Bloco 1: MESAS-REDONDAS Tema 4: Lexicografia para fins de ensino e pedagogia do léxico: principais desafios ASPECTOS PEDAGÓGICOS NO TRATAMENTO LEXICOGRÁFICO DE EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS Aderlande Pereira Ferraz (UFMG) Ao se ter em conta, no âmbito dos estudos linguísticos, a gramática e o dicionário como “os dois pilares de nosso saber metalinguístico” (AUROUX 1992: 65), é importante reconhecer que, desde os pioneiros trabalhos surgidos no mundo, no centro dos estudos apresentados por esses pilares sempre esteve a palavra, a unidade básica do léxico. Tomando em consideração, entretanto, a estrutura mórfica do léxico geral da língua, percebe-se em sua estruturação uma ampla tipologia de unidades lexicais. Do ponto de vista da morfologia lexical, cabe considerar a existência de palavras simples e complexas (ou lexias simples e lexias complexas, POTTIER 1972: 67). Quanto às lexias complexas, merecem atenção os graus de estruturação e automatização das construções sintáticas que, em escalas que vão do sintagma livre até a frase fixa, podem-se apresentar sob vários tipos de fraseologismos. Nesse aspecto, importa considerar as associações lexicais, de que resultam combinatórias estáveis com graus de coesão diversos. Para Saussure (1978), tais unidades pertencem ao plano da língua e não ao plano da fala, por serem “locuções estereotipadas que não podem ser alteradas, ainda que se possa distinguir, pela reflexão, as suas partes significativas” (SAUSSURE, 1978, p. 209). Trata-se de unidades do léxico formadas por mais de um elemento lexical, com elevado grau de fixidez em sua forma e em seu significado, sobre as quais se encontram importantes estudos no âmbito da fraseologia. Esta se tem constituído em um vasto campo de abordagens, tanto quanto se diversificam os fraseologismos. Entre estes há várias estruturas lexicais a serem consideradas, responsáveis pela diversidade dos fraseologismos, os quais se distinguem por traços bem específicos, mas também apresentam algumas características comuns, como a necessidade de se ter mais de um componente lexical para a sua formação, coesão interna entre seus componentes, um grau elevado de fixidez etc. A importância do tratamento lexicográfico das unidades fraseológicas é cada dia mais reconhecida e, no âmbito do ensino de língua portuguesa no Brasil, um dicionário específico de fraseologismos, com objetivos pedagógicos, é, inegavelmente, de grande necessidade. Um olhar mais atento sobre a situação atual da Educação Básica no Brasil, especialmente sobre o ensino de português, perceberá muitos aspectos importantes da língua portuguesa ignorados tanto nos programas que orientam a sala de aula como nos livros didáticos (Kleiman, 1996; Dionísio & Bezerra, 2001; Neves, 2003; Travaglia, 2003). Desses aspectos, sobressai o que diz respeito ao léxico do português, considerando que, em sala de aula de língua portuguesa, no âmbito dos ensinos fundamental e médio, o trabalho com unidades fraseológicas tem sido um imenso desafio tanto para quem ensina quanto para quem aprende. Em consideração a isso, observam-se ainda que os livros didáticos de português, no Brasil, raramente exploram a fraseologia e, quando o fazem, apresentam um tratamento marginal, como demonstram Cunha (2011) e Santos (2013). Não se ignoram que as unidades fraseológicas, especialmente por suas características formais e semânticas, requerem maior atenção nos processos de sua aquisição e de seu uso (PENADÉS MARTÍNEZ, 1999). Por essa razão, em vez de serem marginalizadas no ensino de português, tais unidades deveriam receber tratamento adequado tanto nos manuais didáticos como nos programas para a sala de aula. Considerando isso, no que diz respeito aos instrumentos didáticos ao alcance de quantos estejam diretamente envolvidos nos processos de ensino e de aprendizagem, o dicionário ocupa um lugar especial, pela sua grande utilidade tanto para o professor como para o aluno. Novos aportes pedagógicos, no que concerne às tendências didáticas que muito influenciaram o ensino de línguas no início do século XX, tiveram também uma forte influência no terreno da lexicografia, provocando a aproximação que se percebe, no século passado, entre a lexicografia e a linguística aplicada. A lexicografia, a partir daí, enriqueceu-se e pôde tratar o léxico com o contributo de novos postulados teóricos, cuja ênfase era aperfeiçoar métodos de ensino de línguas, fazendo com que, da união dessas ideias, surgisse a lexicografia pedagógica, disciplina que, como salienta Zgusta (1988, p. 5), deve ser compreendida como a interação da lexicografia e da metodologia do ensino e aprendizagem de línguas. De conformidade com Hartmann e James (2001), a lexicografia pedagógica produz tanto “dicionários escolares” (school dictionaries), quanto “dicionários de aprendizes” (learner’s dictionaries). Os primeiros, destinados a falantes nativos, têm como objetivo auxiliar o ensino formal do idioma materno a alunos em idade escolar; os segundos, concebidos para falantes não nativos, objetivam auxiliar o ensino e a aprendizagem de uma língua estrangeira. Considerando o desenvolvimento histórico da lexicografia no Brasil, vemos que a produção de dicionários escolares, além de recente, inicia-se muito tímida no tocante aos objetivos claramente pedagógicos. Na história da lexicografia brasileira, os dicionários gerais foram, aos poucos, se adaptando para o uso na escola. Essa adaptação era quase sempre por recorte, isto é, partia-se de uma matriz (um grande dicionário) já pronta, da qual se fazia um novo produto (um minidicionário) para o uso na escola. Em face disso, durante os últimos anos do século passado, permaneceu a forte impressão de que o tamanho (formato mini) é que caracterizava o dicionário escolar no Brasil. No âmbito dos dicionários escolares, destaca-se também a importância dos dicionários fraseológicos com objetivos pedagógicos. Se, por um lado, tem-se visto uma razoável produção de dicionários fraseológicos no Brasil, por outro, tais dicionários não trazem o objetivo pedagógico, o qual é reflexo da proposta lexicográfica que resulta da interação da lexicografia e da metodologia do ensino e aprendizagem de línguas (ZGUSTA, 1988, p. 5). Reconhecendo que as unidades fraseológicas, especialmente por suas características formais e semânticas, requerem maior atenção nos processos de sua aquisição e de seu uso, procura-se discutir aqui o tratamento lexicográfico de um tipo de fraseologismo, a expressão idiomática, juntando-se a isso a consideração especial dos aspectos pedagógicos na descrição da unidade lexical, tendo em vista o desenvolvimento da competência lexical no ensino de língua portuguesa. Assim, no presente estudo, procura-se relacionar a competência lexical, não com a fase de aquisição na infância, mas com o contínuo processo de desenvolvimento, que é o produto de aprendizagem através da educação sistemática, especialmente como se dá nos níveis avançados de educação. Para tanto, parte-se da chamada abordagem lexical (The Lexical Approach) Lewis (1993, 1997). O léxico, ao longo de todos os diferentes métodos de ensino de línguas, tem sido tratado de várias maneiras, porém, a que lhe tem dado uma posição central, nos últimos anos, é exatamente a abordagem lexical. Nesta abordagem, a gramática e o léxico se aproximam e quebram a forte linha de separação entre ambos. A unidade lexical, nesta abordagem, é a unidade de aprendizagem, ou seja, com esta abordagem se busca desenvolver a competência lexical dos aprendizes, levando-os a reconhecer e produzir os chamados Chunks, ou seja, itens lexicais que, revelando um tipo de regularidade da língua no nível morfossintático e semântico, não podem ser analisados em unidades menores de sentido. O léxico então é ensinado a partir de diferentes estratégias, para que o aluno seja capaz de reconhecer as diferentes combinatórias lexicais, destacando-se aqui a combinatória lexical de que resulta a expressão idiomática. Com isso, procurando refletir sobre a produtividade de expressões idiomáticas no português contemporâneo do Brasil, bem como analisar o tratamento dado a estas unidades do léxico pelos dicionários escolares brasileiros, este trabalho também mostra como é possível alocar tais unidades fraseológicas em um repertório lexicográfico voltado para o ensino do português. Como referencial teórico, além dos citados, foram aproveitados trabalhos importantes e anteriores, como os de Corpas Pastor (1996), no que concerne ao estudo das unidades fraseológicas; Penadés Martínez (1999, 2002), sobre o tratamento lexicográfico e pedagógico de unidades fraseológicas; e Ferraz (2008), no que diz respeito ao desenvolvimento da competência lexical. PALAVRAS-CHAVE: Léxico, fraseologismos, lexicografia pedagógica. REFERÊNCIAS AUROUX, Sylvain. A revolução tecnológica da gramatização. Tradução: Eni P. Orlandi, Campinas: Unicamp, 1992. CUNHA, Aline Luiza da. Expressões idiomáticas: da linguagem publicitária para a sala de aula. 2012. 115f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos). Belo Horizonte: Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012. CORPAS PASTOR, Gloria. Manual de fraseología española. Madrid: Gredos, 1996. DIONISIO, A. P. & BEZERRA, M. A. O livro didático de português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001. HARTMANN, Reinhard Rudolf Karl e JAMES, Gregory. Dictionary of Lexicography. Londres: Routledge, 1998. KLEIMAN, Ângela. “O ensino do léxico através da leitura. In: Leitura, ensino e pesquisa. Campinas: Pontes, 1996 , 191-213. KRIEGER, Maria da Graça. O dicionário de língua como potencial instrumento didático. In: ISQUERDO, Aparecida Negri & ALVES, Ieda Maria. (Orgs.) As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. Vol. III, Campo Grande/São Paulo: Humanitas, 2007, p. 295-309. LEWIS, Michael. The lexical approach. London: Language Teaching Publications, 1993. ____________________ Implementing the lexical approach. London: Language Teaching Publications, 1997. NEVES, Maria Helena Moura. Que gramática estudar na escola? Norma e uso na língua portuguesa. São Paulo: Contexto, 2003. PENADÉS MARTINEZ, Inmaculada. La enseñanza de las unidades fraseológicas. Madrid: Arco Libros (Cuadernos de didáctica del español/LE), 1999. _____________________ Diccionario de locuciones verbales para la enseñanza del español. Madrid: Arco Libros, 2002. POTTIER, Bernard. et al. Estruturas lingüísticas do português. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972. SANTOS, Ana Paula Gonçalves. O lugar dos provérbios no ensino de língua portuguesa: uma análise do livro didático de português do ensino fundamental II. 2013. 102 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013. SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. Tradução de José Victor Adragão. 4. ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1978. TRAVAGLIA, Luiz Carlos Gramática: ensino plural. São Paulo: Cortez, 2003. ZGUSTA, Ladislav. Lexicography Today: An Annotated Bibliography on the Theory of Lexicography. Lexicographica Series Maior 18. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1988.