COMITÊ DE IMPRENSA Jornalismo Sigma Mundi 2017 Fevereiro de 2017 O Jornalismo Internacional no cenário de Globalização do Século XXI Ana Luisa Padilha Figueira Mariana Bitencourt Santos 1. Introdução Mas como a comunicação vem afetando ou constituindo a nova ordem mundial? Ao longo dos últimos anos, vimos assistindo a uma enorme revolução relacionada aos impactos e desdobramentos das novas tecnologias de informação e comunicação (...) O processo de valorização da informação tem forte impacto na maneira de a sociedade se organizar e produzir (PEREIRA & HERSHMANN, 2013, p. 32). A partir do final do século XX, os meios de comunicação passam a adotar novas tecnologias que, além de desenvolver a ciência em geral, intensificam e generalizam a importância e o predomínio da mídia na formação da opinião pública (IANNI, 1998). Logo, o jornalismo se modifica. Mas, antes, é interessante entender que o jornalismo é essencial no cotidiano de qualquer sociedade complexa. É através da cobertura jornalística que todo o planeta tem acesso à informação e aos acontecimentos ocorridos em outros cantos do mundo, como guerras, eleições, desastres naturais, entre outros. Porém, a atividade de um jornalista vai muito além desse mero repasse de informação. É a partir dessa profissão que a população tem acesso ao conhecimento, desenvolvendo, assim, o senso crítico e a liberdade de pensamento, indispensáveis na vida do indivíduo. O jornalismo é tão árduo quanto fascinante, e o seu exercício traz, em doses quase equivalentes, objetividade e subjetividade. Se há uma história a ser contada, cabe ao jornalista ouvir versões diferentes, colher depoimentos conflitantes, analisar dados e relatar fatos. Com avanços e recuos, tenta encaixar as peças do quebra-cabeça. Sua missão é a busca do conhecimento (TAVARES, 2011, p. 9). Abreu (2003) lembra que, no Brasil, a partir do fim da Ditadura Militar (19641985), a mídia se tornou uma das mais importantes instituições co-participantes da construção da cidadania. E, portanto, além de entender a importância do trabalho do jornalista, é necessário também relembrar que o direito à informação é garantido, tanto no Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos – “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras” – quanto no Artigo 5º, Inciso XIV da Constituição Federal de 1988 – “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. As notícias sobre os fatos sociais, econômicos, políticos, culturais, religiosos, demográficos, ecológicos e outros são registradas, selecionadas, organizadas, enfatizadas, minimizadas ou esquecidas, ao mesmo tempo em que são difundidas pelos quatro cantos do mundo (IANNI, 1998, p. 38). Com isso, levando em consideração o direito à informação garantido nessas instâncias civis e a importância da democratização da comunicação, os fatos mundiais devem sempre ser transmitidos com a melhor qualidade possível. Neste capítulo, que teve como principal referência para pesquisa o livro Jornalismo Internacional, de João Batista Natali, de 2004, foram analisadas as formas com as quais a informação, principalmente a internacional, chega ao acesso da população. Além disso, destacam-se alguns exemplos nesse estudo, como o evento do 11 de Setembro, a Primavera Árabe e o Genocídio em Ruanda. O trabalho também abordará a cobertura dos comitês das Nações Unidas e o papel do jornalista que atua no local, além de um histórico sobre o tema no mundo e no Brasil. 2. Jornalismo Internacional e seu princípio O Jornalismo Internacional pode ter como criação o início da Idade Moderna. Apesar de ser uma data muito distante, foi com o surgimento das primeiras navegações e do desenvolvimento do sistema capitalista do Mercantilismo, no final do século XV, que o jornalismo internacional começou a se desenvolver. A partir do início do período de navegações, iniciou-se também a necessidade do compartilhamento de informações entre as nações. Saber sobre os novos territórios descobertos, os preços das mercadorias e as guerras que aconteciam no período interessava às nações envolvidas e aos consumidores do século. Todas essas notícias, que eram transmitidas por cartas, afetavam diretamente as relações comerciais das grandes potências que estavam sendo desenvolvidas na Idade Moderna. Dessa forma, pode-se considerar que, com o formato de coleta e difusão das notícias vindas das chamadas “terras distantes”, o jornalismo já nasceu internacional. A informação era comercializada como instrumento de poder e negócios. “O jornalismo internacional, nos primórdios do jornalismo, era o único tipo de jornalismo conhecido”, afirma João Batista Natali (2004). A partir do século XIX, período em que os jornais impressos já estavam mais consolidados, iniciou a diferenciação entre os periódicos. O consumo era diferenciado entre os veículos destinados à burguesia, à classe operária e à população do campo, todos usados como ferramentas essenciais para a economia (NATALI, 2004). Um dos primeiros acontecimentos de cobertura internacional foi a Guerra Civil Americana, ocorrida entre 1861 e 1865. Cerca de 150 correspondentes foram para o local de conflito e isso acabou consolidando a profissão de jornalista internacional. As redações já estavam estabilizadas e mais experientes, mas o objetivo da cobertura americana era outro: obter informações ao menor custo possível (NATALI, 2004). Dessa forma, os jornalistas encontraram a solução de produzir o mesmo conteúdo para diversos órgãos de imprensa, trabalho feito pelas atuais agências de notícias. 3. Síntese do Jornalismo Internacional no Brasil No Brasil, durante o período de monarquia, divulgar informações pertinentes para a comunidade era objetivo secundário dos governantes (NATALI, 2004). O noticiário exterior era consideravelmente ausente no cotidiano do jornalismo brasileiro no início do século XIX. Esses fatos podem ser explicados por alguns pontos, como a atualidade defasada dos acontecimentos. As notícias chegavam ao Brasil de navio, com cerca de, no mínimo, seis semanas de atraso. Outro fator que prejudicava o acesso à informação da população residente no Brasil era que, geralmente, as notícias que para cá vinham estavam escritas em idiomas diferentes do português. Transportada por navios, a informação chegava, devido à localização geográfica do Brasil, primeiramente na cidade de Recife, depois no Rio de Janeiro e, por fim, em São Paulo. A dependência dos navios era muito grande: caso os navios não chegassem, não haveria notícias (NATALI, 2004). Foi apenas em 1874 que o Brasil parou de depender de navegações para ter acesso a informações estrangeiras. Nesta data, ocorreu a primeira troca de mensagens por telégrafo, cabo que era estendido por todo o Oceano Atlântico que promovia melhor comunicação entre Brasil e Europa. Em certo momento da história do Brasil, no final do século XIX, o país entrou em um processo político de intensa imigração de europeus. Para o jornalismo, a consequência disso foi a demanda de jornais estrangeiros em território brasileiro. Portanto, a comunidade europeia passou a importar periódicos, como o Germania, para os alemães, e o italiano Fanfulla. Mesmo sendo uma boa fonte de informações dos acontecimentos da Europa, vale lembrar que esses jornais estrangeiros tinham como público alvo os moradores de seus países de origem e não os imigrantes que moravam no Brasil. Também continham uma linguagem totalmente diferente da utilizada pelos atuais correspondentes internacionais, por exemplo. Esses profissionais devem morar em outro país, mas relatar fatos interessantes, principalmente, à população do país do veículo para o qual trabalha. Os jornais estrangeiros que circulavam no Brasil tinham enfoque totalmente diferente dos veículos nacionais que cobriram a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Jornalistas brasileiros foram enviados para a Europa para acompanhar, principalmente, a atuação dos soldados do país nos combates de guerra (NATALI, 2004). Nesse caso, o enfoque foi essencialmente voltado para o Brasil. Por outro lado, voltando à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), os jornais nacionais não enviaram repórteres para acompanhar o acontecimento, e, assim, os veículos brasileiros se viram totalmente reféns das vagas informações provenientes das agências de notícias da época. O rádio, existente desde a metade do século XIX, só passou a ser de fato um meio de comunicação em 1919, na Holanda, com o seu primeiro boletim informativo. No Brasil, o primeiro programa de notícias foi ao ar apenas em 1941, quando, pela Rádio Nacional, foi transmitido o primeiro Repórter Esso. O programa chegou, inclusive, a transmitir a cobertura da Segunda Guerra Mundial. As informações utilizadas nos boletins brasileiros eram fornecidas pela agência UPI (United Press International) e, portanto, acontecimentos ocorridos no exterior foram, de fato, implantados no cotidiano jornalístico brasileiro. A CBN (Central Brasileira de Notícias) foi a primeira rádio brasileira a ter programação exclusivamente jornalística. Em 1950, as transmissões de televisão foram inauguradas no Brasil com a TV Tupi. Antes da tecnologia de transmissão por satélite, as películas de vídeos eram transportadas por avião e podiam demorar cerca de um dia até serem transmitidas para a população. O aparelho em cores chegou à casa dos brasileiros em 1972. Com isso, entende-se que o monopólio da informação nunca foi totalmente da mídia impressa, os veículos de papel sempre precisaram competir e continuaram competindo com mídias como o rádio, a televisão e, atualmente, com a dinamicidade trazida pela Internet. Hoje, a produção de conteúdo televisivo internacional ainda é refém das agências de notícias. As imagens são sempre iguais, tanto para um habitante do Vietnã, quanto da Austrália ou do Brasil. O resultado disso é que as imagens ficam com informações muito rasas e insuficientes para agradar ao público. Por exemplo, se não houver nenhum jornalista brasileiro em um local de guerra, dificilmente os produtores das agências irão procurar encontrar vítimas brasileiras ou entrevistar autoridades do Brasil naquele país (NATALI, 2004). 3.1. O cotidiano da editoria Internacional no Brasil No Brasil, o jornalismo internacional, com correspondentes internacionais e as editorias de Mundo, ganhou grande repercussão no período da Ditadura Militar (19641985). Como os jornalistas que trabalhavam no país sofriam grande repressão e censura em pautas sobre a realidade da ditadura brasileira, cabia às editorias internacionais a função da subversão, como os próprios militares denominavam. Já que, no Brasil, o trabalho do jornalista era censurado, eram com as informações vindas de fora que o repórter tinha a oportunidade de exercer sua função sem podas e com profissionalismo. Devido às novas tecnologias e à facilidade de acesso à informação, o custo de apuração nas editorias de Mundo dos jornais brasileiros se aproxima de zero (NATALI, 2004). A tecnologia de transmissão da informação encurta a distância entre a sede de um jornal e a origem de seus acontecimentos. Tendo em vista que a editoria internacional nem sempre tem correspondentes em outros lugares do mundo, esses núcleos acabam dependendo das agências de notícias, tema já discutido neste estudo. Dessa forma, a partir do momento que as editorias recebem uma enxurrada de informações das agências de notícias, vale analisar que nenhuma outra editoria descarta/filtra tantos fatos quanto as internacionais (NATALI, 2004). Esse descarte leva a outra qualidade da editoria: o critério em selecionar e definir quais informações irão ou não virar notícia no veículo que se fala. Como explica Natali (2004), o jornalismo não é ciência, mesmo que o fato seja o mesmo, a notícia não tem o mesmo viés em qualquer lugar do mundo. Então, entende- se que quem define o valor-notícia da informação é o leitor, e, nem sempre, o repórter ou o editor. Não adianta tentar explicar a queda de um avião chinês com a mesma importância para populações da China e da Argentina, por exemplo. Mauro Wolf (em Teorias das Comunicações de massa, 2003) define os valores-notícias como “critérios de noticiabilidade”. Também costumam ser chamados de “fatores de interesse da notícia”. O valor-notícia é um conjunto de características que desperta a atenção, provoca o interesse ou confere relevância a determinados fatos que serão reunidos sob a forma de um produto específico do jornalismo, a notícia (JORGE, 2008, p.28). 4. A estratégia das agências de notícias Em 1835, foi criada por Charles Havas a primeira agência de notícias do mundo, a atual Agence France-Presse (AFP). A história das agências de notícias também anda junto com a história de todo o jornalismo, especialmente o internacional. Foi por meio do teletipo, instrumento muito usado pelas agências para transmitir a informação de um país para o outro, que mais uma redução de custos foi alcançada no cotidiano das editorias internacionais. Com as mensagens sendo transmitidas por ondas, os jornais não dependiam mais da espera de navios ou aviões para o recebimento das notícias. Esse instrumento de transmissão de dados via rádio paralisava a redação. No Brasil, por exemplo, foi em virtude do barulho emitido pelo sininho do teletipo que os jornais do país ficaram sabendo do ataque nuclear americano com a bomba atômica na cidade japonesa de Hiroshima, no ano de 1945. Voltando à Guerra de Secessão, em 1865, a agência de notícias britânica Reuters foi a primeira a noticiar, em território europeu, o assassinato do presidente americano Abraham Lincoln. Ainda no processo de criação, as agências de notícias deram visibilidade econômica ao que acontecia em vários outros lugares do mundo. Os veículos locais passaram a consumir mais notícia internacional justamente por elas serem mais baratas e de fácil acesso: contratar o serviço de uma agência sai mais em conta do que sustentar um correspondente internacional em um país estrangeiro (NATALI, 2004). Entretanto, a contratação de serviços das agências de notícias não é totalmente benéfica. Principalmente para vender mais e não perder clientes, as empresas desenvolvem uma postura de mercado que leva ao apartidarismo do noticiário (NATALI, 2004). As notícias eram repassadas para os jornais sem muito detalhes e pensamento crítico, omitindo certos acontecimentos para não prejudicar suas imagens. Esse modelo de trabalho das agências de notícias levaram o jornal britânico The Guardian, em 1871, durante a guerra franco-prussiana, a enviar correspondentes tanto para o lado francês, quanto para o prussiano, para uma cobertura mais justa da guerra em curso. As mentalidades e as correntes de opinião pública, bem como as noções e as interpretações sobre muito do que ocorre no mundo, em âmbito local, nacional, regional e mundial, tudo isso está cada vez mais decisivamente influenciado pelas empresas, corporações e conglomerados que atuam no âmbito da mídia, cultura de massa e indústria cultural (IANNI, 1998, p. 37). “A despeito das diferenças e distâncias econômicas, políticas e culturais, as agências internacionais fornecem mais de 70% de tudo o que se ouve, lê ou vê sobre o mundo no Brasil” (MOREIRA, 1996). Interessante pensar que essa citação, de 1996, indicava um cenário em que o Brasil enviava poucos correspondentes internacionais para o exterior, recorrendo quase que totalmente às agências de notícias. Sônia Virgínia Moreira (1996) explica que, com a crise econômica – brasileira e mundial – da década de 1980, os meios de comunicação se viram reféns de cortar gastos, diminuir a contratação de correspondentes internacionais e partir para a dependência das agências. Isto gerou um olhar euro-americanizado – visto que as principais agências de notícias são norte americanas e europeias, como a United Press International, Associated Press, Agence France-Presse e Reuters – dos acontecimentos internacionais, influenciando diretamente o pensamento social, político e cultural da comunidade que recebe a notícia, geralmente países em desenvolvimento. Essa preferência por receber fatos das agências de notícias resulta em mais páginas dos jornais e mais posts virtuais de notícias internacionais referentes aos Estados Unidos e a países europeus do que outras nações do resto do mundo, gerando menos destaque para pautas africanas ou asiáticas, por exemplo. Portanto, cabe à cobertura nacional diminuir esse distanciamento cultural provocado pelas agências e aproximar o leitor da realidade do seu país. Resultado dos períodos sucessivos de crise econômica atravessados pelo Brasil, a ausência de correspondentes próprios em locais estrategicamente importantes para o país provoca na maioria das vezes um enfoque superficial e distante da realidade brasileira, ao lado da manutenção de uma dependência ainda excessiva do material jornalístico produzido por agências de notícias estrangeiras (MOREIRA, 1996, p. 4). Essa problemática respinga até mesmo no fotojornalismo. Indo para o ponto de vista técnico do fazer jornalístico, até mesmo as fotos vindas de uma agência de notícias não têm direcionamento específico e são sempre dependentes do olhar sensível do fotógrafo. Em uma cobertura feita em um país em guerra, um correspondente internacional brasileiro, por exemplo, além de acompanhar os acontecimentos ocorridos na tragédia, iria trabalhar para apurar informações sobre possíveis vítimas brasileiras, assim como buscar dados na Embaixada do Brasil, atitudes não esperadas por repórteres de agências de notícias. 5. O trabalho do Correspondente internacional e do Enviado Especial A palavra correspondente pode ser interpretada como a pessoa que leva a correspondência e, esta, podemos entender como notícia, fato, informação, etc. Para o contexto globalizado em que vivemos, é necessário haver trocas de informações entre os países do mundo. Essa é uma das funções dos correspondentes internacionais e dos enviados especiais. O correspondente internacional vive no exterior, enviando matérias rotineiramente para redação do veículo de seu país de origem. Ele é autopautado, ou seja, é quem decide a pauta a ser coberta com os assuntos mais relevantes ao seu público alvo e o foco que irá abordar (ELHAJJI, 2005). É imprescindível que este profissional mantenha contato constante com as autoridades estrangeiras, assim como celebridades e até mesmo com a população, para tê-las como fontes de informação. Este jornalista é encarregado por fazer coberturas sobre o cotidiano, a política, a economia e a cultura do outro país e de regiões próximas. Por viver algum tempo e ter outras experiências em um país diferente, o correspondente possui uma visão diferenciada da população de seu país de origem e, assim, fornece mais informações a esta. Ser correspondente internacional deveria significar uma vontade muito grande de viajar pelo mundo a qualquer custo e sempre em busca de boas pautas com pouquíssimo dinheiro no bolso, muitas idéias ou pautas na cabeça e muita coragem para enfrentar as dificuldades (ELHAJJI, 2005, p. 63). Já o enviado especial fica menos tempo fora de seu país. Tempo necessário apenas para acompanhar um acontecimento específico e depois retornar à redação de origem (ELHAJJI, 2005). Com tanta diversidade de assuntos, como notícias que permeiam desde novas descobertas da NASA (National Aeronautics and Space Administration), a um terremoto no Sudeste Asiático ou a uma disputa de territórios no Oriente Médio, o repórter deve sempre ter conhecimento variado, saber um pouco de tudo, dominar conhecimentos gerais e ter boas fontes de contato e consultas de informações. É o editor de redação quem escolhe o jornalista mais apto para essa função. Para isso, é necessário, que este possua um conhecimento prévio da situação e do local para melhor apurar e escrever (ELHAJJI, 2005). O editor também orienta o enviado quanto ao foco que sua cobertura deve ter para melhor atender ao público alvo. O enviado especial cobre eventos específicos no exterior, como, por exemplo, conflitos, conferências internacionais, festivais, eventos esportivos, entre outros. Um outro tipo de enviado especial é o correspondente de guerra. Ele é encarregado pelo trabalho mais perigoso da área, por ficar próximo à zona de conflito. Júlio César, aproximadamente em 50 a. c., escreveu sobre guerras, ao relatar, no livro De Bello Gallico (50 a.C.), sobre a Guerra Gálica, na qual foi vitorioso. Entretanto, seu relato é considerado mais uma crônica de guerra do que jornalismo propriamente dito. Geralmente, o jornalista se hospeda ou mora em um país onde há uma melhor infraestrutura, tanto para sua comodidade quanto para seu trabalho, mas pode cobrir temas relacionados a um continente inteiro ou a regiões próximas ao país onde está. Relacionado ao tema, também há os Stringers, que são jornalistas sem vínculos fixos com veículos de mídia, uma espécie de freelancers internacionais. Eles podem produzir matérias para várias empresas ao mesmo tempo e vão para locais onde os jornalistas normalmente não vão, como países em desenvolvimento ou com pouca estrutura. Esses profissionais têm a função de alimentar os jornais quanto a informações sobre esses locais “isolados”. As matérias de agências de notícias são usadas quando um jornal não tem correspondente em um determinado país. Isso ocorre devido ao fato de que manter um profissional no exterior pode ter um custo muito elevado, o que diminui a demanda por novos jornalistas internacionais. Entretanto, há várias oportunidades para quem quer entrar na área. Os correspondentes mais qualificados têm a oportunidade de trabalhar nas Nações Unidas, tanto na sede, quanto em outras coberturas da Organização. Uma outra alternativa aos correspondentes internacionais que os jornais usam são os colaboradores fixos: pessoas com a mesma nacionalidade do jornal, que moram em um determinado país e mandam matérias regularmente à redação. O valor pago a eles é menor do que os jornalistas convencionais, pois não há gasto com moradia, deslocamento, etc. Quem arca com essas despesas são os próprios colaboradores, portanto, é uma forma de jornalismo internacional menos onerosa aos veículos. A internet torna o trabalho dos correspondentes mais fácil. Ela traz mais dinamicidade e praticidade. Essa tecnologia possibilitou a manutenção do contato rápido entre repórter e veículo, assim como o envio de áudios, vídeos, fotos e textos quase que instantaneamente, o que é primordial para o jornalismo. ElHajji (2005) afirma ainda que, com o passar do tempo, o jornalismo internacional passou a ser um trabalho em que a pessoa visa interesses pessoais como viajar e ter uma vida abastada às custas de terceiros. Isso implica em um problema que vai de encontro à ética da profissão, visto que a função primordial de qualquer jornalista é prestar um serviço, além de manter um compromisso social, informando e entretendo a sociedade em geral. 5.1. O Público Alvo O público alvo do jornalista internacional são os habitantes de seu país de origem. O repórter deve escrever a matéria procurando atender às expectativas e focando nos interesses de seus conterrâneos, obedecendo aos critérios dos valoresnotícia – o que torna o fato relevante para a população, como proximidade, relevância, se há alguma autoridade no local, entre outros. Segundo o site da Rede de Jornalistas Internacionais (IJNet), existem algumas perguntas que o jornalista deve se fazer para garantir que os interesses de seu público estejam presentes em sua matéria. O repórter deve saber para quem e porque este tema é interessante; de que forma o público será afetado por este conteúdo; qual a pergunta que ele está tenta responder na matéria (respondendo-a de acordo com o seu público alvo). É imprescindível que ele pense nessas questões de modo a tentar garantir os interesses dos habitantes de seu país. É válido ressaltar também que o site propõe reflexões pertinentes a respeito desse tema. Como exemplo disso, ele cita que o jornalista não determina a opinião que o público deve possuir. O profissional deve apenas ficar atento aos assuntos que interessam a população, visando cumprir com o que afirma McCombs e Shaw, na Teoria do Agendamento (1972): os meios de comunicação indicam sobre o tema que as pessoas devem falar ou achar interessante, mas não qual opinião devem ter sobre o assunto. Dessa forma, o jornalista escreve sobre o que sabe que é importante e relevante para o país, mas tem de revelar todos os lados da informação para não a manipular. Assim, é interessante o jornalista internacional abordar temas que possam acarretar em alguma consequência para o seu país de origem ou para o mundo; temas que envolvam países próximos ou temas relacionados com acontecimentos do seu país de origem. Entretanto, com a redução do número de correspondentes internacionais e enviados especiais, o público-alvo fica submetido às agências de notícias que focam no mundo como um todo e não em um grupo específico. Assim, a população de determinado país pode se sentir prejudicada por não possuir todas as informações necessárias, como, por exemplo, a forma que aquele fato afetará seu país. “Ninguém pode se equiparar a um jornalista do veículo, que conhece bem o seu público e a cultura nacional e tem experiência ampla dos fatos do país onde trabalha. Não há mídia social, agência, TV, stringer que possa fazer isso” resume Carlos Eduardo Lins da Silva, que foi ombudsman e correspondente da Folha em Washington (COSTA, 2016). Além disso, o repórter deve selecionar corretamente as informações de acordo com o seu público alvo para não gerar um excesso de informações. Segundo a Teoria Funcionalista da Comunicação, “a exposição a grandes quantidades de informação pode causar a chamada ‘disfunção narcotizante’” (WOLF, 2008). Esta disfunção pode causar a alienação das pessoas, pois elas somente irão procurar saber superficialmente sobre o acontecimento e não irão se atentar aos detalhes, além de não procurar outras fontes de informação, por haver muitas notícias acerca de um mesmo fato para serem lidas, além de se perder a esperança em um bom jornalismo. 6. O trabalho do jornalista nas Nações Unidas Não é todo jornalista internacional que pode fazer coberturas sobre a Organização das Nações Unidas (ONU). É preciso ser um dos mais qualificados. Para as coberturas especiais nas Nações Unidas, cabe ao jornalista explicar e descrever os motivos que levaram ao conflito existente entre os países envolvidos, apresentar qual foi a solução e de que forma os personagens envolvidos nesse conflito chegaram a ela. É válido frisar que o jornalista é um importante canal entre a sociedade e seus representantes, ou seja, ele deve falar o que a sociedade quer saber e transmitir aos delegados o que precisam dizer à população, de forma a abordar todos os lados do conflito. Os jornalistas ficam presentes nos debates acompanhando o decorrer da discussão. Eles podem, também, se houver necessidade, convocar uma coletiva de imprensa para que possam fazer perguntas pertinentes ao debate e que interessem a sociedade. Não é difícil conseguir informações estando na sede da ONU, uma vez que existem vários tipos de fontes lá. As fontes principais que se usam numa cobertura das Nações Unidas são os discursos dos delegados, os documentos produzidos – principalmente a resolução – e entrevistas de background. As entrevistas são feitas com os delegados fora da sala de reunião para não atrapalhar o andamento dos debates. Ainda existem outras formas de conseguir informação: caso necessário, pode-se consultar a própria equipe de informações das Nações Unidas e os recursos e bibliotecas lá existentes (ELHAJJI, 2005). No site oficial das Nações Unidas, é possível encontrar vários exemplos de coletivas de imprensa feitas em sua sede. Em uma delas, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) debate sobre reformas para a manutenção da paz, no qual foram abordadas a situação da Líbia e do Estado Islâmico. Além disso, o CSNU, comitê de decisões de caráter mandatório de adesão dos países, tem o seu programa de trabalho mensalmente revelado no site da organização por meio das coletivas de imprensa e de releases. O portal é a plataforma em que o presidente do mês responde a questões e explica quais são seus planos para o Conselho nesse período. Em 2015, a ONU ofereceu bolsas para os jornalistas que quisessem cobrir a Assembleia Geral e trabalhar por tempo integral na imprensa. Isso representa um forte incentivo a profissionais jovens, de 25 a 35 anos, que desejam desenvolver carreira no jornalismo internacional em uma instituição máxima como as Nações Unidas. 7. A importância da mídia em conflitos internacionais Segundo a Teoria Funcionalista, a mídia possui várias funções. Entre elas estão o controle das tensões e o reforço das normas sociais. Ao não cumprir suas funções, os meios de comunicação causam disfunções (WOLF, 2008). [As disfunções] se manifestam no fato de que os fluxos de informação que circulam livremente podem ameaçar a estrutura fundamental da própria sociedade. Além disso, no âmbito individual, a difusão de notícias alarmantes (sobre perigos naturais ou tensões sociais) pode gerar reações de pânico em vez de vigilância consciente. (WOLF, 2008, p.57) Um exemplo de disfunção que os meios de comunicação apresentaram pode ser observado em 1994, em Ruanda. No livro de Allan Thompson (2007), The Media and the Rwanda Genocide, é possível encontrar uma análise do genocídio ocorrido no país e a sua relação com a mídia da época. No local, ocorria uma disputa de território entre dois grupos étnicos distintos: tutsis e hutus. Na pesquisa, foi considerado que a tragédia pode ter se intensificado após o uso do rádio pelo segundo grupo ao incitar discursos de ódio contra o primeiro. Um outro exemplo em que a mídia influenciou negativamente foi no atentado de 11 de setembro, ocorrido em 2001. Após a tragédia, algumas emissoras de televisão apoiaram o então presidente, George W. Bush. Dessa forma, a população passou a concordar também com as decisões por ofensivas bélicas do governo. Os meios de comunicação da época tiveram papel importante para ajudar a Casa Branca a convencer a população de que eram legítimos os ataques contra o Afeganistão e o Iraque. Entretanto, a mídia não exerce apenas um papel negativo em conflitos internacionais. Um importante exemplo disso é a Guerra do Vietnã (1955 - 1975). Nela, a mídia colaborou para o término do conflito. Nacos (2007) afirma que a televisão, ao mostrar imagens de mortos e feridos, colocou a opinião pública contra o governo americano. A cobertura da morte de soldados dos Estados Unidos levou a diversas manifestações públicas de norte-americanos. Este foi um dos inúmeros motivos que resultaram na derrota americana em solo vietnamita. Um último exemplo pode ser a Primavera Árabe. Ela nos mostra como a Comunicação, no caso as redes sociais, contribuíram para a independência de inúmeros povos. Um dos conflitos ocorrido em 2011 mostrou uma nova forma de o povo se expressar e fazer seus desejos e necessidades serem ouvidos. Por meio de redes sociais como o Facebook, o Twitter e o Youtube, a população árabe marcava encontros que visavam reivindicar por mais empregos e pelo fim de ditaduras (TAVARES, 2012). Dessa forma, entende-se que as mídias sociais são algo intrínseco ao jornalismo atual. Elas contêm muitas das informações usadas pelos repórteres e também representam uma forma de propagação de informação quase que instantaneamente. Além disso, elas podem servir para a população reivindicar direitos. 8. Considerações Finais É fundamental, no mundo globalizado de hoje, que os cidadãos fiquem antenados o tempo todo e saibam o que está acontecendo ao redor do mundo. Atualmente, um evento que ocorre em um país distante pode influenciar direta ou indiretamente a vida dos cidadãos de determinada nação. As mentalidades e as correntes de opinião pública, bem como as noções e as interpretações sobre muito do que ocorre no mundo, em âmbito local, nacional, regional e mundial, tudo isso está cada vez mais decisivamente influenciado pelas empresas, corporações e conglomerados que atuam no âmbito da mídia, cultura de massa e indústria cultural (IANNI, 1998, p.37). Nas coberturas das Nações Unidas, os jornalistas mostram para a população o que os delegados decidem acerca de temas mundiais. Os conflitos internacionais, na ONU, são resolvidos de forma a preservar os Direitos Humanos, além de tentar controlar as diferenças entre os países, de modo a respeitar o sistema econômico e social de cada nação. A resolução ou não de um conflito pode influenciar diretamente a vida de uma pessoa e, portanto, cabe ao jornalista internacional transmitir as decisões e a posição de seus representantes a todos. O jornalismo, ainda, tem um poder muito forte para influenciar a sociedade. O repórter precisa ser cauteloso quando cobrir um acontecimento. Um exemplo disso é o que ocorreu nos Estados Unidos em 2001. Segundo Natali (2004), lidar com o país “é a grande pedra no sapato do jornalismo internacional”. Isso pode ser percebido após a guerra ao terrorismo – proposta por George Bush em que a mídia apoiou diversas guerras e influenciou a população. Depois desse episódio, os jornais começaram a assumir uma posição mais crítica em relação à nação americana, buscando mostrar os vários ângulos do mesmo fato para não exercer novamente esse papel tendencioso que levou a muitas guerras tidas como legítimas. As notícias estrangeiras vindas de outros cantos do mundo – tão imprescindíveis para acordos internacionais, desenvolvimentos de políticas públicas e para assegurar o próprio direito de informação garantido pela Constituição Brasileira – dependem de um grande aparato de apuração e de transporte de informações para chegar ao conhecimento da população local. Para isso, o papel de instâncias como os correspondentes internacionais e as agências de notícias são indispensáveis para a construção da informação que se transforma em notícia. Porém, agências fazem com que o leitor enxergue o mundo pelo olhar de um estrangeiro (MOREIRA, 1996). A partir dessa análise entende-se que o papel desempenhado pelas agências de notícia é superficial e quem, de fato, dá a informação com o ponto de vista adequado – direcionado para um público alvo específico – é o correspondente internacional nativo do país. A comunicação é um elemento básico de qualquer sociedade. A mídia torna essa comunicação possível, ajuda a sociedade a compreender as ideias políticas e culturais, e contribui para formar a opinião pública e o consenso democrático. Hoje, a sociedade usa a mídia para exercer uma forma de autocontrole. Com estas responsabilidades como pano de fundo, os executivos da mídia devem permanecer conscientes das suas obrigações, respeitando princípios éticos em suas atividades (BERTELSMAN, 1994, apud IANNI, 1998). 9. Referências ABREU, Alzira Alves. Jornalismo cidadão. Revista Estudos Históricos, v. 1. Rio de Janeiro, 2003. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 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