Textos para Web aula: Tema 4 Formação Histórica e Filosófica do

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Textos para Web aula: Tema 4 Formação Histórica e Filosófica do Direito
na Grécia – Platão e Aristóteles
O Mito da Caverna narrado por Platão no livro VII da Republica é, talvez, uma das
mais ricas metáforas produzidas na filosofia para descrever a situação geral em
que se encontra a humanidade. A seguir reproduziremos o texto do mito da
caverna extraído de "A República" de Platão. 6° ed. Editora. Atena, 1956, p. 287291:
“SÓCRATES – Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à
ciência e à ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os
homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá entrada livre à
luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as pernas
presos de modo que permanecem imóveis e só vêem os objetos que lhes estão
diante. Presos pelas cadeias, não podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa
distância e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre o fogo e os cativos imagina
um caminho escarpado, ao longo do qual um pequeno muro parecido com os
tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e os espectadores para ocultar-lhes
as molas dos bonecos maravilhosos que lhes exibem.
GLAUCO - Imagino tudo isso.
SÓCRATES - Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras
e objetos que se elevam acima dele, figuras de homens e animais de toda a
espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam tais objetos, uns
se entretêm em conversa, outros guardam em silêncio.
GLAUCO - Similar quadro e não menos singulares cativos!
SÓCRATES - Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me: assim colocados,
poderão ver de si mesmos e de seus companheiros algo mais que as sombras
projetadas, à claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira?
GLAUCO - Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante toda a
vida.
SÓCRATES - E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver outra coisa
que não as sombras?
GLAUCO - Não.
SÓCRATES - Ora, supondo-se que pudessem conversar, não te parece que, ao
falar das sombras que vêem, lhes dariam os nomes que elas representam?
GLAUCO - Sem dúvida.
SÓRATES - E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras dos
que passam, não julgariam certo que os sons fossem articulados pelas sombras
dos objetos?
GLAUCO - Claro que sim.
SÓCRATES - Em suma, não creriam que houvesse nada de real e verdadeiro fora
das figuras que desfilaram.
GLAUCO - Necessariamente.
SÓCRATES - Vejamos agora o que aconteceria, se se livrassem a um tempo das
cadeias e do erro em que laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado,
obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente
para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe
dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes
via.
Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só
havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da realidade e voltado para
objetos mais reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe
alguém as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o obrigasse a dizer o que
eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o que
antes via era mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados?
GLAUCO - Sem dúvida nenhuma.
SÓCRATES - Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as
sombras que poderia ver sem dor? Não as consideraria realmente mais visíveis
que os objetos ora mostrados?
GLAUCO - Certamente.
SÓCRATES - Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e
escarpado, para só o liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de
crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando à luz do dia, olhos
deslumbrados pelo esplendor ambiente, ser-lhe ia possível discernir os objetos
que o comum dos homens tem por serem reais?
GLAUCO - A princípio nada veria.
SÓCRATES - Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região
superior. Primeiramente, só discerniria bem as sombras, depois, as imagens dos
homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos para a
lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros da noite que o pleno
resplendor do dia.
GLAUCO - Não há dúvida.
SÓCRATES - Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio
sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no
seu próprio lugar, tal qual é.
GLAUCO - Fora de dúvida.
SÓCRATES - Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que
é o que produz as estações e o ano, o que tudo governa no mundo visível e, de
certo modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna.
GLAUCO - É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões.
SÓCRATES - Recordando-se então de sua primeira morada, de seus
companheiros de escravidão e da idéia que lá se tinha da sabedoria, não se daria
os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo tempo a sorte dos que
lá ficaram?
GLAUCO - Evidentemente.
SÓCRATES - Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem
melhor e mais prontamente distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse
com mais precisão dos que precediam, seguiam ou marchavam juntos, sendo, por
isso mesmo, o mais hábil em lhes predizer a aparição, cuidas que o homem de
que falamos tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos e
honrados? Não preferiria mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um
pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida
que antes vivia?
GLAUCO - Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de
preferência a viver da maneira antiga.
SÓCRATES - Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte
ainda para a caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem
súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos em
trevas?
GLAUCO - Certamente.
SÓCRATES - Se, enquanto tivesse a vista confusa -- porque bastante tempo se
passaria antes que os olhos se afizessem de novo à obscuridade -- tivesse ele de
dar opinião sobre as sombras e a este respeito entrasse em discussão com os
companheiros ainda presos em cadeias, não é certo que os faria rir? Não lhe
diriam que, por ter subido à região superior, cegara, que não valera a pena o
esforço, e que assim, se alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a
liberdade, mereceria ser agarrado e morto?
GLAUCO - Por certo que o fariam.
SÓCRATES - Pois agora, meu caro GLAUCO, é só aplicar com toda a exatidão
esta imagem da caverna a tudo o que antes havíamos dito. O antro subterrâneo é
o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do sol. O cativo que sobe à região
superior e a contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já
que o queres saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus
sabe se é verdadeiro. Quanto a mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos
extremos limites do mundo inteligível está a idéia do bem, a qual só com muito
esforço se pode conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa
universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível,
autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso
mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos negócios
particulares e públicos”.
O CONCEITO DE JUSTIÇA EM ARISTÓTELES
Cláudio Pedrosa Nunes
- Monografia apresentada no Curso de Mestrado em Direito (UFPE/IESP)
- Juiz do Trabalho Substituto do T.R.T. da 13ª Região,
Professor de Direito do Trabalho da UNIPÊ e Especialista em Direito Processual Civil.
Texto extraído do site: http://www.trt13.gov.br/revista/claudio.htm
I – NOÇÃO GENÉRICA DE JUSTIÇA E ESTADO POR ARISTÓTELES
1.1. INTRÓITO
Atribui-se a ARISTÓTELES o início de inúmeras ciências, vez que se dedicou a todos os
ramos do conhecimento.
Entrementes, de todos os filósofos da antigüidade, foi ARISTÓTELES quem desenvolveu
mais precisamente os temas ligados à FILOSOFIA DO DIREITO.
Lançou ele as primeiras noções de JUSTIÇA, não como valor relacionado à generalidade
das relações metaindividuais, como faziam os estudiosos de sua época, mas dentro de uma
perspectiva puramente jurídica, isto é, considerando as idéias de justiça e eqüidade como
fontes inspiradoras da lei e do direito.
Disso deflui ter sido o Estagirita o precursor de um conceito jurídico de Justiça, enfocandoa sob o contexto da “POLIS”, isto é, mencionando sua importância na estrutura da
elaboração da lei e do direito necessários à vida gregária natural do homem. Afinal, “o
homem é um animal político”.
Destacou-se assim pelas suas obras no campo da política e da ética, a
exemplo da “Ética a Nicômaco”, cuja influência chegou até os nossos dias.
1.2. BREVE NOÇÃO DA “POLIS” SEGUNDO ARISTÓTELES
Para ARISTÓTELES, a “POLIS” (ou Estado, numa expressão mais moderna) é uma
NECESSIDADE, capaz de promover o bem, tendo por fim a virtude e a felicidade. O
homem é um animal político, pois é levado à vida política pela própria natureza.
A sociedade ou “POLIS” cuida da vida do homem, como o organismo
cuida de suas partes vitais.
É a partir dessa premissa que a “POLIS” passa a regular a vida dos
indivíduos, através da lei, segundo os critérios de JUSTIÇA.
II – OS VÁRIOS ÂNGULOS DA JUSTIÇA ARISTOTÉLICA
2.1. AS JUSTIÇAS DISTRIBUTIVA E CORRETIVA
O conteúdo das leis é a Justiça, admitida esta sob vários enfoques.
O principal fundamento da Justiça é a IGUALDADE, sendo esta aplicada de várias
maneiras.
O princípio da IGUALDADE, assim, é entendido por ARISTÓTELES de duas formas
fundamentais, originando daí duas espécies de JUSTIÇA: a DISTRIBUTIVA e a
CORRETIVA. Esta última, por sua vez, subdivide-se em COMUTATIVA e JUDICIAL.
A justiça distributiva tem por escopo fundamental a divisão de bens e honras da
comunidade, segundo a noção de que cada um perceba o proveito adequado a seus méritos.
Num enfoque metafórico, significa a realização da Justiça segundo um critério de
PROGRESSÃO GEOMÉTRICA.
A justiça corretiva destina-se aos OBJETOS, relegando os méritos, mas medindo
impessoalmente o benefício ou o dano que cada qual pode suportar.
A justiça distributiva situa-se, pois, como entidade reguladora das relações entre a
sociedade e seus membros; a corretiva ordena as relações dos membros entre si.
Quando a justiça corretiva intervém na vontade dos interessados, tem-se sua índole
COMUTATIVA; quando, porém, impõe-se contra a vontade de uma das partes, chama-se
JUDICIAL.
2.2. A JUSTIÇA COMO VIRTUDE GERAL E ESPECIAL
Nesse contexto, ARISTÓTELES trilha o mesmo pensamento de PLATÃO, na medida em
que considera a justiça no duplo aspecto da VIRTUDE GERAL e da VIRTUDE
ESPECIAL, sendo as justiças distributiva e corretiva subdivisões da ESPECIAL.
A justiça como VIRTUDE GERAL, também chamada de LEGAL, vem assim enfocada por
ARISTÓTELES:
“Em geral, a maioria das disposições legais estão constituídas por prescrições da virtude
total, porque a lei manda viver de acordo com todas as virtudes e proíbe que se viva de
conformidade com todos os vícios. E, das disposições legais, servem para produzir a
virtude total todas aquelas estabelecidas sobre a educação para a vida em comunidade.
Assim, a lei esgota o domínio ético do cidadão, sendo, por isso, a medida objetiva da
justiça no seu mencionado sentido. A justiça geral consiste, pois, no cumprimento da lei.
Inversamente, a injustiça total é a sua violação”.
A noção elementar de Justiça recai, pois, sobre sua idéia a partir do entendimento do que
seja INJUSTIÇA.
O homem justo seria aquele que cumprisse a lei e o injusto o que a descumprisse. O alcance
da Justiça teria como substância fundamental o primado da IGUALDADE, EQÜIDADE. A
injustiça corresponderia à noção da ILEGALIDADE e da DESIGUALDADE.
Entrementes, nem tudo o que se tem por desigual é necessariamente injusto, a depender das
desigualdades reinantes entre os indivíduos integrantes do Estado, ou seja, a desigualdade
das partes que compõem o todo.
2.3. A JUSTIÇA ESPECIAL CORRETIVA
Sob outro ângulo, ao lado da Justiça DISTRIBUTIVA põe-se a chamada JUSTIÇA
CORRETIVA. Observe-se, de logo, que ao discorrer sobre a justiça corretiva,
ARISTÓTELES afirma que podem ser estabelecidas duas classes de relações entre os
cidadãos: VOLUNTÁRIAS (contratuais) e INVOLUNTÁRIAS (delitos).
Estas últimas são abrangidas pela JUSTIÇA PENAL, que é repressiva, e segregadora da
injustiça.
Trata-se de uma justiça cuja razão de ser é a COMPENSAÇÃO, ou seja, a correção ou
retificação da injustiça.
Inversamente, a JUSTIÇA CONTRATUAL é essencialmente PREVENTIVA, porquanto é
a justiça prévia que iguala as prestações recíprocas, antes mesmo de eventual
TRANSAÇÃO.
Não é, pois, a justiça que repara ou indeniza o dano (justiça involuntária ou delitual), mas a
que ordena as relações jurídicas.
Nesta, segundo ARISTÓTELES, há intervenção de uma terceira pessoa que irá decidir
sobre as relações mútuas travadas entre os indivíduos, na hipótese de descumprimento de
cláusulas contratuais anteriormente ajustadas.
O Juiz, nesta hipótese, passa a personificar a noção do justo, conferindo a cada qual aquilo
que lhe é assegurado no contrato estabelecido.
Há aqui a idéia do intermediário entre o maior (o credor) e o menor (o devedor), em
PROPORÇÃO ARITMÉTICA, sendo as coisas consideradas em seu VALOR OBJETIVO.
E finaliza: a Justiça corretiva, também chamada retificadora, equiparadora ou
sinalagmática, preside todas as trocas e relações quer de natureza civil, quer de índole
penal.
2.4. CONCLUSÃO
Conclusivamente, a Justiça, na concepção aristotélica, corresponde à virtude em sua
totalidade, e não só parte desta, revestindo-se também de caráter jurídico.
III – ARISTÓTELES E O JUSNATURALISMO
Ainda discorrendo sobre as virtuosidades da Justiça, ARISTÓTELES acredita numa Justiça
geral cuja fonte é a NATUREZA.
A Justiça fundada na natureza das coisas é igual em todos os lugares, ao contrário da
Justiça não-natural.
Não há, por toda parte, senão uma só constituição de Justiça conforme o DIREITO
NATURAL, e que é a melhor.
A Justiça fundada na natureza é ABSOLUTA; a outra é relativa. A doutrina aristotélica
defende, ainda, a existência do Estado a partir do direito natural.
O Estado é produto da natureza, conquanto seja instinto natural do homem a convivência
social e política.
Existe uma lei natural que dá caminho a tudo, sendo imutável, inderrogável e necessária.
A idéia de lei natural traz ínsita a idéia da EQÜIDADE, EQUIPARAÇÃO, IGUALDADE.
Isto equivale, induvidosamente, à JUSTIÇA DISTRIBUTIVA de ARISTÓTELES,
conforme o direito natural.
IV - INFLUÊNCIA DA VISÃO ARISTOTÉLICA DE JUSTIÇA NOS DIAS ATUAIS
Tão importante e avançado foi o conceito de Justiça elaborado por ARISTÓTELES,
àqueles remotos mas áureos tempos da Grécia antiga, que ainda hoje suas lições encontramse em plena harmonia com os princípios de igualdade e eqüidade direcionadores de quase
todos os ordenamentos jurídicos do mundo contemporâneo.
Como bem registra PAULO NADER “os filósofos que antecederam Aristóteles não
chegaram a abordar o tema de justiça dentro de uma perspectiva jurídica, mas como valor
relacionado à generalidade das relações interindividuais ou coletivas. Em sua Ética a
Nicômaco, o Estagirita formulou a teorização da justiça e eqüidade, considerando-as sob o
prisma da lei e do Direito. Tão bem elaborado o seu estudo que se pode afirmar, sem receio
de erro, que muito pouco se acrescentou, até nossos dias, àquele pensamento original”.
Não é, portanto, difícil vislumbrar a grande influência do conceito aristotélico de Justiça
nos manuais técnico-jurídicos de autoria de diversos jurisconsultos nacionais ou
estrangeiros de nomeada, seja qual for o ramo do Direito a que se refiram.
Mesmo dentre os legisladores é notável a constatação de elaboração de normas
constitucionais, infraconstitucionais ou até regras de direito internacional cujo conteúdo
geral encerra forte tendência no acolhimento das noções elementares de justiça e igualdade,
pondo-as como norte dos atos dos que tenham por ministério levar adiante a organização do
Estado e o regramento das condutas sociais.
Nesse diapasão, mencionamos os exemplos a seguir, representativos, em linhas gerais, das
idéias aristotélicas a que nos reportamos neste estudo. Dividimos as citações em duas
etapas: a) manifestações atuais da justiça corretiva; e b) situações que expressam noções da
justiça distributiva, tudo de molde a facilitar a pronta compreensão do leitor.
4.1. MANIFESTAÇÕES ATUAIS DA JUSTIÇA CORRETIVA
A Justiça corretiva prima pela gênese dos princípios e normas empregados na hoje
conhecida RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL.
Em todos os ordenamentos jurídicos do mundo ocidental, o direito contratual assenta suas
bases na igualdade de tratamento das partes. Assim é a doutrina de FOUILLÉE (La Science
Sociale Contemporaine) e C. RUTTEN (La Doctrine Sociale), citados por ANDRÉ
FRANCO MONTORO.
Nesse contexto, juristas de escol chegam a considerar o direito contratual como FONTE do
próprio direito. Exemplo disso é, entre nós, MIGUEL REALE, apertis verbis:
“Essa espécie de normas resulta do fato de que, qualquer que seja o ordenamento jurídico
vigente, será sempre necessário reconhecer, pela natureza mesma das coisas, que um
homem é capaz de direitos e obrigações e, notadamente, com o poder de especular negócios
para a realização de fins lícitos, graças a acordo de vontades. Mesmo nos países socialistas,
que restringem a livre disponibilidade pessoal dos bens econômicos, transferindo para o
Estado iniciativas antes conferidas aos indivíduos, mesmo nas Nações, em suma, onde se
operou a socialização dos bens de produção’, é reconhecida uma esfera de ação privada, na
qual se respeita o poder de disposição de cada ser humano”.
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, por sua vez, ao discorrer sobre os contratos
como fonte das obrigações e corolário da responsabilidade civil, exemplifica a chamada
cláusula “rebus sic stantibus”, necessária ao justo equilíbrio das partes no cumprimento das
prestações dos contratos firmados, a despeito do princípio “pacta sunt servanda” (força
obrigatória dos contratos). São suas as palavras:
“A cláusula revisionista, que é, no dizer de FILADELFO AZEVEDO, “conquista definitiva
do direito moderno”, inspira-se em razões de eqüidade e de justo equilíbrio entre os
contratantes; tem, todavia, como pressuposto a imprevisibilidade e anormalidade do fato
novo, profundamente modificativo da situação anterior” (destacou-se).
Na esfera criminal, não só a previsão das penas, como reprimenda dos delitos, comum a
todos os códigos criminais contemporâneos, mas também as suas espécies e características
de aplicação, são manifestações contundentes, e, talvez, nunca alteráveis em sua essência,
da justiça corretiva de ARISTÓTELES, desde os seus primórdios.
Nesse sentido, veja-se, entre nós, o magistério autorizado de DAMÁSIO EVANGELISTA
DE JESUS, verbis:
“Pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma
infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem
jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos. Apresenta característica de retribuição, de
ameaça de um mal contra o autor de uma infração penal. Tem finalidade preventiva, no
sentido de evitar a prática de novas infrações” .
E acrescenta:
“São caracteres da pena: a) é personalíssima, só atingindo o autor do crime (Const.
Federal, art. 5º, XLV; b) a sua aplicação é disciplinada pela lei; c) é inderrogável, no
sentido da certeza da sua aplicação; d) é proporcional ao crime”7 (destacou-se).
Nessa última hipótese, pois, representativa da justiça corretiva involuntária
(delitos), vê-se claramente o pensamento de ARISTÓTELES segundo o qual cabe ao
Juiz igualar as coisas mediante penas.
4.2. MANIFESTAÇÕES ATUAIS DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA
É quase intuitivo que a vertente trazida pela Justiça distributiva de ARISTÓTELES
influenciou até os nossos dias o PRINCÍPIO GERAL DA IGUALDADE DAS
RELAÇÕES JURÍDICAS e a JUSTA REPARTIÇÃO DE BENS.
Nesse sentido são, “verbi gratia”, as proclamas da Encíclica POPULORUM POGRESSIO,
de autoria do PAPA PAULO VI, que constitui, entendemos, uma de suas manifestações
mais nítidas, na medida em exercita a procura do BEM COMUM a partir da divisão
equânime da riqueza entre os povos pobres e ricos.
No Brasil, a prescrição do “caput” do artigo 5º da atual Constituição Federal é exemplo
doméstico da Justiça distributiva, nestes termos:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”.
Esse mesmo princípio vem garantido hodiernamente nas cartas políticas de todas as nações
do Ocidente.
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, comentando o assunto, assim se manifesta:
“Rezam as constituições – e a brasileira estabelece no art. 5º., caput
– que todos são iguais perante a lei. Entende-se, em concorde unanimidade, que o
alcance do princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma posta, mas que a
própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia” .
Por outro lado, a JURUSPRUDÊNCIA dos tribunais pátrios, não raro, também é produzida
sob a invocação e de conformidade com os princípios da justiça distributiva, desde sua
conceituação em ARISTÓTELES.
Exemplo disso é a decisão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, objeto da Apelação
Cível no. 8.234/77, Relator Juiz MENDES DOS REIS, cuja ementa é a seguinte:
“Imóvel avaliado há sete anos passados e o preço depositado sem juros e correção
monetária; desfigurado o seu valor real, de vez que o processo inflacionário minou o valor
da moeda, motivo pelo qual houve deterioração no valor do dinheiro com a conseqüente
valorização do imóvel. Para que seja boa a partilha, é possível tentar a maior igualdade
possível; significa dar materialmente a cada um a real parte do imóvel, e de móvel,
considerando o seu valor, natureza e qualidade como quer o art. 1.775 do CC. Anulação da
partilha para observância das regras legais de igualdade dos quinhões” (destacou-se).
4.3. CONCLUSÃO:
Em breve epílogo, conclui-se que as noções de justiça corretiva e distributiva de
ARISTÓTELES, redundantes em um conceito geral de Justiça, sob o prisma jurídico, estão
bem presentes ainda hoje nos mais variados ramos das ciências jurídicas e sociais,
constituindo excelente elemento de persuasão para o intérprete no solucionamento das
contendas que se lhe apresentam sistematicamente.
Disso deflui que a Justiça em si, como o Direito, não são uma mera técnica de aplicação de
regras positivadas aos fatos sociais ocorrentes. Mais que isso, a Justiça é a técnica da
eqüidade, da utilidade e da ordem social, segundo as virtudes da convivência humana. E
significa, fundamentalmente, uma atitude subjetiva a respeito da dignidade de todos os
homens.
Não se pode, portanto, como já bem vislumbrava ARISTÓTELES na antigüidade, segregar
da Justiça seu escopo subjetivo, e essencial, qual seja, o apanágio pelo qual se deve conferir
a cada um o que lhe é devido, conforme os primados da igualdade.
Portanto, o CONCEITO DE JUSTIÇA deve incutir no intérprete do Direito não uma
mecânica de inserção automática dos casos concretos à letra nua das normas escritas, a
exemplo do que pretendem alguns, mas sim concentrar essencialmente as virtudes da
eqüidade, da dinâmica, da justa distribuição de méritos e deméritos.
BIBLIOGRAFIA
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BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio das Igualdade,
São Paulo, Malheiros, 3ª ed., 1999.
DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de Filosofia do Direito, 5ª ed., Armênio Amado Editor –
Sucessor Coimbra, Coimbra-Portugal, 1979.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, 11ª ed.,
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JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, São Paulo, 1º vol., Saraiva, Parte Geral,
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MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, São Paulo, Saraiva, 31ª ed., 5º
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NADER, Paulo. Filosofia do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 5ª ed., 1996.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, São Paulo, 24ª ed., Saraiva, 1999.
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