Instituto Terzius Trabalho de Conclusão do Curso de Pós Graduação em Medicina Intensiva Adulto Variação da Pressão Sistólica e da Pressão de Pulso como Parâmetros Dinâmicos de Resposta a Infusão de Líquidos em Anestesia Dr Walter Luiz Ferreira Lima Campinas – São Paulo 2011 Introdução Avaliar o volume intravascular de maneira adequada, predizer se aquele paciente se beneficiará de uma prova volumétrica com infusão de líquidos, é com certeza bastante desejado por aqueles que lidam com pacientes críticos1. O anestesiologista na sua rotina de trabalho se depara com estes pacientes com frequência, seja pelo estado hemodinâmico prévio, consequente à patologia cirúrgica, comorbidades existentes, agressões anestésico-cirúrgicas, ou ainda por todas estas situações simultâneamente em graus variáveis. A avaliação deste volume intravascular se justifica pelos seguintes fatos: • hipovolemia pode resultar em hipoperfusão tecidual com disfunção orgânica de multiplos órgãos; • hipervolemia também deve ser evitada, pois pode causar a mesma disfunção orgânica, por potencial dano da ultraestrutura celular de maneira irreversível e aumento da morbimortalidade secundária a edema pulmonar, disfunção cardíaca, insuficiência renal, acidose hiperclorêmica, edema cerebral2. Claro que o método ideal de avaliação da volemia seria aquele com alta especificidade e sensibilidade aliado à praticidade, disponibilidade e baixo custo. O exame físico, a frequência cardíaca, a pressão arterial, a pressão venosa central, a pressão da artéria pulmonar ocluída e as medidas ecocardiográficas não preenchem todas estas propriedades desejadas3,4. Perel et al.5 observaram e analisaram as medidas fisiológicas da interação coração-pulmão, dando início a uma nova visão hemodinâmica: a avaliação dinâmica da responsividade à fluidoterapia. Certamente, este melhor conhecimento da fisiologia dos dois órgãos interagindo sob ventilação mecânica, corroborou para a melhor avaliação da volemia nestas circunstâncias, aliando mais uma ferramenta ao arsenal desta propedêutica tão importante. Desta maneira, nos últimos 20 anos observou-se expressivo número de publicações sobre o assunto, descrevendo a utilidade de parâmetros como a variação do volume sistólico, variação da pressão sistólica e variação da pressão de pulso, os comparando entre si e com outros métodos estáticos6-10. Paul Marik et al. reuniram 23 estudos realizados entre 1998 e 2008, que procuravam determinar a capacidade de variáveis dinâmicas da curva de pressão arterial de predizer a responsividade a volume e compará-las com índices estáticos. Nessa revisão, concluiram que a monitorização com variáveis dinâmicas é mais precisa para identificar pacientes que respondem ao desafio de volume e, que medidas estáticas são inferiores a esta monitorização11. Bases Fisiologicas Michard et al12 demonstraram os fundamentos da variação da pressão arterial durante o ciclo da ventilação mecânica. Durante a inspiração com pressão positiva a compressão das veias cavas e o aumento da pressão do átrio direito levam a uma diminuição do fluxo nas cavas e, portanto, no retorno venoso, seguido por uma redução no fluxo das artérias pulmonares e, por último, na artéria aorta. Esta redução na pré-carga do ventrículo direito também resulta na dimiuição do débito cardíaco deste ventrículo. A queda deste débito reduz o fluxo nas artérias pulmonares, na pré-carga do ventrículo esquerdo e no débito do ventrículo esquerdo. Aliado a este panorama, o aumento da pressão alveolar durante a inspiração comprime a vasculatura pulmonar, aumentando a resistência nesta área, conferindo uma maior pós-carga para o ventrículo direito. Esta mesma compressão, em um primeiro momento, forçaria o fluxo em direção ao átrio esquerdo, levando a um aumento da pré-carga do ventrículo esquerdo. O aumento das pressões pleurais facilitaria a ejeção do ventrículo esquerdo, reduzindo sua pós-carga 13(Figura 1). Variação da Pressão Sistólica e da Pressão de Pulso A diferença entre a pressão sistólica e a diastólica, conhecida como pressão arterial de pulso, é diretamente proporcional ao volume sistólico e inversamente proporcional à complacência arterial. A amplitude da pressão de pulso reflete diretamente o volume sistólico do ventrículo esquerdo para uma mesma complacência. Assim, a variação do volume sistólico induzida pela ventilação mostrou-se o principal determinante da variação da pressão de pulso. No entanto, essa correlação com a pressão arterial sistólica é menor, porque além da dependência do volume sistólico e da complacência arterial, também há influência direta da pressão arterial diastólica, ou seja, das pressões extramurais sobre a aorta (pressão pleural). Dessa forma, a pressão arterial sistólica pode variar durante a ventilação mecânica sem variações significativas na pressão de pulso e no volume sistólico do ventrículo esquerdo13. A Variação da Pressão Sistólica e da Pressão de Pulso Influenciadas pela Volemia Existem quatro razões para que a ventilação com pressão positiva interfira de maneira mais pronunciada na variação do volume sistólico e na pressão de pulso, quando ocorre hipovolemia13: 1. O sistema venoso está mais sujeito ao colapso, principalmente a veia cava superior. 2. O aumento da pressão do átrio direito induzido pela respiração é bem maior em condições de hipovolemia, pois ele se encontra menos preenchido e com maior complacência. 3. Durante a hipovolemia, passa a existir um maior número de zonas de West I e II. Neste panorama, ocorre um maior impacto da inspiração na pré-carga do ventrículo direito e também do esquerdo. 4. Os ventrículos direito e esquerdo são muito sensíveis às mudanças na pré-carga, como se observa analisando a porção inclinada da curva de Frank-Starling, quando ocorre aumentos na volemia em um paciente hipovolêmico. Medida da Variação da Pressão Sistólica e da Pressão de Pulso A variação da pressão sistólica pode ser analisada calculando-se a diferença entre o valor máximo e mínimo da pressão sistólica sobre um único ciclo ventilatório. Ela é separada em dois componentes: o delta down e o delta up. Estes componentes são calculados usando uma pressão sistólica de referência, que seria aquela medida durante uma pausa expiratória no final da expiração. O delta up seria a diferença entre a máxima pressão sistólica e a pressão sistólica de referência e reflete as alterações no volume sistólico do ventrículo esquerdo durante a inspiração. O delta down é a diferença entre a pressão sistólica de referência e o valor mínimo da pressão sistólica durante o ciclo ventilatório. Ele reflete a redução da pré-carga e do volume sistólico do ventrículo esquerdo durante a expiração13. A pressão de pulso tem característica diferente, como já citado, pois o aumento da pressão pleural na ventilação com pressão positiva afeta tanto a pressão sistólica como a pressão diastólica. A variação no volume sistólico do ventrículo esquerdo nestas circunstâncias é refletida na pressão de pulso periférica durante o ciclo ventilatório. Logo, a responsividade à fluidoterapia pode ser avaliada calculando as alterações na pressão de pulso (delta PP) durante o ciclo respiratório da seguinte maneira13: Delta PP (%) = 100 X (PPmax – PPmim) ÷ (PPmax + PPmin ) ⁄ 2 A figura 2 ilustra como a análise da variação da pressão de pulso pode ajudar a identificar em que fase da curva de Frank-Starling se encontram dois pacientes hipotéticos com relação a responsividade a um desafio volumétrico. Com o delta PP baixo (<13%) é improvável que a expansão volêmica beneficie o paciente do ponto de vista hemodinâmico, no entanto, se o delta PP estiver alto (>13%) a expansão volêmica certamente levará a um aumento significativo do débito cardíaco e do índice cardíaco13. Este valor originou-se no trabalho de Michard et al.14 em 2000 ao avaliar a performance diagnóstica do delta PP em uma curva ROC. Foi demonstrado que o valor de corte de 13% era capaz de distinguir entre os respondedores (delta PP >13%) e não respondedores (delta PP < 13%) a um desafio de volume de 500 ml de colóide, com uma elevação igual ou superior a 15% no índice cardíaco, especificidade de 96% e sensibilidade de 94%. Limitações Apesar da utilidade destas variáveis hemodinâmicas para predizer a responsividade à expansão volêmica e dos estudos experimentais e clínicos embasando tal afirmação12, há algumas limitações que devem ser lembradas, como se segue: 1. Há a necessidade da aferição da pressão de maneira invasiva. Deve-se cateterizar uma artéria que pode ser periférica (geralmente a radial) e lembrar de alguns detalhes que podem interferir nesta aferição, tais como bolhas no sistema e dobraduras no mesmo 2. A respiração espontânea e⁄ou as arritmias podem adulterar a variação, batida a batida, o que refletiria a reserva de pré-carga. Logo, é de se imaginar a necessidade de que não haja arritmias, shunt intracardíaco, doença valvular significativa ou que o paciente não “brigue” com o ventilador, mesmo que para isto necessite sedação e⁄ou curarização13. 3. Parâmetros ventilatórios adotados no paciente, como modalidade ventilatória (deve ser a volume), volume corrente (deve ser > 8mL⁄ Kg), PEEP (positive end-expiratory pressure) e frequência respiratória podem influenciar na eficácia do método. Huang et al.15, recentemente avaliaram a capacidade do delta PP para predizer a responsividade a fluidos em pacientes ventilados com baixo volume corrente (6,4 ± 0,7 mL ⁄ kg) e PEEP alto (14 ± 1,4 cm de H2O). Nestas condições, o ponto de corte do delta PP foi de 11,8% e, capaz de discriminar entre respondedores e não respondedores com sensibilidade de 68% e especificidade de 100%. Tal dado é extremamente importante, uma vez que esta estratégia de ventilar com baixo volume corrente e alto PEEP é largamente utilizada em pacientes sépticos, com síndrome da angústia respiratória do adulto. 4. Fatores como alterações de complacência arterial (aterosclerose grave, vasoplegia, dissecção arterial), disfunção ventricular direita ou esquerda graves podem alterar a confiabilidade do método em graus variáveis13. 5. Necessidade de cálculo matemático a beira do leito, o que tem sido contornado com a presença cada vez mais constante de monitores com programas apropriados para esta finalidade. Recentemente Auler et al.16 desenvolveram uma técnica que permite o cálculo automático do delta PP, utilizando um monitor convencional que pode ajudar a popularizar esta técnica. Conclusão A superioridade dos parâmetros dinâmicos em relação aos estáticos na avaliação da volemia, tem sido confirmada por vários autores em diversas condições clínicas diferentes (cirurgia geral, cardíaca e pacientes não cirúrgicos). Auler et al.16 demonstraram que no pós operatório imediato de cirurgia cardíaca, o delta PP tem maior sensibilidade e especificidade que a pressão venosa central, a pressão de artéria pulmonar ocluída, o índice e a frequência cardíaca na avaliação da responsividade a fluídos. Em pacientes cirúrgicos de alto risco, a terapia fluida perioperatória otimizada de acordo com o delta PP, resultou em significativa redução de mortalidade17. Entretanto, o diagnóstico de hipovolemia no paciente crítico é um desafio e deve aliar avaliação clínica, parâmetros estáticos e dinâmicos. Referências Bibliográficas 1. Vincent JL, Weil MH. Fluid challenge revisited. Crit Care med 2006;34:1333-7 2. Cotton BA, Guy JS, Morris Jr JA, Abumrad NN. 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