanto, que a globalização é um fenômeno de profundo alcance,
profundidade que fica muito clara quando se está diante de questões ambientais.
Hodiernamente a atenção aos problemas oriundos da ação antrópica no planeta é mundial, as
tecnologias trouxeram novas exigências, já não há espaço para a inércia quando diante de
catástrofes ambientais decorrentes de ações humanas, a manutenção da qualidade ambiental é
interesse que não conhece barreiras.
Como leciona Cruz (2011, p. 97) “a globalização rompeu a unidade do Estado
Constitucional moderno, estabelecendo novas relações de poder e competitividade com
conflitos internos e transnacionais”.
Com o advento da globalização instalou-se uma crise nas estruturas do Estado
fazendo com que o mesmo se encontre constrangido por inúmeros fatores
impeditivos de suas estratégias e potencialidades que levaram à sua criação. Em
razão desta nova forma de interação entre as várias nações, novos atores sociais
surgiram no mundo, todavia, o grande protagonista desta nova onda são os grandes
conglomerados transnacionais, orientados no sentido de impor uma estratégia
planetária que busca controlar o processo de desenvolvimento econômico em escala
mundial. [...] O velho conceito de soberania encontra-se em crise uma vez que os
Estados Soberanos, isoladamente, não mais conseguem solucionar problemas
globais como meio ambiente, Direitos Humanos, crime organizado, terrorismo e etc.
Problemas mundiais requerem um controle, um Direito e uma Justiça de caráter
global (SILVEIRA FILHO, 2009, p. 50-53).
33
2.4 A SOBERANIA NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO E DA
TRANSNACIONALIDADE
Retomando as ideias já esposadas em linhas anteriores verifica-se que a soberania foi,
especialmente em seus primórdios, direcionada a significação de um poder supremo, absoluto,
perpétuo e indivisível. Em momento posterior passa-se à ideia de divisibilidade do poder
soberano.
Deste modo, constata-se que a percepção de soberania não é uníssona. Neste sentido,
Bonavides (2000, p.122:123) destaca que o termo soberania apresenta alguns dissensos
dependendo de seu viés de análise e, embora o tema possa provocar controvérsias quando
visto sob o plano externo, sob a perspectiva interna é tema que não suscita maiores debates,
ao passo que, “é da essência do ordenamento estatal uma superioridade e supremacia, a qual,
resumindo já a noção de soberania, faz que o poder do Estado se sobreponha
incontrastavelmente aos demais poderes sociais, que lhes ficam subordinados”. Neste sentido,
diz o autor, há o surgimento da percepção do Estado como detentor de uma vontade suprema
e soberana, a qual advém do “papel privilegiado de ordenamento político monopolizador da
coação incondicionada na sociedade. Estado ou poder estatal e soberania assim concebidos,
debaixo desse pressuposto, coincidem amplamente. Onde houver Estado haverá, pois,
soberania”.
Na perspectiva apresentada por Bonavides (2000, p. 110) a soberania, como expressão
do mais alto poder estatal, possui duas faces distintas: primeiro há a face interna a qual está
relacionada ao poder de império que o Estado possui sobre o território e a população, bem
como a superioridade do poder político frente aos demais poderes sociais que lhe ficam
sujeitos de forma direta ou indireta, há também a soberania externa a qual é compreendida
como a manifestação independente do poder do Estado perante os demais Estados.
A Soberania “é una, integral e universal, não podendo sofrer restrições de qualquer
tipo, salvo as decorrentes dos imperativos de convivência pacífica entre as nações soberanas
no âmbito do Direito Internacional” (MALUF, 1995, p. 31).
Seguindo a mesma linha de intelecção Mendes e Gonet (2014, p.812) dizem que “a
soberania é entendida como poder de autodeterminação plena, não condicionada a nenhum
outro poder, externo ou interno”.
34
Reale (2000, p. 140) entende que a soberania “é o poder que tem uma nação de
organizar-se livremente e de fazer valer, dentro de seu território, a universalidade de suas
decisões para a realização do bem comum”.
Azambuja (2008, p.90) explica que a soberania é observada sob dois aspectos. O
primeiro refere-se à soberania interna dizendo respeito à autoridade do Estado, impressa nas
leis e ordens que edita a todos os seus habitantes, não encontrando limites em nenhum outro
poder. O segundo trata-se do aspecto externo, pelo qual se vê o poder estatal como o mais
elevado no âmbito interno do Estado.
Nesta ordem de ideias:
O conceito moderno de soberania divide o poder em duas faces distintas. No âmbito
interno elimina as instâncias intermediárias de autoridade. Sendo absoluto, o
soberano não é apenas superior, mas incontrastável. [...] Não se trata de mera
superioridade: a potência soberana transcende a própria sociedade e, assim, não pode
sequer ser objeto de comparações. No âmbito externo, a lógica da soberania anuncia
um sistema de Estados que, já sem a mediação das autoridades universais do Papado
e do Império, relacionam-se em absoluta igualdade de direitos com o monopólio
sobre o uso da força em seus respectivos territórios (ARGUELHES, 2006, p. 763).
Sob o ponto de vista jurídico a soberania, segundo Alarcón (2011, p. 69), “se expressa
como a condução permanente de qualquer manifestação de força social ao Estado, que
adquire assim personalidade, é dizer, age como um sujeito, uma pessoa, com plena capacidade
de assumir direitos e obrigações”. Prossegue o autor: “a soberania constitui a dignidade
estatal, compreendendo sua capacidade de autodeterminação interna e de independência de
atuação na sociedade internacional”.
Na era moderna esta ideia de soberania como poder uno, supremo e ilimitado passa a
ser questionada:
De acordo com a concepção clássica, o Estado soberano “controla a forma, domina a
tecnologia e a economia, reconhece apenas instituições iguais”. Hoje essa ideia é
uma meia verdade. Os limites dos Estados não definem mais os limites dos
mercados. Há uma perda do protagonismo na produção normativa, surgem entidades
supranacionais, há um aumento dos produtores de direito os quais geram a
desagregação do Estado. Há uma série de fatores críticos que afetam a concepção
clássica de soberania para o mundo atual: a globalização, novas políticas culturais e
étnicas, a questão da viabilidade de alguns Estados em razão dos problemas póscoloniais, o tamanho das multinacionais, a revolução da informação e a
reconfiguração da economia e do comércio mundial. As noções mais tradicionais
35
como a soberania são postas em xeque pela diversidade, heterogeneidade e
complexidade do processo de transnacionalização dos mercados de insumo,
produção, capitais e consumo (TOMAZETTE, 2013, p. 94:95).
Verifica-se portanto, que há uma fragilização da noção clássica de soberania, fatores
como a globalização, o avanço das comunicações, a redução das distâncias por intermédio das
tecnologias de transporte, a reconfiguração da economia e do comércio mundial e a difusão da
necessidade de acesso aos recursos ambientais reforçam a reconstrução do conceito de
soberania.
A Soberania Nacional, nos tempos atuais, debate-se para conciliar-se com um fato
inegável: que as comunidades políticas – os Estados- fazem parte de uma sociedade
internacional, que é regida por normas próprias. O Estado Soberano encontra-se,
forçosamente, vinculado a obrigações externas junto com os demais Estados,
obrigações estas que podem ter origens muito diversas. Podem ser resultado de
tratados bilaterais, de convenções multilaterais ou podem ser resultado da existência,
reconhecida e consolidada, de uma prática costumeira no âmbito internacional
(CRUZ, 2001, p. 247).
Sobre a relação entre soberania, Estado, globalização e crise, observa-se que:
No atual ambiente internacional globalizado está evidente a criação de uma nova
concepção de Soberania, ajustada aos interesses liberais do mercado. Este
movimento está ligado, principalmente a dois fatores: O fim dos países socialistas
do leste europeu e o consequente desaparecimento do bloco de oposição à
mundialização da economia de mercado e do capitalismo; e O efetivo
desenvolvimento tecnológico e científico dos meios de comunicação e dos
ambientes virtuais adotados pelas instituições financeiras e pelos operadores de
comércio internacional (CRUZ, 2002, p. 12).
As novas relações sociais, o remodelamento do comércio e a globalização levam a
conclusão de que “o poder dos estados nacionais pode-se dizer, encontra-se em adiantado
processo de deterioração. Não é o poder que desaparece, mas sim uma forma específica de sua
organização, que teve seu ponto forte no conceito jurídico-político de Soberania” (CRUZ,
2002, p. 12).
36
Suscita-se, no contexto vivenciado hodiernamente pelo Estado moderno, a necessidade
de se relativizar os padrões jurídicos clássicos de soberania, sobretudo, para que se preserve à
relação harmônica entre as diversas nações.
Neste sentido são as ideias de Fernandes e Santos (2014, p.635:636):
O monismo estatal, caracterizado pelo monopólio da produção legislativa e
soberania interna, peculiaridade do Estado Moderno, está sendo questionado e
revisto diante de novos atores sociais oriundos das transformações recentes pelas
quais passa a sociedade. A globalização e a tecnologia, corroboradas pela economia
capitalista, propiciaram o encurtamento de distâncias entre as nações, resultando
num intercâmbio social, cultural, político e econômico de modo que se tornou
impossível gerenciar a sociedade através dos modelos adotados outrora, limitados ao
ordenamento jurídico interno de cada país e às esparsas normas jurídicas de direito
internacional. Por isso, a necessidade de relativizar os padrões jurídicos clássicos
tornou-se imprescindível para a convivência harmônica entre diferentes nações,
notadamente no que se refere ao conceito de soberania, pois o binômio da
supremacia na ordem interna e independência na ordem externa não mais atende às
novas demandas sociais e, por isso, o conceito tradicional de Estado e as relações
internacionais precisam evoluir, com fundamento nos preceitos de solidariedade e
cooperativismo. O fenômeno da transnacionalidade – naturalmente – fez surgir
novos conflitos sociais, políticos e jurídicos que precisam ser dirimidos e regulados.
Sob esta perspectiva também se faz possível observar o nascimento de novos
direitos, inclusive fundamentais, imprescindíveis para convivência harmônica das
nações e sobrevivência duradoura da humanidade
Observa-se, portanto, que um dos fatores apontados como desencadeadores da
reformulação da concepção clássica de soberania é a transnacionalidade, a qual consiste em:
Um fenômeno reflexivo da globalização, que se evidencia pela desterritorialização
dos relacionamentos políticos-sociais, fomentado por sistema econômico capitalista
ultravalorizado, que articula ordenamento jurídico mundial à margem da soberania
dos Estados. A transnacionalidade insere-se no contexto da globalização e liga-se
fortemente com a concepção do transpasse estatal. Enquanto a globalização remete à
ideia de conjunto, de globo, enfim, o mundo sintetizado como único;
transnacionalização está atada à referência de Estado permeável, mas tem na figura
estatal a referência do ente em declínio (GONÇALVES; STELZER, 2009, p.
10952).
É notório que as relações se globalizaram os problemas deixam de ser locais para se
tornarem mundiais, sobretudo, no tocante às questões ambientais, as relações entre os Estados
se tornaram múltiplas, a atuação cooperativa ganha relevo, surgem novos e complexos
desafios, tal contexto forçaria uma redefinição qualitativa e funcional da noção de soberania,
37
ao passo que, a sua acepção clássica não possui espaço no Estado transnacional (CRUZ;
BODNAR, 2009, p.13).
Ademais, não foram apenas as relações que se tornaram globalizadas, as preocupações
também ganharam este status “a globalização rompeu a unidade do Estado Constitucional
moderno, estabelecendo novas relações de poder e competitividade com conflitos internos e
transnacionais” (CRUZ, 2011, p.97).
Cruz e Bodnar (2009, p.10) ao tratarem da transnacionalidade e da emergência do
Estado e do direito transnacionais, asseveram que:
Daí que se pode, juntando o prefixo trans e o conceito e caracterização de Nação
Jurídica, entender por Transnacional os novos espaços públicos não vinculados a um
território específico, que perpassam a ideia tradicional de Nação Jurídica, aceitam a
pluralidade como premissa e possibilitam o exercício de poder a partir de uma pauta
axiológica de comum consensual destinada a viabilizar a proposição de um novo
pacto de civilização. A referida pauta seria estabelecida por seleção consensual de
valores que levaria em consideração o fato de que a sua proteção não poderia ser
viabilizada eficazmente por intermédio das instituições nacionais, comunitárias ou
internacionais atualmente existentes.
Vendo a transnacionalidade como a ideia de uma nova ordem mundial Bonolo (2013,
p. 150) reconhece que embora o Estado moderno já não se coadune com as relações sociais
atuais, ainda é um importante espaço de garantia de direitos:
[...] ideia de um Estado Transnacional, como concebida por Ulrich Beck, torna-se
uma das alternativas possíveis, sem se desconsiderar que, embora o Estado
Constitucional Moderno esteja antiquado, o mesmo ainda continua “importante
como espaço público garantidor das políticas internas e externas”.
São justamente neste sentido as ideias de Cruz e Bodnar (2009, p. 19), segundo os
quais:
O Estado Transnacional superaria o Estado Constitucional Moderno – porém não
negaria a sua existência - e se libertaria da armadilha territorial e da soberania
moderna. Assim, ter-se-ia um conceito de Estado que: a) (re) conheceria a
globalidade em sua dimensão plural como elemento fundamental irreversível e b)
transformaria a norma e a organização do Direito Transnacional na chave de uma
redefinição e revitalização do político, não apenas como Estado, mas também
38
enquanto Sociedade Civil. [...] Os Estados Transnacionais não seriam nem internos
nem externos, por terem como seu princípio diferenciador o compromisso com a
execução de uma pauta axiológica comum. A criação de um Direito Transnacional,
por conta da já referida pauta, permitiria o compartilhamento solidário de
responsabilidades para a garantia, principalmente, da questão vital ambiental.
No momento atual, no qual a globalização se impõe de maneira irremediável, em que
vige uma ordem jurídica internacional de observância obrigatória, ainda que pelo instinto vital
de sobrevivência e manutenção da ordem, em que a necessidade por recursos ambientais se
globalizou, discursos como o da necessidade de um “Estado transnacional” ganham espaço e
força, isto por que:
O Estado e o Direito transnacionais estariam - por entre as soberanias e com fontes
normativas, originadas além das fronteiras nacionais -, destinados a regular os atuais
contextos globais, que atualmente não se submetem ao reconhecimento externo ou à
recepção formal pelos Estados e que utilizam sanções econômicas aleatórias para
alcançarem seus objetivos, caracterizando um ambiente de completa renúncia aos
parâmetros mínimos de humanidade. Em suma, a emergência de novas estratégias
globais de governança, regulação e intervenção, baseadas num paradigma de
aproximação entre povos e culturas, na participação consciente e reflexiva do
cidadão na gestão política, econômica e social, deve ser um projeto de civilização
revolucionário e estratégico de futuro, pautado na consciência crítica acerca da
finitude dos bens ambientais e na responsabilidade global e solidária pela sua
proteção, defesa e melhora contínua de toda a comunidade de vida e dos elementos
que lhe dão sustentação e viabilidade. Um mundo globalizado pressupõe novas
relações de interdependência, novas necessidades, problemas e desafios igualmente
novos. Pressupõe ainda novas ferramentas capazes de fazer frente aos seus atuais
desafios. Esse novo projeto de civilização provavelmente passará pela reabilitação
do político, do jurídico, do social e do cultural contra a hegemonia da razão
econômica. Isso implica uma redefinição ou, mais exatamente, um redescobrimento
do bem comum, de um saber existir juntos e de um novo sentido para a aventura de
viver (CRUZ; BODNAR, 2009, p.22)
As ideias expostas até o presente momento demonstram que a prevalência da
soberania em seus moldes clássicos, no contexto da globalização e das relações
transnacionais, torna-se fragilizada e pendente de remodelamento conceitual, sobretudo,
quando se está diante de questões ambientais.
Quando se trata de água, a discussão se torna ainda mais complexa, conforme será
visto de maneira mais detida em capítulos posteriores, pois, por ser um bem de necessidade
vital à manutenção da vida, a reinvindicação de uma gestão soberana sobre tal recurso é
frequentemente questionada.
39
Situação mais peculiar ainda é aquela relativa aos recursos hídricos amazônicos, ao
passo que a bacia hidrográfica em comento é a mais extensa do globo terrestre, ocupando
áreas que transcendem o território nacional, passando por países como Peru, Bolívia,
Colômbia, Equador, Venezuela e Guiana. Muito embora a hidrografia amazônica transcenda
às fronteiras nacionais, o presente trabalho se deterá ao estudo da hidrografia amazônica
pátria já que o Brasil é detentor de mais de 60% de sua área total.
Para que se possa alcançar a magnitude da hidrografia amazônica nacional e a
importância desta para as discussões inseridas na presente dissertação, importa que primeiro
se compreenda o que se entende por Amazônia brasileira, sua hidrografia e leis pertinentes,
bem como as razões que fazem a região estar presente na pauta de diversos países.
40
3 ÁGUAS DA AMAZÔNIA
Trata-se a Amazônia de uma região vasta, complexa e rara. Sua dimensão territorial
transcende os limites nacionais, perpassando por nove países, incluindo-se o Brasil.
Sabendo-se da existência de porções nacionais e internacionais a Amazônia pode ser
estudada sob dois aspectos: Amazônia e Amazônia brasileira ou legal.
Quando se fala de Amazônia, pura e simplesmente, se está falando da região em sua
totalidade, isto é, das áreas compreendidas pelos nove países com os quais faz fronteira, já o
termo Amazônia brasileira ou Amazônia legal se refere às áreas restritas ao território
nacional. Segundo Fonseca (2011, p. 86) “A divisão denominada Amazônia Legal incorpora
59,1% do território brasileiro”.
Figura1 - Amazônia e Amazônia Legal
Fonte: http://www.scielo.br/img/revistas/ea/v19n53/24079f6.gif
41
Fonseca (2011, p. 81-82) trata, com base nos estudos de Djalma da Cunha Batista2,
dos três tipos de Amazônia:
A primeira Amazônia, composta por Manaus e Belém, cidades que servem de
modelo para as demais capitais, podendo ser incluída nesse grupo a cidade de
Santarém que o autor indica como futura capital. Batista não aceitava a inclusão de
São Luís e Cuiabá como cidades Amazônicas, chegando a perguntar: “Quem nelas
porém se sente amazônico? E a afirmar: “São Luís é fundamentalmente nordestina e
Cuiabá, bem no limite da Amazônia está toda voltada para o Brasil Meridional”. Na
segunda Amazônia o autor reuniu as cidades sedes dos municípios do interior, tanto
as que estavam em fase de desenvolvimento como as que apenas tinham “rótulo de
cidade”. Para o autor, nem mesmo o esforço dos governos em implantar alguma
modernidade a infraestrutura básica (construção de unidades de saúde mal
equipadas, escolas em nível muito ruim, núcleos universitários, aeroportos, poços
artesianos, estações de telefonia, reprodução de imagens de TV etc.) consegue
mudar a profunda relação da população com a atividade extrativista apesar da
aparente figura citadina. A terceira Amazônia foi descrita como sendo composta por
um número desconhecido de famílias, vivendo num estado de profunda
desagregação social, sem perspectivas de futuro, em condições subumanas,
embrutecidas e aviltadas, conformadas com o destino definido pelos donos da terra.
Isoladas em vilas, povoados, sítios, se alojam em fazendas, seringais, castanhais,
pontos de comércio, se alimentam da caça, da pesca, de frutos da floresta e de
produtos de uma incipiente cultura de subsistência.
Observa-se, portanto, que compreender a Amazônia em sua totalidade é um desafio
que demanda estudo próprio e específico, ao passo que, possui densa complexidade e
múltiplos enfoques de abordagem, a despeito da reconhecida dificuldade, será dado enfoque
ao recurso hídrico, sob o prisma geológico e político.
3.1 COMPREENDENDO A AMAZÔNIA
Um primeiro esforço de compreensão convida a observar que a Amazônia não se
restringe às fronteiras nacionais. A imensidão amazônica possui aproximadamente 6,5
milhões de quilômetros, com aspecto de flora e hidrografia marcantes.
2
Djalma da Cunha Batista nasceu em Taraucá, no Acre, em 20 de fevereiro de 1916, mudando-se para Manaus,
onde estudou no colégio Dom Bosco. Em 1939 formou-se em Medicina na Universidade da Bahia e retornou
para Manaus onde exerceu sua profissão mantendo paralelamente, uma vida dedicada à pesquisa científica e à
cultura humanista. Foi eleito para Academia Amazonense de Letras sendo hoje patrono de uma cadeira, honraria
que se repete na Academia Amazonense de Medicina. Ocupou vários cargos, entre os quais o de diretor do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA. Morreu em Manaus, no dia 23 de agosto de 1979
(FONSECA, 2011, p.81).
42
A Amazônia é formada por um complexo de recursos naturais de grande vulto, os
quais se estendem para além do território nacional, sendo sua área total “delimitada ao norte e
ao sul, respectivamente, pelos maciços das Guianas e do Brasil Central; a oeste, pela
Cordilheira dos Andes” (MUSEU, 2014). Trata-se a Amazônia de “um subcontinente na
América do Sul, o qual abrange uma imensidão de terras, águas, florestas, fauna, flora
minérios e diversas culturas tradicionais e recentes, compreendendo 7% da superfície da
terra” (PONTES FILHO, 2011, p. 31).
Sob os aspectos geológicos e biológicos a Amazônia corresponde a:
1/20 da superfície da terra; - 4/10 da América do Sul; - 1/5 de água doce do Planeta;
- 750 milhões de hectares (500 milhões no Brasil); - Maior rio do mundo em volume
de descarga (média de 220.000 m3 /s); - Aproximadamente 80.000 km de rios; Cerca de 25.000 km de vias navegáveis; - 10% da biota universal; - Mais de 30% do
estoque genético da Terra: - 350 milhões de hectares de floresta; - 1/3 das florestas
latifoliadas; - 1/3 das árvores do mundo; - Cerca de 80.000 espécies vegetais; -Mais
de 200 espécies árvores por hectare; - 30 milhões de espécies de animais; Aproximadamente 1.500 espécies de peixes conhecidas; - Mais de 300 espécies de
mamíferos; - A maior província mineral do globo (FONSECA, 2011, p. 40).
Ratificando esta visão Pontes Filho (2011, p.31) explica que “a Amazônia responde
por 1/3 das reservas mundiais de florestas tropicais, por cerca de 1/5 dos recursos hídricos do
planeta apropriados para o consumo humano, por mais de 50% da biodiversidade mundial”.
As definições acerca da Amazônia evidenciam que esta é uma região que possui
características naturais não apenas peculiares, mas vitais à manutenção da vida humana, pois:
Abriga o sistema fluvial mais extenso e de maior massa líquida da Terra, sendo
coberta pela maior floresta pluvial tropical. O Amazonas drena mais de 7 milhões de
quilômetros quadrados de terras e é, por larga margem, o rio de maior massa líquida,
com uma vazão anual média de 200.000 metros cúbicos por segundo. Essa região
corresponde a 1/20 da superfície da Terra, a 2/5 da América do Sul, 1/5 da
disponibilidade mundial de água doce, 1/3 das reservas mundiais de florestas
latifoliadas (MUSEU, 2014).
Trata-se a Amazônia de um espaço geográfico singular por abrigar diversificados e,
em grande parte, inexplorados recursos ambientais. Sua área, deveras extensa, faz fronteiras
com nove países da América do Sul, são eles: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana,
Peru, Suriname, Venezuela e o Departamento francês da Guiana Francesa. Mas é no Brasil
que está a maior parte desta região, sendo 63,4% do total (MUSEU, 2014).
43
Sabendo-se da dimensão da Amazônia definir a área de cada um dos países que a
compõem não é tarefa das mais fáceis. Diante deste desafio no ano de 2004 um estudo
realizado pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – OTCA sobre os limites
amazônicos apontou superposições importantes que destacam a dificuldade na eleição dos
critérios de delimitação. São eles:
A unidade hidrologicamente definida não é satisfatória em vista dos diversos
aspectos da biogeografia da Amazônia; Já que a biota das florestas de folhas perenes
das terras baixas da Amazônia são similares, em diversos e importantes aspectos, à
região das Guianas, esta região deve ser considerada no processo de definição; Em
geral, a biota das altas montanhas andinas não está diretamente relacionada com a
flora e fauna da planície Amazônica, porém estão interconectadas ecológica e
hidrologicamente; Da mesma forma as encostas das montanhas brasileiras que
drenam para a bacia do Amazonas, apesar de apresentarem características
geográficas e de biota diferentes, são ecológica e hidrologicamente conectadas à
Amazônia; Em termos de clima, a região da Amazônia não pode ser considerada de
forma isolada do resto do continente ou, inclusive no mundo (RAISG, p.10, 2012).
Não obstante a dificuldade comprovada pelos pontos acima descritos foi possível
aferir a porção pertencente a cada um dos noves países Amazônicos. A análise que leva a este
resultado tem por base os critérios limitativos utilizados pela Rede Amazônica de Informação
Socioambiental Georreferenciada, que corresponde à região sobre a qual se possui “dados
atualizados e sistematizados, conhecimento acumulado e atuação reconhecida, e que permite a
realização de diagnósticos e projeções, o desenho de cenários de ameaças e de proteção, assim
como monitorar sua evolução ao longo do tempo” (RAISG, 2012).
Este limite que abarca 7.8 milhões de km² está composto principalmente pelo limite
biogeográfico, com exceção do Equador e do Brasil, onde se aplicou o critério jurídicoadministrativo (RAISG, 2012, p.10). A soma destes critérios resultou na produção de
definições da Amazônia por País:
Quadro 1 - Definições da Amazônia por país
Bolívia
Biogeográfico
Bacia hidrográfica
Jurídico-administrativo
Aprox.
479.264
km²:
compreende cerca de metade
da superfície da Bolívia. É
constituída por um mosaico de
extensas florestas amazônicas
Aprox. 714.493 km²:
bacia do Rio Madeira e
uma pequena porção da
bacia
do
Alto
Amazonas,
fronteira
Aprox. 156.267 km²: o Art. 390 da
nova Constituição Política do Estado
(CPE) da Bolívia define a Amazônia
boliviana como espaco estratégico de
proteção
especial
para
o
44
de terra firme e inundação
(várzea e igapó), savanas de
inundação,
florestas
semiúmidas de transição para o
cerrado, florestas subandinas e
os Yungas, estes últimos
caracterizados por sua elevada
biodiversidade.
Brasil
Colômbia
Aprox. 4.213.463 km²: ampla
variedade de entornos, com
predomínio dos interflúvios
tabulares cobertos por floresta
tropical sempre verde e
florestas sub montanhosas
associadas a pouco frequentes
elevações. Inclui uma zona de
transição demarcada entre a
floresta úmida e áreas de
savana (localmente chamadas
“cerrado”) e grandes extensões
de solos arenosos, com
padrões estruturais e florísticos
de
florestas
e
savanas
arenícolas,
estreitamente
adaptados
e
localmente
chamados “campinaranas” e
campinas respectivamente. As
planícies
de
inundação,
periodicamente
inundadas,
possuem formações que vão de
campos úmidos a veredas e
florestas de galeria.
Aprox.
483.164
km²:
compreendida entre: i) o limite
da bacia hidrográfica no setor
ocidental definido pelo divisor
de águas na parte alta da
cordilheira oriental dos Andes
colombianos, ii) no setor norte
até onde chega a cobertura de
florestas que limitam com as
savanas naturais de Orinoquia,
e iii) no sul e leste corresponde
aos limites internacionais da
Colômbia com Equador, Peru,
Brasil
e
Venezuela
(http://siatac.siac.net.co/web/g
uest/region, Murcia García et
com o Brasil
Aprox. 4.692.488 km²:
bacias
do
rios
Amazonas,
Negro,
Madeira,
Xingu,
Tocantins,
Guianas/Amapá
e
Atlântico.
Aprox. 342.372 km²:
bacia
do
Rio
Putumayo, bacia do
Rio Negro, bacia do
Rio Caquetá e uma
pequena porção da
bacia do Rio Napo.
desenvolvimento integral do país,
por sua elevada sensibilidade
ambiental, biodiversidade existente,
recursos hídricos e pelas ecorregiões.
Compreende a
totalidade do
departamento de Pando, a província
Iturralde do departamento de La Paz
e as províncias Vaca Díez e Ballivián
do departamento de Beni.
Aprox. 5.006.316 km² região de
planejamento
e
incentivos
à
ocupação, chamada “Amazônia
legal”, definida pela Lei n°. 1806 de
6 de janeiro de 1953, com o objetivo
político de integrar a região ao
território nacional e promover seu
desenvolvimento. É formada pelos
Estados da região norte (Acre,
Amazonas, Amapá, Pará, Roraima,
Rondônia e Tocantins), Mato Grosso
e parte do Maranhão (a oeste do
meridiano 44°).
Aprox. 483,164 km²: é composta
pela parte sul do departamento de
Vichada; o sudeste do Meta; todo o
território dos departamentos de
Guainia,
Guaviare,
Vaupés,
Amazonas, Outumayo e Caquetá; a
Bota Caucana, no departamento de
Cauca e as vertentes amazônicas de
Nariño (a parte alta dos rios
Guamuez, Sucio, San Miguel e
Aguarico). São 78 municípios e
corregimentos departamentais, dos
quais 58 são municípios (41
totalmente incluídos na região e 17
parcialmente) e 20 corregimentos
departamentais, todos incluídos na
45
al, 2009). Os ecossistemas que
compreende vão dos paramos
na Cordilheira Oriental, local
de nascimento de importantes
rios
que
atravessam
a
Amazônia, até zonas de
floresta
úmida
tropical,
passando por diversos tipos:
andinos, inundáveis, de terra
firme, xerofíticos e savanas.
Equador
Guiana
Guiana
Francesa
Peru
região (Murcia García et. al. 2009).
Aprox. 116.284 km²: de acordo com
o Art. 250 da Nova Constituição do
Equador de 2008, a Amazônia
equatoriana é o território das
províncias
amazônicas,
que
conforma um ecossistema necessário
para o equilíbrio ambiental do
planeta, o qual constituirá uma
circunscrição territorial especial que
deverá ter planejamento integral
contido em lei, incluindo aspectos
sociais, econômicos, ambientais e
culturais, e um ordenamento
territorial que garanta a conservação
e proteção de seus ecossistemas e o
princípio do sumak kawsay (bem
viver).
A
região
amazônica
equatoriana
compreende
as
províncias de Sucumbios, Napo,
Orellana, Pastaza, Morona Santiago
e Zamora Chinchipe.
Aprox. 91.045 km²: começa
nas florestas transicionais
andino-amazônicas, a 1.300
msnm,
ao
longo
dos
contrafortes dos Andes, e
avança em direção à planície
amazônica
até
aproximadamente 300 msnm.
Dominada por vários tipos de
florestas sempre verdes de
terras baixas, entre elas:
florestas inundáveis de águas
brancas e de águas negras,
floresta de palmas, com uma
presença
significativa
de
campos lacustres
e outros
ecossistemas
não-florestais
(SIERRA,1999).
Aprox. 131.950 km²:
compreende
porções
das bacias dos rios
Putumayo,
Napo,
Tigre,
Pastaza,
Morona, Santiago e
Mayo. Todas são águas
binacionais
ou
transnacionais.
Aprox. 12.300
tributário
do
Branco.
km²:
Rio
Sem informação
Todo o país
Não possui tributário
do Amazonas
Sem informação
Todo o território
Aprox. 782.820 km²: existem
diversas classificações dos
ecossistemas da Amazônia
peruana, que se dividem, na
quase totalidade em duas
grandes paisagens: a planície
amazônica, localizada abaixo
dos 500 a 800 msnm e a selva
alta, ou montanha, acima desta
cota até os 3600msnm.
Entretanto, esta classificação
simplificada
de
maneira
Aprox.966.170 km²: a
Amazônia peruana está
drenada por numerosos
rios
de
diferentes
tamanhos e caudais,
entre os quais o
Amazonas, Marañón,
Napo, Ucayali e Madre
de Dios são os maiores.
Fonte: ANA 2010
Unidades hidrográficas
do Perú, 1/100 000.
Sem informação
46
excessiva
a
diversidade
ecossistêmica e contrasta com
aquela
postulada
por
encarnación
(1993)
que
identifica
16
tipos
de
vegetação somente na planície
amazônica, em função da
predominância de alguma
espécie vegetal ou do tipo de
água que inunda as florestas.
Suriname
Usando como indicador a
extensão
historicamente
conhecida do bioma de floresta
chuvosa
na
planície
amazônica, localizada ao norte
da América do Sul (extraído ou
deduzido do mapa TRESS
1999; limites S e E delimitados
de acordo com Soares, 1953).
Não possui tributário
do Amazonas
Sem informação de extensão.
Politicamente
compreende
os
departamentos de Loreto, Ucayali e
Madre de Dios, e parte dos
departamentos
de
Amazonas,
Cajamarca,
Huancavelica,
La
libertad, Pasco, Piura, Puno,
Ayacycho, Junin, Cusco, San Martin
e Huánuco. Fonte MINAM 2009.
Mapa de Desflorestación de la
Amazonía Peruana – 2000. Memoria
descriptiva, Lima p.14.
Venezuela
Aprox.
453.915
km²:
corresponde
à
Guayana
venezuelana (Huber 1995,
Gorzula e Señaris 1998, PérezHernández e Lew 2001, Eva e
Huber 2005), que ocupa, em
seu sentido amplo, os estados
Amazonas, Bolívar e Delta
Amacuro.
Aprox. 53.280 km²: do
ponto
de
vista
hidrográfico estrito se
considera
bacia
amazônica o setor ao
sul do Casiquiare que
comunica
os
rios
Orinoco e Negro (Eva
de Huber, 2005)
Aprox. 53.280 km² : atualmente se
reconhece oficialmente os limites
hidrográficos
Fonte: RAISG, 2012, p.11.
O quadro acima revela a dimensão continental da região Amazônica a qual, mesmo em
suas menores porções, possui potencial biológico incalculável. Tais características são
campos férteis às pressões externas, diante disso, tornou-se urgente a adoção de medidas para
integrar e desenvolver os territórios dos países amazônicos. Assim nasceu o Tratado de
Cooperação Amazônica:
O Pacto de Cooperação Amazônica é um instrumento normativo onde não são
previstas obrigações e, muito menos, qualquer tipo de coerção, ele é uma espécie de
guia de procedimentos, de diretrizes e princípios. Para o direito ambiental
47
internacional o tratado é uma fonte fundamental, por duas principais razões:
primeiro pelo fato de que neles são dispostos direitos e obrigações dos signatários e,
depois, pelo fato da existência de poucos costumes internacionais relacionados ao
meio ambiente (TORQUATO; SILVA FILHO, 2013, p.160).
Foi por meio do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), assinado em julho de
1978 por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, que se
reconheceu efetivamente a natureza transfronteiriça da Amazônia.
O tratado em linhas gerais:
Reafirma a soberania dos países amazônicos e incentiva, institucionaliza e orienta o
processo de cooperação regional entre os mesmos. Prevê o incremento da pesquisa
científica e tecnológica, o intercâmbio de informações, a utilização racional dos
recursos naturais, a liberdade de navegação, a preservação do patrimônio cultural, os
cuidados com a saúde, a criação de centros de pesquisa, o estabelecimento de uma
adequada infraestrutura de transportes e comunicações, e o incremento do turismo e
do comércio fronteiriço. Tem como objetivo central, a promoção do
desenvolvimento harmônico da Amazônia, e a incorporação de seus territórios às
respectivas economias nacionais, o que é fundamental para a manutenção do
equilíbrio entre crescimento econômico e preservação do meio ambiente (OTCA,
2014).
Mas o tratado não se limitou às discussões travadas em 1978 e passados onze anos,
mais precisamente em 6 de maio de 1989, estiveram reunidos em Manaus, capital do
Amazonas, os presidentes dos países signatários do Tratado de Cooperação Amazônica. O
propósito desta reunião era realizar uma reflexão conjunta sobre seus interesses comuns sobre
a Amazônia e, em particular, sobre o futuro da cooperação para o desenvolvimento e a
proteção do rico patrimônio de seus respectivos territórios amazônicos 3.
Três anos mais tarde, nos dias 10 e 11 de fevereiro de 1992, os representantes dos
países amazônicos se reuniram pela segunda vez. A reunião teve como propósito examinar os
temas da Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente e desenvolvimento4.
A reunião resultou na elaboração de um documento onde ficou consignada a posição
conjunta dos países amazônicos sobre a conferência das nações unidas. O documento abordou
I Reunión, Manaos, 6 de mayo de 1989: “Declaración de la Amazonia”.
II Reunión, Manaos, 10-11 de febrero de 1992: “Declaración de Manaos sobre la Conferencia de las Naciones
Unidas sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo” y “Documento de Posición Conjunta de los Países
Amazónicos con miras a la Conferencia de las Naciones Unidas Sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo”.
3
4
48
temas como: mudanças climáticas, diversidade biológica e biotecnologia, florestas,
degradação do solo, recursos hídricos, resíduos tóxicos e perigosos, fortalecimento
institucional, assentamentos humanos populações e comunidades indígenas e locais, recursos
financeiros e transferência de tecnologia.
Em síntese, os temas em debate buscaram a adoção de medidas que tivessem por
escopo minimizar as tendências aceleradas de degradação ambiental, e a consolidação do
desenvolvimento sustentável. Além disso, o documento 5 deixou claro o resguardo à soberania
de cada país ao dispor que:
Los recursos biológicos son indiscutiblemente recursos naturales de cada país que,
por lo tanto, ejercen sobre ellos su soberania. Se hace necesaria una acción imediata
para promover la conservación y el uso sustentable de la diversidade biológica. Esas
atividades deben, así, ser realizadas por los países también com el apoyo de la
cooperación internacional basada em acuerdos intergubernamentales6 (CARAZO;
SALAZAR, 1997, p.16)
A Amazônia pode ser compreendida, não apenas por seu aspecto biológico, sua
riquíssima biodiversidade e sua dimensão continental, mas também pode ser vista como um
complexo formado por nove países que, interligados por meio do Tratado de Cooperação
Amazônica, buscam consolidar medidas para garantir a qualidade e manutenção de seus
recursos naturais e o resguardo da gestão soberana sobre eles.
No que toca à Amazônia brasileira, verifica-se que esta é, segundo Pontes Filho (2011,
p.32), “um fato essencialmente cultural, pois sua formação é resultado do processo histórico,
contudo, é também um fato natural, devido as suas características naturais singulares”.
As características ambientais fizeram com que a Amazônia passasse a ser objeto de
interesses e de disputas externas, sobretudo pelo “volume e quantidade de recursos naturais e
de conhecimentos tradicionais que a região comporta” (PONTES FILHO, 2011, p.32).
5
Documento de posicion conjunta de los paises amazonicos con miras a la conferencia de las naciones unidas
sobre el medio ambiente y el desarrollo, item II. Diversidad biológica y biotecnología.
6
Os recursos biológicos são indiscutivelmente recursos naturais de cada país que, portanto, exercem sobre eles
sua soberania. Faz-se necessária uma ação imediata para promover a conservação e o uso sustentável da
diversidade biológica. Essas atividades devem ser realizadas pelos países com o apoio e cooperação
internacional, baseada em acordos intergovernamentais (livre tradução da autora).
49
A atenção despertada pela Amazônia, em especial sua porção brasileira, se deve,
dentre outros fatores, à diversidade de recursos naturais e ecossistemas, além de vasta
diversidade social, a qual forma concretamente um subcontinente que consiste, nessa
perspectiva, num “território multinacional e pluricultural formado por bilhões de anos de
mutações geológicas e que abriga milhares de espécimes vegetais, animais e muitos povos”
(SOUZA, 2001, p. 15).
O cenário de escassez, cada vez mais crescente de acesso a recursos naturais entre as
potências hegemônicas, particularmente de recursos hídricos, minerais e florestais, tornam a
Amazônia alvo de interesse ainda maior pelos países poderosos que demandam por esses
recursos, fazendo-nos retomar as palavras de advertência de Bobbio:
Existe situação de conflito, sempre que as necessidades ou os interesses de um
indivíduo ou de um grupo não podem ser satisfeitos senão com dano de outro
indivíduo ou grupo: um caso típico é o da concorrência de vários indivíduos ou
grupos à posse de um bem escasso (BOBBIO; 1992, p. 912).
Foi neste cenário, de forte e crescente interesse externo, somado à progressiva
escassez de acesso a recursos ambientais e a necessidade de se promover e integrar a região
que se criou a definição Amazônia Legal ou brasileira.
Por se tratar de uma região complexa e de dimensões internacionais a legislação
ocupou-se em determinar o espaço nacional compreendido pela Amazônia. Previsão
externada na Lei n° 1.806 de 6 de janeiro de 1953 em seu artigo 2º e no Código Florestal Lei
n°12.651/2012 em seu artigo 3º inciso I:
Lei n° 1.806 de 6 de janeiro de 1953
Art. 2º A Amazônia brasileira, para efeito de planejamento econômico e execução
do Plano definido nesta lei, abrange a região compreendida pelos Estados do Pará e
do Amazonas, pelos territórios federais do Acre, Amapá, Guaporé e Rio Branco e
ainda, a parte do Estado de Mato Grosso a norte do paralelo de 16º, a do Estado de
Goiás a norte do paralelo de 13º e a do Maranhão a oeste do meridiano de 44º.
Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
I – Amazônia Legal: os Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia,
Amapá e Mato Grosso e as regiões situadas ao norte do paralelo 13° S, dos Estados
de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44° W, do Estado do Maranhão.
50
A criação legislativa, Amazônia legal, se fez necessária para que o objetivo
governamental da época, de planejar e promover a região se efetivasse, não sendo, portanto,
fruto puro e simples de um imperativo geográfico.
Além disso, definir a porção brasileira sobre a Amazônia era fato essencial à gestão
soberana sobre a área, até mesmo porque, como já mencionado neste capítulo, a Amazônia
transcende o território nacional e engloba mais 8 países além do Brasil.
3.2 HIDROGRAFIA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA: GIGANTE EM
DESCOBERTA
A Amazônia pode ser definida sob diversas perspectivas, dentre elas destaca-se a sua
bacia hidrográfica, isto porque, a “Bacia Amazônica é o maior compartimento de água doce
superficial do planeta, tendo o Brasil cerca de 15% do total disponível desse recurso”
(CARNEIRO FILHO; SOUZA, 2009, p.8). A Bacia Amazônica é a de maior superfície de
água do mundo, 3.889.489,6 km² (ANA, 2014).
A nascente do rio Amazonas está situada na Cordilheira oriental dos Andes peruanos
a montante do rio Apurimac, próximo a Cuzco. Este rio Andino que vai formar o rio
Ucayali, recebe os aportes do rio Pachitea antes de sair dos Andes. Na planície
Amazônica do Peru, o rio Ucayali recebe, pela margem esquerda os aportes
sucessivos dos rios Marañon e Napo, que provêem respectivamente da Cordilheira
Central do Peru, e dos Andes equatorianos. A jusante da confluência Ucayali –
Marañon, próximo a Iquitos, o rio passa a chamar-se Amazonas, no Peru e Solimões
quando entra no Brasil. Em território brasileiro o Solimões recebe os aportes, por
sua margem esquerda, de dois tributários andinos da Colômbia: os riosPutumayo –
Içá e Caquetá – Japurá. Pela margem direita o Solimões recebe igualmente
contribuições importantes, desta vez dos rios Juruá e Purus, cujas nascentes
encontram-se numa zona de antepaís, situada na fronteira Peru – Brasil. Próximo a
Manaus, o rio Solimões encontra o rio Negro (Encontro das Águas) para formar o
rio Amazonas, no Brasil. Situada na região da linha do equador, a bacia do rio Negro
drena a planície Amazônica e, ao norte (rio Branco), os relevos do escudo das
guianas. A jusante de Manaus o Amazonas recebe os aportes do rio Madeira que
drena a cordilheira oriental dos Andes bolivianos e peruanos. O escudo brasileiro é
drenado principalmente pelo rio Guaporé – Itenez, afluente do rio Madeira e pelos
rios Tapajós e Xingu, que vão ao encontro do grande rio na região denominada de
baixo Amazonas (FILIZOLA et al, 2002, p.34:35)
Sabendo-se da importância da rede hidrográfica nacional, bem como do seu caráter
internacional, traçou-se os limites do referido espaço.
51
Figura 2 - Limites Hidrográficos da Amazônia
Fonte: CARNEIRO FILHO; SOUZA, 2009, p.9
Figura 3 - Hidrografia da Amazônia
Fonte: FILIZOLA et al, 2011. p. 47.
A bacia amazônica é de suma importância para o Brasil, ao passo que:
52
Ela abarca 68% do total os rios brasileiros. Mesmo que o Brasil seja rico em água
em praticamente todo o seu território, um morador da Amazônia tem 80 vezes mais
água disponível do que um morador da bacia do rio Paraná, grande concentradora da
população no Brasil, em relação ao Nordeste Oriental, esse número salta para 465
vezes (BECKER; STENNER, 2008, p.63).
Não obstante a importância nacional da rede hidrográfica amazônica, ainda há uma
vasta área hídrica da Amazônia brasileira sem qualquer mapeamento, fato que põe em risco
não apenas a segurança dos navegantes, mas causa prejuízos à própria soberania nacional na
região.
Diante disso, em 26 de fevereiro de 2008 o Centro Gestor e Operacional do Sistema de
Proteção da Amazônia - CENSIPAM, os comandos da marinha, do exército e da aeronáutica e
o serviço geológico do Brasil assinaram acordo de cooperação técnica para apoio às
atividades e projetos comuns, a serem realizados no âmbito do projeto de implantação do
sistema de cartografia da Amazônia.
Em linhas gerais, o projeto tem por objeto a realização do sistema de Cartografia da
Amazônia na escala de 1:100.000, das principais hidrovias da Amazônia, isto porque, dos 5,2
milhões de quilômetros de área total, 1.8 milhão de quilômetros não possuem informações
cartográficas terrestres, sendo portanto considerada uma área de vazio cartográfico.
A importância deste projeto reside no fato de que a sua concretização permitirá o
aprofundamento do conhecimento sobre a Amazônia brasileira, bem como, o suporte a
projetos de infraestrutura a serem implantados na região. Além do desenvolvimento regional,
o projeto prevê a geração de informações estratégicas para monitoramento regional e
segurança e defesa nacionais, com especial ênfase às áreas de fronteira.
O projeto se dedica a atualizar e realizar levantamentos cartográficos de caráter
terrestre, geológico e náutico. Na ocasião da assinatura do acordo estabeleceu-se um
cronograma de execução, a ser implementado entre os anos de 2008 a 2014.
A cartografia náutica possui relevância ímpar, sobretudo, no que se refere à
manutenção da soberania nacional, inclusive este é um dos pontos destacados no anexo 4 do
Projeto Cartografia da Amazônia, mais precisamente no tópico 3 Justificativa/fundamentação,
que assim o diz:
A importância da cartografia náutica para a região amazônica deve ser destacada em
seus aspectos econômicos e sociais em termos de soberania nacional.
[...]
53
A soberania nacional está associada a quaisquer ações de repressão ao tráfico de
drogas, ao contrabando e a biopirataria; à fiscalização exercida por órgãos federais; e
à garantia e defesa do território, que dependem, inevitavelmente, do deslocamento
por via fluvial (Acordo de Cooperação n. 003/2008).
Dando seguimento ao Projeto, no ano de 2012 foram apresentados os produtos do
subprojeto cartografia náutica, nesse documento consta a atualização de 74 cartas náuticas da
região amazônica, bem como, o novo cronograma proposto para o Subprojeto Cartografia
Náutica, o qual apresenta o número exato de cartas náuticas produzidas e atualizadas no
período entre 2008 e 2012, além de sugerir metas a serem alcançadas nos próximos anos deste
projeto, entre 2013 e 2017:
Quadro 2 - Atualização da cartografia náutica
Fonte: Projeto cartografia da Amazônia (BRASIL, 2012, p. 2).
O 1° termo aditivo, que amplia a duração do projeto para 2017, consta no Diário
Nacional - DOU - Seção 3 de 29/11/2012 e por intermédio dele se altera os valores de
investimento e custeio. Vejamos:
Espécie: 1° Termo Aditivo ao Acordo de Cooperação Técnica N° 03/2008, firmado
entre o CENTRO GESTOR E OPERACIONAL DO SISTEMA DE PROTEÇÃO
DA AMAZÔNIA - CENSIPAM, os COMANDOS DA MARINHA, DO
EXÉRCITO E DA AERONÁUTICA E O SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL
para apoio as atividades e projetos comuns, a serem realizados no âmbito do projeto
da Implantação do Sistema de Cartografia da Amazônia. OBJETO: Alterar a
distribuição dos valores de investimento e custeio previstos nos itens 6.2 e 6.3 das
páginas 8 e 9 do Documento de Referência, previstos para o Comando da Marinha e
para o Comando do Exército, sem alteração dos valores e prazo originais do Projeto
54
e daqueles atribuídos a cada órgão executor, conforme apresentados na Cláusula
Segunda - Das Alterações, deste Termo Aditivo. Data de Assinatura: 28/11/2012.
Signatários: ROGÉRIO GUEDES SOARES, Diretor-Geral do Censipam; Tenente
Brigadeiro do Ar APRIGIO EDUARDO DE MOURA AZEVEDO, Chefe do
Estado-Maior da Aeronáutica; General de Exército SINCLAIR JAMES MAYER,
Chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército; Vice-Almirante
MARCOS NUNES DE MIRANDA, Diretor de Hidrografia e Navegação;
MANOEL BARRETTO DA ROCHA NETO, Diretor-Presidente da Companhia de
Pesquisa de Recursos Minerais (http://www.radaroficial.com.br/d/19136346).
O Projeto Cartografia da Amazônia externaliza a preocupação nacional em gerenciar
de modo mais eficiente dos bens ambientais, em especial dos recursos hídricos, além disso, a
iniciativa permite que o país tenha um maior controle sobre suas fronteiras, efetivando o
princípio constitucional basilar da soberania.
A Amazônia é uma área que historicamente desperta grande interesse externo e o
desconhecimento do Brasil em relação às suas próprias porções amazônicas, torna ainda mais
forte a pressão externa sobre a região. Tema que será tratado de forma mais detida em
momento posterior.
3.3 AMAZÔNIA: BIODIVERSIDADE QUE DESPERTA INTERESSES
INTERNACIONAIS
Consoante visto em tópico anterior a Amazônia possui dimensão continental, e abriga
em seu entorno inestimável riqueza natural, com destaque, a sua rede hidrográfica. Fala-se
muito da Amazônia sob seu aspecto florestal, mas com a vertiginosa escassez de água doce
superficial, as atenções têm se voltado para os recursos hídricos desta região.
Tratando da relação entre Amazônia e a cobiça internacional Coimbra (2001) explica
que:
O Brasil é detentor da maior reserva de água doce do mundo, em sua maior parte na
Amazônia. O ouro branco será o recurso mais raro e disputado, nos próximos anos.
Guerras acontecerão por sua causa. Nos EUA, a Flórida e a Califórnia já estão
dessalinizando a água do mar, a custos elevados, por carência de água doce. E eles
estão interessados em garantir, para o futuro, a propriedade destes recursos raros.
Hoje o petróleo. Amanhã a água. Daí a cobiça internacional pela rica região
amazônica [...] Não será exagero afirmar que a nação possuidora da Amazônia será a
potência do terceiro milênio. Por isto, devemos ocupá-la não só militarmente, como
economicamente, para mantê-la no Brasil. Caso não o façamos, de imediato,
perderemos, direta ou indiretamente, esta terra de Canaã, herdada de nossos
55
antepassados. Com a cumplicidade de traidores da pátria os “donos do mundo” vão
tomando posse da região, a pretextos vários. Demarcação de terras indígenas, sob a
orientação de ONGs estrangeiras, compra de territórios, ocupação dissimulada
através de “grilagem”, criação de reservas ambientais.
A Amazônia é uma gigante que ainda está sendo revelada, este desconhecimento e o
potencial biológico que abriga tornam as pressões externas sobre a região ainda mais
expressivas.
Em discurso proferido no plenário da Câmara dos Deputados e publicado no Diário do
Congresso Nacional de 18 de setembro de 1967, Cabral (2002, p. 19-24) alerta para a cobiça
internacional como uma grave ameaça que paira sobre a Amazônia. Em sua exposição Cabral
afirma que a Amazônia era vista, internacionalmente como a maior área desértica do mundo,
e sabendo de seu baixo índice populacional e da grande biodiversidade era simples
compreender as razões que ensejavam a cobiça externa. Na sua visão a cobiça externa é tema
que envolve também a questão da segurança nacional, de tal modo que “todo o brasileiro,
natural ou não da região, tem o dever cívico de se não omitir na luta em defesa dos interesse
nacionais”. Prossegue dizendo que “a nação jamais alcançará seus gloriosos destinos,
enquanto os poderes centrais permanecerem indiferentes ao desenvolvimento daquela
vastíssima área, até hoje marginalizada e voltada ao maior atraso. Finaliza expondo que “o
mais grave, no entanto, não é permanecermos curvados à cobiça estrangeira, mas é o que
ocorrerá se não dermos um basta”.
O discurso de Cabral demonstra a grande preocupação que se tem sobre a sempre
presente ameaça internacional, soma-se a isto, o processo de globalização o qual modifica
sobremaneira a visão que se têm sobre a gestão dos recursos naturais amazônicos.
Becker (2007, p.33:34) explica que é preciso compreender a região sob o prisma do
processo de globalização, ao passo que, suas consequências alteraram o significado de
Amazônia, posto ter havido uma valorização ecológica de dupla face: a da sobrevivência
humana e a do capital natural, sobretudo a megadiversidade e a água:
Sabe-se que a Amazônia sul-americana corresponde a 1/20 da superfície terrestre e a
dois quintos da América do Sul; contém um quinto da disponibilidade mundial de
água doce (17%) e um terço das florestas mundiais latifoliadas, mas somente 3,5
milésimos da população planetária. Daí considerar-se a Amazônia como o coração
ecológico do planeta, heartland. O conceito se aplica à Amazônia devido à extensão
da massa terrestre e florestal – que historicamente dificultou a ocupação,
56
constituindo auto-defesa que envolve hoje a Amazônia Sul-americana, à posição
geográfica estratégica entre os blocos regionais e à conectividade, que atualmente
permite maior mobilidade interna acrescentando valor à biodiversidade, base da
fronteira da ciência com a biotecnologia e a biologia molecular. Trata-se, assim, de
reconhecer um novo e poderoso trunfo para o seu desenvolvimento (BECKER,
2007, p.33:34).
No entanto, não é apenas o processo de globalização que atrai olhares para a
Amazônia. A história demonstra que a cobiça internacional pela região remonta a tempos
antigos. Coimbra (2003) faz um histórico sucinto dos discursos de relativização da soberania
sobre esta região:
Em 1850, os EUA já pregavam a ocupação internacional da região. Em 1930, o
Japão defendeu a tese de abrigar naquela área excedentes populacionais. Em 1949, a
UNESCO sugeriu a criação do Instituto Nacional da Hiléia Amazônica, com funções
executivas. Em 1960, o Instituto Hudson defendeu a tese da criação de sete lagos na
região. Em 1992, a chamada ECO-92 (Conferência Internacional), realizada no Rio
de Janeiro, avançou o processo. A seguir, constatamos a realização, em maio de
1993, de manobras das Forças Armadas dos EUA, a menos de 100 km de nosso
território, sob a desculpa de combate ao narcotráfico, ao mesmo tempo em que
construíram gigantesca base aérea no Paraguai e adestraram uma divisão especial
para combate na selva. Em novembro de 1993, a ONU proclamou a Declaração
Universal dos Direitos dos Índios, já preparando a criação da chamada "nação
Ianomami", a ser transformada posteriormente num "estado soberano". O Conselho
Mundial das Igrejas, em seu documento "Diretrizes para a Amazônia", prescreve a
internacionalização da área. O ex-presidente François Mitterand declarou que
"alguns países deveriam abrir mão de sua soberania em favor dos interesses
globais". O ex-presidente Gorbachev afirmou "O Brasil deve delegar parte de seus
direitos sobre a Amazônia aos organismos internacionais". O ex-vice-presidente dos
EUA, Sr. Al Gore, bradou: "a Amazônia é um patrimônio da humanidade e não dos
países que a ocupam". E o homem da guerra do Vietnã, Sr. Henry Kissinger,
enfatiza: "não devemos permitir que surja, ao sul do Equador, mais um tigre
asiático". Todos na linha da defesa da extinção do Estado Nacional Soberano
brasileiro, da restrição da soberania, da reunião das nações indígenas, do desmonte
das Forças Armadas brasileiras, da prevalência das questões ecológicas. Qualquer
semelhança não é mera coincidência.
Os discursos acima transcritos demonstram que a Amazônia, desde sua mais tenra
idade, sofre pressões externas, seja por sua incalculável riqueza de fauna e flora, seja por seu
imenso e vital recurso hídrico.
57
3.3.1 Água como um bem ambiental e jurídico
“Água é vida” esta frase que pode parecer clichê, num primeiro momento, é repleta de
significados. A força destas palavras evidencia-se quando se verifica que o próprio corpo
humano compõe-se essencialmente de água.
Cohen e Wood (2002, p.17) ensinam que:
A água é o composto mais abundante no corpo. Nenhuma planta ou animal,
incluindo o ser humano, pode viver muito tempo sem ela. A água é de importância
vital em todos os processos fisiológicos nos tecidos do corpo. A água carrega
substâncias das células e para as células e torna possível os processos essenciais de
absorção, troca, secreção e excreção.
Em um sentido mais metafísico acerca da importância da água Barros (2003, p. 112)
expõe que:
A vida depende da presença da água. Onde não há água, não há vida, ao menos
como esta existe na Terra. A existência de água é sinal de vida. Como todas as
religiões e tradições espirituais creem que Deus é a fonte da vida, todas ligam a água
com a presença de Deus. Para quem crê, a água tem um significado que vai além do
seu conteúdo material. A água é fonte de vida e o instrumento de relação com o
divino e de harmonia do ser humano consigo mesmo e com toda a natureza. A
maioria dos povos crê que a água é o primeiro elemento da criação e primordial
manifestação do amor divino por nós. No modo como os mais diversos grupos
contam a criação do mundo, a água representa a fonte da vida e a energia divina da
fecundidade da terra e dos seres vivos. Muitas narrativas religiosas antigas dizem
que o ser humano foi feito de água e saiu da água para a terra, a fim de cumprir uma
missão: a de zelar pela natureza. Praticamente em todos os caminhos espirituais, a
água é venerada como fonte de vida e mistério da fecundidade e do amor.
Muito embora a água seja um elemento vital à vida humana, segundo leciona Freitas
“o uso e importância da água nunca foram preocupação da população brasileira. Em tempos
recentes a situação começou a alterar-se”. Aponta o autor o ano de 1999 como o momento do
despertar da conscientização sobre o tema, prossegue o estudioso dizendo: “a água sempre
considerada elemento inesgotável, passou a receber tratamento mais atento. Com razão, pois o
esgotamento dos recursos naturais no planeta e o aumento populacional levaram o precioso
líquido a tornar-se cada vez mais disputado” (FREITAS, 2004, p. 17:18).
58
Seguindo esta ordem de ideias Malvezzi (2003, p. 90) expõe que “a humanidade
jamais olhará para a água como olhava há apenas alguns anos. Agora estamos diante de um
bem precioso que exige carinho e cuidado. A água é fundamento da vida biológica e sem ela
morreremos. [...] somos água”.
Diante desta cenário e ciente da grande responsabilidade como “detentor de cerca de
13,7% da água doce do mundo” (FREITAS, 2004, p.18) e também em decorrência da forte
pressão externa sobre os recursos hídricos pátrios, em especial os amazônicos, o país passa a
demonstrar, pelas vias legais, seu intento de proteger o referido bem ambiental.
Quanto à evolução legislativa constitucional sobre o tema “águas”, verifica-se que:
Na Constituição do Império de 25.03.1824, as águas não foram objeto de tratamento
específico, pertencendo todos os rios à Coroa, em conformidade com as Ordenações
do Reino; Na Constituição Republicana de 24.02.1891, não havia disposição
específica sobre as águas, a não ser no tocante à competência privativa do Congresso
Nacional para legislar sobre a navegação dos rios; Na Constituição Republicana de
16.07.1934, o art. 20, incs. I e II, referem-se ao domínio da União sobre o bem água,
em seu art. 5°, inc. XIX, a competência privativa da União, para legislar sobre as
águas e energia elétrica, florestas, caça e pesca e sua exploração, e sobre o regime de
portos e navegação de cabotagem; destacamos ainda disposição sobre uma atividade
ordenada governamental com relação à utilização dos recursos hídricos na Região
Norte, em decorrência da seca; Na Constituição Republicana de 10.11.1937, não
houve alterações nos termos da Constituição anterior no que se refere ao domínio
das águas; Na Constituição Republicana de 18.09.1946, “considerada a mais
moderna e liberal Constituição que o país já teve, alterou-se o direito anterior no que
se refere ao domínio hídrico, excluindo os Municípios da categoria de detentores do
domínio das águas. O art. 34, I, atribuiu à União os lagos e quaisquer correntes de
água em terrenos de seu domínio ou que banhassem mais de um Estado ou
servissem de limite com outro país ou se estendessem a território estrangeiro, bem
como as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países. A
competência da União, agora, não era apenas contra a seca do “Norte”, mas, na
forma do art. 5°, XIII, também a de “Organizar defesa permanente contra os efeitos
da seca, das endemias rurais e das inundações” (SOUZA, 2006, p. 77:78).
Quanto às Constituições de 1967 e 1969:
As Constituições de 67 e de 69 não possuem grandes diferenças, entre si, quanto ao
particular. Assim sendo, dentre os bens pertencentes à União estavam incluídos os
lagos de qualquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem
mais de um Estado, constituam limite com os outros países ou se estendam a
território estrangeiro, as ilhas oceânicas, assim como as ilhas fluviais e lacustres nas
zonas limítrofes com outros países. Dentre os bens dos Estados e Territórios
estavam incluídos os lagos em territórios de seu domínio, bem como os rios que
neles têm nascentes e foz, as ilhas fluviais e lacustres e as terras devolutas não
compreendidas no domínio federal. A competência federal sobre as águas foi
mantida, afastando-se a competência supletiva dos Estados quanto ao particular
(ANTUNES, 2010, p. 721:722).
59
As Constituições até aqui estudadas permitem apontar um ponto de convergência: a
preocupação excessiva com os aspectos formais de gestão dos recursos hídricos em
detrimento de seus enfoques mais essenciais como a preservação de sua higidez, acesso e uso.
Uma das razões motivadoras deste comportamento, conforme nos lembra Freitas
(2004, p. 18; 19) talvez seja o fato de os juristas sempre virem o problema da água doce como
algo limitado aos conflitos de vizinhança ou aproveitamento de energia elétrica, prova disso,
segundo o autor, são as previsões legais constantes nos arts. 563 a 568 do Código Civil de
1916, bem como as disposições contidas no Código de Águas, Decreto n°. 24.643 de 10 de
julho de 1934.
Não obstante a importância do Código de Águas, ao passo que foi o primeiro diploma
a abordar especificamente a proteção da qualidade da água no Brasil, ainda sentia-se a
ausência de uma legislação mais completa no que tange a preocupação com os recursos
hídricos, desta feita, com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 tem-se uma
mudança significativa na visão sobre o meio ambiente, bem como de sua proteção e resguardo
para as gerações vindouras. No que diz respeito aos recursos hídricos a Carta Magna vigente
ganha relevo pelo fato de ter possibilitado o estabelecimento da Política Nacional dos
Recursos Hídricos.
Deste modo, no ano de 1997 o cenário legislativo sobre o tema ganha novos contornos
com a entrada em vigor da Lei n°. 9.433 de Janeiro de 1997, instrumento por meio do qual se
instituiu a Política Nacional dos Recursos Hídricos criou o Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamentou o inciso XIX do art. 21 da Constituição
Federal, dentre outras providências.
A lei que é composta por 57 artigos, deixa evidente, já no seu primeiro dispositivo,
que a água é um bem público, limitado e que possui valor econômico:
Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes
fundamentos:
I - a água é um bem de domínio público;
II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo
humano e a dessedentação de animais;
IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das
águas;
60
V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política
Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos;
VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a
participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.
A lei em comento possui importância ímpar, pois, evidencia que a água é um bem vital
de acesso limitado e que, portanto, deve ter seu uso racionalizado. A visão trazida por esta lei
rompe com o antigo pensamento de inesgotabilidade dos recursos naturais.
Sobre a base principiológica contida no primeiro artigo da Política Nacional de Recursos
Hídricos:
A Política Nacional dos Recursos Hídricos – PNRH, em seus princípios, rompe com
a antiga e errônea concepção de que os problemas referentes aos recursos hídricos
podem ser enfrentados em desconsideração das realidades geográficas. A adoção da
gestão por bacias é um passo fundamental para que se consiga um padrão
ambientalmente aceitável para os nossos recursos hídricos. Igualmente relevante é a
adoção do critério de que a gestão dos recursos hídricos é um elemento de interesse
de toda a sociedade e que, portanto, somente em ações conjuntas é que se conseguirá
obter resultados favoráveis (ANTUNES, 2010, p. 739).
Verifica-se também que, dentre os objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos
merece destaque o que está expresso no seu artigo Art. 2º, inciso primeiro, que assim o diz: “I
- assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de
qualidade adequados aos respectivos usos”.
Dada a importância que possui é imprescindível que tal recurso seja tratado com
especial atenção por ser verdadeira condição de manutenção da vida humana.
Outro relevante instrumento legal trata-se da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, a
qual dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e possui como intento proteger os
bens ambientais nativos, dentre os quais, os recursos hídricos. Vejamos alguns dos seus
principais dispositivos sobre o tema:
Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,
melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar,
no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança
nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes
princípios
[...]
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
61
Art. 8º Compete ao CONAMA:
[...]
VII - estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da
qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais,
principalmente os hídricos.
Anos após, mais precisamente em 2000, é criada por meio da lei 9.984 de 17 de julho
a Agência Nacional de Águas - ANA, entidade federal de implementação da Política Nacional
de Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos.
A ANA possui como missão a implementação e coordenação da gestão compartilhada
e integrada dos recursos hídricos, além disso, a agência visa regular o acesso à água tendo
como foco o uso sustentável afim de efetivar o intento do art. 225 da Constituição de 1988,
qual seja, garantir que o bem esteja acessível para as atuais e futuras gerações.
Importa ainda destacar que, cabe à ANA:
Disciplinar a implementação, a operacionalização, o controle e a avaliação dos
instrumentos de gestão criados pela Política Nacional de Recursos Hídricos. Dessa
forma, seu espectro de regulação ultrapassa os limites das bacias hidrográficas com
rios de domínio da União, pois alcança aspectos institucionais relacionados à
regulação dos recursos hídricos no âmbito nacional. A ANA desempenha ações
de Regulação, Apoio à Gestão dos recursos hídricos, de Monitoramento de rios e
reservatórios,
de Planejamento dos
recursos
hídricos,
além
de
desenvolver Programas e Projetos e oferecer um conjunto de Informações com o
objetivo de estimular a adequada gestão e o uso racional e sustentável dos recursos
hídricos. Os planos de recursos hídricos, cuja elaboração é apoiada pela ANA,
mostram como aplicar os demais instrumentos. Eles focalizam, por exemplo, as
prioridades para a outorga e as diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso da
água. Antes, porém, é preciso ter um diagnóstico e direcionar o Plano para que seja
consistente com o presente e o futuro, considerando como e quando emitir as
outorgas, implementar a cobrança, realizar fiscalizações e estabelecer normas de
enquadramento dos corpos d’água com relação aos tipos de uso. Para isso, as
informações são colhidas por meio do contínuo monitoramento qualitativo e
quantitativo dos recursos hídricos. Por isso, o Sistema Nacional de Informações
sobre Recursos Hídricos (SNIRH) é não apenas um instrumento de apoio à gestão,
mas também uma ferramenta de regulação. Outras atividades da ANA são as de
estímulo à criação dos comitês de bacias hidrográficas. Compostos por
representantes da sociedade civil, dos usuários da água e dos poderes públicos, os
comitês desempenham um importante papel nas ações de regulação, pois aprovam a
aplicação adequada dos instrumentos de gestão na bacia. Essas entidades
proporcionam que se cumpra, de forma descentralizada, a regulação eficiente. A
Agência Nacional de Águas, consciente do significado que tem a participação desses
arranjos, não mede esforços para que esses colegiados, principalmente os
relacionados às bacias de rios da União, estejam cada vez mais preparados para
cumprir o papel que lhes destinou a Lei das Águas. Ainda como órgão regulador,
não podem ser esquecidas as competências da ANA para definir as condições de
operação dos reservatórios, públicos ou privados, para garantir os usos múltiplos dos
62
recursos hídricos, e avaliar a sustentabilidade de obras hídricas com participação de
recursos federais (ANA, 2015).
O que se observa da leitura dos dispositivos acima colacionados é que o cenário
normativo pátrio é pródigo quanto à proteção e resguardo dos recursos hídricos. O percurso
histórico normativo nos evidencia que passamos de uma legislação totalmente afastada de
preocupações como escassez e poluição, para uma legislação determinada a gerir os recursos
hídricos de maneira sustentável e comprometida com o futuro.
63
4 RECURSOS HÍDRICOS AMAZÔNICOS FRENTE À ESCASSEZ DE
ACESSO À ÁGUA DOCE
Importa destacar, inicialmente, que há autores como Cid Tomanik Pompeu que
defendem haver distinção entre os termos água e recursos hídricos segundo este autor “água é
o elemento natural, descomprometido com qualquer uso ou utilização. É o gênero. Recurso
hídrico é a água como bem econômico, passível de utilização com tal fim” (POMPEU, 2006,
p.71).
Não obstante a relevância dos estudos desenvolvidos por Pompeu a presente
dissertação filia-se à corrente adotada por Maria Luiza Machado Granziera a qual utiliza as
expressões águas e recursos hídricos, tanto no singular como no plural, “considerando apenas
que o objeto de interesse são as águas doces, contidas nos corpos hídricos” (GRANZIERA,
2001, p. 30).
Consoante visto em linhas anteriores a Amazônia é uma região de biodiversidade
ímpar, sua rede hidrográfica ganha destaque, sobretudo, no contexto de crescente escassez de
acesso à água doce em escala global.
Considerando este fato, o presente capítulo visa estudar o interesse externo pelos
recursos hídricos amazônicos, bem como, a posição do país neste cenário. Tal análise
considerará os eixos centrais da presente pesquisa, quais sejam: a soberania, a globalização e
a transnacionalidade.
4.1 ESCASSEZ DE ACESSO À ÁGUA DOCE EM NÍVEL PLANETÁRIO E
CONFLITOS DELA DECORRENTES
À proporção que os Estados se desenvolvem, cresce o consumo água, seja pelo uso nas
atividades industriais ou agrícolas, seja pelo desregrado e vultoso crescimento populacional.
Sempre houve grande dependência dos recursos hídricos para o desenvolvimento
econômico. A água funciona como fator de desenvolvimento, pois ela é utilizada
para inúmeros usos diretamente relacionados com a economia (regional, nacional e
internacional). Os usos mais comuns e frequentes dos recursos hídricos são: água
64
para uso doméstico, irrigação, uso industrial e hidroeletricidade. De 1900 a 2000, o
uso total da água no planeta aumentou dez vezes (de 500 km3 /ano para
aproximadamente 5.000 Km3 /ano) Os usos múltiplos da água aceleram-se em todas
as regiões, continentes e países. Estes usos múltiplos aumentam à medida que as
atividades econômicas se diversificam e as necessidades de água aumentam para
atingir níveis de sustentação compatíveis com as pressões da sociedade de consumo,
a produção industrial e agrícola (TUNDISI, 2003, p.4).
Tanto o processo de industrialização, quanto o crescimento populacional geram
degradação7 e distribuição irregular das águas, quando não, a própria escassez de acesso ao
bem. A ONU considera que 110 litros de água, por dia, são suficientes para que os indivíduos
possam viver com dignidade e saúde (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2015).
Não obstante este fato, a realidade se mostra bem diversa, isto porque, há grande desperdício
do bem em diversas regiões do globo.
Um dos fatores às diferenças de consumo é a desigualdade na distribuição de água
doce superficial global nos diversos continentes, é o que mostra a figura abaixo:
Figura 4 - Distribuição de água doce superficial no mundo
Fonte: GEO Brasil, 2007, p. 20.
7
A poluição hídrica pode ser conceituada como a degradação da qualidade ambiental resultante da atividade que
direta ou indiretamente lance matérias ou energia nas águas em desacordo com os padrões ambientais
estabelecidos. Em outras palavras, é a alteração dos elementos constitutivos da água, tornando-a imprópria ao
consumo ou à utilização para outros fins (SIRVINSKAS, 2013, p. 433).
65
É digno de nota que, consoante assevera Barros (2005, p. 812), “os problemas
relativos à água não se prendem somente à sua disponibilidade, à sua quantidade. Em diversas
regiões, as águas superficiais e as águas subterrâneas são abundantes, mas se encontram
bastante contaminadas, poluídas” fatores que acabam limitando seu uso e aproveitamento.
Deste modo verifica-se que o acelerado processo de urbanização contribui
sobremaneira para a discrepância no consumo de água nos diversos continentes,
A urbanização acelerada em todo o planeta produz inúmeras alterações no ciclo
hidrológico e aumenta enormemente as demandas para grandes volumes de água,
aumentando também os custos do tratamento, a necessidade de mais energia para
distribuição de água e a pressão sobre os mananciais. À medida que aumenta o
desenvolvimento econômico e a renda per capita, aumenta a pressão sobre os
recursos hídricos superficiais e subterrâneos. As estimativas e projeções sobre os
usos futuros dos recursos hídricos variam bastante, em função de análises de
tendências diversificadas, algumas baseadas em projeções dos usos atuais, outras em
função de reavaliações dos usos atuais e introdução de medidas de economia
(TUNDISI, 2003, p.5).
Outro fator agravante da escassez no acesso à água é o padrão de consumo das
sociedades modernas.
Quadro 3 - Ranking que mostra as diferenças de consumo em países situados em continentes
distintos
Estados Unidos
Um norte-americano gasta, em média, 214 litros
diários. O país está no topo da lista dos que mais
consomem o recurso.
Brasil
O brasileiro está acima da média sugerida pela ONU:
cada cidadão consome, em média, 159 litros.
França
O francês está na média de consumo: são 106 litros
por pessoa. Segundo o governo local, a ideia é
diminuir ainda mais esse índice.
China
Parabéns para os chineses! Apesar de não sofrerem
com a falta de água, o índice de consumo per capita
no país é baixíssimo: apenas 32 litros.
Mali
Localizado na África, o país reúne diversas
comunidades carentes que enfrentam dificuldades
para obter água potável. Resultado: cada cidadão tem
à sua disposição apenas 4 litros diários.
Fonte: PLANETA ÁGUA, 2014.
66
O quadro acima demonstra que os Estados Unidos estão no topo quando o tema é
consumo de água per capita. É notório que esta região é também uma das maiores potências
comerciais do globo 8, fato este que ratifica a forte relação entre o consumo de água e o
volume de transações comerciais.
O padrão de consumo das sociedades ocidentais modernas, além de ser socialmente
injusto e moralmente indefensável, é ambientalmente insustentável. A crise
ambiental mostrou que não é possível a incorporação de todos no universo de
consumo em função da finitude dos recursos naturais. O ambiente natural está
sofrendo uma exploração excessiva que ameaça a estabilidade dos seus sistemas de
sustentação (exaustão de recursos naturais renováveis e não renováveis,
desfiguração do solo, perda de florestas, poluição da água e do ar, perda de
biodiversidade, mudanças climáticas etc.). Por outro lado, o resultado dessa
exploração excessiva não é repartido equitativamente e apenas uma minoria da
população planetária se beneficia desta riqueza. Assim, se o consumo ostensivo já
indicava uma desigualdade dentro de uma mesma geração (intrageracional), o
ambientalismo veio mostrar que o consumismo indica também uma desigualdade
intergeracional, já que este estilo de vida ostentatório e desigual pode dificultar a
garantia de serviços ambientais equivalentes para as futuras gerações. Estas duas
dimensões, a exploração excessiva dos recursos naturais e a desigualdade inter e
intrageracional na distribuição dos benefícios oriundos dessa exploração,
conduziram à reflexão sobre a insustentabilidade ambiental e social dos atuais
padrões de consumo e seus pressupostos éticos. Torna-se necessário associar o
reconhecimento das limitações físicas da Terra ao reconhecimento do princípio
universal de equidade na distribuição e acesso aos recursos indispensáveis à vida
humana, associando a insustentabilidade ambiental aos conflitos distributivos e
sociais. Se considerarmos o princípio ético de igualdade inter e intrageracional, ou
seja, o princípio de que todos os habitantes do planeta (das presentes e das futuras
gerações) têm o mesmo direito a usufruir dos recursos naturais e dos serviços
ambientais disponíveis, enquanto os países desenvolvidos continuarem promovendo
uma distribuição desigual do uso dos recursos naturais, os países pobres poderão
continuar reivindicando o mesmo nível elevado neste uso, tornando impossível a
contenção do consumo global dentro de limites sustentáveis. Neste contexto, os
riscos de conflitos por recursos naturais, fome, migrações internacionais e
refugiados ecológicos tenderão a aumentar. Tal dilema aponta para a percepção ética
de que todos os povos devem ter direitos proporcionais no acesso e utilização dos
recursos naturais. Assim, para reduzir a disparidade social e econômica, seria
necessário tanto um piso mínimo quanto um teto máximo de consumo. Porém, cada
povo tem o direito e o dever de estabelecer padrões próprios de estilo de vida e
consumo, não necessariamente copiando os estilos de vida de outras culturas
(BRASIL, 2005, p.16).
Todos os fatores citados contribuem, de modo direto ou indireto, para a ausência de
condições mínimas a uma vida digna, além de gerarem conflitos internos ou externos em
diversas partes do globo.
8
A China ultrapassou, pela primeira vez, os EUA e se tornou a maior potência comercial do mundo em 2012,
pelo critério do fluxo comercial (soma de exportações e importações de bens), revelaram dados oficiais dos dois
países. As exportações e importações americanas no ano passado somaram US$ 3,82 trilhões, de acordo com
relatório do Departamento de Comércio dos EUA divulgado na semana passada. Já a agência de administração
de bens da China anunciou mês passado que o total de vendas e compras externas alcançaram US$ 3,87 trilhões
(BLOOMBERG NEWS, 2013).
67
A história revela a ocorrência de inúmeros conflitos mundiais que tiveram como
motivação a disputa por recursos hídricos:
As águas dos rios Tigre e Eufrates, que sustentaram a agricultura durante milhares
de anos na Turquia, Síria e Iraque, foi a causa de vários importantes choques entre
esses países. Os dois rios nascem na Turquia, cuja posição oficial é a de que “a água
é tão turca como o petróleo do Iraque é iraquiano”. Os projetos da Turquia para
construção de represas no rio Eufrates levaram o país à beira de um conflito com a
Síria em 1998. A Síria acusa a Turquia de usar deliberadamente sua fonte de água
enquanto o rio desce pelo país. A falta de água ocasionada pelo aquecimento global
aumentará ainda mais a pressão nesta volátil região. Israel, Jordânia e Palestina que
têm 5% da população mundial sobrevivem com 1% da água disponível no Oriente
Médio. Nesse contexto ainda há a guerra entre árabes e israelenses. Israel, os
territórios palestinos e a Jordânia necessitam do rio Jordão, mas Israel controla-o e
corta suas fontes durante as épocas de escassez. O consumo palestino é então
restringido severamente por Israel. A guerra entre israelenses e palestinos é,
também, uma guerra pela água. A fonte do conflito é o rio Jordão cujas águas são
usadas por Israel, Jordânia, Síria, Líbano e Cisjordânia. A agricultura e a indústria
de Israel requerem água desse rio, bem como das águas subterrâneas da Cisjordânia.
Embora somente 3% da bacia do rio Jordão esteja em território israelense, esta área
proporciona 60% das necessidades de água de Israel. A guerra de 1967 foi, também,
uma guerra pela água das Colinas de Golan, do Mar da Galiléia, do rio Jordão e da
Cisjordânia. Esta é, também, uma das grandes dificuldades para que Israel e
Palestina celebrem um acordo de paz. No continente americano, o conflito entre
Estados Unidos e México pela água do Rio Colorado se intensificou em anos
recentes. Cada rio da Índia, por exemplo, é motivo de importantes e insolúveis
problemas a respeito da propriedade da água e sua distribuição. O rio Brahmaputra
já causou grande tensão entre Índia e China e pode gerar conflito de grandes
proporções entre dois dos maiores exércitos do mundo. Em 2000, a Índia acusou a
China de não compartilhar informações sobre o funcionamento do rio desde o Tibet
que causou inundações no nordeste da Índia e em Bangladesh. As propostas
chinesas para desviar o rio também dizem respeito à Índia. As tensões aumentaram
entre Botswana, Namíbia e Angola na África em torno da vasta bacia de Okavango.
As secas fizeram a Namíbia reativar projetos para um encanamento de água de 250
milhas para fornecimento à capital. Drenar o delta seria letal para comunidades
locais e para o turismo. O crescimento populacional no Egito, no Sudão e na Etiópia
está ameaçando um conflito ao longo do rio Nilo. A Etiópia está pressionando por
uma parte maior da água do rio Nilo, mas isso prejudicaria o Egito. E o Egito está
preocupado com a parte do Nilo que corre através de Uganda e Sudão, e que poderia
ser esgotado também antes que alcance o deserto de Sinai (ALCOFORADO, 2012,
p. 1:2).
A tendência de agravamento da escassez de acesso, bem como, o aumento da demanda
por água, faz com os conflitos tendam a ganhar maior dimensão.
68
Na atualidade já há registros de conflitos armados que possuem como causa oculta a
escassez do acesso aos recursos hídricos no Oriente Médio e na África 9:
No ano de 2012, especialistas, ouvidos pela BBC Brasil, divulgaram que: “apesar da
quantidade de água disponível ser constante, a demanda crescente em razão do aumento da
população e da produção agrícola cria um cenário de incertezas e conflitos”.
Isto porque, conforme explica Sirvinskas (2013, p. 436) “o volume de água doce no
planeta é fixo, não aumenta nem diminui. Mas, à medida que a população aumenta, diminui a
quantidade de água per capita e, consequentemente, a disponibilidade deste recurso como um
todo”.
Dados divulgados pela OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico - indicam que até 2050 a demanda global por água terá um crescimento de cerca
de 55%, por este motivo, se nenhuma medida for adotada, mais de 40% da população mundial
não terão acesso à água. O consultor do secretário geral da ONU Gérard Payen afirmou que os
conflitos em torno da água tendem a ocorrer de modo mais regionalizado, isto porque a
população possui necessidades de uso dos recursos hídricos de maneiras distintas, o que acaba
gerando disputas, como ocorre entre o Egito e o Sudão ou ainda entre a Turquia e a Síria e o
Iraque (BBC Brasil, 2012).
Em 2014 informações de Nova York para a BBC do Brasil indicaram que uma seca
histórica agravou a disputa por água no oeste dos EUA (BBC BRASIL, 2014).
A seca que vem castigando o oeste americano há três anos, acentuou uma questão já
problemática na localidade, trata-se da disputa pelo controle dos recursos hídricos. O
problema passou a ser judicializado, como foi o caso do Texas que processou o Novo México
e o Colorado pelo uso das águas do Rio Grande, que passa pelos três Estados, caso que
chegou à Suprema Corte (maior instância da Justiça dos EUA). Outro Estado americano que
9
O crescimento da população mundial e mudanças drásticas no clima tendem a transformar a água em um fator
mais determinante para o início de guerras. O caso mais recente é a guerra civil na Síria, que já matou mais de
200 mil pessoas. Entre 2006 e 2011, cerca de 60% do país enfrentou uma prolongada seca, que empurrou de 2 a
3 milhões de sírios para uma situação de pobreza extrema. [...] As guerras que envolvem exclusivamente a
disputa pela água costumam ser mais localizadas e afetam grupos populacionais pequenos. A África está cheia
de exemplos. Na região de Dafur, no Sudão, desavenças entre grupos étnicos pela água estão na origem da
guerra que teve início em 2003. Em 2012, pastores do Quênia atravessaram a fronteira com Unganda em busca
de água e melhores pastagens e com isso se envolveram em lutas com pastores locais. Alguns cientistas
alertaram para a possibilidade de que o aquecimento global crie conflitos onde antes reinava a mais absoluta paz.
Aproximadamente 2 bilhões de pessoas se encontrarão em situação de escassez total de água em 2025, e dois
terços do mundo estarão em áreas onde faltam recursos hídricos (VEJA, 2014, p. 105).
69
se envolveu em disputa judicial foi o Kansas que acusou o Colorado e o Nebraska de desviar
indevidamente as águas do Republican River (BBC BRASIL, 2014).
Além das disputas judiciais entre Estados, existem também disputas entre município
contra município, fazendeiros contra moradores urbanos, cidades contra ambientalistas. Na
Califórnia, por exemplo, que foi um dos Estados mais castigados pela seca, o governador
Jerry Brown pediu que os habitantes reduzissem o uso da água em 20%, e algumas cidades já
adotam o racionamento. Muitos moradores afirmam terem deixado de lavar os carros, molhar
os jardins e até mesmo reduzido o número de banhos (BBC BRASIL, 2014).
A crise vem gerando disputas curiosas no Estado. Produtores de maconha medicinal
são acusados de colocar em risco a população de determinadas espécies de peixe,
que habitam rios dos quais é retirado o grande volume de água usado nessas
plantações. No Vale Central, onde estão algumas das principais áreas agrícolas da
Califórnia, fazendeiros que tentam cavar novos poços enfrentam a oposição de
pescadores e ambientalistas, temerosos de que a ação reduza ainda mais os níveis
das águas. Proibidos de usar águas de rios e riachos em determinadas regiões,
agricultores que não têm dinheiro para pagar pela irrigação de suas lavouras estão
reduzindo a área plantada, e criadores de gado vêm se desfazendo de parte dos
rebanhos, já que não têm como cultivar o pasto necessário para alimentar os
animais. Calcula-se que as dificuldades causadas pela seca no setor agropecuário
irão resultar em um rombo de bilhões de dólares na economia da Califórnia, alta de
preços para os consumidores e aumento na taxa de desemprego. Os problemas se
repetem em todo o oeste americano. No Texas, o Estado está impedindo que
produtores de arroz usem determinadas reservas de água para irrigar as lavouras,
com medo de que isso coloque em risco o abastecimento de cidades grandes, como
Austin. Ambientalistas e ativistas de Nevada e Utah tentam impedir na Justiça o
envio para Las Vegas de água de um aquífero na divisa entre os dois Estados. "A
seca tem agravado todos esses conflitos antigos entre usuários de água", disse
Heather Cooley, diretora do programa de água do Pacific Institute, um dos principais
institutos de pesquisa sobre o tema do mundo, com sede na Califórnia. "E é bom
lembrar que ainda estamos em março (início da primavera no Hemisfério Norte). A
intensidade e a magnitude da seca continuam incertas, ainda não sabemos quanto
tempo vai durar ou quanta água estará disponível neste ano". Cooley observa que a
região ainda está no que seria sua estação chuvosa. "Tivemos um pouco de chuva
em fevereiro, mas os níveis continuam muito ruins, entre os piores da história da
Califórnia" (BBC BRASIL, 2014).
As disputas pelo uso da água nos EUA demonstram as catastróficas consequências e o
efeito dominó decorrentes das dificuldades de acesso aos recursos hídricos. A falta do recurso
ambiental afeta não apenas a natureza, como é o caso do possível comprometimento da
existência de determinadas espécies de peixes, mas afeta a própria vida humana, atingindo
diretamente desde questões basilares como higiene pessoal, até questões mais complexas
como alimentação, emprego e renda.
70
Nos dias atuais, verifica-se que “a falta de água força 36 milhões de latino-americanos
a escolher entre necessidades básicas” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO
BRASIL, 2015a) Além disso, a ONU alerta que “Se o atual ritmo de consumo continuar, em
2050 o mundo precisará de 60% mais alimentos e 40% mais água” (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL, 2015b).
A ONU chamou atenção para o fato de que quase metade da população mundial viverá
em áreas com grande escassez de água até 2030, até 2050 a demanda por alimentos e por
energia crescerá 70% e 60%, respectivamente (EM DISCUSSÃO, 2014, p.11).
O aumento da demanda, bem como a possível escassez no acesso à água sinalizam à
iminência dos mais intensos conflitos no futuro. Neste sentido:
A água está se convertendo em uma fonte geradora de guerras devido à competição
internacional pelos recursos hídricos. Muitos países constroem grandes represas
desviando a água dos sistemas naturais de drenagem dos rios em prejuízo de outros.
Alterar o fluxo de um rio também modifica a distribuição da água, especialmente se
isso implica transferências de água entre várias bacias. Estas mudanças provocam,
frequentemente, disputas entre Estados nacionais que rapidamente degeneram em
conflitos internacionais (ALCOFORADO, 2012, p.1).
A precariedade no acesso aos recursos hídricos já é uma realidade em diversas partes
do mundo, a disputa pelo bem torna a ocorrência de conflitos internacionais um fato evidente.
Não demorará muito para que estes embates se voltem para a Amazônia, afinal o acesso a tal
bem é condição de existência e dignidade, como veremos a seguir.
4.2 O ACESSO À ÁGUA DOCE E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
Falar de dignidade da pessoa humana no contexto ambiental pressupõe de início, que
se trace, ainda que em apertada síntese, algumas notas sobre os direitos humanos.
Cientes desta necessidade, encontramos nas lições de Comparato (2010, p. 20) base
para expor que a noção humana como categoria geral é recente na história, ao passo que, foi
apenas em 1948 que a primeira organização internacional a englobar a quase totalidade dos
71
povos da terra proclamasse na abertura de uma Declaração Universal dos Direitos Humanos,
que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidades e direitos”.
Tais direitos humanos, na visão de Sarlet (2012, p. 25), podem ser identificados como
“aqueles outorgados a todos os homens pela sua mera condição humana”.
A ideia de que todos os seres humanos gozam de igualdade pelo simples fato de sua
humanidade surge, consoante lição de Comparato (2010, p. 20), “vinculada a uma instituição
social de capital importância: a lei escrita como regra geral e uniforme aplicável a todos os
indivíduos que vivem em uma sociedade organizada”.
Neste sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é um
instrumento legal editado como ideal comum a ser alcançado por todos os seres humanos e
para que isto se concretize, seu reconhecimento e resguardo devem ter observância mundial.
Nas palavras de Piovesan (2013, p. 195:196) “a Declaração consolida a afirmação de
uma ética universal ao consagrar um consenso sobre valores de cunho universal a serem
seguidos pelo Estado”.
Ao lermos a Declaração de 1948 notamos que o princípio da dignidade inerente à
pessoa humana é expresso em pelo menos cinco momentos. Vejamos:
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da
família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade,
da justiça e da paz no mundo.
[...]
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos
direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na
igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o
progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,
[...]
Artigo 1º. Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito
de fraternidade.
[...]
Artigo 22. Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social
e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional de acordo com a
organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
[...]
Artigo 23.
§1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições
justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
§2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por
igual trabalho.
§3. Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória,
que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a
72
dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de
proteção social10.
Piovesan (2013, p.196:197) observa que já no primeiro preâmbulo da Declaração de
1948, “é afirmada a dignidade inerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e
inalienáveis”, de tal modo que, para a Declaração Universal a condição de pessoa é requisito
único e exclusivo para a titularidade de direitos. Lembra a autora que a dignidade humana
como fundamento dos direitos humanos e valor intrínseco a condição humana é concepção
que, posteriormente, viria a ser incorporada por todos os tratados e declarações de direitos
humanos, que passaram a integrar o chamado Direito Internacional dos direitos humanos.
Muito embora a noção humana como categoria geral tenha sido expressa apenas em
1948, a ideia de dignidade acompanha a história humana desde tempos antigos.
Platão e Aristóteles já refletiam sobre o tema. “Segundo as tradições platônica e
aristotélica, a dignidade do homem seria proporcional a sua capacidade de pensar e conduzir a
própria existência desde a razão” (SOARES, 2009).
Como bem destaca Martins (2009, p. 21:22):
Se a filosofia grega foi importante para superar a explicação mitológica e
permitir uma racionalização do pensamento humano, que passa a colocar o homem e
sua relação entre si e com a natureza como centro da reflexão, o pensamento cristão
é talvez o grande momento de elaboração da noção de dignidade humana.
Segundo Morgado (2012, p.33) a noção de dignidade da pessoa humana não é criação
grega, no entanto a relevância do pensamento grego para a civilização ocidental “decorre da
ideia do homem com validade normativa e universal, de base filosófica e racional oposto ao
pensamento mítico. Assim, a razão é vista como meio de se questionar e se resolver os
problemas”.
O advento do cristianismo faz com que cada pessoa seja vista como um ser feito a
imagem e semelhança do criador e, portanto, cada ser humano é único e dotado de valor,
independentemente de sua classe social, raça ou sexo:
A noção de pessoa como categoria espiritual e individualidade subjetiva com valor
em si mesma em dignidade, como ser de fins absolutos e que, em consequência, é
possuidor de direitos subjetivos ou direitos fundamentais, surge com o Cristianismo
10
Grifo nosso
73
com a chamada filosofia patrística, sendo depois desenvolvida pelos escolásticos.
[...] De acordo com a filosofia cristã, a dignidade da pessoa humana é decorrente da
própria natureza divina do homem, ou seja, o homem em razão de conter em seu ser
parte daquilo que é chamado de essência divina, deve ser considerado como ente
digno. A dignidade seria a quota divina que todo homem possui, é elemento
indissociável, e por si só, é capaz de fundamentar a existência de direitos e garantias
fundamentais outorgados à proteção do gênero humano. A noção de Dignidade da
Pessoa Humana deve, portanto, muito à doutrina cristã, já que foi a partir desta que
se pôde pensar o homem sob a ótica da igualdade. Um homem criado à imagem e
semelhança de Deus e que, portanto, tem valor especial na escala dos seres
(MORGADO, 2012, p. 36-38).
No século XVIII novas perspectivas para fundamentar eticamente o conceito
de dignidade são reforçadas pelas ideias do filósofo alemão Immanuel Kant, segundo o qual:
No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem
um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando
uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então
tem ela dignidade. O que se relaciona com as inclinações e necessidades gerais do
homem tem um preço venal; aquilo que, mesmo sem pressupor uma necessidade, é
conforme a um certo gosto, isto é a uma satisfação no jogo livre e sem finalidade das
nossas faculdades anímicas, tem um preço de afeição ou de sentimento
(Affektionspreis); aquilo porém que constitui a condição só graças à qual qualquer
coisa pode ser um fim em si mesma, não tem somente um valor relativo, isto é um
preço, mas um valor íntimo, isto é dignidade (KANT, 2007, p.77).
Para o filósofo alemão a dignidade é elemento que não se pode substituir ou aferir
valor, trata-se, pois, de característica inerente à condição humana.
Ao tratar do princípio da dignidade da pessoa humana Comparato (2010, p. 26:27)
defende que:
Ora, a dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente
das coisas, um ser considerado e tratado, em si mesmo, como um fim em si e nunca
como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do
fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia,
isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita. Dai decorre, como
assinalou o filósofo (Kant), que todo homem tem dignidade e não um preço, como
as coisas. A humanidade como espécie, e cada ser humano em sua individualidade, é
propriamente insubstituível: não tem equivalente, não pode ser trocado por coisa
alguma.
No que se refere ao constitucionalismo pátrio, verifica-se que a Constituição brasileira
de 1988 enalteceu o princípio da dignidade da pessoa humana. Nas palavras de Martins (2009,
p. 16) “no constitucionalismo brasileiro contemporâneo, o homem é concebido como centro
do universo jurídico-constitucional e como prioridade justificante do Direito”.
74
Sobre o significado do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana:
O princípio importa na total repulsa do constituinte a quaisquer normas ou práticas a
colocar alguma pessoa em posição de inferioridade substancial perante as demais,
assim como em situação na qual se lhe desconsidere a condição de humano, seja
para reduzir ou assemelhar a pessoa à condição de “coisa”, seja para privá-la dos
meios minimamente necessários à subsistência com dignidade (BERNARDES;
FERREIRA, 2012, p.39:40).
Para Gotti (2012, p.53) “a Constituição de 1988 elegeu como princípio orientador e
unificador dos direitos fundamentais o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III,
da Carta de 1988)”.
De modo diferente do que sucede com a maioria dos direitos fundamentais, a
estatuição da garantia da dignidade da pessoa humana encontra-se formulada numa
frase própria: o art. 1°, n. 1, frase 2, obriga todas as autoridades públicas a respeitar
e proteger a dignidade da pessoa humana. Enquanto o conceito de “respeitar”
significa que não pode haver ingerência na dignidade da pessoa humana, o conceito
de “proteger” vai para além disso. Este é um dos poucos pontos na lista dos direitos
fundamentais da Lei Fundamental em que se impõe aos poderes públicos um dever
de proteção (PIEROTH; SCHLINK, 2012, p.132:133).
Tavares (2012, p. 647) assenta que “também o caput do art. 170 fala em “existência
digna”, no contexto da ordem econômica brasileira, reafirmando a responsabilidade do Estado
quanto a esse elemento. Nesse sentido, o avanço é evidente”.
Nota-se, portanto, que a Constituição brasileira foi de curial relevância para o avanço e
consolidação dos direitos humanos no âmbito interno, em especial do princípio da dignidade
da pessoa humana, no entanto, não se pode olvidar que a Carta Magna não é a única a
demandar observância, há uma série de legislações internacionais inclinadas à defesa de tais
direitos. Neste sentido:
Não é apenas a constituição brasileira de 1988 que consagra dignidade humana
como fim central do sistema jurídico e do Estado, para o qual todos os demais
elementos devem convergir. Também o direito internacional compartilha dessa
mesma opção substantiva. Ou seja: é possível afirmar que a fundamentabilidade
jurídica de que se cuida aqui pode ser encontrada não apenas no sistema brasileiro,
mas também no internacional (BARCELLOS, 2008, p.164).
A existência de legislações de cunho internacional reforça o sentido de proteção
inerente à dignidade humana, a qual não se esgota na legislação de um determinado país,
75
posto ser revestida de preceitos e valores que não possuem barreiras, ao passo que, direcionase ao ser humano, independentemente onde esteja.
Se o homem não cria valores do nada, não é menos verdade que a avaliação
individual dos bens da vida varia enormemente. Ora, isto exige, como condição da
convivência humana harmoniosa, o consenso social sobre a força ética de uma tábua
hierárquica de valores. Os bens ou ações humanas não se organizam, apenas, numa
oposição primária de valores e contravalores. Existe também, necessariamente, em
toda a sociedade organizada, uma hierarquia a ser considerada dentro de cada série
positiva ou negativa: há sempre bens ou ações humanas que, objetivamente, valem
mais que outros, ou que representam contravalores mais acentuados que outros,
como obstáculo ao desenvolvimento da personalidade humana (COMPARATO,
2010, p. 29).
O tema é meio ambiente, em especial acesso à água doce, demanda atenção especial,
posto ser condição essencial de garantia não apenas à vida, mas a uma vida digna:
Não podemos perder de vista que o uso da água deve ser múltiplo. Não se destina
somente ao consumo humano e animal, mas serve para movimentar a economia. O
seu uso deve ser racionalizado por todos os setores da sociedade civil. Essa água tem
que ser de boa qualidade e em quantidade suficiente para atender à demanda cada
vez maior. Como a quantidade de água é a mesma durante milhares de anos, restanos economizá-la para as futuras gerações (SIRVINSKAS, 2013, p. 435).
Não existe vida sem água, e nem tão pouco dignidade se o seu acesso é precário ou
inexistente. Não obstante esta seja uma afirmativa, o acesso aos bens ambientais tem se
tornado cada vez mais complexo:
O acesso e uso da biodiversidade é um dos temas mais polêmicos ligados à relação
homem-natureza, pois além da extrema complexidade no âmbito das ciências
naturais ele ainda tem uma indissociável ligação com o conhecimento tradicional
associado que têm implicações jurídicas, sociais, políticas, filosóficas, ideológicas,
etc. (FONSECA, 2011, p. 239).
Caminhando ao encontro das discussões trazidas neste tópico, Malvezzi (2003, p.90)
explica que a água é tema de interesse dos direitos humanos, a partir do momento em que a
água é inserida no rol de direitos humanos os quais são de observância obrigatória, por força
de normas internas e internacionais, o Estado possui o dever de respeitar, promover e prover
este direito aos cidadãos. Quando o acesso à água relaciona-se à alimentação a situação é
ainda mais delicada, ao passo que todo indivíduo possui o direito de ter acesso à água em
quantidade, qualidade e regularidade capazes de satisfazer suas necessidades orgânicas.
76
Conforme estudado em tópico anterior, a complexidade no acesso se dá não apenas
pelo fato do bem ambiental ter acesso escasso, mas por sua má distribuição, uso
indiscriminado, dentre outros fatores.
4.3 SOBERANIA, GLOBALIZAÇÃO, TRANSNACIONALIDADE E OS
RECURSOS HÍDRICOS DA AMAZÔNIA BRASILEIRA
As ideias apresentadas no primeiro capítulo da presente dissertação, evidenciam que a
globalização gerou sensíveis impactos na sociedade. As relações deixaram de ser locais para
se tornarem globais, assim como o alcance das normas jurídicas. O recrudescimento das
normas internacionais impactou diretamente na percepção clássica do conceito de Soberania.
As pressões e discursos referentes à globalização, reforçados pelos interesses
econômicos em determinados pontos do globo terrestre, fazem com que os conceitos clássicos
de soberania e até mesmo a existência deste princípio ou elemento estatal sejam atacados com
certa frequência.
A grande questão na atual era da globalização, consequência da evolução do sistema
capitalista e da busca incessante de lucros, diz respeito à existência ou não da
soberania no presente século, uma vez que, Estados não mais controlam suas
próprias economias então integradas, não mais controlam os fluxos migratórios, nem
o que podemos chamar de nacionalismo cultural, já que, como consequência da
evolução tecnológica nos meios de comunicação, tem-se acesso a qualquer lugar do
mundo, resultando na atual vulnerabilidade da sociedade internacional e na explícita
mútua dependência entre os Estados da qual depende a própria manutenção da paz, o
que move o cenário internacional a um diálogo cada vez maior intuindo tratar
questões de segurança, combate ao terrorismo e ao crime organizado, inclusive o
tráfico de drogas, questões ambientais, trabalho servil, pluralidade étnica, assuntos
que transpassam territórios nacionais, especialmente auxiliados por organizações
internacionais, sem que, contudo, as disparidades entre norte e sul sejam amenizadas
(FARIAS, 2008).
O processo de globalização demandou uma nova visão acerca do conceito clássico de
soberania, posto ter havido o surgimento de novas relações sociais, ante o avanço tecnológico,
e também pelos novos parâmetros jurídicos e políticos impostos pela ordem internacional.
77
É justamente nesta direção que se coloca Petrella (1996, p. 68), o qual vê a
globalização como:
A formação de um mercado global e a perda de importância das fronteiras para o
exercício das atividades econômicas vale dizer, as atividades econômicas alcançam
um grau de integração temporal e geográfico. Uma das principais características
desse fenômeno é a globalização dos mercados financeiros, permitindo que os fluxos
de capital sejam mais amplos, abrangendo cada vez mais países. O movimento
global de capitais é o fator mais importante para essa modalidade de globalização.
De modo diverso, há autores que defendem que a globalização não pressupõe a
eliminação da soberania, mas apenas, sua reformulação. Neste sentido:
Globalização e soberania não precisam ser apresentadas em termos antagônicos,
uma vez que a globalização não precisa acabar com a soberania, mas deve apenas
impor novas conformações desse conceito. A globalização não é a diminuição da
soberania do Estado (habilidade de lidar com seus próprios negócios), mas
fundamentalmente é a reconstrução da soberania com a remodelação do Estado
(TOMAZETTE, 2013, p.98).
No entanto, o que se nota é que as características do processo de globalização, em
certa medida, são opostas à primazia inerente à soberania. De tal modo que, sob determinado
ponto de vista, observa-se que acabam sendo excludentes entre si, sobretudo quando se
questiona a compatibilidade do conceito clássico de soberania com os novos paradigmas
desenhados pela globalização.
Seguindo esta ordem de ideias:
Seria o conceito moderno de soberania um artefato histórico, inútil para
compreender o Estado contemporâneo? Internamente, o Estado parece ser incapaz
de assegurar a unidade de sociedades cada vez mais plurais e fragmentadas,
tornando-se apenas um fator importante dentre outros – empresas, organizações da
sociedade civil e mídia, por exemplo – que participam dos processos decisórios na
comunidade. O centralismo político, causa e efeito do surgimento do conceito de
soberania, dá lugar na prática ao pluralismo. Juridicamente, os Estados podem
manter o monopólio sobre o uso da força, mas há uma dispersão de fato do poder de
decisão (tanto pela legitimidade, quanto pela força) em instâncias externas ao
aparelho estatal. Externamente, embora não exista uma autoridade última no âmbito
internacional, processos como os de integração e formação de blocos regionais
dificultam a aplicação do conceito tradicional de soberania. Em uma Europa
crescentemente integrada, a União Europeia constitui um agregado de aspectos da
soberania dos Estados membros, que, assim, têm sua liberdade de ação constrangida
em pontos decisivos. Processos decisórios nos quais nenhum Estado tem autoridade
final – em especial a colaboração por meio de organismos internacionais e
multilaterais e a intervenção internacional para fins humanitários ou militares –
redefinem as sagradas fronteiras territoriais da soberania. Os Estados precisam
78
cooperar não apenas entre eles, mas com novos atores como organismos
internacionais e organizações não-governamentais. Novas formas de atuação na
esfera internacional e a crescente necessidade de coordenação transnacional na
tomada e execução de decisões políticas criam uma rede de compromissos que
limita o espaço para decisões unilaterais. É inegável que o Estado continua a ser um
ator importante. Mas será ainda soberano, no sentido do Tratado de Westfália? O
artefato do Estado soberano representa apenas uma dentre as possíveis maneiras de
conectar e legitimar os antigos fatos do poder e da autoridade. A construção de um
vocabulário político e jurídico adequado ao mundo contemporâneo talvez dependa
da invenção de novas maneiras de realizar essa conexão (ARGUELHES, 2006, p.
766:767).
As questões ambientais transcendem fronteiras, afetam direta ou indiretamente
coletividades indeterminadas, têm a capacidade única de atingir direitos cujos titulares nem
mesmo existem (fala-se aqui das gerações futuras), possuem, portanto, características
extremamente peculiares.
Por conseguinte, defender a existência de uma soberania plena, em seus moldes mais
primitivos é argumento frágil, posto que, as próprias relações sociais mudaram, os problemas
deixaram de ser locais e se tornaram globais, principalmente no que toca as questões
ambientais.
A globalização também abre margem à sobreposição de interesses para além daqueles
imanentes ao Estado Nacional. Neste sentido:
A emergência, a acentuação ou a reiteração de sinais da globalização podem ser
pensados em termos de estruturas e relações globais que se constituíram
sobrepondo-se às sociedades existentes. As articulações e realizações transcendem
culturas, geografia, soberania, extrapolam os limites físicos, políticos e diplomáticos
para fundar processos supranacionais, em reagrupamento de interesses e forças
desnacionalizadas. A composição desse novo ente que é a sociedade mundial,
apresenta-se ora como conjunto autônomo, ora como sistema, ora como força
contraditória e avassaladora ou com todos esses ingredientes reunidos (FREITAS;
SILVA, 2000, p. 29:30).
Um dos aspectos marcantes do processo de globalização é a ingerência externa, a qual,
sob alguns aspectos, força uma nova visão de Estado e, por conseguinte, de seus elementos
estruturantes. Assim:
As características da marcha da globalização incluem a internacionalização das
finanças e seguros comerciais, a mudança da divisão internacional do trabalho, o
vasto movimento migratório do sul para o norte e a competição ambiental que
acelera estes processos. Elas incluem também mudanças na natureza dos Estados e
dos sistemas de Estado. Os Estados estão sendo internacionalizados em suas
estruturas internas e funções. Por toda a maior parte deste século, o papel dos
Estados era concebido como um aparato protetor das economias nacionais, em face
79
das forças externas perturbadoras, de modo a garantir adequados níveis de emprego
e bem- estar. Nas últimas décadas, a prioridade modificou-se, no sentido de adaptar
as economias nacionais às exigências da economia mundial. O Estado está se
tornando uma correria de transmissão da economia mundial à economia nacional
(IANNI, 1999, p. 22:23).
Vê-se, portanto que o processo de globalização traz consequências diretas ao modelo
de Estado atual, forçando a sua reformulação, ao passo que, as relações sociais, comerciais e
jurídicas têm se internacionalizado cada vez mais, de tal modo que, em certos aspectos,
parecem surgir com muito mais força do exterior para o interior dos Estados.
Além disso, como observa Ulrich Beck:
Globalização significa, diante deste quadro, os processos em cujo andamento os
Estados nacionais vêem a sua soberania, sua identidade suas redes de comunicação,
suas chances de poder e suas orientações sofrerem a interferência dos atores
transnacionais. [...] Globalização significa a experiência cotidiana da ação sem
fronteiras nas dimensões da economia, da informação, da ecologia, da técnica, dos
conflitos transculturais e da sociedade civil, [...] que transforma o cotidiano com
uma violência inegável e obriga todos a se acomodarem a sua presença e a fornecer
resposta (BECK, 1999, p.30 e p. 47)
Neste cenário globalizado responder se a Amazônia é uma região que pertence ao país
ou ao mundo é extremamente delicado.
Há anos o Brasil é alvo de argumentos positivos à relativização da soberania brasileira
em relação à Amazônia, tais discursos são motivados não apenas pelos novos paradigmas
impostos pela globalização, mas por debates acerca da possível incapacidade do país de gerir
e manter a biodiversidade da região:
Uma das razões alegadas, sobretudo nas três últimas décadas, em favor da
internacionalização da Amazônia, ou de práticas atentatórias à soberania dos países
amazônicos sobre a Região, tem sido a acusação de que a omissão desses países,
diante da devastação florestal e faunística, levará necessariamente à extinção do
maior repositório de diversidades biológicas do Planeta, em prejuízo da humanidade
como um todo (RIBEIRO, 2005, p.300).
A falácia de que a Amazônia era o pulmão do mundo, contribuiu significativamente
para que a ideia de internacionalização e a mitigação da soberania nacional na região
tomassem proporção ainda mais acentuada.
80
Ribeiro (2005, p. 308:309) explica que tal equívoco foi evidenciado, principalmente,
nos meios científicos, mas nos ambientes em que são engendradas abordagens geopolíticas
contra a soberania brasileira sobre a Amazônia, ninguém tomou conhecimento desses
desmentidos, muito menos do absurdo científico contido na informação de que a Amazônia
era o pulmão do mundo. Ainda nos dias atuais, políticos internacionais utilizam este incorreto
argumento para justificar suas ambições geopolíticas. Dentre as manifestações proferidas
neste sentido merece destaque a atribuída ao presidente norte-americano Bill Clinton que teria
declarado formalmente: “Precisamos proteger as florestas que produzem o oxigênio que
respiramos”.
Prossegue Ribeiro (2005, p. 309):
No meado dos anos oitenta, autoridades políticas e cientistas chegaram à constatação
de que a devastação ambiental vinha se acelerando em ritmo crescente, ano a ano.
Isso deu origem a que alguns cientistas, principalmente, estrangeiros, fizessem
previsões catastróficas sobre o desflorestamento da Região; alguns previram a
devastação total da Amazônia em 50 anos; outros, para o início do novo milênio;
todos asseguraram que, no ritmo em que estava ocorrendo o desflorestamento, em
prazo relativamente curto, a Hiléia estaria totalmente eliminada da face da Terra. O
aspecto catastrófico dessas previsões repousava basicamente nas seguintes
premissas: a) no aumento do efeito estufa que as queimadas da floresta estavam
provocando e que iria se acentuar nos próximos anos, colocando em risco a
sobrevivência das espécies, inclusive a humana; b) na extinção da floresta que era o
“pulmão do mundo”, porque produzia a maior parte do oxigênio de que a
humanidade precisava para respirar; c) na extinção da biodiversidade amazônica, o
maior banco genético do Planeta, onde estão presentes, embora, ainda não
descobertas, substâncias que permitirão a aquisição dos conhecimentos para a
produção de medicamentos que possibilitem o combate da maior parte das doenças
crônicas ou de alta letalidade que atingem o homem (RIBEIRO, 2005, p. 309).
Inclusive diversas organizações não governamentais inclinadas à defesa do meio
ambiente passaram a dirigir veementes protestos contra a destruição da floresta amazônica.
Dentre as manifestações desponta a realizada pela ONG Grupo dos Cem, a qual encaminhou
carta à embaixada brasileira no México, afirmando que “era desonesto invocar a soberania
nacional para justificar a devastação da Amazônia; e conclui propondo a criação de um
tribunal internacional para julgar o governo brasileiro pela prática de “ecocídio”. A carta
acabou sendo devolvida pelo governo pátrio (RIBEIRO, 2005, p. 310:311).
O país não se manteve inerte, passou a adotar medidas que em linhas gerais buscaram
deixar evidente que o Brasil não estava disposto a perder sua soberania. O que foi evidenciado
81
através de leis como a Política Nacional do Meio Ambiente e a própria Constituição Federal
de 1988.
Como uma resposta as questões que se discutiam na época da promulgação da nova
Constituição, ao tratar especificamente da floresta amazônica em termos constitucionais 11o
país respondeu a questão quanto ao fato de ser a Amazônia patrimônio do Brasil ou da
humanidade:
Em um dos seus dispositivos, o parágrafo 4° do art. 225, estabelece que a Floresta
Amazônica é patrimônio nacional e que sua utilização deve obedecer a diretrizes de
manejo ambiental. Trata-se, naturalmente, de uma resposta àqueles que vinham
ameaçando a soberania nacional sobre a Região que, assim, não é um patrimônio da
humanidade, juridicamente definido, como querem alguns ambientalistas, mas sim
um patrimônio nacional (RIBEIRO, 2005, p.327).
A questão é complexa devido ao fato de, ainda nos dias atuais, possuir argumentos
divergentes. Para o Brasil a Amazônia legal é patrimônio nacional, o que restou evidente na
sua mais elevada lei, para países estrangeiros, especialmente para os países mais ricos e
antagonicamente mais “pobres” em recursos ambientais, a Amazônia é patrimônio do mundo.
Quanto ao aspecto hídrico, pauta mundial da atualidade, vê-se que a questão continua
a dividir opiniões.
O Brasil continuou adotando uma postura firme quanto à manutenção de sua soberania
sobre a região amazônica, e de modo convergente com a globalidade das relações e da
importância conferida aos bens ambientais passou a ser signatário das mais importantes
convenções e declarações internacionais que tratam direta ou indiretamente da questão dos
recursos hídricos, dentre as quais a Declaração do Milênio, a Agenda 21, a Convenção das
Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, a Convenção de Ramsar, a Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima e a Convenção das Nações Unidas de Combate
à Desertificação (GEO BRASIL, 2007, p. 17).
A subscrição destes instrumentos internacionais demonstra que o país não se mantém
fechado ao debate sobre o tema ou inerte ante as preocupações ambientais globais, mas
11
Compreende-se que a proteção do constituinte estendia-se a todo o complexo de biodiversidade Amazônico,
mas tratou da floresta especificamente, por ser esta a grande pauta internacional naquele dado momento.
82
evidencia uma postura de reconhecimento da importância de se efetivar o propósito
constitucional de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
Em outra medida, é forçoso reconhecer que muito embora não se conteste a postura
atuante adotada pelo Brasil no que toca a defesa e manutenção de sua soberania, o contexto
atual, conforme mencionado neste trabalho, já não comporta a existência da soberania em
seus moldes clássicos, manter-se isolado já não é uma opção.
Independentemente de ideologias políticas, é indiscutível que o isolamento não é
mais uma opção possível no contexto atual. A soberania não pode servir como
argumento para a criação de obstáculos intransponíveis à cooperação entre Estados,
todos dependentes uns dos outros para a realização efetiva das tarefas de que são
incumbidos (REIS, 1999, p. 278).
São constantes as indagações que circundam as concepções acerca da soberania, vê-se
que as novas relações advindas da integração cada vez mais intensa entre os entes Estatais
põem em dúvida os preceitos basilares do princípio em análise, bem como, abre caminhos à
novos conceitos e definições acerca do exercício do poder soberano.
Cruz (2011, p. 95) é mais enfático ao asseverar que a soberania, dos moldes clássicos,
já não existe:
Trata-se agora de uma soberania limitada, compartilhada ou parcial, coisa que é
contraditória com a sua própria definição. A noção de Estado Constitucional
Moderno Soberano, desenvolvida nos séculos XVII e XVIII, constitui-se num
autêntico progresso em comparação com as noções de feudalismo e absolutismo,
mas hoje se converte num verdadeiro freio às questões vitais para a sobrevivência do
mundo.
Na mesma linha de intelecção:
Nós cremos (na soberania) mais relativa e submetida ao direito; nós não vemos
porque a soberania não seria relativa tanto quanto a liberdade [...] é um dogma da
teoria política moderna que a soberania do Estado exclua qualquer outra soberania e
não seja, sobre o mesmo território, partilhada com nenhum outro poder. Para ele este
dogma da soberania absoluta é falso, e é contrariado pela experiência histórica e pela
realidade dos fatos. (HAOURIOU,1895, p. 375-386 apud MACEDO JR, 2011, p.
87).
Jota (2006, p. 127) explica que a concepção do fenômeno Soberania, em seu sentido
mais tradicionalista, isto é, como um poder político supremo, sem a existência de autoridade a
ele equiparada, que não acata regras internacionais - senão aquelas voluntariamente aceitas - é
83
insuficiente para entender seu sentido, alcance e finalidade no direito e na sociedade
contemporânea, em especial no tocante à temática ambiental, visto que as questões ambientais
possuem abrangência internacionalizada, ao passo que, vão além do espaço, domínio e a
competência dos Estados.
No toca às questões ambientais, verifica-se que a reformulação do que se entende por
soberania é ainda mais sensível.
A conscientização ambiental também ocorre para essa tendência de progressiva
transformação do conceito de Soberania, uma vez que este está adstrito à ideia de
território, vínculo notoriamente insuficiente para adequar a relação entre meio
ambiente e relações internacionais (JOTA, 2006, p. 128).
Neste contexto da globalização e da consequente fragilização da soberania, surgem
discursos acerca da necessidade de estabelecimento do que se chama de “Estado
transnacional” o qual seria:
[...] a superação do Estado Constitucional Moderno, no sentido, não de negar-lhe a
existência, mas de libertação relacionada às armadilhas territorial e soberania
modernas. Portanto, esse conceito de Estado Transnacional tanto reconheceria a
globalidade como fenômeno irreversível quanto preconizaria a organização do
Direito Transnacional por meio de uma redefinição e revitalização do político, não
apenas como Estado, mas também como Sociedade Civil (BONOLO, 2013, p.157).
Positivos à ideia do Estado transnacional ambiental Cruz, Bodnar e Xavier (2007, p.
822) explicam que o Estado transnacional ambiental indica objetivos que visam aproximar a
colaboração, solidariedade e participação, inerentes a questão ambiental. Defendem os autores
que “a variável ambiental é o pano de fundo para a concretização do compartilhamento
solidário de responsabilidade entre os espaços públicos e os espaços privados, com o objetivo
de garantir um futuro com sustentabilidade”.
Continuam os autores:
84
A colaboração e a Solidariedade Transnacional também são as palavras de ordem
para uma tutela global e eficaz do ambiente. A intensificação do fenômeno da
Globalização apresenta desafios importantes aos Estados e exige uma readequação
qualitativa e estratégica do Direito, pois este enquanto mera técnica de controle
social, emanado de um ente isolado no planeta, já não dá mais respostas
minimamente eficazes para assegurar um futuro com mais sustentabilidade para toda
a comunidade de vida e em escala global (CRUZ; BODNAR; XAVIER, 2007, p.
832).
Em defesa da necessidade de uma atuação estatal integrada e direcionada ao resguardo
integral e eficaz do meio ambiente, Carvalho (2013, p. 997) entende que os resultados da
globalização “exigem dos Estados uma readequação do Direito, pois este, enquanto sistema
de controle social, não se constitui eficaz para assegurar um futuro com sustentabilidade para
as presentes e futuras gerações e todas as formas de vida em escala global”.
No mesmo sentido:
A emergência de novas estratégias globais de governanças transnacionais, baseadas
num paradigma de aproximação entre povos e culturas, na participação consciente e
reflexiva do cidadão na gestão política, econômica e social, poderá ser um projeto de
civilização revolucionário e estratégico de futuro, pautado na consciência crítica
acerca da finitude dos bens ambientais e na responsabilidade global e solidária pela
sua proteção, sua defesa e sua melhora contínua de toda a comunidade de vida e dos
elementos que lhe dão sustentação e viabilidade. Um mundo globalizado pressupõe
novas relações de interdependência, novas necessidades, problemas e desafios
igualmente novos. Pressupõe ainda novas ferramentas capazes de fazer frente aos
seus atuais desafios (OLIVIERO; CRUZ, 2012, p.27).
Em casos nos quais se tem o compartilhamento de recursos naturais, ainda que por
razões geográficas, verifica-se que suscitar a soberania plena de determinado bem ambiental é
algo frágil, posto que, não se pode dispor integralmente de algo que não está na totalidade de
seu domínio. Além disso, a essência do que entendemos por ordem e justiça nos impõe o
resguardo ao espaço do direito alheio.
Urge a busca por soluções que conciliem o conceito de soberania com as necessidades
atuais de cooperação e integração entre os Estados. Neste sentido, parece-nos acertada a tese
de que o Estado Transnacional Ambiental pode ser um resposta as novas relações
globalizadas. Pois:
Os problemas relacionados com o meio ambiente exigem muito mais do que ações
locais e ou nacionais isoladas, exigem a percepção que seus impactos são
85
transnacionais e, dessa forma, obrigam que suas soluções também sejam tratadas
dessa forma, transnacionalmente, no sentido de transbordamento das fronteiras
nacionais (ARMADA, 2013, p. 529).
Faz-se necessário considerar também que:
Os espaços públicos transnacionais mostram-se adequados para conjugação entre
direitos humanos e fundamentais, como o direito à vida e a um meio ambiente
sustentável, os quais podem garantir a permanência da humanidade no planeta
indefinidamente, revelado pela fraternidade entre os homens e, tendo como princípio
basilar a solidariedade, emergindo a necessidade da sociedade caminhar para a
construção de novos espaços, para além das fronteiras nacionais em face de
necessidades de dimensões ambientais, econômicas, sociais e tecnológicas, as quais
interessam para a sobrevivência infinita da humanidade e do planeta (SOUZA;
NASCIMENTO, 2013, p. 176).
Ademais, é preciso que a sociedade como um todo seja capaz de enfrentar os
problemas ambientais tanto em nível local, quanto em nível global. Neste sentido,
compreende-se que um dos possíveis caminhos para soluções efetivas em nível ambiental
parte do estabelecimento de uma cooperação transnacional.
Encarregar instituições multilaterais da criação de redes de políticas públicas
globais, não leva necessariamente a perda da soberania”. Elas poderiam representar
uma maneira coletiva possível de recobrá-la, sem impedir que os atores locais
preencham relevante papel na observância e monitoramento de regras e padrões
ajustados em escala global. Ao garantir parcerias com a sociedade civil e as
instituições multilaterais, damos significado prático ao “pensar globalmente – agir
localmente”. É preciso investigar e fornecer subsídios para uma discussão racional
que aponte ações concretas para o gerenciamento ambientalmente responsável desse
patrimônio da humanidade e da nação brasileira, observando o papel do estado
brasileiro e sua soberania, bem como analisar a utilidade dos novos organismos
multilaterais. Dessa forma, o desafio é descobrir como conciliar a soberania
brasileira, com o compromisso de preservação do mundo. É preciso, sobretudo,
dividir responsabilidades sem afrontar direitos (TAVARES; CUNHA, 2004,
p.12:13).
Desta feita, verifica-se que a soberania em seus conceitos clássicos já não possui
espaço. O mundo globalizado deixou ainda mais evidente a transnacionalidade dos bens
ambientais, fato que, inclusive, foi reconhecido pela Corte Superior do país:
ADMINISTRATIVO
E
AMBIENTAL.
AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA.
DESASSOREAMENTO
DO
RIO
ITAJAÍ-AÇU.
LICENCIAMENTO.
COMPETÊNCIA DO IBAMA. INTERESSE NACIONAL. 1. Existem atividades e
86
obras que terão importância ao mesmo tempo para a Nação e para os Estados e,
nesse caso, pode até haver duplicidade de licenciamento. 2. O confronto entre o
direito ao desenvolvimento e os princípios do direito ambiental deve receber solução
em prol do último, haja vista a finalidade que este tem de preservar a qualidade da
vida humana na face da terra. O seu objetivo central é proteger patrimônio
pertencente às presentes e futuras gerações. 3. Não merece relevo a discussão sobre
ser o Rio Itajaí-Açu estadual ou federal. A conservação do meio ambiente não se
prende a situações geográficas ou referências históricas, extrapolando os limites
impostos pelo homem. A natureza desconhece fronteiras políticas. Os bens
ambientais são transnacionais. A preocupação que motiva a presente causa não é
unicamente o rio, mas, principalmente, o mar territorial afetado. O impacto será
considerável sobre o ecossistema marinho, o qual receberá milhões de toneladas de
detritos. 4. Está diretamente afetada pelas obras de dragagem do Rio Itajaí-Açu toda
a zona costeira e o mar territorial, impondo-se a participação do IBAMA e a
necessidade de prévios EIA/RIMA. A atividade do órgão estadual, in casu, a
FATMA, é supletiva. Somente o estudo e o acompanhamento aprofundado da
questão, através dos órgãos ambientais públicos e privados, poderá aferir quais os
contornos do impacto causado pelas dragagens no rio, pelo depósito dos detritos no
mar, bem como, sobre as correntes marítimas, sobre a orla litorânea, sobre os
mangues, sobre as praias, e, enfim, sobre o homem que vive e depende do rio, do
mar e do mangue nessa região. 5. Recursos especiais improvidos 12.
(STJ, Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento: 17/02/2004, T1 PRIMEIRA TURMA)
O STJ reconheceu não apenas a transnacionalidade dos bens ambientais, mas, em certa
medida, atestou a relativização da soberania dos Estados ao afirmar que “a conservação do
meio ambiente não se prende a situações geográficas ou referências históricas, extrapolando
os limites impostos pelo homem”.
Os recursos hídricos são vitais à vida humana, portanto, não podem ser tratados de
forma isolada, mas devem ser geridos transnacionalmente.
Compete ao Brasil e a sociedade amazônica:
[...] se integrar não somente a esse processo de desenvolvimento sustentável, mas
também assumir as suas responsabilidades, direitos e deveres perante a comunidade
internacional. Para tanto, deverá conciliar e promover o uso inteligente dos recursos
com as necessidades da melhoria da qualidade de vida de sua população dentro da
perspectiva solidária e diacrônica das gerações atuais e futuras (BENCHIMOL,
2009, p.23).
Não obstante defenda-se que a referida área deva continuar sendo gerida pelo país que
a detém, sem intervenções que comprometam a autonomia e o poder nacional, competindo ao
12
Grifo nosso.
87
país manter uma legislação forte e inclinada a dar efetividade a este ideal, esta gestão deve
conciliar os ideais locais com os globais, este equacionamento parte do reconhecimento de
que a Amazônia não é um bem exclusivo e vital apenas ao Brasil, sua importância global
demanda uma visão transnacional.
88
5 CONCLUSÃO
O Estado, desde a antiguidade até a era moderna, surge por intermédio do sentimento
gregário inerente aos seres humanos, união que se dá pela busca de maior proteção e
efetivação de interesses comuns. O Estado antes simples organização humana, se transforma
em organização política e jurídica bem estruturada.
A soberania, embora seja um elemento central de manutenção das ordens internas sob
as externas e de defesa dos interesses locais, nem sempre esteve presente nas civilizações
humanas. É a partir do Estado moderno que esta passa a existir como elemento estruturante do
Estado.
Do período compreendido entre a antiguidade até o fim do Império Romano não havia
uma noção assemelhada à soberania, reconhecia-se apenas expressões de poder relativas ao
grau de autoridade. É com Bodin que a noção de soberania passa a ganhar contornos e
expressão de poder supremo.
Essa mesma ideia é reprisada por Hobbes o qual prega a massificação do absolutismo
da soberania e, portanto, sua indivisibilidade. Mais tarde, a percepção de soberania como
poder absoluto muda, pensadores como John Locke contrapõem-se à teoria da soberania
absoluta e centram suas ideias no antiabsolutismo. Neste mesmo sentido são as ideias de
Montesquieu, com sua teoria da divisão do poder em três braços, teoria esta que sinaliza a
própria divisibilidade do poder e mostra que o poder não é necessariamente soberano.
Já para Rousseau, a soberania era vista como o exercício da vontade geral e o soberano
como um ser coletivo, sendo viável a transmissão do poder, não, porém sua essência, qual
seja: a vontade que motiva a ação.
As concepções acerca da soberania ganham novos contornos com o advento do
processo de globalização.
Por intermédio da globalização as relações sociais intensificam-se em escala mundial,
tal processo possibilita a conexão de pontos extremos do globo, desconsiderando barreiras.
Esta nova dinâmica faz surgir uma crise na base estrutural do Estado, há diversos
fatores externos constrangendo-o em suas estratégias e potencialidades, as quais são a própria
89
essência da sua criação. O antigo conceito de soberania entra em crise, ao passo que isolado o
Estado já não é capaz de solucionar problemas de dimensões mundiais, tais como os que
dizem respeito as questões ambientais. Problemas internacionais demandam controle para
além dos Estados.
Em outras palavras, pode-se dizer que o processo de globalização acaba
desconstruindo a forma clássica do poder soberano, o qual tem por característica ser uno,
absoluto e perpétuo.
No entanto, a globalização não é a única responsável pelo remodelamento da
soberania, o agravamento da degradação ambiental em escala planetária, com especial
destaque ao ocorrido nas potências hegemônicas, as quais, em busca do crescimento
econômico levaram seus recursos ambientais à exaustão, também contribui decisivamente
para uma nova visão acerca da soberania.
O cenário de disputa por bens ambientais faz com que discursos em prol da
relativização da soberania brasileira sob à Amazônia Legal, área adstrita ao país, ganhem
força. A região Amazônica, mesmo em suas menores porções, possui potencial biológico
incalculável. Tais características são campos férteis às pressões externas pelo domínio do
lugar.
Como resposta aos argumentos de internacionalização da Amazônia o país passou a ter
uma postura mais atuante. Em 1978 tem-se o Tratado de Cooperação Amazônica; em 1988 a
própria Constituição Federal no parágrafo 4° do art. 225, estabelece que a Floresta Amazônica
é patrimônio nacional; em 1989 a Declaração da Amazônia; em 1992 a Declaração de Manaus
sobre a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, bem
como o Documento de Posição Conjunta dos Países Amazônicos com vistas à Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Todos estes debates e instrumentos evidenciaram o intento de se adotar medidas que
tivessem por escopo minimizar as tendências aceleradas de degradação ambiental e a
consolidação do desenvolvimento sustentável. Além disso, os documentos evidenciam o
resguardo à soberania nacional.
Atualmente a crise ambiental tem se voltado para os recursos hídricos, já há registro
de conflitos que possuem como causa oculta a escassez de água. A tendência de aumento da
90
escassez, bem como, o aumento da demanda por água, faz com os conflitos tendam a ganhar
maior dimensão.
Como foi visto na pesquisa, dados divulgados pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico indicam que até 2050 a demanda global por água terá um
crescimento de cerca de 55%, por este motivo, se nenhuma medida for adotada, mais de 40%
da população mundial não terão acesso à água.
A iminência do agravamento da questão hídrica potencializa de forma geométrica o
interesse pela Amazônia, ao passo que, esta é a maior superfície de água doce do mundo.
Os seres humanos gozam de proteção legal de cunho universal, fala-se aqui da
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a qual foi um instrumento afirmativo
acerca do consenso sobre valores reputados de observância universal, entre eles o direito a
uma vida digna. Esta e outras legislações reforçam o sentido de proteção inerente à dignidade
humana, a qual não se esgota na legislação de um determinado país, já que é revestida de
preceitos e valores que não possuem barreiras, ao passo que, direciona-se ao ser humano,
independentemente do país em que se encontre.
Sabe-se que o acesso à água é condição de existência e dignidade humana, princípio
de observância planetária, logo, retornamos ao questionamento feito no início da pesquisa: A
quem a Amazônia Legal pertence? Ao mundo ou ao Brasil?
Baseados no princípio da dignidade humana, de imediato, pensamos: a Amazônia
pertence a humanidade. Mas a resposta não está adstrita a este ponto de vista, o Brasil
respondeu a esta pergunta no parágrafo 4° do art. 225, ao estabelecer que a Floresta
Amazônica é patrimônio nacional. Muito embora tenha tratado apenas da floresta entendemos
que a proteção se estendia a toda a biodiversidade da região, na qual se incluem os recursos
hídricos. Quanto a este ponto cremos que esta pergunta sempre terá respostas controvertidas,
pois assim são os interesses pela região.
Neste cenário seria possível falar em soberania em seus conceitos clássicos, sobretudo,
quando se está diante de questões ambientais? O estudo desenvolvido na presente dissertação
nos leva à conclusão de que a soberania em seus moldes clássicos já não possui espaço na era
atual. O Brasil que protege sua soberania e até a tem como um de seus fundamentos (Art. 1°, I
CF/88) também é o país que reconhece que o meio ambiente possui características
transnacionais.
91
Neste
sentido,
parece
contraditório
manter
a
soberania
e
reconhecer
a
transnacionalidade inerente aos recursos ambientais, mas não o é. Compreendemos, quanto a
este aspecto, que o país busca manter-se soberano, no sentido de não se deixar ser controlado
unilateralmente pelos interesses externos, mas antes, refletir sobre os benefícios das pressões
externas para a nação. Trata-se do reconhecimento de uma soberania não isolacionista e
comprometida com os interesses globais, quanto a garantia de um meio ambiente adequado
para as gerações presentes e as vindouras.
No que diz respeito aos recursos hídricos o país tem demonstrado postura atuante ante
as pressões externas (Código das Águas, Política Nacional dos Recursos Hídricos, Política
Nacional do Meio ambiente, Agência Nacional das Águas, estudo de mapeamento
cartográfico da hidrografia da Amazônia, dentre outros). Observa-se portanto, que o cenário
normativo pátrio é pródigo quanto à proteção e resguardo dos recursos hídricos, legislações e
projetos determinados a gerir os recursos hídricos de maneira sustentável e comprometida
com o futuro.
Muito embora haja legislação vasta a proteger os recursos hídricos, sabemos que a
efetivação deste objetivo transcende a norma positiva, é necessário que se concretize os
imperativos legais. Deste modo, observamos que o caminho para conciliar os interesses
nacionais e as necessidades cada vez mais urgentes e globalizadas de proteção ambiental,
parte do reconhecimento do Estado transnacional (ambiental) como uma alternativa possível.
Isto porque, vemos o Estado transnacional como um espaço capaz de equalizar os
direitos humanos, tais como o direito a uma vida digna e a um meio ambiente salubre, pois
este possui uma pauta comum, qual seja: a sobrevivência da humanidade e do planeta.
Sabendo-se a Amazônia é vital para o mundo e a essência do que se entende por
ordem e justiça nos impõe o resguardo ao espaço do direito alheio, não se pode ignorar à
necessidade de uma cooperação transnacional para o enfrentamento de problemas ambientais,
tanto em nível local, quanto em nível global, como mencionado, o manter-se isolado já não é
uma opção.
Muito embora a transnacionalidade não responda a todas as demandas que o tema
suscita, ela nos parece ser a mais adequada e coerente com as novas relações estabelecidas
pela globalização, considerando a necessidade de se aproximar a colaboração, a solidariedade
e participação, inerentes a questão ambiental a fim de que se garanta um futuro com
sustentabilidade.
92
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